Falência dos Principais Sistemas II Insuficiência Cardíaca

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Falência dos Principais Sistemas II
1.1 Insuficiência Cardíaca
A insuficiência cardíaca é a incapacidade do coração em bombear uma quantidade de sangue
suficiente para satisfazer as necessidades de oxigénio do organismo (devido à diminuição do
débito cardíaco) ou, se o faz, é à custa do aumento das pressões de enchimento do ventrículo
esquerdo durante o repouso (durante o exercício surgem os sintomas).
Em alguns casos, contudo, o débito cardíaco pode estar aumentado, mas as necessidades
metabólicas do organismo também estão aumentadas, portanto há uma incapacidade de
manter as necessidades de oxigénio.
A insuficiência cardíaca é a principal razão de internamento hospitalar hoje em dia. A doença
coronária veio a diminuir e nós conseguimos controlá-la, mas a insuficiência cardíaca tem
vindo a aumentar com o envelhecimento da população.
Quase todas as doenças cardíacas, todos os processos que possam atingir o coração,
terminam em insuficiência cardíaca:
 Doenças valvulares;
 Cardiopatia isquémica (doença coronária) – causa mais frequente de insuficiência
cardíaca no mundo ocidental;
 Perturbações do ritmo – se o coração tem um bloqueio aurículo-ventricular (há
perturbação da condução), ou se bate muito depressa, podem levar à insuficiência
cardíaca;
 Hipertensão arterial mal controlada – o aumento da resistência dos vasos periféricos
leva a um aumento da pós-carga, logo o coração tem de se esforçar mais para esvaziar;
 Hipertensão pulmonar;
 Doenças do pericárdio – membrana que envolve o coração e pode transformar-se
como que numa carapaça, por exemplo num doente com tuberculose que tenha tido
um derrame no coração, que mais tarde calcifica;
 Situações de alto débito, por exemplo a anemia – a baixa hemoglobina leva a baixa
capacidade de transporte de oxigénio;
 Miocardiopatias – são doenças primárias do coração que podem ser provocadas por
agentes infeciosos, tóxicos.
A maioria das vezes (2/3 dos casos) a insuficiência cardíaca deve-se a uma diminuição da
função sistólica, ou seja, da contratilidade do coração.
Determinantes da função cardíaca:
 Que aumentam o débito cardíaco – contratilidade (capacidade contrátil do coração),
pré-carga (quantidade de sangue que chega ao coração), frequência cardíaca;
 Que diminui o débito cardíaco – pós-carga (resistência ao esvaziamento).
A pré-carga é o comprimento do músculo no início da contração ventricular (volume
telediastólico). Dentro de limites fisiológicos, quanto maior for o comprimento do músculo
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maior é a força da contração do ventrículo
(relação de Frank-Starling), como acontece com
um elástico, porque há mais capacidade de as
proteínas actina e miosina entrarem em contacto
umas com as outras.
Num coração normal, à medida que o volume
telediastólico aumenta, aumenta a força de
contração. Em situação de exercício, quando há
aumento da contratilidade, a linha do coração
normal sobe. Um doente com insuficiência
cardíaca tem uma curva achatada; o volume de
ejeção é capaz de manter as necessidades em
Ilustração 1 - Relação entre o volume telediastólico repouso. Durante o exercício, o coração não
(distensão do ventrículo) e a performance cardíaca pode contrair mais (tem um défice de
(volume de ejeção).
contratilidade) e se o débito cardíaco aumenta
um pouco é à custa do aumento das pressões de enchimento, não porque consiga contrair
mais como um coração normal, e mesmo assim esse débito não é adequado ao esforço
exercido. A partir desta altura, como o coração não consegue esvaziar tudo, o doente tem uma
congestão pulmonar: o líquido vai-se acumular nos pulmões, provocando dispneia.
O mecanismo de Frank-Starling é um mecanismo de adaptação num doente com
insuficiência cardíaca: o coração tende a dilatar para aumentar o volume de ejeção. Durante
algum tempo é capaz de fazer isto, ao que se chama insuficiência cardíaca compensada,
porque é à custa de dilatação: embora a força de contração não seja muito grande, a
quantidade de líquido é maior, portanto, mesmo contraindo pouco, é capaz de manter um
volume de ejeção suficiente, logo um débito cardíaco adequado. Um coração normal expulsa
50% do sangue; o coração doente, mesmo que só expulse, suponhamos, 25%, como é muito
maior, o débito é o adequado.
A pós-carga é a tensão ou stress () desenvolvido pelo ventrículo durante a ejeção
ventricular.
Lei de Laplace:  = P x r / 2 h
P = pressão intracavitária; r = raio do ventrículo; h = espessura da parede
Quanto maior for a pressão intracavitária e quanto maior for o raio (coração mais dilatado), se
a espessura não aumentar em proporção, aumenta a pós-carga e diminui o volume de ejeção.
A hipertensão arterial provoca insuficiência cardíaca porque aumenta a pressão intracavitária,
e portanto a resistência ao esvaziamento.
Tipos de insuficiência cardíaca:
 Alto débito (raro) vs. Baixo débito:
 Disfunção sistólica (sístole – ejeção ventricular) vs. Disfunção diastólica (diástole –
relaxamento ventricular);
2


Aguda (ex. enfarte agudo do miocárdio, crise hipertensiva, embolia no pulmão, rotura
de uma válvula, arritmia) vs. Crónica;
Esquerda vs. Direita – as cavidades esquerdas são a principal causa da falência direita
porque o ventrículo esquerdo é de maior pressão do que o ventrículo direito. Pode
haver falência ventricular direita num doente com enfarte no ventrículo direito e num
doente com uma embolia pulmonar. Qualquer coisa que aconteça no ventrículo
esquerdo tem repercussões no direito porque estão separados apenas por um septo.
