Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais Curso de Ciências Econômicas Breno Francis de Paula A ECONOMIA ALEMÃ E SEUS DESAFIOS PÓS-CRISE FINANCEIRA DE 2008 Belo Horizonte 2014 Breno Francis de Paula A ECONOMIA ALEMÃ E SEUS DESAFIOS PÓS-CRISE FINANCEIRA DE 2008 Monografia apresentada ao Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Economia. Orientador: Marcelo Meira de Jesus Belo Horizonte 2014 Breno Francis de Paula A ECONOMIA ALEMÃ E SEUS DESAFIOS PÓS-CRISE FINACEIRA DE 2008 Monografia apresentada ao Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Economia. ______________________________________________ ______________________________________________ ______________________________________________ Belo Horizonte, 22 de Maio de 2014. À minha mãe, Maria Aparecida dos Anjos, que, com apoio e compreensão, não mediu esforços, tampouco incentivos para que eu chegasse até aqui. AGRADECIMENTOS A todos que contribuíram para a realização deste trabalho, fica expresso aqui a minha gratidão, especialmente: Agradeço aos meus pais, Maria Aparecida dos Anjos e Flâni de Paula Teixeira, pois, é devido à educação, exemplo e orientação que eles me deram ao longo da vida que escolhi seguir em busca de meus próprios sonhos e desejos, os quais estão se materializando também com o encerramento dessa etapa. Agradeço a minha irmã Brenda Lorrane de Paula, por sempre acreditar em mim e me apoiar em qualquer decisão. Agradeço a minha namorada Yasmin Vartuli Barros, por ter me incentivado no cansativo processo que é o desenvolvimento de uma monografia. Agradeço-a por todos os beijos e puxões de orelha necessários para a continuidade deste trabalho. Agradeço aos professores Marcelo Meira de Jesus, Daniel Ítalo Richard Furletti e Maria Letícia Líbero Estanislau, pela orientação, pelo aprendizado e apoio em todos os momentos necessários. Agradeço as minhas colegas de classe Maiara Vilela Souza, Thais Adriane Silva e Sabrina Mota Morais Araújo, pela rica troca de experiências. Agradeço a minha cadela Borracha que, muitas vezes teve que me ouvir e estava disposta a longas corridas em momentos de alivío de estresse do projeto de monografia. A todos que, de alguma forma, contribuíram para esta construção. RESUMO Esta monografia é o resultado de um estudo sobre a economia alemã. Ela pretende narrar sua trajetória econômica desde antes da formação de seu Estado até os dias atuais, mostrando como as particularidades de sua história e de seu povo influenciaram na construção das suas instituições. Serão traçadas as características do modelo capitalista coordenado alemão, que visa a equalização dos níveis socioeconômicos através de um tripé formado pelo Estado, as organizações empresariais e os sindicatos. Buscar-se-á explicar o porquê desse modelo capitalista diferenciado proporcionar a Alemanha vigor em momentos de crise e a pujança na liderança da comunidade europeia. Palavras-chave: Economia Alemã. Capitalismo Coordenado Alemão. Escola Histórica Alemã. ABSTRACT This paper is the resulto f the detailed study of the german economy. It intends to narrate the economic trajectory of Germany since before the formation of its State until nowadays, demonstrating how the particularities of its history and its people could make na influence in the construction of its institutions. Its going to layout all the characteristics of the german coordinate capitalist model that plans to equalize the various socioeconomic levels through a tripé formed by the State, the business corporations and the syndicate. It seeks also to explain why this specific capitalistic model was able to proportionate Germany glory on its moments of crises and strength to lead the european community. Keywords: German Economy, German Coordinate Capitalism, German Historical School. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 09 2 REFERENCIAL TEÓRICO .......................................................................................... 2.1 Debate sobre o desenvolvimento .................................................................................. 2.2 Desenvolvimento Econômico Alemão: evolução histórica e aspectos teóricos ........ 2.2.1 Antecedentes: século XVII e XVIII .......................................................................... 2.2.2 O período da consolidação: século XIX até a Segunda Guerra Mundial ............. 2.2.3 O período de reconstrução até os dias atuais .......................................................... 2.3 Teoria de Integração e Comunidade Europeia .......................................................... 11 11 12 12 19 22 26 3 CONJUNTURA MACROECONÔMICA ..................................................................... 3.1 Dados Macroeconômicos .............................................................................................. 3.2 Crise Financeira de 2008 .............................................................................................. 3.3 Crise Europeia de 2010 ................................................................................................ 30 30 39 41 4 NOVO CONTEXTO ALEMÃO E OS DESAFIOS PARA O FUTURO ................... 44 5 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 47 REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 49 ANEXOS ............................................................................................................................. 52 9 1. INTRODUÇÃO O objetivo desta monografia é analisar a economia alemã e compreender as características de seu arranjo coordenado e de seus traços socioeconômicos que possibilitaram um capitalismo diferenciado e permitiram que o país ostentasse uma posição destacada na Europa. Segundo a Rádio e Televisão de Portugal (2012), em dezembro de 2012, o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäble defendeu que o pior da crise do euro já havia passado. De acordo com o Estado de S. Paulo (2013), o presidente da França, François Hollande afirmou que a crise na economia da zona do euro acabou e que está de volta a confiança à região. Apesar de todo esse otimismo sabe-se que a conjuntura econômica europeia continua instável. O PIB da zona do Euro encerrou o ano de 2012 em queda de 0,6%, conforme a Eurostat (2013). Assim, a Alemanha vem apresentando dados positivos de exportações, com o segundo melhor superávit comercial em mais de 60 anos, além de queda no nível de desemprego e a manutenção de seus benefícios sociais, bem como de seu rating perante as agências de classificação de risco (DESTATIS, 2012). Mesmo diante de uma crise que atinge grande parte dos países europeus, a Alemanha consegue manter seus principais dados macroeconômicos e preservar a confiança dos investidores. No entanto, segundo Guimarães e outros (2012), algumas barreiras se colocam frente à Alemanha na atual conjuntura: fraca demanda por importações de seus vizinhos afetados pela crise, concorrência chinesa por exportações, indignação dos trabalhadores pelos baixos salários dos miniempregos criados para enfrentar a crise da dívida, além do desafio de incorporar mulheres e os imigrantes no mercado de trabalho. Deste modo, a Alemanha, considerada o bastião europeu na atual conjuntura, tem a sua frente grandes adversidades: liderar o reerguimento da Zona do Euro, enfrentar a intensificação do processo de internacionalização financeira e consequentemente o acirramento da concorrência internacional. Nesse contexto, é essencial discutir o modelo econômico adotado pelo país. Procurando entender as peculiaridades do capitalismo coordenado alemão, que propõe bases sólidas às suas instituições e um caráter mais social em seu arranjo institucional. No que tange ao comércio exterior, apesar da crescente concorrência asiática, destacando a qualidade dos produtos japoneses e os baixos preços dos chineses, a Alemanha é 10 uma grande exportadora mundial de mercadorias, conforme Mendes e Pedroti (2009). A balança comercial corresponde a aproximadamente um terço do PIB alemão. A grande força econômica alemã está relacionada à sua competitividade e suas indústrias destacam-se pela qualidade da força de trabalho, altamente qualificada, e pelo perfil de suas indústrias. É importante entender o capitalismo coordenado alemão a fim de que se possam delinear suas principais diferenças frente a outras variações do próprio capitalismo. O comparativo será dado realizado com maior enfoque no capitalismo liberal. Além desta introdução, a condução desta monografia está dividida em três partes: inicia-se com a exposição do enfoque teórico sobre o desenvolvimento econômico. Serão conceitualizados e diferenciados os termos “desenvolvimento” e “crescimento econômico”. Ainda na primeira parte, será necessário contextualizar historicamente, a partir do século XVII, as políticas industriais e socioeconômicas adotadas pela Alemanha, que fundaram bases para esse capitalismo, preocupado com o social, sobretudo se comparado às outras economias bem sucedidas da Europa e do mundo, cujo sobressaem o capitalismo de cunho mais liberal. Para tanto, será dada ênfase desde o início da formação do território alemão, passando pelo seu período de consolidação e a Segunda Guerra Mundial e, por fim, o período de reconstrução até os dias atuais. Finalmente, a primeira parte se encerra com a exposição da teoria de integração entre os países e como ela se deu na comunidade europeia. No capítulo seguinte é feita uma leitura da conjuntura alemã recente e seu desempenho econômico sob a ótica dos principais indicadores macroeconômicos. Assim, é feito uma breve análise de dados estratégicos encontrados nos gráficos e tabelas que compõem essa segunda parte. Também se faz imprescindível a contextualização da crise financeira americana de 2008 e como ela criou condições para o surgimento da crise europeia de 2010. Finalmente, na terceira parte, será feita uma síntese dos principais acontecimentos na trajetória da economia alemã e, posteriormente, com a fundamentação nesses relevantes fatos, será realizada uma análise conjuntural e estrutural da Alemanha. Um diagnóstico dos principais desafios enfrentados no passado e como eles serão para o futuro do país alemão também será realizado. 11 2. REFERENCIAL TEÓRICO O referencial teórico deste trabalho está dividido em três partes. Inicia-se com uma discussão acerca da conceituação de desenvolvimento. Na parte a seguir, o enfoque será dado na escola histórico-institucionalista, criada na Alemanha para contrapor a teoria liberal inglesa. Finalmente, o terceiro tópico procura expor a teoria de integração regional e sua aplicação na comunidade europeia. Essa abordagem mostra como foi conduzido o processo político e econômico de integração dos países da Europa e a fundamental importância desse processo atualmente. 