aspecto epidemiológico do câncer de colo de útero por

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ASPECTO EPIDEMIOLÓGICO DO CÂNCER DE COLO DO ÚTERO POR
PAPILOMA VÍRUS HUMANO ASSOCIADO A INFECÇÃO POR Gardnerella sp. NO
MUNICÍPIO DE JATAÍ-GO
Marielena Vogel Saivish1,
Ana Carolina Ferreira Franco2,
Maísa Ribeiro3
Resumo: O câncer de colo do útero (CCU) representa o terceiro tipo de neoplasia
mais prevalente em mulheres com idade entre 35 e 50 anos. O alto índice de
mortalidade e taxa de sobrevida menor que 50% em cinco anos, fazem do CCU um
grave problema de saúde pública. O Papiloma vírus humano (HPV) é considerado
um importante fator etiológico no desenvolvimento desta neoplasia, porém a
infecção primária causada pela bactéria Gardnerella sp. parece facilitar a invasão
desse vírus ao epitélio da cérvice influenciando na evolução do câncer de colo do
útero e prognóstico da paciente. Objetivou-se com este trabalho avaliar a associação
das alterações celulares de malignidade do epitélio cervical por HPV com a infecção
pela Gardnerella sp. Realizou-se estudo retrospectivo de laudos citopatológicos com
alterações do epitélio cervical arquivados pela Policlínica Municipal de Jataí-GO, no
período de 2010 a 2014. Foram analisados dados clinicopatológicos. Os resultados
demonstraram 100% (570) de alterações no epitélio cervical por infecção de HPV,
destes 38,1% (217) foram positivos para Gardnerella sp. Em casos com alterações
no epitélio glandular também foi observado, em 91,7% (199) dos casos, presença de
infecção por esse microrganismo. Conclui-se que vaginoses por Gardnerella sp.
podem favorecer as infecções por HPV, contribuindo para o desenvolvimento de
lesões intraepiteliais e progressão tumoral do câncer do colo de útero.
Palavras-chave: citopatologia cervical. Carcinoma epidermóide. Metaplasia.
1
2
3
Acadêmica do curso de Biomedicina; e-mail: [email protected],
Acadêmica do curso de Biomedicina; e-mail: [email protected],
Professora adjunto – Unifimes, e-mail: [email protected]
Introdução
O câncer de colo do útero (CCU) representa o terceiro tipo de neoplasia mais
prevalente em mulheres com idade entre 35 e 50 anos (BRASIL, 2014), com alto
índice de mortalidade e sobrevida menor que 50% em cinco anos (ANDRADE et al.
2014). Tal neoplasia pode ser classificada de acordo com o tecido biológico
acometido: carcinoma epidermóide, em epitélio de revestimento ou mucosa, e
adenocarcinoma, em tecido glandular (SIQUEIRA et al. 2014).
Alterações morfofisiológicas podem levar ao desenvolvimento de Neoplasia
Intraepitelial Cervical (NIC), promovendo a substituição total ou parcial do tecido
acometido (AIDÉ et al. 2009). As NICs são classificadas segundo atipias celulares
em: NIC I – displasia leve; NIC II – displasia moderada e NIC III – displasia
acentuada e carcinoma “in situ” (FONSECA et al. 2012) (Figura 1).
Figura 1. Evolução da neoplasia intraepitelial cervical (NIC)
Histologia de neoplasia intraepitelial cervical. HE, 40X.
Fonte: Penson, 2016.
O CCU pode ser causado por diferentes fatores etiológicos, sendo a infecção
pelo Papiloma Vírus Humano (HPV) a principal causa de alterações histológicas em
mulheres com diagnóstico para NIC I (BERTOCCHI et al. 2014; SANTOS et al.
2004). Outras variações das características da microbiota vaginal, como o pH,
podem promover o desenvolvimento de vaginoses causadas principalmente pelo
microrganismo Gardnerella vaginallis (MELO et al. 2009). Portanto, detectar as
infecções e inflamações através de um diagnóstico precoce se torna de suma
importância na prevenção do CCU (OLIVEIRA et al. 2014; AMARAL et al. 2012).
Material e métodos ou Metodologia
Este estudo foi desenvolvido pela Universidade Federal de Goiás (UFG),
Regional Jataí, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, através da
Policlínica Municipal de Saúde. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa – CEP da UFG segundo parecer nº 1.459.536.
DELINEAMENTO E LOCAL DO ESTUDO
Trata-se de um estudo transversal, retrospectivo, descritivo e qualitativo. Os
dados foram coletados, após aprovação pelo CEP/UFG, a partir de um banco de
dados secundário que está sob responsabilidade da Policlínica Municipal de Saúde
de Jataí (GO). Foram analisadas as seguintes variáveis: adequabilidade do material
coletado, tipos de epitélios representados na amostra, microbiologia, células atípicas
de significado indeterminado, data da realização do exame e da liberação e emissão
do laudo na Policlínica Municipal. Os dados obtidos foram inseridos em planilha
eletrônica do programa Excel® versão 2010.