As pressões aumentadas no ventrículo esquerdo vão-se repercutir no ventrículo
direito não só pelo septo, mas também pela transmissão do aumento das pressões na
circulação pulmonar (aumenta na aurícula esquerda, capilares pulmonares, artérias
pulmonares e ventrículo direito).
Manifestações de falência cardíaca direita: acumulação de fluidos nas extremidades, fígado
aumentado, ingurgitamento das jugulares, líquido na barriga (ascite). Manifestações de
falência cardíaca esquerda: dispneia, ortopneia (dispneia de decúbito, quando o doente está
deitado, devido a edema pulmonar causado não só pelo coração em falência, mas também por
diminuição da contratilidade, pois durante a noite há diminuição da ação do SN Simpático e
aumento do Parassimpático). Doentes com edemas dos membros inferiores podem ter
alterações tróficas nas pernas: as pernas começam a ficar arroxeadas, a pele fina, os doentes
com varizes até fazem feridas e úlceras varicosas pelo edema prolongado, alterações da
pigmentação.
Disfunção sistólica – incapacidade do coração de bombear:
 Alteração da contratilidade do coração causada por:
 Enfarte agudo do miocárdio – morre parte das células musculares;
 Miocardiopatia dilatada – coração muito aumentado;
 Sobrecarga de volume – por exemplo nas válvulas que não fecham bem,
provocando regurgitação. Suponhamos que uma das 3 cúspides da válvula
aórtica não fecha bem, o sangue é ejetado em sístole e é enviado de volta
novamente ao coração. O ventrículo esquerdo recebe sangue que tinha
ejetado na sístole anterior mais aquele que lhe vem na diástole. Segundo o
mecanismo de Frank-Starling, esta sobrecarga de volume aumenta a força
contrátil durante algum tempo, até que o coração chega a mecanismos de
exaustão, de morte dos miócitos, o que diminui a contratilidade;
 Sobrecargas de pressão – aumento da pós-carga que leva à falência da função
sistólica: como numa torneira aberta que é tapada, levando ao aumento da pressão
dentro da torneira e dificuldade de esvaziamento. São causadas por:
 Hipertensão arterial não controlada;
 Estenose aórtica – aperto da válvula aórtica. É a lesão valvular mais frequente
hoje em dia, especialmente nas pessoas com mais de 70 anos.
Disfunção diastólica – incapacidade do coração de distender:
 Alteração do relaxamento causada por:
 Hipertrofia;
 Miocardiopatia hipertrófica;
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


Micardiopatia restritiva;
Isquemia miocárdica transitória (angina de peito) – só isquemia, não há morte
das células;
Obstrução ao enchimento ventricular
 Estenose mitral;
 Constrição pericárdica.
1.1.1.1 Enfarte Agudo do Miocárdio
O enfarte agudo do miocárdio é causado pela obstrução de uma artéria coronária por um
trombo e leva à morte de uma grande quantidade de células se não se fizer uma angioplastia
ou se der medicamentos (trombolíticos) para desfazer o trombo. Numa obstrução proximal a
quantidade de músculo que morre é muito maior. Se a necrose atingir 35% do ventrículo
esquerdo, o doente entra em choque cardiogénico, com diminuição da tensão, edema agudo
do pulmão e mortalidade de cerca de 80%. A coronária esquerda, antes de dar o ramo
descendente anterior e a circunflexa, chama-se tronco comum. A obstrução do tronco comum
é rapidamente fatal por destruição de uma grande porção do coração.
1.1.1.2 Miocardiopatias
As miocardiopatias são doenças primárias, ou seja, a causa está no músculo e não em outros
fatores, como hipertensão, doença coronária, cardiopatia, doença valvular ou outras
anomalias. As miocardiopatias são também uma causa da insuficiência cardíaca muito
frequente e mais incontrolável do que as outras, porque a maior parte são de causa genética.
Principais tipos de miocardiopatias:
 Dilatada – há dilatação do ventrículo e consequente diminuição da capacidade
contrátil do coração. Pode ser provocada por vírus, fármacos (como os da
quimioterapia) ou drogas (como a cocaína). Após a terapêutica médica, se esta não for
suficiente, estes doentes são candidatos a transplante cardíaco, a mecanismos de
ressincronização ventricular ou a assistências mecânicas.
 Hipertrófica – existe uma grande hipertrofia numa zona do ventrículo. É geralmente
de causa genética (mutação da miosina) e é uma causa da morte súbita dos atletas.
Não é hipertrofia ventricular esquerda por hipertensão arterial. Aqui está
representada como sendo um aumento da espessura de todas as paredes, mas
normalmente é apenas uma zona que está hipertrofiada e provoca uma obstrução à
câmara de saída do ventrículo esquerdo. Durante o exercício pode haver dificuldade
no aumento do débito, levando à morte do doente. O coração fica de tal maneira
espessado que tem dificuldade em encher.
4


Restritiva – formam-se depósitos de
substâncias como amilóide (doença dos
pezinhos) e ferro (hemocromatose). As
paredes não são mais espessas mas são
duras, portanto não têm elasticidade e não
relaxam. Por ecocardiografia quase não se
vê nada na restrição do miocárdio e pode
ser preciso fazer cateterismos para
diagnosticar. O ventrículo esquerdo parece
normal, mas mais ecogénico (mais
brilhante no ecocardiograma) e as
aurículas são grandes. Nos idosos há um
certo tipo de restrição: substituição do
miocárdio por tecido fibroso e também se
perde capacidade de distensão (portanto a
insuficiência cardíaca nos idosos pode ser
Ilustração 2 - Tipos de miocardiopatias.
por causa sistólica).