2.1 Debate sobre o desenvolvimento econômico Para a compreensão das peculiaridades do desenvolvimento da economia alemã, principalmente a partir da Segunda Guerra, faz-se indispensável, primeiramente, a conceituação dos termos desenvolvimento e crescimento econômico. A diferenciação entre esses termos permitirá uma conscientização da dimensão alcançada pela Alemanha. Segundo Souza (2007), não existe uma definição unânime sobre desenvolvimento. Contudo, existe um consenso que afirma a existência de duas correntes de pensamento sobre o termo supracitado. Uma primeira corrente, de caráter mais teórico e dedutivo, avalia crescimento como sinônimo de desenvolvimento. A segunda corrente, baseada em uma realidade empírica e histórica, entende que o crescimento é indispensável para o desenvolvimento, porém não é condição suficiente. Para Ul Haq (2007), a diferença entre as correntes é que a primeira concentra-se exclusivamente na expansão de uma variável econômica – a renda – enquanto a segunda engloba todas as variáveis humanas – cultural, econômica, política ou social. A partir da primeira corrente de pensamento, surgiram modelos que destacam apenas a acumulação de capital (SOUZA, 2007). A ideia é de que o crescimento econômico, distribuindo diretamente a renda entre os proprietários dos fatores de produção, ocasiona, simultaneamente, desenvolvimento econômico e melhoria dos padrões de vida. Porém, a realidade tem corroborado que só crescimento econômico não garante o desenvolvimento, já que os ganhos da expansão nem sempre beneficiam a economia como um todo, bem como todo o conjunto da população. Segundo Ul Haq (2007), essa relação não pode ser feita por uma série de motivos: a renda pode ser desigualmente distribuída em uma sociedade, as 12 prioridades públicas podem ser excludentes, além do fato de muitas escolhas humanas estenderem-se além do bem-estar econômico. A segunda corrente de desenvolvimento tem papel chave ao questionar a relação automática entre expansão de renda e a expansão de alternativas humanas. “Esse elo depende da qualidade e da distribuição do crescimento econômico e não apenas do crescimento em termos quantitativos.” (UL HAQ, 2007, p.65). Conforme Souza (2007), inicialmente há um crescimento ligado a uma expansão do produto e, em seguida, o desenvolvimento se expressa de forma qualitativa, refletindo no bem-estar da população e das instituições. Diante do exposto, será adotado como conceito de desenvolvimento, a presença de um crescimento econômico quantitativo e qualitativo, que busca o aumento da renda e, simultaneamente, da possibilidade de ampliação do campo de escolha dos indivíduos, conforme definição abaixo: Desenvolvimento econômico define-se, portanto, pela existência de crescimento econômico contínuo (g), em ritmo superior ao crescimento demográfico (g*), envolvendo mudanças de estruturas e melhoria de indicadores econômicos, sociais e ambientais. Ele compreende um fenômeno de longo prazo, implicando o fortalecimento da economia nacional, a ampliação da economia de mercado, a elevação geral da produtividade e do nível de bem-estar do conjunto da população, com a preservação do meio ambiente. Com o desenvolvimento, a economia adquire maior estabilidade e diversificação; o progresso tecnológico e a formação de capital tornam-se progressivamente fatores endógenos, isto é, gerados predominantemente no interior do país, embora a integração internacional constitua um processo gradativo e irreversível. Apesar da diversificação das exportações de produtos manufaturados e do crescimento do comércio exterior, o setor de mercado interno aumenta simultaneamente sua participação na economia. Em razão da redução gradativa do número de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza, da elevação dos níveis dos salários e da renda em sem conjunto, esse setor passa a ser definitivamente o elemento dinâmico do sistema econômico. (SOUZA, 2007, p.7) 2.2 Desenvolvimento Econômico Alemão: evolução histórica e aspectos teóricos 2.2.1 Antecedentes: século XVII e XVIII Durante o século XVII, o ducado da Prússia ostentou a condição de líder da civilização germânica, quando passou a incorporar os condados adjacentes. Estimulou-se uma atividade manufatureira, como ferramentas, armas e tecidos, porém essa atividade industrial foi extinta pela guerra dos trinta anos com a França (1618-1648) (SOUZA, 2007). Em seguida, a economia renasceu com pujança através de protestantes banidos da França, entre eles, abrangiam-se funcionários públicos, homens de negócio, intelectuais e artesãos. Esses 13 homens implementaram suas indústrias e técnicas de cultivo, desenvolvendo as culturas de batatas, cereais, forrageiras para alimentação animal, criação de gado e produção de lã. Na Prússia, nesse período, havia proteção alfandegária, mas não em outros Estados de língua alemã, estes sofriam com a concorrência de manufaturas estrangeiras, explica List citado por Souza (2007). Na metade do século XVIII, a Prússia passou a ser vista como uma potência europeia, graças, também, a alianças feitas com França e Inglaterra. No cenário interno, anexou diversas regiões, criou estradas e canais e estimulou a produção agrícola. Entre 1806 e 1812, a Prússia e os povos germânicos em conjunto estiveram sob o domínio francês, como nota Souza (2007). Apesar disso, a legislação napoleônica foi adepta às trocas e à atividade produtiva e findou com as estruturas feudais existentes. As mudanças apareceram com o intuito de construir uma grande nação, através da eliminação de obstáculos ao comércio e ao exercício profissional. Em 1815, os alemães e aliados derrotaram os franceses em Waterloo, acabando com o domínio francês. Neste ano, no Congresso de Viena, formou-se a Confederação Germânica. Ela contava com 35 estados e 4 cidades livres, destacando-se os reinos da Prússia, Saxônia, Hannover, Baviera, Württemberg, sendo Frankfurt a capital. Nessa época, ganhavam forças correntes opostas: liberais e nacionalistas. A liberal afrontava os feudos locais por meio das universidades e da literatura. A nacionalista ambicionava o fortalecimento da Prússia, para que conduzisse a nação alemã, segundo Lafue citado por Souza (2007). “A Alemanha sofria particularmente com o impacto das ideias modernas tanto pela sua proximidade geográfica com os principais polos irradiadores da novidade (França e Inglaterra), quanto pelo pensamento forte e singular de seus intelectuais.” (MAXIMO, 2010, p.2). O conflito, no cenário germânico, de interpretações tão distintas fez surgir questionamentos e dúvidas essenciais para a ciência econômica. Diante disso, articularam-se reações ao avanço da industrialização e sua ideologia implícita. Essas reações assumiram várias formas, desde manifestações violentas como a destruição direta de máquinas, cometida pelo movimento Ludita, até os rebuscados romances escritos no Sturm und Drang 1. Assumiu ainda o contorno de uma reação intelectiva com efeitos políticos. Entre 1770 e 1830, explica Maximo (2010), deu-se na Alemanha um importante florescimento intelectual e artístico. Um acontecimento paralelo ao Iluminismo 1 Sturm und Drang foi um movimento literário do final do século XVIII que exaltou a natureza, os sentimentos e o individualismo humano. O movimento aconteceu por uma reação ao culto do racionalismo, presente no Iluminismo, bem como ao classicismo francês. Goethe e Schiller começaram suas carreiras como membros proeminentes do movimento. (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, 2014) 14 que atingia a Europa, assinalado por um forte anseio religioso e metafísico, inteiramente contrário ao ocidente cada vez mais laico e materialista. A fundação da Universidade de Berlim em 1810 é um marco dessa oposição intelectual. Conviviam no ambiente universitário as cátedras de filosofia, teologia, filologia e história, com uma abertura e um diálogo desconhecido nas universidades francesas e inglesas. Ao contrário de uma segmentação e uma especialização cada vez maior do conhecimento, desenvolvia-se na Alemanha, uma perspectiva de integração entre disciplinas que tratam do homem. Um saber conjunto que permitisse compreender as diversas esferas da vida em sociedade. (MAXIMO, 2010, p.4) Como resultado desse movimento, surgiu a escola histórica alemã (Historische Schule der Nationalökonomie). Um conjunto de estudiosos com uma corrente de pensamento contrária às ideias liberais e ao avanço do pensamento marginalista. Desenhou-se, com isso, um embate metodológico entre indutivismo e dedutivismo. Os autores da escola histórica confrontavam a noção de universalidade dos teoremas econômicos. Segundo os próprios, a economia é dependente dos fatos históricos específicos de cada povo, por isso deve ser realizado um estudo rígido sobre a realidade histórica e não à dedução de teoremas de acordo com a lógica ou de modelos matemáticos. Tabela 1 – Representantes em destaque da escola histórica alemã Representantes Ideias Econômicas Wilhelm Roscher Acreditava que os desejos dos povos em assuntos econômicos exigiam um contato estreito com as outras ciências da vida nacional, em particular a história do direito, da política e da civilização. Bruno Hildebrand Via a história como o porta para a renovação das ciências. Karl Knies Negava a existência de leis econômicas universais e permanentes. Gustav von Schmoller Aceitava a combinação da indução e da dedução, com o apoio estatístico, para a investigação de fenômenos econômicos. Johann Herder Era contra a todos que acreditavam que a realidade poderia ser simplificada em leis universais descobertas através de pesquisa racional. Friedrich List Ponderava que as leis econômicas não poderiam deixar de lado a conjuntura em que se inseriam. Fonte: Elaborado pelo autor; dados de Maximo (2010), Taylor (1963) e Baingo (2009) 15 Sobre a escola histórica alemã e os seus pensadores, Maximo (2010) afirma: É importante identificar o arco de pensamento que une todo o movimento intelectual referido. Apesar das inúmeras diferenças entre as chamadas escolas, os membros dessa linha de pensamento compartilham a crítica fundamental à perspectiva mecânica da vida econômica. Os economistas alemães estão preocupados em refutar a suposição clássica à cerca da natureza humana, ou seja, de que os homens são essencialmente egoístas; seja à procura do auto-interesse de que Smith nos fala ou o homo economicus dos manuais modernos. Isso revela uma diferença metodológica crucial. Os economistas históricos rejeitam a abstração como método, abandonam a ideia da validade universal dos teoremas econômicos. A redução da sociedade a um argumento de agentes individuais, reunidos apenas mediante a vontade de maximizar seus interesses pessoais é combatida pela ideia da peculiaridade e da complexidade irredutível dos movimentos históricos. Essencialmente, o debate erguido pela escola histórica alemã trata de negar verdades independentes do tempo, alegando ser necessário um método capaz de abarcar as diferenças para compreender uma realidade sempre mutante, única e imprevisível. (MAXIMO, 2010, p.) Verifica-se, também, que o objetivo da escola histórica alemã não era apenas refutar as teorias e o método liberal econômico, mas buscar um caminho próprio, que os diferenciaria, sobretudo, da economia política inglesa, elucida Fonseca (2000). Essa alternativa almejada pelos alemães é considerada uma heterodoxia, ou seja, uma contestação às ideias dominantes. Para reforçar as contestações do mainstream de sua época, os pensadores da escola alemã utilizavam três aspectos comuns e relevantes que caracterizavam a heterodoxia de sua corrente. São eles: o historicismo, o institucionalismo e o intervencionismo (FONSECA, 2010). O historicismo enfatizou um adjetivo marcante dos economistas alemães supracitados: a presença da história em seus trabalhos. A forma de tratamento, interpretação e utilização da história entrelaçada com as políticas econômicas, apresentaram nítido contraste se comparado ao método dedutivo, abstrato e universal dos ingleses. O institucionalismo relacionou-se à defesa de um processo assentado na busca da peculiaridade, de destaque no empírico. Havia o consenso de que o que era válido para a Inglaterra, potência dominante, favorecida pelas leis de livre comércio e precursora da Revolução Industrial, não poderia ser verdade para os alemães. Primeiramente, aos germânicos faltava a instituição básica: o Estado Nacional unificado. Dentre o seu território predominavam diferenças políticas e impasses no campo da economia. Uma economia composta por estados sem Estado, mercados, bancos, leis, regulamentos e moedas locais. A existência de instituições locais e a inexistência de outras impediam a seus governantes e ao seu povo de pensar a economia como algo universal. 