Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais Curso

Propaganda
Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais
Curso de Ciências Econômicas
Breno Francis de Paula
A ECONOMIA ALEMÃ E SEUS DESAFIOS PÓS-CRISE FINANCEIRA DE 2008
Belo Horizonte
2014
Breno Francis de Paula
A ECONOMIA ALEMÃ E SEUS DESAFIOS PÓS-CRISE FINANCEIRA DE 2008
Monografia apresentada ao Instituto de Ciências
Econômicas e Gerenciais da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, como requisito parcial
para obtenção do título de Bacharel em Economia.
Orientador: Marcelo Meira de Jesus
Belo Horizonte
2014
Breno Francis de Paula
A ECONOMIA ALEMÃ E SEUS DESAFIOS PÓS-CRISE FINACEIRA DE 2008
Monografia apresentada ao Instituto de Ciências
Econômicas e Gerenciais da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, como requisito parcial
para obtenção do título de Bacharel em Economia.
______________________________________________
______________________________________________
______________________________________________
Belo Horizonte, 22 de Maio de 2014.
À minha mãe, Maria Aparecida dos Anjos, que, com apoio e compreensão,
não mediu esforços, tampouco incentivos para que eu chegasse até aqui.
AGRADECIMENTOS
A todos que contribuíram para a realização deste trabalho, fica expresso aqui a minha
gratidão, especialmente:
Agradeço aos meus pais, Maria Aparecida dos Anjos e Flâni de Paula Teixeira, pois, é
devido à educação, exemplo e orientação que eles me deram ao longo da vida que escolhi
seguir em busca de meus próprios sonhos e desejos, os quais estão se materializando também
com o encerramento dessa etapa.
Agradeço a minha irmã Brenda Lorrane de Paula, por sempre acreditar em mim e me
apoiar em qualquer decisão.
Agradeço a minha namorada Yasmin Vartuli Barros, por ter me incentivado no
cansativo processo que é o desenvolvimento de uma monografia. Agradeço-a por todos os
beijos e puxões de orelha necessários para a continuidade deste trabalho.
Agradeço aos professores Marcelo Meira de Jesus, Daniel Ítalo Richard Furletti e
Maria Letícia Líbero Estanislau, pela orientação, pelo aprendizado e apoio em todos os
momentos necessários.
Agradeço as minhas colegas de classe Maiara Vilela Souza, Thais Adriane Silva e
Sabrina Mota Morais Araújo, pela rica troca de experiências.
Agradeço a minha cadela Borracha que, muitas vezes teve que me ouvir e estava
disposta a longas corridas em momentos de alivío de estresse do projeto de monografia.
A todos que, de alguma forma, contribuíram para esta construção.
RESUMO
Esta monografia é o resultado de um estudo sobre a economia alemã. Ela pretende narrar sua
trajetória econômica desde antes da formação de seu Estado até os dias atuais, mostrando
como as particularidades de sua história e de seu povo influenciaram na construção das suas
instituições. Serão traçadas as características do modelo capitalista coordenado alemão, que
visa a equalização dos níveis socioeconômicos através de um tripé formado pelo Estado, as
organizações empresariais e os sindicatos. Buscar-se-á explicar o porquê desse modelo
capitalista diferenciado proporcionar a Alemanha vigor em momentos de crise e a pujança na
liderança da comunidade europeia.
Palavras-chave: Economia Alemã. Capitalismo Coordenado Alemão. Escola Histórica Alemã.
ABSTRACT
This paper is the resulto f the detailed study of the german economy. It intends to narrate the
economic trajectory of Germany since before the formation of its State until nowadays,
demonstrating how the particularities of its history and its people could make na influence in
the construction of its institutions.
Its going to layout all the characteristics of the german coordinate capitalist model that plans
to equalize the various socioeconomic levels through a tripé formed by the State, the business
corporations and the syndicate.
It seeks also to explain why this specific capitalistic model was able to proportionate
Germany glory on its moments of crises and strength to lead the european community.
Keywords: German Economy, German Coordinate Capitalism, German Historical School.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 09
2 REFERENCIAL TEÓRICO ..........................................................................................
2.1 Debate sobre o desenvolvimento ..................................................................................
2.2 Desenvolvimento Econômico Alemão: evolução histórica e aspectos teóricos ........
2.2.1 Antecedentes: século XVII e XVIII ..........................................................................
2.2.2 O período da consolidação: século XIX até a Segunda Guerra Mundial .............
2.2.3 O período de reconstrução até os dias atuais ..........................................................
2.3 Teoria de Integração e Comunidade Europeia ..........................................................
11
11
12
12
19
22
26
3 CONJUNTURA MACROECONÔMICA .....................................................................
3.1 Dados Macroeconômicos ..............................................................................................
3.2 Crise Financeira de 2008 ..............................................................................................
3.3 Crise Europeia de 2010 ................................................................................................
30
30
39
41
4 NOVO CONTEXTO ALEMÃO E OS DESAFIOS PARA O FUTURO ................... 44
5 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 47
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 49
ANEXOS ............................................................................................................................. 52
9
1. INTRODUÇÃO
O objetivo desta monografia é analisar a economia alemã e compreender as
características de seu arranjo coordenado e de seus traços socioeconômicos que possibilitaram
um capitalismo diferenciado e permitiram que o país ostentasse uma posição destacada na
Europa.
Segundo a Rádio e Televisão de Portugal (2012), em dezembro de 2012, o ministro
das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäble defendeu que o pior da crise do euro já havia
passado. De acordo com o Estado de S. Paulo (2013), o presidente da França, François
Hollande afirmou que a crise na economia da zona do euro acabou e que está de volta a
confiança à região. Apesar de todo esse otimismo sabe-se que a conjuntura econômica
europeia continua instável. O PIB da zona do Euro encerrou o ano de 2012 em queda de
0,6%, conforme a Eurostat (2013).
Assim, a Alemanha vem apresentando dados positivos de exportações, com o segundo
melhor superávit comercial em mais de 60 anos, além de queda no nível de desemprego e a
manutenção de seus benefícios sociais, bem como de seu rating perante as agências de
classificação de risco (DESTATIS, 2012). Mesmo diante de uma crise que atinge grande parte
dos países europeus, a Alemanha consegue manter seus principais dados macroeconômicos e
preservar a confiança dos investidores.
No entanto, segundo Guimarães e outros (2012), algumas barreiras se colocam frente à
Alemanha na atual conjuntura: fraca demanda por importações de seus vizinhos afetados pela
crise, concorrência chinesa por exportações, indignação dos trabalhadores pelos baixos
salários dos miniempregos criados para enfrentar a crise da dívida, além do desafio de
incorporar mulheres e os imigrantes no mercado de trabalho.
Deste modo, a Alemanha, considerada o bastião europeu na atual conjuntura, tem a
sua frente grandes adversidades: liderar o reerguimento da Zona do Euro, enfrentar a
intensificação do processo de internacionalização financeira e consequentemente o
acirramento da concorrência internacional.
Nesse contexto, é essencial discutir o modelo econômico adotado pelo país.
Procurando entender as peculiaridades do capitalismo coordenado alemão, que propõe bases
sólidas às suas instituições e um caráter mais social em seu arranjo institucional.
No que tange ao comércio exterior, apesar da crescente concorrência asiática,
destacando a qualidade dos produtos japoneses e os baixos preços dos chineses, a Alemanha é
10
uma grande exportadora mundial de mercadorias, conforme Mendes e Pedroti (2009). A
balança comercial corresponde a aproximadamente um terço do PIB alemão. A grande força
econômica alemã está relacionada à sua competitividade e suas indústrias destacam-se pela
qualidade da força de trabalho, altamente qualificada, e pelo perfil de suas indústrias.
É importante entender o capitalismo coordenado alemão a fim de que se possam
delinear suas principais diferenças frente a outras variações do próprio capitalismo. O
comparativo será dado realizado com maior enfoque no capitalismo liberal.
Além desta introdução, a condução desta monografia está dividida em três partes:
inicia-se com a exposição do enfoque teórico sobre o desenvolvimento econômico. Serão
conceitualizados e diferenciados os termos “desenvolvimento” e “crescimento econômico”.
Ainda na primeira parte, será necessário contextualizar historicamente, a partir do século
XVII, as políticas industriais e socioeconômicas adotadas pela Alemanha, que fundaram bases
para esse capitalismo, preocupado com o social, sobretudo se comparado às outras economias
bem sucedidas da Europa e do mundo, cujo sobressaem o capitalismo de cunho mais liberal.
Para tanto, será dada ênfase desde o início da formação do território alemão, passando pelo
seu período de consolidação e a Segunda Guerra Mundial e, por fim, o período de
reconstrução até os dias atuais. Finalmente, a primeira parte se encerra com a exposição da
teoria de integração entre os países e como ela se deu na comunidade europeia.
No capítulo seguinte é feita uma leitura da conjuntura alemã recente e seu desempenho
econômico sob a ótica dos principais indicadores macroeconômicos. Assim, é feito uma breve
análise de dados estratégicos encontrados nos gráficos e tabelas que compõem essa segunda
parte. Também se faz imprescindível a contextualização da crise financeira americana de
2008 e como ela criou condições para o surgimento da crise europeia de 2010.
Finalmente, na terceira parte, será feita uma síntese dos principais acontecimentos na
trajetória da economia alemã e, posteriormente, com a fundamentação nesses relevantes fatos,
será realizada uma análise conjuntural e estrutural da Alemanha. Um diagnóstico dos
principais desafios enfrentados no passado e como eles serão para o futuro do país alemão
também será realizado.
11
2. REFERENCIAL TEÓRICO
O referencial teórico deste trabalho está dividido em três partes. Inicia-se com uma
discussão acerca da conceituação de desenvolvimento. Na parte a seguir, o enfoque será dado
na escola histórico-institucionalista, criada na Alemanha para contrapor a teoria liberal
inglesa. Finalmente, o terceiro tópico procura expor a teoria de integração regional e sua
aplicação na comunidade europeia. Essa abordagem mostra como foi conduzido o processo
político e econômico de integração dos países da Europa e a fundamental importância desse
processo atualmente.
2.1 Debate sobre o desenvolvimento econômico
Para a compreensão das peculiaridades do desenvolvimento da economia alemã,
principalmente a partir da Segunda Guerra, faz-se indispensável, primeiramente, a
conceituação dos termos desenvolvimento e crescimento econômico. A diferenciação entre
esses termos permitirá uma conscientização da dimensão alcançada pela Alemanha.
Segundo Souza (2007), não existe uma definição unânime sobre desenvolvimento.
Contudo, existe um consenso que afirma a existência de duas correntes de pensamento sobre o
termo supracitado. Uma primeira corrente, de caráter mais teórico e dedutivo, avalia
crescimento como sinônimo de desenvolvimento. A segunda corrente, baseada em uma
realidade empírica e histórica, entende que o crescimento é indispensável para o
desenvolvimento, porém não é condição suficiente. Para Ul Haq (2007), a diferença entre as
correntes é que a primeira concentra-se exclusivamente na expansão de uma variável
econômica – a renda – enquanto a segunda engloba todas as variáveis humanas – cultural,
econômica, política ou social.
A partir da primeira corrente de pensamento, surgiram modelos que destacam apenas a
acumulação de capital (SOUZA, 2007). A ideia é de que o crescimento econômico,
distribuindo diretamente a renda entre os proprietários dos fatores de produção, ocasiona,
simultaneamente, desenvolvimento econômico e melhoria dos padrões de vida. Porém, a
realidade tem corroborado que só crescimento econômico não garante o desenvolvimento, já
que os ganhos da expansão nem sempre beneficiam a economia como um todo, bem como
todo o conjunto da população. Segundo Ul Haq (2007), essa relação não pode ser feita por
uma série de motivos: a renda pode ser desigualmente distribuída em uma sociedade, as
12
prioridades públicas podem ser excludentes, além do fato de muitas escolhas humanas
estenderem-se além do bem-estar econômico.
A segunda corrente de desenvolvimento tem papel chave ao questionar a relação
automática entre expansão de renda e a expansão de alternativas humanas. “Esse elo depende
da qualidade e da distribuição do crescimento econômico e não apenas do crescimento em
termos quantitativos.” (UL HAQ, 2007, p.65). Conforme Souza (2007), inicialmente há um
crescimento ligado a uma expansão do produto e, em seguida, o desenvolvimento se expressa
de forma qualitativa, refletindo no bem-estar da população e das instituições.
Diante do exposto, será adotado como conceito de desenvolvimento, a presença de um
crescimento econômico quantitativo e qualitativo, que busca o aumento da renda e,
simultaneamente, da possibilidade de ampliação do campo de escolha dos indivíduos,
conforme definição abaixo:
Desenvolvimento econômico define-se, portanto, pela existência de crescimento
econômico contínuo (g), em ritmo superior ao crescimento demográfico (g*),
envolvendo mudanças de estruturas e melhoria de indicadores econômicos, sociais e
ambientais. Ele compreende um fenômeno de longo prazo, implicando o
fortalecimento da economia nacional, a ampliação da economia de mercado, a
elevação geral da produtividade e do nível de bem-estar do conjunto da população,
com a preservação do meio ambiente. Com o desenvolvimento, a economia adquire
maior estabilidade e diversificação; o progresso tecnológico e a formação de capital
tornam-se progressivamente fatores endógenos, isto é, gerados predominantemente
no interior do país, embora a integração internacional constitua um processo
gradativo e irreversível. Apesar da diversificação das exportações de produtos
manufaturados e do crescimento do comércio exterior, o setor de mercado interno
aumenta simultaneamente sua participação na economia. Em razão da redução
gradativa do número de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza, da elevação
dos níveis dos salários e da renda em sem conjunto, esse setor passa a ser
definitivamente o elemento dinâmico do sistema econômico.