Displasia arritmogénica do ventrículo direito – há substituição do músculo por tecido
adiposo. É uma causa de morte súbita. Os doentes levam um desfibrilhador
implantável por via percutânea: podem ter arritmias mas cada vez que estas
acontecem, levam um choque elétrico.
Os atletas têm de fazer uma prova de esforço de cerca de 21 minutos para diagnosticar
doenças como miocardiopatia hipertrófica, displasia arritmogénica do ventrículo direito (muito
rara) e outras alterações que possam causar morte súbita. O exercício físico em excesso pode
levar a alterações cardíacas porque ultrapassa a resposta fisiológica normal.
A atividade física controlada melhora a condição dos doentes com insuficiência cardíaca. Há
clínicas e programas de reabilitação cardíaca porque estes doentes chegam a um ponto de
cansaço em que não se mexem, criando um ciclo vicioso.
1.1.2 Mecanismos de Compensação
Quando o coração falha, são ativados uma série de mecanismos na tentativa de manter o
débito cardíaco, provocando, no entanto, parte dos sintomas. Isto é benéfico a curto prazo
porque aumenta o débito cardíaco, mas a longo prazo vai levar à perpetuação dos sintomas. A
dilatação ventricular é uma tentativa de chegada de mais sangue para que haja mais
encurtamento das fibras. A hipertrofia tem como objetivo aumentar a massa contrátil do
coração. Ocorre ativação neuroendócrina, fundamentalmente do SN simpático, para
aumentar a contratilidade, com adrenalina e com o sistema renina-angiotensina-aldosterona
para reter líquidos. A ativação do SN simpático aumenta o estado de inotropismo cardíaco e
provoca taquicardia, que leva ao aumento das necessidades metabólicas de oxigénio e pode
provocar também arritmias. A vasoconstrição leva à redistribuição do débito com aumento de
chegada, dilatação ventricular e aumento do débito. A ativação do sistema renina-
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angiotensina-aldosterona provoca retenção de sódio e água levando, pelo mecanismo de
Frank-Starling, à dilatação, aumentando o débito.
Há vários tipos de hipertrofia na
compensação da insuficiência cardíaca. Se o
estímulo para a hipertrofia for um aumento
de pressão, há aumento da espessura das
paredes com uma cavidade pequena; se o
estímulo for uma sobrecarga de volume,
como nos problemas das regurgitações
valvulares, tem-se a hipertrofia excêntrica,
em que há dilatação e o aumento da
espessura não é muito superior ao normal.
A estimulação da hipertrofia é neurohormonal com noradrenalina e angiotensina, por exemplo. Não é totalmente reversível, mas
Ilustração 3 - Tipos de hipertrofia ventricular esquerda.
pode ser contrabalanceada com fármacos
para não levar a hipertrofias patológicas.
Pode-se reverter a massa muscular na
hipertrofia mas, juntamente com a massa
muscular aumentada, há também tecido
fibroso, que não pode ser tirado.
Os estímulos para a ativação do sistema
neuroendócrino são a diminuição do
débito e o aumento das pressões. Por um
lado, o coração falha como bomba e por
outro há retenção de líquidos, levando à
ativação das respostas neuro-hormonais
para tentar manter o débito cardíaco
normal. As principais respostas são do SN
simpático, o sistema renina-angiotensinaaldosterona, a hormona anti-diurética, a
endoclina (hormona segregada pelos vasos
e potente vasoconstritor) e os péptidos
natriuréticos (os únicos benéficos porque
aumentam a diurese) que são utilizados no
Ilustração 4 - Resposta neuroendócrina à insuficiência cardíaca.
diagnóstico da insuficiência cardíaca.
A diminuição do débito cardíaco leva à
ativação do SN simpático, que aumenta a contratilidade e a frequência cardíaca mas é um
vasoconstritor, portanto aumenta a pós-carga, que tem um efeito negativo no débito. O
aumento da frequência cardíaca aumenta o débito, mas também o consumo miocárdico de
oxigénio, o que pode levar a arritmias. O sistema renina-angiotensina-aldosterona tem como
vantagens aumentar o retorno (pré-carga) e tentar aumentar o débito segundo o mecanismo
de Frank-Starling, mas a retenção de líquidos é uma das causas dos edemas.
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1.1.3 Sintomas
Os sintomas são: cansaço, dispneia (falta de ar), ortopneia (dispneia de decúbito, na posição
deitada), dispneia paroxística noturna, tosse noturna, nictúria, edemas e confusão mental. A
nictúria é a maior necessidade de urinar durante a noite, devida à reabsorção dos edemas:
durante o dia, os doentes têm os edemas nas extremidades; quando se deitam, deixam de ter
as pernas inchadas, mas o líquido entra em circulação e é eliminado pelos rins. Se a
vasoconstrição for muito evidente, os doentes ficam com a pele fria e branca, podendo ir até à
cianose, taquicárdia, fervores crepitantes (líquido nos alvéolos) e derrames.
Na insuficiência cardíaca direita aumentam as pressões venosas porque as veias vão drenar ao
lado direito do coração. Desde logo há ingurgitamento jugular, fígado aumentado
(hepatomegália), observa-se fluxo hepato-jugular, edemas, ascite e anasarca (edemas
generalizados).
1.1.4 Diagnóstico
Um dos métodos de diagnóstico mais importantes da insuficiência cardíaca é a
ecocardiografia, na qual se vê o coração a contrair em tempo real. É um método
bidimensional, mas hoje em dia já existe a reconstrução tridimensional do coração. Com a
ecocardiografia pode-se determinar as dimensões do coração, a sua capacidade de contração
e de distensão, se o doente já teve algum enfarte (porque deixa de contrair uma zona) e se
existe alguma lesão valvular. O ecocardiograma é fundamental no diagnóstico da insuficiência
cardíaca esquerda, não só para avaliar a gravidade das dimensões cardíacas, mas também para
mostrar a sua etiologia (causa). As várias modalidades ecocardiográficas são: bi-dimensional,
modo-M, doppler contínuo, doppler pulsado, doppler a cores e doppler tecidular. Os vários
tipos de doppler permitem classificar a gravidade das lesões valvulares; o tecidular serve para
avaliar o ventrículo esquerdo por segmentos.
