IMPORTÂNCIA DA ONU NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS

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DIREITO,
SEGURANÇA E
DEMOCRACIA
Nº 36
AGOSTO
2016
IMPORTÂNCIA DA ONU NA SOLUÇÃO DE
CONFLITOS INTERNACIONAIS: CRÍTICAS E
PERSPECTIVAS
UN Importance On The Settlement Of International
Disputes: Critics And Prospects
ADRIANO ARTUR JOÃO
Doutorando em Direito e Segurança
RESUMO
O Direito Internacional surgiu como “um elemento de forte consenso, procurando colmatar
lacunas éticas e jurídico-constitucionais”, sendo “o sistema de princípios e normas de
natureza jurídica, que disciplinam os membros da sociedade internacional, ao agirem
numa posição jurídico-pública, no âmbito das suas relações internacionais”.
Os conflitos são fenómenos sociais complexos, que resultam de uma decisão, comportam
vários elementos e apresentam simultaneamente vários aspetos. O recurso a força só se
deverá ser utilizado depois de se haverem esgotado todas as hipóteses de sucesso das
estratégias, processos, técnicas e mecanismos de resolução das controvérsias.
As guerras têm um efeito destrutivo, traduzem-se na perda e destruição de recursos
humanos e materiais, atrasando o processo de evolução natural dos Estados e da
Comunidade Internacional.
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A paz é um estado de tranquilidade mental, moral e espiritual; um bem precioso
necessário de se construir através do conhecimento, da sabedoria e do respeito pelos
princípios e valores éticos e morais em que assentam as relações de convivência pacífica.
O Direito à Paz é um direito difuso relativamente aos seus titulares, à oponibilidade e à
sanção organizada aplicável àqueles que perturbam a paz social. Educar para a paz é o
caminho mais seguro para construir a paz mundial.
PALAVRAS-CHAVE
Relações Internacionais, Direito Internacional, Conflito, Guerra, Paz, Liberdade, Direitos
do Homem, Organizações Internacionais.
ABSTRACT
International law has emerged as "a strong consensus element, try to remedy ethical, legal
and constitutional gaps” where “the system of principles and norms of a legal, governing
members of the international society to act in a legal and public position, within its
international relations”.
Conflicts are complex social phenomena that result from a decision, and suggest several
elements simultaneously present various aspects.
The use of force should only be used after they have exhausted all chances of success of
the strategies, processes, techniques and mechanisms of disputes.
Wars have a destructive effect, reflect on the loss and destruction of human and material
resources, delaying the process of natural evolution of states and the International
Community.
Peace is a state of mental tranquility, moral and spiritual; a precious commodity necessary
to build through knowledge, wisdom and respect for principles and ethical and moral
values which underpin the relationship of peaceful coexistence.
The Right to Peace is a diffuse law on their holders, Enforceability and organized sanction
those who disturb social peace. Education for peace is the surest way to build world
peace.
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KEYWORDS
International Relations, International Law, Peace, War, Conflict, Freedom, Human Rights,
International Organizations.
Abreviaturas, Siglas e Acrónimos
Ac. – Acórdão.
ACNUDH - Alto Comissariado da Nações Unidas para os Direitos Humanos, criado
em 1993, organismo subsidiário da Assembleia Geral da ONU.
ACNUR – Alto Comissariado da Nações Unidas para os Refugiados, instituído em
1949 e aprovado em 1951, na Convenção de Genebra sobre a Condição dos Refugiados.
Act. – Actualizado; actualizada.
Amp. – Ampliado; ampliada.
Anot. – Anotado; anotada.
Art.º - Artigo; artigos.
ASEAN – Associação de Nações do Sudeste Asiático.
Aum. – Aumentado; aumentada.
BAD – Banco Africano de Desenvolvimento.
BM – Banco Mundial, criado pelo Acordo da Conferência de Bretton Woods, de 1 a
22 de julho de 1944, retificado os seus estatutos, em 31 de dezembro de 1945.
BMJ – Boletim do Ministério da Justiça.
CADH - Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada em 1969, entrou
em vigor em 1978.
CADHP - Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, assinada em 1981.
CADHP - Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, órgão da UA.
CC - Comando e Controlo.
CCPM – Comissão Conjunta Político Militar, Angola.
CCR – Convenção sobre a Condição dos Refugiados, aprovada em 1951, em
Genebra.
CDFUE – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2000/C 364/01).
CEDAO - Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental.
CEDAW – Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Descriminação
Contra as Mulheres, adoptada em 1979, pela Assembleia das Nações Unidas.
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CEDH - Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
CEDR - Comité para a Eliminação da Discriminação Racial.
CEMAC - Comunidade Económica dos Países da África Central.
CESDHLF - Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais.
Cf. – Confira, conferir.
CI (2011) – Convenção de Istambul, de 2011.
CIA – Central Intelligence Agency.
CIDC - Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada em 1989.
CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos, instituída em fevereiro de
1967, na III Conferência Interamericana Extraordinária, órgão da OEA.
CIDM - Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres.
CIEDR - Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação Racial, adoptada em 1965, pela Assembleia-Geral das Nações Unidas,
entrado em vigor em 1969.
CIG - Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género.
CIPCG – Convenção Internacional sobre a Prevenção do Crime de Genocídio,
aprovada em 1948, pelas Nações Unidas.
CNU – Carta das Nações Unidas.
Cód. – Código.
Comp. – Compilação; compilada.
Coord. – Coordenação; coordenações.
COT – Crime Organizado Transnacional.
CP – Código Penal.
CPDHLF – Convenção para a Protecção do Homem e das Liberdades
Fundamentais, adaptada em Roma, a 4 de Novembro de 1950 e entrada em vigor em na
ordem internacional, em 3 de Setembro de 1953, e modificado nos termos do Protocolo
n.º 11, entrado em vigor em 1 de Novembro de1998.
CPLP – Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
CPP – Código do Processo Penal.
CPS – Conselho para a Paz e Segurança da União Africana.
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CRA – Constituição da República de Angola, aprovada em 3 de Fevereiro e
promulgada em 5 de fevereiro de 2010.
CSE - Carta Social Europeia.
DAW - Divisão para o Avanço das Mulheres, criada em 1946, pela ONU.
DCC – Declaração dos Direitos da Criança, aprovada em 1959, pela ONU.
DD – Declaração dos Direitos, votada pelos representantes do povo da Virgínia,
em 1 de Julho de 1776.
DDHC – Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de Agosto de
1789, integrada na Constituição Francesa de 1791.
DDPMNERL - Declaração sobre os Direitos das Pessoas pertencentes a Minorias
Nacionais, Étnicas, Religiosas e Linguísticas, adoptada em 1992, pela Assembleia Geral
das Nações Unidas.
DDS – Ciclo de estudos conducente ao grau de “Doutor em Direito e Segurança”,
promovido pela Faculdade de Direito/UNL, no ramo científico “Direito e Segurança”,
aprovado pelo Regulamento n.º 384/2013, de 25 de setembro.
Dec. – Decreto.
Dec. Lei – Decreto-Lei, Decretos-Lei.
DI – Direito Internacional.
DP – Direito Penal.
DUDH - Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Resolução
da Assembleia Geral das Nações Unidas n.º 217 (III), em 10 de dezembro de 1848.
ed. – edição.
EM – Estado-Membro.
EME – Estado-maior do Exército.
et al. – et alli (e outros).
etc. – et cetera (e o resto).
ETPI – Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
EU – Europa.
EUA – Estados Unidos de América.
FAA – Forças Armadas Angolanas.
FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura.
FMI – Fundo Monetário Internacional.
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GF – Guerra Fria.
GM – Guerra Mundial.
GOL – Linhas Aéreas Inteligentes, Brasil.
GPS – Global Positioning System – Sistema de Posicionamento Global – criado em
1973, é um sistema de navegação por satélite, com um aparelho móvel que envia
informações sobre o posicionamento de algo em qualquer horário e em qualquer condição
climática; tem um poder de encontrar o caminho para um determinado local, saber a
velocidade e direcção do seu deslocamento; utilizado em automóveis com um sistema de
mapas, na aviação geral e comercial, na navegação marítima e por diversas pessoas que
querem saber a sua posição e, principalmente, para viajar.
i. e. – isto é.
Ibid. – no mesmo lugar.
Id. – Idem.
IDN - Instituto de Defesa Nacional.
In – Inclusion - Inclusão.
In. – Inimigo.
INSTRAW - Instituto Internacional de Pesquisas e Capacitação para o Progresso
da Mulher, criado em 1976, pela ONU.
interceptores - fazer sentir os efeitos militares da Força (Targeting e actuação
“NRT”).
LCM – Lei dos Crimes Militares, aprovada pela Lei n.º 4/94, de 28 de Janeiro.
LMCPP – Lei sobre as Medidas Cautelares em Processo Penal, aprovada pela Lei
n.º 25/15, de 18 de Setembro, entrada em vigor a 18 de Dezembro de 2015.
LOIC – Lei da Organização e Investigação Criminal, de 27 de agosto de 2008.
LPP – Lei sobre a Prisão Preventiva em Instrução Preparatória, aprovada pela Lei
n.º 18-A/92, de 17 de Julho.
n.º - número.
NBQ – Nitrobenzothiazolo Quinolinium.
NCC – Netword Centric Capability.
NCW – Netword Centric Warfare – Armas Centralizado no Líquido.
network - reunir, comunicar e explorar a informação.
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NRDM – Normas Reguladoras da Disciplina Militar/FAA, aprovadas pela CCPM,
em 22 de Novembro de 1991.
NRT – Net Registered Tonnage – Arqueação Líquida.
NSS – National Serveillance State – sistema desenvolvido desde finais do século
XX pelos Estados Unidos da América, para a recolha, análise e cruzamento de
informações sobre cidadãos no mundo.
NU – Nações Unidas.
ob. cit. – obra citada.
OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico.
OCR - Operações Centradas em Rede - conjunto das operações militares levadas
a cabo por uma força armada interligada de acordo com as características da Era da
Informação.
OCT – Organizações Criminais Transnacionais.
ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milénio.
OEA - Carta da Organização dos Estados Americanos, aprovada na Conferência
de Bogotá, em 30 de Abril de 1948, entrou em vigor em 1951.
OEI – Ordem Económica Internacional.
OFOAPR - Organização e Funcionamento dos Órgãos Auxiliares do Presidente da
República de Angola, aprovada pelo Decreto Legislativo Presidencial n.º 5/12, de 15 de
Outubro.
OI – Ordem Internacional; Organizações Internacionais.
OISE - Órgãos de Inteligência e de Segurança do Estado, criados por força do
Decreto Legislativo Presidencial n.º 5/12, de 15 de Outubro.
OMC – Organização Mundial do Comércio.
OMP – Organização Mundial de Propriedade Intelectual.
OMS – Organização Mundial da Saúde.
ONG – Organização Não-Governamental; Organizações Não-Governamentais.
Online – disponível na internet.
ONU – Organização das Nações Unidas.
OPC – Órgãos de Polícia Criminal.
OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo.
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OSAGI – Escritório de Assessoria Especial para as Questões de Género e
Promoção da Mulher, criado em 1977, pela Organização das Nações Unidas.
OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte, fundada a 4 de abril de 1949,
através do Tratado de Wachington.
OTM – Organização Tutelar das Crianças.
p. – página.
p. ex. – por exemplo.
PA – Protocolos Adicionais.
PALOP – Países de Língua Oficial Portuguesa.
PC – Proteção Civil.
PF – Protocolo Facultativo referente ao PIDCP.
PIDCP - Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
PIDESC – Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
PIN – Personal Identification Number - Número de Identificação Pessoal (NIP).
PJ - Polícia Judiciária.
PNR – Passenger Name Records – Registos de Identificação de Passageiros.
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Policy markers – legisladores.
pp. – páginas.
PPP – Parceria Público-Privada.
Prof. – Professor; Professora.
R.F.D.U.N.L. – Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.
R.L.J. – Revista da Legislação e Jurisprudência.
R.M.P. – Revista do Ministério Público.
R.O.A. – Revista da Ordem dos Advogados.
Ranking – classificação.
Rev. – Revisto; Revista.
RI – Relações Internacionais.
RMA- Revolução dos Assuntos Militares.
RMC – Revolução Militar em Curso.
s. d. – sem data.
s. l. – sem local.
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SADEC - Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral.
Séc. – Século; séculos.
SFI – Sociedade Financeira Internacional.
SI – Sistema Internacional no campo das Relações Internacionais.
SIC – Sistema de Investigação Criminal, Serviço de Investigação Criminal.
SIE – Serviço de Inteligência Externa, criado pelo Decreto Legislativo Presidencial
n.º 5/12, de 15 de Outubro, art.º 50º, n.º 1, da OFOAPR.
SIIC – Sistema Integrado de Informação Criminal.
SINSE – Serviço de Inteligência e Segurança do Estado, criado pelo Decreto
Legislativo Presidencial n.º 5/12, de 15 de Outubro, art.º 49º, n.º 1, da OFOAPR.
SISM – Serviço de Inteligência e Segurança Militar, criado pelo Decreto Legislativo
Presidencial n.º 5/12, de 15 de Outubro, art.º 51, n.º 1, da OFOAPR.
SJ - Sistema Judicial.
ss. – seguintes.
STJ – Supremo Tribunal de Justiça.
Supl. – Suplemento.
TADHP - Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos, criado em Junho
de 1998, mediante Protocolo assinado pelos Chefes de Estados da OUA.
TEDH - Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
TIC – Tecnologia de Informação, Comunicação e Conhecimento.
TIE - Tribunais Internacionais Específicos.
TIJ – Tribunal Internacional de Justiça.
TJE – Tribunal de Justiça Europeia.
TO – Teatro Operacional.
TOM - Teatro Operacional Militar.
TPA - Tribunal Permanente de Arbitragem.
TPI – Tribunal Penal Internacional.
TPJ - Tribunal Penal para a Jugoslávia, criado sem 25 de Maio de 1993.
TPR – Tribunal Penal para o Ruanda, criado em 8 de Novembro de 1995.
TV – televisão.
UA – União Africana.
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UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura.
UNICEF – Fundo Internacional das Nações Unidas de Socorro à Infância.
UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, criado
em 1976, pela ONU.
v. – vide.
Vol. – Volume; volumes.
www – World Wide Web.
INTRODUÇÃO
O Homem é, por natureza, um animal social e um ser gregário que relaciona-se
com o seu semelhante, estabelecendo formas diversas de relacionamento para a
satisfação e realização de interesses e objetivos comuns.
A história da evolução da humanidade mostra-nos, pois, que o Homem é,
simultaneamente, um animal social, que se relaciona com o seu semelhante, um animal
económico, que produz e consome, e um animal político, que prepara e toma decisões
obrigatórias para todos os membros da colectividade humana a que respeitam.
No planeta Terra, onde habita um rebanho de humanos, encontra-se, hoje, de
diversas formas de organização social: Estados autónomos e independentes, uns
soberanos e outros semi-soberanos, uns Estados-nações, outros Estados plurinacionais e
outros Estados com projecto nacional. Neste sentido, Armando Marques Guedes (2005)
sublinha que «As transformações sofridas pelo caminho são, aliás, assaz instrutivas (…)
na fase fundacional inicial, as preocupações dos antropólogos mantiveram-se focadas no
apuramento das várias configurações segundos as quais o controlo social seria
sustentado e potenciado pela interrelação de “instituições”, ou na descoberta das “regras”
subjacentes à manutenção de uma “ordem” em sociedades particulares.»1
E no interior de cada um dos Estados, coexistem famílias, comunidades de
resistência, associações profissionais, recreativas e culturais, grupos organizados de
diferentes matizes, que se movem e actuam na esfera privada, uns, e na esfera pública,
1
Guedes, Armando Marques. Entre Factos e Razões: Contextos e Enquadramentos da
Antropologia Jurídica. 1.ª ed. Coimbra: Almedina. 2005. pp. 104-105.
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outros, os quais são geralmente designados de grupos de interesses, grupos de pressão,
grupos para-políticos e partidos políticos. Numa “perspectivação tópica inicial da
antropologia jurídica em contexto, o autor referenciado, enaltece que «os obstáculos
confrontados são de facto muitíssimo embaraçosos, no sentido em que não são de fácil
resolução. Efectivamente, a Antropologia Jurídica (…) debruça-se sobre numerosas
sociedades e culturas por vezes muito diferentes uma das outras, e tenta lidar com o
problema peculiar que é suscitado pela ausência, em muitas sociedades, de quaisquer
organismos jurídicos (e até políticos) formais».2
Além desta panóplia de instituições, foram criadas, nos últimos cento e cinquenta
anos, centenas de organizações internacionais públicas e privadas e muitas sociedades
(empresas) multinacionais, enquanto as associações profissionais e os partidos políticos
se internacionalizavam, confederando-se a nível regional e mundial, e se organizavam, a
nível transnacional, grupos de intervenção ilegal, que fazem cair torres, explodir
transportes colectivos, descarrilar comboios, aterrorizam colectividades e atormentam os
governos em todos os cantos da Terra (Fernandes, 2011: 6-7).
Por conseguinte, a comunidade internacional dos nossos dias caracteriza-se pela
existência, no seu seio, de uma pulverização de grupos, sociedades, associações,
organizações e instituições ligadas entre si por uma complexa rede de comunicações,
informações e de relações interpessoais, intergrupais e interinstitucionais. Estas relações
desenrolam-se em espaços intranacionais e internacionais, e revestem formas diversas
que se podem agrupar em duas categorias: relações pacíficas (amigáveis), que decorrem
dentro da normalidade estabelecida, e relações conflituosas, que revestem um aspeto
problemático, e resultam de dificuldade de vária ordem que dão origem as tensões,
descordos, diferendos e mesmo litígios de carácter mais ou menos grave que podem
degenerar em conflitos armados.
A ONU é um modesto elemento do conjunto complexo de instituições que
asseguram as RI, por essa razão concordamos com Maurice Bertrand ao afirmar que «a
ONU é apenas uma ínfima malha de uma imensa rede. As instituições que tratam das
relações internacionais são ao mesmo tempo públicas e privadas. As sociedades
transnacionais ou multinacionais têm filiais, agências e correspondentes que constituem
2Ob.
cit. pp. 96-97.
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um sistema mundial, em alerta permanente, que exercem uma grande influência sobre os
governos. Também existe um grande número de associações internacionais, as ONG, ou
organizações não-governamentais, que tratam todos os problemas imagináveis e têm
agências, escritórios e representantes espalhados pelo mundo» (Bertrand, 2004: 13).
Ao longo da história da humanidade, as relações entre as sociedades politicamente
organizadas têm revestido, em certos períodos de tempo e determinados espaços
geográficos, um carácter de normalidade, traduzindo-se em relações de reciprocidade, de
cooperação, de concertação e de integração; enquanto em outros períodos de tempo, por
vezes bastantes longos, em espaços geográficos diversos e de dimensões variáveis, as
relações entre os Estados têm revestido um carácter problemático, gerando situações de
crise, intranquilidade e de conflito.
A ideia da necessidade de um sistema de normas que regule as relações entre os
homens impõe-se antes de mais no que respeita à ordem social que constitui o Estado.
Mas, logo se manifesta a exigência de um sistema jurídico que se estabeleça também nas
relações entre os diversos estados e entre os respetivos cidadãos. Deparamos assim,
num plano ideal, com dois sistemas diferentes – o Direito interno e o Direito internacional,
que deveria chamar-se, mais propriamente, interestadual (Giorgio Del Vecchio, 1968:
166).
O primeiro apresenta-se com contornos muito mais nítidos que o segundo. Há no
Estado um poder central, do qual dimanam formalmente todas as normas que compõem o
sistema; daí conceber-se o Estado como um eterno soberano a ser-lhe atribuídas
jurídicas confirmadas e coordenadas numa sólida unidade.
Os problemas surgem quando se pretende fundamentar, racional e realmente, um
sistema que coordene de modo unitário os diferentes Estados. Admitir um poder central
soberano, que admitisse os Estados, do mesmo modo que na ordem interna em que o
Estado domina os indivíduos, seria pôr em causa aquele atributo pelo qual o Estado se
afirma como suprema postetas. Um sistema de Direito Internacional conduz
inevitavelmente a conceber a formação de um estado único que reunisse todo o género
humano.
A doutrina dominante admite a coexistência dos dois sistemas jurídicos, atribuindo
porém ao interno ou estadual estrutura mais perfeita e validade mais intensa; ao passo
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que o internacional ou interestadual se apresentaria dotado de certeza e de eficácia
inferiores, deixando assim subsistir a autonomia dos diversos Estados.
André Ventura (2015: 21) enaltece que «deve entender-se o direito interno como
ordenamento vital de um Estado ou organização pública (não estatal) enquanto que o
direito internacional deve assumir a configuração de direito global de todo as
comunidades (estatais e não estatais), o que não significa necessariamente diferenças
face à sua juridicidade (…). Nem sequer significará, necessariamente, que ambos os
ordenamentos se encontram em conflito direito e sistemático, podendo verificar-se várias
formas de coordenação e articulação».
A distância conjuntural e acidental da História do Direito, segundo Armando
Marques Guedes, viveu «um período de profunda alteração de coordenadas. A
integridade funcional dos sistemas sociais tornaram-se para todos cada vez menos líquida
e convincente, porventura em consonância com as enormes mudanças e convulsões
sócios-políticas ocorridas nos panoramas nacionais e internacionais então
contemporâneos»3.
Têm sido muitas e variadas as situações conflituosas que perturbam a paz e a
tranquilidade e geram sentimentos de receio, de medo e de pânico, resultante do
comportamentos de certos e determinados protagonistas internacionais. Porquê?
Que características ou critérios identificam o Direito Internacional face ao Direito
Interno?
Qual é a essência do verdadeiro carácter normativo do Direito Internacional no
contexto das Nações?
Quais são as razões de tanta conflitualidade?
Quais as causas das guerras ou dos conflitos entre os principais protagonistas das
Relações Internacionais?
Terá a Organização da Nações Unidas contribuído para evitar a eclosão e
proliferação de conflitos internacionais?
Como proceder para que haja paz, tranquilidade e segurança?
Será possível o estabelecimento de uma paz duradoira entre grupos, os povos e os
Estados?
3
Idem pp. 117-118.
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Por conseguinte, no dealbar do século XXI, em que o homem dispõe de maios e
técnicas de destruição massiva e de suicídio colectivo da humanidade, em que a história
é, muitas vezes ensina como sendo a história das guerras, dos tratados de paz, da
violação destes e de novas guerras, haverá algumas possibilidade da humanidade pôr
termo ao processo de suicídio colectivo e instituir a paz mundial perpétua, que Kant já
preconizava no último quartel do século XVIII?
Poder-se-á orientar e canalizar a agressividade do ser humano para construir uma
paz mundial assente em princípios e valores que assegurem a liberdade e garantam a
felicidade dos povos que integram a própria humanidade?
A estas interrogações procuramos responder neste trabalho, que consta além
desta introdução, de mais cinco partes e uma conclusão.
Na primeira parte, analisa-se o surgimento e desenvolvimento das Relações
Internacionais e do Direito Internacional, as suas características e seus fundamentos,
culminando com uma apreciação crítica da crise do Direito Internacional no actual
contexto das Relações Internacionais.
Na segunda parte, versa-se sobre a análise da problemática dos conflitos, tipologia
e vias de solução e controle de conflitos internacionais, o papel dos Estados,
Organizações Internacionais e técnicas utilizadas na resolução dos conflitos
internacionais numa visão crítica, procurando entender e explicar os diferentes tipos de
conflitos e o aproveitamento das situações conflituosas pelos protagonistas no contexto
das Nações.
Na terceira, examina-se com alguma profundidade a guerra como fenómeno social,
seu significado, suas causas, funções e tipologia, caracterizando o fenómeno subversivo
na Era da Globalização.
Na quarta, debruça-se sobre as dimensões do conceito e problemática da Paz na
actual etapa de desenvolvimento global, referenciando sobre as diversas concepções da
ideia da paz.
Na quinta e última, salientam-se as conexões do Direito à Paz no contexto dos
Direitos Humanos, relacionando-as com os conceitos de educação, compreensão e de
direitos humanos, a fim de perceber se a educação é imprescindível para garantir a paz
mundial e protecção dos direitos do homem e se a Organização da Nações Unidas tem
contribuído para minimizar e reduzir as situações de conflitualidade armada internacional.
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1. Génese e Crise das Relações Internacionais e do Direito
Internacional
Quem meditar na gravidade e dificuldade dos problemas globais, nas controvérsias
que reinam ainda em torno deles, e sobretudo na persistência do trágico fenómeno da
guerra, que apesar de inspirações milenárias de paz, continua a alvoroçar a vida dos
povos, terá fartos motivos para desesperar da sorte do género humano.
Mas a inextinguível vocação do nosso espírito, atestando a fraternidade essencial
do género humano, bem como a observação de certos factos da história antiga e
moderna, anima-nos a vencer a desesperança.
Sabe-se que, nas sociedades primitivas, só aos que pertencem ao grupo é
reconhecida personalidade jurídica; o estrangeiro é equiparado, teoricamente, aos
animais selvagens. Todavia, o mendigo, que por acaso se encontre longe da sua pátria,
costuma ser respeitado, até pela ideia de que nele se pode dissimular alguma divindade.
Não será talvez esta ideia, supersticiosa embora, um indício de que, desde as épocas
mais recuadas, a inteligência humana foi capaz de superar o exclusivismo de grupo?
Recorda-se que, no sistema do Direito romano, o escravo caput non habet: é uma
coisa, não uma pessoa. Mas, se tal é a fórmula dogmática, na realidade o mesmo Direito
reconhece indiretamente ao escravo certos direitos: não civiliter, porém naturaliter.
Sabe-se também que, em tempos se tinha delineado um sistema de Direito
Internacional já em épocas remotos foram formuladas e observadas regras nas relações
entre os Povos, mesmo no que à guerra respeita. Tais regras tiveram, a princípio carácter
puramente religioso: por exemplo a declaração de guerra era acompanhada de certos
ritos, o que transparece claramente do jus feciale ou fetiale dos Romani. A religião, já nas
suas formas primitivas, tenha temperado de algum modo a dureza dos costumes e das
leis antigas nas relações entre os Povos.
Com o advento e a difusão do Cristianismo que começou a delinear-se uma certa
ordem internacional, segundo os princípios afirmados e propugnados pelos órgãos mais
autorizados da Igreja e, cuja eficácia encontrou muitos obstáculos e oposições, quer em
face dos povos não-cristãos, quer por efeito de paixões e de ideologias hostis.
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Tal como sublinha André Ventura (2015), o direito internacional surgiu como um
elemento de forte consenso, procurando colmatar lacunas éticas e jurídicoconstitucionais.
Por conseguinte, o Direito Internacional moderno surgiu no Séc. XVII, sendo
usualmente indicado como marco inicial o Tratado de Vestefália de 1648, que pôs fim à
Guerra dos Trinta Anos e «in ocasione del quale lo Stato, da un lado, consolida
definitivamente la propria indipendenza rispetto all`Imperatore, dei quali si disconosce,
portanto, qualsiasi supremazia e, dall`altro, afferma il proprio dominio exclusivo su un
determinato territorio e sulla relativa popolazione, com eliminazione dei vari centri di
potere (feudali o comunali) che si erano formati nei secoli precedenti in una logica
pluralista»4.
O conceito de Direito Internacional tem sido alvo de debate, ou seja, tem sido
problemática a descoberta dum conjunto de critérios específicos de delimitação desta
área do Direito.
Embora seja fácil a apreensão simplista da contraposição em Direito Internacional
e o Direito Interno, Jorge Miranda (2009: 24), afirma que «as diferenças ressaltam quase
à vista desarmada. Não encontramos leis como modo de formação centralizada do Direito
por obra das autoridades com competência para tal. Como modo mais aproximado
apenas encontramos – hoje, não há 100 anos – os tratados multilaterais gerais e as
decisões, ou certas decisões, de órgãos de organizações internacionais e de identidades
afins».
Jorge Bacelar Gouveia (2003: 314) constata que sendo o Direito Internacional um
setor do Direito Público que «melhor se experimenta do que se concretiza, pelo que não
tem sido fácil propor uma afinada definição do mesmo».
Enfrentando esse desafio intelectual existem vários critérios doutrinais sugeridos
pelo autor citado, para se proceder à respetiva delimitação:
a)
Critério dos sujeitos intervenientes;
b)
Critério das matérias reguladas; e
4
Carbone, Sergio M.: “I soggetti e gli attori nella comunita internazionale”, in Carbone, S.M., Luzzatto, R., &
Santa Maria, A. (a cura di): Istituzioni di diritto internazionale, 3.ª ed., Torino, Giapichelli, 2006, pp. 3-41, pp.
3-5.
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c)
Critério das fontes normativas.