16 Finalmente, o intervencionismo adveio da inadmissão da corrente econômica alemã de que o mercado, em seu curso natural, conduziria a sociedade germânica a um caminho próspero. Para garantir esse fim haveria a necessidade de que o Estado se fizesse presente. A conjuntura germânica do século XVIII, como já foi dito, era problemática. Sua economia baseava essencialmente numa agricultura sem técnicas modernas e produtividade baixa, que gerava crises de escassez frequentes entre a população, afirma Baingo (2009). As atividades comerciais e industriais assistiam seu desenvolvimento obstruído por divisões políticas que criavam barreiras aduaneiras e no sistema monetário, insuficiência dos meios de transporte, de capital e do crédito, segundo Pereira e Menezes (2009). À luz dessas considerações, Friedrich List2 imaginava que o sistema válido na Inglaterra não seria eficiente no território germânico: Como podemos perceber, a realidade de Friedrich List opunha-se à realidade de Adam Smith no momento em que este escreveu A Riqueza das Nações. Por essa razão, List busca desconstruir a ideia de que o livre-comércio é o caminho mais eficiente para o desenvolvimento econômico das nações. Para este autor, o sistema de Smith aplicava-se somente a nações que já se encontravam em elevado grau de desenvolvimento, como a Inglaterra, mas era ineficiente para nações que se encontram na mesma situação de atraso econômico da Alemanha, na primeira metade do século XIX. Assim, List iniciava o enfrentamento teórico com os herdeiros de Adam Smith e sua teoria. (PEREIRA e MENEZES, 2009, p.92). Sua teoria recusava a harmonia dos interesses privados, esclarecida na obra a Riqueza das Nações de Adam Smith. List afirmou que estes interesses não levariam necessariamente o bem estar para todas as nações, aponta Padula citado por Baingo (2009). Ele considerava como característica básica de sua teoria o conceito de nacionalidade. Segundo o autor, toda a estrutura de seu sistema era baseada neste conceito, porque representava o interesse intermediário entre individualismo e a humanidade inteira. List citado por Baingo (2009) considerou, também, que a obra de Smith “A Riqueza das Nações” falhou em seu objetivo, pois lidou somente com a economia individual e da economia global, excluindo a economia nacional bem como o conceito de nacionalidade. Ele atribuiu, ainda, a doutrina de Smith como cosmopolita à questão do desenvolvimento das nações, afirmam Pereira e Menezes (2009). Em seu modelo de desenvolvimento econômico, em resumo, List projetou o progresso de sua nação, ou seja, a Alemanha, explicam Pereira e Menezes (2009). Isso se torna evidente 2 Georg Friedrich List (1789-1846) é considerado o primeiro grande economista de língua alemã, defendia o protecionismo, a industrialização e a unificação de seu país. (FONSECA, 2000) 17 em toda a obra, já que o conteúdo refere-se à conjuntura da região germânica naquele momento. Diante do exposto, “Sistema Nacional de Economia Política”, obra de List, foi escrita almejando o sucesso da economia alemã, conquanto pudesse ser adotada por outras nações que se deparassem nas mesmas circunstâncias, desde que levadas em consideração suas especificidades. Segundo Pereira e Menezes (2009), List considerava três estágios de progresso onde os países se enquadravam. O primeiro estágio referia-se aos países cuja situação econômica se encontrava em um grau de barbárie, ou seja, muito atrasada e abandonada. Para os países nessas categorias, a alternativa seria a adoção do livre comércio com nações mais avançadas, com a finalidade de que essa relação conseguisse tirá-los do estado de barbárie e fizesse prosperar a agricultura. O segundo estágio, dizia respeito aos países, que como a Alemanha, estavam em situação intermediária. Nessas condições, o ideal seria a promoção do crescimento da navegação, das manufaturas, da pesca e do comércio exterior, seguindo-se restrições ao comércio. Por fim, no terceiro estágio, alcançado naquele período somente pela Grã-Bretanha, país com alto grau de riqueza e poder, podia-se adotar o livre-comércio e a concorrência sem restrições, tanto no mercado externo quanto interno. Percebi claramente que a livre concorrência entre duas nações altamente civilizadas só pode ser mutuamente benéfica no caso de ambas estarem em um grau de desenvolvimento industrial mais ou menos igual; ao contrário, qualquer nação que, em razão de reveses, estiver atrasada em relação a outra, do ponto de vista industrial, comercial ou naval, embora possua os meios mentais e materiais para desenvolver-se, deve antes de tudo aumentar e consolidar seus próprios poderes individuais para aparelhar-se a entrar na livre concorrência com nações mais evoluídas. Em uma palavra, dei-me conta da distinção entre a Economia Cosmopolítica e a Economia Política. (LIST apud BAINGO, 2009, p.11). Embora o nacionalismo fosse o pilar de seu sistema, List também aborda outras questões chave, como a unidade nacional. Em conformidade com sua teoria, o primeiro passo para que a região germânica ultrapassasse a situação de atraso em que se encontrava era organizar-se politicamente. A fragmentação, afirmam Pereira e Menezes (2009), que se estabeleceu no território, após a reorganização no Congresso de Viena, deixou os estados alemães sem unidade política. List defendia a concepção de um poder forte e concentrado, capaz de aprovisionar garantias necessárias ao desenvolvimento de uma nação, tais como a ordem pública, a liberdade civil e a estabilidade das leis. 18 Quando fala em união, porém, List não está se referindo apenas à união entre todos os Estados germânicos em um único governo, mas à união dos diversos interesses individuais em torno de um único objetivo, o progresso da Alemanha, que significaria o progresso de todos. Nesse sentido, as palavras de List também é uma crítica ao liberalismo, pois esta teoria levaria à exacerbação do individualismo à medida que baseia a conquista de riquezas na realização pessoal de cada um, e não amparada pela não-intervenção do Estado na condução das atividades. (PEREIRA e MENEZES, 2009, p.93). List objetivava o desenvolvimento alemão. Um dos caminhos que o autor assinalou para isso foi o aprimoramento do que a Alemanha continha a seu favor, a agricultura. Segundo Pereira e Menezes (2009), era necessário instigar e apurar a agricultura para incitar a instalação de manufaturas, pois, conforme List, a agricultura depende da manufatura, assim como a manufatura depende da agricultura. O comércio deriva das manufaturas e da agricultura, e nenhuma nação em nossos dias conseguirá alcançar um nível considerado de comércio interno e externo, se antes não tiver conseguido implantar em seu solo esses dois setores básicos de produção, e não os tiver levado a alto grau de desenvolvimento. (LIST, 1986, p.176 apud PEREIRA e MENEZES, 2009, p.93). Essa discussão sobre o desenvolvimento das atividades produtivas distingue mais uma vez as concepções de Smith e List, afirmam Pereira e Menezes (2009). Embora os dois acreditassem no desenvolvimento, sequencialmente, da agricultura, manufatura e por fim do comércio, e ambos concordassem com a importância do desenvolvimento das forças produtivas para o crescimento de uma nação, Smith entendia como força produtiva a capacidade técnica dos indivíduos, enquanto para List esse conceito era mais amplo, abrangendo não só as habilidades técnicas, mas também as habilidades intelectuais. Ou seja, para List, o termo “força produtiva” abrangia todo o investimento feito na formação do trabalhador, incluindo como produtivas as atividades que não estão diretamente conectadas à produção de um bem que será comercializado posteriormente. Diferentemente da “força produtiva” conceituada por Smith que a entendia somente como a competência que um indivíduo possuía de produzir um produto que seria futuramente negociado. Dessa forma, para Smith, a força produtiva era a força braçal de um trabalhador (PEREIRA e MENEZES, 2009). Certamente são produtivos os que criam porcos e preparam pílulas, mas os educadores de crianças e adultos, os artistas, os músicos, os médicos, os juízes, os administradores são produtivos em grau muito mais elevado. Os primeiros produzem valores de troca, ao passo que os outros produzem forças produtivas; 19 alguns deles capacitando gerações futuras a se tornarem produtivas; outros, promovendo a moralidade e o caráter religioso da geração atual; outros enobrecendo e elevando o poder da mente humana. (LIST, 1986, p.103 apud PEREIRA e MENEZES, 2009, p.93). Como podemos observar, as linhas de pensamento entre Smith e List destoavam bastante. Esse hiato era ainda maior quando se tratava de suas concepções acerca do envolvimento do Estado nas atividades comerciais dos países, destacam Pereira e Menezes (2009). Adepto do protecionismo na região germânica, List defendia com ênfase a intromissão do Estado no curso da sociedade, limitando as importações, estimulando as exportações e garantindo, portanto, o desenvolvimento da nação. Segundo List citado por Baingo (2009), a nação deveria estabelecer e proteger, através das taxas alfandegárias, suas indústrias até o ponto que essas não temessem mais a concorrência estrangeira. Essas taxas ou direitos alfandegários deveriam ser, contudo, moderados, para que não restringisse a importação e o consumo, já que isso, para List, enfraqueceria a força produtiva interna do país. Foi nesse contexto, com seus anseios da corrente nacionalista, que Friedrich List passou a conduzir uma associação de empresários alemães atrelados ao comércio e à indústria, que ansiavam constituir uma união aduaneira entre todos os estados da Alemanha (o Zollverein). Em 1834, sob a direção da Prússia, o Zollverein formou uma união alfandegária, unindo 18 estados e 23 milhões de habitantes, afirma Niveau citado por Souza (2007). Foi responsável pela livre circulação de pessoas e capitais, graças à eliminação das barreiras comerciais que existiam. As taxas de importação também foram, nesse período, elevadas. 2.2.2 O período da consolidação: século XIX até a Segunda Guerra Mundial A integração da região germânica continuava, sob a inspiração de List, com a construção de ferrovias, entre 1835 e 1839. Com o surgimento do Zollverein, a economia alemã teve bases para crescer rapidamente e as modificações econômicas solidificaram a consciência nacional. Com a presença de ferrovias, a região decolou em direção ao desenvolvimento autossustentado, explica Niveau citado por Souza (2007). A produção de aço, carvão, e equipamentos ferroviários cresceram. Concomitantemente a redução dos custos de transporte ampliou os mercados no interior da Alemanha e em direção aos outros países europeus. Nesse período pujante de industrialização alemã também tiveram importância a 20 construção naval, a importação de tecnologia e de capitais da Inglaterra e França, bem como a existência de carvão e outros recursos mineiras no solo alemã. O desenvolvimento econômico impulsionava a integração espacial e política, elucida Souza (2007). A nova conjuntura propiciava a exploração de novas fontes de riqueza. Em 1860, a produção de carvão do território germânico ultrapassou a produção francesa. A integração de novas ferrovias atrelou as fontes de matérias-primas aos mercados consumidores, simultaneamente, dinamizou a siderurgia e as indústrias mecânicas necessitadas de ferro e aço. Diante desse cenário, expandiu-se o comércio interno e o setor bancário. Os capitais privados e públicos financiavam novos empreendimentos. Porem ainda que o crescimento da economia se dava em ritmo ligeiro, a unificação política, desejo de todos naquela conjuntura, vinha fracassando devido forte oposição da Áustria. Segundo Souza (2007), no final do século XIX, o território alemão encontrava-se separado em regiões autônomas. A unidade política era tão problemática que havia a expressão “as Alemanhas”, o que compreendia até 1866 o próprio território austríaco. Nessa época era impossível estabelecer as fronteiras da Alemanha, cujo cenário incluía cerca de 1500 soberanos em 80 territórios. A Áustria também se opôs a unificação italiana e seu insucesso favoreceu a liderança da Prússia dentro da Confederação Alemã, nessa época surgiu um novo líder, Otto von Bismarck. Com a liderança consolidada, a Prússia se organizou para combater a Áustria. Contando com a Itália como aliada venceu o seu rival, em 1866, pondo fim a Confederação Germânica. Nessa época, a França almejava adquirir o condado de Luxemburgo da Holanda, que, todavia pertencia ao Zollverein desde 1842. Bismarck não aceitou provocando um desentendimento. Posteriormente, Luxemburgo foi declarado neutro pelo Tratado de Londres. Outras novas indiferenças induziram os franceses a declarar guerra à Prússia, em 1870. O exército germânico, melhor preparado, ocupou Paris no ano seguinte. Com a vitória, os alemães anexaram em seu território as regiões da Alsácia e Lorena. Depois desse episódio, a Alemanha já se exibia como um respeitável país industrializado e uma potência europeia (SOUZA, 2007). Afirma Souza sobre a industrialização alemã: A industrialização