(SOUZA, 2007, p.7)
2.2 Desenvolvimento Econômico Alemão: evolução histórica e aspectos teóricos
2.2.1 Antecedentes: século XVII e XVIII
Durante o século XVII, o ducado da Prússia ostentou a condição de líder da
civilização germânica, quando passou a incorporar os condados adjacentes. Estimulou-se uma
atividade manufatureira, como ferramentas, armas e tecidos, porém essa atividade industrial
foi extinta pela guerra dos trinta anos com a França (1618-1648) (SOUZA, 2007). Em
seguida, a economia renasceu com pujança através de protestantes banidos da França, entre
eles, abrangiam-se funcionários públicos, homens de negócio, intelectuais e artesãos. Esses
13
homens implementaram suas indústrias e técnicas de cultivo, desenvolvendo as culturas de
batatas, cereais, forrageiras para alimentação animal, criação de gado e produção de lã.
Na Prússia, nesse período, havia proteção alfandegária, mas não em outros Estados de
língua alemã, estes sofriam com a concorrência de manufaturas estrangeiras, explica List
citado por Souza (2007). Na metade do século XVIII, a Prússia passou a ser vista como uma
potência europeia, graças, também, a alianças feitas com França e Inglaterra. No cenário
interno, anexou diversas regiões, criou estradas e canais e estimulou a produção agrícola.
Entre 1806 e 1812, a Prússia e os povos germânicos em conjunto estiveram sob o domínio
francês, como nota Souza (2007). Apesar disso, a legislação napoleônica foi adepta às trocas e
à atividade produtiva e findou com as estruturas feudais existentes. As mudanças apareceram
com o intuito de construir uma grande nação, através da eliminação de obstáculos ao
comércio e ao exercício profissional.
Em 1815, os alemães e aliados derrotaram os franceses em Waterloo, acabando com o
domínio francês. Neste ano, no Congresso de Viena, formou-se a Confederação Germânica.
Ela contava com 35 estados e 4 cidades livres, destacando-se os reinos da Prússia, Saxônia,
Hannover, Baviera, Württemberg, sendo Frankfurt a capital. Nessa época, ganhavam forças
correntes opostas: liberais e nacionalistas. A liberal afrontava os feudos locais por meio das
universidades e da literatura. A nacionalista ambicionava o fortalecimento da Prússia, para
que conduzisse a nação alemã, segundo Lafue citado por Souza (2007).
“A Alemanha sofria particularmente com o impacto das ideias modernas tanto pela sua
proximidade geográfica com os principais polos irradiadores da novidade (França e
Inglaterra), quanto pelo pensamento forte e singular de seus intelectuais.” (MAXIMO, 2010,
p.2). O conflito, no cenário germânico, de interpretações tão distintas fez surgir
questionamentos e dúvidas essenciais para a ciência econômica.
Diante disso, articularam-se reações ao avanço da industrialização e sua ideologia
implícita. Essas reações assumiram várias formas, desde manifestações violentas como a
destruição direta de máquinas, cometida pelo movimento Ludita, até os rebuscados romances
escritos no Sturm und Drang 1. Assumiu ainda o contorno de uma reação intelectiva com
efeitos políticos. Entre 1770 e 1830, explica Maximo (2010), deu-se na Alemanha um
importante florescimento intelectual e artístico. Um acontecimento paralelo ao Iluminismo
1
Sturm und Drang foi um movimento literário do final do século XVIII que exaltou a natureza, os sentimentos e
o individualismo humano. O movimento aconteceu por uma reação ao culto do racionalismo, presente no
Iluminismo, bem como ao classicismo francês. Goethe e Schiller começaram suas carreiras como membros
proeminentes do movimento. (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, 2014)
14
que atingia a Europa, assinalado por um forte anseio religioso e metafísico, inteiramente
contrário ao ocidente cada vez mais laico e materialista.
A fundação da Universidade de Berlim em 1810 é um marco dessa oposição
intelectual. Conviviam no ambiente universitário as cátedras de filosofia, teologia,
filologia e história, com uma abertura e um diálogo desconhecido nas universidades
francesas e inglesas. Ao contrário de uma segmentação e uma especialização cada
vez maior do conhecimento, desenvolvia-se na Alemanha, uma perspectiva de
integração entre disciplinas que tratam do homem. Um saber conjunto que
permitisse compreender as diversas esferas da vida em sociedade.
(MAXIMO, 2010, p.4)
Como resultado desse movimento, surgiu a escola histórica alemã (Historische Schule
der Nationalökonomie). Um conjunto de estudiosos com uma corrente de pensamento
contrária às ideias liberais e ao avanço do pensamento marginalista. Desenhou-se, com isso,
um embate metodológico entre indutivismo e dedutivismo. Os autores da escola histórica
confrontavam a noção de universalidade dos teoremas econômicos. Segundo os próprios, a
economia é dependente dos fatos históricos específicos de cada povo, por isso deve ser
realizado um estudo rígido sobre a realidade histórica e não à dedução de teoremas de acordo
com a lógica ou de modelos matemáticos.
Tabela 1 – Representantes em destaque da escola histórica alemã
Representantes
Ideias Econômicas
Wilhelm Roscher
Acreditava que os desejos dos povos em assuntos econômicos
exigiam um contato estreito com as outras ciências da vida nacional,
em particular a história do direito, da política e da civilização.
Bruno Hildebrand
Via a história como o porta para a renovação das ciências.
Karl Knies
Negava a existência de leis econômicas universais e permanentes.
Gustav von Schmoller
Aceitava a combinação da indução e da dedução, com o apoio
estatístico, para a investigação de fenômenos econômicos.
Johann Herder
Era contra a todos que acreditavam que a realidade poderia ser
simplificada em leis universais descobertas através de pesquisa
racional.
Friedrich List
Ponderava que as leis econômicas não poderiam deixar de lado a
conjuntura em que se inseriam.
Fonte: Elaborado pelo autor; dados de Maximo (2010), Taylor (1963) e Baingo (2009)
15
Sobre a escola histórica alemã e os seus pensadores, Maximo (2010) afirma:
É importante identificar o arco de pensamento que une todo o movimento intelectual
referido. Apesar das inúmeras diferenças entre as chamadas escolas, os membros
dessa linha de pensamento compartilham a crítica fundamental à perspectiva
mecânica da vida econômica. Os economistas alemães estão preocupados em
refutar a suposição clássica à cerca da natureza humana, ou seja, de que os homens
são essencialmente egoístas; seja à procura do auto-interesse de que Smith nos fala
ou o homo economicus dos manuais modernos. Isso revela uma diferença
metodológica crucial. Os economistas históricos rejeitam a abstração como método,
abandonam a ideia da validade universal dos teoremas econômicos.
A redução da sociedade a um argumento de agentes individuais, reunidos apenas
mediante a vontade de maximizar seus interesses pessoais é combatida pela ideia da
peculiaridade e da complexidade irredutível dos movimentos históricos.
Essencialmente, o debate erguido pela escola histórica alemã trata de negar
verdades independentes do tempo, alegando ser necessário um método capaz de
abarcar as diferenças para compreender uma realidade sempre mutante, única e
imprevisível.
(MAXIMO, 2010, p.)
Verifica-se, também, que o objetivo da escola histórica alemã não era apenas refutar as
teorias e o método liberal econômico, mas buscar um caminho próprio, que os diferenciaria,
sobretudo, da economia política inglesa, elucida Fonseca (2000). Essa alternativa almejada
pelos alemães é considerada uma heterodoxia, ou seja, uma contestação às ideias dominantes.
Para reforçar as contestações do mainstream de sua época, os pensadores da escola
alemã utilizavam três aspectos comuns e relevantes que caracterizavam a heterodoxia de sua
corrente. São eles: o historicismo, o institucionalismo e o intervencionismo (FONSECA,
2010).
O historicismo enfatizou um adjetivo marcante dos economistas alemães supracitados:
a presença da história em seus trabalhos. A forma de tratamento, interpretação e utilização da
história entrelaçada com as políticas econômicas, apresentaram nítido contraste se comparado
ao método dedutivo, abstrato e universal dos ingleses.
O institucionalismo relacionou-se à defesa de um processo assentado na busca da
peculiaridade, de destaque no empírico. Havia o consenso de que o que era válido para a
Inglaterra, potência dominante, favorecida pelas leis de livre comércio e precursora da
Revolução Industrial, não poderia ser verdade para os alemães. Primeiramente, aos
germânicos faltava a instituição básica: o Estado Nacional unificado. Dentre o seu território
predominavam diferenças políticas e impasses no campo da economia. Uma economia
composta por estados sem Estado, mercados, bancos, leis, regulamentos e moedas locais. A
existência de instituições locais e a inexistência de outras impediam a seus governantes e ao
seu povo de pensar a economia como algo universal.
16
Finalmente, o intervencionismo adveio da inadmissão da corrente econômica alemã de
que o mercado, em seu curso natural, conduziria a sociedade germânica a um caminho
próspero. Para garantir esse fim haveria a necessidade de que o Estado se fizesse presente.
A conjuntura germânica do século XVIII, como já foi dito, era problemática. Sua
economia baseava essencialmente numa agricultura sem técnicas modernas e produtividade
baixa, que gerava crises de escassez frequentes entre a população, afirma Baingo (2009). As
atividades comerciais e industriais assistiam seu desenvolvimento obstruído por divisões
políticas que criavam barreiras aduaneiras e no sistema monetário, insuficiência dos meios de
transporte, de capital e do crédito, segundo Pereira e Menezes (2009).
À luz dessas considerações, Friedrich List2 imaginava que o sistema válido na
Inglaterra não seria eficiente no território germânico:
Como podemos perceber, a realidade de Friedrich List opunha-se à realidade de
Adam Smith no momento em que este escreveu A Riqueza das Nações. Por essa
razão, List busca desconstruir a ideia de que o livre-comércio é o caminho mais
eficiente para o desenvolvimento econômico das nações. Para este autor, o sistema
de Smith aplicava-se somente a nações que já se encontravam em elevado grau de
desenvolvimento, como a Inglaterra, mas era ineficiente para nações que se
encontram na mesma situação de atraso econômico da Alemanha, na primeira
metade do século XIX. Assim, List iniciava o enfrentamento teórico com os
herdeiros de Adam Smith e sua teoria.
(PEREIRA e MENEZES, 2009, p.92).
Sua teoria recusava a harmonia dos interesses privados, esclarecida na obra a Riqueza
das Nações de Adam Smith. List afirmou que estes interesses não levariam necessariamente o
bem estar para todas as nações, aponta Padula citado por Baingo (2009). Ele considerava
como característica básica de sua teoria o conceito de nacionalidade. Segundo o autor, toda a
estrutura de seu sistema era baseada neste conceito, porque representava o interesse
intermediário entre individualismo e a humanidade inteira.
List citado por Baingo (2009) considerou, também, que a obra de Smith “A Riqueza
das Nações” falhou em seu objetivo, pois lidou somente com a economia individual e da
economia global, excluindo a economia nacional bem como o conceito de nacionalidade. Ele
atribuiu, ainda, a doutrina de Smith como cosmopolita à questão do desenvolvimento das
nações, afirmam Pereira e Menezes (2009).
Em seu modelo de desenvolvimento econômico, em resumo, List projetou o progresso
de sua nação, ou seja, a Alemanha, explicam Pereira e Menezes (2009). Isso se torna evidente
2
Georg Friedrich List (1789-1846) é considerado o primeiro grande economista de língua alemã, defendia o
protecionismo, a industrialização e a unificação de seu país. (FONSECA, 2000)
17
em toda a obra, já que o conteúdo refere-se à conjuntura da região germânica naquele
momento. Diante do exposto, “Sistema Nacional de Economia Política”, obra de List, foi
escrita almejando o sucesso da economia alemã, conquanto pudesse ser adotada por outras
nações que se deparassem nas mesmas circunstâncias, desde que levadas em consideração
suas especificidades.
Segundo Pereira e Menezes (2009), List considerava três estágios de progresso onde
os países se enquadravam. O primeiro estágio referia-se aos países cuja situação econômica se
encontrava em um grau de barbárie, ou seja, muito atrasada e abandonada. Para os países
nessas categorias, a alternativa seria a adoção do livre comércio com nações mais avançadas,
com a finalidade de que essa relação conseguisse tirá-los do estado de barbárie e fizesse
prosperar a agricultura. O segundo estágio, dizia respeito aos países, que como a Alemanha,
estavam em situação intermediária. Nessas condições, o ideal seria a promoção do
crescimento da navegação, das manufaturas, da pesca e do comércio exterior, seguindo-se
restrições ao comércio. Por fim, no terceiro estágio, alcançado naquele período somente pela
Grã-Bretanha, país com alto grau de riqueza e poder, podia-se adotar o livre-comércio e a
concorrência sem restrições, tanto no mercado externo quanto interno.