Concordamos com a ideia do mesmo autor, segundo a qual «não cremos que
nenhuma destas conceções possa ser, por si só, inteiramente esclarecedoras daquilo que
é o Direito Internacional Público. Nenhuma destas conceções – porque redutores de uma
realidade que é mais vasta – é suficientemente englobantes do Direito Internacional
Público, para além de alguns desses critérios não são diretamente explicativos do setor
jurídico que pretendem identificar.
A nossa definição de Direito Internacional Público apresenta-o do seguinte modo,
numa conceção global: «o sistema de princípios e normas, de natureza jurídica, que
disciplinam os membros da sociedade internacional, ao agirem numa posição jurídicopública, no âmbito das suas relações internacionais»5.
1.1. Esboço histórico do desenvolvimento das Relações
Internacionais
Giorgio Del Vecchio afirma que “a ideia do Direito natural (…) em substância da
Filosofia grega, e principalmente da escola estóica, foi aplicada pelos juristas romanos
aos institutos do Direito interno, tornando-se um importante factor do seu progresso” e
“veio a frutificar no campo do direito internacional”, devido à “sua recepção pelos
canonistas (1968: 173).
Por outro lado, a Filosofia patrística, e depois dela a escolástica, ao mesmo tempo
que deduziam do Decálogo e do Evangelho os princípios absolutos do Direito natural,
acolheram (…) grande parte da doutrina dos jurisconsultos romanos, inserindo-a num
vasto sistema que, fundado nos dogmas cristãos, iria desempenhar certa função
reguladora em toda civilização ulterior” (Vecchio, 1968: 173-177).
As diferenças de organização interna entre os Estados não impediram que se
reconhecesse a existência de uma comunidade, expressa pela significativa fórmula
communitas communitatum. Segundo Giorgio Del Vecchio, mais correntemente falou-se
de res publica chistiana, ou ainda de res publica sub Deo (1968: 173).
Começou assim a delinear-se um «Direito internacional cristão», que, naturalmente
se estendeu também aos Estados de Oriente europeu, como a Rússia, a Polónia e a
5
Gouveia, Jorge Bacelar. Manual de Direito Internacional Público. 4.ª ed. Coimbra: Almedina. 2013. p. 314.
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Hungria, quando estes, cerca do ano 1000, se converteram ao Cristianismo e, por via
disso, cresceram sobremaneira as relações da Rússia e o mundo ocidental, apesar dos
graves conflitos que se arrastaram longamente no campo doutrinal dos Estados cristãos,
dos litígios entre a Igreja e o Império e outros fatos supervenientes (cf. Giorgio Del
Vecchio, 1968: 173-175).
Porém, a Paz de Vestefália (1648) indica-se como o início de uma nova era nas
relações internacionais, caraterizada pelo princípio da absoluta independência e
soberania dos Estados, que substituiu o da subordinação a autoridades universais como a
Igreja e o Império. A marca do secular domínio de Roma permanece visível e opera até
aos nossos dias, sobretudo nas nações neolatinas. Mais forte ainda e profundamente
enraizado se conservou em muitas Nações o laço da fé cristã comum (Giorgio Del
Vecchio, 1968: 175).
Nos tempos modernos, o conceito medieval da «Comunidade dos Povos cristãos»
se veio modificando e ampliando. Com os tratados de Munster e de Osnabrusck, isto é,
com a chamada Paz de Vestefália, reconheceu-se existir entre os Estados uma igualdade
jurídica independente de regimes políticos e credos religiosos, como a igualdade entre os
Estados católicos e protestantes. Posteriormente, o que fora uma comunidade dos povos
europeus dilatou-se até compreender povos de outros continentes (Giorgio Del Vecchio,
1968: 176).
Neste processo de evolução permaneceram firmes alguns princípios, que tinham
constituído de certo modo os fundamentos da antiga Comunidade dos Estados cristão
europeus, aceites também pelos Povos extraeuropeus e não cristãos, na medida em que
correspondiam a interesses comuns e a exigências racionais próprias da natureza
humana (Giorgio Del Vecchio, 1968: 177).
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As raízes intelectuais dos vários estudos que Aron6 elaborou sobre as Relações
Internacionais (RI) estão situadas na sua primeira investigação em torno dos problemas
da filosofia da história. Pensar sobre as questões estratégicas e internacionais supõe uma
racionalidade própria enquadrada pelos limites psicológicos e epistemológicos a que está
sujeito a cognição e a objetividade históricas.
Miguel Morgado sublinha que o problema fundamental neste aspeto é o do que a
realidade histórica – por ser realidade humana – é «ambígua» e «inexaurível». Os factos
e as ideias que vão surgindo, nascendo e morrendo, ocorrem num contexto de
«pluralidade de mundos espirituais», tornando-os equívocos. É preciso acrescentar que a
história e a política são atravessadas por decisões humanas concretas. Estas decisões
têm de ultrapassar as indeterminações filosóficas, não diminuindo no entanto a
necessidade de o observador adquirir um sentimento moderado de relatividade histórica
(2014: 40), que permite discutir as decisões políticas e estratégicas e compreendê-las. Ao
mesmo tempo, torna as decisões livres e abre a possibilidade de se estudar essa
liberdade e o seu carácter essencialmente político.
O estudo da RI é, por conseguinte, eminentemente histórico «em todos os sentidos
do termo»: a) as decisões livres que são tomadas e as suas consequências, desejadas e
não desejadas; b) a mudança incessante e a fragilidade dos sistemas; c) a multiplicidade
das mudanças que transformam o mundo (morais, tecnológicas, socioeconómicas,
culturais, étnicas, linguísticas, raciais, etc.); e d) a sujeição dos atores históricos a
obrigações aparentemente contraditórias.
Todas estas dinâmicas empurram os agentes da história para a possibilidade do
conflito. Uma teoria das RI deve enquadrar uma teoria de conflito e da guerra.
6
Aron (Raymond), filósofo e sociólogo francês (1905-1983), na sua abordagem ao estudo
das Relações Internacionais (RI) coloca-se fora da habitual dualidade de escola
«idealistas» e «realista». Se se quiser atribuir ao seu pensamento uma designação
sintética pode-se falar de um «realismo crítico» que resulta da aplicação de uma
racionalidade específica aos problemas histórico-políticos, que, por sua vez, se podem
denominar-se «razão histórico-política» (Miguel Morgado, 2014: 40). In Enciclopédia das
Relações Internacionais. 1.ª ed. Dom Quixote. 2014. pp. 40-42.
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Por essas razões, Aron colocou como objeto central de estudo e de compreensão
da problemática internacional o regime político, as suas diferentes naturezas, dinâmicas,
valores e propósitos. A primazia da política permite adquirir uma perspetiva dirigida
diretamente ao político decisor, ao estadista, àquele que, em circunstâncias históricas
concretas, com meios e escolhas limitadas, têm de decidir num contexto de incerteza
essencial e de riscos nem sempre mensuráveis (Miguel Morgado, 2014: 41).
Neste sentido, acentua o autor referido, a uma teoria da história e dos limites do
conhecimento histórico temos de acrescentar uma «teoria da prática» ou uma
«praxeologia». Com a importante ressalva aristotélica de que não se deve exigir mais
determinação a um domínio do conhecimento do que aquilo que se pode providenciar.
Atendendo a esta ressalva, Aron explicava não estaria disponível uma «teoria geral das
RI comparável à teoria geral da economia».
Assim, as RI solicitam o exercício da «moral da prudência», que apela ao
julgamento de prudência, de articulação entre os fins e os meios concretos e limitados
que estão disponíveis. O julgamento da prudência não pretende decidir de uma vez por
todas os dilemas e antinomias que se colocam à ação estratégica e diplomática,
(porquanto um julgamento moral e histórico nunca pode ser definitivo, mas que também
não é arbitrário). Tem uma finalidade mais modesta: encontrar, em cada ocasião
concreta, os compromissos mais razoáveis e mais aceitáveis. A política - e a política
externa – nunca é um «conflito entre o bem e o mal», mas entre o «preferível e o
detestável».
Miguel Morgado sublinha que se é certo que a teoria das RI de Aron parte da sua
filosofia da história, também não deve ser descurada a hipótese de ela terminar numa
filosofia política. Em última análise, e além de todas as ambiguidades históricas, a
estratégia e a diplomacia devem estar ao serviço das aquisições mais preciosas da
humanidade. Isso inclui as liberdades de gozarmos enquanto homens e cidadãos. Não há
como fugir a rudeza da História (Miguel Morgado, 2014: 42).
A existência de uma comunidade jurídica internacional, hoje bem extensa do que
no passado, é forçoso reconhecer que ela não saiu ainda, em parte, do estado teórico, e
que os esforços tendentes a realizá-la em concreto estão ainda muito longe de alcançar o
objetivo de uma organização cosmopolítica.
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Ninguém ignora que estes esforços se têm multiplicado nos nossos dias,
especialmente depois das trágicas experiências das guerras mundiais, da queda do morro
de Berlim e dos atentados de 11 de Setembro nos Estados Unidos de América.
André Ventura acentua que o Direito Internacional surgiu como «um elemento de
forte consenso, procurando colmatar lacunas éticas e jurídico-constitucionais», sendo «o
sistema de princípios e normas de natureza jurídica, que disciplinam os membros da
sociedade internacional, ao agirem numa posição jurídico-pública, no âmbito das suas
relações internacionais».
1.2. Apreciação crítica da crise do Direito Internacional
A causa primeira da crise do Direito Internacional reside precisamente nos vícios
da concepção que fizemos remontar à Paz de Vestefália, e que, segundo um ponto de
vista largamente difundido, seria o traço característico do moderno Direito internacional.
Essa concepção, segundo Giorgio Del Vecchio (1968: 177) pode resumir-se na
fórmula seguinte: «um Estado está vinculado a observar somente aquelas normas de
Direito internacional, às quais haja dado o concurso da própria vontade»7.
Os autores da escola positivista «admitem que os estados permanecem
vinculados, quando lhes aprouver, mas esses vínculos serão frágeis, sempre que não
assentam numa lei que imponha a respectiva observância (Giorgio, 1968).
Há quem aceita o princípio da obrigatoriedade dos pactos (pacta sunt servanda)
como postulado pré-jurídico ou metajurídico (nós preferimos dizer do Direito natural); esta
máxima não se basta a si própria, havendo de inserir-se num sistema de verdades
racionais que definam e limitem de certo modo o valor: é o que acontece no Direito Civil,
onde a validade dos contratos está subordinada à condição da capacidade dos
contraentes e da ilicitude do objecto (Giorgio Del Vecchio, 1968: 178).
Os Estados são obrigados a reconhecer-se mutuamente como sujeitos de direito.
Não é nem pode ser obrigatório o reconhecimento de um Estado que viole as exigências
fundamentais da humanidade e os princípios gerais do Direito, quer no seu ordenamento
interno, quer nas relações internacionais. E se, em atenção a circunstâncias particulares,
7
Nota do autor: A. Cavaglieri, Corso de Direito internacionale, 2.ª ed., Nápoles, 1932, p. 6.
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o reconhecimento se der, sempre deverá ser condicionado e restrito a determinados
efeitos (Giorgio Del Vecchio, 1968: 178).
Observação análoga se pode fazer a respeito de certas normas implícitas nas
relações entre os Estados, por força de costumes. Segundo as premissas da escola
positivista, a observância do costume dependeria, em última análise, da vontade de cada
um dos Estados: vontade que, bem merece o epíteto de ambulatória… Recai-se,
portanto, aqui também, em pleno arbítrio (Giorgio Del Vecchio, 1968: 178).
A crítica não implica, todavia, a rejeição do processo histórico que levou a modificar
certas doutrinas políticas medievais, como o princípio da igualdade jurídica dos Estados,
quaisquer que sejam os respectivos poder e extensão (princípio proclamado na Paz de
Vestefália e depois geralmente mantido pela doutrina) não deve ser rejeitado; mas há-de
acompanha-lo uma reserva dos Estados legítimos e a formulação específica dos
requisitos de tal legitimação (Giorgio Del Vecchio, 1968: 178).
Conexo com este princípio está a o da independência de todo o Estado perante os
demais, de tal modo que nenhum deles possa reclamar preeminência ou impor
hegemonia, mas propor somente acordos, que devem ser livremente consentidos.
Nenhum acordo, aliás, poderá prejudicar o respeito pelos direitos fundamentais dos
indivíduos e dos povos, do qual depende a legitimidade dos Estados. Pois se estes
direitos forem gravemente violados, deve admitir-se a possibilidade de intervenção
estrangeira que realize a respectiva tutela (Giorgio Del Vecchio, 1968: 179).
A raiz dos equívocos e dos erros, hoje tão frequentes nas doutrinas do Direito
internacional e do Direito público em geral, está na confusão entre arbítrio e liberdade:
dois conceitos que, pelo contrário, deveriam ser rigorosamente discriminados.
A liberdade se apresenta como ausência de toda e qualquer lei; na verdade, não é
livre quem não segue a lei da sua própria natureza. E porque o homem é, de sua
natureza, um ser espiritual, capaz de elevar-se do reino dos sentidos ao mundo da razão,
(…) ele é tanto mais livre que quanto mais se libertar das paixões. Assim doutrinou Santo
Agostinho: Eris liber si fueris servus: liber peccati, servus justitiae. No mesmo sentido se
tinha já exprimido S. Paulo; um e outro sob a inspiração da máxima do Evangelho: «A
verdade vos libertará». As análises da filosofia moderna chegaram às mesmas
conclusões: basta recordar que, segundo a doutrina de Kant, a liberdade se interpenetra
com o respeito da lei moral (Giorgio Del Vecchio, 1968: 181).
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Isto tanto vale na ordem moral, como na ordem jurídica; e tanto para os indivíduos,
quanto para as Nações e os Estados. Mesmo na ordem interna do Estado, a liberdade só
é possível se a lei for respeitada, e estará em tanto maior perigo quanto mais graves e
frequentes forem as infracções às leis. Já Cicero exprimiu esta ideia, ao afirmar: Legum
omnes servi sumus ut liberi esse possimus. E este conceito não foi em nada modificado
pelos estudos jurídicos modernos, antes encontrou reforço e valorização, nomeadamente
na teoria do Estado de Direito (Giorgio Del Vecchio, 1968: 181-182).
De modo semelhante, deve-se reafirmar o princípio do primado da lei no que
concerne às relações internacionais ou interestaduais. Tal como nas relações internas a
soberania do Estado se acha racionalmente vinculada e subordinada ao respeito pelos
direitos dos cidadãos, assim também nas relações entre Estado e Estado a soberania de
cada um deles não pode significar arbítrio desenfreado, antes deve fundar-se naquela lei
que define a unidade essencial do género humano. Assim não é dado renegar os
princípios supremos da Lógica, que permanecem válidos ainda que não sejam objecto de
declarações formais, nem de sanções positivas. Devido à falibilidade da mente humana,
os princípios éticos, assim como os lógicos, podem ser por vezes transgredidos e violados
no plano de facto; mas isso não lhes diminui o valor ideal, e é precisamente em função
deste valor que aqueles erros são reconhecidos, combatidos e corrigidos (Giorgio Del
Vecchio, 1968: 182).
Importa recordar as sábias palavras com que Pio XII, na Encíclica Summi
Pontificatus (de 20 de Outubro de 1939) proclamou algumas máximas que confirmam
plenamente, e de modo autorizado, o que a crítica filosófica se tem aplicado, por várias
formas, a demonstrar: «A concepção que atribui ao Estado autoridade ilimitada não é
somente um erro nocivo à vida interna das Nações, à sua prosperidade, ao maior e mais
ordenado incremento do seu bem-estar; ela traz igualmente prejuízos para as relações
entre os Povos, por quebrar a unidade da sociedade supranacional, negar os
fundamentos e o valor do Direito das gentes, abrir caminho à violação dos direitos
alheios, e dificultar o entendimento mútuo e a coexistência pacífica».
«Para haver contactos harmoniosos e duradouros, e relações frutuosas entre os
Povos, é indispensável que estes reconheçam e observem os princípios de Direito natural
internacional, que regulam o seu desenvolvimento e funcionamento normais… Fundar o
Direito das gentes na vontade autónoma dos Estados e destronar esse mesmo Direito, e
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roubar-lhes os títulos mais nobres e mais válidos, abandonando-o à dinâmica funesta do
interesse privado e do egoísmo colectivo» (Giorgio Del Vecchio, 1968: 182-183).
Jorge Bacelar Gouveia (2007) ao explicitar a história da terminologia «Direito
Internacional» que por vezes aparece simplificadamente como «Direito Internacional»,
esclarece que «tem a sua raiz proposta, feita há muito tempo pelo filósofo britânico
Jeremy Bentham», na sua obra “An Introduction to the Principles of Moral and Legislatin”,
publicada em 1780, contendo a expressão International Law, em oposição ao National
Law ou Municipal Law. Desde então, a locução International Law ganhou adeptos um
pouco por toda a parte e hoje a terminologia largamente triunfante, podendo-se observar
«no âmbito das línguas mais conhecidas: Doit Intenational em França, Diritto
Internacionale em Itália e Direcho Internacional em Espanha, excepto na Alemanha, que
utiliza mais o vocábulo VolKerrecht ».
O autor referido afirma ainda que «não se pense contudo, que a fórmula «Direito
Intenacional Público» ou «Direito Internacional» está isento de críticas, o que passamos a
explicar por três motivos:

primo: a locação, ao referir-se a «nações», pode dar a entender que
não se distingue a nação do Estado, quando é certo ser dois conceitos bem
diferentes, segundo o demonstra a Teoria Geral do Direito;

secundo: os sujeitos internacionais, mesmo com aquela correção,
não são apenas so estados, mas na respetiva categoria se incluem muitas outras
entidades, como ficou claro no repúdio de uma conceção meramente estilista do
Direito Internacional Público;

tertio: são hoje muito relevantes as normas que se afiguram
diretamente multilaterais, não fazendo sentido um intuito meramente interrelacional, conexo que está com bilateralismo.
Atendendo a estas críticas, há quem proponha a expressão «Direito das Gentes»
ou «Direito dos Povos», que decerto poderia esquivar-se de algumas daquelas objeções.
Mas ela teria por detrás de si o óbice da ausência de uma tradição, bem como o enorme
perigo de localizar o Direito Internacional Público numa senda excessivamente
sociológica, que não é seu melhor lugar, em demasia alargando a sociedade internacional
aos povos, numa perspetiva mais do futuro longínquo do que propriamente do presente
em que nos situamos».
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Para compreender os conflitos internacionais, importa apreciar o sistema de
política interna e política externa de um estado. Porém, a posição de um estado no
sistema pode actuar de uma maneira semelhante ou não em relação às posições de
outros estados, partindo da análise do que acontece no interior das unidades no sistema,
pois a política interna tem muita relevância no “modus operandi” do estado. O realismo,
que se apoia bastante no nível de análise sistémico, afirma que “os estados actuarão de
forma semelhante devido ao sistema internacional”.
Joseph S. Nye, Jr. afirma: «Duas importantes teorias, Marxismo e leninismo,
baseiam-se fortemente no segundo nível de análise e na proposição de que os estados
actuarão de forma semelhante se possuírem as sociedades internas semelhantes. Para
preverem a política externa, analisam a organização interna do estado. Os marxistas
defendem que a origem da guerra é o capitalismo» (2000: 50-51). Na opinião de Vladimir
Ilich Lenine, o capital monopolista precisa da guerra: «Alianças interimperialistas são
inevitavelmente nada mais do que tréguas nos períodos entre as guerras»8. A guerra
pode ser explicada pela natureza da sociedade capitalista. O marxismo não foi muito
bem-sucedido a explicar o início da I GM. Os argumentos que o capitalismo gera a guerra
não resistem muito bem à experiencia histórica (Joseph S. Nye, Jr., 2000: 51).
O liberalismo clássico, a filosofia que dominou grande parte do pensamento
britânico e americano no século XIX, segundo Joseph, chegou à conclusão contrária: os
estados capitalistas tendem a ser pacíficos porque a guerra é má para o negócio. Uma
corrente do liberalismo clássico era representada por livre-cambistas como Richard
Cobden (1804-1865), que conduziram a luta vitoriosa para a revogação das Leis dos
Cereais inglesas, medidas protecionistas que tinham regulado o comércio internacional
britânico de cerais ao longo de 500 anos. Como outros economistas britânicos da Escola
de Manchester, ele acreditava que era melhor comercializar e prosperar do que fazer a
guerra. Se estamos interessados em ficar mais ricos e melhorar o bem-estar dos
cidadãos, asseverou Gobden, então o mais indicado é a paz (2000: 51-52). Em 1840,
8
Lenine, V.I. Imperialism: The Highest Stage of Capitalism. Nova Iorque. International
Publishers. 1977. p. 119.
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forneceu uma boa expressão da visão clássica ao afirmar: «Podemos preservar o mundo
da realidade da guerra e acredito que o mundo conseguirá fazê-lo através do comércio»9.
As concepções clássicas marxista e liberal são opostas na sua visão acerca do
relacionamento entre guerra e capitalismo, mas aproxima-se ao localizarem as causas da
guerra na política interna e, especialmente, na natureza do sistema económico.
Portanto, Rechard Rosecrancer, em sua obra “The Rise of the Trading State”
acentua a seguinte visão liberal: «O que é interessante e diferente acerca do mundo
desde 1945 é que uma estratégia pacífica de comércio está a desfrutar de uma eficácia
muito maior do que alguma vez no passado. Através de mecanismos de desenvolvimento
industrial-tecnológico e de comércio internacional e podem realizá-lo enquanto outros
estados também beneficiam com a intensificação do comércio e crescimento que a
cooperação económica torna possível»10.
Infelizmente, a retórica do movimento antimundialização (antiglobalização) tende a
opor a democracia ao mercado, a lei da cidade ao capitalismo, como se a liberdade do
comércio tivesse algo de criminoso ou ditatorial. No plano de princípios, ela parece
esquecer que a liberdade de expressão, a propriedade privada e a possibilidade de nos
dedicarmos à actividade económica da nossa escolha – pela mesma razão – são
reconhecidos como direitos do homem em todas grandes declarações (a francesa, a
americana e a da ONU) e que, em geral, os regimes políticos que autoritariamente
atacaram a propriedade privada aboliram todas as outras liberdades. No plano dos factos,
um estudo atendo da situação neste planeta mostraria que, em geral, a economia de
mercado é mais próspera nos países democráticos e com liberdade política do que nas
ditaduras (ou nas culturas fechadas) e isto tanto mais quando a tradição democrática é
antiga e bem segura. Uma lei cívica com vigor – um Estado de direito incontestado – é a
condição sine qua non para o desenvolvimento dos mercados: respeito dos contratos,
protecção da propriedade, combate à criminalidade. Ao contrário, a corrupção, a ditadura
e o poder das máfias desencorajam o crescimento económico. Nos lugares em que o
9
Nota do autor: Richard Gobden, cit. Kenneth N. Waltz, Man, the state, and War: A
Theoretical Analysis, Nova Iorque, Columbia University Press, 1959, p. 104.
10
Nota do autor: Rechard Rosecrancer, The Rise of the Trading State: Commerce and
Conquest in the Modern World, Nova Iorque, Basic, 1986, p. ix.
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poder público só funciona em proveito de uma burocracia, de uma súcia militar, de um clã
ou de uma qualquer feudalidade, quando o governo não tem contas a prestar acerca da
sua gestão ou da sua acção legislativa e judicial, os investidores e os cérebros fogem. Em
contrapartida, a liberdade política (necessariamente garantida pela lei) e a abertura
cultural inspiram confiança. Encorajam o espírito de iniciativa e a circulação de
informações, necessários à vida económica. No princípio do século XXI, um Estado de
direito forte e democrático de forma alguma se opõe ao capitalismo ou à economia de
mercado, são aliados um do outro (Lévy, 2002: 159-160).
O significado mais profundo do movimento contemporâneo de globalização é a
reunificação e segurança humana. O extraordinário crescimento técnico, económico e
demográfico por que passamos solta, de certo modo, o grande grito afirmativo, o «sim»
planetário da humanidade, criador, pensante, comunicante, produtor e comerciante
conquistou a sua potência mundial11.
2. Conflitos: Noções, Tipologia e Vias de Solução e
Controle
Embora os conflitos, designadamente as lutas armadas, «constituam um flagelo
que até hoje se encontra associado a todas as formas de sociedades, de Estados e de
organizações políticas e ideológicas» (Bouthoul, 1966: 26), praticamente só a partir do
início da segunda metade do século XX, em virtude da ameaça de uma guerra nuclear e
da proliferação de conflitos regionais, se uma investigação concernente ao estudo da
natureza dos conflitos, das suas características, das estratégias e processos de resolução
e do aproveitamento das situações conflituosas que envolvem a utilização de material
bélico e o emprego de forças armadas.
Um dos pioneiros no estudo dos conflitos foi o professor Quincy Wright que
organizou investigações sobre a guerra enquanto fenómeno social, cujos trabalhos foram
reunidos em 1942 na importante obra «The Study of War».
11
Cfr. Lévy, Pierre. Cyberdemocracia. 1.ª ed. Editions Odile Jacob. Lisboa. 2002. pp. 159-
168.
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Os estudos sobre a problemática dos conflitos mostram-nos que tem sido utilizada
terminologia diversa e diferente para retratar as situações de antagonismo e
conflitualidade entre dois ou mais protagonistas internacionais, falando-se em conflitos
ideológicos, guerras económicas, conflitos revolucionários, guerras religiosas, conflitos
regionais, guerras de civilizações, etc.; ou utilizando-se as designações de crise, tensão,
diferendo, litígio, conflito ou guerra, para fazer referência a diferentes graus de
conflitualidade intranacional e internacional.
2.1. Noções de conflito
Nos dicionários de Língua Portuguesa encontramos diversas noções de conflito
tais como: «encontro de elementos ou coisas que se opõem»; «discussão, por vezes
acompanhada de injúrias e ameaças»; «oposição entre autoridades que disputam entre si
um direito»; «oposição violenta»; «luta entre potências ou países»; «contenda entre duas
potências que disputam o mesmo direito, recorrendo, para tal, à utilização de material
bélico».
António José Fernandes sublinha a existência, portanto, de diferentes definições de
conflito, na medida em que respeitam a conflitos de interesses pessoais, a conflitos
jurídicos, a conflitos entre sociedades politicamente organizadas. Porém, na terminologia
internacional utiliza-se normalmente o termo conflito para referenciar as situações
conflituosas onde se praticam atos violentos com intervenção de forças militares e recurso
a material bélico (2011: 19).
A nível internacional, a existência de interesses divergentes, de natureza política,
ideológica, estratégica e económica, implica não somente uma competição, por vezes,
muito viva, mas também situações de conflito. A passagem da competição à crise, ao
diferendo, ao litígio e ao conflito surge quando um dos protagonistas internacionais,
dotado de poder de coagir, entende impor a sua vontade, usando formas de
constrangimento e ou violando o direito estabelecido. E as condições de conflito estão
criadas a partir do momento em que os outros actores internacionais não aceitam este
comportamento (Fernandes, 2011: 19).
No entanto, esta problemática envolve uma questão teórica que resulta do facto de
que, em política internacional, as noções de conflito e de cooperação não se excluem
reciprocamente. Na cena internacional, a política externa dos Estados não se situa num
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clima de oposição entre a cooperação e o conflito. A própria existência de interesses e
objetivos que implicam um risco grave de conflito entre Estados pressupõe e exige
mesmo um certo nível de cooperação entre eles.
Esta relação dialética singular entre cooperação e conflito, em política
internacional, oferece a melhor explicação das flutuações ocorridas nas relações
diplomáticas entre os Estados, mantendo entre si as relações consulares.
Paz e guerra são dois termos em situações de contrariedade, de oposição. Um
costuma explicar-se pelo outro. Quando há guerra não existe paz, e se vivemos em paz é
porque não existe guerra.
Zbigniev Brzezinski acentua que a informalidade ocupa assim o espaço preenchido
pela formalidade e as contendas desenvolver-se-ão com maior acuidade e sob a capa de
anonimato decorrente da instabilidade geopolítica e das divergências étnicas e religiosas
(1999: 15).
No enquanto, o desenvolvimento das pesquisas com vista a preservação da paz
está ligado aos estudos sobre as guerras, sendo estas ser considerados como um meio
de favorecer aquela. E o perigo reside no facto de os estudos sobre as guerras vierem a
ser desviados do seu objetivo – a preservação da paz – e poderem ser utilizados para
preparar a guerra. Contudo, parece-nos que o desenvolvimento da investigação sobre as
causas e características dos conflitos podem ajudar a definir estratégias de resolução dos
mesmos e evitar que estes degenerem em guerra aberta, já que normalmente se recorre
à guerra para resolver conflitos existenciais entre nações constituídas em Estados ou para
jugular conflitos intraestatais (entre governos e fações ou grupos étnicos) que lutam pela
posse do território e pela conquista do poder (Fernandes, 2011: 20).