alemã, como a francesa, beneficiou-se da Revolução Industrial inglesa, por meio da importação de máquinas e técnicos ingleses, que acabaram repassando a tecnologia. Operários ingleses, franceses e belgas fizeram funcionar os primeiros altos-fornos no Vale do Ruhr. Os alemães também receberam capitais de outros países da Europa para a exploração de suas minas de carvão e para a produção siderúrgica. A rápida industrialização foi acompanhada por uma 21 legislação social, que garantia seguro contra doença, invalidez e renda para os idosos. A educação pública foi nacionalizada em 1872 e tornada gratuita em 1888. A colonização de Togo e Camarões, em 1884, ajudou a suprir a indústria germânica com matérias-primas e a consumir seus bens manufaturados. (SOUZA, 2007, p.86) No período compreendido entre 1870 e 1910, depois da unificação alemã, a produção de ferro-gusa, aço e carvão aumentaram dez vezes e a malha ferroviária foi triplicada. Em 1910, as ferrovias alemãs já haviam ultrapassado, em extensão, a França e o Reino Unido, aponta Niveau citado por Souza (2007). A maciça exploração de recursos produtivos e o crescimento demográfico ao longo dos anos consolidaram à Alemanha uma posição destacada no panorama mundial. Entre os fatores do crescimento econômico alemão, desse período, podem ser destacados: (a) a constituição e a integração do mercado interno; (b) a importação de tecnologia; (c) o extraordinário crescimento das exportações, sobretudo nas primeiras décadas do século 20; (d) a firme política protecionista contra a concorrência estrangeira; e (e) o desenvolvimento de canais e ferrovias, interligando a Alemanha com os demais países na Europa e do Oriente. Entre 1872/1875 e 1909/1913, as exportações alemãs cresceram 250%, contra 85% para o Reino Unido e 68% para a França. (MIRADOR, 1995, p.315 apud SOUZA, 2007, p.87). O nascimento de outras pujanças industriais, como foi o caso da Alemanha, exaltaram as rivalidades econômicas e o imperialismo. A procura por novos mercados, a partilha do continente asiático e do africano, acirrou os pretensões imperialistas. A construção da ferrovia Berlim-Bagdá desagradou os ingleses, cuja rivalidade acirrou à medida que a Alemanha aumentava sua influência na África, afirma Souza (2007). O revanchismo francês que se instigou depois da perda das regiões da Alsácia e Lorena também teve contribuição para o forte sentimento nacionalista que se criou nessa atmosfera imperialista. Anos depois, esse clima de tensão iminente, que envolvia praticamente toda a Europa, culminou na Primeira Guerra Mundial. “O bloqueio econômico provocado pela Primeira Guerra Mundial levou os alemães a substituir matérias-primas importadas, a racionar produtos e a controlar preços.” (SOUZA, 2007, p.87). Findada a Guerra, a Alemanha foi obrigada a ceder parte de seus territórios às suas colônias, e foi imposta a pagar elevadas multas para reparar os danos de guerra. Internamente, as ideias nacionalistas de direita ganharam força. Em 1923, a Alemanha foi vítima da hiperinflação. Enfrentando dificuldades econômicas, ficou claro que o país não teria condições de pagar o que lhe foi imposta. No ano seguinte, a Alemanha recebeu empréstimos 22 externos para iniciar a recuperação de sua indústria. Como consequência, aumentou o fluxo de capital estrangeiro, sobretudo proveniente da Inglaterra e dos EUA, dando sequência a um período de rápido crescimento econômico (SOUZA, 2007). Para fortalecer-se competitivamente no mercado externo, em 1931, o governo alemão efetuou cortes nos preços e salários, impôs licenças de importação, restringiu a saída de capitais e realizou acordos bilaterais. Essas medidas não foram eficazes para disputar com a Inglaterra, que havia desvalorizado sua moeda em 30%, mas levaram Hitler ao poder como chanceler. Hitler iniciou uma propaganda política com base na luta contra os comunistas. Suprimiu os partidos políticos e expurgou os opositores. Em 1934, passou a acumular as funções de presidente da república, reforçando o militarismo e colocando a economia sob a direção do Estado. A partir de 1936, adotou dois planos quadrienais e a economia de guerra eliminou o desemprego no país. A Segunda Guerra Mundial iniciou-se com a Alemanha anexando a Áustria, em 1938. Ela continuou com a ocupação da Tchecoslováquia em 1939, com manobras agressivas contra a Polônia, França e Reino Unido, e com o ataque à União Soviética em 1941, apesar da existência de um pacto de não-agressão. A Segunda Guerra Mundial terminou em maio de 1945, estando a economia alemã praticamente destruída e submissa incondicionalmente aos Aliados. (SOUZA, 2007, p.88) 2.2.3 O período de reconstrução até os dias atuais Em 1945, após a Segunda Guerra, iniciou-se um período histórico de disputas estratégicas e conflitos indiretos, denominado Guerra Fria. Segundo Vaïse, citado por Marinho (2010), há uma transição da influência política, econômica e cultural do continente europeu para os verdadeiros vencedores da guerra, Estados Unidos da América e a União Soviética. Ambos buscaram aumentar sua projeção internacional e poder de influência perante o resto do mundo. Porém, as duas potências não possuíam os mesmos ideais. De um lado, o capitalismo, representado pelos americanos, com o apoio da maioria europeia, asiática e africana e, de outro lado, o socialismo defendido pelos russos no leste europeu e médio oriente. A Alemanha, grande perdedora da guerra, viu-se em um panorama desfavorável com grandes baixas humanas e materiais, porém conseguiu preservar cerca de 80% do seu parque industrial intacto, ou pouco avariado, conforme Raimundo citado por Marinho (2010). Segundo Marinho (2010), mesmo diante de fatos que facilitavam a reestruturação da Alemanha, a mesma não ocorreu imediatamente, já que faltava o essencial: o Estado alemão. 23 Por ter sofrido penalidades com o final da Segunda Guerra, a Alemanha teve sua soberania cassada. Conforme Vaïsse citado por Marinho (2010), o sistema monetário internacional, em prática no fim da guerra, era insuficiente. Então, em 1944, realizou-se a conferência monetária de Bretton Woods. Na conferência a principal medida foi a volta do padrão ouro e sua base fixa de 35 dólares por onça Troy. Tal medida transformou o dólar na moeda padrão do sistema monetário internacional, dada a quantidade de reservas norte americanas em ouro e sua capacidade de assegurar as conversões. Em junho de 1947, o Plano Marshall, um projeto que tinha o objetivo de apoiar a recuperação econômica europeia e espalhar a ideologia capitalista liberal foi lançado pelos EUA. Em 1948, conforme Raimundo citado por Marinho (2010), a adoção do novo marco alemão e depois a fundação do Bundesbank, o Banco Central alemão, instituição-chave no combate à inflação nos anos seguintes, propiciaram as bases para a estabilidade na economia alemã. Depois da traumática experiência do nazismo, a Alemanha teve grande preocupação em reconstruir-se e legitimar-se com o grande apoio das classes sociais. Economicamente, procurou-se desde o início o apoio dos sindicatos, oferecendo participação ativa dos trabalhadores, conforme Streeck citado por Guimarães (2006). Assim, uma característica peculiar do capitalismo coordenado alemão é a forte influência dos trabalhadores. Essa influência evidencia-se nas negociações coletivas, conduzidas por sindicatos fortes e abrangentes, explicam Thelen e Kume, citado Guimarães (2006). As adversidades encaradas pela Alemanha, abrangendo a depressão do século XIX e os choques do fim da Primeira Guerra Mundial, contribuíram para a aproximação das empresas e a formação de cartéis, espalhando o ímpeto de cooperação entre empresas do mesmo setor e a criação de associações empresariais, segundo Guimarães (2006). Nota-se a diferença em relação aos Estados Unidos, onde a Lei antitruste dificultou a cooptação de empresas, desestimulando o alargamento da interação entre elas. Com o incentivo ao fortalecimento das associações empresariais e a participação ativa dos trabalhadores, o Estado Alemão, estimulou as empresas a desempenharem funções quase públicas. “O capitalismo assumiu, assim, um molde social”, afirma Guimarães (2006, p.25). As associações empresariais, por sua vez, instigam as empresas a trocarem informações e experiências, formando redes de cooperação, que melhoram as capacidades competitivas do respectivo setor. Ao fazerem isso, conforme Soskice citado por Guimarães (2006), desempenham função 24 notável no processo de transferência de tecnologia, na definição de componentes e no desenvolvimento do produto, gerando expertise. Os anos posteriores foram de forte crescimento do comércio e da economia mundial. Segundo Guimarães (2006), a Alemanha beneficiou-se de alguns fatores para favorecer-se diante desse cenário. O país usufruiu de tecnologia e técnicas organizacionais disponíveis em países mais avançados, especialmente os EUA. Concentrou seus esforços e recursos especialmente na economia, já que sua defesa era garantida pelos norte-americanos. Além de privilegiar-se com as iniciativas de integração europeia, expandindo assim suas exportações. Em suma, esses arranjos contribuíram para que a Alemanha utilizasse um modelo de governança corporativa atrelado à participação dos trabalhadores e pela influência dos bancos nas empresas, que garantia uma fonte de capital paciente, ou seja, uma mentalidade investidora que não possuía ânsia por resultados imediatos e abria margem para as empresas se empenharem em estratégias de longo prazo. Um capitalismo de stakeholders3, em que a preocupação com os resultados privilegia o desempenho e a sustentabilidade no longo prazo, segundo Guimarães e outros (2012). Um pilar desse modelo foi a existência de uma fonte de capital paciente. No imediato pós-guerra, o mercado de capitais foi incentivado pelas forças aliadas, mas a forte regulamentação foi preservada, tornando-o menos atrativo para as empresas, bancos e famílias. Além disso, outros fatores inibiram o desenvolvimento do mercado de capitais: as empresas eram capazes de se auto-financiarem e havia grande disponibilidade de crédito por parte dos bancos. Por sua vez, em uma economia marcada por menor desigualdade de renda, os agentes familiares tendiam a se mostrar mais avessos ao risco e os fundos de pensão privilegiavam aplicações mais seguras, implicando menor grau de capitalização. Como consequência, as formas de financiamento foram, até o final da década de 1990, basicamente oriundas dos bancos, com uma parcela reduzida dos ativos financeiros se originando do mercado de capitais. (GUIMARÃES et al., 2012, p. 9) O regime alemão impede práticas de redução salarial e de direitos trabalhistas para promover a competitividade da indústria e, eventualmente, limita a autonomia do gerente. Porém, o trabalhador, como parte ativa do processo, sente-se pronto para cooperar com práticas voltadas a aumentar a produtividade, afirmam Guimarães e outros (2012). Na década de 70, o arranjo alemão foi fortemente abalado pela crise mundial, sobretudo no mercado do petróleo. Seu modelo, baseado em altos salários e direitos trabalhistas deu sinais de que precisava de reformas. A mão de obra qualificada do leste 3 “Expressão em inglês que significa aquele que aposta numa empresa ou empreendimento e assume seus riscos, podendo ser uma pessoa ou grupo como, por exemplo, seus proprietários, seus empregados ou mesmo seus clientes.” (SANDRONI, 1999, p. 576) 25 europeu, que aceitava salários inferiores, foi atraída para o território alemão, dificultando a manutenção da alta remuneração, bem como sua negociação centralizada. Outra dificuldade deu-se com a internacionalização financeira que colocou em risco a fonte de capital mais paciente, afirmam Guimarães e outros (2012). Por outro lado, o arranjo corporativo permitiu uma resposta mais suave, garantindo resultados macroeconômicos melhores, do que os obtidos nos países de capitalismo liberal. O câmbio também favoreceu as exportações e foram adiadas conversas sobre reformas no corrente sistema econômico. Em novembro de 1989, após a queda do Muro de Berlim, a reunificação e a economia penderam para o controle da República Federal da Alemanha. O modelo democrático (República Democrática Alemã) não possuía