Percebi claramente que a livre concorrência entre duas nações altamente
civilizadas só pode ser mutuamente benéfica no caso de ambas estarem em um grau
de desenvolvimento industrial mais ou menos igual; ao contrário, qualquer nação
que, em razão de reveses, estiver atrasada em relação a outra, do ponto de vista
industrial, comercial ou naval, embora possua os meios mentais e materiais para
desenvolver-se, deve antes de tudo aumentar e consolidar seus próprios poderes
individuais para aparelhar-se a entrar na livre concorrência com nações mais
evoluídas. Em uma palavra, dei-me conta da distinção entre a Economia
Cosmopolítica e a Economia Política.
(LIST apud BAINGO, 2009, p.11).
Embora o nacionalismo fosse o pilar de seu sistema, List também aborda outras
questões chave, como a unidade nacional. Em conformidade com sua teoria, o primeiro passo
para que a região germânica ultrapassasse a situação de atraso em que se encontrava era
organizar-se politicamente. A fragmentação, afirmam Pereira e Menezes (2009), que se
estabeleceu no território, após a reorganização no Congresso de Viena, deixou os estados
alemães sem unidade política. List defendia a concepção de um poder forte e concentrado,
capaz de aprovisionar garantias necessárias ao desenvolvimento de uma nação, tais como a
ordem pública, a liberdade civil e a estabilidade das leis.
18
Quando fala em união, porém, List não está se referindo apenas à união entre todos
os Estados germânicos em um único governo, mas à união dos diversos interesses
individuais em torno de um único objetivo, o progresso da Alemanha, que
significaria o progresso de todos. Nesse sentido, as palavras de List também é uma
crítica ao liberalismo, pois esta teoria levaria à exacerbação do individualismo à
medida que baseia a conquista de riquezas na realização pessoal de cada um, e não
amparada pela não-intervenção do Estado na condução das atividades.
(PEREIRA e MENEZES, 2009, p.93).
List objetivava o desenvolvimento alemão. Um dos caminhos que o autor assinalou
para isso foi o aprimoramento do que a Alemanha continha a seu favor, a agricultura.
Segundo Pereira e Menezes (2009), era necessário instigar e apurar a agricultura para incitar a
instalação de manufaturas, pois, conforme List, a agricultura depende da manufatura, assim
como a manufatura depende da agricultura.
O comércio deriva das manufaturas e da agricultura, e nenhuma nação em nossos
dias conseguirá alcançar um nível considerado de comércio interno e externo, se
antes não tiver conseguido implantar em seu solo esses dois setores básicos de
produção, e não os tiver levado a alto grau de desenvolvimento.
(LIST, 1986, p.176 apud PEREIRA e MENEZES, 2009, p.93).
Essa discussão sobre o desenvolvimento das atividades produtivas distingue mais uma
vez as concepções de Smith e List, afirmam Pereira e Menezes (2009). Embora os dois
acreditassem no desenvolvimento, sequencialmente, da agricultura, manufatura e por fim do
comércio, e ambos concordassem com a importância do desenvolvimento das forças
produtivas para o crescimento de uma nação, Smith entendia como força produtiva a
capacidade técnica dos indivíduos, enquanto para List esse conceito era mais amplo,
abrangendo não só as habilidades técnicas, mas também as habilidades intelectuais.
Ou seja, para List, o termo “força produtiva” abrangia todo o investimento feito na
formação do trabalhador, incluindo como produtivas as atividades que não estão diretamente
conectadas à produção de um bem que será comercializado posteriormente. Diferentemente
da “força produtiva” conceituada por Smith que a entendia somente como a competência que
um indivíduo possuía de produzir um produto que seria futuramente negociado. Dessa forma,
para Smith, a força produtiva era a força braçal de um trabalhador (PEREIRA e MENEZES,
2009).
Certamente são produtivos os que criam porcos e preparam pílulas, mas os
educadores de crianças e adultos, os artistas, os músicos, os médicos, os juízes, os
administradores são produtivos em grau muito mais elevado. Os primeiros
produzem valores de troca, ao passo que os outros produzem forças produtivas;
19
alguns deles capacitando gerações futuras a se tornarem produtivas; outros,
promovendo a moralidade e o caráter religioso da geração atual; outros
enobrecendo e elevando o poder da mente humana.
(LIST, 1986, p.103 apud PEREIRA e MENEZES, 2009, p.93).
Como podemos observar, as linhas de pensamento entre Smith e List destoavam
bastante. Esse hiato era ainda maior quando se tratava de suas concepções acerca do
envolvimento do Estado nas atividades comerciais dos países, destacam Pereira e Menezes
(2009). Adepto do protecionismo na região germânica, List defendia com ênfase a
intromissão do Estado no curso da sociedade, limitando as importações, estimulando as
exportações e garantindo, portanto, o desenvolvimento da nação.
Segundo List citado por Baingo (2009), a nação deveria estabelecer e proteger, através
das taxas alfandegárias, suas indústrias até o ponto que essas não temessem mais a
concorrência estrangeira. Essas taxas ou direitos alfandegários deveriam ser, contudo,
moderados, para que não restringisse a importação e o consumo, já que isso, para List,
enfraqueceria a força produtiva interna do país.
Foi nesse contexto, com seus anseios da corrente nacionalista, que Friedrich List
passou a conduzir uma associação de empresários alemães atrelados ao comércio e à
indústria, que ansiavam constituir uma união aduaneira entre todos os estados da Alemanha (o
Zollverein). Em 1834, sob a direção da Prússia, o Zollverein formou uma união alfandegária,
unindo 18 estados e 23 milhões de habitantes, afirma Niveau citado por Souza (2007). Foi
responsável pela livre circulação de pessoas e capitais, graças à eliminação das barreiras
comerciais que existiam. As taxas de importação também foram, nesse período, elevadas.
2.2.2 O período da consolidação: século XIX até a Segunda Guerra Mundial
A integração da região germânica continuava, sob a inspiração de List, com a
construção de ferrovias, entre 1835 e 1839. Com o surgimento do Zollverein, a economia
alemã teve bases para crescer rapidamente e as modificações econômicas solidificaram a
consciência nacional. Com a presença de ferrovias, a região decolou em direção ao
desenvolvimento autossustentado, explica Niveau citado por Souza (2007). A produção de
aço, carvão, e equipamentos ferroviários cresceram. Concomitantemente a redução dos custos
de transporte ampliou os mercados no interior da Alemanha e em direção aos outros países
europeus. Nesse período pujante de industrialização alemã também tiveram importância a
20
construção naval, a importação de tecnologia e de capitais da Inglaterra e França, bem como a
existência de carvão e outros recursos mineiras no solo alemã.
O desenvolvimento econômico impulsionava a integração espacial e política, elucida
Souza (2007). A nova conjuntura propiciava a exploração de novas fontes de riqueza. Em
1860, a produção de carvão do território germânico ultrapassou a produção francesa. A
integração de novas ferrovias atrelou as fontes de matérias-primas aos mercados
consumidores, simultaneamente, dinamizou a siderurgia e as indústrias mecânicas
necessitadas de ferro e aço. Diante desse cenário, expandiu-se o comércio interno e o setor
bancário. Os capitais privados e públicos financiavam novos empreendimentos. Porem ainda
que o crescimento da economia se dava em ritmo ligeiro, a unificação política, desejo de
todos naquela conjuntura, vinha fracassando devido forte oposição da Áustria.
Segundo Souza (2007), no final do século XIX, o território alemão encontrava-se
separado em regiões autônomas. A unidade política era tão problemática que havia a
expressão “as Alemanhas”, o que compreendia até 1866 o próprio território austríaco. Nessa
época era impossível estabelecer as fronteiras da Alemanha, cujo cenário incluía cerca de
1500 soberanos em 80 territórios.
A Áustria também se opôs a unificação italiana e seu insucesso favoreceu a liderança
da Prússia dentro da Confederação Alemã, nessa época surgiu um novo líder, Otto von
Bismarck. Com a liderança consolidada, a Prússia se organizou para combater a Áustria.
Contando com a Itália como aliada venceu o seu rival, em 1866, pondo fim a Confederação
Germânica. Nessa época, a França almejava adquirir o condado de Luxemburgo da Holanda,
que, todavia pertencia ao Zollverein desde 1842. Bismarck não aceitou provocando um
desentendimento. Posteriormente, Luxemburgo foi declarado neutro pelo Tratado de Londres.
Outras novas indiferenças induziram os franceses a declarar guerra à Prússia, em 1870. O
exército germânico, melhor preparado, ocupou Paris no ano seguinte. Com a vitória, os
alemães anexaram em seu território as regiões da Alsácia e Lorena. Depois desse episódio, a
Alemanha já se exibia como um respeitável país industrializado e uma potência europeia
(SOUZA, 2007).
Afirma Souza sobre a industrialização alemã:
A industrialização alemã, como a francesa, beneficiou-se da Revolução Industrial
inglesa, por meio da importação de máquinas e técnicos ingleses, que acabaram
repassando a tecnologia. Operários ingleses, franceses e belgas fizeram funcionar
os primeiros altos-fornos no Vale do Ruhr. Os alemães também receberam capitais
de outros países da Europa para a exploração de suas minas de carvão e para a
produção siderúrgica. A rápida industrialização foi acompanhada por uma
21
legislação social, que garantia seguro contra doença, invalidez e renda para os
idosos. A educação pública foi nacionalizada em 1872 e tornada gratuita em 1888.
A colonização de Togo e Camarões, em 1884, ajudou a suprir a indústria
germânica com matérias-primas e a consumir seus bens manufaturados.
(SOUZA, 2007, p.86)
No período compreendido entre 1870 e 1910, depois da unificação alemã, a produção
de ferro-gusa, aço e carvão aumentaram dez vezes e a malha ferroviária foi triplicada. Em
1910, as ferrovias alemãs já haviam ultrapassado, em extensão, a França e o Reino Unido,
aponta Niveau citado por Souza (2007). A maciça exploração de recursos produtivos e o
crescimento demográfico ao longo dos anos consolidaram à Alemanha uma posição destacada
no panorama mundial.
Entre os fatores do crescimento econômico alemão, desse período, podem ser
destacados: (a) a constituição e a integração do mercado interno; (b) a importação
de tecnologia; (c) o extraordinário crescimento das exportações, sobretudo nas
primeiras décadas do século 20; (d) a firme política protecionista contra a
concorrência estrangeira; e (e) o desenvolvimento de canais e ferrovias,
interligando a Alemanha com os demais países na Europa e do Oriente. Entre
1872/1875 e 1909/1913, as exportações alemãs cresceram 250%, contra 85% para
o Reino Unido e 68% para a França.
(MIRADOR, 1995, p.315 apud SOUZA, 2007, p.87).
O nascimento de outras pujanças industriais, como foi o caso da Alemanha, exaltaram
as rivalidades econômicas e o imperialismo. A procura por novos mercados, a partilha do
continente asiático e do africano, acirrou os pretensões imperialistas. A construção da ferrovia
Berlim-Bagdá desagradou os ingleses, cuja rivalidade acirrou à medida que a Alemanha
aumentava sua influência na África, afirma Souza (2007). O revanchismo francês que se
instigou depois da perda das regiões da Alsácia e Lorena também teve contribuição para o
forte sentimento nacionalista que se criou nessa atmosfera imperialista. Anos depois, esse
clima de tensão iminente, que envolvia praticamente toda a Europa, culminou na Primeira
Guerra Mundial.
“O bloqueio econômico provocado pela Primeira Guerra Mundial levou os alemães a
substituir matérias-primas importadas, a racionar produtos e a controlar preços.” (SOUZA,
2007, p.87). Findada a Guerra, a Alemanha foi obrigada a ceder parte de seus territórios às
suas colônias, e foi imposta a pagar elevadas multas para reparar os danos de guerra.
Internamente, as ideias nacionalistas de direita ganharam força. Em 1923, a Alemanha foi
vítima da hiperinflação. Enfrentando dificuldades econômicas, ficou claro que o país não teria
condições de pagar o que lhe foi imposta. No ano seguinte, a Alemanha recebeu empréstimos
22
externos para iniciar a recuperação de sua indústria. Como consequência, aumentou o fluxo de
capital estrangeiro, sobretudo proveniente da Inglaterra e dos EUA, dando sequência a um
período de rápido crescimento econômico (SOUZA, 2007).
Para fortalecer-se competitivamente no mercado externo, em 1931, o governo alemão
efetuou cortes nos preços e salários, impôs licenças de importação, restringiu a saída de
capitais e realizou acordos bilaterais. Essas medidas não foram eficazes para disputar com a
Inglaterra, que havia desvalorizado sua moeda em 30%, mas levaram Hitler ao poder como
chanceler.
Hitler iniciou uma propaganda política com base na luta contra os comunistas.
Suprimiu os partidos políticos e expurgou os opositores. Em 1934, passou a
acumular as funções de presidente da república, reforçando o militarismo e
colocando a economia sob a direção do Estado. A partir de 1936, adotou dois
planos quadrienais e a economia de guerra eliminou o desemprego no país. A
Segunda Guerra Mundial iniciou-se com a Alemanha anexando a Áustria, em 1938.
Ela continuou com a ocupação da Tchecoslováquia em 1939, com manobras
agressivas contra a Polônia, França e Reino Unido, e com o ataque à União
Soviética em 1941, apesar da existência de um pacto de não-agressão. A Segunda
Guerra Mundial terminou em maio de 1945, estando a economia alemã
praticamente destruída e submissa incondicionalmente aos Aliados.