As consequências que se deduzem destes conceitos são extremamente
importantes, mesmo no plano prático.
2.2. Tipologia dos conflitos
Sublinhamos que a palavra conflito é utilizada com significações diversas. Tanto
pode respeitar a dissensões interpessoais e a diferendos interinstitucionais, como pode
referir-se a litígios diplomáticos entre governos ou a luta armada entre Estados. E daí que
as tentativas de classificação dos conflitos que envolvem duas ou mais sociedades
politicamente organizadas, e não os conflitos interpessoais e interinstitucionais.
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As tipologias dos conflitos internacionais têm obedecido a diferentes perspetivas
teóricas de análise e assentam em critérios distintos. Alguns autores baseiam-se nas
características dos conflitos para elaborar uma classificação; e outros enumeram os
conflitos em função das causas que presumivelmente lhes estão na origem (Fernandes,
2011: 21).
Robert Bosc, depois de referir que um dos primeiros sociólogos da guerra,
Novicow, distinguia quatro formas de luta das sociedades pela existência (fisiológica,
económica, política e intelectual) e contava que as lutas fisiológicas pela sobrevivência
tendiam a desparecer e mesmo as guerras económicas pela acumulação e apropriação
das riquezas seriam, cada vez mais rapidamente, substituídas pelas guerras políticas de
conquista, de anexação e de prestígio, e pelas guerras ideológicas, religiosas ou
revolucionárias, identificou três tipos de conflitos internacionais (1965: 78-79):
1.
Os conflitos ideológicos, onde a luta pelos ideais e pelo modo de vida
é preponderante, sem excluir outros aspetos, eram produtos de rivalidades LesteOeste.
O mundo capitalista e o mundo comunista lutavam menos para conquistar território
do que para possuir o coração dos homens, isto é, para atrair os homens para a sua
escala de valores moldada pela respectiva concepção do mundo e da vida. Onde existe
este tipo de conflitos, não é possível um compromisso no plano das ideias (Fernandes,
2011: 21).
2.
Os conflitos de interesses, em que os interesses económicos ou
políticos estão em primeiro plano, são típicos de guerras clássicas por um território,
por uma riqueza natural, por uma fronteira.
O problema das fronteiras físicas tem constituído também objecto de lutas
sangrentas: outrora na Europa, mais recente no Médio Oriente, na Ásia e na África. Ao
contrário dos conflitos ideológicos, os conflitos de interesses podem ser equilibrados pelo
estabelecimento de compromissos: os bens materiais repartem-se mais facilmente do que
as ideias (Fernandes, 2011: 22).
3.
Os conflitos revolucionários, característicos das guerras de
emancipação nacional e colonial, apresentam a originalidade de serem
simultaneamente conflitos de interesses e conflitos ideológicos.
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Os conflitos revolucionários são, pois, os mais difíceis de resolver pacificamente,
porque, excluem, à partida, a tolerância e o compromisso. A guerra da Argélia, a revolta
de Mau-Mau no Quénia ou de Fidel Castro em Cuba e as guerrilhas de Mao Tse-Tung na
China os movimentos anticolonialista em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, são tipos
perfeitos da guerra revolucionária (Fernandes, 2011: 22).
Por sua vez, S. P. Huntington, baseando-se nas características dos conflitos,
distingue as guerras civilizacionais dos outros tipos de conflitos comunitários, discorrendo
da seguinte modo: «os conflitos civilizacionais são conflitos comunitários entre Estados.
As guerras civilizacionais são conflitos desse tipo que se tornaram violentos. Estas
guerras podem ocorrer entre Estados, entre grupos não-governamentais e entre Estados
e grupos não-governamentais. (…). Os conflitos civilizacionais são, por vezes, lutas pelo
controlo da população. Contudo, na maior parte das vezes, são lutas pelo controlo do
território (…). As guerras civilizacionais apresentam algumas características comuns com
as guerras comunitárias em geral. São conflitos prolongados (…). Envolvendo questões
fundamentais da identidade e do poder do grupo são difíceis de resolver por via da
negociação ou do conflito (…). Embora as guerras civilizacionais têm em comum com as
outras guerras comunitárias a duração prolongada, altos níveis de violência e
ambivalência ideológica, diferente delas de dois modos. Primeiro, as guerras comunitárias
podem ocorrer entre grupos étnicos, religiosos, raciais ou linguísticos. Contudo, dado que
a religião é a principal característica definidora das civilizações ocorrem quase sempre
entrepovos de religiões diferentes (…). Segundo, as guerras comunitárias tendem a ser
particularistas, e como tal, é muito pouco provável que alastrem e venham a envolver
outros participantes. Em contrapartida, as guerras civilizacionais ocorrem, por definição
entre grupos que pertencem a entidades culturais mais vastas» (1999: 297-298).
Recorrendo ao carácter dimensional dos conflitos, Gonidec (1997: 425),
apresentou uma tipologia dos conflitos internacionais com base na quantidade e
qualidade dos grupos envolvidos no conflito, na extensão geográfica com este abrangida
e na dimensão do objeto do conflito e dos meios utilizados pelos protagonistas, por
exemplo, dois ou vários intervenientes, por um lado, e Estados, organizações
internacionais, sociedades multinacionais e grupos organizados, por outro.
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Se atender à extensão geográfica coberta pelos conflitos, pode-se distinguir os
conflitos internos com dimensão internacional dos conflitos internacionais propriamente
ditos.
Os conflitos internos são, em princípio, excluídos do domínio internacional, em
virtude de constituir um assunto interno. No entanto, hoje, parece ser evidente a realidade
internacional da maior parte dos conflitos internos. O aparecimento e a multiplicação de
movimento de libertação nacional e a intervenção, aberta ou clandestina, imposta ou
solicitada, de potências estrangeiras nas lutas de libertação e independência, tornaram
evidente a dimensão internacional de muitos conflitos internos (Fernandes, 2011: 24).
Quanto aos conflitos internacionais propriamente ditos, o critério geográfico permite
distinguir entre conflitos locais, regionais e planetários. Este critério facilita apreciar
também a gravidade dos conflitos e possibilita determinar, em certa medida, as instâncias
qualificadas para tentar encontrar a sua solução.
O critério relativo ao objecto dos conflitos permite distinguir os conflitos jurídicos
dos conflitos políticos (distinção que interessa sobretudo aos processos de resolução); e
permite também distinguir os conflitos em função dos antagonistas. Os conflitos podem
preservar o essencial do «statu quo» ou introduzir uma transformação de ordem
qualitativa. Esta distinção reveste-se de grande importância, porque permite entender a
diversidade das reacções perante os conflitos (Fernandes, 2011: 25).
Este critério permite, ainda, distinguir os conflitos que têm um objecto preciso e
ilimitado, cujas pretensões são nitidamente afirmadas, dos conflitos que têm um carácter
mais vago, mais difuso, e que podem abranger uma série de questões e problemas.
O critério concernente aos meios utilizados pelas partes em confronto permite
avaliar a intensidade dos conflitos internacionais, bem como o seu carácter legal ou ilegal.
Geralmente, a atenção é polarizada pelos conflitos que envolvem a força armada ou a
ameaça do emprego da força armada. Porém, existem outros meios de fazer a guerra;
isto é, há felizmente muitos conflitos internacionais que não comportam o recurso ao
emprego de forças armadas e à utilização de material bélico.
Silviu Brucan (1977: 101 e segs.), baseando-se na análise da natureza dos
conflitos, identificou os seguintes tipos de conflitos internacionais:
1.
Conflitos suscitados pelo jogo das grandes potências, pelas
rivalidades estratégicas e pela evolução do recurso ao armamento;
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2.
Conflitos engendrados pelas diferenças de superfícies, de
poderio militar, de população, etc., entre as nações;
3.
Conflitos resultantes de situações, criadas há longa data, de
dependência e dominação devidas às diferenças de níveis de
desenvolvimento económico e técnico;
4.
Conflitos derivados da oposição entre sistemas e edeologias
socioeconómicas divergentes;
5.
Conflitos causados pelas mutações sociais ou pelas guerras
civis nas quais estão implicadas potências estrangeirais;
6.
Conflitos provocado por um litígio entre dois países em
circunstâncias particulares.
Silviu Bucan observou que «à medida que prosseguem os estudos demostrou-se
cada vez mais claramente que estes diferentes tipos de conflito não podem ser
considerados isoladamente, porque põem em evidência pontos de encontro e interacções
entre as diferentes causas dos conflitos, de tal sorte que, na maior parte dos casos, os
conflitos reais representam uma combinação de dois ou três tipos».
Não sendo possível determinar corretamente as causas que estão na origem dos
conflitos internacionais, podendo a sua evolução alterar o seu carácter dimensional, as
tipologias atrás explicitadas são passíveis de críticas:
a)
Do ponto de vista científico, é difícil distinguir os conflitos de
interesses dos conflitos ideológicos, na medida que o conceito de ideologia
compreende uma certa conceção do mundo e da vida assente numa escala de
valores que implica a defesa de interesses específicos;
b)
Não é fácil distinguir os conflitos civilizacionais dos conflitos
comunitários;
c)
É mais difícil distingui-los dos conflitos revolucionários e dos conflitos
religiosos;
d)
Não é fácil separar os conflitos resultantes da oposição entre
sistemas e ideologias socioeconómicas divergentes dos conflitos suscitados pelo
jogo das grandes potências, pelas rivalidades estratégicas e pela evolução do
recurso ao armamento;
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e)
Muito mais difícil é ainda, separar os conflitos jurídicos dos conflitos
políticos, já que todos os conflitos internacionais são indissociáveis de opções
políticas. Aliás foi o próprio Carl von Clausewitz que definiu a guerra como «a
continuação da política por outros meios». Axioma que Vladimir Ilitch Lénine
transformou em «a política é a continuação da guerra por outros meios», e que
encontrou a sua última versão na definição de Joseph Stálin: «a política é a
preparação da guerra».
Os conflitos são, pois, fenómenos sociais muito complexos, que resultam sempre
de uma decisão (acto político), comportam vários elementos e apresentam
simultaneamente várias aspectos. Conforme sublinhou Gaston Bouthoul (1966: 24),
«cada guerra é ao mesmo tempo, política, porque os governos nele desempenham um
papel, - religiosas, porque nas guerras interferem, de uma maneira ou de outra, crenças,
dogmas e princípios, - demografia, porque a guerra utiliza massas humanas, e, quanto
mais não seja, deixa rastos nas estatísticas da mortalidade, - económica, porque não há
guerra sem deslocação e destruição de riquezas, mesmo quando entre os contendores
não exista uma prévia rivalidade económica. Em vão se buscaria um exemplo de conflito
de alguma importância que não apresente todas as características».
Por conseguinte, não é fácil distinguir objetivamente uns conflitos dos outros com
base nas suas características ou nas causas que presumivelmente estão na sua origem.
Por isso, o único critério cientificamente válido para classificar os conflitos parece se
aquele que permite distingui-los em função da sua extensão geográfica e o número de
interveniente de forma dinâmica, parecendo-nos plausível a distinção entre conflitos
locais, conflitos regionais e conflitos mundiais ou planetários.
2.3. Vias de solução e controle dos conflitos internacionais
A problemática da resolução dos conflitos internacionais engloba: i) às vias de
solução e controlo dos conflitos, ii) aos intervenientes nos processos e iii) aos meios e
técnicas utilizados.
Na etapa contemporânea, o recurso à guerra para punir uma violação dos direitos
e liberdades ou para tentar dominar a violência organizada é impensável, torna-se
necessário encontrar vias de solução pacífica das controvérsias internacionais para evitar
que las degenerem em guerras declaradas. E mesmo se a evolução dos conflitos chega
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ao extremo da utilização das forças armadas, mais necessário se torna ainda procurar
vias de solução pacífica, em conformidade com as prescrições da Carta das Nações
Unidas.
Por outro lado, a tentativa de solucionar pacificamente os conflitos implica
compreender as estratégias e os processos de resolução de conflitos internacionais: a) a
escolha de determinada via; b) a opção por este ou aquele mecanismo de resolução; e c),
consequentemente, determina a natureza dos intervenientes no processo de solução.
Não obstante os filósofos, os juristas, os sociólogos e os politólogos entenderem,
muitas vezes, a guerra como um instrumento necessário ao progresso, ou como último
argumento contra a injustiça, tentaram sempre, ao longo da história, controlar, limitar ou
solucionar os conflitos internacionais, sem utilizar, ou aumentar, o emprego da forma
armada.
“Duas vias, então, se lhes depararam: uma consiste em reduzir as manifestações
de violência às regras de direito e da moral; a outra tem por objecto submeter os conflitos
à análise sociológica dos factores que provocam a sua eclosão e desenvolvimento”
(Fernandes, 2011: 50).
A via de redução das manifestações de violência às regras de direito e da moral
deu origem a uma teoria moral da guerra justa e a uma doutrina jurídica da guerra,
prosseguida com a convicção de que a renovação do direito internacional e da diplomacia
e o desenvolvimento de uma educação política permitirão solucionar e controlar mais
eficazmente os conflitos internacionais. Os defensores desta via, rejeitando o dogmatismo
defendem a possibilidade de empreender uma acção combinada para construir uma
comunidade internacional dotada de um aparelho institucional capaz de limitar a violência,
observando o cumprimento da lei e na sua aplicação pela ONU e os Tribunais
internacionais.
A via de submissão dos conflitos à análise sociológica dos factores que provocam
a sua eclosão e desenvolvimento defendida pela «escola behaviorista» entende que a
solução dos conflitos deve partir de uma análise das razões da sua origem e dos
condicionalismos da sua evolução.
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O controlo científico dos conflitos, defendido pelo «Journal of Conflict Resolution 12»
e a «Teoria da Paz» de John W. Burton são as expressões mais relevantes da «escola
behaviorista» no que respeita ao controle e soluções dos conflitos internacionais.
A partir da formulação do sociólogo Walter Goldstein, segundo a qual «Como pode
ser suficientemente estabilizado ou remodelado o sistema global das relações
interestaduais de modo a que as disputas entre as nações possam ser resolvidas sem
recorrer à violência anárquica?», John W. Burton, utilizando a técnica behaviorista para
criticar os métodos tradicionais do direito internacional em matéria de prevenção ou de
limitação dos conflitos concluiu que:
a)
O desastre repetido dos sistemas de equilíbrio do poder ou da
segurança colectiva resultas de um desconhecimento da natureza dos conflitos
internacionais;
b)
Os métodos de constrangimentos que se procura impor copiam
demasiado servilmente os de um polícia, não estando adaptados ao sistema
internacional; e
c)
Está em curso uma transformação revolucionária no plano das
realidades políticas internacionais perante a ameaça nuclear, os homens estão
preste a controlar as crises internacionais.
A ideia fundamental da sua «Teoria da Paz» é a de que o constrangimento
imposto, quer por uma organização internacional, quer por cada nação ou grupo de
12
O «Journal of Conflict Resolution», editado pela Universidade de Michigan nos EUA,
desde 1956, serve de tribuna para a divulgação das pesquisa sociológica sobre os
conflitos, onde desenvolve-se um esforço coerente e metódico para submeter as guerras
e as tensões internacionais a uma análise racional. Os investigadores desta Universidade
depositam uma confiança limitada nas OI (ONU), alegando que estas instituições foram
criadas
prematuramente
sem
conhecimento
profundo
das
condições
do
seu
funcionamento e, por isso, não acreditam na possibilidade do êxito de eventuais
autoridades internacionais. Cf. Fernandes, António José. Conflitos e Paz Mundial: A
Importância da ONU. 1.ª ed. Quid Juris? Lisboa. 2011. pp. 50-51.
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nações, não ataca os problemas dos conflitos pela raiz. É preciso ir à própria fonte do
conflito, procurar as condições nas quais se desenvolve. Por isso a acção a empreender
contra o desenvolvimento dos conflitos não deve ser confiada às OI, mas ser uma função
das políticas externas: é a nível das políticas nacionais que o problema se deve ser
colocado e resolvido (Fernandes, 2011: 51).
Normalmente, um conflito nasce da resistência oposta por uma sociedade política à
mudança que o outro grupo político procura introduzir e impor nas RI existentes.
Para que haja paz é necessário a verificação de duas condições favoráveis: a)
vontade e possibilidade de aceitar as mudanças; b) as políticas de defesa sejam
conduzidas de tal modo que não possam provocar reacções agressivas.
Nesta perspectiva, concordamos com António José Fernandes (2011: 52-53) ao
sublinhar a sintetização da «Teoria da Paz» de John Burton, que consubstancia-se na
forma seguinte:
«Parece-nos que a humanidade chegou a uma etapa do seu desenvolvimento que
pode ser caracterizada do seguinte modo:
a)
Os conflitos, ou pelo menos a maior parte dos conflitos internacionais,
são provocados mais por frustrações e injustiças do que pelas tendências
irracionais, ou naturais, à agressão e à própria luta armada.
b)
Existe hoje, em teoria, senão mesmo na prática, uma compreensão e
uma aceitação dos apelos feitos pelas outras nações a favor da justiça, da
igualdade racial e de outros valores sociais semelhantes. Neste ponto, a nossa
época difere das épocas anteriores.
c)
As estruturas e os processos da organização nacional e internacional,
elaborados com vista a preservar o “status quo”, tendem a impedir as mudanças,
mesmo quando parecem politicamente aceitáveis.
d)
As armas nucleares tornaram impraticável o emprego dessas
estruturas e processos de constrangimento; e a investigação sociológica mostrou
que esses meios eram inadaptados e ineficazes para estabelecer relações
internacionais pacíficas.
e)
Todavia, os processos adaptados às mudanças não estão
desenvolvidos e há um atraso das estruturas em relação à reflexão sociológica.
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O método behaviorista, aplicado às relações internacionais, tende a pôr em
evidência a inevitabilidade da mudança, a necessidade de adaptação à mudança e a pôr
em prática estruturas e processos, que não bloqueiem a mudança, que não provoque a
frustração de onde brotam os conflitos, mas ao contrário, que facilitem adaptação. O
método põe em questão as estruturas actuais da sociedade nacional e internacional, que
procuram conservar as posições estratégicas ou outras por meio de forças, de equilíbrio
de forças e de forças de dissuasão. A partir da concepção tradicional de soberania, cada
nação tem o direito de decidir a sua própria política e de proteger os seus próprios
interesses, sem considerar os efeitos desta política sobre outros Estados. A questão não
é negar esse direito num mundo composto de Estados soberanos e independentes. No
entanto, quando o direito e exercido sem ter em conta as reacções dos outros, é provável
que se desenvolvam situações de conflito, nas quais os interesses a proteger serão na
realidade destruídos. Toda a concepção de defesa nacional contra a competição dos
outros Estados, e toda a estrutura da organização internacional, fundada em alianças e
equilíbrios de poder, com vista a manter o “status quo”, estão em contradição, tanto com
os dados da ciência dos comportamentos (behaviorismo), como com as realidades da
idade nuclear.
Poder-se-ia sustentar que a fonte é possível e a causa mais plausível de uma
guerra aberta no mundo de hoje é a persistência de política e de estruturas (aliança,
segurança colectiva) tradicionalmente utilizadas para impedir que deflagrem conflitos. De
facto, elas impedem que os conflitos sejam resolvidos espontaneamente no exercício
normal das competições entre as nações. Essas políticas e estruturas, baseada na
esperança errada de uma integração social crescente, estão cada vez mais inadaptadas
às condições actuais e são ineficazes.
A paz é uma situação na qual ocorreu ou a absorção das mudanças, ou pelo
menos uma reacção protectora, mas não a violência. (1962, 97 e segs.)».
O mérito da «escola behaviorista» consiste na denúncia do equívoco de um certo
juridismo e de um certo naturalismo, que se remetem a uma dialéctica da lei e di poder,
do direito e da força, para limitar empiricamente os conflitos internacionais. No entanto, a
sociologia behaviorista não evita os dois obstáculos onde chocaram sempre as teorias do
direito natural: uma tendência a dogmatizar seja o que for. Quer dizer que o behaviorista
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também sede as tentações do juridismo abstracto e do naturalismo empirista, que tanto
pretende combater em nome da ciência (Fernandes, 2011: 53).
Desta maneira, a complexidade crescente da vida internacional e a consequente
proliferação de diversas espécies de conflitos implicam a necessidade de recorrer à
análise sociológica dos conflitos e às regras do direito e da moral que norteiam a
convivências social internacional.
Assim, para solucionar e controlar os conflitos internacionais exige: a) à vontade
dos Estados, dado que as políticas nacionais são influenciadas por concepções diversas
e, por vezes, antagónicas do mundo e da vida; b) às Organizações e aos Tribunais
internacionais para garantir o respeito pelas regras de convivência definidas e aceites
pela comunidade internacional e para evitar que as políticas externas de um ou de alguns
Estados se sobreponham às dos outros.
2.4. Papel dos Estados e Organizações Internacionais na
resolução dos conflitos
Comummente, os conflitos podem ser resolvidos pelos próprios antagonistas ou
por terceiros, mas, na prática, é frequente a intervenção de terceiros juntamente com os
antagonistas para solucionar o mesmo conflito. No entanto, existem casos em que a
intervenção de terceiros, mesmo animada de boas intenções, é dificilmente suportada.
Em certos casos os antagonistas não aceitam que terceiros intervenham no conflito, de
maneira que não há outro remédio senão abandonar a sua solução ao egoísmo dos seus
próprios interesses. E não se vê muito bem como os terceiros poderão influenciar a
resolução de um eventual conflito entre os EUA, e a Rússia ou entre os EUA e a China 13.
Na verdade, o direito e a prática criaram processos que facilita a intervenção de
terceiros, que pressupõe, em regra, um mínimo de consenso entre os antagonistas,
apesar das divergências e da oposição dos seus próprios interesses, para aceitar que os
terceiros intervenham na resolução de um determinado conflito, ou seja, para tentar
aproximar as duas partes e levá-las a aceitar a solução mais adequada e razoável.
13
Fernandes, António José. Conflitos e Paz Mundial: A Importância da ONU. 1.ª ed. Quid
Juris? 2011. p. 54.
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Portanto, o principal papel na resolução dos conflitos internacionais cabe aos
terceiros, todavia, a qualidade e as funções dos intervenientes que pertencem à categoria
de terceiros depende do carácter das intervenções:
a)
“Se as intervenções são de carácter político, os intervenientes podem
ser as organizações internacionais ou os representantes dos Estados;
b)
Se as intervenções são de carácter jurídico, os intervenientes são os
membros de jurisdição internacional.”
As OI de carácter político que têm competência para analisar qualquer questão que
circunscreve ao espaço geográfico do seu âmbito de acção poderá desempenhar um
importante papel na resolução de conflitos internacionais por via pacífica, como a OEA,
ONU e UA.
A CNU e as cartas de numerosas OI formulam o princípio da interdição do recurso
à força e impõem, por consequência, aos Estados a resolução pacífica dos seus
diferendos. A Assembleia Geral e o Conselho de Segurança das Nações Unidas detêm
competências em matéria de regulamentação das soluções dos conflitos internacionais.
Achamos necessário concentrar mais nas causas dos conflitos do que na “luta
contra o fogo depois de se constatar um sinal de incêndio”, pois a tomada de consciência
de que certas formas de violência são geradas pela própria estrutura da comunidade
internacional e, em consequência, a eliminação da violência pressupõe um ataque às
suas fontes para tomar medidas preventivas contra a eclosão e desenvolvimento dos
conflitos existentes.
Nesta perspectiva, os representantes dos Estados têm um importante papel a
desempenhar para evitar que a paz e a segurança internacionais sejam ameaçadas.
Aliás, «em certos casos, as grandes potências já não aceitam desempenhar um papel
secundário nas operações destinadas à manutenção da paz; com toda a evidência, as
superpotências aperceberam-se cada vez mais que é do seu interesse comum moderar
as acções coercitivas. Não se deve esquecer que a manutenção da paz a
regulamentação de uma confrontação armada mais dos que a procura de uma solução
para o conflito subjacente» (Oran Young, 1968: 243).
A evolução da política internacional caracteriza-se pelo facto de o elemento militar
do poder preponderante durante o período da GF ter dado prioridade aos elementos
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económico, político e diplomático, deixou de ser possível utilizar as forças armadas para
reprimir desobediências económicas dos Estados.
O mundo é cada vez mais interdependente e as consequências de um conflito
reflectem-se praticamente em todos os povos. Daí que os Estados, particularmente as
grandes potências, envidem todos os esforços para evitar que surjam novos diferendos e
para solucionar ou limitar os conflitos que põem em causa os seus interesses
fundamentais (Fernandes, 2011: 60-61).
O recurso á diplomacia tornou-se evidente. Cada vez é mais a intervenção dos
chefes de Estados de terceiros Estados para tentar aproximar as partes num conflito, a
fim de encontrarem fórmulas de resolução. E quando se verificam ocorrências que podem
desencadear um novo conflito, representantes dos governos e diplomatas dos países que
têm grandes responsabilidades internacionais logo procuram evitar que tal venha a
acontecer (Fernandes, 2011: 60-61).
Nas actuais circunstâncias do desenvolvimento das RI, os representantes dos
Estados têm um importante papel a desempenhar na prática para a prevenção de
eventuais novos desentendimentos e dissensões e a solução e controle dos conflitos
internacionais existentes.
2.4.1. Importância dos Tribunais Internacionais
Sabemos que, a solução de um conflito implica que os antagonistas consintam, de
um modo ou de outro, a intervenção de terceiros, tanto no plano político-diplomático,
como no plano jurisdicional. Em matéria de arbitragem seja qual for o processo utilizado é
necessário sempre o consentimento dos Estados em litígio para que esse processo
intervenha, resultante de conclusão de convenções internacionais bilaterais ou
multilaterais.
A conclusão de um certo número de convenções relativas à resolução pacífica dos
conflitos tem efeitos do desenvolvimento do DI de maneira que os Estados que aceitaram
a resolução pacífica dos diferendos internacionais têm a obrigação de recorrer aos meios
de resolução por elas previstas e a necessidade de garantir o respeito das regras
convencionadas suscitou a criação dos Tribunais Internacionais para assegurar a solução
jurídica das controvérsias internacionais, quer se recorra ao processo de arbitragem, quer
à solução judicial.
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Nesta veste, as instituições, as instâncias e os mecanismos de solução jurídica das
controvérsias internacionais são: a) Tribunal Internacional de Justiça (TIJ); b) Tribunal de
Justiça Europeu (TJE), e c) Tribunais Penais Internacionais (TPI).
2.4.1.1. Tribunal Internacional de Justiça
A Carta das Nações Unidas criou, em substituição do Tribunal Permanente de
Justiça Internacional instituído por um tratado em 1921, o TIJ com sede em Haia, como o
principal órgão judicial das Nações Unidas, cujo Estatuto é parte integrante da Carta.
O TIJ é composto por quinze juízes, magistrados independentes, eleitos por nove
anos pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas de uma
lista de pessoas apresentada pelos grupos nacionais, que procedem à eleição dos
magistrados independentemente um do outro.
Os membros do TIJ, sem atender às suas nacionalidades, são escolhidos em
função da competência, o Tribunal não pode compreender mais do que um representante
do mesmo Estado. Poderão ainda, fazer parte do Tribunal um ou dois juízes «ad hoc»,
nomeados pelas partes quando ali não tenham assento juízes da sua nacionalidade.
Todos os Estados-partes do Estatuto têm completa liberdade para apresentar
questões ao TIJ e os demais podem levar questões ao Tribunal em condições de fixadas
pelo Conselho de Segurança. Salvo excepções previstas no Estatuto, o TIJ exerce as
suas atribuições em sessões plenárias, cujo quórum de nove membros ser suficiente para
se tornarem decisões definitivas. O TIJ funciona também em Câmaras, que se destinam a
selecionar determinadas categorias de questões, ou a julgar um processo sumário
quando as partem o solicitam.
As decisões do TIJ são tomadas pela maioria dos juízes presentes. Em caso de
empate de votos, o voto do presidente ou do seu representante é preponderante.
O TIJ tem duas competências:
a)
«Consultiva»: consiste em dar pareceres, a solicitação dos órgãos
das Nações Unidas e das instituições especializadas.
b)
«Contenciosa»: reveste-se de carácter jurisprudencial para julgar
querelas entre os Estados. A competência estende-se a todas questões que lhe
são submetidas pelos Estados e a todos os casos previstos na Carta das Nações
Unidas ou nos tratados e convenções vigentes nos termos do art.º 38º ETIJ.