1.1.5 Tratamento
O tratamento da insuficiência cardíaca começa por ser farmacológico, com diuréticos para
excretar o excesso de líquidos causado pelos mecanismos compensatórios e com betabloqueantes para o bloquear o SN simpático e o sistema renina-angiotensina-aldosterona.
Não há fármacos que melhorem a contratilidade cardíaca: podem melhorar numa fase aguda
mas quando o coração já chegou a um ponto de exaustão, não é possível aumentar a
contratilidade.
Para os doentes nos quais não se conseguiu compensar com fármacos, usa-se sistemas de
ressincronização ventricular com pacemakers (o pacemaker biventricular permite sincronizar
as paredes do coração, com um cateter no ventrículo direito e outro no esquerdo). Numa
insuficiência cardíaca aguda, usa-se um balão intra-aórtico ou um coração artificial,
geralmente como ponte para a transplantação cardíaca, porque os dadores são limitados.
O balão intra-aórtico é usado em doentes que estão em choque cardiogénico. É implantado na
aorta ascendente e é insuflado durante a diástole, para aumentar a pressão de perfusão das
coronárias, sendo desinsuflado em sístole. Usa-se durante um tempo curto. É conectado a uma
consola e sincroniza a insuflação e desinsuflação com o eletrocardiograma.
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Os mecanismos de assistência ventricular mecânica não são para toda a vida. Os mais antigos
tinham fluxo pulsátil e tinham a desvantagem de obrigar os doentes a ficar ligados a grandes
máquinas, mas agora usa-se mais com fluxo contínuo e os doentes ficam em ambulatório. Os
dispositivos são implantados cirurgicamente em paralelo com o coração nativo, são movidos
eletricamente com pilhas e o doente pode fazer a sua atividade normal.
Atualmente, os corações artificiais têm um risco muito menor de causar trombos, como
acontecia com os antigos, e
conseguem aumentar o débito. Os
pacemakers de ressincronização
ventricular têm um desfibrilhador
acoplado porque os doentes com
insuficiência
cardíaca
têm
probabilidade de morrer não só por
falência de bomba, mas também de
arritmias com morte súbita.
O transplante de coração começou
na década de 80. É substituir uma
doença por outra mais bem
controlada, portanto os doentes
Ilustração 5 - Alguns mecanismos de assistência ventricular
mecânica.
transplantados têm uma certa
probabilidade de morrer ao fim de
1 ano.
1.2 Insuficiência Respiratória
O aparelho respiratório serve para efetuar trocas gasosas entre o organismo e o exterior. Os
seres unicelulares têm trocas diretas fáceis com o meio ambiente por difusão. À medida que os
organismos multicelulares se tornam cada vez mais complicados, as células individuais ficam
mais longe do meio ambiente e as trocas por difusão não são suficientes. Assim, evoluímos
para um sistema não só respiratório mas cardiorrespiratório que tem a função de, por um
lado (aparelho respiratório), fazer as trocas entre o ar e o sangue, promovendo a entrada de
oxigénio e a saída de dióxido de carbono (produto do metabolismo) e, por outro (aparelho
circulatório), levar o sangue oxigenado aos tecidos, trazendo de volta o CO2. O aparelho
respiratório tem outras funções metabólicas, de equilíbrio ácido-base entre outras mas as
trocas gasosas são a função principal.
Para se estudar o aparelho respiratório, este é dividido em 2 grandes funções: trocas gasosas e
bomba ventilatória.
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1.2.1 Função de Bomba Ventilatória
Os volumes são primários e as
capacidades resultam da soma dos
volumes.
VT – volume corrente
RV – volume residual
ERV – volume de reserva
expiratória
VC – capacidade vital
TLC – capacidade pulmonar total
IC – capacidade inspiratória
FRC –
capacidade residual
funcional
Ilustração 6 - Volumes e capacidades.
Volume corrente: volume mobilizado numa inspiração e expiração não forçadas.
Volume residual: mesmo no final de uma expiração forçada, fica uma certa quantidade de ar
dentro dos pulmões, para impedir que estes colapsem (atelectasia).
1.2.1.1 Propriedades Estáticas
A compliance do sistema respiratório é
máxima no volume residual. Se fosse
possível expulsar todo o volume
residual do pulmão, o trabalho que
exigiria voltar a insuflar novamente
cada um dos alvéolos seria impossível
para os músculos respiratórios.
O volume corrente é a zona em que se
respira sem esforço. A inspiração é
ativa (resulta do trabalho muscular) e a
Ilustração 7 - Curva de compliance.
expiração
passiva
(resulta
da
elasticidade dos tecidos e da parede
torácica), sendo realizadas com o mínimo trabalho, otimizando o consumo de energia (é o
ponto de máxima eficiência energética).
O surfatante é uma mistura de fosfolípidos e proteínas produzida por um dos tipos de células
que revestem os alvéolos, os pneumócitos tipo II, ficando na interface entre a água e o ar para
diminuir a tensão superficial. A tensão superficial numa esfera levaria ao seu colapso. Se
conceptualizarmos os alvéolos como esferas, se não existisse o surfatante, a tensão superficial
da fase líquida que reveste essas esferas fá-las-ia colapsar; e cada vez que se quisesse insuflar
a esfera, a tensão superficial opor-se-ia e o trabalho para a insuflar seria maior. O surfatante
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serve ainda para manter os alvéolos secos; sem ele, as pressões hidrostáticas do líquido
intersticial tenderiam a inundar os alvéolos.