(SOUZA, 2007, p.88)
2.2.3 O período de reconstrução até os dias atuais
Em 1945, após a Segunda Guerra, iniciou-se um período histórico de disputas
estratégicas e conflitos indiretos, denominado Guerra Fria. Segundo Vaïse, citado por
Marinho (2010), há uma transição da influência política, econômica e cultural do continente
europeu para os verdadeiros vencedores da guerra, Estados Unidos da América e a União
Soviética. Ambos buscaram aumentar sua projeção internacional e poder de influência perante
o resto do mundo. Porém, as duas potências não possuíam os mesmos ideais. De um lado, o
capitalismo, representado pelos americanos, com o apoio da maioria europeia, asiática e
africana e, de outro lado, o socialismo defendido pelos russos no leste europeu e médio
oriente.
A Alemanha, grande perdedora da guerra, viu-se em um panorama desfavorável com
grandes baixas humanas e materiais, porém conseguiu preservar cerca de 80% do seu parque
industrial intacto, ou pouco avariado, conforme Raimundo citado por Marinho (2010).
Segundo Marinho (2010), mesmo diante de fatos que facilitavam a reestruturação da
Alemanha, a mesma não ocorreu imediatamente, já que faltava o essencial: o Estado alemão.
23
Por ter sofrido penalidades com o final da Segunda Guerra, a Alemanha teve sua soberania
cassada.
Conforme Vaïsse citado por Marinho (2010), o sistema monetário internacional, em
prática no fim da guerra, era insuficiente. Então, em 1944, realizou-se a conferência monetária
de Bretton Woods. Na conferência a principal medida foi a volta do padrão ouro e sua base
fixa de 35 dólares por onça Troy. Tal medida transformou o dólar na moeda padrão do
sistema monetário internacional, dada a quantidade de reservas norte americanas em ouro e
sua capacidade de assegurar as conversões.
Em junho de 1947, o Plano Marshall, um projeto que tinha o objetivo de apoiar a
recuperação econômica europeia e espalhar a ideologia capitalista liberal foi lançado pelos
EUA. Em 1948, conforme Raimundo citado por Marinho (2010), a adoção do novo marco
alemão e depois a fundação do Bundesbank, o Banco Central alemão, instituição-chave no
combate à inflação nos anos seguintes, propiciaram as bases para a estabilidade na economia
alemã.
Depois da traumática experiência do nazismo, a Alemanha teve grande preocupação
em reconstruir-se e legitimar-se com o grande apoio das classes sociais. Economicamente,
procurou-se desde o início o apoio dos sindicatos, oferecendo participação ativa dos
trabalhadores, conforme Streeck citado por Guimarães (2006). Assim, uma característica
peculiar do capitalismo coordenado alemão é a forte influência dos trabalhadores. Essa
influência evidencia-se nas negociações coletivas, conduzidas por sindicatos fortes e
abrangentes, explicam Thelen e Kume, citado Guimarães (2006).
As adversidades encaradas pela Alemanha, abrangendo a depressão do século XIX e
os choques do fim da Primeira Guerra Mundial, contribuíram para a aproximação das
empresas e a formação de cartéis, espalhando o ímpeto de cooperação entre empresas do
mesmo setor e a criação de associações empresariais, segundo Guimarães (2006). Nota-se a
diferença em relação aos Estados Unidos, onde a Lei antitruste dificultou a cooptação de
empresas, desestimulando o alargamento da interação entre elas.
Com o incentivo ao
fortalecimento das associações empresariais e a participação ativa dos trabalhadores, o Estado
Alemão, estimulou as empresas a desempenharem funções quase públicas. “O capitalismo
assumiu, assim, um molde social”, afirma Guimarães (2006, p.25). As associações
empresariais, por sua vez, instigam as empresas a trocarem informações e experiências,
formando redes de cooperação, que melhoram as capacidades competitivas do respectivo
setor. Ao fazerem isso, conforme Soskice citado por Guimarães (2006), desempenham função
24
notável no processo de transferência de tecnologia, na definição de componentes e no
desenvolvimento do produto, gerando expertise.
Os anos posteriores foram de forte crescimento do comércio e da economia mundial.
Segundo Guimarães (2006), a Alemanha beneficiou-se de alguns fatores para favorecer-se
diante desse cenário. O país usufruiu de tecnologia e técnicas organizacionais disponíveis em
países mais avançados, especialmente os EUA. Concentrou seus esforços e recursos
especialmente na economia, já que sua defesa era garantida pelos norte-americanos. Além de
privilegiar-se com as iniciativas de integração europeia, expandindo assim suas exportações.
Em suma, esses arranjos contribuíram para que a Alemanha utilizasse um modelo de
governança corporativa atrelado à participação dos trabalhadores e pela influência dos bancos
nas empresas, que garantia uma fonte de capital paciente, ou seja, uma mentalidade
investidora que não possuía ânsia por resultados imediatos e abria margem para as empresas
se empenharem em estratégias de longo prazo. Um capitalismo de stakeholders3, em que a
preocupação com os resultados privilegia o desempenho e a sustentabilidade no longo prazo,
segundo Guimarães e outros (2012).
Um pilar desse modelo foi a existência de uma fonte de capital paciente. No
imediato pós-guerra, o mercado de capitais foi incentivado pelas forças aliadas, mas
a forte regulamentação foi preservada, tornando-o menos atrativo para as empresas,
bancos e famílias. Além disso, outros fatores inibiram o desenvolvimento do
mercado de capitais: as empresas eram capazes de se auto-financiarem e havia
grande disponibilidade de crédito por parte dos bancos. Por sua vez, em uma
economia marcada por menor desigualdade de renda, os agentes familiares tendiam
a se mostrar mais avessos ao risco e os fundos de pensão privilegiavam aplicações
mais seguras, implicando menor grau de capitalização.
Como consequência, as formas de financiamento foram, até o final da década de
1990, basicamente oriundas dos bancos, com uma parcela reduzida dos ativos
financeiros
se
originando
do
mercado
de
capitais.
(GUIMARÃES et al., 2012, p. 9)
O regime alemão impede práticas de redução salarial e de direitos trabalhistas para
promover a competitividade da indústria e, eventualmente, limita a autonomia do gerente.
Porém, o trabalhador, como parte ativa do processo, sente-se pronto para cooperar com
práticas voltadas a aumentar a produtividade, afirmam Guimarães e outros (2012).
Na década de 70, o arranjo alemão foi fortemente abalado pela crise mundial,
sobretudo no mercado do petróleo. Seu modelo, baseado em altos salários e direitos
trabalhistas deu sinais de que precisava de reformas. A mão de obra qualificada do leste
3
“Expressão em inglês que significa aquele que aposta numa empresa ou empreendimento e assume seus riscos,
podendo ser uma pessoa ou grupo como, por exemplo, seus proprietários, seus empregados ou mesmo seus
clientes.” (SANDRONI, 1999, p. 576)
25
europeu, que aceitava salários inferiores, foi atraída para o território alemão, dificultando a
manutenção da alta remuneração, bem como sua negociação centralizada. Outra dificuldade
deu-se com a internacionalização financeira que colocou em risco a fonte de capital mais
paciente, afirmam Guimarães e outros (2012).
Por outro lado, o arranjo corporativo permitiu uma resposta mais suave, garantindo
resultados macroeconômicos melhores, do que os obtidos nos países de capitalismo liberal. O
câmbio também favoreceu as exportações e foram adiadas conversas sobre reformas no
corrente sistema econômico.
Em novembro de 1989, após a queda do Muro de Berlim, a reunificação e a economia
penderam para o controle da República Federal da Alemanha. O modelo democrático
(República Democrática Alemã) não possuía mais o mesmo vigor, porque se perdeu a
legitimidade do regime comunista e enfraqueceu-se a sociedade civil da parte oriental,
elucidam Guimarães e outros (2012). O Tratado de Maastricht, em 1992, assentou as bases da
atual União Europeia e para uma moeda única, abandonando então o Deutsche Mark.
Com a unificação alemã, o quadro agravou-se drasticamente. O déficit público
elevado, decorrente da transposição do Estado de bem-estar social (Welfare State4) para o
leste e o aumento do desemprego evidenciou falhas do capitalismo alemão e seu arranjo,
enfatiza Streeck citado por Guimarães (2006).
Na primeira década do século XXI e “após anos de dificuldades, mudanças mais
profundas amadureceram e foram aprovadas.”, segundo Guimarães e outros (2012, p.12). A
aprovação da Agenda 20105, em 2002, foi um importante passo para a execução das reformas
que eram necessárias, preservando os avanços sociais do modelo alemão. As metas eram a
redução do desemprego, fortalecer as relações exteriores, redução de custos de trabalho e do
Welfare State.
Foram tomadas ações para a redução de proteção trabalhista de empresas de pequeno
porte e a suspensão da impossibilidade de demissão de empregados com mais de 50 anos,
afirma Guimarães e outros (2012). Concomitantemente, foi liberada a contratação de
trabalhadores para empregos de meia jornada e com contratos por tempo estipulado. Outros
planos envolvidos na Agenda 2010 incluíram a redução no tempo de duração do seguro
4
“Sistema econômico baseado na livre-empresa, mas com acentuada participação do Estado na promoção de
benefícios sociais. Seu objetivo é proporcionar ao conjunto dos cidadãos padrões de vida mínimos, desenvolver a
produção de bens e serviços sociais, controlar o ciclo econômico e ajustar o total da produção, considerando os
custos e as rendas sociais.” (SANDRONI, 1999, p. 220)
5
Plano do governo alemão, anunciado em março de 2003, para estimular a economia em dificuldades.
Concentrava-se na redução dos benefícios de saúde, reestruturação de leis trabalhistas, redução de impostos e
uma reforma do sistema de pensões. (DEUTSCHE WELLE, 2003)
26
desemprego e a diminuição monetária do benefício, conforme Seeleib-Kaiser e Fleckenstein
citado por Guimarães e outros (2012).
De acordo com Guimarães e outros (2012), alguns anos após a implementação da
Agenda 2010 houve queda na taxa de desemprego. A taxa passou de 9,3 em dezembro de
2002 para 5,3 em julho de 2013 (EUROSTAT, 2013). Uma reestruturação das políticas de
desemprego, com ênfase na melhoria dos sistemas de intermediação e de acompanhamento
profissional, mirando realocar o indivíduo no mercado do trabalho foi realizada.
O desempenho exportador também apresentou gradativo incremento e permitiu ganhos
de competitividade nos anos recentes. “As exportações se transformaram no centro dinâmico
da economia, respondendo em média por um terço do PIB e alcançando posições de liderança
em indústrias de alto valor agregado”, conforme Guimarães e outros (2012, pg.15). O
incremento das exportações está notadamente entre os maiores do mundo, principalmente nas
últimas duas décadas, período marcado pela criação e disseminação da Zona do Euro. Em
2012 a Alemanha encerrou o ano com um saldo positivo na balança comercial de 188,2
bilhões de euros, o maior excedente desde 2007 e o segundo maior desde 1950 (DESTATIS,
2012).
2.3 Teoria de Integração e Comunidade Europeia
A metodologia para a integração regional de países é, comumente, incentivada por
demandas econômicas e geopolíticas e se fazem em ritmo mais acelerado do que o
desenvolvimento de estruturas de harmonização social. Segundo Giovanella e Guimarães
(2006), os processos de integração entrelaçam afinidades, estreitam e conciliam laços
políticos que culminam na eliminação de barreiras tarifárias, maior acessibilidade às
instituições comuns e permissão do consumo de serviços sociais em outros países. Isso, para
sociedade, significa que os direitos e a garantia de cidadania extrapolam as fronteiras
geográficas das instituições de cada país e passam a existir em todo o bloco.
A integração é um processo com diferentes níveis, porém possuem cinco etapas
principais:
Os objetivos dos acordos multilaterais firmados definem o grau da integração entre
os países, o qual apresenta cinco estágios principais. O primeiro denomina-se área
de livre comércio e caracteriza-se pela eliminação de tarifas alfandegárias e cotas
entre os países membros. A união alfandegária, por sua vez, significa a adoção de
sistema de tarifas e cotas comuns para relações comerciais externas. O mercado
comum define-se pela eliminação de restrições de circulação de mercadorias,
27
pessoas e capital. A união monetária decorre da harmonização e unificação de
políticas e instituições econômicas. A confederação ou união política formaliza o
mais profundo estágio de integração.
(GIOVANELLA e GUIMARÃES, 2006, p.2).
É interessante aprofundar a distinção dos níveis de integração econômica e política
que podem ser alcançados em uma aliança entre nações. A área de livre comércio permite,
dentro da zona, livre circulação de mercadorias, mas com inexistência de tarifa exterior
comum das nações integrantes com países terceiros. A união aduaneira admite a livre
circulação de mercadorias, mas com a existência de uma tarifa exterior comum sobreposta em
todas as divisas da união. O mercado comum é mais do que a união aduaneira. Ele refere à
prática da livre circulação de fatores de produção: pessoas, serviços e capitais. O mercado
comum também inclui o uso de políticas comuns, coordenação e harmonização de legislações
fiscais, trabalhistas e de sociedades. A união econômica e monetária ocorre quando as
legislações nacionais estão sintonizadas e ocorre a adoção de regras e políticas comuns sob os
cuidados de uma autoridade também comum. Além disso, precisa haver o câmbio fixo e
conversibilidade obrigatória e ilimitada entre as moedas nacionais. A integração monetária
prevê a moeda única, política monetária unificada e o controle das reservas e taxas de câmbio.