mais o mesmo vigor, porque se perdeu a legitimidade do regime comunista e enfraqueceu-se a sociedade civil da parte oriental, elucidam Guimarães e outros (2012). O Tratado de Maastricht, em 1992, assentou as bases da atual União Europeia e para uma moeda única, abandonando então o Deutsche Mark. Com a unificação alemã, o quadro agravou-se drasticamente. O déficit público elevado, decorrente da transposição do Estado de bem-estar social (Welfare State4) para o leste e o aumento do desemprego evidenciou falhas do capitalismo alemão e seu arranjo, enfatiza Streeck citado por Guimarães (2006). Na primeira década do século XXI e “após anos de dificuldades, mudanças mais profundas amadureceram e foram aprovadas.”, segundo Guimarães e outros (2012, p.12). A aprovação da Agenda 20105, em 2002, foi um importante passo para a execução das reformas que eram necessárias, preservando os avanços sociais do modelo alemão. As metas eram a redução do desemprego, fortalecer as relações exteriores, redução de custos de trabalho e do Welfare State. Foram tomadas ações para a redução de proteção trabalhista de empresas de pequeno porte e a suspensão da impossibilidade de demissão de empregados com mais de 50 anos, afirma Guimarães e outros (2012). Concomitantemente, foi liberada a contratação de trabalhadores para empregos de meia jornada e com contratos por tempo estipulado. Outros planos envolvidos na Agenda 2010 incluíram a redução no tempo de duração do seguro 4 “Sistema econômico baseado na livre-empresa, mas com acentuada participação do Estado na promoção de benefícios sociais. Seu objetivo é proporcionar ao conjunto dos cidadãos padrões de vida mínimos, desenvolver a produção de bens e serviços sociais, controlar o ciclo econômico e ajustar o total da produção, considerando os custos e as rendas sociais.” (SANDRONI, 1999, p. 220) 5 Plano do governo alemão, anunciado em março de 2003, para estimular a economia em dificuldades. Concentrava-se na redução dos benefícios de saúde, reestruturação de leis trabalhistas, redução de impostos e uma reforma do sistema de pensões. (DEUTSCHE WELLE, 2003) 26 desemprego e a diminuição monetária do benefício, conforme Seeleib-Kaiser e Fleckenstein citado por Guimarães e outros (2012). De acordo com Guimarães e outros (2012), alguns anos após a implementação da Agenda 2010 houve queda na taxa de desemprego. A taxa passou de 9,3 em dezembro de 2002 para 5,3 em julho de 2013 (EUROSTAT, 2013). Uma reestruturação das políticas de desemprego, com ênfase na melhoria dos sistemas de intermediação e de acompanhamento profissional, mirando realocar o indivíduo no mercado do trabalho foi realizada. O desempenho exportador também apresentou gradativo incremento e permitiu ganhos de competitividade nos anos recentes. “As exportações se transformaram no centro dinâmico da economia, respondendo em média por um terço do PIB e alcançando posições de liderança em indústrias de alto valor agregado”, conforme Guimarães e outros (2012, pg.15). O incremento das exportações está notadamente entre os maiores do mundo, principalmente nas últimas duas décadas, período marcado pela criação e disseminação da Zona do Euro. Em 2012 a Alemanha encerrou o ano com um saldo positivo na balança comercial de 188,2 bilhões de euros, o maior excedente desde 2007 e o segundo maior desde 1950 (DESTATIS, 2012). 2.3 Teoria de Integração e Comunidade Europeia A metodologia para a integração regional de países é, comumente, incentivada por demandas econômicas e geopolíticas e se fazem em ritmo mais acelerado do que o desenvolvimento de estruturas de harmonização social. Segundo Giovanella e Guimarães (2006), os processos de integração entrelaçam afinidades, estreitam e conciliam laços políticos que culminam na eliminação de barreiras tarifárias, maior acessibilidade às instituições comuns e permissão do consumo de serviços sociais em outros países. Isso, para sociedade, significa que os direitos e a garantia de cidadania extrapolam as fronteiras geográficas das instituições de cada país e passam a existir em todo o bloco. A integração é um processo com diferentes níveis, porém possuem cinco etapas principais: Os objetivos dos acordos multilaterais firmados definem o grau da integração entre os países, o qual apresenta cinco estágios principais. O primeiro denomina-se área de livre comércio e caracteriza-se pela eliminação de tarifas alfandegárias e cotas entre os países membros. A união alfandegária, por sua vez, significa a adoção de sistema de tarifas e cotas comuns para relações comerciais externas. O mercado comum define-se pela eliminação de restrições de circulação de mercadorias, 27 pessoas e capital. A união monetária decorre da harmonização e unificação de políticas e instituições econômicas. A confederação ou união política formaliza o mais profundo estágio de integração. (GIOVANELLA e GUIMARÃES, 2006, p.2). É interessante aprofundar a distinção dos níveis de integração econômica e política que podem ser alcançados em uma aliança entre nações. A área de livre comércio permite, dentro da zona, livre circulação de mercadorias, mas com inexistência de tarifa exterior comum das nações integrantes com países terceiros. A união aduaneira admite a livre circulação de mercadorias, mas com a existência de uma tarifa exterior comum sobreposta em todas as divisas da união. O mercado comum é mais do que a união aduaneira. Ele refere à prática da livre circulação de fatores de produção: pessoas, serviços e capitais. O mercado comum também inclui o uso de políticas comuns, coordenação e harmonização de legislações fiscais, trabalhistas e de sociedades. A união econômica e monetária ocorre quando as legislações nacionais estão sintonizadas e ocorre a adoção de regras e políticas comuns sob os cuidados de uma autoridade também comum. Além disso, precisa haver o câmbio fixo e conversibilidade obrigatória e ilimitada entre as moedas nacionais. A integração monetária prevê a moeda única, política monetária unificada e o controle das reservas e taxas de câmbio. Por fim, a união política, como resultado final do processo de integração, necessita da cooperação política em assuntos como política externa, de segurança e defesa. Para isso é necessário uma forte coesão econômica e social. O último objetivo do processo é a adoção da Federação dos Estados com uma única autoridade, ou uma confederação onde áreas préacordadas sejam de competência supranacional (THORSTENSEN, 1992). A União Europeia é o modelo de integração mais avançado, considerando o estágio de acordos firmados, e vem apresentando desenvoltura na resolução das desigualdades econômicas e sociais envolvendo seus membros. O caso europeu esquematiza a aplicação de fundos estruturais de desenvolvimento, imprescindíveis em processos de integração, para atenuar as desigualdades territoriais e sociais, as quais podem se configurar como barreiras não tarifárias à integração. (GIOVANELLA e GUIMARÃES, 2006). O modelo de integração europeu se iniciou há mais de meio século. Teve em início em 1948, quando França, Reino Unido e os países componentes do Benelux (Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos) assinaram o Pacto de Bruxelas, na Bélgica. O objetivo do acordo era a proteção mútua dos países-membros, tendo em vista o contexto hostil de duas guerras mundiais recém-vividas, afirma Baldissera (2012). Embora a Alemanha não fosse 28 mais uma ameaça, visto que seu potencial bélico foi bastante afetado após a Segunda Guerra, a preocupação vigente, na época, era a expansão da União Soviética sobre a Europa ocidental. Anos depois, em 1951, a Alemanha, França, Itália e o Benelux assinaram o Tratado de Paris, conhecido como Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). A CECA permitia a todos os seus membros o livre acesso ao carvão e ao aço da região dos rios Mosel, Ruhr e Saar sem a necessidade de pagamento de tributos. Essa associação de fins econômicos contou ainda com um agente regulador que norteava as operações. A CECA, com isso, foi a primeira organização com propriedades supranacionais da Europa. (BALDISSERA, 2012). Os integrantes da CECA reuniram-se anos depois, em 1957, para celebrarem outros dois pactos: os Tratados de Roma, que instituíram a Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia para a Energia Atômica (CEEA). Na CEE e na CEEA, havia a reunião de elementos intergovernamentais e supranacionais, que se revelavam não somente a partir da estrutura das instituições, mas também a partir de seu financiamento. Enquanto a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço buscava seus recursos em participações obtidas através da operação dos recursos que administrava, a CEE e a CEEA previam apenas a contribuição dos países-membros e recusavam a existência de um patrimônio próprio. (BALDISSERA, 2012, p.11) Na década seguinte, em 1965, o Tratado de Fusão foi subscrito pela Alemanha, França, Itália e o Benelux. Nesse acordo foi estabelecido um conselho e uma comissão únicas paras os acordos anteriormente estabelecidos, CECA, CEE e CEEA, explica Baldissera (2012). Em 1986, surgiu o Ato Único Europeu. Contando como participantes: Alemanha, Espanha, Irlanda, Portugal, Reino Unido, Dinamarca, Grécia, Itália e o Benelux, o tratado só começou a produzir efeitos no ano seguinte. De acordo com Baldissera (2012), a função chave do Ato Único Europeu foi pressionar os países para a elaboração de uma integração europeia visando à criação de um mercado único. Dessa forma, o Ato Único Europeu aprimorou os Tratados de Roma, ampliou as possibilidades dos setores de desenvolvimento, meio ambiente, pesquisa e da política externa. Ao longo das reformas, houve um fortalecimento da integração em termos políticos, econômicos e monetário. Os esforços do Ato Único Europeu desenvolveram bases para adesão do Mercado Único em 1993. No ano de 1992, o Tratado de Maastricht foi constituído. Também designado como Tratado da União Europeia, ele marca uma reviravolta na história dos países europeus e na teoria de integração. A criação do Mercado Único, meta perseguida por anos pela comunidade 29 europeia, havia sido recentemente realizada após modificações realizadas nos tratados criados desde a Segunda Guerra Mundial, dessa forma, pela primeira vez se discutiu a união política do território europeu. (BALDISSERA, 2012). A mudança mais significativa efetuada pelo Tratado da União Europeia foi no aumento do envolvimento do parlamento e dos demais órgãos da União no processo de legislação e codecisão. Ainda foi concedido ao parlamento a capacidade de decretar o início do processo de produção da legislação por parte da Comissão Europeia, explana Baldissera (2012). O Tratado entrou em vigor no ano de 1993 após confirmação de todos os paísesmembros e previa, ainda, uma revisão no caso da ampliação dessa relação de países. Posteriormente vieram os Tratados de Amsterdam e de Nice, que revisaram o Tratado de Maastricht, porém quase não alteraram sua estrutura. Tudo considerado, não apenas setores antigos e políticas que tinham sido administradas pelos países-membros até então se transferiram à competência da União através do Tratado, mas também se criaram instituições e direitos de participação novos. Isto provocou a alteração de algumas Constituições nacionais. Em uma comparação ao Ato Único Europeu, embora o Tratado tenha criado uma preocupação sobre a perda da soberania dos países membros, provocou um interesse maior na população no sentindo da integração dos países europeus. (BALDISSERA, 2012, p.17) 30 3. CONJUNTURA ECONÔMICA 3.1 Dados Macroeconômicos Neste capítulo será exposto o desempenho econômico alemão na forma de gráficos e tabelas, feitos com base nos resultados dos indicadores econômicos mais importantes. Em seguida, um breve apanhado da crise financeira de 2008 e crise europeia de 2010. a) Produto interno bruto (PIB) Gráfico 1 – Comportamento do PIB a preços constantes em milhões de euros da união europeia e Alemanha/Ano base: 2012 12.500.000,00 2.600.000,00 12.000.000,00 2.500.000,00 11.500.000,00 2.400.000,00 11.000.000,00 2.300.000,00 10.500.000,00 2.200.000,00 10.000.000,00 2.100.000,00 9.500.000,00 2.000.000,00 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 