SELEÇÃO DA AMOSTRA
A população de estudo envolveu registros de 570 mulheres do município de
Jataí-GO, inscritas no Programa da Mulher entre o período de 2010 a 2014, que
apresentaram laudo com alterações celulares de malignidade no epitélio uterino
sugerindo patogenia por HPV. Os dados clínicos foram obtidos a partir dos laudos
citopatológicos arquivados pela instituição colaboradora e os resultados foram
registrados em banco de dados do software Excel 2010, mantendo o sigilo e
confidencialidade dos indivíduos envolvidos na pesquisa. Aspectos como idade, tipo
de tecido com alterações celulares, infecção primária por Gardnerella sp.,
inflamação, metaplasia, lesão intraepitelial, microinvasão e evolução neoplásica
foram analisados. Para classificação microscópica, foi utilizado o sistema NIC.
CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO
Neste estudo foram incluídos casos de pacientes com alterações préneoplásicas, diagnóstico de carcinoma epidermóide e adenocarcinoma e a presença
de alterações celulares decorrentes de vaginose por Gardnerella sp. Os dados com
informações incompletas e câncer do colo uterino (CCU) promovido por diferentes
fatores etiológicos não relacionados ao HPV foram excluídos da pesquisa. Um total
de 25.095 exames citopatológicos foram realizados no período de 2010 a 2014,
sendo que 2,3% (570) dos laudos foram incluídos no estudo por apresentar
alterações celulares por infecção pelo HPV. Entre estes, 38% apresentaram
positividade para infecção primária por Gardnerella sp.
ANÁLISE ESTATÍSTICA
A análise estatística dos dados foi realizada pelo software SPSS versão 23.0
(Chicago, IL, EUA). O teste estatístico Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para avaliar
a distribuição normal dos dados. O teste estatístico Qui-quadrado foi aplicado para
comparação dos dados qualitativos entre a infecção primária por Gardnerella sp. e
aspectos do câncer do colo de útero (CCU) por HPV. O teste de análise de variância
(ANOVA) foi utilizado para análise descritiva da média de idade.
Resultados e discussão
Todos os laudos (570) apresentaram alterações escamosas no epitélio, sendo
38% positivos para infecção com Gardnerella sp (Tabela 1). Alterações do epitélio
glandular foram observadas em 92,1% dos laudos, onde 199 foram positivos para a
bactéria com alterações reativas concomitantes à sua presença (Tabela 1). Todos os
exames cervicovaginais analisados apresentaram modificação no epitélio uterino.
Destas alterações, 59,8% foram classificados como NIC I, nas quais 24,03%
apresentaram co-infecção bacteriana; 21,9% dos casos forma classificados como
NIC II/III, sendo que 14% apresentaram vaginose por este tipo de bactéria com
associação significativa com o seu desenvolvimento (p=0,012), 79,1% dos casos
foram classificados como carcinoma epidermóide invasor sem relato de Gardnerella
sp. e 12,5% dos casos foram positivos para adenocarcinoma invasor cervical, sendo
4,38% positivos para infecção por Gardnerella sp (sem associação significativa)
(Tabela 1). Carvalho et al. (2014) revelaram que metade dos casos que analisaram
foram diagnosticados com NICs II/III, enquanto 41,5% das pacientes foram
consideradas baixo grau, e 6,6% dos casos considerados como neoplasia maligna
invasiva.
TABELA 1. Associação entre os dados clinicopatológicos e a infecção por
Gardnerella sp. em 570 exames cervicovaginais da Policlínica Municipal de Jataí, no
município de Jatai-GO.
Total de casos
Gardnerella vaginalis
n (%)
n (%)
570 (100)
217 (38,0)
33,3
32,9
0,578
Escamoso
570 (100,0)
217 (38,0)
_a
Glandular
525 (92,1)
199 (34,9)
0, 621
23 (4)
07 (1,23)
0,662
Total
Média de idade (anos)
p
Tecido com alteração
Alteração reativa: inflamação
Metaplasia
0,389
Presente
286 (50,2)
113 (19,82)
Ausente
284 (49,8)
104 (18,24)
Baixo Grau
341 (59,8)
137 (24,03)
0,252
Alto Grau
125 (21,9)
80 (14,03)
0,012*
Microinvasão
59 (10,4)
19 (3,33)
1,000
Carcinoma Epidermóide Invasor
451 (79,1)
0
0, 614
Adenocarcinoma Invasor Cervical
71 (12,5)
25 (4,38)
0, 605
Lesão Intraepitelial
Evolução neoplásica
ª – Não houve teste estatístico, pois, os resultados são uma constante; * p<0.05.