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Os Estados podem antecipadamente aceitar a jurisdição do TIJ em casos especiais
mediante: a) a assinatura de um tratado ou uma convenção que prevê a intervenção do
tribunal; e b) fazendo uma declaração especial para esse efeito. Os Estados podem fazer
reservas e excluir certas categorias de assuntos na declaração, pela qual aceitam a
jurisdição obrigatória do tribunal.
Para regular os diferendos que lhe são submetidos, o TIJ aplica14:
a)
As
convenções
internacionais
que
estabelecem
regras
expressamente reconhecidas pelos Estados em litígios;
b)
O costume internacional como prova de uma prática geral, aceite
como sendo regras de direito;
c)
Os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações;
d)
As decisões judiciais e a doutrina dos autores mais qualificados dos
diferentes países, como meio auxiliar de determinação das regras de direito.
O TIJ poderá decidir segundo a justiça e a equidade, se as partes interessadas
estiverem de acordo a não aplicabilidade das regras gerais do direito.
Os Estados-membros da ONU não são obrigados a submeter os seus diferendos
ao TIJ, mas, quando submetem os seus conflitos jurídicos, a obrigatoriedade consegue-se
por dois processos: a) consiste em inserir, em qualquer convenção internacional, uma
cláusula estipulando que os conflitos relativos à interpretação e aplicação dessa
convenção sejam submetidos ao TIJ; b) traduz-se na aceitação de uma cláusula incerta
no ETIJ, denominada «cláusula facultativa de competência obrigatória», pois facultativa
porque os Estados nunca são obrigados a aceitá-la, e de competência obrigatória porque,
a partir da aceitação, os Estados ficam obrigados a submeter os seus conflitos jurídicos
ao TIJ.
Em matéria de arbitragem, os Estados excluem os diferendos internacionais que
não consideram justificáveis e os que põem em causa os interesses vitais: a
independência, a honra dos Estados e os conflitos que atingem os interesses de terceiras
potências.
Embora não existir uma definição precisa do que pode ser a honra de um Estado
ou os seus interesses vitais, para determinar se a sua honra ou os seu interesses estão
14
Cfr. Art.º 38º, ETIJ.
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ou não em jogo, aceitar ou excluir a competência de uma jurisdição arbitral, «verifica-se
uma tendência nítida para atribuir a este género de reservas um carácter mais preciso.
Porém, as reservas de carácter geral concernentes à independência de um Estado não
desapareceram completamente da prática internacional»15.
A aceitação da cláusula facultativa de competência obrigatória é acompanhada de
reservas: a) cada Estado tem um poder discricionário para decidir se um determinado
problema é da sua competência nacional; b) consequentemente, aceitar ou recusar a
competência do TIJ. Aceite a intervenção, se uma das partes do litígio não cumprir as
obrigações decorrentes da decisão tomada pelo TIJ, a outra poderá recorrer ao Conselho
de Segurança para que tome as medidas adequadas a fim de fazer respeitar a decisão.
2.4.1.2. Tribunal de Justiça Europeu
Em 18 de Julho de 1951, foi criado pelo Tratado de Paris o TJE. A sua esfera de
acção foi alargada depois da assinatura dos tratados de Roma, em 25 de Março de 1957,
e da vigência dos Tratados de Maastricht, de Amesterdão, de Nice e de Lisboas,
denominados por Tratados Reformadores.
No TJE os Estado-membros da EU não têm a faculdades de opção pelo facto de
serem membros, são obrigados a aceitar a competência do Tribunal, ao contrário do que
sucede com o TIJ, onde vincula a «cláusula facultativa de competência obrigatória».
Os diferendos entre os Estados-membros da EU relativos à interpretação e
aplicação dos tratados comunitários e das leis decretadas para os executar são
obrigatoriamente resolvidos pelo TIJ. Isto equivale dizer, a resolução de litígios
internacionais europeus, entre Estados-membros ou entre estes e as instituições da EU,
que decorrem da aplicação dos tratados originários e reformuladores e da sua
regulamentação, são da alçada obrigatória do TJE, como órgão judicial competente da
EU.
O TJE é composto por vinte e sete Juízes provenientes do respectivo Estadomembro, por quem são nomeados por um período de seis anos, com aprovação de todos
os outros Membros-membros. No exercício das suas funções, os Juízes são assistidos
por advogados-gerais. Os Juízes e os advogados-gerais não podem exercer qualquer
15
Gonidec, P. F. Relations Internacionales. Paris. ed Mont-Chrestiem. 1977. p. 446.
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outra função pública ou privada, durante o seu mandato, remunerada ou não, em parte
alguma, colocando-os acima dos conflitos de interesses doutrinais ou nacionais.
A principal missão do TJE consiste em: a) fazer respeitar os tratados comunitários
vigentes e as respectivas regulamentações; b) julgar os pleitos e as queixas apresentadas
contra as instituições comunitárias e contra os Estados-membros ou os próprios cidadãos;
c) emitir pareceres preliminares sobre as questões que sejam apresentadas pelos
tribunais dos países membros; d) assegurar o respeito da lei e da justiça na interpretação
e aplicação dos tratados e das leis decretadas para os executar; e) accionar os
mecanismos processuais previstos e adoptar acórdãos quando solicitado pelo Estadomembro, pelo Conselho ou pela Comissão da EU, ou por pessoas singulares e colectivas
afectadas por uma decisão dos instituições comunitárias.
O TJE desempenha dois tipos de funções: a) Consultivas – consistem em emitir
pareceres sobre acordos a realizar com países ou instituições extracomunitárias e sobre
questões que lhe são apresentadas pelos tribunais dos países membros; e b)
Jurisdicionais – funções propriamente ditas do tribunal ao pronunciar-se sobre os
processos levantados pelo Estados, pelas instituições da EU e pelas sociedades ou
indivíduos na interpretação ou aplicação dos tratados comunitários, ou no conflito de
terceiros Estados com os Estados-membros, entregando estes últimos a defesa dos seus
interesses e direitos ao TJE.
As competências jurisdicionais do TJE traduzem-se em dirimir os conflitos de
interesses e os litígios entre as instituições comunitárias, os Estados-membros, a EU e os
particulares, e em resolver as controvérsias que lhe são submetidas pelas jurisdições
nacionais.
As decisões do TJE são definitivas e não podem ser contestadas em tribunais
nacionais e as suas sentenças não têm apelo para os Estados, empresas ou indivíduos
por ele condenados. Esta eficácia do TJE deve-se à sua independência total em relação à
política e aos Estados e ao seu respeito pelas cláusulas dos tratados e pelas normas do
direito comunitário derivado, que em conjunto, constituem a «ordem jurídica
comunitária16».
16
Cf. Fernandes, António José. Conflitos e Paz Mundial- Importância da ONU.1.ª ed. Quid
Juris? Lisboa. 2011. pp. 65-67.
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2.4.1.3. Tribunais Penais Internacionais
Os massacres e as atrocidades cometidas durante a II GM que fizeram milhões de
vítimas nos campos de concentração nazis 17 , suscitaram a criação do Tribunal de
Nuremberg, em 1946, para julgar os responsáveis pela perpetração de crimes de guerra
contra a paz e contra a humanidade.
O Estatuto do Tribunal de Nuremberg (ETN), que vigorou também no Tribunal de
Tóquio, com princípios adoptados em 1 de Dezembro de 1946, pela resolução especial da
Assembleia Geral da ONU, constitui um código específico do DI, que visa defender a paz
e a segurança internacional e desencorajar e prevenir os conflitos armados, consagrando
os seguintes crimes contra o DI18: a) os crimes contra a paz – agressão e todos actos
visando preparar a agressão; b) os crimes de guerra – violação do direito das gentes e
das leias da guerra, incluindo a prática de crimes contra a população civil e a destruição
de aldeias, vilas e cidades; e c) os crimes contra a humanidade – perpetrar massacres,
extermínios e persecução por razões políticas, raciais ou religiosas.
O ETN tem um alcance que ultrapassa a singularidade de quadro das
circunstâncias que estiveram na origem da criação do respectivo tribunal, pois constitui a
base dos esforços desenvolvidos para combater os crimes contra a humanidade e o
fundamento do Direito Penal Internacional para a manutenção da paz, da ordem e do
respeito da lei na comunidade mundial.
A evolução da conjuntura mundial e das circunstâncias que lhes são subjacentes
possibilitaram ao DI evoluirão ritmo das convenções que definiram e sancionaram um
certo número de crimes contra a paz e a humanidade, que Morozov classificou como:
a)
«A propaganda de guerra (condenada por uma resolução da 11.ª
sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas);
17
Nota do autor: Só no Campo de Concentração de Oswiecim, entre 1 de Maio de 1940 e
1 de Setembro de 1943, foram exterminadas 2.500.000 vítimas do Nazismo, além das
500.000 que pereceram de doenças ou de fome. In obi. cit.
18
Cf. Art. 6º do ETN
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b)
O emprego de novos meios ou de novos métodos de guerra sobre o
teatro das operações (napalm, contaminação de fontes de água potável, bombas
lançadas sobre as populações civis, experimentação de novos tipos de armas de
destruição massiva das populações civis);
c)
O genocídio (destruição sistemática das populações civis);
d)
O ecocídio (crimes que comportam consequências incalculáveis e
muitas vezes irreversíveis para o equilíbrio natural, pondo em perigo a própria
existência da humanidade);
e)
O apartheid (regime de terror que isola as populações de cor e as
priva dos seus direitos elementares);
f)
O recurso a mercenários (colocados ao serviço de regimes
colonialistas ou racistas para combater os movimentos de libertação);
g)
O terrorismo internacional;
h)
A captura de reféns e o desvio de aviões»19.
Estes crimes, independentemente do seu grau de gravidade, contribuem para
afectar as RI e constituem violações da carta da ONU. Para contrapor os crimes mais
graves e mais perigosos como a guerra agressiva, crime de genocídio e todos os meios
postos em prática para preparar “políticos, técnicos, económicos e intelectuais” na medida
em que se traduzem em crimes contra a humanidade, como crimes imprescritíveis, a
ONU criou, na última década do séc. XX, Tribunais Internacionais Específicos (TIE) à luz
do disposto no Capitulo VII da Carta das NU.
Em 25 de Maio de 1993, a ONU criou o Tribunal Penal de Jugoslávia (TPJ),
sediado em Haia, para julgar os crimes cometidos na Ex-Jugoslávia desde 1991,
considerados crimes contra a humanidade, incluindo o crime de genocídio; em 8 de
Novembro de 1995, criou o Tribunal Penal Para Ruanda (TPR), que ficou estabelecido em
Arusha (Tanzânia), funcionando também, em Kigali (Ruanda) e Nairobi (Quénia), para
julgar os crimes perpetrados no Ruanda durante o conflito de 1974.
Ambos os tribunais são constituídos por 11 juízes eleitos pela Assembleia Geral da
ONU para um mandato de 4 anos e comuns a estes tribunais funcionam um Tribunal de
19
Morozov, Gregory Igor. Les Crimes Contre L´Humanite. In La Guerra ou la Paix. Paris.
UNESCO. 1980. p. 31.
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Recurso, composto por 5 juízes e um Procurador-Geral, com competência para interrogar
os suspeitos e as testemunhas e promover inquéritos de investigação criminal. Entretanto,
a eficácia destes tribunais tem sido contestada pela falta de equipamentos e meios para
proteger as testemunhas, pois os próprios Estados se desresponsabilizam da obrigação
de procurar, prender e julgar nos seus tribunais internos os presumíveis autores dos
crimes praticados.
A par da criação do ACNUDH e TIE, em 15 de Junho de 1998, a ONU instituiu o
Tribunal Penal Internacional (TPI) com vista também a promover o respeito pelos direitos
humanos, a prevenir a violação destes e a punir crimes de guerra e crimes praticados
contra a humanidade.
A Conferência Diplomática dos Plenipotenciários das NU decidiu criar um Tribunal
Penal Internacional (TPI), que devia ser instalada em Haia, onde funcionaria
permanentemente, dotado de poderes para julgar e punir os crimes mais graves contra a
humanidade, incluindo o crime de genocídio.
O Estatuto do TPI foi aprovado na conferência de Roma, em 17 de Julho de 1998,
por 120 votos a favor, 7 contra e 21 abstenções, tendo entrado em vigor em Julho de
2002, depois de ter sido ratificado por mais de 60 Estados-partes como fora previsto,
onde destacamos os artigos 1º, 5º, 34º (Órgãos) e 36º (Composição de juízes).
O TPI funciona em Haia, podendo reunir em outros locais, actua segundo o
princípio da responsabilidade individual, aplicado de forma idêntica sem excepções a
todas as pessoas que façam parte da hierarquia governativa, ou do comando militar;
funciona como complemento dos Tribunais penais nacionais, e só intervirá se estes se
eximirem de julgar e condenar os autores dos crimes previstos no Estatuto de Roma,
como dispõe o art.º 1º «o TPI será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as
pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de
acordo com o presente Estatuto, e será complementar das jurisdições penais nacionais».
Nos termos do n.º 1, art.º 5º do seu Estatuto «o TPI tem competências para julgar
os seguintes crimes: a) o crime de genocídio; b) os crimes contra a humanidade; c) os
crimes de guerra; d) o crime de agressão».
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O TPI será composto por 18 juízes eleitos pela Assembleia dos Estados-partes
para esse efeito20; e compreenderá os seguintes órgãos: a) Presidência; b) Secção de
recursos; c) Secção de Julgamento de 1.ª instância; d) Secção de Instrução; e) Gabinete
do Procurador; e f) Secretaria. Assim, a estrutura do TPI compreende a Presidência, três
Secções, um Procurador-Geral e a Secretaria administrativa e desempenha a sua função
jurisdicional através do Procurador-Geral e das Secções de Instrução, de Julgamento e de
Recursos21 para julgar os crimes de Genocídio, contra a Humanidade, de Guerra e de
Agressão22.
A destrinça de competências dos Tribunais Penais Internacionais (TPI) e dos
Tribunais de Justiça Internacionais (TIJ e o TJE) consubstancia-se no seguinte: a)
enquanto àqueles (TPI) incidem a sua jurisdição sobre os indivíduos, responsáveis pela
prática de crimes contra a humanidade, crimes de agressão, de guerra, de genocídio, de
ecocídio, etc.; estes (TJI) os Estados; b) enquanto na prevenção e resolução de conflitos
internacionais os TPI julgam pessoas, responsáveis das hierarquias governativas e
militares, acusadas, de cometerem crimes contra a humanidade, os Tribunais de Justiça
Internacionais são demandados para solucionar, juridicamente, situações conflituosas que
envolvem dois ou mais Estados; c) as decisões dos primeiros destinam-se a penalizar os
cidadãos responsáveis pela prática de crimes de agressão, de guerra, de genocídio, de
ecocídio, de terrorismo internacional e evitar a prática desses crimes, prevenindo a
deflagração de novos conflitos; ao passo que os segundos se enquadram na estratégia e
nos mecanismos de resolução pacífica dos conflitos internacionais.
A criação dos TPI contribuem para evitar eclosão de conflitos internacionais e a
prática de crimes contra a humanidade, «parece indicar a emergência de um poder
judicial internacional, que tanto se corporiza em jurisdições supranacionais como um
juízes nacionais, todos apresentados como protectores de uma moral universal»23.
20
Cfr. art.º 36º, ETPI.
21
Cfr. art.º 34º, ETPI.
22
Cfr. art.º 5º, ETPI
23
Defarges, Philippe Moreau. A Humanidade, Última “Grande Ilusão” do Século XX. 1999.
p. 700. In Politique Étrangère, 64. Outubro. pp. 693-705.
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2.5. Técnicas de solução dos conflitos internacionais
J.I. Brierly (1972: 355) ao afirmar «há dois caminhos possíveis para a composição
de conflitos, sejam eles entre particulares ou interestaduais: um consiste em se levar as
partes a aceitarem a solução que lhes é ditada por um terceiro; o outro, em se persuadir
as partes a uma aproximação deixando-se-lhe a elas próprias a escolha da solução. Na
esfera internacional, o primeiro destes caminhos toma a forma de arbitragem ou da
solução judicial; o segundo o dos bons ofícios, a da mediação ou da conciliação» 24 ,
corroboramos com a ideia de que «existem mais caminhos conducentes à solução dos
conflitos, inclusive o próprio recurso à força».25
No art.º 33º da Carta das Nações Unidas estabelecem-se as formas de solução
dos conflitos internacionais: «as partes num conflito procurarão, antes de tudo, chegar a
uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução
judicial, recursos a entidades ou acordos regionais ou a qualquer outro meio pacífico à
escolha». Mas pode acontecer que os antagonistas não aceitem qualquer solução
pacífica, prevendo o recurso à força, para evitar que um conflito degenere em guerra
aberta e ponha em perigo a paz e a segurança internacionais, ou para limitar e controlar
um conflito armado.
Doutrinalmente, as diversas formas de solução dos conflitos internacionais podem
reduzir-se a quadros processos fundamentais que englobam os mais variados
mecanismos de resolução: a negociação, a aplicação do direito, a técnica da insulação e
o recurso à força.
2.5.1. Processo de Negociação
A negociação é o principal meio de resolver um conflito internacional, o que
concede à diplomacia uma importância considerável. Dag Hammarkjold como sublinham
24
Brierly, J. I. Direito Internacional. 3.ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1972.
p. 355.
25
Fernandes, António José. Conflitos e Paz Mundial: A Importância da ONU. 1.ª ed. Quid
Juris? 2011. p. 71.
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Gonidec e Fernandes, «não hesitava em declarar que as organizações internacionais,
longe de tornarem a negociação inútil ou ultrapassada, contribuíram para aumentar a sua
importância. É a diplomacia, pelos discursos e pelos votos, que continuam a ter a última
palavra no processo de restauração da paz. No fundo, as organizações internacionais
favorecem o que se tem denominado de «negociação tranquila», oferecendo aos
antagonistas a oportunidade para se encontrarem sem despertar a atenção do público, ao
contrário do que sucede com os encontros oficiais de embaixadores, de ministros e de
chefes de Estados» (1977: 447).
No contexto das RI, a negociação é geralmente definida como «um processo de
consulta, de regateio entre as partes, com vista a um acordo» (Druckman, 1977: 81). Ora,
sendo a negociação entendida como o processo no qual são apresentadas propostas
explicitas com o objectivo de chegar a um acordo sobre a realização de um interesse
comum quando estão em conflito interesses divergentes, não fácil de que os antagonistas
aceitem em particular voluntariamente nesse processo. Neste processo procede um jogo
subtil caracterizado pela existência de dois fenómenos: a) o antagonismo; b) a vontade de
cooperar, implica, de um modo geral, a persuasão pelo jogo de argumentações e as
diversas formas de pressão, que podem ser postas em prática pelos próprios
antagonistas e por terceiros. Daí, os «bons ofícios», a «mediação» e a «conciliação» são
processos muito semelhantes ao da negociação, com a diferença de aqueles implicam
sempre a intervenção de terceiros. Desta forma, os bons ofícios, na mediação e na
conciliação, a intervenção de uma terceira potência não visa propriamente impor a
resolução do conflito pelos Estados interessados, mas sim a persuadi-los a chegarem
eles a uma solução.
Brierly afirma que «Entre os bons ofícios e a mediação não há qualquer diferença
de vulto: em rigor, fala-se de “bons ofícios” quando um terceiro Estado se limita a induzir
as partes a entrarem em acordo, e a «mediação» quando este terceiro Estado toma parte
activa nas negociações. Mas, como é evidente o processo vem fundir-se no noutro. Em
ambos os casos, estamos perante processos políticos que só dificilmente poderão caber
no âmbito do direito internacional. As Convenções de Haia para a Resolução Pacífica de
Conflitos Internacionais referem-se aos dois processos, considerado desejável que
potências estranhas ao conflito ofereçam os bons ofícios e a sua mediação, e
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acrescentando ainda que essa oferta não deve ser interpretada pelas partes como um
acto inamistoso» (1972, 384).
As Convenções de Haia definiram uma outra fórmula para a resolução pacíficas
dos conflitos, que se traduziu na criação de «comissões de inquéritos», cujas funções
consistem em averiguar as causas que estão na origem de um conflito, e em fazer sobre
elas um relatório ao qual as partes podem dar o seguimento que intenderem. O recurso à
técnica de inquérito baseou-se no princípio de que talvez fosse possível evitar uma
guerra, desde que se levasse os Estados a consentir numa moratória, que permitisse
entretanto esclarecer e tornar público os factos que estavam na base dos litígios.
A técnica de inquérito consubstancia-se, pois, no que costuma designar-se por
«conciliação», quer dizer, no processo de solucionar litígios mediante o recurso a uma
comissão de pessoas que têm por encargo averiguar os factos que estão na origem
destes litígios e elaborar um relatório com propostas de solução, desprovidas da força
obrigatória que tem uma sentença arbitral ou judicial (Fernandes, 2011: 73).
O carácter não obrigatório dos termos da solução do conflito apresentados pela
comissão de inquérito faz da conciliação um processo der resolução apropriado a todas
as espécies de conflito.
2.5.2. Processo de Arbitragem ou Solução judicial
A aplicação do direito em vigor como meio de regular um conflito internacional
encontra o seu domínio de eleição na submissão dos diferendos jurídicos a um processo
de arbitragem ou a uma solução judicial, ambos, como processos afins.
A arbitragem é uma espécie de solução judicial, já que o árbitro é um juiz, com a
particularidade apenas, em relação aos juízes dos tribunais permanentes, de ser
escolhido pelas partes e de ter funções limitadas ao singular litígio para a resolução do
qual foi designado. Nos dizeres de J.I. Brierly, segundo o art.º 37º da Convenção de Haia,
de 1907, «a arbitragem interna tem como objectivo resolver litígios entre os Estados,
mediante juízes escolhidos por eles na base do respeito pelo direito. O recurso à
arbitragem implica o compromisso por parte dos Estados de se submeterem de boa-fé à
sentença» (1972: 357 e ss).
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Na constituição dos tribunais arbitrais tem-se seguido variados processos: a) por
vezes escolhe-se para árbitro um chefe de Estado estrangeiro; ou b) os árbitros têm sido
representantes dos Estados litigantes, acompanhados ou não de outros membros.
A Convenção de Haia para a Resolução Pacífica de Conflitos Internacionais,
concluída em 1899 e revista em 1907, criou o Tribunal Permanente de Arbitragem (TPA),
onde cada um dos Estados signatários designa quatro membros do Tribunal. Quando dois
Estados submeter qualquer litígio à apreciação judicial, cada um, salvo acordo em
contrário, escolhe dois árbitros da lista geral assim formada, dos quais apena um pode ser
seu nacional. Os árbitros designados nomeiam depois um árbitro de desempate.
Entretanto, a designação de TPA é contudo enganadora, pois na realidade existe
uma lista permanente de árbitros e o tribunal propriamente dito só é constituído em cada
caso. Este mecanismo tem uma utilidade prática, a julgar pelo número de casos
importantes sobre os quais o tribunal foi chamado a pronunciar-se, como o tratado
celebrado entre a Grã-Bretanha e a França em 1903, sem afectar os interesse vitais, a
independência ou a honra dos dois Estados e os interesses de terceiras potências.
A sentença arbitral tem carácter definitivo, contrário senso se as partes hajam
determinado. Porém, a competências dos árbitros é limitada pelo compromisso ou
documento pelo qual as partes submetem a questão ao TPA. Será írrita e nula toda
decisão que se afaste dos termos do compromisso, pronunciar-se sobre uma questão
diferente da que foi submetida, ou não aplicando as normas enunciadas pelas partes
litigantes.
Diferentemente dos TPA, os Tribunais Judiciais Internacionais (TJI) funcionam com
carácter de permanência e são constituídos por juízes designados por um período
determinado, os quais têm competências para decidir sobre todos os litígios que lhes são
submetidos, sem imposições limitativas dos compromissos assumidos anteriormente
pelas partes litigantes.
Relativamente às competências, funções e eficácia dos TIJ e TJE, já aludidos em
páginas anteriores, mas salientamos as jurisdições regionais existentes à escala
europeia, são mais eficazes do que a jurisdição do TIJ pelas reticências dos Estados em
aceitar as competências deste tribunal: a) os Estados socialistas suspeitavam da
ideologia burguesa da maioria dos juízes do tribunal; b) os países do Terceiro Mundo
desconfiam da aplicação de um direito em cuja elaboração não participaram; c) os
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próprios Estados capitalistas não aceitam submeter muitos dos seus diferendos ao TIJ.
Desta forma, os processos jurisdicionais não têm contribuído para solucionar os conflitos
internacionais. Partilhamos a afirmação de António José Fernandes, segundo a qual o
carácter obrigatório da competência e das decisões do TJE confere-lhe necessariamente
um importante papel na interpretação e aplicação do direito comunitário na jurisdição da
UE (2011: 76).
2.5.3. Técnica da Insulação
Entende-se por técnica de insulação a operação que consiste em isolar um conflito
com o objectivo de impedir a sua extensão e gravidade e em criar, de seguida, as
condições favoráveis à sua resolução rápida e satisfatória.26
Esta técnica utilizada pela ONU fracassada pelo sistema de segurança colectiva
dos seus fundadores não funciona, dada a possibilidade de concluir os acordos militares
previstos na Carta e a profunda divergência das grandes potências no Conselho de
Segurança, sucedendo o mesmo à tentativa de transferir à Assembleia Geral as
responsabilidades pela manutenção da paz. A ONU empreendeu uma série de acções,
que Michel Virally definiu como «operação conservatória e não coercitiva realizada pela
ONU numa base consensual».27
A presença da ONU no local do conflito é uma intervenção não coercitiva porque
não é necessariamente assegurada pelas forças armadas, recorre-se a vários processos:
a) envio de grupos de observadores, de representantes especiais do Secretário-Geral e
de missões de paz, denominados capacetes azuis; e b) mesmo quando são constituídas
verdadeiras forças armadas, a sua função não é combater para obrigar os antagonistas a
submeter-se à vontade da ONU.
A intervenção da ONU é uma operação que visa simplesmente facilitar a cessação
das hostilidades e reduzir a tensão, separando os adversários, devendo os seus
representantes ser absolutamente neutros no plano político e jurídico.
O carácter consensual da intervenção da ONU resulta do facto da contribuição dos
Estados para a criação das forças de intervenção ser sempre voluntária, o que pressupõe
26
Fernandes, António José. Op. cit. pp. 76-77.
27
Nota do autor: Cit. In: Gonidec, 1977, p. 453.
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a conclusão de acordos entre a ONU e os Estados interessados e a presença dessas
forças no território dos Estados interessados não ser viável sem o seu consentimento,
excepto nas missões de imposição da paz destinada a garantir a concretização da ajuda
humanitária.
As operações de manutenção da paz, do estabelecimento da paz, da imposição da
paz e da consolidação da paz, realizadas pela ONU visam facilitar a redução das tensões,
evitar a extensão do conflito e criar as condições propícias à sua solução por outros meios
(negociação, arbitragem, solução judicial). No plano internacional, isolando ou
neutralizando um conflito, a ONU contribui para manter o seu carácter local e evita que se
transforme em conflito planetário.
As demais OI podem também contribuir para isolar os conflitos e facilitar a sua
resolução com destaque a UA, que apesar dos mecanismos criados para regular os
diferendos entre os Estados africanos como a Comissão de Reconciliação, de mediação e
de arbitragem, não terem funcionado, a UA tem exercido uma influência moderada e
evitou a extensão e o agravamento de muitos conflitos entre os Estados-membros.
2.5.4. Recurso à Força
Os textos oficiais de carácter internacional proclamam que os conflitos devem ser
resolvidos por meios pacíficos e apelam para os Estados no sentido de se esforçarem de
boa-fé e com o espírito de cooperação para encontrar soluções rápidas e equitativas, com
base no DI, indicando diversas formas de solução pacífica28. No texto da Acta Final da
Conferência de Helsínquia especifica que, nos casos em que não se chegue a uma
solução mediante negociação, investigação, mediação, conciliação, arbitragem, acordo
judicial ou outros meios pacíficos a escolher, inclusive qualquer procedimento regular
previamente acordado, as partes deverão prosseguir uma via reciprocamente aceitável
para a solução pacífica dos conflitos. Como acentua Romulus Neagu, «o texto adoptado
em Helsínquia exclui toda a possibilidade de recorrer à força» (1977: 78).
Teoricamente, o recurso à força como meio de terminar com reivindicações é
excluído, salvo em casos de legítima defesa, porque a Carta confere à ONU o monopólio
do recurso à força: «o Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem
28
Cfr. Capítulo VI da Carta da ONU e Acta Final da Conferência de Helsínquia.