União Europeia Alemanha Fonte: Elaborado pelo autor; dados de Pordata. De acordo com o gráfico 1, pode-se observar que a tendência do PIB é praticamente a mesma nas duas economias. Entre os anos de 2002 e 2007, constata-se uma expansão econômica, seguido por uma recessão no biênio 2008 e 2009 e uma ligeira recuperação e estabilização a partir de 2010. Contudo, mesmo com a tendência semelhante é possível observar que a economia alemã apresenta variações menores em torno de sua média. Cabe ressaltar que pelo fato da união europeia admitir 28 países, inclusive a Alemanha, apresenta 31 valores absolutos maiores do que a economia germânica. No período observado, a Alemanha apresentou uma taxa média de crescimento de 1,16% ao ano. b) PIB per capita Tabela 2 – Comparação do PIB per capita alemão e da União Europeia Anos 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 PIB per capita (Paridade Poder de Compra) UE27 - União Europeia (27 Países) 14.757,0 15.487,3 16.300,5 17.013,5 17.844,9 19.084,2 19.829,1 20.496,6 20.751,5 21.687,5 22.545,0 23.734,3 25.058,6 25.100,8 23.558,1 24.528,5 25.201,0 25.686,8 DE - Alemanha 18.868,7 19.534,9 20.125,8 20.697,4 21.611,7 22.389,2 22.928,5 23.441,9 23.956,2 24.997,7 26.048,5 27.310,4 28.859,7 29.020,4 26.969,0 28.986,3 30.530,2 31.323,9 Fonte: Adaptado de Pordata De acordo com a tabela 2, percebemos que o PIB per capita foi, em todos os anos, maior na Alemanha do que na União Europeia. A média na União Europeia é de 21.037 euros e na Alemanha de 24.867 euros. Além disso, a linha de tendência linear das duas regiões é de alta durante todo o período, com exceção de 2009 onde em ambos o PIB per capita retraiu. A taxa média de crescimento do PIB per capita alemão é de 2,86% ao ano vis-à-vis 3,13% ao ano da união europeia. c) Índice harmonizado de preços ao consumidor (IHPC) 32 Tabela 3 – Comparação entre a taxa de inflação europeia e alemã Anos 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 União Europeia 2,5 2,1 2,3 2,3 2,3 2,4 3,7 1,0 2,1 3,1 2,6 1,5 Alemanha 1,4 1,0 1,8 1,9 1,8 2,3 2,8 0,2 1,2 2,5 2,1 1,6 Fonte: Adaptado de Eurostat É possível verificar, através da tabela 3, que com exceção do ano de 2013, a inflação na União Europeia na maior parte do período esteve acima da inflação alemã. Enquanto a média no Estado germânico é de 1,7 a União Europeia apresenta 2,3 no mesmo período. O comportamento do indicador também é semelhante nas duas economias, sempre que a inflação movimenta-se, seja em expansão ou retração, na União Europeia, pode-se perceber o mesmo movimento no índice de variação de preços alemão. d) Desemprego Tabela 4 – Comparação entre a variação da população residente e da taxa de desemprego na Alemanha Anos População residente (indivíduos) Taxa de desemprego (15 aos 74 anos) 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 81.914.831 82.034.771 82.047.195 82.100.243 82.211.508 82.349.925 82.488.495 82.534.176 82.516.260 82.469.422 82.376.451 8,8 9,9 9,8 8,9 7,9 7,8 8,5 9,8 10,7 11,2 10,3 33 Anos População residente (indivíduos) 2007 2008 2009 2010 2011 2012 82.266.372 82.110.097 81.902.307 81.776.930 81.797.673 81.932.161 (continuação) Taxa de desemprego (15 aos 74 anos) 8,7 7,5 7,7 7,1 5,9 5,5 Fonte: Adaptado de Pordata De acordo com a tabela 4, pode-se verificar que ao longo de todo o período a população residente não apresenta variações significativas. A oscilação no número de habitantes do território alemão não ultrapassou 0,3%. Por outro lado, a taxa de desemprego apresentou variações mais expressivas. Relacionando as duas variáveis não é possível estabelecer uma afinidade comportamental, pois elas apresentam, dentro do período, relações direta e inversamente proporcionais. Corrobora com isso o fato de que nos dois últimos anos a população residente apresenta uma expansão vis-à-vis o biênio anterior, enquanto as taxas de desemprego apresentam forte baixa. e) Formação bruta de capital fixo (FBKF) Tabela 5 - Comparação entre o nível de investimento existente na união europeia e na Alemanha Anos 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Investimento: Formação Bruta de Capital Fixo (Milhões Euros) Investimento: Formação Bruta de Capital Fixo em % do PIB UE28 - União Europeia (28 Países) 1.386.917,5 1.453.938,5 1.530.824,0 1.646.768,3 1.760.465,9 1.909.514,6 1.947.984,0 1.962.058,1 1.978.127,2 2.088.889,8 UE28 - União Europeia (28 Países) 19,6 19,6 19,5 20,1 20,4 20,7 20,2 19,7 19,5 19,6 DE - Alemanha 422.689,0 409.481,3 400.420,3 411.293,5 426.980,0 439.550,0 421.740,0 391.800,0 381.950,0 381.790,0 DE - Alemanha 21,9 21,3 21,0 21,1 21,3 21,5 20,1 18,4 17,8 17,4 34 Anos 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Investimento: Formação Bruta de Capital Fixo (Milhões Euros) (continuação) Investimento: Formação Bruta de Capital Fixo em % do PIB UE28 - União Europeia (28 Países) DE - Alemanha UE28 - União Europeia (28 Países) DE - Alemanha 2.221.817,4 2.431.228,7 2.655.497,6 2.643.678,2 2.239.399,6 2.279.672,7 2.351.053,9 2.323.056,3 384.450,0 417.820,0 447.880,0 459.530,0 408.650,0 435.050,0 473.170,0 470.550,0 20,0 20,7 21,3 21,1 19,0 18,5 18,5 17,9 17,3 18,1 18,4 18,6 17,2 17,4 18,1 17,6 Fonte: Adaptado de Pordata Na tabela 5, verifica-se que o indicador macroeconômico de investimento, em valores absolutos, tem comportamentos díspares na União Europeia e na Alemanha. No primeiro, a quantidade monetária está sempre a subir, ano a ano, desde 1995 até 2008, apresenta uma diminuição em 2009, uma recuperação nos anos seguintes e no ano de 2012 novamente uma redução. Já no segundo esse comportamento é mais volátil, apresentando elevações e reduções sem formar um padrão visível. Com relação à FBKF em proporção do PIB podemos verificar que, no período de 1995 até 2000, a Alemanha apresenta uma taxa maior que a União Europeia, e a partir de 2001 até 2012, essa relação é inversa. Fica claro que, apesar da proporcionalidade dos investimentos com o PIB serem valores próximos, há um desequilíbrio do investimento entre a Alemanha e os demais membros da comunidade europeia, uma vez que os investimentos alemães compreendem, em média, cerca de 20% de toda União Europeia. 35 f) Pesquisa e desenvolvimento de tecnologia Tabela 6 – Dados referentes a pesquisa na Alemanha Anos 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Pedidos à Organização Europeia de Patentes (EPO) e concessões pelo Gabinete de Patentes e Marcas dos EUA (USPTO) de patentes, por 100 mil habitantes UE27 - União DE - Alemanha Europeia (27 Países) 6,53 15,94 7,57 19,01 8,51 21,35 9,33 23,86 10,17 25,57 10,71 26,89 10,62 26,63 10,59 26,48 10,83 26,85 11,28 27,97 11,57 29,05 11,73 29,13 11,64 29,30 11,25 27,82 11,14 28,13 5,71 15,86 Despesas em atividades de investigação e desenvolvimento (I&D) em % do PIB: por sector de execução UE27 - União Europeia (27 Países) 1,79 1,78 1,77 1,78 1,84 1,85 1,87 1,87 1,86 1,83 1,82 1,84 1,84 1,91 2,01 2,01 DE - Alemanha 2,19 2,20 2,24 2,28 2,41 2,47 2,47 2,50 2,54 2,50 2,51 2,54 2,53 2,69 2,82 2,80 Fonte: Adaptado de Pordata Na tabela 6, verifica-se o pedido de patentes e as despesas em atividades de pesquisa nas Alemanha e na União Europeia. Os gastos em atividades de investigação e desenvolvimento, levados em conta na tabela são provenientes do estado, empresas privadas, ensino superior e instituições privadas sem fins lucrativos. Proporcionalmente os gastos alemães nessas atividades são superiores aos da comunidade europeia integrada e ao longo do tempo essa proporção só aumenta. Com relação às patentes, pode se afirmar o mesmo. Apesar de nas duas regiões os pedidos de patentes aumentarem, na Alemanha percebe-se uma elevação de maior magnitude. No último ano da série, houve uma significativa queda no número de solicitações de patentes. 36 g) Taxa de Juros Gráfico 2 – Comportamento da taxa básica de juros do BCE 4,5 4 3,5 3 2,5 2 1,5 1 0,5 0 Taxa básica de juros do BCE Fonte: Elaborado pelo autor; dados de Global Rates No gráfico 2, verifica-se o comportamento da taxa básica de juros do Banco Central Europeu. Percebe-se, inicialmente, uma elevação da taxa, seguida por sua manutenção durante quase 8 anos. A partir do último trimestre de 2008 a taxa de juros sofre diversas revisões, sempre com comportamento decrescente. Depois de passar o ano de 2010 sem sofrer alterações, a taxa básica é novamente elevada em julho de 2011, porém, no decorrer do tempo, novamente ela demonstra comportamento decrescente e desde novembro de 2013 ela atingiu 0,25%. h) Poupança Gráfico 3 – Taxa de poupança das famílias da União Europeia e Alemanha 18 17,5 17 16,5 16 15,5 15 14,5 14 13,5 14 12 10 8 6 4 2 0 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Alemanha União Europeia Fonte: Elaborado pelo autor; dados de Eurostat 37 Avaliando o gráfico 3, nota-se que a taxa de poupança das famílias possui alguma disparidade entre as duas regiões. Na Alemanha esse percentual não apresenta, no período avaliado, um valor menor do que 15,1%, enquanto que na União Europeia o maior valor encontrado é de 13,21%. A média da taxa, entre 1999 e 2012 é de 11,61% no território integrado europeu e de 16,22% no Estado germânico. A curva da UE tem mais volatilidade, enquanto a curva alemã é mais suave em suas variações, mas ambas, apesar da diferença entre as proporções, apresentam similaridades no comportamento. i) Comércio Internacional Tabela 7 - Comparação entre a balança comercial europeia e alemã no período de 202012 Anos Balança comercial: saldo (Euro/ECU) - Saldo em milhões Balança comercial - Saldo em % do PIB *Euro (a partir de 1/1/1999) / ECU (até 31/12/1998) 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 UE28 - União Europeia (28 Países) 145.782,68 122.435,46 126.402,29 84.804,24 52.050,85 70.479,46 29.323,35 117.654,50 117.453,59 141.069,67 255.955,09 Alemanha 97.242,60 84.991,50 112.763,86 118.193,81 132.390,90 173.889,54 160.193,24 116.953,44 141.882,40 139.041,25 161.226,11 UE28 - União Europeia (28 Países) 1,4 1,2 1,2 0,7 0,4 0,6 0,2 1,0 0,9 1,1 1,9 Alemanha 4,5 3,9 5,0 5,2 5,6 7,0 6,3 4,9 5,6 5,2 5,9 Fonte: Adaptado de Pordata Na tabela 7, visualiza-se a importância da balança comercial no PIB da Alemanha e da União Europeia. Na economia germânica, a média do saldo em proporção do produto interno bruto é de 5,37%, enquanto que na UE é de 0,96%. Mesmo em valores absolutos, a União Europeia, que conta com 28 países afiliados, apresenta, em alguns anos, números inferiores 38 aos da economia alemã. Em 2008, por exemplo, o saldo da balança na Alemanha foi 546,3% maior do que o território integrado europeu. j) Dívida Pública Tabela 8 – Variação do endividamento público de alguns países europeus e da União Europeia Anos Dívida bruta em % do PIB União Alemanha Espanha França Grécia Irlanda Itália Portugal Reino Europeia Unido (27 Países) 1995 - 55,3 64,7 56,1 105,7 65,5 123,7 59,0 49,1 1996 69,7 57,4 66,0 57,4 109,9 76,8 123,1 58,1 55,6 1997 68,1 59,4 65,5 59,4 107,2 61,6 116,7 54,5 50,6 1998 66,3 60,9 64,4 59,9 106,1 52,9 114,8 52,1 43,9 1999 65,6 61,3 62,4 58,9 103,8 47,0 113,1 51,4 45,6 2000 61,8 60,2 59,4 57,4 102,2 37,0 108,6 50,7 39,5 2001 60,9 59,1 55,6 56,9 103,7 34,5 108,3 53,8 38,1 2002 60,4 60,7 52,6 59,0 101,7 31,8 105,4 56,8 35,9 2003 61,9 64,4 48,8 63,2 97,4 31,0 104,1 59,4 38,0 2004 62,2 66,2 46,3 65,0 98,9 29,4 103,7 61,9 38,8 2005 62,8 68,6 43,2 66,7 101,2 27,2 105,7 67,7 41,6 2006 61,5 68,0 39,7 64,0 107,5 24,6 106,3 69,4 43,4 2007 58,9 65,2 36,3 64,2 107,2 24,9 103,3 68,4 40,8 2008 62,2 66,8 40,2 68,2 112,9 44,2 106,1 71,7 43,4 2009 74,5 74,6 54,0 79,2 129,7 64,4 116,4 83,7 67,3 2010 80,2 82,5 61,7 82,7 148,3 91,2 119,3 94,0 78,2 2011 82,7 80,0 70,5 86,2 170,3 104,1 120,7 108,2 87,6 2012 85,5 81,0 86,0 90,6 157,2 117,4 127,0 124,1 88,0 2013 87,4 78,4 93,9 93,5 175,1 - 132,6 129,0 91,8 Fonte: Adaptado de Pordata 39 Na tabela 8 há a relação da dívida pública bruta com o PIB em algumas regiões da Europa. Percebe-se ao dividir a série em duas, que nos anos mais recentes há uma elevação muito significativa da dívida. O grande salto desses gastos, em todos os países, ocorreu na passagem do ano de 2008 para o de 2009. A Alemanha apresentou a menor proporção de dívida pública com o PIB de todas as regiões registradas na tabela, menor até que a União Europeia. No caminho inverso, Grécia, Irlanda, Itália e Portugal apresentaram os maiores endividamentos dentro do período avaliado. k) Déficit Público Tabela 9 – Relação déficit público e PIB em alguns países da interzona Anos Déficit Público (em % do PIB) União Alemanha França Reino Portugal Irlanda Europeia Unido 2005 -2,5 -3,3 -2,9 -3,4 -6,5 1,6 2006 -1,5 -1,6 -2,3 -2,8 -4,6 2,9 2007 -0,9 0,2 -2,7 -2,8 -3,1 0,2 2008 -2,4 -0,1 -3,3 -5 -3,6 -7,4 2009 -6,9 -3,1 -7,5 -11,4 -10,2 -13,7 2010 -6,5 -4,2 -7 -10 -9,8 -30,6 2011 -4,4 -0,8 -5,2 -7,6 -4,3 -13,1 2012 -3,9 0,1 -4,9 -6,1 -6,4 -8,2 2013 -3,3 0 -4,3 -5,8 -4,9 -7,2 Itália Grécia Espanha -4,4 -3,4 -1,6 -2,7 -5,5 -4,5 -3,7 -3 -3 -5,2 -5,7 -6,5 -9,8 -15,8 -10,9 -9,6 -8,9 -12,7 1,3 2,4 2 -4,5 -11,1 -9,6 -9,6 -10,6 -7,1 Fonte: Adaptado de Eurostat A tabela 9 mostra a relação do déficit público em relação ao PIB de algumas regiões da Europa. Nos primeiros anos da série observa-se uma tentativa de manutenção das contas públicas. Já no triênio 2008-2010, houve uma piora significativa em todas as economias da tabela. Nos últimos anos, a maioria das regiões conseguiu reverter o último quadro e, assim, equilibrar novamente o déficit, porém ainda em um nível não aceitável. Destaque para o último ano da série, onde somente a Alemanha conseguiu um resultado não negativo. 