Por fim, a união política, como resultado final do processo de integração, necessita da
cooperação política em assuntos como política externa, de segurança e defesa. Para isso é
necessário uma forte coesão econômica e social. O último objetivo do processo é a adoção da
Federação dos Estados com uma única autoridade, ou uma confederação onde áreas préacordadas sejam de competência supranacional (THORSTENSEN, 1992).
A União Europeia é o modelo de integração mais avançado, considerando o estágio de
acordos firmados, e vem apresentando desenvoltura na resolução das desigualdades
econômicas e sociais envolvendo seus membros. O caso europeu esquematiza a aplicação de
fundos estruturais de desenvolvimento, imprescindíveis em processos de integração, para
atenuar as desigualdades territoriais e sociais, as quais podem se configurar como barreiras
não tarifárias à integração. (GIOVANELLA e GUIMARÃES, 2006).
O modelo de integração europeu se iniciou há mais de meio século. Teve em início em
1948, quando França, Reino Unido e os países componentes do Benelux (Bélgica,
Luxemburgo e Países Baixos) assinaram o Pacto de Bruxelas, na Bélgica. O objetivo do
acordo era a proteção mútua dos países-membros, tendo em vista o contexto hostil de duas
guerras mundiais recém-vividas, afirma Baldissera (2012). Embora a Alemanha não fosse
28
mais uma ameaça, visto que seu potencial bélico foi bastante afetado após a Segunda Guerra,
a preocupação vigente, na época, era a expansão da União Soviética sobre a Europa ocidental.
Anos depois, em 1951, a Alemanha, França, Itália e o Benelux assinaram o Tratado de
Paris, conhecido como Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). A CECA
permitia a todos os seus membros o livre acesso ao carvão e ao aço da região dos rios Mosel,
Ruhr e Saar sem a necessidade de pagamento de tributos. Essa associação de fins econômicos
contou ainda com um agente regulador que norteava as operações. A CECA, com isso, foi a
primeira organização com propriedades supranacionais da Europa. (BALDISSERA, 2012).
Os integrantes da CECA reuniram-se anos depois, em 1957, para celebrarem outros
dois pactos: os Tratados de Roma, que instituíram a Comunidade Econômica Europeia (CEE)
e a Comunidade Europeia para a Energia Atômica (CEEA).
Na CEE e na CEEA, havia a reunião de elementos intergovernamentais e
supranacionais, que se revelavam não somente a partir da estrutura das instituições,
mas também a partir de seu financiamento. Enquanto a Comunidade Europeia do
Carvão e do Aço buscava seus recursos em participações obtidas através da
operação dos recursos que administrava, a CEE e a CEEA previam apenas a
contribuição dos países-membros e recusavam a existência de um patrimônio
próprio.
(BALDISSERA, 2012, p.11)
Na década seguinte, em 1965, o Tratado de Fusão foi subscrito pela Alemanha,
França, Itália e o Benelux. Nesse acordo foi estabelecido um conselho e uma comissão únicas
paras os acordos anteriormente estabelecidos, CECA, CEE e CEEA, explica Baldissera
(2012).
Em 1986, surgiu o Ato Único Europeu. Contando como participantes: Alemanha,
Espanha, Irlanda, Portugal, Reino Unido, Dinamarca, Grécia, Itália e o Benelux, o tratado só
começou a produzir efeitos no ano seguinte. De acordo com Baldissera (2012), a função
chave do Ato Único Europeu foi pressionar os países para a elaboração de uma integração
europeia visando à criação de um mercado único. Dessa forma, o Ato Único Europeu
aprimorou os Tratados de Roma, ampliou as possibilidades dos setores de desenvolvimento,
meio ambiente, pesquisa e da política externa. Ao longo das reformas, houve um
fortalecimento da integração em termos políticos, econômicos e monetário. Os esforços do
Ato Único Europeu desenvolveram bases para adesão do Mercado Único em 1993.
No ano de 1992, o Tratado de Maastricht foi constituído. Também designado como
Tratado da União Europeia, ele marca uma reviravolta na história dos países europeus e na
teoria de integração. A criação do Mercado Único, meta perseguida por anos pela comunidade
29
europeia, havia sido recentemente realizada após modificações realizadas nos tratados criados
desde a Segunda Guerra Mundial, dessa forma, pela primeira vez se discutiu a união política
do território europeu. (BALDISSERA, 2012).
A mudança mais significativa efetuada pelo Tratado da União Europeia foi no
aumento do envolvimento do parlamento e dos demais órgãos da União no processo de
legislação e codecisão. Ainda foi concedido ao parlamento a capacidade de decretar o início
do processo de produção da legislação por parte da Comissão Europeia, explana Baldissera
(2012).
O Tratado entrou em vigor no ano de 1993 após confirmação de todos os paísesmembros e previa, ainda, uma revisão no caso da ampliação dessa relação de países.
Posteriormente vieram os Tratados de Amsterdam e de Nice, que revisaram o Tratado de
Maastricht, porém quase não alteraram sua estrutura.
Tudo considerado, não apenas setores antigos e políticas que tinham sido
administradas pelos países-membros até então se transferiram à competência da
União através do Tratado, mas também se criaram instituições e direitos de
participação novos. Isto provocou a alteração de algumas Constituições nacionais.
Em uma comparação ao Ato Único Europeu, embora o Tratado tenha criado uma
preocupação sobre a perda da soberania dos países membros, provocou um interesse
maior na população no sentindo da integração dos países europeus.
(BALDISSERA, 2012, p.17)
30
3. CONJUNTURA ECONÔMICA
3.1 Dados Macroeconômicos
Neste capítulo será exposto o desempenho econômico alemão na forma de gráficos e
tabelas, feitos com base nos resultados dos indicadores econômicos mais importantes. Em
seguida, um breve apanhado da crise financeira de 2008 e crise europeia de 2010.
a) Produto interno bruto (PIB)
Gráfico 1 – Comportamento do PIB a preços constantes em milhões de euros da união
europeia e Alemanha/Ano base: 2012
12.500.000,00
2.600.000,00
12.000.000,00
2.500.000,00
11.500.000,00
2.400.000,00
11.000.000,00
2.300.000,00
10.500.000,00
2.200.000,00
10.000.000,00
2.100.000,00
9.500.000,00
2.000.000,00
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
União Europeia
Alemanha
Fonte: Elaborado pelo autor; dados de Pordata.
De acordo com o gráfico 1, pode-se observar que a tendência do PIB é praticamente a
mesma nas duas economias. Entre os anos de 2002 e 2007, constata-se uma expansão
econômica, seguido por uma recessão no biênio 2008 e 2009 e uma ligeira recuperação e
estabilização a partir de 2010. Contudo, mesmo com a tendência semelhante é possível
observar que a economia alemã apresenta variações menores em torno de sua média. Cabe
ressaltar que pelo fato da união europeia admitir 28 países, inclusive a Alemanha, apresenta
31
valores absolutos maiores do que a economia germânica. No período observado, a Alemanha
apresentou uma taxa média de crescimento de 1,16% ao ano.
b)
PIB per capita
Tabela 2 – Comparação do PIB per capita alemão e da União Europeia
Anos
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
PIB per capita
(Paridade Poder de Compra)
UE27 - União
Europeia (27
Países)
14.757,0
15.487,3
16.300,5
17.013,5
17.844,9
19.084,2
19.829,1
20.496,6
20.751,5
21.687,5
22.545,0
23.734,3
25.058,6
25.100,8
23.558,1
24.528,5
25.201,0
25.686,8
DE - Alemanha
18.868,7
19.534,9
20.125,8
20.697,4
21.611,7
22.389,2
22.928,5
23.441,9
23.956,2
24.997,7
26.048,5
27.310,4
28.859,7
29.020,4
26.969,0
28.986,3
30.530,2
31.323,9
Fonte: Adaptado de Pordata
De acordo com a tabela 2, percebemos que o PIB per capita foi, em todos os anos,
maior na Alemanha do que na União Europeia. A média na União Europeia é de 21.037 euros
e na Alemanha de 24.867 euros. Além disso, a linha de tendência linear das duas regiões é de
alta durante todo o período, com exceção de 2009 onde em ambos o PIB per capita retraiu. A
taxa média de crescimento do PIB per capita alemão é de 2,86% ao ano vis-à-vis 3,13% ao
ano da união europeia.
c)
Índice harmonizado de preços ao consumidor (IHPC)
32
Tabela 3 – Comparação entre a taxa de inflação europeia e alemã
Anos
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
União Europeia
2,5
2,1
2,3
2,3
2,3
2,4
3,7
1,0
2,1
3,1
2,6
1,5
Alemanha
1,4
1,0
1,8
1,9
1,8
2,3
2,8
0,2
1,2
2,5
2,1
1,6
Fonte: Adaptado de Eurostat
É possível verificar, através da tabela 3, que com exceção do ano de 2013, a inflação
na União Europeia na maior parte do período esteve acima da inflação alemã. Enquanto a
média no Estado germânico é de 1,7 a União Europeia apresenta 2,3 no mesmo período. O
comportamento do indicador também é semelhante nas duas economias, sempre que a
inflação movimenta-se, seja em expansão ou retração, na União Europeia, pode-se perceber o
mesmo movimento no índice de variação de preços alemão.
d)
Desemprego
Tabela 4 – Comparação entre a variação da população residente e da taxa de
desemprego na Alemanha
Anos
População residente
(indivíduos)
Taxa de
desemprego (15 aos
74 anos)
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
81.914.831
82.034.771
82.047.195
82.100.243
82.211.508
82.349.925
82.488.495
82.534.176
82.516.260
82.469.422
82.376.451
8,8
9,9
9,8
8,9
7,9
7,8
8,5
9,8
10,7
11,2
10,3
33
Anos
População residente
(indivíduos)
2007
2008
2009
2010
2011
2012
82.266.372
82.110.097
81.902.307
81.776.930
81.797.673
81.932.161
(continuação)
Taxa de
desemprego (15 aos
74 anos)
8,7
7,5
7,7
7,1
5,9
5,5
Fonte: Adaptado de Pordata
De acordo com a tabela 4, pode-se verificar que ao longo de todo o período a
população residente não apresenta variações significativas. A oscilação no número de
habitantes do território alemão não ultrapassou 0,3%. Por outro lado, a taxa de desemprego
apresentou variações mais expressivas. Relacionando as duas variáveis não é possível
estabelecer uma afinidade comportamental, pois elas apresentam, dentro do período, relações
direta e inversamente proporcionais. Corrobora com isso o fato de que nos dois últimos anos a
população residente apresenta uma expansão vis-à-vis o biênio anterior, enquanto as taxas de
desemprego apresentam forte baixa.
e)
Formação bruta de capital fixo (FBKF)
Tabela 5 - Comparação entre o nível de investimento existente na união europeia e na
Alemanha
Anos
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Investimento: Formação Bruta de
Capital Fixo (Milhões Euros)
Investimento: Formação Bruta de
Capital Fixo em % do PIB
UE28 - União
Europeia (28
Países)
1.386.917,5
1.453.938,5
1.530.824,0
1.646.768,3
1.760.465,9
1.909.514,6
1.947.984,0
1.962.058,1
1.978.127,2
2.088.889,8
UE28 - União
Europeia (28
Países)
19,6
19,6
19,5
20,1
20,4
20,7
20,2
19,7
19,5
19,6
DE - Alemanha
422.689,0
409.481,3
400.420,3
411.293,5
426.980,0
439.550,0
421.740,0
391.800,0
381.950,0
381.790,0
DE - Alemanha
21,9
21,3
21,0
21,1
21,3
21,5
20,1
18,4
17,8
17,4
34
Anos
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Investimento: Formação Bruta de
Capital Fixo (Milhões Euros)
(continuação)
Investimento: Formação Bruta de
Capital Fixo em % do PIB
UE28 - União
Europeia (28
Países)
DE - Alemanha
UE28 - União
Europeia (28
Países)
DE - Alemanha
2.221.817,4
2.431.228,7
2.655.497,6
2.643.678,2
2.239.399,6
2.279.672,7
2.351.053,9
2.323.056,3
384.450,0
417.820,0
447.880,0
459.530,0
408.650,0
435.050,0
473.170,0
470.550,0
20,0
20,7
21,3
21,1
19,0
18,5
18,5
17,9
17,3
18,1
18,4
18,6
17,2
17,4
18,1
17,6
Fonte: Adaptado de Pordata
Na tabela 5, verifica-se que o indicador macroeconômico de investimento, em valores
absolutos, tem comportamentos díspares na União Europeia e na Alemanha. No primeiro, a
quantidade monetária está sempre a subir, ano a ano, desde 1995 até 2008, apresenta uma
diminuição em 2009, uma recuperação nos anos seguintes e no ano de 2012 novamente uma
redução. Já no segundo esse comportamento é mais volátil, apresentando elevações e
reduções sem formar um padrão visível. Com relação à FBKF em proporção do PIB podemos
verificar que, no período de 1995 até 2000, a Alemanha apresenta uma taxa maior que a
União Europeia, e a partir de 2001 até 2012, essa relação é inversa. Fica claro que, apesar da
proporcionalidade dos investimentos com o PIB serem valores próximos, há um desequilíbrio
do investimento entre a Alemanha e os demais membros da comunidade europeia, uma vez
que os investimentos alemães compreendem, em média, cerca de 20% de toda União
Europeia.