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envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efectivas as
suas decisões, e poderá convidar os membros das Nações Unidas a aplicarem tais
medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações
económicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais,
telegráficos, radiofónicos, ou de outra qualquer espécie, e o rompimento das relações
diplomáticas» 29 ; e, «no caso do Conselho de Segurança considerar que as medidas
prevista no artigo 1.º seriam ou demonstraram que são inadequadas, poderá levar a
efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a acção que julgar necessária para
manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais...»30.
É certo que a ONU se tem mostrado incapaz de recorrer à força armada, como
último meio, para resolver os conflitos que perturbam a paz internacional, embora que o
recurso à força não é somente a utilização das forças armadas: há outras formas de
possíveis de recorrer à força, se entender por força as medidas de constrangimento
previstas na Carta da ONU, como as medidas colectivas de bloqueio económico, de corte
de relações político-diplomáticas.
Assim, o recurso à força é efectivamente o último argumento para tentar solucionar
um conflito, e só se deverá utilizar depois de se haverem esgotado todas as hipóteses de
empregar os meios de resolução pacífica.
2.6. Apreciação crítica das Organizações Internacionais em
matéria de resolução dos conflitos internacionais
Os estudos sobre a intervenção das OI nos litígios internacionais mostram que,
embora a ONU se preocupe sobretudo com os conflitos que põem em perigo a paz e
segurança internacionais, ela tem interpretado de uma forma extensiva as suas
competências em matéria de resolução dos conflitos internacionais, que a sua eficácia
tenha ficado muito aquém das espectativas:
a)
No período que decorreu entre 1945 e 1965, dos 55 casos
submetidos às Nações Unidas, somente 18 deles foram resolvidos total ou
29
Art.º 41º, Carta da ONU.
30
Ob. cit. art.º 42º.
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parcialmente com base na resolução da ONU e os demais, ou foram resolvidos
fora do quadro da organização, ou não receberam solução;
b)
Entre 1946 e 1967, dos 57 litígios internacionais, 29 que a ONU não
teve influência para remediar a situação; e
c)
Entre 1992 e 1995, evidenciou-se o fracasso das missões da ONU na
Somália e na Bósnia, e no Ruanda, em 1994.
Quanto às organizações no âmbito continental ou regional como a OEA, Liga
Árabe e UA, têm evidenciado grande incapacidade para resolver as controvérsias entre
os seus membros, mesmo com algumas acções positivas.
As OI têm pouca importância para evitar o desenvolvimento dos conflitos
internacionais, ou para resolverem os litígios depois de começarem as hostilidades:
a)
A interdição legal do recurso à força se reveste de carácter bastante
limitado, em virtude de, na esfera das RI não existirem instituições policiais
encarregadas de fazer respeitar a lei;
b)
O compromisso moral, que a adesão voluntária à Carta das Nações
Unidas implica para os Estados-Membros, não constitui um meio mais seguro para
evitar o recurso à violência do que a interdição legal;
c)
As OI estão equipadas para intervir exclusivamente nas
manifestações de violência directa;
d)
Não estão habilitadas, nem jurídica nem funcionalmente, para
intervirem nos casos de violência estrutural ou indirecta, o que se reflecte nas
desigualdades do poder, que desencadeiam por sua vez, a desigualdade das
condições de vida;
e)
A OI, cuja concepção foi inspirada pelo sistema estatal moderno,
tende a apresentar as características fundamentais da própria essência da
violência estrutural na comunidade internacional, sendo que só a eliminação da
violência directa, e não da violência estrutural, faça parte das funções da
organização internacional;
f)
As OI não foram concebidas para debelarem as principais fontes dos
conflitos, nem para evitarem o conflito entre as nações ricas e nações pobres, p.
ex. no processo da descolonização, a ONU, através dos seus principais órgãos, foi
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um factor de aceleração do processo, enquanto as OI económicas e financeiras
não mostraram a mesma capacidade de adaptação da realidade factual.
A despeito dos esforços dos Países em Via de Desenvolvimento (PVD) no sentido
que as transferências de capitais provenientes das nações desenvolvidas sejam
asseguradas no quadro do funcionamento da ONU, de maneira que os países pobres não
sejam mais abandonados à mendigância de fundos privados ou públicos, as
transferências de capitais continuam a ser regulados pelos países desenvolvidos.
g)
O BM e o FMI se esforçam por estimular os investimentos de capitais
privados nos países de Terceiro Mundo, pressionando os seus governos a
modificar a sua política31.
Na Era da Globalização, os países em desenvolvimento que integram o chamado
Terceiro Mundo não estão dispostos a aceitar uma posição marginal nas RI, e estão
resolvidos a utilizar plenamente todos os mecanismos internacionais disponíveis 32.
31
Estas políticas preferenciais explicam-se facilmente, na época das Conferencias de
Bretton Woods e de Havana, que levaram a criação de BIRD, do FMI e, indirectamente,
do GATT, que passou a designar-se OMC em 1995, os promotores da criação destas
organizações foram os países industrializados, e puseram em funcionamento instituições
destinadas a regulamentar, no plano internacional, as trocas, o comércio e as transacções
financeiras, em defesa dos seus próprios interesses. O padrão de troca ouro estabeleceu
a supremacia do dólar no sistema financeiro, enquanto o Terceiro Mundo, tal como é
concebido, era única e simplesmente ignorado. v. Fernandes, António José. Conflitos e
Paz Mundial: A Importância da ONU. 1.ª ed. Quid Juris? Lisboa. 2011. p. 57.
32
A seguir a iniciativa tomada pela Argélia em nome do «Grupo dos 77», a Assembleia
Geral das Nações Unidas adoptou em Abril e Maio de 1974, duas resoluções importantes
sobre o estabelecimento de uma nova ordem económica internacional e o programa de
acção que permitia instituir essa nova ordem. Porém, a nova ordem económica
internacional prevista na resolução da ONU não chegou a ser estabelecida. E, por isso,
cabe perguntar se as organizações internacionais poderão adoptar-se facilmente às
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Apesar de muitos fracassos das OI, a ONU conta no seu activo sucessos
importantes na resolução dos conflitos que não ponham em causa nenhuma das grandes
potências, e nas situações de urgência para evitar a confrontação nuclear.
A Cartas das Nações Unidas atribui extensos poderes ao Conselho de Segurança
no que respeita à resolução dos conflitos internacionais. O art.º 24º estabelece que «a fim
de assegurar a actuação pronta e eficaz das Nações Unidas, os seus membros atribuem
ao Conselho de Segurança responsabilidade primordial pela manutenção da paz e da
segurança internacionais, e reconhecem que, no cumprimento dos deveres resultantes
dessa responsabilidade, o Conselho de Segurança actua em sua representação. No
cumprimento desses deveres, o Conselho de Segurança deve agir de harmonia com os
objectivos e princípios das Nações Unidas…». O art.º 25º, acrescenta: «Os membros das
Nações Unidas concordam em aceitar e cumprir as decisões do Conselho de Segurança,
de acordo com a presente Carta.
Nos capítulos VI e VII da Carta estabelece uma distinção entre poderes atribuídos
ao Conselho de Segurança para a resolução pacífica dos conflitos e aqueles que dizem
respeito à adopção de medidas coercitivas:
a)
O Conselho não tem propriamente poderes, pois limita-se apenas a
fazer recomendações às partes;
b)
Se a gravidade de qualquer ameaça à paz, violação de paz ou acto
de agressão exigir medidas rígidas, as deliberações do Conselho podem deixar de
ser simples recomendações para revestirem a forma de ordens, que os membros
das Nações Unidas ficam obrigados a cumprir.
«Quando o Conselho de Segurança entenda que se torna necessário empreender
qualquer acção contra um Estado, para manter a paz e a segurança internacionais, fica
ao seu critério a escolha das medidas a adoptar. Tanto pode recorrer a medidas que não
impliquem a utilização da força armada – tais como a interrupção das relações
diplomáticas com esse Estado – como, caso entenda tais medidas são inadequadas,
pode empreender, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a acção que for
necessário para manter e restabelecer a paz» (Brierly, 1972: 394).
novas realidades, Qual será o seu papel no diálogo Norte-Sul? Fernandes, António José.
Conflitos e Paz Mundial: A Importância da ONU. 1.ª ed. Quid Juris? Lisboa. 2011. p. 57.
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Porém, qualquer ameaça à paz, ruptura de paz ou acto de agressão se reveste de
carácter não processual, pelo que de acordo com o art.º 27 da Carta, as deliberações em
matéria de conflitos terão de merecer o consenso de todos os membros permanentes do
Conselho. Cada um dos membros permanentes pode utilizar o veto para impedir que
sejam tomadas quaisquer medidas coercitivas contra um Estado, incluindo ele próprio,
para salvaguardar com certa facilidade os conflitos que não põem em causa interesses
fundamentais de nenhuma grande potência. Daí que o sistema de segurança colectiva,
instituída pela Carta das Nações Unidas, não seja capaz de fazer face a uma agressão ou
a uma intervenção perpetradas por uma das grandes potências.
Face a tal situação, em prol da manutenção da paz e da segurança internacionais,
as Nações Unidas aprovaram em 1950, a Resolução sobre a «União para a Manutenção
da Paz» que estabeleceu um novo sistema centralizado na Assembleia Geral, estipulando
que “no caso de o Conselho de Segurança ser impedido de desempenhar a sua
responsabilidade primordial devido ao veto de uma das grandes potências, a questão
pode ser transferida para a agenda da Assembleia Geral. A Assembleia passará a ter
competência para se ocupar dela, recomendando as partes em conflitos as medidas
destinadas a pôr termo à violação da paz, à ameaça da paz ou ao acto de agressão, e
podendo, em caso de necessidade, fazer recomendações aos membros da Organização
sobre as medidas colectivas a adoptar para a manutenção ou restauração da paz.” Foi
providenciado no sentido de dotar a Assembleia Geral os meios necessários para tomar
medidas efectivas para a manutenção da paz: a) instituiu uma «Comissão de Observação
para a paz», pode ser utilizada pela Assembleia Geral como pelo Conselho de Segurança
para observar a situação em que parte do mundo onde exista um estado de tensão
perigoso para a paz; b) criou a «Comissão de Medidas Colectivas», cuja função consiste
em estudar os métodos que podem ser utilizados para a manutenção e consolidação da
paz, entre os quais se encontra o recurso das forças armadas; e c) recomendou aos
Estados-Membros que mantivessem no seio das suas forças armadas elementos que
pudessem ser postos rapidamente ao serviço das Nações Unidas.
«O mecanismo de segurança colectiva criada pela Resolução União para a
Manutenção da Paz não teve, até ao presente, papel de grande relevo. As Nações Unidas
voltaram-se mais para o Secretário-Geral, ao procurar um instrumento que lhe permita pôr
em execução as suas medidas tendentes à manutenção da paz» (Brierly, 1972: 400). E a
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aprovação da Agenda da Paz de 1922 permitiu à ONU instituir mecanismos ou missões
de restabelecimento e consolidação da paz em diversas zonas geopolíticas onde
eclodiram conflitos intraestatais em Angola, Moçambique, Somália, El Salvador,
Guatemala, Haiti, Camboja, Timor e nos Balcãs, com a finalidade de «fazer respeitar pela
força os acordos que é suposto serem garantidos pela ONU».
Nos primeiros tempos da existência da ONU foi criado um Comité dos EstadosMaiores que reunia regularmente, mas as verdadeiras disposições de carácter militar do
capítulo VII da Carta e que deviam fazer da ONU um organismo de paz dotado de meios
de intervenção, nunca foram postas em acção. «Em toda a sua história o Conselho de
Segurança invocou o Capítulo VII da Carta uma única vez (contra a Coreia do Norte em
1950) para autorizar a acção militar dos Estados Unidos» (David, 2001: 332).
Na prática, os esforços para a manutenção da paz revestiram diversas formas até
ao momento em que a questão tomou grande importância com o problema da República
Democrática do Congo: a) um carácter mais programático do que institucional; b) a
natureza da acção; e c) a criação das forças necessárias (importância, composição,
comando, instrução), foram definidas especialmente para cada um dos conflitos segundo
as condições políticas positivas, mormente as possibilidades de financiamento 33.
Em matéria de arbitragem, os Estados têm o livre arbítrio de excluir os diferendos
internacionais injustificáveis, que põem em causa os interesses vitais, sem, no entanto,
existir uma definição precisa do que pode ser a honra de um Estado ou os seus
interesses vitais, para determinar se a sua honra ou os seus interesses estão ou não em
jogo, aceitar ou excluir a competência de uma jurisdição arbitral.
A ONU é uma das organizações que participa num conjunto público de relações
entre os quase duzentos Estados do planeta, mas não assegura as funções mais
importantes. As questões de segurança dependem de sobretudo das alianças militares (p.
e. OTAN), as questões económicas do FMI, do BM, da OMC ou da OCDE, os problemas
técnicos das organizações especializadas regionais ou mundiais. A ONU preocupa-se,
certamente, com todos os assuntos, mas de modo tão marginal que facilmente se pode
33
O contributo da ONU para prevenir e jugular os conflitos co vista a consolidar a paz
mundial é analisado mais em pormenor nos Capítulos IV e V do presente trabalho de
investigação escrito.
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imaginar um sistema no qual as funções que ela desempenha seriam atribuídas a outras
instituições. A ONU não foi criada para responder a necessidade precisa e concreta. Foi
apenas encarregada de corresponder a um sonho. Este sonho é o da paz34.
Nestes simples considerandos sociais, económicos e culturais, concordamos que
«as práticas judiciais (e jurídicas em geral) muitas vezes alternam entre o cravo e a
ferradura, entre o progresso, o liberal e o conservador, entre uma aparente defesa dos
poderosos e do status quo e o fervor militante em lhes tirar o tapete debaixo dos pés».35
3. Guerra: Significado, Causas, Funções e Tipologia
A guerra é um fenómeno essencialmente social, de carácter público e não
privativo. Distingue-se das rixas, dos duelos e das rapinas, precisamente por os
indivíduos não participarem nela enquanto tais, mas só enquanto membros de
organizações políticas, sujeitos a disciplina e autoridade supra individuais. Dai que seja
insuficiente a definição da guerra dada por Grócio, a qual compreende toda a sorte de
conflitos violentos36. Muito mais exata é a que anteriormente propusera gentil, pondo em
relevo o carácter jurídico e público37.
3.1. Critérios, conceitos e significado da Guerra
Ao analisarmos um fenómeno social de carácter público como a guerra, atemos
dois aspectos fundamentais: i) os critérios da sua abordagem ii) os possíveis conceitos e
iii) o seu significado.
34
v. Bertrand, Maurice. O essencial sobre a ONU. 1.ª ed. Editorial Bizâncio. Lisboa. 2014.
pp. 13-46.
35
Guedes, Armando Marques. Entre Factos e Razões: Contextos e Enquadramentos da
Antropologia Jurídica. 1.ª ed. Coimbra: Almedina. 2005. p. 285.
36
Bellum (est) status per vim certantium, qua tales sunt. Grochi, De jure belli ac pacis, L. I, C. 1, 2.
37
Bellum est publicorum armorum justa contentio, Gentili, De jure belli, L. I, C. II.
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3.1.1. Critérios de abordagem e conceitos da Guerra
O facto de a guerra tocar sentimentos e emoções, dificultando um estudo racional
para muitos que a destacam, ou mesmo a inibição completa de a estudar, existem vários
critérios de abordagem do fenómeno, dos quais destacamos os seguintes:
a)
A afirmação de Aron que estabelece o elo de ligação entre o estudo
da guerra e das relações internacionais.
A guerra é um problema relacionado com a organização da sociedade humana a
nível mundial e que com grande probabilidade de a ver com a natureza biológica e
constituição psicológica do próprio homem, certamente que ela é um aspeto chave no
estabelecimento de relações entre os grupos humanos, organizados politicamente e que
reclamam avidamente autodeterminação para os seus destinos.
b)
O princípio de considerarmos a guerra como uma atividade
desencadeada por uma classe, pelo Estado-Nação, por uma religião, por um grupo
étnico, estando no entanto o Estado-Nação sempre presente em acto ou potência
(quando se procura adquirir a capacidade-legitimidade do Estado-Nação), havendo
tendência para a combinação de actos;
c)
A guerra pode também ser feita para alcançar um objetivo
determinado com cálculo de perdas e ganhos, com todos os meios, incluindo
nucleares, pode ser feita a nível universal ou numa área geográfica, obedecendo
ou não as regras;
A guerra constitui uma das principais ameaças para os Estado no cumprimento dos
seus objetivos fundamentais, como a Paz, a Soberania e a Segurança dos seus cidadãos
e bens.
Segundo R. Aron «as unidades políticas, os regimes constitucionais, devem todos
a sua origem à violência»38, atente-se para o papel realçado da violência nas realizações
políticas, mas que violência? Física? Moral? Colectiva? ou a das vontades humanas que
utilizam instrumentos físicos?
De acordo com a Enciclopédia Luso-Brasileira, a violência será «o acto de forçar
contrariando a vontade ou o direito», mas para Johan Galtung, «a violência está presente
quando os seres humanos são influenciados de tal modo que o seu desempenho actual,
38
Aron, Raymond, «Paix et Guerre entre les Nationes» Ed. Callman Levy. p. 6.
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somático e mental, é inferior ao seu desempenho potencial», considerada ainda diferença
entre a violência estrutural ou indireta e a pessoal ou direta, bem como a violência latente.
Aron refere-se à violência física, das armas, pois ao referir que «o conflito torna-se
violento quando um dos adversários recorre à força física para obrigar ao outro a
submeter-se. Fala-se é certo em violência moral (…), mas é a força física que exerce
originalmente a violência e viola a liberdade das pessoas», que é indissociável do
comportamento humano, e está inclusivamente presente no comportamento de todos os
animais. Esta definição é praticada pelos grupos políticos, para fins políticos e que usam
armas, designando de coação todas as outras formas de impor comportamentos não
desejados, para vencer resistências com o uso de ameaças.
O conceito de conflito por vezes é utilizado como sinónimo de guerra quando as
situações envolvem unidades políticas.
Raymond Aron afirma que «No sentido mais geral, dois indivíduos ou dois grupos ,
estão em conflito quando se esforçam por possuir os mesmos bens, ou atingir fins
incompatíveis, o conflito torna-se violento quando um dos adversários recorre à força
física para forçar o outro a submeter-se».
Para Julien Freund «o conflito consiste num afrontamento internacional entre dois
seres ou grupos da mesma espécie que manifestam, um em relação ao outro, uma
intenção hostil, em geral a propósito de um direito, e que para manterem, afirmarem, ou
estabelecerem esse direito, procuraram quebrar a resistência do outro, eventualmente
pelo recurso à violência física, a qual pode tender, se necessário, ao aniquilamento
físico».
Lewis A. Coser define utilmente, conflito como «luta por valores, status, poder ou
recursos, na qual os participantes procuram neutralizar, prejudicar ou eliminar os seus
rivais», que ao nosso ver inclui o exercício da coação e, potencialmente, o da violência,
mas também nos permite a distinção de competição.
Existem situações de conflito, sejam agravadas, passando este conflito agudizado,
na iminências de se transformar em guerra, não desejada na sua efetividade pela partes e
que procuram evitar sem abdicar dos seus interesses, designados por crises que
atualmente têm assumido extrema importância no sistema das Relações Internacionais.
As crises carecem de um controlo seguro e uma ação intensa e urgente que implica
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política, estratégia e diplomacia para evitar eminência que será a guerra. Sendo assim, o
agravamento dos conflitos está na origem das guerras.
A definição dada por Gaston Bouthoul, segundo a qual a guerra é a «luta armada e
sanguinolenta entre grupos organizados» que vai ao encontro de Raymond Aron, que diz
ser esta um «conflito armado entre unidades políticas», mas também em Quincy Wigth39
encontramos a luta armada como definição de guerra «conflito entre grupos políticos,
especialmente entre Estados soberanos, conduzidos por importantes contingentes de
forças armadas durante um período de tempo considerável».
Clausewitz também faz referência que só «existe guerra se existir violência
armada».
Entretanto, estes conceitos referem-se apenas a guerra como confronto físico,
olvidando a existência de situações conflituosas, em que a violência é apenas potencial
onde podemos encaixar outros tipos de guerra, como o de guerra fria, comercial,
económica, biológica, onde o produto armado não é exercido, e cujas consequências
podem ser tão devastadoras como no caso de violência armada.
Clausewitz ao estudar o fenómeno da guerra na sua complexidade social, política e
natureza militar, elaborou no Título I, capítulo I, uma definição racional: «acto de violência
destinado a forçar o adversário a submeter-se a nossa vontade». Sendo assim, a guerra
será um duelo na qual a violência é feita para obter um fim, resultando que será legítimo o
uso da força ilimitada, desde que para atingir um fim concreto, uma «ascensão aos
extremos».
A ascensão a extremos é feita de cordo com três ações recíprocas:
1.
Uso ilimitado da força: «(…) a guerra é um acto de violência e não há
um limite para a manifestação dessa violência (…)».
2.
Objetivo na guerra: «desarmar o inimigo».
3.
«Máximo desenvolvimento de forças»: «(…) se se quer vencer o
adversário, deve-se proporcionar o esforço à sua força de resistência (…)».
A realidade impõe-se sobre a abstração e a guerra, pois é um ato que emerge com
conexão, envolve uma decisão completa tendo em conta a situação política que dela
resulta e sobre ela reage. Nesta perspetiva abstrata, existem duas causas da guerra:
39
Wrigth, Quincy, «A Study of War», pp. 33-41.
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1.
A fricção do meio onde a guerra se desenvolve (Livro 1, Cap. VII);
2.
A influência e a vontade de quem determina a guerra, considerando
que « (…) é a política que determina a guerra», «(…) a guerra é uma simples
continuação da política por outros meios (…)», «(…) na realidade corresponde aos
objectivos políticos». «Sempre começa a partir de uma condição política e vai em
frente por um motivo político (…)».
Clausewitz sublinha que a guerra é «uma surpreendente trindade em que se
encontra, primeiro que tudo, a violência original do seu elemento, o ódio e a animosidade
que é preciso considerar como um cebo impulso natural, depois o jogo das
probabilidades» e finalmente «a natureza subordinada de instrumentos da política por via
da qual ela pertence à razão pura».
A celebre frase clausewitziana «(…) a guerra é uma simples continuação da
política por outros meios (…)», permite-nos distinguir entre:
a)
Os fins da guerra e os fins na guerra, sendo para o primeiro, o
objetivo da guerra, é a paz e, para o segundo, o objetivo será o destruir das forças
militares;
b)
Estratégia e táctica, visando a primeira a paz e a segunda procura a
vitória, e considera a política como ciência-arte de dirigir o Estado-Nação face a
outros Estados.
Francisco Miguel Gouveia Pinto Proença Garcia (1993) precisa, [Nesta dialéctica
permanente entre política e guerra não existiriam limites, podendo descer-se «até uma
forma de guerra que consiste numa simples ameaça contra o inimigo, e na negociação»,
conceito este hoje actualizadíssimo em todas as situações de conflito efectivo ou
potenciais, e sendo através desta que as Nações Unidas tentam alcançar a sua finalidade
última, a paz].
A política não se resumiria à guerra, ela comanda a guerra sem se intrometer nos
pormenores militares, mas as relações políticas não param quando a guerra começa,
apenas não reforçadas co meios militares. Confirma-se a teoria de Clausewitz segundo a
qual «(…) a subordinação do ponto de vista político ao da guerra seria absurdo, visto que
foi a politica que preparou a guerra, a política é a faculdade intelectual, a guerra só é o
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instrumento, e não o inverso. Sublinhar o ponto de vista militar ao político é portanto a
única coisa que se pode fazer»40.
Para a Teoria Marxista-Leninista, a guerra só apareceu a partir do momento em
que surgiu a estratificação da sociedade em classes, sendo certo o seu fim quando se
alcançar a sociedade sem classes, sem exploração do homem pelo homem, sendo no
entanto uma fase de ditadura do proletariado “a nova classe” (Francisco Miguel Gouveia
Pinto Proença Garcia, 1993/2003).
A guerra, para os marxistas-leninistas, tem dois aspectos orgânicos:
1.
Sociopolítico - expressa a sua ligação com a política, visto a política
ser a ciência-arte de manter dominante a uma classe sobre a outra.
2.
Técnico-militar – expressando a sua natureza de luta armada (luta de
classes com meios físicos, violentos e organizados).
Se para Clausewitz a política era apenas política de Estado, dos grupos
divergentes defensores, fundamentalmente dos seus interesses, a teoria marxistaleninista entende que a política é «a luta de classes», pelo que a diferença nas duas
reside fundamentalmente nas diferentes conceções de política, visto Lenine também
considera que «a guerra é a combinação da política por outros meios», e ser a política
influenciada por esta, pois pode ou não ajudar ou contrariar a revolução.
Esta ideologia considera a principal característica da guerra o uso da força armada,
mas a guerra envolve o todo social e não só os que praticam a luta armada, pois outras
formas, desde a económica à diplomacia, são usadas em conjunto para quebrar a
vontade de resistência do inimigo.
3.1.2. Significado da Guerra
Na vida dos Povos primitivos a atividade bélica desempenhou papel considerável.
Quando a guerra se manifesta, processa-se sempre, não entre indivíduos, mas entre
grupos sociais.
A história de um bellum omnium contra omnes, excogita por alguns teorizadores
como Hobbes, pode talvez ter algum sentido como argumento dialéctico, tendente a
40
Capítulo VIII, Titulo VI.
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mostrar o que poderia suceder, se não existisse a sociedade e o Estado; mas não tem a
mínima base factual.
A ideia de que a guerra, mesmo a ilimitada, deve ser legitimada pela justiça é já
antiga, acompanhando a evolução da humanidade. Mesmo povos que construíram
grandes impérios no Medio Oriente, na China ou na Índia sempre apresentavam os seus
empreendimentos bélicos com atos divinos de extensão da luz sobre as trevas e de
civilização dos povos bárbaros circundantes, ou de recuperação de uma doação divina,
como foram as guerras ordenadas por Yaveh ao povo do Israel (José Pina Delgado,
2014: 242).
Esta noção de que existem guerras santificadas não impediu que a religião
contribuísse para que, a partir de sistemas políticos, jurídicos e morais, emerjam noções
importantes de controlo material e processual da feitura da guerra. Em Israel, as guerras
que tinhas propósitos seculares estavam submetidas a uma tramitação específica prevista
no livro do Deuteronómio e, em Roma, a necessidade simbólica de garantir o apoio das
divindades, levou ao desenvolvimento de um mecanismo (o jus fetiale) para assegurar
que havia causa justa para a guerra e que elas seriam um recurso de última instância. Foi
a internacionalização do conceito de bellum iustum do Direito Público Romano e da sua
apropriação medieval pelos teóricos cristãos que o conceito foi efetivamente incorporado
no vocábulo do Direito das Nações (José Pina Delgado, 2014: 242-243).
Na ótica de Carl Clausewitz, «(…) é a política que determina a guerra (…) a guerra
é uma simples continuação da política por outros meios (…) na realidade corresponde ao
objectivo político. Sempre começa a partir de uma condição política e vai em frente por
um motivo político (…)». Operacionalizando-se também, o conceito de Guerra Total, em
que destaca o seu carácter sociopolítico mais grave, através do envolvimento coletivo e o
uso de todos os meios disponíveis41, guerra preventiva e guerra preceptiva.
Vladimir Ilich Lenine considera que «a guerra é a continuação da política por outros
meios» e ser a política influenciada por esta, pois pode ou não ajudar ou contrariar a
revolução.
41
Cfr. Pereira, Luís Mira. O Que Esperar da Europa. Uma Análise Geopolítica. 2.ª ed.
Causa das Regras. 2012. p. 15.
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Sun Tzu afirma que «a guerra é um assunto grave do Estado: deve ser
profundamente estudado», ou seja, «a guerra é uma preocupação muito séria para o
Estado; ela necessita de ser profundamente estudada».
Francisco Proença Garcia (1993: 823) sublinha que pela análise elaborada de
pensadores como Clausewitz e da teoria Marxista-Leninista, vimos que a guerra é por
vezes a continuação da política por outros meios, e que sem dúvidas estes autores
influenciaram sobremaneira as Relações Internacionais no nosso século.
Por seu turno o autor referido precisa que a guerra é a violação armada e
sangrenta, entre os grupos organizados, que cria e se desenvolve num ambiente hostil,
inerentemente incerto, evolutivo tendo como finalidade a mais evidente o acesso ao, ou a
manutenção do, poder (2003). É um fenómeno global, com expressão em todas as
regiões do mundo, da Europa à Oceânia, das Américas à Ásia, passando por África,
sendo a sua problemática reconhecida como central por todos os estudiosos das
Relações Internacionais (2015).
As consequências que se deduzem destes conceitos são extremamente
importantes, mesmo no plano prático.