3.2 Crise Financeira Americana de 2008 O responsável por deflagrar a crise financeira de 2008 foi o mercado imobiliário dos Estados Unidos. No período de 2003-2007, segundo Belluzzo (2009), o aumento na 40 quantidade de construção residencial e forte elevação nos preços dos imóveis instigaram e sustiveram o consumo das famílias. A “poupança externa”, decorrente dos superávits asiáticos e da Alemanha, por outro lado financiaram as referidas operações de crédito. As famílias americanas, no referido período, enfrentando modestos aumentos de renda e emprego, aproveitaram dos ganhos de produtividade dos trabalhadores asiáticos. Os ganhos de renda real dos americanos foram proporcionados graças aos preços mais baixos dos produtos asiáticos. Além disso, os asiáticos, exportadores, destinaram suas reservas acumuladas para o financiamento do déficit em conta corrente e o déficit fiscal dos Estados Unidos. Isso resultou em taxas de juros mais baixas que expandiram o consumo das famílias americanas. (BELLUZZO, 2009). Esse cenário de expansão transbordou para a econômica mundial e fomentou expectativas otimistas sobre os bancos, empresas e os consumidores. Tal ambiente diminuiu a aversão ao risco dos indivíduos em todo mundo, como nunca visto antes, afirma Belluzzo (2009). Essas circunstâncias, explica Belluzzo (2009), motivaram um relaxamento dos critérios de avaliação de risco pelos agentes financeiros e a combinação de crescimento elevado e juros baixos instigou a multiplicação de comportamentos financeiros perigosos, dentre as quais, a superalavancagem das posições bancárias e a disseminação dos derivativos de crédito. Com o aprofundamento desse processo, as empresas financeiras passaram a possuir uma grande massa de títulos podres e cujos tomadores não possuíam garantias suficientes. Diante disso, esses agentes repassaram uma parte desses contratos para outros investidores, alavancando ainda mais os contratos, com o intuito de assegurar certas garantias em caso de inadimplência total. Esse processo funcionou com dinamismo, pois a massa de crédito disponível no mercado imobiliário motivava os agentes e, consequentemente elevava os preços (DOWBOR, 2009). Os bancos inventaram, com a estratégia de abrir espaço para novos empréstimos, inovações financeiras para aumentar o volume e a captura de comissões. A essa altura os bancos se importavam mais com a quantidade do que com a qualidade dos títulos, elucida Belluzzo (2009). Somado a isso, os títulos obtiveram classificações, com a ideia de torná-lo mais confiável e permitindo ao investidor optar pelo risco do contrato, explica Dowbor (2009). 41 A elevada alavancagem das famílias juntamente com a redução dos rendimentos provocou elevação em seus níveis de endividamento (BELLUZZO, 2009). Frente a um excesso de pessoas sem recursos para pagar os compromissos assumidos, os agentes bancários norte americanos são obrigados a executar as hipotecas. Consequentemente, com a elevação da oferta, os preços dos imóveis diminuíram e conforme a saturação do mercado aumentava, os preços abaixavam ainda mais. Com isso, os bancos foram obrigados a registrar o preço degradado dos ativos imobiliários em seus balanços, isso provocou extrema cautela nas futuras concessões de empréstimos. Tais circunstâncias geram a contração de crédito e findou na recessão norte americana, elucida Belluzzo (2009). Para tentar conter o apodrecimento continuado dos ativos, esclarece Belluzzo (2009), o Banco Central americano (FED) precisou agir. Sua ação foi acolher os contratos e títulos podres para salvar as instituições financeiras envolvidas, medida essa que acabou por inundar o mercado de títulos do governo dos EUA. As políticas implementadas no período, comenta Dowbor (2009), copiada também por outros países, foi financiada pelos cofres públicos. A grande massa de movimentação financeira para salvar as instituições elevou o endividamento doméstico público e privado. A imputação de recursos financeiros que seriam disponíveis para investimento estabeleceu uma esterilização da poupança e da capacidade de desenvolvimento real da economia mundial. 3.3 Crise Europeia de 2010 A crise financeira de 2008 provocou severos danos na União Europeia, seja porque seus grandes bancos seguiram a onda de especulação fundamentada nas “inovações financeiras”, ou pelas exportações que acabaram por ser afetadas negativamente com o ambiente de recessão. O endividamento das famílias aumentou e a elevação da dívida pública provocou déficits nas contas governamentais, afirma Bresser-Pereira, (2010). Esses desequilíbrios englobaram o setor público e o privado de diversos países do bloco europeu através do déficit em conta corrente e em sua dívida externa. Segundo Eichengreen citado por Costa e Souza-Santos (2012), a crise serviu para revelar os problemas da zona do euro, que eram conhecidos desde a sua criação. As disparidades combinadas com a perda de autonomia monetária, flexibilidade de ajuste e integração financeira bloquearam as ações dos países mais frágeis da região. Esses países, 42 atingidos com mais contundência pela instabilidade, foram nomeados “PIIGS”, iniciais, em inglês, de Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha. A explicação oficial dos agentes integrantes da zona do euro era de que os PIIGS detinham elevados déficits públicos, causadores de instabilidade, e, portanto, a solução para o equilíbrio da conjuntura seria um plano de austeridade fiscal. Antes de deflagrada a crise de 2008, esses países não possuíam grandes problemas em relação às finanças públicas e no financiamento dos gastos no exterior, com exceção da Grécia que manipulou dados e estatísticas influenciada pela oferta abundante de crédito. (COSTA e SOUZA-SANTOS, 2012). Os dados concernentes ao crescimento do endividamento dos países centrais da zona do euro (Alemanha, França e Reino Unido) vis-à-vis aos PIIGS (tabela 7) refletem dois aspectos, afirmam Costa e Souza-Santos (2012). O primeiro é que até a crise financeira, os países almejavam amortizar o endividamento público em relação ao produto, focalizando a meta de 60% de endividamento público em relação ao PIB indicado pela união europeia. O segundo é o significativo crescimento do endividamento no período 2008-2010, mais acentuado na Irlanda, Grécia e Espanha. Por outro lado, Alemanha e França expuseram leve acréscimo no endividamento. Segundo Costa e Souza-Santos (2012), somente as informações fornecidas na variante endividamento público em proporção do PIB não são suficientes para explicar o quadro dos PIIGS. Os dados sobre o déficit público anual em relação ao PIB (tabela 8) tornam os dados mais reveladores. Um fato importante é que a crise financeira de 2008 fez com que os países não conseguissem sustentar o limite de 3% estipulado nas condições de convergência, compreensível pela utilização de políticas anticíclicas por parte dos governos. Outro fator é a ocorrência de países que detinham superávits sucessivos, que subitamente foram transformados em déficits, como por exemplo, Espanha e Irlanda. Nestes casos, os déficits podem ser explicados pelo baixo estoque de dívida pública (ver tabela 7). Entretanto a importância dos déficits em relação ao mercado financeiro e choques reais na economia são distintos para cada membro. Krugman, citado por Costa e Souza-Santos (2012), justifica que o foco do problema é a falta de mecanismos que encurtem a assimetria entre os países da zona e contrapesem com a perda da soberania monetária e a possibilidade de desvalorização cambial como alternativa para ajustes. Além disso, a estratégia de austeridade fiscal tende a acentuar a deterioração da economia real, dificultando a retomada 43 do crescimento e a redução do desemprego. Concomitantemente, os efeitos negativos dos ajustes atingem mais aos países periféricos que os centrais. Um dado para transparecer as assimetrias e falta de integração está na taxa de desemprego. A Espanha liderada os países periféricos em dificuldades econômicas que convivem com elevados graus de desemprego com 22,4%, seguido de Grécia (18,8%) e Lituânia (15,3%). No outro extremo, Alemanha (5,8%), Holanda (4,5%), Áustria (4%) e Noruega (3,3%) vivem umas situações de pleno emprego. Mostrando que os entraves institucionais e culturais não permitem que a mão de obra circule equacionando o nível de desemprego entre os membros. (COSTA e SOUZA-SANTOS, 2012, p.17). Pelo lado financeiro, a instituição de um mercado bancário único ofereceu aos agentes a possibilidade de excessivas alavancagens, utilizando os países periféricos através das complexas operações financeiras interbancárias. Criou-se um efeito dominó em que se um país não honrasse o pagamento de sua dívida pública, aflorava consequências desestabilizadoras pelo sistema financeiro europeu abrangendo instituições e contaminando outros membros. Portanto, desde deflagrada a crise, houve um empenho da união europeia para evitar um possível default grego. As estratégias consistiram no auxílio da reestruturação da dívida e, em 2012, um pacote de ajuda de 130 bilhões de euros foi oferecido, elucida AE citado por Costa e Souza-Santos (2012). Simultaneamente o banco central europeu esforçouse para injetar liquidez nos agentes financeiros europeus com o intuito de dar continuidade a oferta de crédito e evitar uma crise sistêmica. Ademais, a política de juros baixos para amenizar os efeitos da crise e ações motivadas na busca de recursos para que os governos financiassem os seus endividamentos públicos também foram executadas, segundo Valor Econômico citado por Costa e Souza-Santos (2012). A integração da união europeia, em seu penúltimo estágio, fez com que os países integrantes adotassem uma moeda em comum e estes receberam um pacote de regras. Todavia, os países economicamente mais frágeis continuaram apresentando problemas com desproporções e a falta de integração fiscal que aumentasse o fluxo de transferências e fornecesse mais poder de negociação e resistência a ataques especulativos. Estourada a crise, o que se percebeu foi a falta de um sentimento comum europeu, afirma Galbraith citado por Costa e Souza-Santos (2012). Os países periféricos foram tratados como países comuns pagando pela irresponsabilidade fiscal, quando, na verdade, a ausência de mecanismos de ajustamento, provocada pelo acorrentamento das regras que foram submetidas, impediram o uso de políticas fiscais e monetárias independentes. 