1.2.1.2 Propriedades Dinâmicas
A ventilação depende também do trabalho que se
sobrepõe à resistência ao fluxo nas vias aéreas. A
lei de poseuille descreve a resistência ao fluxo
laminar num tubo: é proporcional ao comprimento
do tubo e à 4ª potência do raio. Isto é verdadeiro
nas vias aéreas de grande calibre, mas a partir do
médio calibre o fluxo deixa de ser laminar, logo a lei
de poseuille não se aplica e o fluxo não depende
tanto das características do vaso, mas mais do
débito.
Como das vias aéreas de médio calibre para as mais
pequenas há uma extrema ramificação da via
aérea, a área da secção diminui muito e o débito Ilustração 8 - Resistência em função do avanço da via
aérea.
por cada unidade diminui, portanto as resistências
voltam a baixar. Em condições normais é na zona de
médio calibre que existe maior resistência ao fluxo; esta resistência tem de ser vencida por
trabalho ventilatório, o que significa consumo energético.
1.2.2 Função de Trocas Gasosas
O propósito da bomba ventilatória é fazer chegar o ar ao alvéolo, que é a unidade funcional
do pulmão. Do lado alveolar há pneumócitos tipo I, que são finos de modo a serem
atravessados facilmente pelos gases e pneumócitos tipo II (mais raros) que produzem o
surfatante; segue-se uma membrana intersticial fina e, do lado dos capilares, células
endoteliais finas. Esta é a barreira que os gases
têm de atravessar em ambos os sentidos e o
cruzamento de gases é feito por difusão passiva, a
favor do seu gradiente de concentração: o sangue
venoso que chega ao pulmão vem com uma maior
pressão de CO2 do que a dos alvéolos e tende a sair
para os alvéolos; a pressão de O2 nos alvéolos é
maior e este tende a difundir para dentro dos
vasos sanguíneos, liga-se à hemoglobina e é
transportado até às células.
Ilustração 9 - Unidade alvéolo-capilar.
A difusão através de membranas biológicas
depende do tamanho e da polaridade das
moléculas. O dióxido de carbono é 20 vezes mais
difusível do que do oxigénio porque, apesar de ser
maior, é mais polar.
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As trocas gasosas são ótimas se os trabalhos ventilar e circulatório conseguirem concentrar na
mesma zona e em proporções corretas o ar e o sangue (relação ventilação-perfusão). A
distribuição do ar e do sangue no pulmão numa pessoa em pé não é equilibrada: a coluna de
sangue está mais sujeita à gravidade, logo há maior perfusão nas bases, e o ar dirige-se melhor
para os ápex. Mas a compliance do pulmão na base é maior, portanto em cada ventilação são
insuflados mais alvéolos da base, criando um encontro ótimo entre a ventilação e a perfusão.
1.2.2.1 Variação da Relação Ventilação-Perfusão
Definem-se duas situações limite em que isto pode falhar:
1. Não há ventilação (devido a um tumor na via aérea, um rolhão de muco ou um
espasmo do músculo brônquico que fecha a via) – todo o sangue que atravessa esta
unidade alveolo-capilar sai não modificado, com a mesma concentração de gases que
o sangue venoso e vai-se misturar com o sangue vindo das outras unidades, tornando
o sangue mais pobre em O2 (hipoxémia) e mais rico em CO2 do que deveria
(hipercapnia). Há perceção por quimiorrecetores de que há estas alterações no
sangue e origina-se uma ordem (do sistema nervoso central para o centro respiratório
e músculos respiratórios) para hiperventilar, ou seja, aumentar a frequência
respiratória e os volumes ventilatórios para otimizar as trocas gasosas. Como o CO2 é
muito difusível, é fácil eliminá-lo nos alvéolos. Mas a maioria de O2 no sangue circula
ligado à hemoglobina e a partir de determinada pressão parcial de O2 a ligação da
hemoglobina ao oxigénio é máxima, portanto mesmo que se consiga expor a
hemoglobina a mais moléculas de oxigénio, isto não significa que a hemoglobina vai
ficar mais oxigenada; logo a hiperventilação não consegue anular os efeitos de shunt.
2. Não há perfusão (por exemplo devido a um trombo que se liberta na circulação e
entope um ramo da artéria pulmonar) – desequilibra também as pressões parciais dos
gases no sangue, levando a hiperventilação, sendo igualmente eficaz a reduzir o CO2
mas não a aumentar o O2.
Ilustração 10 - Situação ideal (à esquerda), situação 1 (ao centro) e situação 2 (à direita).
Nestas situações, o trabalho ventilatório necessário para vencer a resistência nos brônquios é
o mesmo, mas não há trocas gasosas. Para haver hipoxémia e hipercapnia não basta um
alvéolo afetado, tem de ser uma porção significativa dos alvéolos. A hiperventilação
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compensatória pode recrutar alvéolos que não estavam a funcionar com todo o seu potencial
e conseguir otimizar as trocas nesses alvéolos, portanto a repercussão pode ser menor.
Estas são as situações limite: a maior parte das vezes, os processos patológicos no pulmão não
causam nem shunt absoluto, nem espaço morto alveolar absoluto, mas sim situações
intermédias. Qualquer caso em que a relação ventilação-perfusão não seja ótima (quer esteja
diminuída, quer aumentada), pode ter a mesma consequência que é a hipoxémia.
Se a quantidade de unidades funcionais afetadas for muito pequena, quando se mede os gases
no sangue arterial pode não se notar a diferença. Para encontrar essas alterações mais subtis,
mede-se o gradiente alvéolo-arterial de oxigénio: a diferença entre a pressão parcial de
oxigénio dentro do alvéolo e no sangue. Há sempre uma diferença de 5 a 8 mmHg porque
algum do sangue que chega ao pulmão não passa nos alvéolos, nomeadamente o sangue que
vai para a irrigação da própria árvore brônquica. Se a diferença for maior, fica-se a saber que
há unidades alvéolo-capilares em que as trocas gasosas não estão a ocorrer adequadamente.