3.2. Origens, causas e funções da Guerra
Importa, antes de mais, contextualizar o prelúdio do fenómeno da guerra no
continente africano, particularmente em Angola, depois das I e II GM. Dados disponíveis
revelam que, em Janeiro de 1961, Angola, então considerada uma das mais prósperas
“Províncias Ultramarinas” de Portugal estava no centro das atenções que, depois de um
período sustentado dos anos de 1950, a década de ouro na história portuguesa em África,
tornou-se numa das possessões mais estimadas de Portugal, parecia, a par de
Moçambique, oásis de paz e progresso.
Em Angola implantou-se uma política racial draconiana, segundo a qual a
população do “Estado Novo” (Portugal) fora organizada em três escalões: «nativos»,
brancos e «assimilados» e onde as colónias, com as suas economias florescentes, viviam
dependentes dos ditames do Estado europeu, tendo nos anos de 1960 prosperado uma
panóplias de movimentos politicamente orientados (UPA, FNLA, MPLA, PAIGCV,
FRELIMO, MLSTP, etc.) que promoveu o protesto e a resistência, forçados a entrar na
clandestinidade ou a operar a partir de Estados vizinhos, originaram um profundo
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sentimento de frustração acompanhado de um endurecimento de atitudes insurrecionais
na luta de libertação nacionais.
O Brigadeiro General Sul-Africano, Willem (Kaas) van der Waals, em sua obra
original “Portugal’s War in Angola 1961-1974” sublinha que «A Guerra em Angola é
considerada a mais sangrenta sublevação contra o colonialismo na história de África a sul
do Sara. Evoluiu para o conflito que Portugal acabaria por perder, não no campo de
batalha, mas no coração dos seus próprios cidadãos. Depois de uma guerra exaustiva
que se arrastou durante treze anos, e perante os constantes revezes sofridos nos seus
dois territórios africanos dilacerados pela guerra, Portugal, de nervos em franja, acabaria
por se auto-infligir o golpe de misericórdia.
O novo governo de Portugal viria a perder o controlo sobre o processo de
descolonização de Angola, resultando daí uma sangrenta guerra civil e um dos conflitos
mais preocupantes da Guerra Fria no Terceiro Mundo, que se arrastaria até 2002» (1993).
Do exposto, destacamos infra a origem, as causas, as funções e as tipologias da
guerra no contexto das Relações Internacionais e do Direito Internacional, ou seja, na
lógica duradoura de conflito na política internacional para compreendermos a importância
teórico-prática do seu estudo, por um lado, e municiar aos leitores, estudantes e
académicos uma bibliografia concentrada neste trabalho de investigação escrito no
terceiro ciclo do curso de DDS.
3.2.1. Origens da Guerra
Ortega Y Gasset destaca: «A guerra é um invento dos homens para resolver
determinados conflitos». Por seu turno, Sun-Tzu sublinha: «A guerra é um assunto grave
do Estado: deve ser profundamente estudado».
A guerra é um fenómeno social que tem coexistido em permanência com a vida
humana, pelo que se apontam três níveis de causalidade para o fenómeno:
1.
A Guerra como fatalidade de essência humana.
A essência divina constitui a mais antiga convicção sobre o fenómeno, o carácter
louvável das atividades guerreiras, protegida pelos Deuses, como aconteceu na GréciaAntiga, em Roma, nas religiões superiores (no Velho Testamento: Geová é referido
«como o Deus dos Exércitos» e para o Islão, sua propagação por força das armas é um
dever de todo o Mao-metano).
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Kant reconhece na guerra o seu carácter inevitável, pretendendo alcançar a paz
perpétua. Hegel encarava-a como factor de progresso da humanidade.
Entretanto, todos estes metafísicos ou representantes da escola religiosas,
consideravam a guerra como uma fatalidade ordenada da providência divina, mas para
além deles subsiste o carácter misterioso da guerra.
2.
A Guerra, como fenómeno sociocultural.
Ao encararmos a guerra como um fenómeno cultural, encontramos duas escolas
para as quais os conflitos estão ligados a fatores pessoais, biológicos e sociológicos:
a)
Escola Biológica: considera o conflito como fenómeno natural,
produto dos instintos do Homem. Segundo esta perspetiva, os conflitos violentos
são um mecanismo regulador do «espaço vital», originando erupção de violência.
Essa necessidade de equilíbrio biológico seria sempre necessário um estímulo
para haver resposta agressiva.42
b)
Escola Psicológica: encara a agressividade do ser humano como uma
consequência direta das frustrações experimentadas no processo de socialização.
As decisões que influenciam o desencadeamento da violência e as tensões entre
os grupos dependeriam do estado de espírito individual, sendo frequentes as
distorções de perceção, constituindo a guerra uma fatalidade resultante da
estrutura psicológica do indivíduo, mais ou menos influenciada pelo processo de
socialização.
O ponto de partida dos conflitos a níveis interno e internacional, situa-se na
estrutura social. Nesta esteira distinguimos várias escolas de interpretação da
causalidade da guerra como produto social:
a)
Escola Realista das Relações Internacionais, representada por Aron e
Morgenthau, considera a sociedade internacional uma sociedade anárquica. Nesta
escola, a procura da origem da guerra confunde-se com a identificação do sistema
internacional, mais suscetível de conduzir ao conflito.
b)
Escola Sistémica – procura a origem da guerra através da
identificação do sistema internacional menos suscetível de conduzir ao conflito.
42
Pensadores como T. Hobbes, Maquiavel, Nietzche: «O instinto convida o homem a tudo
o que intensifica a vida».
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c)
Escola Marxista, para a qual a violência seria gerada no seio da
sociedade em virtude da injustiça e da opressão do próprio sistema social.
d)
Escola Radical, onde distinguimos autor Johan Galtung, para o qual
no domínio da sociedade internacional se manifesta uma situação de desigualdade
entre Estados, onde existe uma violência estrutural entre o «centro» e «periferia»,
onde se opõem elites dirigentes a massas exploradas.
e)
Guerra e Industrialização: a guerra é produto de uma estrutura social,
que desaparecerá quando for substituída por outra, onde aquele fenómeno não
tenha lugar. Para Augusto Comte a sociedade humana está organizada em um de
dois sentidos: a conquista e a produção, correspondendo o primeiro ao estado
militar e o segundo ao estado industrial.
Esta opinião não se acolhe, porquanto à medida que há avanço tecnológico, maior
e mais terrível é a guerra, com a finalidade de as potências industriais a alimentarem.
Contudo, a guerra de facto é uma fatalidade sociocultural.
3.
A Guerra, como acto racional.
A guerra resulta da vontade política de um Estado ou organização política, de
sujeitar outro seu igual ou não a sua vontade. São os valores e interesses vitais os
objetivos dos quais os governos e nações fazem depender a sua existência, necessidade
que deve ser permanentemente aprofundada e preservada, mesmo pela imposição de
terceiros. É de facto a «sobrevivência nacional» que nos conduz a sacrifícios externos do
porquê morrer e viver.
A guerra é acto racional por ter objetivos de:
a)
Longo prazo, por razões económicas, ou de prestígio meramente
expansionista;
b)
Longo prazo para a modificação da ordem internacional, próprias dos
estados totalitários.
Para Anatole Rapofort, as três possíveis razões de guerra correspondem a três
concepções:
1.
Concepção Política – visa alcançar um objetivo determinado, com
base em cálculos racionais de perda/ganho, assumindo esta o papel de jogo.
2.
Concepção Escatológica – se com ela pretendemos encaminhar para
um desígnio histórico, a guerra como uma missão.
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3.
Concepção Cataclísmica – surge inevitavelmente como uma
catástrofe sem qualquer finalidade consciente ou inconsciente.
3.2.2. Causas da Guerra
As causas da guerra, como se sabe, são muito variadas; algumas são
características de fases históricas ultrapassadas, outras dos tempos modernos e, pela
sua importância teórico-prática, aferimos as seguintes:
a)
Entre os Povos primitivos, a guerra é determinada sobretudo pela
cobiça do saque. Não difere muito da caça, na qual, segundo alguns autores, teria
tido origem (associando-se até hábito infame da antropofagia). Nesta fase, os
vencidos são considerados inteiramente à mercê dos vencedores, e portanto, não
exterminados, reduzidos à escravatura;
b)
A este motivo de guerra acresce e substitui-se depois o da conquista
do território inimigo. Nas suas várias formas, a conquista teve papel bastante
importante, e por vezes decisivo, nas contendas históricas de quase todos os
Estados; tanto que não seria certamente possível apagar todas as suas
consequências;
c)
O alastramento das conquistas militares conduz frequentemente à
formação de governos despóticos; e o despotismo é por natureza propenso à
guerra. Daí uma espécie de círculo vicioso, que Rousseau surpreendeu com
perspicácia43;
d)
O arbítrio dos chefes e as megalomanias. Mas na maior parte dos
casos a eclosão das guerras é fruto de razões bem mais profundas;
e)
As chamadas «guerras coloniais» ou «de comércio» não se limitaram
a tais objetivos, e tiveram por fim explorar o mais possível populações indígenas e
outros territórios, mantendo-se num estado de sujeição injustificado e contrário a
todo progresso;
43
Nota do autor: D´un côté la guerre et les conquêtes, et de l´autre progrès du despotisme, s´entre`aident
mutuellement. ROUSSEAU, Jugent sur la paix perpétuelle, éd. Lefèvre, pág. 282.
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f)
A diversidade de crenças religiosas se torna, por vezes, motivos de
guerras, se bem que, não isoladamente, mas em conjugação com as outras causas
de antagonismo entre os povos. O fanatismo próprio de algumas religiões pode
tornar-se um estímulo nas lutas com Povos de fé diferente, em especial se
prometer eterna recompensa aos exterminadores dos «infiéis», estranho e até
contrário no espírito do Cristianismo, como todos sabem, é na essência uma
religião de paz e tem como princípio fundamental o amor de todo o género
humano;
g)
Da aspiração à independência, que é própria de todas as Nações,
brotaram em todas as épocas numerosos conflitos, tanto para a vida internados
Estados, como para as relações interestaduais.
Os Povos, tal como os indivíduos, possuem certos direitos naturais, há que
reconhecer aquela aspiração, não só raízes psicológicas profundas, mas também um
valor ético, e até jurídico. Como se sabe, foram realizados grandes esforços, sobretudo a
partir do séc. XIX, para fazer vingar nas constituições políticas o princípio da
nacionalidade.
O princípio da nacionalidade significa, essencialmente, que nenhuma Nação deve
oprimir outra, e não que todos os Estados existentes tenham de ser imediatamente
dissolvidos e substituídos por tantos Estados quantas as Nações que há no mundo;
h)
Reivindicação da autonomia nacional. Enquanto existirem povos
oprimidos por dominação estrangeira, não será possível excluir completamente a
possibilidade de se tornar necessário o recurso àquele meio supremo de afirmação
de um direito natural válido.
Nesta esteira, José Pina Delgado (2014: 244) afirma que: «na atualidade, há uma
notória influência dessa tradição, perpassando juristas, filósofos, politólogos, teóricos das
Relações Internacionais, etc. Correspondendo a uma amostra representativa do
pensamento contemporâneo, apresentam-na a partir de pressupostos liberais (Rawls),
cosmopolitas (Habermas) ou outros (Walzer). Ademais transcendem discussões
académicas, tem feito parte da retórica dos próprios decisores políticos (Bush, Blair,
Obama) que apelam tanto a argumentos jurídicos (licitude) ou políticos
(necessidade/conveniência), mas também da tipologia própria da teoria
(moralidade/justiça-legitimidade), enquadrada numa postura legitimista de muitos
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Estados, no sentido de democratização e proteção aos direitos humanos,
desenvolvimento que promovem reflexões que promovem temas candentes ligados ao
tradicional jus ag bellum (intervenções humanitárias/responsabilidade de proteger, guerra
de autodefesa na luta contra o terrorismo, ataques dirigidos/assassinatos seletivos), ao
jus in bello (utilização de armamento de destruição maciça, limites à invocação de
necessidade militar, danos colaterais) e ao jus post bellum (ocupação militar, anexação de
território, responsabilidade de líderes políticos e militares)».
3.2.3. Funções da Guerra
A Guerra desempenha as funções seguintes:
1.
Função judicial.
Pela incapacidade de resolver conflitos por parte das organizações internacionais,
verificada a falta de poder coercivo, surge o recurso á força das armas para a sua
resolução quando o custo/objetivo é compensado e pode constituir um estímulo
(Francisco M. G. P. Proença Garcia, 2003).
2.
Função Económica.
Para conquista do território e riqueza, mas situação que tende a desaparecer com
a industrialização se formos ao encontro das ideias de Augusto Comte (Francisco M. G.
P. Proença Garcia, 2003).
3.
Função demográfica ou biológica.
Pois pode contribuir para um certo equilíbrio demográfico pela redução
populacional e pelo carácter seletivo da redução, pois são gerações mais novas as mais
afetadas (Francisco M. G. P. Proença Garcia, 2003).
4.
Função purificadora.
Para Hegel, a guerra tinha um carácter «civilizador» e terá o seu fim com a
realização do «Espírito absoluto», logo uma «função purificadora», e para Nietzche «a
guerra e a coragem fizeram mais que o amor pelo próximo», sendo então considerado o
sofrimento provocado uma grande escola (Francisco M. G. P. Proença Garcia, 2003).
5.
Função de sublimação.
Poderá a guerra desempenhar esta função, segundo Francisco M. G. P. Proença
Garcia «contribuindo onde o ódio e a agressividade são descarregados num inimigo
comum para a coesão de um grupo social».
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6.
«Função de evolução e adaptação das estruturas sociais».
Francisco Proença Garcia considera que haverá uma função evolutiva tecnológica,
material e moral, pelo esforço exercido e pelas posteriores reformas estruturais levadas a
cabo.
Assim, independentemente das suas origens, causas ou diferentes conceções, a
guerra é um fenómeno social que provavelmente existiu e existirá, enquanto entre o
Homem houver diferenças sociais, económicas, políticas, étnicas, entre outras.
3.3. Tipologias da Guerra44
São inúmeros os critérios para se atribuírem tipologias à guerra.
Carl von Clausewitz na sua obra Vom Krieg, editada por sua mulher no século XIX,
esclareceu que a guerra não é apenas um camaleão, que se modifica em cada caso
concreto, “ mas é também uma surpreendente trindade, em que se encontra primeiro que
tudo, a violência original do seu elemento, o ódio e a animosidade, que é preciso
considerar como um cego impulso natural, depois, o jogo das probabilidades e do acaso,
que fazem dela uma livre atividade da alma, e, finalmente, a sua natureza subordinada de
instrumento da política por via da qual ela pertence à razão pura. O primeiro destes
aspetos interessa particularmente ao povo, o segundo, ao comandante e ao seu exército,
e o terceiro releva sobretudo do governo” (Clausewitz, 1976: 89).
Na definição mais clássica de Clausewitz, a guerra “não é somente um ato político,
mas um verdadeiro instrumento político, uma continuação das relações políticas, uma
realização destas por outros meios”, acrescentando este autor que, “é apenas uma parte
das relações políticas, e por conseguinte de modo algum qualquer coisa de
independente”, e destina-se a “forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade” (1976:
73).
Quincy Wright45, no seu «A Study of War», editado em 1945, entendia a guerra
como «A state of Law and a form of conflict involving a high degree of legal equality, of
44
v. Garcia, Francisco M. G. P. Proença., 2003. “Tipologias de Guerra”. Revista Militar, de Novembro de
2003, pp. 1103-1136.
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hostility, and of violence in the relations of organized human groups, or, more simply, the
legal condition which equally permits two or more hostile groups to carry on a conflict by
armed force (…)» (Wright, 1965: 7).
No continente europeu o fundador da Polemologia, o francês Gaston Bouthol,
entende a guerra como «la lutte armée et sanglante entre mouvements organisés»,
(Bouthol, 1991: 35), e no COW original ela era-nos apresentada como «sustained combat
between/among military contingents involving substancial casualties (minimum of 1000
battle deaths)».
Em Portugal, Abel Cabral Couto, estrategista dedicado ao estudo da Guerra e da
Estratégia no século XX, definiu a guerra como a «violência organizada entre grupos
políticos, em que o recurso à luta armada constitui, pelo menos, uma possibilidade
potencial, visando um determinado fim político, dirigida contra as fontes de poder do
adversário e desenrolando-se segundo um jogo contínuo de probabilidades e azares»
(Couto, 1988: 148).
Entretanto, podemos encontrar situações em que seja utilizada a violência
organizada e não se considere uma guerra em si, como ainda referiremos neste livro
quando analisarmos o espectro das operações militares. Quando a força é usada para
infringir dor ou para persuadir um adversário a abandonar ou a abrandar um determinado
comportamento, podemos então falar de operações militares de não-guerra ou, na feliz
expressão de Thomas Scheling (1966) de diplomacia coerciva ou da violência.
Na necessidade de ter um conceito suficientemente abrangente e operacional que
permita integrar a violência armada entre os diversos atores, na mesma linha de
Clausewitz, entendemos a guerra como a «violência armada e sangrenta, entre grupos
organizados, que cria e se desenvolve num ambiente hostil, inerentemente incerto,
evolutivo, tendo como finalidade mais evidente o acesso ao, ou a manutenção do, poder».
Gaston Bouthol (1991: 445-461) adota uma tipologia política e classifica as guerras
como internacionais – oposição entre dois grupos soberanos, ou civis – pertença a um
mesmo Estado no momento em que se inicia o conflito. Um outro critério deste autor é
45
Um dos percursores do estudo da guerra pelo método científico. v. Garcia, Francisco M.
G. P. Proença., 2003. As grandes potências e a guerra e Da Guerra e da Estratégia: A
nova Polemologia. Revista Militar, de Novembro de 2003. pp. 61-92 e 1103-1136.
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psicopolítico, fundamentado na intenção psicológica atribuída aos protagonistas, em que
as guerras são classificadas como ofensivas, defensivas, preventivas, de nervos e paz
armada. Este autor adota ainda um terceiro critério relacionado com o processo de
desenvolvimento das mesmas e de mentalidades: primitiva, de cortesia, nacional e
imperial.
No tradicional espectro da guerra (Couto, 1988 e RC 130), estas podem ser
classificadas entre unidades políticas ou no interior das mesmas, ou seja, internacionais
ou internas, e depois com inúmeras formas de guerra.46 Nas guerras internacionais, as
formas de guerra variam em função do grau de intensidade de emprego da violência.
Estas formas possuem características políticas, psicológicas e técnicas específicas, e o
espectro subdivide-se em guerra fria e guerra quente. Devemos no entanto estar cientes
que a linha de fronteira entre uma tipologia e outra é muito ténue, sendo frequente
surgirem combinações entre elas.
A expressão Guerra Fria foi divulgada pelo jornalista Walter Lippmann, e utilizada
pela primeira vez pelo conselheiro económico do presidente Roosevelt, Bernard Baruch.
Inclui a gama de ações em que são utilizadas todas as formas de coacção (política,
económica e psicológica), sendo que a coação militar está presente apenas como
potencial.
Na Guerra Quente considera-se a guerra clássica ou convencional, e a guerra
nuclear. A primeira inclui o emprego de meios militares e, por vezes, com ameaças do
emprego de meios nucleares; a segunda envolve o emprego efetivo de armas nucleares
de natureza táctica (limitada) ou sem restrições (ilimitada), recorrendo aqui as unidades
políticas ao emprego da força sem limites.
Existe também um critério que permite considerar as guerras limitadas ou nãolimitadas; limitadas sobretudo quanto à utilização dos meios, aos objetivos e ao espaço
geográfico.
Quanto às guerras internas, são consideradas: a Guerra subversiva47, a revolta
militar, o golpe de estado e a revolução, e a guerra civil.
46
O principal critério para distinguir formas de guerra será, de acordo com Kalevi Holsti: 1. O propósito da
guerra; 2. O papel dos civis durante a guerra; 3. As instituições da guerra (Holsti, 1998).
47
Este tema será abordado mais detalhadamente num capítulo específico deste trabalho.
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A Revolta Militar é levantamento militar, em que a totalidade ou uma fração
importante das forças militares procura derrubar pela força o poder estabelecido.
O Golpe de Estado surge como uma ação clandestina de um grupo restrito (elite)
contra o poder estabelecido e em que aquele grupo, atuando com rapidez (o planeamento
pode ser demorado), e aniquilando ou neutralizando determinadas personalidades “de
chefia”, consegue a tomada técnica do poder.
A revolução emerge de um levantamento popular súbito, breve, aparentemente
sem controlo e, por norma, não planeado.
As guerras civis não são um fenómeno recente, e algumas delas foram
extremamente severas para as suas populações, que é quem sofre o maior número de
baixas. A rebelião Tai Ping na China (1859-1864) provocou algo como 30 milhões de
baixas. Porém, a visibilidade destas guerras é mais notória a partir de 1945. Nos anos 80
do século XX iniciaram-se 28 guerras civis, a que podemos adicionar mais 6 que
transitaram da década anterior; e nos anos 90 do mesmo século, 40 unidades políticas
viram-se envolvidas neste tipo de conflito. A disputa pelo acesso ou manutenção do poder
esteve sempre patente (Pearson, e Rochester, 1997: 302).
Nestas guerras, parte da população de uma determinada unidade política entra em
luta contra o governo estabelecido dessa mesma unidade. Uma das partes procura o
reconhecimento do estatuto de beligerante com todos os privilégios de soberania
associados, como enviar uma delegação para negociações e pedir protecção ao abrigo
de convenções internacionais. Apesar de internas, há no entanto uma tendência
crescente para a internacionalização destas guerras: 18% entre 1919/1939, 27% entre
1946/1965, 36% entre 1966/1977 (Pearson, e Rochester, 1997: 303).
Esta foi a norma durante o período da Guerra Fria, tendo ficado para os anais da
história os killing fields do Kampuchea e Angola. Esta última guerra, que só findou no
século XXI com uma solução militar, sendo um excelente exemplo da internacionalização
das guerras civis.
As guerras civis podem assumir um cariz etnopolítico ou de secessão. As de cariz
etnopolítico proliferaram na década de noventa do século passado, período em que 19
das 34 maiores guerras civis visaram a secessão.
É previsível a conjugação de guerras civis e de terrorismo utilizando armas
ultramodernas (inclusive NBQ), que venham a incrementar o número de baixas.
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Podemos, no entanto, considerar outra sistematização efetuada nas escolas militares
nacionais e que é designado por espectro das operações militares (v. Couto, 1988: 152)48.
Aqui só se considera guerra quando o objetivo da operação militar for o de «combater e
vencer um determinado adversário» e as outras operações militares mesmo que haver
combate e até baixas, se o objetivo não for o de combater e vencer, são consideradas
operações de não-guerra, como o combate ao tráfico de droga, a evacuação de nãocombatentes, a ajuda humanitária, a estabilização de uma situação, entre outras.
Alvin e Heidi Toffler, no livro «Guerra e anti-guerra» de 1994, anunciam a divisão
tripartida do mundo e das guerras em vagas:
a)
A vaga das “guerras agrárias”, típica do período das revoluções
agrárias;
b)
A vaga das “guerras industriais”, produto da revolução industrial; e
c)
A vaga da “guerra da informação”, resultante da revolução da
informação e do conhecimento, reservada aos EUA e seus eventuais aliados.
Robert Cooper49, no seu livro «The Breaking of nations. Order and chaos in the
twenty-first century (2004)» descreve a segurança e as guerras no mundo pré-moderno,
moderno e pós-moderno, e explica como a conflitualidade se processa ou dentro ou entre
estas sociedades com desenvolvimentos diferenciados.
Também Bill Lind e Gary Wilson (1989) tipificam as guerras em gerações, da
primeira à quarta, sendo:
a)
A primeira assente no poder da massa humana;
b)
A segunda no poder de fogo;
c)
A terceira na manobra;
d)
A quarta geração, a guerra do povo iniciada com Mao Tse Tung.
Com o marco simbólico da queda do Muro de Berlim, a comunidade internacional,
habituada a um equilíbrio de terror, é forçada a reconhecer a importância de outros atores
48
A análise do espectro das operações militares encontra-se sistematizada em diversas publicações
militares. Em Portugal salientamos o Regulamento de Campanha e Operações, editado pelo Exército e
datado de 2005.
49
Nota do autor. Ex-conselheiro de Tony Blair e atual Diretor-geral dos Assuntos Externos
e Político-Militar, do Conselho da União Europeia
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do sistema internacional, os conflitos já possam ser analisados em função do papel
exclusivo do Estado e da relação de forças entre as superpotências na cena internacional.
Foi necessário criar uma nova leitura das situações, o que não implica substituir as
tipologias; as “velhas” devem de facto servir de ponto de partida. Nos novos conflitos, o
ator-Estado está mais autónomo, bem como os atores infra-estatais estão em relação ao
Estado. A perda do monopólio do emprego da violência legítima por parte do Estado já
não é uma novidade histórica, isto apesar de a historiografia recente nos ter habituado ao
contrário.
Do estudo da História Militar depreendeu-se que, no século XIX havia atores nãoestatais (partidos, combatentes irregulares, nações reivindicadoras de espaços de
identidade) que utilizaram a violência na cena internacional; porém, as teorias clássicas
não os consideravam como atores, mas sim como [elementos com práticas desviantes,
perturbadores da ordem estabelecida através das suas «espécies de guerra»], na
classificação de Jomini (1830 e 1938).50
No Pós-Segunda Guerra Mundial, essas guerras menores começaram a ser
frequentes, ficando o confronto entre Estados para segundo plano. Os conceitos
ressurgidos das guerras de libertação, guerras revolucionárias, guerras de pessoas, etc.,
tornaram muito ténue a fronteira entre o interno e internacional, havendo um amplo leque
de tonalidades de transição e, em muitos casos, nem sequer é possível dizer se estamos
perante uma guerra interna ou internacional.
Nas sociedades da terceira vaga ou pós-modernas, podemos considerar que o
espectro tradicional da guerra evoluiu, não quanto às tipologias propriamente ditas, nem
quanto às formas de guerra nelas inseridas, mas sobretudo na terminologia aplicada, que
por vezes apenas atribui ao mesmo objecto em análise uma “designação nova”, uma vez
que também estamos intoxicados por um pensamento padronizado do agrado dos meios
de comunicação social e das elites políticas.
Apesar da diversidade de tipologias possíveis de enunciar, surgem na diversa
bibliografia especializada ou nos meios de comunicação social, de uma maneira muito
genérica, a classificação das guerras em regulares ou convencionais e irregulares ou não
convencionais. Como guerras regulares, consideramos os conflitos que obedecem ao
50
O General Jomini classificava as guerras como de conveniência, com ou sem aliados, de intervenção, de
invasão, de opinião, nacionais, civis e de religião e as guerras duplas.
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modelo clausewitziano. Nesse sentido, nas guerras irregulares ou não convencionais
participam outros e novos atores para além dos definidos por Clausewitz e não envolvem
Forças Armadas num campo de batalha, nem recorrem a operações tradicionais no mar e
no ar (Russet et. al. 2000).
Guerra Revolucionária – sendo certo que incorpora os conteúdos conceptuais da
guerra subversiva, caracteriza-se por ser conduzida nos pressupostos do marxismoleninismo e pretender, em última análise, a implantação do comunismo, utilizando uma
amplitude de meios e processos que vão da guerra convencional à guerra subversiva, ou
simples aspetos de Guerra Fria. Ou ainda, o mero esquema de agitação/propaganda
(Pinheiro, 1963).
Guerra revolucionária significa igualmente a transformação da luta em revolução, já
que uma vez destruída a sociedade velha, através de um sistema de educação
revolucionária, emergirá um “Homem novo”.
Guerra Insurreccional – confunde-se com o conceito de guerra interna, sendo “uma
luta armada, de carácter político, levada a efeito num dado país, contra o poder político
constituído” (EME, 1966a).
De acordo com esta definição, diferencia-se da guerra subversiva por não ser
conduzida obrigatoriamente pela população civil. Esclarece-se que estes conceitos se
inserem num mais lato, o de subversão, razão pela qual doravante neste trabalho,
referiremos indistintamente, guerra subversiva, guerra revolucionária, e guerra
insurreccional, dado que todas elas se desenvolvem em ambiente subversivo e
empregam técnicas comuns para obter o controlo político do Estado ou simplesmente
para desgaste do poder instituído. Neste sentido, e porque as guerras subversivas
combinam as diversas formas de violência (da militar, à das vontades, passando pela
pressão económica e pela diplomacia), são uma guerra política na expressão de Paul
Smith (1989), ou, na linha clausewitziana (1976), também elas continuam a política por
outros meios, uma vez que através de uma estratégia total, pretendem, em última análise,
a implantação de um novo sistema político ou, no mínimo, o desgaste do vigente, pela
prática de um desenvolvimento lento, de guerra prolongada e de esgotamento da ordem
constituída. Isto significa que recorrem a outros meios, para além dos políticos, para
alcançarem os objetivos políticos pretendidos.