As médias de idade entre as mulheres com alterações do epitélio uterino por
HPV e infecção por Gardnerella sp foram de 33,3 e 32,9 anos, respectivamente
(Tabela 1). Oliveira et al. (2010) demonstraram que a prevalência dos casos de CCU
ocorreram entre 30-40 anos e Amaral et al. (2012) que lesões intraepiteliais por HPV
com concomitante infecção por Gardnerella sp foram mais incidentes entre os 20-30
anos.
A contaminação por HPV ocorre no início da vida sexual (SIMOES et al.,
2013) principalmente entre 15-19 anos (59,3%) (SILVA et al., 2013). Sendo a
adolescência um período vulnerável à infecção por agentes etiológicos devido a
junção escamocolunar sofrer maiores modificações e proliferação celular, o início da
vida sexual precoce pode ser um fator predisponente ao CCU (CIRINO et al., 2010).
Desta forma, mesmo os picos de incidência de CCU atingindo a faixa etária de 35 a
50 anos, as lesões podem ter ocorrido em idade anterior e evoluído gradativamente
para uma malignidade mais tardia (BICCA et al., 2013).
A Gardnerella sp. compõe a microbiota vaginal saudável, principalmente das
mulheres sexualmente ativas (MENARD et al., 2008; EREN et al., 2010). Porém,
ação de fármacos, hormônios e diversidade de parceiros sexuais, podem promover
alterações da homeostase e a proliferação exacerbada de microrganismos
anaeróbios favorecendo o desenvolvimento de vaginoses com prevalência da
Gardnerella sp nas vaginoses bacterinas (MOTTA et al. 2012).
Neste estudo, todos os casos positivos para Gardnerella sp. apresentaram
alterações do epitélio escamoso, enquanto que 34,9% das amostras revelaram
modificações glandulares. Este dado pode ser comparado ao estudo de Silva et al.
(2014) no qual alterações no epitélio escamoso de 36,3% dos exames sugeriu maior
taxa de alterações neoplásicas neste tecido em comparação ao epitélio glandular.
Bonfanti e Gonçalvez (2010) demonstraram, em análise de 1.344 laudos, que 33,7%
dos casos de alterações cervicais eram positivas para Gardnerella sp., enquanto
para Motta et al. (2012) 1/5 das amostras foram positivas para esta vaginose
bacterina, sendo 38% dos casos positivos para Gardnerella sp., sugerindo que
lesões intraepiteliais que cursam com vaginoses podem estar relacionadas aos
mecanismos de patogênese deste tipo de bactéria. Silva et al. (2003) demonstraram
que vaginoses por Gardnerella sp. são frequentes em NICs que apresentam aspecto
de modificações celular e epitelial sugestivo de infecção por HPV, visto que a
prevalência dessa bactéria pode predispor o epitélio vaginal à infecção pelo HPV.
A associação de Gardnerella sp. com NIC II/III sugere que a coinfecção com
HPV estão relacionadas ao desenvolvimento de lesões avançadas, aumentando o
risco de desenvolvimento de neoplasia de colo do útero e contribuindo para um pior
prognóstico. Outro dado de grande relevância é a inexistência de coinfecção por
Gardnerella sp nos casos de Carcinoma epidermóide invasor, sugerindo que a
patogenicidade viral atue na erradicação da bactéria nos processos invasivos.
Conclusão
Conclui-se que lesões intraepiteliais uterinas causadas pelo vírus HPV podem
estar associadas a infecções prévias por Gardnerella sp.
Conclusões
Concluímos que lesões intraepiteliais uterinas causadas pelo vírus HPV
podem estar associadas a infecções prévias por Gardnerella sp. Após o surgimento
de lesões intraepiteliais no colo uterino causado por esses fatores etiológicos,
ambos podem contribuir de maneira associada para o desenvolvimento de neoplasia
do colo de útero. Assim, devido ao crescimento lento e gradativo das lesões do
epitélio cervical, bem como a presença de agentes etiológicos que predispõe o
tecido biológico as alterações, o diagnóstico prévio e a conscientização da
população feminina é importante para prevenir o câncer do colo de útero.
Apesar
dos
programas
de
rastreamento
realizarem
campanhas
de
conscientização e incentivo ao exame preventivo, a busca das mulheres pelo
diagnóstico precoce ainda é escassa. A falta de acesso às informações e a forma
como o exame é realizado ainda é um problema que afeta a população feminina. A
faixa etária de maior prevalência abrangendo a terceira década de vida sugere
infecção pelo HPV em idade precoce, detectando o vírus mais tardiamente devido à
evolução lenta das neoplasias.
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