Existe um mecanismo de compensação do organismo que é a vasoconstrição pulmonar
hipóxica. Por exemplo, se houver shunt, mas não numa situação limite, ou seja, chega algum
ar ao alvéolo mas menos do que seria desejável; uma maneira de equilibrar isso é reduzir a
quantidade de sangue que passa por esse alvéolo, mantendo equilibrada a relação ventilaçãoperfusão apesar de chegar menos ar. A própria arteríola pré-capilar do capilar que envolve o
alvéolo é sensível à pressão parcial de O2 dentro do alvéolo, logo se o O2 diminui no alvéolo, a
arteríola contrai, reduzindo a quantidade de sangue que passa no alvéolo e mais sangue é
desviado para os alvéolos que estão mais ventilados. Se isto funcionar numa pequena secção
do território da artéria pulmonar, é ótimo porque equilibra a ventilação-perfusão, mas se for
numa parte muito significativa (por exemplo metade das arteríolas que dependem da artéria
pulmonar), aumentam as resistências, aumentando a pressão na artéria pulmonar,
aumentando a pós-carga no ventrículo direito, podendo levar à sua falência ao fim de algum
tempo. Doentes com patologia pulmonar crónica podem desenvolver insuficiência cardíaca em
que a causa primária é respiratória. Essa doença cardíaca chama-se cor pulmonale.
1.2.3 Insuficiência Respiratória
Se há problemas com as trocas gasosas mas a hiperventilação consegue compensar e eliminar
o CO2, só fica o problema do O2 a menos, ao que se chama insuficiência respiratória tipo 1,
parcial ou hipoxémica. Se o problema primário for a ventilação (não é possível compensar) ou
se não se conseguir fazer a hiperventilação compensadora (por exemplo por fadiga), para
além de o sangue não ser adequadamente oxigenado, é retido CO2, ao que se chama
insuficiência respiratória tipo 2, global ou de falência de bomba ventilatória.
1.2.3.1 Patologias
1.2.3.1.1 Pneumonia
Ocorre uma reação inflamatória com a função de eliminar o agente bacteriano e preparar o
terreno para a reparação. O isolado inflamatório é constituído por líquidos, proteínas e células
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do sangue que saem do sangue para o interstício. Mas no pulmão, esse isolado tende a
inundar os alvéolos; as próprias células inflamatórias vão degradar o surfatante e se os
pneumócitos forem comprometidos, deixam de conseguir repor o surfatante. Se o alvéolo em
vez de ar estiver cheio de isolado, não é possível fazer as trocas gasosas. Mesmo admitindo
que nem todos os alvéolos estejam afetados, a compliance de um pulmão preenchido por
água é menor, portanto o trabalho ventilatório vai ser menor e os outros alvéolos vão
hiperventilar para compensar as trocas que não estão a ser feitas. Quanto mais extensa for a
pneumonia e quanto menor for a reserva pulmonar e cardíaca doente, maior repercussão isto
pode ter nas trocas gasosas. No limite, se o trabalho ventilatório for tanto que o doente entra
em fadiga muscular e já não consegue ventilar, pode-se ter de substituir a função ventilatória
do doente ligando-o a um ventilador mecânico.
Um ventilador mecânico só substitui a função de bomba ventilatória (podendo ser controlada
a concentração de gases e a pressão), não faz trocas gasosas, que continuam dependentes da
superfície de trocas do doente. Assim, se a pneumonia for muito extensa e ocupar a grande
maioria das unidades alvéolo-capilares, mesmo que o doente esteja ligado ao ventilador, não é
possível compensar a diminuição da área para trocas.
1.2.3.1.2 Edema Pulmonar Cardiogénico
Num coração em falência, o aumento da pressão no ventrículo direito transmite-se
retrogradamente às veias pulmonares e por este jogo de aumento da pressão hidrostática
dentro das vénulas pulmonares, há saída de transudado do plasma que inunda o alvéolo. Este
líquido não permite as trocas respiratórias, tal como na pneumonia. O problema não é
respiratório primariamente; se se conseguir melhorar a função do coração, os edemas são
reabsorvidos e a função respiratória restabelece-se. No entanto, se o pulmão não funciona
adequadamente, gera-se uma sobrecarga adicional para o coração.
1.2.3.1.3 Edema Pulmonar Não Cardiogénico
Outras causas de edema pulmonar podem ser falência hepática, perda de proteínas ou
retenção de água nos rins, administração de soros a mais: tudo isto aumenta a pressão
hidrostática nos capilares e leva à transudação de água para dentro dos alvéolos. O problema
pode não ser o aumento da pressão hidrostática mas o aumento da permeabilidade dos
capilares, por exemplo em pneumonias, intoxicações por fumo ou, mais frequentemente, por
causa infeciosa. Nesse caso, a infeção pode ser primária do pulmão ou à distância: vários
mediadores inflamatórios têm o papel de aumentar a permeabilidade capilar para permitir a
saída de líquido e células inflamatórias para o foco inflamatório, mas esse aumento de
permeabilidade leva a que no pulmão haja uma maior facilidade de saída de líquido para o
alvéolo.