35
f)
Pesquisa e desenvolvimento de tecnologia
Tabela 6 – Dados referentes a pesquisa na Alemanha
Anos
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Pedidos à Organização Europeia
de Patentes (EPO) e concessões
pelo Gabinete de Patentes e
Marcas dos EUA (USPTO) de
patentes, por 100 mil habitantes
UE27 - União DE - Alemanha
Europeia (27
Países)
6,53
15,94
7,57
19,01
8,51
21,35
9,33
23,86
10,17
25,57
10,71
26,89
10,62
26,63
10,59
26,48
10,83
26,85
11,28
27,97
11,57
29,05
11,73
29,13
11,64
29,30
11,25
27,82
11,14
28,13
5,71
15,86
Despesas em atividades de
investigação e desenvolvimento
(I&D) em % do PIB: por sector
de execução
UE27 - União
Europeia (27
Países)
1,79
1,78
1,77
1,78
1,84
1,85
1,87
1,87
1,86
1,83
1,82
1,84
1,84
1,91
2,01
2,01
DE - Alemanha
2,19
2,20
2,24
2,28
2,41
2,47
2,47
2,50
2,54
2,50
2,51
2,54
2,53
2,69
2,82
2,80
Fonte: Adaptado de Pordata
Na tabela 6, verifica-se o pedido de patentes e as despesas em atividades de pesquisa
nas Alemanha e na União Europeia. Os gastos em atividades de investigação e
desenvolvimento, levados em conta na tabela são provenientes do estado, empresas privadas,
ensino superior e instituições privadas sem fins lucrativos. Proporcionalmente os gastos
alemães nessas atividades são superiores aos da comunidade europeia integrada e ao longo do
tempo essa proporção só aumenta. Com relação às patentes, pode se afirmar o mesmo. Apesar
de nas duas regiões os pedidos de patentes aumentarem, na Alemanha percebe-se uma
elevação de maior magnitude. No último ano da série, houve uma significativa queda no
número de solicitações de patentes.
36
g)
Taxa de Juros
Gráfico 2 – Comportamento da taxa básica de juros do BCE
4,5
4
3,5
3
2,5
2
1,5
1
0,5
0
Taxa básica de juros do BCE
Fonte: Elaborado pelo autor; dados de Global Rates
No gráfico 2, verifica-se o comportamento da taxa básica de juros do Banco Central
Europeu. Percebe-se, inicialmente, uma elevação da taxa, seguida por sua manutenção durante
quase 8 anos. A partir do último trimestre de 2008 a taxa de juros sofre diversas revisões,
sempre com comportamento decrescente. Depois de passar o ano de 2010 sem sofrer
alterações, a taxa básica é novamente elevada em julho de 2011, porém, no decorrer do
tempo, novamente ela demonstra comportamento decrescente e desde novembro de 2013 ela
atingiu 0,25%.
h)
Poupança
Gráfico 3 – Taxa de poupança das famílias da União Europeia e Alemanha
18
17,5
17
16,5
16
15,5
15
14,5
14
13,5
14
12
10
8
6
4
2
0
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Alemanha
União Europeia
Fonte: Elaborado pelo autor; dados de Eurostat
37
Avaliando o gráfico 3, nota-se que a taxa de poupança das famílias possui alguma
disparidade entre as duas regiões. Na Alemanha esse percentual não apresenta, no período
avaliado, um valor menor do que 15,1%, enquanto que na União Europeia o maior valor
encontrado é de 13,21%. A média da taxa, entre 1999 e 2012 é de 11,61% no território
integrado europeu e de 16,22% no Estado germânico. A curva da UE tem mais volatilidade,
enquanto a curva alemã é mais suave em suas variações, mas ambas, apesar da diferença entre
as proporções, apresentam similaridades no comportamento.
i)
Comércio Internacional
Tabela 7 - Comparação entre a balança comercial europeia e alemã no período de 202012
Anos
Balança comercial: saldo
(Euro/ECU) - Saldo em milhões
Balança comercial - Saldo em %
do PIB
*Euro (a partir de 1/1/1999) /
ECU (até 31/12/1998)
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
UE28 - União
Europeia (28
Países)
145.782,68
122.435,46
126.402,29
84.804,24
52.050,85
70.479,46
29.323,35
117.654,50
117.453,59
141.069,67
255.955,09
Alemanha
97.242,60
84.991,50
112.763,86
118.193,81
132.390,90
173.889,54
160.193,24
116.953,44
141.882,40
139.041,25
161.226,11
UE28 - União
Europeia (28
Países)
1,4
1,2
1,2
0,7
0,4
0,6
0,2
1,0
0,9
1,1
1,9
Alemanha
4,5
3,9
5,0
5,2
5,6
7,0
6,3
4,9
5,6
5,2
5,9
Fonte: Adaptado de Pordata
Na tabela 7, visualiza-se a importância da balança comercial no PIB da Alemanha e da
União Europeia. Na economia germânica, a média do saldo em proporção do produto interno
bruto é de 5,37%, enquanto que na UE é de 0,96%. Mesmo em valores absolutos, a União
Europeia, que conta com 28 países afiliados, apresenta, em alguns anos, números inferiores
38
aos da economia alemã. Em 2008, por exemplo, o saldo da balança na Alemanha foi 546,3%
maior do que o território integrado europeu.
j)
Dívida Pública
Tabela 8 – Variação do endividamento público de alguns países europeus e da
União Europeia
Anos
Dívida bruta em % do PIB
União
Alemanha Espanha França Grécia Irlanda
Itália
Portugal Reino
Europeia
Unido
(27
Países)
1995
-
55,3
64,7
56,1
105,7
65,5
123,7
59,0
49,1
1996
69,7
57,4
66,0
57,4
109,9
76,8
123,1
58,1
55,6
1997
68,1
59,4
65,5
59,4
107,2
61,6
116,7
54,5
50,6
1998
66,3
60,9
64,4
59,9
106,1
52,9
114,8
52,1
43,9
1999
65,6
61,3
62,4
58,9
103,8
47,0
113,1
51,4
45,6
2000
61,8
60,2
59,4
57,4
102,2
37,0
108,6
50,7
39,5
2001
60,9
59,1
55,6
56,9
103,7
34,5
108,3
53,8
38,1
2002
60,4
60,7
52,6
59,0
101,7
31,8
105,4
56,8
35,9
2003
61,9
64,4
48,8
63,2
97,4
31,0
104,1
59,4
38,0
2004
62,2
66,2
46,3
65,0
98,9
29,4
103,7
61,9
38,8
2005
62,8
68,6
43,2
66,7
101,2
27,2
105,7
67,7
41,6
2006
61,5
68,0
39,7
64,0
107,5
24,6
106,3
69,4
43,4
2007
58,9
65,2
36,3
64,2
107,2
24,9
103,3
68,4
40,8
2008
62,2
66,8
40,2
68,2
112,9
44,2
106,1
71,7
43,4
2009
74,5
74,6
54,0
79,2
129,7
64,4
116,4
83,7
67,3
2010
80,2
82,5
61,7
82,7
148,3
91,2
119,3
94,0
78,2
2011
82,7
80,0
70,5
86,2
170,3
104,1
120,7
108,2
87,6
2012
85,5
81,0
86,0
90,6
157,2
117,4
127,0
124,1
88,0
2013
87,4
78,4
93,9
93,5
175,1
-
132,6
129,0
91,8
Fonte: Adaptado de Pordata
39
Na tabela 8 há a relação da dívida pública bruta com o PIB em algumas regiões da
Europa. Percebe-se ao dividir a série em duas, que nos anos mais recentes há uma elevação
muito significativa da dívida. O grande salto desses gastos, em todos os países, ocorreu na
passagem do ano de 2008 para o de 2009. A Alemanha apresentou a menor proporção de
dívida pública com o PIB de todas as regiões registradas na tabela, menor até que a União
Europeia. No caminho inverso, Grécia, Irlanda, Itália e Portugal apresentaram os maiores
endividamentos dentro do período avaliado.
k)
Déficit Público
Tabela 9 – Relação déficit público e PIB em alguns países da interzona
Anos
Déficit Público (em % do PIB)
União Alemanha França Reino Portugal Irlanda
Europeia
Unido
2005
-2,5
-3,3
-2,9
-3,4
-6,5
1,6
2006
-1,5
-1,6
-2,3
-2,8
-4,6
2,9
2007
-0,9
0,2
-2,7
-2,8
-3,1
0,2
2008
-2,4
-0,1
-3,3
-5
-3,6
-7,4
2009
-6,9
-3,1
-7,5
-11,4
-10,2
-13,7
2010
-6,5
-4,2
-7
-10
-9,8
-30,6
2011
-4,4
-0,8
-5,2
-7,6
-4,3
-13,1
2012
-3,9
0,1
-4,9
-6,1
-6,4
-8,2
2013
-3,3
0
-4,3
-5,8
-4,9
-7,2
Itália
Grécia
Espanha
-4,4
-3,4
-1,6
-2,7
-5,5
-4,5
-3,7
-3
-3
-5,2
-5,7
-6,5
-9,8
-15,8
-10,9
-9,6
-8,9
-12,7
1,3
2,4
2
-4,5
-11,1
-9,6
-9,6
-10,6
-7,1
Fonte: Adaptado de Eurostat
A tabela 9 mostra a relação do déficit público em relação ao PIB de algumas regiões
da Europa. Nos primeiros anos da série observa-se uma tentativa de manutenção das contas
públicas. Já no triênio 2008-2010, houve uma piora significativa em todas as economias da
tabela. Nos últimos anos, a maioria das regiões conseguiu reverter o último quadro e, assim,
equilibrar novamente o déficit, porém ainda em um nível não aceitável. Destaque para o
último ano da série, onde somente a Alemanha conseguiu um resultado não negativo.
3.2 Crise Financeira Americana de 2008
O responsável por deflagrar a crise financeira de 2008 foi o mercado imobiliário dos
Estados Unidos. No período de 2003-2007, segundo Belluzzo (2009), o aumento na
40
quantidade de construção residencial e forte elevação nos preços dos imóveis instigaram e
sustiveram o consumo das famílias. A “poupança externa”, decorrente dos superávits asiáticos
e da Alemanha, por outro lado financiaram as referidas operações de crédito.
As famílias americanas, no referido período, enfrentando modestos aumentos de renda
e emprego, aproveitaram dos ganhos de produtividade dos trabalhadores asiáticos. Os ganhos
de renda real dos americanos foram proporcionados graças aos preços mais baixos dos
produtos asiáticos. Além disso, os asiáticos, exportadores, destinaram suas reservas
acumuladas para o financiamento do déficit em conta corrente e o déficit fiscal dos Estados
Unidos. Isso resultou em taxas de juros mais baixas que expandiram o consumo das famílias
americanas. (BELLUZZO, 2009).
Esse cenário de expansão transbordou para a econômica mundial e fomentou
expectativas otimistas sobre os bancos, empresas e os consumidores. Tal ambiente diminuiu a
aversão ao risco dos indivíduos em todo mundo, como nunca visto antes, afirma Belluzzo
(2009).
Essas circunstâncias, explica Belluzzo (2009), motivaram um relaxamento dos
critérios de avaliação de risco pelos agentes financeiros e a combinação de crescimento
elevado e juros baixos instigou a multiplicação de comportamentos financeiros perigosos,
dentre as quais, a superalavancagem das posições bancárias e a disseminação dos derivativos
de crédito.
Com o aprofundamento desse processo, as empresas financeiras passaram a possuir
uma grande massa de títulos podres e cujos tomadores não possuíam garantias suficientes.
Diante disso, esses agentes repassaram uma parte desses contratos para outros investidores,
alavancando ainda mais os contratos, com o intuito de assegurar certas garantias em caso de
inadimplência total. Esse processo funcionou com dinamismo, pois a massa de crédito
disponível no mercado imobiliário motivava os agentes e, consequentemente elevava os
preços (DOWBOR, 2009).
Os bancos inventaram, com a estratégia de abrir espaço para novos empréstimos,
inovações financeiras para aumentar o volume e a captura de comissões. A essa altura os
bancos se importavam mais com a quantidade do que com a qualidade dos títulos, elucida
Belluzzo (2009). Somado a isso, os títulos obtiveram classificações, com a ideia de torná-lo
mais confiável e permitindo ao investidor optar pelo risco do contrato, explica Dowbor
(2009).
41
A elevada alavancagem das famílias juntamente com a redução dos rendimentos
provocou elevação em seus níveis de endividamento (BELLUZZO, 2009). Frente a um
excesso de pessoas sem recursos para pagar os compromissos assumidos, os agentes
bancários norte americanos são obrigados a executar as hipotecas. Consequentemente, com a
elevação da oferta, os preços dos imóveis diminuíram e conforme a saturação do mercado
aumentava, os preços abaixavam ainda mais.
Com isso, os bancos foram obrigados a registrar o preço degradado dos ativos
imobiliários em seus balanços, isso provocou extrema cautela nas futuras concessões de
empréstimos. Tais circunstâncias geram a contração de crédito e findou na recessão norte
americana, elucida Belluzzo (2009).