44 4. NOVO CONTEXTO ALEMÃO E OS DESAFIOS PARA O FUTURO No atual contexto alemão é possível distinguir desafios de caráter conjuntural e estrutural. Os obstáculos conjunturais dizem respeito ao curto prazo, são problemas que advieram das crises recentes e das flutuações econômicas e que devem ser solucionados para equilibrar novamente a economia alemã. Por outro lado, das barreiras estruturais, de longo prazo, destaca-se a integração europeia que se aprofunda a cada dia e limita a mobilidade das políticas fiscais e monetárias dos países integrantes. Mesmo antes da crise financeira americana entre 2008 e 2009, a zona do euro acumulava robustos déficits em conta corrente. A dívida externa, consequentemente, aumentou significativamente, causando elevação no risco de financiamento dos credores. A crise financeira realçou esses desequilíbrios e riscos, como vimos nas tabelas 8 e 9. A gravidade alargou com o feedback negativo entre as dificuldades dos orçamentos públicos e os riscos enfrentados pelos sistemas bancários nacionais, levantando questionamentos dos investidores privados à sustentabilidade da posição da dívida externa global desses países. Como decorrência, os fluxos de capital privado autônomos não são mais suficientes para compensarem os (ainda que em contração) déficits em conta corrente. Esses países estão enfrentando não apenas uma perda de confiança em suas finanças públicas, mas também grandes dificuldades em seu balanço de pagamentos. Realçada em meio à crise, a Alemanha tem conseguido conservar o vigor da sua economia e a confiança dos investidores, segundo o Centro de Pesquisa Econômica Europeia (Zentrum für Europäische Wirtschaftsforschung, 2012). Detentora de um capitalismo diferenciado, além de leis e hábitos peculiares, conseguiu estruturar uma base sólida que tem permitido atravessar esse período de recessão, que segundo a British Broadcasting Corporation (2011), foi caracterizado pelo presidente do Banco da Inglaterra, Mervyn King, como a crise financeira mais séria, desde 1930, se não a mais séria da história, com desenvoltura. Conforme foi observado nas tabelas: a (PIB), b (PIB per capita), d (Desemprego) e i (Comércio Internacional), no capítulo anterior, a Alemanha também sofreu o impacto das instabilidades causadas de 2008 até o presente momento, porém o país rapidamente se recuperou dos reveses e fortaleceu suas bases ao longo da fase negativa do ciclo de negócios. A recuperação dinâmica da balança de comércio internacional, juntamente com o aquecimento do mercado interno através da diminuição do desemprego e o aumento do PIB 45 per capita, foram os principais responsáveis por essa suavização da crise no território germânico. Como vimos no capítulo 2 sobre as reformas efetuadas na Alemanha na primeira década do século XXI, o baixo desemprego registrado na Alemanha desde 2002 é motivado por dois grandes motivos: as reformas realizadas na Agenda 2010, que constavam a redução no tempo do seguro desemprego entre outras medidas e pela grande capacitação do trabalhador alemão, que o favorece a rápida recolocação no mercado de trabalho. A alta capacitação do trabalhador alemão pode ser verificada na tabela f, através da comparação entre os pedidos de patentes na união europeia e na relação de gastos com atividades de investigação e desenvolvimento com o PIB. A alta qualificação da sociedade alemã implica, consequentemente, com uma política salarial bem estruturada e de remuneração alta, como se pode obsevar na tabela referente ao PIB per capita. Observamos então que o modelo alemão tornou-se referência por sua competitividade internacional, pelos altos salários praticados e pelo baixo desemprego. Essa integração foi possível graças à estrutura do arranjo institucional alemão. Como vimos no capítulo 2, o processo se originou de uma cultura nacionalista, período de 1880 e 1945, que envolveu diversos economistas, todos com o pensamento em comum de que cada país deve seguir um modelo de crescimento econômico de acordo com suas trajetórias econômicas, sociais e culturais. Nessa metodologia nacionalista, houve a prática de intervenção estatal, políticas protecionistas e grande estímulo aos setores básicos, que se tornaram bastante desenvolvidos. Até a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha perdurou com seu estilo próprio de capitalismo coordenado, porém após o conflito, a economia germânica passou a ter forte influência liberal, advinda principalmente dos EUA. Contudo, a necessidade do Estado alemão em obter a legitimidade perante as classes sociais acabou por reaproximar, mais uma vez, a sociedade, através da ampliação da participação dos sindicatos e do fortalecimento de associações capitalistas na economia. Ao mesmo tempo, vimos que a integração europeia começava, em 1948, com o objetivo de proteção mútua frente aos conflitos bélicos recém-acontecidos. Posteriormente, os acordos estabelecidos evoluíram e se tornaram tratados com a intenção de, a cada vez mais, integralizar a economia europeia. Essa internacionalização gradual acabou por reduzir a mobilidade que os países integrantes tinham sobre suas próprias economias nacionais. Naturalmente, esses incidentes mudaram o rumo do cenário econômico mundial e, inserida nesse contexto, da Alemanha também. 46 Décadas mais tarde, como vimos no capítulo 2, outros importantes acontecimentos modificaram a estrutura econômica mundial e alemã. Foi o caso da crise no mercado de petróleo na década de 70 e da queda do muro de Berlim, no final da década seguinte. Esses marcos abalaram o arranjo alemão, a política salarial e os direitos trabalhistas foram questionados pela primeira vez sobre a necessidade de reformas. A mão de obra qualificada do leste europeu, que aceitava condições de trabalho inferiores às dos trabalhadores alemães foi um agravante para essa situação. A internacionalização financeira foi outro fator que contribuiu para a mutação da estrutura econômica alemã, uma vez que a fonte de capital, ora envolvida com os anseios das firmas e desejosa por retornos garantidos (mesmo que demorasse um prazo maior), passou a ser agressiva e especulativa. Atualmente, a economia alemã adota uma adaptação de seu modelo nacionalista, do século XIX, com o liberalismo ortodoxo anglo saxônico. Como vimos, as mudanças realizadas na Agenda 2010 trouxeram ao mercado trabalhista alemão menos intervenção estatal do havia no passado. O tripé composto por Estado, associações empresariais e sindicatos foi modificado. Acelera essa mudança o fato de que a União Europeia avança cada vez mais seu nível de integração através dos acordos que são firmados. Hoje, há maior concorrência entre os trabalhadores, que passaram a ter circulação livre e também entre os agentes financeiros. No contexto da crise europeia de 2010, que abalou os países integrantes da zona do euro e questionou o futuro da comunidade europeia, a Alemanha obteve papel de destaque. Como vimos, o fato de ter suportado as instabilidades melhor que os outros países do bloco elevaram, ainda mais, os desafios da Alemanha. A rivalidade asiática nos mercados, o tipo de tecnologia alemã (forte em seu aspecto incremental e fraca na capacidade inovadora) e a modificação de seu modelo capitalista coordenado para traços cada vez mais liberais são os principais desafios para a economia alemã no longo prazo. São problemas estruturais nos quais a Alemanha deve se adequar desde já para que não perca a posição atual de maior economia da Europa e uma das maiores do mundo. 47 5. CONCLUSÃO Para o objetivo dessa monografia foram utilizados os métodos descritivo e explicativo. Segundo Gil (2002), a pesquisa descritiva tem como principal objetivo a descrição de características de uma população ou a constituição de relações entre variáveis. Na pesquisa descritiva destaca-se o estudo das características de um grupo. Além de identificar a existência de relações entre variáveis, a pesquisa descritiva pode determinar a natureza dessas relações, neste caso, tem-se uma pesquisa descritiva aproximada da explicativa. Conforme Gil (2002), a pesquisa explicativa tem como foco identificar as causas que determinam a ocorrência de determinados fenômenos. Trata-se de uma pesquisa que explica o porquê das coisas. O estudo de caso alemão caracteriza-se por uma exposição de dados, fatos e peculiaridades presentes na economia alemã que buscam delimitar o seu sucesso e ao mesmo tempo explicá-lo. A partir da análise realizada nessa monografia, torna-se possível concluir que a Alemanha, influenciada por sua história, desenvolveu uma forma diferenciada de capitalismo, integrada a um palco institucional que busca o crescimento sustentável, aliado a bons resultados socioeconômicos e uma participação ativa da sociedade em questões diversas dentro da conjuntura alemã. No capítulo 2 vimos que esse aspecto incomum da economia alemã confere ao seu modelo econômico a alcunha de capitalismo coordenado. É evidente a atuação de um tripé composto por Estado, associações empresariais e sindicatos na conjuntura do país. Essa união de instituições constitui uma base sólida e coordenada que atenuam as falhas do mercado doméstico. Essa estrutura integrada tem suas raízes a partir do século XVIII, no processo de formação do Estado alemão e prosseguiu com a estratégia nacionalista de List, a partir da modernização conservadora. A institucionalização dos conflitos sociais e os rumos dos conflitos bélicos foram essenciais por criarem e alargarem os laços entre os agentes econômicos e a sociedade. A coordenação das instituições pode ser observada no alinhamento de interesses que se constitui entre os stakeholders, na busca pela estabilização e crescimento sustentável de longo prazo. Dessa forma, verifica-se a existência de uma cumplicidade entre os diversos âmbitos do capitalismo alemão. 48 O modelo alemão foi influenciado pelo liberalismo anglo saxônico a partir do fim da Segunda Guerra Mundial. Desde então, notadamente houve um aumento de reformas de caráter liberal na economia, sobretudo na política salarial e na relação com os trabalhadores. Essa combinação de modelos econômicos esclarece o comportamento da Alemanha aos desafios recentes. Porém, ainda que as reestruturações de cunho liberal tenham aumentado, são transformações marginais, com a manutenção das características fundamentais do modelo. De forma geral, as reações alemãs ainda são arroladas à negociação e cooperação entre os agentes econômicos, conforme seus acordos de longo prazo. Os efeitos positivos desse novo ajuste cooperativo podem ser confirmados com o desempenho alemão frente às crises econômicas, inclusive as mais recentes. Os rápidos ajustamentos dos principais indicadores macroeconômicos comprovam a eficácia do modelo. Atualmente, conforme vimos nos capítulos 3 e 4, a Alemanha ainda enfrenta obstáculos importantes, com destaque para a concentração das exportações para o continente europeu e a concentração de suas inovações em setores de tecnologia incremental. A concorrência asiática também é um empecilho a ser considerado. Contudo, o incentivo à inovação dentro das firmas e o aumento das despesas com investigação e desenvolvimento tem demonstrado que o país está atento às mudanças no mercado mundial. Em resumo, as instituições que compõem a Alemanha ainda formam um modelo de capitalismo coordenado. As recentes mudanças podem ser justificadas pelos problemas conjunturais. Os obstáculos estruturais parecem também ter sido identificados e, como vimos, a Alemanha já tem iniciado formas de ultrapassá-los. Portanto, não há razões para grandes mudanças na economia alemã, que se beneficia de seu arranjo institucional. Mesmo com os desafios recentes, o Estado alemão tem suportado com vigor sem a necessidade de grandes transformações. 49 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Paulo Roberto de. Um outro mundo possível: Alternativas históricas da Alemanha, antes e depois do muro de Berlim. Revista Espaço Acadêmico, Brasil, 9 out. 2009. Disponível em: <http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/8586/4777>. Acesso em: 06/2012. BAINGO, Werner Karl. Escola Histórica Alemã e o pensamento listiano protecionista do século XIX: ambiguidade ao laissez-faire inglês ou virtudes nacionais de EUA e Alemanha? Canoas, 2009. Disponível em: <http://www.apec.unesc.net/IV_EEC/sessoes_tematicas/Hist%F3ria%20econ%F4mica/Escol a%20Hist%F3rica%20Alem%E3%20e%20o%20pensamento%20listiano%20protecionista%2 0do%20s%E9culo%20XIX%20.pdf>. Acesso em: 03/2014 BALDISSERA, Felippe. A História da Integração Europeia: Do Pós Guerra a Maastricht – Tratados e Instituições. Rio Grande do Sul, 2012. 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