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Guerrilha – etimologicamente, significa pequena guerra. Considera-se que César já
enfrentara a luta de guerrilhas nas Gálias e na Grã-Bretanha. A divulgação do termo
ocorre a partir da luta dos guerrilheiros espanhóis e portugueses contra os exércitos
invasores de Napoleão I. Quanto a Portugal, ficaram conhecidas as “guerrilhas” do
Remexido do Algarve, dos maçais de Foz Côa 51 , e no último quartel do século XX,
durante a guerra colonial, as Forças Armadas portuguesas enfrentaram movimentos
independentistas que utilizavam sobretudo a guerrilha como técnica, adaptada às
possibilidades psicológicas, geográficas e políticas e a uma relação de forças (Delmas,
1975).
A guerrilha na realização de operações militares emprega determinado tipo de
meios e processos com um carácter restrito. As circunstâncias e os meios são
determinantes para o coeficiente de agressividade destas guerras.
Terrorismo – Entre 1936 e a atualidade encontra-se mais de uma centena de
definições de terrorismo. Normalmente as definições encontradas remetem o terrorismo
para o quadro da marginalidade violenta, em consonância com as matrizes éticas do
Estado tradicional e com a legitimidade do seu aparelho político, administrativo, de
segurança e defesa.
Esta entidade protoplásmica começou a ocupar lugar de destaque na atividade
política, sensivelmente a partir do início dos anos de 1970. Foi no entanto após o 11 de
Setembro, nos EUA, que a noção de terrorismo foi alterada qualitativamente e este
assumiu posturas radicais, adquirindo também uma categoria transnacional.
John Andrade (1999), na obra «Acção Directa. Dicionário de Terrorismo e
Activismo Político», apresenta uma categorização dos terrorismos, como:
a)
Movimento sem verdadeira retaguarda de massa, casos havendo em
que os atores/militantes praticamente se representam apenas a si;
b)
Movimentos com variável densidade política e sociológica, recebendo
eventualmente apoios de Estados;
c)
Práticas de Estados sobre as próprias populações;
51
v. Garcia, Francisco M. G. P. Proença., 2003. Da Guerra e da Estratégia: A nova
Polemologia. Revista Militar, de Novembro de 2003. pp. 1103-1136.
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d)
Práticas secretas de Estados no plano internacional, com uso de
meios humanos próprios sob cobertura, recurso a grupos terroristas manipulados,
ou emprego de “diplomacias coercitivas”, tanto sobre outros Estados, como sobre
pessoas coletivas e individuais.
Guerras Étnicas ou Identitárias: este conceito complexo é frequentemente
apontado como estando na origem de guerras. Esgotada a noção de uma identidade
colectiva, emergem alteridades entre comunidades com as sequentes afirmações
identitárias, e que por vezes podem ser o detonador de guerras de secessão.
O que por vezes parece étnico pode apenas ser o reflexo de movimentos sociais
mais profundos relacionados com o território, poder, ou controlo político ou de recursos
naturais, como a República Democrática do Congo, a Uganda, o Ruanda e o Burundi. A
linha de fratura pode ter sido étnica, onde as pessoas mostram o seu descontentamento
por uma unidade política que não foi capaz, ou não quis satisfazer as suas expectativas, e
em que confiavam para defesa dos seus interesses (Pearson, e Rochester, 1997: 4-12).
Michael Brown (1996: 3-25), apresenta de forma distinta quatro grandes factores
que conduzem a conflito de Guerras Étnicas:
1.
Estruturais: Estado fraco, problemas de segurança, geografia étnica;
2.
Políticos: discriminação político-institucional, política das elites,
políticas intergrupal, ideologia nacional exclusiva;
3.
Socioeconómicos: problemas económicos, sistema discriminatório,
desenvolvimento económico e modernização ou globalização;
4.
Culturais: problemas históricos, discriminação de padrões culturais.
No seu estudo, Michael Brown dá grande relevo ao papel desempenhado pelas
elites domésticas e pelos Estados vizinhos, considerando que o fator étnico é quase
sempre instrumental.
Guerra de secessão - quando um grupo pretende deixar de estar vinculado a uma
determinada unidade política e pretende criar a sua própria unidade política. Os motivos
podem ser étnico-culturais, económicos, identitários, etc.. As motivações podem ser
alternativas ou cumulativas. Em princípio nada tem a ver com as guerras da
independência anticolonial, mas de comum têm a afirmação de uma identidade, como na
Americana, Chechénia, ex-Jugoslávia, etc.
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Guerra ilimitada – Esta terminologia é preconizada pelos Coronéis chineses Qiao
Liang e Wang Xiangsui (2000), que alertam para a alteração significativa que a função da
guerra sofreu, passando a ter um papel secundário face a questões mais complexas e
relevantes como a política, a economia, a cultura, que vem demonstrar as limitações dos
meios militares.
Para eles, as Forças Armadas já não servem para submeter o inimigo (In) à “nossa
vontade”, mas sim para obrigar o inimigo a aceitar os “nossos interesses”, utilizando para
isso todos os meios, letais e não letais. Estes autores chineses propõem tácticas para os
países em desenvolvimento, nomeadamente a China, para num conflito de alta tecnologia
compensar a sua inferioridade militar face aos Estados Unidos. Os autores advogam o
uso de uma multiplicidade de meios, militares, mas sobretudo não-militares, tais como a
atuação com hackers nos websites, tendo como alvos as instituições financeiras, o
terrorismo, a utilização dos meios de comunicação social e guerra urbana.
Para Qiao Liang e Wang Xiangsui, tudo o que pode trazer benefícios para a
humanidade, também lhe pode infringir danos, afirmando que atualmente não há nada
que não possa constituir-se como arma, e a primeira e única regra desta Unrestricted
Warfare é que não há regras, tudo é permitido.
Guerra Entre Civilizações – No ano de 1993, Samuel P. Huntington publicou um
artigo na Foreign Affairs, “The Clash of Civilizations”, posteriormente em 1996
desenvolvido no livro “The clash of civilizations and the remaking of World order”, onde
define oito tipos de civilizações: a) Ocidental; b) Japonesa; c) Latino-americana; d)
Confucionista; e) Islâmica; f) Hindu; g) Eslava ortodoxa; e h) Africana.
Para Huntington, o Pós-Guerra Fria é caracterizado pelo ressurgimento de
fenómenos de identidade e religiosos, frustrados pelo quadro de pensamento herdado do
período da confrontação Leste-Oeste.
As relações internacionais e a corrosão ideológica tendem, nessa perspetiva, a ser
substituídas pelas alianças definidas pela Cultura e na Civilização e as guerras já não
seriam entre Estados ou alianças, mas entre civilizações. A política global, alterada pela
modernidade, reformula-se segundo eixos culturais, sendo o eixo central a oposição entre
o Ocidente e o resto do mundo.
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A contestação a esta teoria vem sobretudo da escola francesa, que a considera
demasiado determinista, de onde se destaca a posição de Pascal Boniface, para quem as
guerras não são entre civilizações, mas sim dentro destas (Boniface, 2003: 23-27).
Daí também o facto de, por um lado, os governos muçulmanos se cindirem na
Guerra do Golfo, e, por outro lado, a opinião pública dos respetivos países exprimir desde
o princípio a sua oposição ao Ocidente interventor.
Guerra Económica – Clausewitz já considerava que a guerra constituía um conflito
de grandes interesses, solucionada através do sangue e por isso seria melhor comparála, «mais do que a qualquer arte ao comércio, que também é um conflito de interesses e
de atividades humanas» (1976: 164).
As guerras sempre tiveram uma dimensão económica nas suas origens e nas
consequências, sendo que a guerra económica é desenvolvida pelos Estados,
organizações de Estados, ou empresas, para conquistar mercados, ou seja, com fins
essencialmente económicos, mas pode também ser apenas um instrumento para alcançar
um objetivo político e militar.
Hoje já não são os blocos ideológicos e políticos que se enfrentam no mundo, mas
sim os Estados ou os blocos geoeconómicos, concorrentes ou mesmo rivais (Valle, 2001);
considerando até esta guerra como uma das principais formas de conflitualidade
moderna.
Num mundo em que o combate se trava na esfera económica, os Estados ou
empresas precisam de desenvolver os seus sistemas de intelligence, voltados para a
segurança e, sobretudo, para a economia, os mercados e a competitividade, falamos da
Competitive e da Business Intelligence.
Guerra Pelos Recursos – As guerras pelo acesso a recursos naturais no pósGuerra Fria são eventos não-isolados, fazem parte de um quadro global, o sistema
geopolítico. Actualmente, estamos perante o emergir de uma nova geografia dos conflitos,
onde a competição pelo acesso a recursos vitais, escassos se está a transformar no
princípio governativo, e onde a disposição para o emprego da força armada se resguarda
(Klare, 2001), pois a desigual distribuição de alguns dos recursos natu rais de que a
humanidade depende conduz sempre a conflitos violentos (Westing, 1986).
Guerra Psicológica – Este tipo de guerra serve-se da arma psicológica, ou seja,
utiliza um conjunto de processos ou meios que se destinam a influenciar as crenças, os
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sentimentos e as opiniões da população, das autoridades e das Forças Armadas, de
forma a condicionar e manipular, dessa forma, o seu comportamento. A sua utilização
será, logicamente, complementar a qualquer outro tipo de guerra.
Guerra de Informação – Entendemos por guerra de informação as ações ofensivas
que visam obter a superioridade da informação, em apoio à política nacional e à
estratégia militar, que afetem a informação do adversário, nos domínios civil e militar, e as
atividades relacionadas com a sua obtenção, tratamento e difusão, a par da proteção e
aumento das potencialidades das nossas atividades correspondentes naquele domínio.
Viegas Nunes (1999), na Academia Militar, define-a como «tudo o que se possa
efetuar para preservar os nossos sistemas de informação, da exploração, corrupção ou
destruição enquanto simultaneamente se explora, corrompe ou destrói os sistemas de
informação adversários, conseguindo obter a necessária vantagem de informação». As
guerras de informação são as guerras típicas das sociedades pós-modernas, sendo que
no espaço de batalha atual o mais importante é o domínio do acesso e utilização oportuna
da informação.
A Network Centric Capability/Warfare – Esta é uma teoria emergente de guerra
(Alberts, 1999). O termo network centric capability é redutor, devendo antes ser
considerada, segundo Beja Eugénio (2002: 3-1), a designação de Operações Centradas
em Rede (OCR), como o conjunto das operações militares levadas a cabo por uma força
armada interligada de acordo com as características da Era da Informação. Está muito
ligada ao Comando e Controlo (CC) e às tecnologias de informação, comunicação e
conhecimento (TIC) e é constituída por sensores (obter a informação), network (reunir,
comunicar e explorar a informação), interceptores (fazer sentir os efeitos militares da
Força).
A questão fulcral é a capacidade para obter, reunir e integrar, disseminar de forma
precisa, informação relevante em tempo real, que permita a compreensão da realidade do
TO a todos os comandantes, aos vários níveis e possibilite a opção quanto a operações
decisivas.
A NCW deve permitir maior precisão no controlo das operações, maior precisão na
aplicação da Força (Targeting e actuação “NRT”), acelerar o Ciclo de Planeamento e
Processo de Decisão; conhecer a situação operacional e aumentar a Segurança e
Proteção da Força empenhada. Estas guerras implicam um domínio ou mesmo uma
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supremacia das comunicações e, na maior parte dos casos, do espaço exterior, como a
quarta dimensão da guerra.
Guerra das Representações – Alexandre Del Valle, geopolítico francês, apresentanos este novo conceito de guerra das representações, cujo propósito é “forjar
interpretações subjetivas, por vezes falaciosas, dos acontecimentos, tem como objetivo
legitimar tal ou tal campo, tal ou tal causa, produzindo nos públicos-alvo, em função da
sua recetividade e referências culturais, os efeitos emocionais e psicológicos previstos”
(Valle, 2001: 219). A guerra das representações é, no fundo, uma nova tipologia para a
tradicional guerra psicológica, a que acrescenta modernos meios tecnológicos de apoio.
Guerra do Espaço – O espaço extra-atmosférico já não é apenas a quarta
dimensão do campo de batalha e hoje começa-se mesmo a falar de nova dimensão
geopolítica: a do espaço. Aqui pretendemos ir mais além da utilização da mesma e
considerar a possibilidade de colocação de sistemas de intervenção globais baseados em
novos tipos de energia (Telo, 2002: 233).
No presente, e cada vez mais, consideramos que se assistirá a uma corrida para a
militarização (Boniface, 2003: 122) do espaço, visando que, pelo menos do ponto de vista
de uma intervenção militar, o tempo passe a contar-se em segundos ou minutos, pois
seria independente da colocação prévia de forças no terreno.
Ciberguerra – Parte integrante da guerra eletrónica que envolve a utilização de
todas as “ferramentas” disponíveis, ao nível da eletrónica e da informática, para derrubar
os sistemas electrónicos e as comunicações do “inimigo/adversário” e manter os nossos
próprios sistemas operacionais (Nunes, 1999: 1726).
Guerra Preventiva – Consiste no assumir da iniciativa e atacar primeiro que o
inimigo identificado, beneficiando do fator surpresa e aproveitando uma oportunidade que
lhe confira um qualquer tipo de superioridade, como foi o desencadear da I GM por parte
da Alemanha; o plano Schliffen teve de ser acionado em 1914, uma vez que em 1916
seria tarde demais. Em vez de uma frente de batalha, os alemães teriam de enfrentar
duas frentes, uma com a França e a outra com a Rússia. Esta terminologia está agora em
voga, pois a Administração norte-americana tem-na utilizado como justificativo da sua luta
contra o terrorismo transnacional.
Guerra Preemptiva – Guerra em que se ataca o inimigo mas apenas depois de
aquele ter mostrado as suas intenções de uma forma explícita; trata-se de atacar antes de
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o inimigo o fazer, mas apenas após a revelação da ameaça, i.é, guerra decidida aquando
da existência de provas de uma ameaça eminente.
Guerra Religiosa – Guerras desta ordem surgem entre sociedades de tendências
promotoras do laicismo e outras de um confessionalismo e/ou no respetivo interior das
mesmas. Esta situação será exponenciada se existirem interesses concorrentes tanto
internos como projetáveis no exterior, como a Turquia em si, e face à Arábia Saudita e ao
Irão.
Segundo Amaro Monteiro, podem também eclodir guerras «entre culturas e grupos
culturais portadores de comportamentos rígidos, com características ou práticas
suscetíveis de influenciar massas consideráveis, como acontece com o hinduísmo
militante, o judaísmo ultraortodoxo, o evangelismo fundamentalista, a seita da “Verdade
Suprema” e outras organizações de vocação similar (controlo da sociedade por uma
elite)»; ou ainda entre o Ocidente cristão e o Islão que, mesmo se não assumido na
Sharia como expressão cultural/transcendente de Estado, transporta nos conteúdos
jurídicos de moderna estruturação formal e nos sedimentos do subconsciente colectivo
um apelo da Comunidade Eleita que requer aquela Referência indeclinável. Tese/antítese
óptima como álibi de agressões» (1999/2000: 18).
Guerras de Terceiro Tipo – Kalevi Holsti (1996) tipifica as guerras em institucionais,
totais e, no seguimento de Edward Rice (1988), surgem como defensor das guerras de
terceiro tipo, que predominam no sistema internacional desde 1945, e que são guerras
fundamentalmente acerca das pessoas. São guerras essencialmente dentro dos próprios
Estados e não entre eles; o próprio Holsti (1996: 189) as identifica também com as
guerras de libertação nacional conduzidas pelos movimentos independentistas.
Guerras Novas – Mary Kaldor na sua obra New and Old Wars – Organized
Violence in a Global Era, de 2001, considera um novo tipo de violência organizada, pósqueda do Muro de Berlim e que pode ser descrita como uma mistura de guerra, crime
organizado e violação massiva dos Direitos Humanos, e apresenta-nos o caso de estudo
a guerra na ex-Jugoslávia. As guerras novas, em breve devido à uma crescente
dificuldade de recrutamento, terão uma componente de forças privadas muito significativa,
e os combatentes estatais ou não-estatais, possuirão uma organização menos
hierarquizada, com um comando e controlo mais descentralizado, com diversos centros
de gravidade; serão os combatentes pós-modernos.
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Guerras Híbridas – Para Frank Hoffmam (2009) as guerras híbridas são
caracterizadas por uma convergência de frentes em hora e local. O seu desenvolvimento
é físico e informacional, envolve atores estatais e não estatais, combatentes e nãocombatentes. As forças que empregam este tipo de guerra são eminentemente
adaptáveis ao adversário e são capazes de nele encontrar as brechas necessárias para
poder penetrar, podendo os combatentes empregar capacidades de alta tecnologia e em
simultâneo de baixa ou mesmo nula tecnologia. Nestas guerras a violência estatal pode
surgir em simultâneo com a de um grupo fanático atuando irregularmente.
São diferentes das Guerras Compostas, uma vez que estas contêm em si uma
significativa componente de ações regulares e irregulares, mas cuja luta tem apenas uma
frente, havendo um significativo grau de coordenação estratégica entre as diferentes
forças regulares e irregulares. Segundo Hoffman, as Guerras Compostas possuem uma
sinergia a nível estratégico, mas não a complexidade, a fusão e simultaneidade a nível
operacional e táctico que caracterizam as guerras híbridas, onde uma ou ambas as partes
acabam por fundir a ampla gama de tipologias do espectro da guerra.
Guerra e Crime Organizado – Para Steven Metz, a combinação entre a guerra e o
crime organizado constituem uma guerra de zona cinzenta que vê no momento a sua
importância estratégica acrescida. As guerras de zona cinzenta envolvem um inimigo ou
uma rede de inimigos, que possui importância política significativa (2000: 56-57).
A Guerra de Zona Cinzenta também pode ser considerada como uma Guerra
Latente ou Indefinida e pode ser Estratégica, quando dinamizada por uma organização ou
rede de organizações, tendo os seus objectivos e lucros muito bem definidos, recorrendo
à violência de forma incisiva e temporizada; pode ser considerada não-estratégica
(Carriço, 2002: 622), se concretizada entre grupos armados, bandenkriege (guerra de
bandos), entre guerrilhas sem ideologia, no reino dos senhores da guerra e sobretudo
num ambiente de impunidade.
Guerra Limpa – Face à esmagadora superioridade tecnológica tende-se para que
não haja baixas, ou se houver que sejam pouco significativas. Os Centros de Gravidade
não são apenas físicos e entram já no domínio cognitivo. No fundo uma actualização do
preconizado por Sun Tzu, “subjugar o inimigo sem o combater” (1974: 165), de forma a
criar um novo ambiente político com perdas controladas, mesmo para o In, evitando
reacções negativas da opinião pública.
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Guerra Assimétrica – Para Rupert Smith (2006: 4) classificar uma guerra como
assimétrica é um eufemismo, pois a arte na prática da guerra está em conseguir uma
assimetria em relação ao inimigo. Este velho conceito, reaparece associado à
superioridade tecnológica dos meios militares ocidentais. Contudo, é precipitado concluir
que a relação assimétrica tem como origem unicamente a diferença tecnológica. Ela pode
até ser diminuta ou nem existir.
A assimetria pode também ser temporária ou estrutural. Nesse sentido, a
assimetria emerge também da diferenciação na organização, na liderança mas sobretudo
na conceptualização das operações. A guerra assimétrica, como ficou dito, explora
sobretudo o fator surpresa, recusa as regras de combate impostas pelo adversário, utiliza
meios imprevistos e atua em locais onde a confrontação não devia ser provável (Boniface,
2002: 137).
Guerra Dissimétrica – Conceito desenvolvido nos meios militares norteamericanos. Esta é entendida como a procura de uma superioridade
qualitativa/quantitativa por um dos combatentes (Boniface, 2003: 137).
A superioridade induz qualquer adversário a refugiar-se em respostas assimétricas,
socorrendo-se de métodos tradicionais, por vezes rudimentares (na Somália, os
tambores), à mistura com meios de alta tecnologia disponíveis no mercado civil (GPS,
telefones por satélite, e-mail). É uma guerra de desgaste e que pode expressar a sua
violência através de guerrilha, de terrorismo, do crime organizado – depende muito da
imaginação e da força de vontade do adversário.
Guerra Urbana – As áreas urbanas e as populações que nelas se inserem
constituem o centro de gravidade onde os militares têm que cumprir as missões que a
política externa dos seus países lhes atribui. A guerra em áreas urbanizadas será o
cenário assimétrico mais provável e problemático, no presente e num futuro previsível.
Estas áreas podem caracterizar-se pela existência de um número elevado de refugiados,
deslocados internamente, altos índices de desemprego, de uma economia paralela, falta
de apoio médico, diversidade cultural, étnica, política e religiosa, onde a proximidade em
que grupos sociais distintos vivem uns dos outros promove um ambiente de elevada
tensão (Diliegge, 1998).
A guerra em áreas urbanizadas conduz a um empenhamento operacional de cariz
subversivo, associados a uma alta, média e baixa intensidade. Nas operações nestes
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teatros, onde a atividade de intelligence é primordial, vamos assistir a um incremento de
utilização de meios tecnológicos, de robótica, de armamento não letal e a uma diferente
organização para o combate das forças militares e militarizadas 52 . São inúmeros os
exemplos retirados da operação Restore Hope na Somália, das operações da KFOR no
Kosovo e da operação Enduring Freedoom no Afeganistão, ou as atuais operações de
estabilização no Iraque. O terrorismo também se pode inserir nesta tipologia.
Guerra Informal – Um dos atores é uma entidade não estatal como uma milícia
étnica ou um exército rebelde (Metz, 2000: 48). Será a sucessora dos conflitos de baixa
intensidade, caracterizada por um combate próximo, estando os combatentes misturados
com a população, com os seus objetivos, fluidos, visando, entre outros, a secessão, a
tomada do poder, o acesso e posterior controlo de recursos. Nestes conflitos é normal o
uso da violência de forma indiscriminada.
Guerra Pela Água – Esta será provavelmente uma das causas da guerra deste
século. Cerca de 80 países, representando cerca de 40% da população mundial, sofrem
atualmente de falta de água potável (Santos, 2002: 63).
Enquanto nos EUA cada habitante pode contar com 800 m3 de água por dia, no
Bangladesh só podem contar com 6 m3, e 25% da população mundial não tem sequer
acesso a água potável. A crescente escassez da água está a provocar, por exemplo, na
Argélia uma pressão demográfica regular sobre a linha do litoral fértil. No Médio Oriente,
no constante conflito israelo-árabe, a disputa também se faz pelo acesso e controlo da
água dos Montes Goulã. Perto de 40% da população mundial vive nas bacias
hidrográficas dos 214 principais rios mundiais que por seu lado são partilhados por mais
de um país. A partilha de recursos hídricos representa uma situação indutora de violência
relacionada com a água. Os 261 rios mais importantes cobrem cerca de 45% da
superfície da terra. Cerca de 145 países têm uma parte do seu território numa bacia
hidrográfica e 33 deles tem mais de 95% do seu território no interior dessa bacia. Dos
principais 214 rios partilhados: 155 são entre dois países, 36 entre três países e os
restantes 23 entre 12 países. Para termos uma ideia mais precisa, o Danúbio corre
através de 17 entidades políticas diferentes; o Congo e o Níger são partilhados por 11
52
Sobre a guerra em áreas urbanizadas, v. Peters, Ralph. (1998). «Our Soldiers their
cities».
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países. Daqui rapidamente se conclui o quão difícil se torna gerir um recurso tão
disputado (Santos, 2002: 96).
Guerra e Fluxos Migratórios – Nesta tipologia incluímos tudo o que implique
movimentos de populações, como as migrações de trabalho, os refugiados e os
deslocados. A passagem para o Ocidente próspero, tantas vezes apenas em busca de
uma miséria “dourada”, tornou-se obsessiva para milhões de pessoas. Porém, nem
sempre tudo corre como esperado e muitos acabam por ingressar na ou alimentar a teia
das clandestinidades, desde as do expediente para sobrevivência às da redenção violenta
da miséria (por manipulação de uma cultura do ressentimento).
Guerra Entre Países Desenvolvidos e Países Em Desenvolvimento – Esta tipologia
está em consonância com os conceitos de Alvin e Heidi Toffler e de Robert Cooper. As
desigualdades de desenvolvimento não são um fenómeno novo. Apesar dos discursos
sobre a Nova Ordem Económica Internacional, o fosso entre países ricos e países pobres
tem-se acentuado, e a tendência é para se agravar ainda mais.
Robert Cooper, num artigo publicado pelo Foreign Policy Centre em 2002,
intitulado The post modern State, explica como devem as forças pós-modernas actuar
contra forças irregulares pré-modernas ou modernas: «The challenge of the postmodern
world is to get used to the idea of double standards. Among ourselves, we operate on the
basis of laws and open cooperative security. But when dealing with more old-fashioned
kinds of states outside the postmodern continent of Europe, we need to revert to the
rougher methods of an earlier era – force, pre-emptive attack, deception, whatever is
necessary to deal with those who still live in the nineteenth century world of every state for
itself. Among ourselves, we keep the law, but when we are operating in the jungle, we
must also use the laws of jungle» (Cooper, 2002: 3).
As Guerras RMA/C53 – A RMA/C (Revolução nos Assuntos Militares, ou Revolução
Militar em Curso) (Garcia, 2000 b: 419) está sobretudo ligada aos grandes poderes,
nomeadamente aos EUA e seus aliados, e surgiu como uma das formas possíveis de um
qualquer grande poder conseguir vergar a vontade de outro menor, tendo como
53
A adoção da expressão RMC e não de RMA deve-se ao facto de considerarmos o fenómeno como um
processo dinâmico, em contínua evolução, tratando-se da revolução actual e não um processo findo e
passível de confusão com outros parecidos ocorridos ao longo da História.
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instrumento principal o uso da força, sendo essencial contê-la dentro de limites políticos,
éticos e estratégicos aceitáveis pela comunidade internacional (Telo, 2002: 221).
Os Toffler estão associados aos defensores da RMA/C, e Mary Kaldor (2001), com
uma visão liberal das Relações Internacionais, rompe com o modelo que considera
tradicional ao relacionar as guerras atuais com a RMA, defendendo que a revolução está
nas relações sociais da guerra, não na tecnologia, mesmo que aquelas sejam
influenciadas por esta.
As Guerras RMA/C aparecem-nos muito associadas à guerra cientificada, onde,
numa perspetiva de controlo do mundo e com o objetivo de destruição, há uma
mobilização dos meios científicos para a própria guerra. Mas podemos ainda considerar
muitas mais terminologias para tipificar a guerra.
Pascal Boniface (2002), na sua obra «Guerras do Amanhã», equaciona uma
terminologia que consideramos mais adaptada às formas de guerra do que a uma
tipologia de guerra em si, acrescentando à tipologia aqui apresentada, «as guerras: de
diáspora, da fome, do petróleo, do ambiente». Este autor relaciona ainda «a guerra com
fenómenos como o futebol e o turismo».
3.4. Guerra subversiva
Existe uma confusão frequente entre o conceito de subversão e o de guerra
subversiva. A subversão, entendida como uma técnica «de assalto ou de corrosão dos
poderes formais, para cercear a capacidade de reacção, diminuir e/ou desgastar, e pôr
em causa o poder em exercício, mas nem sempre visando a tomada do mesmo» (Garcia,
2000 a: 78) 54 ; nem sempre conduz à guerra subversiva, mas antecede-a e/ou
acompanha-a, e em regra trava-se no plano militar sob a forma de guerrilhas. No fundo, e
de uma forma abreviada, a guerra subversiva corresponde à subversão em armas.
Nos manuais militares, a guerra subversiva 55 surge como a «luta conduzida no
interior de um território, por parte da população, ajudada e reforçada ou não do exterior,
54
v. Monteiro (1993), Lara (1987), Aron (1988) e Muchielli (1976).
55
Abel Cabral Couto (1989) define guerra subversiva como: «a prossecução da política de um grupo político
por todos os meios, no interior de um dado território, com a adesão e participação activa de parte da
população desse território».
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contra a autoridade de direito ou de facto, com o fim de, pelo menos, paralisar a sua
acção» (EME, 1966a). É prolongada, metódica e com o objectivo de conquistar o poder,
sendo considerada a mais hábil e sofisticada forma de conflito (Collins, 2002).
3.4.1. Origem e conceito da Estratégia56
São inúmeras as definições e os critérios de delimitação do conceito de Estratégia.
A estratégia abrange diversos domínios da atividade humana.