A situação limite do edema pulmonar não cardiogénico é a síndrome de dificuldade
respiratória do adulto (ARDS): há compromisso dos dois pulmões (pulmão branco bilateral no
raio-X), hipoxémia extrema, mesmo que se ligue o indivíduo ao ventilador com grandes
pressões. Recém-nascidos muito prematuros têm um quadro parecido com este, ou seja, o
pulmão inundado com água sem conseguirem respirar. Os pneumócitos tipo 2 não têm
maturidade suficiente e não produzem surfatante porque este só é necessário a partir do
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momento do parto, na primeira vez que as suas vias aéreas se enchem de ar. Isto pode ser
contrariado dando surfatante exógeno e induzindo a maturação pulmonar. Como o quadro do
adulto é muito parecido com o do recém-nascido prematuro, concluiu-se que uma das causas
de ARDS é a falta de surfatante, não por imaturidade das células, mas porque as células são
descamadas pelo processo inflamatório do pulmão ou porque há destruição dos pneumócitos
pela resposta inflamatória.
Ilustração 11 - Causas de edema pulmonar.
1.2.3.1.4 Tromboembolismo Pulmonar
Em determinadas circunstâncias, pode haver a potenciação de formação de coágulos no
interior do sistema venoso, particularmente nas pernas se estivermos muito tempo parados.
Isto é favorecido por um conjunto de situações que promovem o aumento de fatores
coagulantes no sangue ou da sua atividade, ou a perda de fatores anticoagulantes ou da sua
atividade, para além de fatores locais como várias horas de imobilidade, por exemplo num voo
de longo curso. Um trombo no território venoso pode destacar-se e migrar pela circulação,
atravessar o lado direito do coração e impactar na artéria pulmonar ou num dos seus ramos,
levando à situação de alvéolos ventilados mas não perfundidos. Se o trombo for grande e
ocupar uma grande porção da artéria pulmonar, aumenta a resistência que origina um
aumento súbito da pressão na artéria pulmonar a que o ventrículo direito não tem capacidade
de se acomodar, podendo resultar numa falência cardíaca aguda. É por isso que as companhias
aéreas sugerem aos passageiros de voos longos que se mexam e façam ginástica com as
pernas, para evitar a estase sanguínea no território venoso profundo, e que se usa métodos
mecânicos, meias elásticas ou fármacos em doentes internados, porque esses doentes reúnem
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fatores que aumentam o risco de que isso aconteça; o tromboembolismo pulmonar é uma das
principais causas de morte intra-hospitalar.
1.2.3.1.5 Asma
A asma é uma reação alérgica a substâncias com que contactamos no dia-a-dia. Em
circunstâncias normais, essas substâncias não são nocivas e devíamos conviver bem com elas,
mas o sistema imunitário de alguns indivíduos reconhece-as como perigosas e monta uma
reação imune. A nível do pulmão essa reação vai resultar em edema da mucosa e sobretudo
em espasmo do músculo brônquico. Se as partículas supostamente perigosas vêm no ar, ao
fechar a via aérea impede-se a sua entrada. No entanto, estas substâncias não são nocivas mas
o bronco-espasmo é porque aumenta exponencialmente a resistência das vias aéreas,
aumentando muito o trabalho necessário para ventilar. Muitas vezes o ar entra na inspiração,
mas na expiração não sai porque os brônquios estão fechados; se os pulmões ficarem muito
insuflados, o trabalho para ventilar também é maior. Em situações limite, se não se reverter o
bronco-espasmo e a inflamação das vias aéreas farmacologicamente, isto pode conduzir à
morte do doente.
1.2.3.1.6 Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC)
A principal causa (90% dos casos) é o tabagismo. Há dois quadros clínicos que não são
mutuamente exclusivos: a bronquite crónica e o efisema.
A bronquite crónica é uma resposta inflamatória crónica das vias aéreas por causa da
agressão continuada do fumo do tabaco. Há hipertrofia das glândulas mucosas, que vão estar
sempre a segregar muco (defesas habituais das vias aéreas a atuar), mas a longo prazo isso
causa obstrução das vias aéreas, quer pelo edema das vias aéreas, quer por rolhões de muco,
quer porque o epitélio ciliado que devia mobilizar o muco está alterado pela toxicidade dos
agentes do fumo do tabaco e não é eficaz a eliminar o muco. O muco que fica retido tende a
infetar e as infeções repetidas vão lesando as vias aéreas que se tornam cada vez menos
eficazes a eliminar o muco. O sinal típico clínico de um doente com bronquite crónica é uma
tosse muito produtiva com uma expetoração muito viscosa e os doentes fumadores nem
sequer estranham porque acham normal ter a tosse de fumador de manhã e expetorar muito.
A longo prazo essa obstrução das vias aéreas resulta, mais ou menos como na asma, no
aumento do trabalho ventilatório, que quase não é reversível, ao contrário do bronco-espasmo
da asma.
Paralelamente a isto, mas mais a nível das vias aéreas distais e dos alvéolos, os agentes
nocivos do fumo do tabaco ativam uma resposta inflamatória e os neutrófilos ativados
libertam substâncias inflamatórias e algumas enzimas proteolíticas que degradam a elastina do
pulmão. Ao fim de algum tempo os doentes perdem septos alveolares, o que resulta na perda
de superfície de trocas gasosas; para além disso, são os septos que mantêm as vias aéreas
abertas por isso, à medida que se perde a elastina do pulmão, as vias aéreas perdem o seu
suporte elástico e colapsam, resultando também em aumento do trabalho ventilatório. Estes
doentes têm cronicamente aumento da resistência das vias aéreas, hiperinsuflação, ventilam a
partir de volumes residuais elevados e têm, portanto, um trabalho ventilatório muito grande.
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Há problemas respiratórios que são extrínsecos aos pulmões e à caixa respiratória, por
exemplo lesões da medula que comprometem o centro respiratório (habitualmente são
fatais).