Para tentar conter o apodrecimento continuado dos ativos, esclarece Belluzzo (2009),
o Banco Central americano (FED) precisou agir. Sua ação foi acolher os contratos e títulos
podres para salvar as instituições financeiras envolvidas, medida essa que acabou por inundar
o mercado de títulos do governo dos EUA.
As políticas implementadas no período, comenta Dowbor (2009), copiada também por
outros países, foi financiada pelos cofres públicos. A grande massa de movimentação
financeira para salvar as instituições elevou o endividamento doméstico público e privado. A
imputação de recursos financeiros que seriam disponíveis para investimento estabeleceu uma
esterilização da poupança e da capacidade de desenvolvimento real da economia mundial.
3.3 Crise Europeia de 2010
A crise financeira de 2008 provocou severos danos na União Europeia, seja porque
seus grandes bancos seguiram a onda de especulação fundamentada nas “inovações
financeiras”, ou pelas exportações que acabaram por ser afetadas negativamente com o
ambiente de recessão. O endividamento das famílias aumentou e a elevação da dívida pública
provocou déficits nas contas governamentais, afirma Bresser-Pereira, (2010). Esses
desequilíbrios englobaram o setor público e o privado de diversos países do bloco europeu
através do déficit em conta corrente e em sua dívida externa.
Segundo Eichengreen citado por Costa e Souza-Santos (2012), a crise serviu para
revelar os problemas da zona do euro, que eram conhecidos desde a sua criação. As
disparidades combinadas com a perda de autonomia monetária, flexibilidade de ajuste e
integração financeira bloquearam as ações dos países mais frágeis da região. Esses países,
42
atingidos com mais contundência pela instabilidade, foram nomeados “PIIGS”, iniciais, em
inglês, de Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha.
A explicação oficial dos agentes integrantes da zona do euro era de que os PIIGS
detinham elevados déficits públicos, causadores de instabilidade, e, portanto, a solução para o
equilíbrio da conjuntura seria um plano de austeridade fiscal. Antes de deflagrada a crise de
2008, esses países não possuíam grandes problemas em relação às finanças públicas e no
financiamento dos gastos no exterior, com exceção da Grécia que manipulou dados e
estatísticas influenciada pela oferta abundante de crédito. (COSTA e SOUZA-SANTOS,
2012).
Os dados concernentes ao crescimento do endividamento dos países centrais da zona
do euro (Alemanha, França e Reino Unido) vis-à-vis aos PIIGS (tabela 7) refletem dois
aspectos, afirmam Costa e Souza-Santos (2012). O primeiro é que até a crise financeira, os
países almejavam amortizar o endividamento público em relação ao produto, focalizando a
meta de 60% de endividamento público em relação ao PIB indicado pela união europeia. O
segundo é o significativo crescimento do endividamento no período 2008-2010, mais
acentuado na Irlanda, Grécia e Espanha. Por outro lado, Alemanha e França expuseram leve
acréscimo no endividamento.
Segundo Costa e Souza-Santos (2012), somente as informações fornecidas na variante
endividamento público em proporção do PIB não são suficientes para explicar o quadro dos
PIIGS. Os dados sobre o déficit público anual em relação ao PIB (tabela 8) tornam os dados
mais reveladores. Um fato importante é que a crise financeira de 2008 fez com que os países
não conseguissem sustentar o limite de 3% estipulado nas condições de convergência,
compreensível pela utilização de políticas anticíclicas por parte dos governos. Outro fator é a
ocorrência de países que detinham superávits sucessivos, que subitamente foram
transformados em déficits, como por exemplo, Espanha e Irlanda. Nestes casos, os déficits
podem ser explicados pelo baixo estoque de dívida pública (ver tabela 7).
Entretanto a importância dos déficits em relação ao mercado financeiro e choques
reais na economia são distintos para cada membro. Krugman, citado por Costa e Souza-Santos
(2012), justifica que o foco do problema é a falta de mecanismos que encurtem a assimetria
entre os países da zona e contrapesem com a perda da soberania monetária e a possibilidade
de desvalorização cambial como alternativa para ajustes. Além disso, a estratégia de
austeridade fiscal tende a acentuar a deterioração da economia real, dificultando a retomada
43
do crescimento e a redução do desemprego. Concomitantemente, os efeitos negativos dos
ajustes atingem mais aos países periféricos que os centrais.
Um dado para transparecer as assimetrias e falta de integração está na taxa de
desemprego. A Espanha liderada os países periféricos em dificuldades econômicas
que convivem com elevados graus de desemprego com 22,4%, seguido de Grécia
(18,8%) e Lituânia (15,3%). No outro extremo, Alemanha (5,8%), Holanda (4,5%),
Áustria (4%) e Noruega (3,3%) vivem umas situações de pleno emprego. Mostrando
que os entraves institucionais e culturais não permitem que a mão de obra circule
equacionando o nível de desemprego entre os membros.
(COSTA e SOUZA-SANTOS, 2012, p.17).
Pelo lado financeiro, a instituição de um mercado bancário único ofereceu aos agentes
a possibilidade de excessivas alavancagens, utilizando os países periféricos através das
complexas operações financeiras interbancárias. Criou-se um efeito dominó em que se um
país não honrasse o pagamento de sua dívida pública, aflorava consequências
desestabilizadoras pelo sistema financeiro europeu abrangendo instituições e contaminando
outros membros. Portanto, desde deflagrada a crise, houve um empenho da união europeia
para evitar um possível default grego. As estratégias consistiram no auxílio da reestruturação
da dívida e, em 2012, um pacote de ajuda de 130 bilhões de euros foi oferecido, elucida AE
citado por Costa e Souza-Santos (2012). Simultaneamente o banco central europeu esforçouse para injetar liquidez nos agentes financeiros europeus com o intuito de dar continuidade a
oferta de crédito e evitar uma crise sistêmica. Ademais, a política de juros baixos para
amenizar os efeitos da crise e ações motivadas na busca de recursos para que os governos
financiassem os seus endividamentos públicos também foram executadas, segundo Valor
Econômico citado por Costa e Souza-Santos (2012).
A integração da união europeia, em seu penúltimo estágio, fez com que os países
integrantes adotassem uma moeda em comum e estes receberam um pacote de regras.
Todavia, os países economicamente mais frágeis continuaram apresentando problemas com
desproporções e a falta de integração fiscal que aumentasse o fluxo de transferências e
fornecesse mais poder de negociação e resistência a ataques especulativos. Estourada a crise,
o que se percebeu foi a falta de um sentimento comum europeu, afirma Galbraith citado por
Costa e Souza-Santos (2012). Os países periféricos foram tratados como países comuns
pagando pela irresponsabilidade fiscal, quando, na verdade, a ausência de mecanismos de
ajustamento, provocada pelo acorrentamento das regras que foram submetidas, impediram o
uso de políticas fiscais e monetárias independentes.
44
4. NOVO CONTEXTO ALEMÃO E OS DESAFIOS PARA O FUTURO
No atual contexto alemão é possível distinguir desafios de caráter conjuntural e
estrutural. Os obstáculos conjunturais dizem respeito ao curto prazo, são problemas que
advieram das crises recentes e das flutuações econômicas e que devem ser solucionados para
equilibrar novamente a economia alemã. Por outro lado, das barreiras estruturais, de longo
prazo, destaca-se a integração europeia que se aprofunda a cada dia e limita a mobilidade das
políticas fiscais e monetárias dos países integrantes.
Mesmo antes da crise financeira americana entre 2008 e 2009, a zona do euro
acumulava robustos déficits em conta corrente. A dívida externa, consequentemente,
aumentou significativamente, causando elevação no risco de financiamento dos credores. A
crise financeira realçou esses desequilíbrios e riscos, como vimos nas tabelas 8 e 9. A
gravidade alargou com o feedback negativo entre as dificuldades dos orçamentos públicos e
os riscos enfrentados pelos sistemas bancários nacionais, levantando questionamentos dos
investidores privados à sustentabilidade da posição da dívida externa global desses países.
Como decorrência, os fluxos de capital privado autônomos não são mais suficientes para
compensarem os (ainda que em contração) déficits em conta corrente. Esses países estão
enfrentando não apenas uma perda de confiança em suas finanças públicas, mas também
grandes dificuldades em seu balanço de pagamentos.
Realçada em meio à crise, a Alemanha tem conseguido conservar o vigor da sua
economia e a confiança dos investidores, segundo o Centro de Pesquisa Econômica Europeia
(Zentrum für Europäische Wirtschaftsforschung, 2012). Detentora de um capitalismo
diferenciado, além de leis e hábitos peculiares, conseguiu estruturar uma base sólida que tem
permitido atravessar esse período de recessão, que segundo a British Broadcasting
Corporation (2011), foi caracterizado pelo presidente do Banco da Inglaterra, Mervyn King,
como a crise financeira mais séria, desde 1930, se não a mais séria da história, com
desenvoltura.
Conforme foi observado nas tabelas: a (PIB), b (PIB per capita), d (Desemprego) e i
(Comércio Internacional), no capítulo anterior, a Alemanha também sofreu o impacto das
instabilidades causadas de 2008 até o presente momento, porém o país rapidamente se
recuperou dos reveses e fortaleceu suas bases ao longo da fase negativa do ciclo de negócios.
A recuperação dinâmica da balança de comércio internacional, juntamente com o
aquecimento do mercado interno através da diminuição do desemprego e o aumento do PIB
45
per capita, foram os principais responsáveis por essa suavização da crise no território
germânico.
Como vimos no capítulo 2 sobre as reformas efetuadas na Alemanha na primeira
década do século XXI, o baixo desemprego registrado na Alemanha desde 2002 é motivado
por dois grandes motivos: as reformas realizadas na Agenda 2010, que constavam a redução
no tempo do seguro desemprego entre outras medidas e pela grande capacitação do
trabalhador alemão, que o favorece a rápida recolocação no mercado de trabalho. A alta
capacitação do trabalhador alemão pode ser verificada na tabela f, através da comparação
entre os pedidos de patentes na união europeia e na relação de gastos com atividades de
investigação e desenvolvimento com o PIB. A alta qualificação da sociedade alemã implica,
consequentemente, com uma política salarial bem estruturada e de remuneração alta, como se
pode obsevar na tabela referente ao PIB per capita.
Observamos então que o modelo alemão tornou-se referência por sua competitividade
internacional, pelos altos salários praticados e pelo baixo desemprego. Essa integração foi
possível graças à estrutura do arranjo institucional alemão. Como vimos no capítulo 2, o
processo se originou de uma cultura nacionalista, período de 1880 e 1945, que envolveu
diversos economistas, todos com o pensamento em comum de que cada país deve seguir um
modelo de crescimento econômico de acordo com suas trajetórias econômicas, sociais e
culturais. Nessa metodologia nacionalista, houve a prática de intervenção estatal, políticas
protecionistas e grande estímulo aos setores básicos, que se tornaram bastante desenvolvidos.
Até a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha perdurou com seu estilo próprio de
capitalismo coordenado, porém após o conflito, a economia germânica passou a ter forte
influência liberal, advinda principalmente dos EUA. Contudo, a necessidade do Estado
alemão em obter a legitimidade perante as classes sociais acabou por reaproximar, mais uma
vez, a sociedade, através da ampliação da participação dos sindicatos e do fortalecimento de
associações capitalistas na economia.
Ao mesmo tempo, vimos que a integração europeia começava, em 1948, com o
objetivo de proteção mútua frente aos conflitos bélicos recém-acontecidos. Posteriormente, os
acordos estabelecidos evoluíram e se tornaram tratados com a intenção de, a cada vez mais,
integralizar a economia europeia. Essa internacionalização gradual acabou por reduzir a
mobilidade que os países integrantes tinham sobre suas próprias economias nacionais.
Naturalmente, esses incidentes mudaram o rumo do cenário econômico mundial e, inserida
nesse contexto, da Alemanha também.
46
Décadas mais tarde, como vimos no capítulo 2, outros importantes acontecimentos
modificaram a estrutura econômica mundial e alemã. Foi o caso da crise no mercado de
petróleo na década de 70 e da queda do muro de Berlim, no final da década seguinte. Esses
marcos abalaram o arranjo alemão, a política salarial e os direitos trabalhistas foram
questionados pela primeira vez sobre a necessidade de reformas. A mão de obra qualificada
do leste europeu, que aceitava condições de trabalho inferiores às dos trabalhadores alemães
foi um agravante para essa situação. A internacionalização financeira foi outro fator que
contribuiu para a mutação da estrutura econômica alemã, uma vez que a fonte de capital, ora
envolvida com os anseios das firmas e desejosa por retornos garantidos (mesmo que
demorasse um prazo maior), passou a ser agressiva e especulativa.
Atualmente, a economia alemã adota uma adaptação de seu modelo nacionalista, do
século XIX, com o liberalismo ortodoxo anglo saxônico. Como vimos, as mudanças
realizadas na Agenda 2010 trouxeram ao mercado trabalhista alemão menos intervenção
estatal do havia no passado. O tripé composto por Estado, associações empresariais e
sindicatos foi modificado. Acelera essa mudança o fato de que a União Europeia avança cada
vez mais seu nível de integração através dos acordos que são firmados. Hoje, há maior
concorrência entre os trabalhadores, que passaram a ter circulação livre e também entre os
agentes financeiros.
No contexto da crise europeia de 2010, que abalou os países integrantes da zona do
euro e questionou o futuro da comunidade europeia, a Alemanha obteve papel de destaque.
Como vimos, o fato de ter suportado as instabilidades melhor que os outros países do bloco
elevaram, ainda mais, os desafios da Alemanha. A rivalidade asiática nos mercados, o tipo de
tecnologia alemã (forte em seu aspecto incremental e fraca na capacidade inovadora) e a
modificação de seu modelo capitalista coordenado para traços cada vez mais liberais são os
principais desafios para a economia alemã no longo prazo. São problemas estruturais nos
quais a Alemanha deve se adequar desde já para que não perca a posição atual de maior
economia da Europa e uma das maiores do mundo.
47
5. CONCLUSÃO
Para o objetivo dessa monografia foram utilizados os métodos descritivo e explicativo.
Segundo Gil (2002), a pesquisa descritiva tem como principal objetivo a descrição de
características de uma população ou a constituição de relações entre variáveis. Na pesquisa
descritiva destaca-se o estudo das características de um grupo. Além de identificar a
existência de relações entre variáveis, a pesquisa descritiva pode determinar a natureza dessas
relações, neste caso, tem-se uma pesquisa descritiva aproximada da explicativa. Conforme Gil
(2002), a pesquisa explicativa tem como foco identificar as causas que determinam a
ocorrência de determinados fenômenos. Trata-se de uma pesquisa que explica o porquê das
coisas. O estudo de caso alemão caracteriza-se por uma exposição de dados, fatos e
peculiaridades presentes na economia alemã que buscam delimitar o seu sucesso e ao mesmo
tempo explicá-lo.
A partir da análise realizada nessa monografia, torna-se possível concluir que a
Alemanha, influenciada por sua história, desenvolveu uma forma diferenciada de capitalismo,
integrada a um palco institucional que busca o crescimento sustentável, aliado a bons
resultados socioeconômicos e uma participação ativa da sociedade em questões diversas
dentro da conjuntura alemã.
No capítulo 2 vimos que esse aspecto incomum da economia alemã confere ao seu
modelo econômico a alcunha de capitalismo coordenado. É evidente a atuação de um tripé
composto por Estado, associações empresariais e sindicatos na conjuntura do país. Essa união
de instituições constitui uma base sólida e coordenada que atenuam as falhas do mercado
doméstico.
Essa estrutura integrada tem suas raízes a partir do século XVIII, no processo de
formação do Estado alemão e prosseguiu com a estratégia nacionalista de List, a partir da
modernização conservadora. A institucionalização dos conflitos sociais e os rumos dos
conflitos bélicos foram essenciais por criarem e alargarem os laços entre os agentes
econômicos e a sociedade.
A coordenação das instituições pode ser observada no alinhamento de interesses que
se constitui entre os stakeholders, na busca pela estabilização e crescimento sustentável de
longo prazo. Dessa forma, verifica-se a existência de uma cumplicidade entre os diversos
âmbitos do capitalismo alemão.
48
O modelo alemão foi influenciado pelo liberalismo anglo saxônico a partir do fim da
Segunda Guerra Mundial. Desde então, notadamente houve um aumento de reformas de
caráter liberal na economia, sobretudo na política salarial e na relação com os trabalhadores.
Essa combinação de modelos econômicos esclarece o comportamento da Alemanha
aos desafios recentes. Porém, ainda que as reestruturações de cunho liberal tenham
aumentado, são transformações marginais, com a manutenção das características
fundamentais do modelo. De forma geral, as reações alemãs ainda são arroladas à negociação
e cooperação entre os agentes econômicos, conforme seus acordos de longo prazo.
Os efeitos positivos desse novo ajuste cooperativo podem ser confirmados com o
desempenho alemão frente às crises econômicas, inclusive as mais recentes. Os rápidos
ajustamentos dos principais indicadores macroeconômicos comprovam a eficácia do modelo.
Atualmente, conforme vimos nos capítulos 3 e 4, a Alemanha ainda enfrenta
obstáculos importantes, com destaque para a concentração das exportações para o continente
europeu e a concentração de suas inovações em setores de tecnologia incremental. A
concorrência asiática também é um empecilho a ser considerado. Contudo, o incentivo à
inovação dentro das firmas e o aumento das despesas com investigação e desenvolvimento
tem demonstrado que o país está atento às mudanças no mercado mundial.
Em resumo, as instituições que compõem a Alemanha ainda formam um modelo de
capitalismo coordenado. As recentes mudanças podem ser justificadas pelos problemas
conjunturais. Os obstáculos estruturais parecem também ter sido identificados e, como vimos,
a Alemanha já tem iniciado formas de ultrapassá-los. Portanto, não há razões para grandes
mudanças na economia alemã, que se beneficia de seu arranjo institucional. Mesmo com os
desafios recentes, o Estado alemão tem suportado com vigor sem a necessidade de grandes
transformações.
49
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Um outro mundo possível: Alternativas históricas da
Alemanha, antes e depois do muro de Berlim. Revista Espaço Acadêmico, Brasil, 9 out. 2009.
Disponível em:
<http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/8586/4777>.
Acesso em: 06/2012.
BAINGO, Werner Karl. Escola Histórica Alemã e o pensamento listiano protecionista do
século XIX: ambiguidade ao laissez-faire inglês ou virtudes nacionais de EUA e Alemanha?
Canoas, 2009. Disponível em:
<http://www.apec.unesc.net/IV_EEC/sessoes_tematicas/Hist%F3ria%20econ%F4mica/Escol
a%20Hist%F3rica%20Alem%E3%20e%20o%20pensamento%20listiano%20protecionista%2
0do%20s%E9culo%20XIX%20.pdf>. Acesso em: 03/2014
BALDISSERA, Felippe. A História da Integração Europeia: Do Pós Guerra a Maastricht
– Tratados e Instituições. Rio Grande do Sul, 2012. Disponível em: <
http://www3.pucrs.br/portal/page/portal/direitouni/direitouniCapa/direitouniGraduacao/direito
uniGraduacaoDireito/direitouniGraduacaoDireitoConclusaoCurso/direitouniGraduacaoDireito
ConclusaoCursoPublica#20122>. Acesso em: 03/2014
BANCO MUNDIAL, 2010. Banco de dados. Disponível em
<http://databank.worldbank.org>. Acesso em: 06/2012.
BANK of England governor fears crisis is “worst ever”. British Broadcasting Corporation:
BBC, 07 de out. de 2011. Disponível em: < http://www.bbc.co.uk/news/business-15210112>.
Acesso em: 03/2013.
BELLUZZO, L. G. A crise financeira e o papel do estado. In: Crise financeira mundial:
Impactos sociais e no mercado de trabalho. Associação Nacional dos Auditores Fiscais da
Receita Federal do Brasil – ANFIP. Brasília, 2009. Disponível em: <
http://dowbor.org/blog/wp-content/uploads/2012/06/102859970-Crise-FinanceiraMundial.pdf>.
BRESSER-PEREIRA, L. C. A crise do euro, uma moeda estrangeira. Disponível em:
<http://www.bresserpereira.org.br/articles/2012/368-Crise_do_Euro.pdf>. Acesso em:
04/2014
COSTA, A. D.; SOUZA-SANTOS, E.R. A crise europeia e os perigos da moeda única:
lições para as políticas de integração. Disponível em:
<https://www.academia.edu/2571200/A_Crise_Europeia_e_os_Perigos_da_Moeda_Unica_lic
oes_para_as_politicas_de_integracao>. Acesso em: 04/2014
COSTA, C. G. O modelo alemão e a “economia social de mercado” num contexto de
globalização. Informação Internacional, Lisboa, 1999.
DEUTSCHE BUNDESBANK, 2013. Banco de dados. Disponível em:
http://www.bundesbank.de/Navigation/DE/Home/home_node.html. Acesso em: 03/2013
50
DEUTSCHE WELLE. A quick guide to “Agenda 2010”.. 17 de dez. de 2003. Disponível
em: http://www.dw.de/a-quick-guide-to-agenda-2010/a-988374-1. Acesso em: 03/2013
DOWBOR, Ladislau. A crise financeira sem mistérios: convergência dos dramas
econômicos, sociais e ambientais. Disponível em:
<http://dowbor.org/crisesemmisterios8.pdf>. Acesso em: 04/2014
ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, 2014. Banco de dados. Disponível em: <
http://www.britannica.com/> . Acesso em: 05/2014.
EUROSTAT, 2013. Banco de dados. Disponível em:
<http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/eurostat/home/>. Acesso em: 04/2013.
FOLHA DE SÃO PAULO. ZONA do Euro já está em recessão e deve ficar até 2009, diz
Comissão Europeia. Folha Online, São Paulo. 03 nov. 2008. . Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u463344.shtml>. Acesso em: 03/2013.
FONSECA, Pedro Cezar Dutra. O Pensamento Econômico Alemão no Século 19, Santa
Cruz do Sul, 2000.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar Projetos de Pesquisa. 4. Ed. Atlas, 2002.
GIOVANELLA, Lígia; GUIMARÃES, Luisa. Integração europeia e políticas de saúde:
repercussões do mercado interno europeu no acesso aos serviços de saúde. Rio de
Janeiro, 2006.
GLOBAL-RATES, Banco de dados. Disponível em: < http://pt.global-rates.com/>. Acesso
em: 04/2014
GUIMARÃES, Alexandre Queiroz. O capitalismo coordenado alemão: do boom do pósguerra à Agenda 2010. Lua Nova [online]. 2006
GUIMARÃES, Alexandre Q.; BARBOSA, F. Constantino; COSTA, G. Ottoni; NATALINO,
Henrique; OLIVEIRA NETO, Paulino R. Alemanha: o modelo de capitalismo social e os
desafios no limiar do século XXI. In: XVII ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA
POLÍTICA, 2012, Rio de Janeiro. Desenvolvimento...Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de
Economia Política
MARINHO, Amanda Zacarias. Alemanha reunificada: Seu desenvolvimento econômico.
Belo Horizonte: Uni-BH, 2010.
MAXIMO, Mário Motta de Almeida. A Guerra dos Métodos: A visão da Escola Histórica
Alemã. Rio de Janeiro, 2010.
MENDES, Ricardo C., PEDROTI, Paula. A internacionalização da economia alemã: o
papel das instituições e os desafios do século XXI. Brasília: IPEA, 2009. Palestra ministrada
no Seminário VIII Trajetórias de Desenvolvimento: África do Sul, Alemanha, Argentina,
China, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, Índia, México e Rússia. Realizado pelo Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada em 25 jun. 2009. Palestra. Disponível em:
51
<http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/pdf/Trajetorias8-Aleman.pdf >. Acesso em 14 de
jun.2010.
NETO, Paulino Rodrigues de Oliveira. O modelo de capitalismo alemão e seus desafios nos
últimos dois decênios. Belo Horizonte: PUC Minas, Instituto de Ciências Econômicas e
Gerais: Departamento de Economia, 2012.
O ESTADO DE S. PAULO. CRISE na zona do euro acabou, diz Hollande. Estadão, São
Paulo. 16 de fev. de 2013. Disponível em: <
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,crise-na-zona-do-euro-acabou-diz-hollande,997622,0.htm>. Acesso em: 03/2013.
PEREIRA, Luciene Maria Pires; MENEZES, Sezinando Luiz. Sobre ideias e instituições: a
riqueza das nações ou a riqueza da nação? As ideias de Adam Smith e Friedrich List
sobre o desenvolvimento do capitalismo. Maringá, 2008
PORDATA, Banco de dados. Disponível em: <http://www.pordata.pt/>. Acesso em: 04/2014
RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL. O pior da crise do Euro já passou, diz ministro
alemão das Finanças. RTP/AFP, 27 de dez. de 2012. Disponível em: <
http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=615128&tm=7&layout=121&visual=49>.
Acesso em: 03/2013.
RAIMUNDO, Licio da Costa. Alemanha: mitos, fatos e desafios para o século XXI. Rio de
Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). 2009. Disponível em
<http://desafios2.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1413.pdf> Acesso em: 01/2013.
SANDRONI, Paulo. Novíssimo Dicionário de Economia. Best Seller, 1999..
SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento Econômico. 5ª Ed. Revisada, São Paulo: Atlas,
2007 .
STATISTISCHE BUNDESAMT - DESTATIS, 2013. Banco de dados. Disponível em:
<https://www.destatis.de/DE/Startseite.html>. Acesso em: 03/2013.
TAYLOR, Arthur. As Grandes Doutrinas Econômicas. 2ª Ed. 1963
THORSTENSEN, Vera. Tudo sobre Comunidade Europeia. 1ª Ed. 1992
UL HAQ, Mahbub. O Paradigma do Desenvolvimento Humano. Desenvolvimento
Humano: leituras selecionadas. Belo Horizonte: IDHS-PUC Minas, PNUD. 2007.
ZENTRUM FÜR EUROPÄISCHE WIRTSCHAFTSFORSCHUNG, 2013. Banco de dados.
Disponível em: < http://www.zew.de/>. Acesso em: 04/2013
52
ANEXO A – Lista de países que compõem a comunidade europeia
Alemanha
Áustria
Bélgica
Bulgária
Croácia
Chipre
Dinamarca
Eslováquia
Eslovênia
Espanha
Estônia
Finlândia
França
Grécia
Hungria
Irlanda
Itália
Letônia
Lituânia
Luxemburgo
Malta
Países Baixos
Polônia
Portugal
República Checa
Romênia
Suécia
Reino Unido
Download