Também há doenças da caixa torácica que comprometem a ventilação, como o pneumotórax:
os pulmões são revestidos por uma membrana, a pleura visceral, e o interior da caixa torácica
pela pleura parietal. O espaço entre os dois folhetos pleurais normalmente é virtual, não está
ocupado por nada, e os folhetos servem para otimizar o deslizamento do pulmão dentro da
caixa torácica. Em determinadas circunstâncias, esse espaço pode estar ocupado por ar,
sangue ou outro líquido, por exemplo se o doente tiver levado uma facada e tiver entrado ar
de fora, ou se rebentar uma bolha de efisema e o ar vier do pulmão. Se houver alguma coisa a
ocupar o espaço pleural, vai empurrar o pulmão, promover a sua atelectasia e impedir o jogo
normal de pressões negativas que se transmite na caixa torácica e faz expandir o pulmão. Para
além de corrigir a causa, é preciso evacuar o ar, o sangue ou o líquido. Chama-se pneumotórax
quando há ar na cavidade pleural, hemotórax se houver sangue, quilotórax se houver linfa e
hidrotórax se houver outro líquido.
1.2.3.2 Consequências da Hipoxémia
As manifestações são sobretudo dos órgãos metabolicamente mais ativos que precisam de
mais oxigénio, nomeadamente do sistema nervoso central, dos rins e do coração.
Efeitos diretos:
 Cianose;
 Confusão, convulsões, coma;
 Insuficiência renal;
 Insuficiência cardíaca, Cor Pulmonale.
Cianose é uma coloração azulada da pele ou das mucosas que traduz a presença de
hemoglobina des-saturada. Os dedos arroxeados em dias de muito frio são um exemplo de
cianose localizada devido a vasoconstrição: chega pouco sangue aos dedos, os tecidos extraem
quase todo o oxigénio do pouco que lá vem e ficam com muita hemoglobina desoxigenada.
Consequências dos mecanismos de compensação:
 Taquipneia e polipneia por hiperventilação (aumento da frequência respiratória e do
volume ventilatório);
 Taquicardia por aumento da frequência cardíaca (há menos O2 no sangue mas se o
débito cardíaco aumentar, melhora-se a entrega total de oxigénio aos tecidos);
 Hipertensão pulmonar pela vasoconstrição pulmonar hipóxica;
 Poliglobúlia por aumento da quantidade de glóbulos vermelhos em circulação – a
diminuição de O2 leva a um aumento de hemoglobina para aumentar a capacidade de
transporte de O2 do sangue. As pessoas que vivem em ambientes com menos O2, por
exemplo em altitude, têm mais glóbulos vermelhos, tal como os grandes fumadores
porque a sua hemoglobina está parcialmente neutralizada pelo monóxido de carbono
do fumo.
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1.2.3.3 Consequências da Hipercapnia
As consequências da hipercapnia são semelhantes e resultam sobretudo numa estimulação
do sistema nervoso vegetativo, nomeadamente do SN simpático, que faz vasoconstrição a
nível periférico e do pulmão e vasodilatação a nível intracraniano. Em termos de função do
SN central, aumentos moderados de CO2 resultam em excitação e agressividade dos doentes
mas, à medida que se acentua a hipercapnia, ocorre o oposto: depressão do SNC, coma e
eventualmente morte.
Consequências da hipercapnia moderada:
 SNV – taquipneia, polipneia;
 SNC – agitação, agressividade;
 Vasodilatação intracraniana – cefaleias;
 Vasoconstrição pulmonar – HTP;
 Vasoconstrição periférica – HTA.
Consequências da hipercapnia acentuada:
 SNV – depressão do centro respiratório;
 SNC – confusão, sonolência, coma.
1.2.3.4 Choque
Choque é um fenómeno circulatório. É uma falência circulatória de que resulta a perfusão
insuficiente dos tecidos a nível sistémico. O sistema cardiovascular destes doentes não é
capaz de entregar oxigénio e outros nutrientes às células. Pode ter múltiplas causas mas a
consequência é sempre a mesma: não chega O2 aos tecidos, as células deixam de ser capazes
de fazer metabolismo aeróbio, começam a fazer metabolismo anaeróbio e os produtos desse
metabolismo, bem como a própria insuficiência dos órgãos que não estão a ser
adequadamente perfundidos levam à falência dos diferentes órgãos.
Uma causa de falência do sistema circulatório pode ser uma tensão muito baixa que não
assegura a perfusão dos tecidos, por exemplo devida a insuficiência cardíaca (choque
cardiogénico). Pode dever-se também a uma hemorragia: o coração funciona adequadamente
mas não há sangue suficiente para todos os tecidos (choque hemorrágico). Queimaduras,
vómitos e diarreia resultam na perda de plasma e portanto de volume circulante, diminuindo a
tensão. No choque distributivo, o problema não é do volume circulante nem do coração, mas
das resistências arteriais periféricas (por mediadores anti-inflamatórios, reação anafilática,
traumatismo medular que causa a perda do controlo do tónus neurogénico que controla as
resistências arteriais periféricas) que faz baixar a tensão; o sangue é distribuído aos tecidos
independentemente das suas necessidades de oxigénio: pode chegar muito sangue a um
tecido que não está a extrair O2 e pouco sangue a um tecido que precisa de O2 (daí o nome
distributivo). No choque obstrutivo o coração funciona bem e o volume circulante é adequado
mas há uma obstrução na circulação. Num pneumotórax, o ar pode criar tanta tensão que
empurra o coração e os vasos e impede que o sangue entre no coração.
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Choque hipovolémico:
 Hemorragia
 Queimaduras
 Vómitos e diarreia
Choque cardiogénico:
 Enfarte do miocárdio
 Insuficiência cardíaca congestiva
 Arritmias
Choque obstrutivo:
 Embolia pulmonar
 Tamponamento cardíaco
 Pneumotórax hipertensivo
Choque distributivo:
 Choque séptico
 Choque anafilático
 Choque neurogénico
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