No século XIX Clausewitz e Jomini apresentam uma definição de Estratégia que
reflecte as origens da palavra, relacionando o emprego da força militar aos objetivos da
guerra. Para Clausewitz a Estratégia era “a utilização do recontro para atingir a finalidade
da guerra” (1976: 199). Já Jomini, na sua obra Precis de L´Art de la Guerre, considerava a
Estratégia como “l´art de faire la guerre sur la carte, l´art d´embrasser tout le théàtre de la
guerre” (1838: 155).
No século XX, Capitão Liddell Hart, estrategista do período entre a I Guerra
Mundial e a Guerra Fria, deu início da distinção entre uma Grande Estratégia e uma
Estratégia pura, tradicional, a Estratégia Militar. Para ele a Grande Estratégia «serve para
dar um sentido de execução de uma política, pois o seu papel é o de coordenar e dirigir
todos os recursos de uma nação ou de um grupo de nações, para a consecução do
objecto político, visado com a guerra, que é definido pela política” (1966: 406).
Identificando a um nível inferior a Estratégia Militar como “a arte de distribuir e aplicar os
meios militares para atingir os fins da política” (1966: 406).
Porém, General André Beaufre, na sua obra «Introduction a la Stratégie»,
publicada pela primeira vez em 1963 (em plena Guerra Fria), desenvolve uma nova e
diferente teorização em que destaca que a Estratégia já não é do domínio exclusivo dos
militares, considerando relevantes as restantes formas de coacção (económica,
psicológica e política) a par da Estratégia Militar.
56
v. Garcia, Francisco M. G. P. Proença., As guerras do terceiro tipo e a estratégia militar. Revista Militar,
Novembro de 2005, pp. 1349-1371; O fenómeno subversivo na actualidade. Contributos para o seu estudo.
Revista Nação e Defesa do Verão de 2006, pp. 169-191; Descrição do fenómeno subversivo na actualidade.
A estratégia da contra-subversão. Contributos nacionais. Revista Estratégia XVI, de 2007, pp. 27-98.
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Para Beaufre a Estratégia era “l´art de la dialectique des forces ou encore plus
exactement l´art de la dialectique des volantés employant la force pour résoudre leur
conflit” (1985: 16). Com Beaufre (1985: 25-26) surge-nos a sistematização da Estratégia
quanto às formas de coacção subdividida em três níveis distintos: a) Estratégia Total; b)
Diversas Estratégias Gerais e num nível inferior, cada Estratégia Geral tem depois
diversas Estratégias Particulares; e c) Estratégia Operacional ou «operativ», que efetua a
ligação entre a conceção e a aplicação.
A Estratégia Total, encarregue de conceber a Guerra Total, define a missão própria
a cada uma das diversas estratégias gerais (política, económica, diplomática e militar),
assim como a sua combinação.
A Estratégia Geral tem a função de repartir e de combinar as tarefas das ações
compreendidas nos diferentes ramos de atividade da área considerada. Cada EG tem
diversas Estratégias Particulares, identificando uma categoria distinta e interdependente.
A Estratégia Operacional ou «Operativ» a articulação essencial que se situa a
charneira entre a concepção e a execução, entre o que se quer ou deve fazer e o que as
condições técnicas tornam possível, onde intervêm os factores logísticos e tácticos
(Beaufre, 2004: 44-46).
O General Beaufre desde a década de 1960 que constitui uma referência nas
escolas militares57, tendo a sua sistematização ainda hoje especial acuidade. O ensino da
Estratégia nas Escolas Militares portuguesas no último quartel do século XX foi muito
influenciado pelo pensamento do Tenente-General Abel Cabral Couto (1988: 209), para
quem a Estratégia era entendida como «a ciência e a arte de desenvolver e utilizar as
forças morais e materiais de uma unidade política ou coligação, a fim de se atingirem
objectivos políticos que suscitam ou podem suscitar, a hostilidade de uma outra vontade
política».
Neste início de século surgem quatro definições distintas, o que nos continua a
mostrar a falta de consenso em torno do conceito de estratégia.
57
Em Portugal, a sua influência fez-se sentir num conjunto dos nossos principais
estrategistas contemporâneos, dos quais destacamos os Generais Câmara Pina, Loureiro
dos Santos, Pedro Cardoso, os Tenentes-Generais Kaúlza de Arriaga, Lopes Alves, Abel
Cabral Couto e o Vice-Almirante Ferraz Sachetti.
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A definição de Colin Gray (2006: 14), permanece muito próximo de Clausewitz,
referindo que «following Clausewitz (who else), I must insist that Strategy is about the use
made of force and the threat of force for the goals of policy».
Nos manuais do Army War College norte-americano o conceito tem duas leituras:
a) A primeira, mais restrita, apresenta a Estratégia apenas como uma relação entre ends,
ways and means; e b) Uma segunda que entende a Estratégia num conceito mais lato
como «the skillful formulation, coordination, and application of ends (objectives), ways
(course of action), and means (supporting resources) to promote and defend the national
interest» (Bartholomees, 2006: 81).
Outros autores efetuam um alargamento do horizonte ôntico da Estratégia, tendo
Abel Cabral Couto (2004: 215) passado a defini-la como «a ciência e arte de, à luz dos
fins de uma organização, estabelecer e hierarquizar objectivos e gerar, estruturar e utilizar
recursos tangíveis e intangíveis, a fim de se atingirem aqueles objectivos, num ambiente
admitido como conflitual ou competitivo (ambiente agónico)».
Já Lawrence Freedman, na obra «The Transformation of Strategic Affairs», ao
justificar a sua ideia de transformação aplicada aos assuntos estratégicos, apresenta um
conceito demasiado abrangente e que pode levar não a uma generalização do emprego
do termo Estratégia, mas a uma deriva conceptual ou até banalização na sua utilização.
Para Freedman (2006: 9), «strategy is about choice. It depends on the ability to
understand situations and to appreciate the dangers and opportunities they contain. The
most talented strategists are able to look forward, to imagine quite different and more
benign situations from those that currently obtain and what must be done to reach them,
as well as more malign situations and how they might best be prevented. In so doing they
will always be thinking about the choices available to others and how their ownendeavours
might be thwarted, frustrated or even reinforced. It is this interdependence of choice that
provides the essence of strategy and diverts it from being mere long-term planning or the
mechanical connection of available means to set ends».
Hoje, o conceito de Estratégia já não é apenas o da Antiguidade Clássica (a “arte
do General”), nem tão abrangente como o de Freedman. Entende-se a Estratégia, ser
antecipatória e pró-activa, na sua essência e em sentido lato, consistindo na escolha do
melhor caminho para se atingir um determinado objetivo com os meios (de hard power e
soft power) disponíveis, procurando no jogo dialéctico minimizar sempre as
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vulnerabilidades, maximizar as potencialidades e neutralizar as ameaças, tendo a sua
aplicação num ambiente hostil ou competitivo, ou seja, em ambiente agónico.
A Estratégia Militar, é entendida como a aplicação do instrumento militar para
alcançar objetivos políticos.58
3.4.2. Análise do fenómeno subversivo na actualidade
As actuais guerras com cariz subversivo são referidas por outros autores como: a)
Guerras de Terceiro Tipo (Holsti, 1996); b) Guerras de Quarta Geração (Hammes, 2004);
c) Guerras de Debilitação Nacional (Gelb, 1994); d) Guerras Pós-modernas (Luttwak,
1995); e) Guerras Híbridas (Cooper, 2004) e (Hoffman, 2009); e f) Guerras Novas (Mary
Kaldor, 2001).
No seu desenvolvimento utilizam todas as formas de coacção disponíveis (política,
económica, psicológica e militar) para convencerem os líderes políticos adversários que
os seus objectivos são inatingíveis ou muito caros para os benefícios esperados
(Hammes, 2004: 2), provocando consequências no sistema internacional como um todo.
Nestas guerras as maiores vítimas são:
a)
Civis inocentes, que representam mais de 90% das baixas (Pearson e
Rochester, 1997: 06) das quais, na última década, 2 milhões eram crianças, numa
média de uma em cada três minutos (Singer, 2005: 4-5), constituindo-se acima de
tudo no principal objetivo;
b)
Refugiados e deslocados, vítimas humanas que na década de 70 do
século passado eram cerca de 2,5 milhões, e na de 90 eram já mais de 23 milhões.
Considerarmos o fenómeno subversivo como intemporal e, tal como Clausewitz o
fez em relação à guerra, podemos compará-lo com um camaleão, que modifica um pouco
a sua natureza e se adapta a cada caso concreto (Clausewitz, 1976: 89), assumindo
atualmente, em consequência de diversos factores (intrínsecos e extrínsecos), que
58
Nota do autor: «(…) As leituras dos trabalhos de Horta Fernandes e de Francisco Abreu (dois dos bons
jovens pensadores da Estratégia em Portugal) muito contribuíram para a formulação das minhas ideias e
dúvidas acerca dos fenómenos da guerra e da estratégia. Não posso também deixar de referir as longas
conversas com o Amaral Lopes, Sérgio Marques e com o teimoso do Beja Eugénio».
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caracterizam o sistema internacional e as sociedades políticas, bem como as suas interrelações, um carácter e formas qualitativamente novas.
Com o fim da Ordem dos Pactos Militares (Moreira, 1996: 452) houve alterações
significativas que foram introduzidas no conflito subversivo, sendo possível considerar
duas circunstâncias com impacto em tempos diferentes:
a)
O impacto imediato produzido pelo fim da Guerra Fria, sobretudo pelo
fim do apoio prestado pelas grandes potências aos conflitos por procuração, sendo
fundamental para se compreender a subversão contemporânea, identificar o papel
das suas novas formas, bem como das fontes de financiamento (Byman, 2001:
XIX);
b)
A segunda alteração, o impacto da globalização, porque mais
profundo e extenso, faz-se sentir num período mais dilatado, ainda não terminado
(Mackinlay, 2002: 15).
O fenómeno subversivo na atualidade manifesta algumas linhas de continuidade
em relação ao passado (assimetria, ambiguidade, lassidão, guerra psicológica, terreno
complexo, a mobilização política, uma ideologia unificadora), mas, segundo Steven Metz
(2004: 12-14), a par da melhoria dos métodos e dos meios, apresenta diversas inovações:
a)
Transferência do esforço das áreas rurais para as urbanas com a
sequente incapacidade de concentração e atuação em larga escala (o que limita o
atingir das 4.ª e 5.ª fase do ciclo evolutivo);
b)
Diversificação de apoios;
c)
Criminalização de atividades;
d)
Alargamento das ligações; e
e)
Capacidade assimétrica de projetar poder com o terrorismo
transnacional.
O desenvolvimento provocou uma alteração nas formas de atuação dos grupos
subversivos, que atualmente recorrem à alta tecnologia de informação e de comunicação
disponível, surgindo o termo infosurgents (Kiras, 2002: 227).
Hoje, as cinco fases do ciclo evolutivo da subversão podem não ser seguidas,
saltando-se etapas, como da primeira diretamente para a terceira fase.
Atualmente, em algumas tipologias de subversão, o tradicional apoio da população
já não é essencial (Mackinlay, 2002: 28-29), Steven Metz (2004: 13) vai mais longe,
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considerando que a subversão contemporânea apenas necessita da passividade da
população, dado que grande parte dos movimentos subversivos precisam somente de
garantir as fontes de abastecimento e instalações que lhes permitam fazer chegar os
recursos dos Estados, ou do que deles resta, ao mercado internacional. Porém, uma vez
que a subversão se movimenta entre a população, aquele apoio é sempre fundamental,
seja para ser manipulado, instrumentalizado, conquistado, ou mesmo para a transformar
apenas em espectadora pouco atenta, conseguindo desta forma a sua inação.
3.4.2.1. Origens e causas da Subversão
Podemos analisar a subversão segundo dois ângulos interdependentes: a) uma
análise racional em função dos objetivos; e b) outra análise segundo as motivações de
quem no terreno efectua as tácticas subversivas, onde os combatentes agem sem
racionalidade e de forma emocional.
Atualmente, os objetivos são idênticos aos do passado, o que há de novo são as
motivações e as diferenças nas tácticas e nos novos recursos utilizados, incluindo
tecnológicos. No fundo, a substância mantém-se, mas a forma varia.
Podemos efetuar uma sistematização com fronteiras ténues e, por vezes,
cumulativas das principais origens e causas do fenómeno subversivo na atualidade:
1.
A histórica resistência contra ocupantes, como aconteceu na
Península Ibérica face ao invasor francês no século XIX e agora no Iraque;
2.
As formas clássicas da luta de libertação e ideológica, como em
algumas regiões da América Latina;
3.
Em áreas menos desenvolvidas, nos Estados fracos e colapsados, o
desencadear de fenómenos violentos de cariz subversivo para conquistar um poder
frágil, como acontece um pouco por toda o Continente africano;
4.
Económicas, associadas ou não ao crime organizado;
5.
A afirmação de identidades nacionais e conflitos de ajustamento de
fronteiras tem impelido determinados grupos a desencadear guerras de secessão.
As motivações podem ser alternativas ou cumulativas e podem ser étnico-culturais,
económicas, etc.
6.
Em princípio, nada tem a ver com as guerras da independência
anticolonial, mas de comum têm a afirmação de uma identidade. Este processo de
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ajustamento é quase sempre endógeno, explorado por potências exógenas, como
no Médio Oriente, na Ásia Central e em algumas regiões de África;
7.
As mudanças civilizacionais. O desenvolvimento das sociedades e a
sua transição do pré-modernismo para o modernismo, ou deste para o pósmodernismo (Cooper, 2004), contêm em si os gérmenes de uma subversão. Este
tipo de mudança cria e altera significativamente as formas e relações de produção,
as estruturas do poder, as relações entre governantes e governados. As
consequências sociais são potencialmente devastadoras, afetando o equilíbrio das
estruturas tradicionais, colocando em risco a sua integridade social e cultural. No
mundo ocidental, é o modelo de Estado providência que é posto em causa;
8.
As diferentes formas de migração e a conurbação com o fenómeno
superveniente do desemprego, da “miséria doirada” e de luta/instabilidade social;
9.
O populismo (Ropp, 2005)59;
10.
As tensões e as manifestações de agressão e violência entre os três
tipos de sociedades já enunciados quando perante os contrastes oferecidos,
sobretudo via das novas TIC, sendo o melhor exemplo a internet);
11.
Entre sociedades, ou no respetivo interior, de tendências promotoras
de laicismo e outras de confessionalismo mormente se tal traduz ou veicula
concorrências de interesses tanto internos como projetáveis no exterior (Monteiro,
1999/2000: 18).
3.4.2.2. Subversão vs. Crime organizado transnacional
Quando os Estados têm as suas estruturas de soberania pouco consolidadas,
entram em colapso, perdem o controlo, a legitimidade e a coesão (Pauline e John, 1996:
20), facilitando a criação, disseminação e consolidação de coligações e redes de crime
(Cooper, 2004: 66), as Organizações Criminosas Transnacionais (OCT). Estas, que
possuem objetivos lucrativos muito bem definidos, uma capacidade de planeamento ao
59
Nota do autor: Steve Ropp (2005) refere que a incerteza associada à globalização conduz, nas
democracias representativas, ao desrespeito pelas instituições formais, que pode, em situações extremas,
levar ao desencadear de ações políticas diretas, ilegais, que minam as bases políticas e alteraram o
ambiente estratégico.
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nível estratégico e de condução de conflitos armados, envolvendo um inimigo ou uma
rede de inimigos, socorrendo-se muitas vezes das mais modernas tecnologias (Metz,
2000: 56-57 e Carriço, 2002: 622), desenvolvem a sua atividade criando um ambiente
subversivo, não visando, no entanto, a tomada técnica do poder.
Atualmente, o tráfico de estupefaciente é uma das mais rentáveis das diversas
atividades do crime organizado transnacional (COT). As OCT, com as verbas geradas,
adquirem um nível de poder que compete com o dos Estados pela capacidade para criar
diversas formas de instabilidade nos países onde operam, instabilidade de amplo
espectro, da social à económica, da política à psicológica. Ao mesmo tempo, tentam
conquistar indiretamente o poder político pela corrupção dos seus órgãos de soberania e
dos funcionários. Por outro lado, com a finalidade de intimidar o poder instituído, de forma
a garantirem completa liberdade de ação nas suas atividades criminosas, grupos como o
Mara Salvatrucha60, estão dispostos a usar elevados níveis de violência armada (Santos,
2004; p. 91-92) e, tal como já acontece na Bolívia e na Colômbia, chegam a administrar
partes significativas de um determinado território, assumindo para si os fins de segurança,
bem-estar social e por vezes até de administrar a justiça, substituindo-se plenamente ao
Estado, colocando ao mesmo tempo os conceitos tradicionais de soberania e integridade
territorial em causa.
As novas formas de subversão associadas aos conflitos armados que surgem no
contexto da globalização também têm uma dimensão económica, quer na origem, quer
nas consequências (Williams, 2000: 89).
São ainda indivisíveis do que é criminal, que passa para além das fronteiras e
envolve regiões inteiras, misturando numa rede económica informal o saque e a pilhagem,
o tráfico de seres humanos, de armas e narcóticos, as contribuições de imigrantes
(Angoustures e Pascal, 1996), os “impostos” sobre assistência humanitária, tudo a viver
da insegurança, da guerra, carecendo da continuação do conflito.
60
O maior gang a nível mundial, criado em 1980, conta com cerca de cem mil elementos espalhados nas
Américas do Norte e Central, Canadá e Espanha, dedicando-se aos mais diversos tipos de crime, como a
extorsão, o tráfico de drogas, o tráfico de seres humanos e de viaturas, o roubo, o tráfico de armas, o
homicídio e outros.
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Foram diversas as organizações revolucionárias como o Mouvement des Forces
Democratiques du Casamance e o Sendero Luminoso que se envolveram na
comercialização de estupefacientes, criminalizando as suas atividades, pondo assim um
pouco à parte a vertente ideológica do conflito e transformando-se em narco-guerrilhas
(Labrousse, 1996). Mas este envolvimento, que inicialmente seria apenas para o
financiamento, pode ser depois o próprio motor da guerra.
A criminalização pode também afetar as Forças Armadas (Paquistão, Peru,
Turquia), que ou se deixam corromper entrando numa lógica de enriquecimento pessoal
(narco-corrupção), ou então utilizam os fundos para financiar as suas atividades. Esta
situação acaba por prolongar os conflitos, pois a eliminação das narco-guerrilhas
provocaria também o desaparecimento de uma boa fonte de rendimentos (Labrousse,
1996).
3.4.2.3. Guerras civis vs. Luta urbana
Algumas guerras civis podem assumir, nalgumas fases do seu desenvolvimento,
um carácter subversivo. Os conflitos internos que tendem a disseminar-se e que com
facilidade ultrapassam as fronteiras físicas dos Estados, constituem uma fonte acrescida
da instabilidade internacional (Dougherty e Pfaltzgraff, 2003: 360), ao ponto de no
presente ser difícil distinguir se uma guerra é interna, internacional ou mista, dado que há
um amplo leque de tonalidades de transição.
Nas guerras civis, onde os motivos são complexos e ambíguos (Kalyvas, 2003:
476) encontramos:
a)
Uma disjunção entre identidades e ações ao nível das elites; e
b)
Outra disjunção ao nível das massas.
As alianças formadas pela conveniência respondem às oportunidades de cada
momento, e inserem-se num contexto conflitual a nível nacional e outro a nível local, que
estilhaça a autoridade em milhares de fragmentos e micro-poderes (Kalyvas, 2003: 479).
Hoje, no mundo em desenvolvimento, assistimos a uma combinação explosiva
entre o crescimento populacional e a urbanização (Taw e Hoffman, 2005; p. 2). As
populações rurais motivadas pela fome, pobreza e pelas guerras, refugiam-se ou imigram
para os grandes centros urbanos que crescem desreguladamente. Essas comunidades
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migrantes vão-se instalar nas favelas, bairros da lata, vilas miséria, callampas ou
shantytowns, das cinturas suburbanas em condições sub-humanas.
Neste ambiente encontram terreno para emergir as mais diversas formas de
subversão, como os gangs de rua (Manwaring, 2005)61, que ajustam as suas tácticas e
estratégias, no bom reconhecimento de que o centro de poder político-económico-militar
está na conurbação, que o poder pode e deve ser atacado na sua sede e não na periferia
(Laqueur, 1984: 344), sendo a prossecução de objetivos políticos através de atuações
violentas compelida para as cidades e para operações de pequena envergadura; ao
mesmo tempo, a luta urbana inviabiliza ou condiciona a utilização de determinados meios
pela contra-subversão (O´Neil, 1990: 45-47).
Se outrora as cidades eram o culminar do processo subversivo, agora constituem o
seu meio ambiente privilegiado. Tal como na guerrilha rural, nas selvas de zinco e adobe,
os combatentes que se misturam com a população com mais facilidade conseguem a
cobertura dos meios de comunicação social, mostrando a incapacidade do poder para a
proteger (Taw e Hoffman, 2005: 15).
Neste pano de fundo, a subversão acaba por controlar uma determinada área e
estabelecer formas alternativas de poder, beneficiando os seus seguidores com a
prestação de alguns apoios (incluindo a distribuição de alimentos), como a subversão
61
Nota do autor: [A argumentação de Max Manwaring assenta na seguinte base: “gang-related crime, in
conjunction with the instability it wreaks upon governments, is now a serious national security and
sovereignty problem in important parts of the global community. Although differences between gangs and
insurgents exist, in terms of original motives and modes of operation, this linkage infers that the gang
phenomenon is a mutated form of urban insurgency. That is, these nonstate actors must eventually seize
political power to guarantee the freedom of action and the commercial environment they want. The common
denominator that can link gangs and insurgents is that some gangs’ and insurgents’ ultimate objective is to
depose or control the governments of targeted countries. Thus, a new kind of war is brewing in the global
security arena. It involves youthful gangs that make up for their lack of raw conventional power in two ways.
First, they rely on their “street smarts,” and generally use coercion, corruption, and co-optation to achieve
their ends. Second, more mature gangs (i.e., third generation gangs) also rely on loose alliances with
organized criminals and drug traffickers to gain additional resources, expand geographical parameters, and
attain larger market shares” (2005)].
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urbana no Brasil, onde em 1993 no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté
(Estado de São Paulo) surgiu o Primeiro Comando da Capital (PCC). Esta organização,
liderada por Marcos Camacho, o “Marcola” inicialmente tinha o intuito de defender os
direitos e bem-estar da população reclusa. Porém, a partir de 2001 começaram a surgir
atentados contra bens públicos e sobretudo contra as forças de segurança, colocando “a
ferro e fogo” várias localidades, cujos atentados eram coordenados a partir da prisão via
telemóvel e aproveitaram muito o sensacionalismo dos meios de comunicação social.
Em entrevista a Armando Jabor do jornal O Globo, quanto à gravidade da situação,
“Marcola” sublinha que estamos perante uma situação de pós-miséria, em que já não há
proletários, há sim uma terceira “coisa” crescendo, sem medo de morrer, que gera uma
cultura assassina ajudada pela tecnologia, com métodos ágeis de gestão, que lutam em
terreno próprio, que estão no ataque e são cruéis. Para o líder, o problema não tem
solução, só a própria ideia é já um erro, afirmando: «vocês não entendem nem a extensão
do problema». A solução só viria «com muitos bilhões de dólares» gastos
organizadamente, e tudo sob a batuta de uma «tirania esclarecida», exercida por um
governante de alto nível, que ultrapassasse as barreiras legislativas e judiciais, o que
implicaria uma mudança psicossocial profunda na estrutura política do país, ou, em
alternativa, só recorrendo a uma bomba atómica sobre as favelas, sugerindo que «a
gente acaba arranjando também umazinha, daquelas bombas sujas … já pensou?
Ipanema radioactiva?».
Armando Marques Guedes (2005) considera ainda que os movimentos urbanos,
como as manifestações e formas de «acção directa anti-hegemónica» da «Esquerda
festiva», por exemplo, em Seattle (1999), os motins urbanos, como aqueles que
ocorreram em Los Angeles (Abril/Maio de 1992) e, mais recentemente, em Paris
(Novembro de 2005), ou os levantamentos populares pró-Democracia ocidental e liberal
na Europa Central e de Leste, constituem casos de “subversão” notoriamente eficaz. Para
Armando Marques Guedes, todos eles “foram desenhados com compasso e esquadria; e
todos se mostram tão acéfalos como localizados nas fronteiras difusas entre a ilegalidade
e a “desobediência civil”, entre a expressão democrática “legítima” e formas nuas e cruas
de exercícios voluntaristas do poder ” (Guedes, 2005).
A luta urbana não é uma técnica nova:
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a)
Na América Latina, no final da década de sessenta do século XX, foi
o centro de gravidade da luta subversiva passou do campo para a cidade, o que
rapidamente originou uma nova doutrina da guerrilha urbana. No Brasil
destacaram-se guerrilheiros urbanos como Carlos Lamarca e Carlos Marighella
(1969).
Carlos Marighella (1969: 39) acreditava que uma pequena elite subversiva poderia
explorar o mais ligeiro descontentamento e atuar como catalisador de uma insurreição
popular mais generalizada, sem, no entanto, ser necessário efetuar a construção de uma
organização política, onde o apoio estudantil e da população em geral aumentavam na
razão direta da repressão das autoridades governamentais; tentava, através da
provocação, forçar o Inimigo a transformar a situação política em militar e a liberdade de
ação residia nas pequenas unidades, com uma cadeia de comando simples, sem
comissários políticos, apenas um comando estratégico e uma coordenação regional.
b)
As principais qualidades e vantagens da guerrilha urbana seriam a
surpresa no ataque, um melhor conhecimento do terreno, uma maior mobilidade e
velocidade e uma melhor rede de intell.
Nos manuais do Army War College norte-americano, Metz (2004) e Beckett (2005),
discorrem quais os principais alvos (sabotagem de pipelines e transportes, instalações
militares, assassinatos políticos, raptos de polícias e americanos, artistas, figuras
públicas). O rumor era a base da guerra de nervos e essa informação deveria ser
passada às embaixadas estrangeiras, Organização das Nações Unidas (ONU), nunciatura
apostólica, etc.
Assim, o Povo culparia o Governo da situação caótica e pela insegurança
(Marighella, 1969: 99). Na selva de cimento do Uruguai, os Tupamaros – que
combinavam a concentração estratégica com a descentralização táctica – enfrentaram o
problema comum a todas as guerrilhas urbanas: enquanto os seus elementos eram
poucos e a escala das operações reduzida, permaneciam numa segurança relativa;
porém, com o crescimento da organização surgiam os problemas logísticos, de bases, e
com mais facilidade eram identificados e capturados (Laqueur, 1984: 346).
As ações subversivas em ambiente urbano surgiram ainda entre outros países
como na Itália (Brigate Rosse), na Alemanha (Baader-Meinhof), em França (Action
Directe), na Argentina (Montoneros), no Japão (Nihon Sekigun) e no Perú (Sendero
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Luminoso). Todas desafiaram a integridade política e socioeconómica dos seus países,
criando um clima de instabilidade e de insegurança individual e colectiva (Manwaring,
2004: 29), seguindo um processo doutrinário comum de três fases típicas da subversão
urbana: organização, desordem civil e terrorismo (Laqueur, 1984: 377), procurando
sempre a repressão violenta do Poder. No fundo, o aparelho do Estado devia ser
desmoralizado, parcialmente paralisado, destruindo-se assim o mito da sua
invulnerabilidade e ubiquidade.
3.4.2.4. Democracia vs. Subversão
Partindo do princípio que as sociedades dos países subdesenvolvidos ou em vias
de desenvolvimento são aquelas onde surgem as maiores contradições internas, que,
face à uma observação sociológica, se encontrariam particularmente vulneráveis à
subversão de qualquer sinal e procedência.
Porém, autores como Trinquier (1961), Delmas (1975), Laqueur (1984), O´Neil,
(1990), Mackinlay (2002) e Munkler (2003), consideram as democracias ocidentais mais
atreitas ao fenómeno, aproveitando a subversão, a sua organização social e os seus
meios para a enfraquecer. Nestes regimes, se, por um lado, não ignoram as intenções
daqueles agrupamentos (Delmas, 1975: 18), por outro lado, neles, as reações à violência
estão limitadas por restrições constitucionais ao horizonte ético, cuja violação afetaria um
conceito que moldou o próprio Estado.
Os tempos de resposta são lentos, na medida em que os aparelhos jurídicos o são,
por escrúpulo ou força intrínseca (como se queira ver); «as limitações na montagem e
funcionamento de dispositivos preventivos, as restrições à instalação (assumida) dos
repressivos, o fosso tradicional entre pensamento político e pensamento estratégico, a
ausência de estruturas de propaganda e contrapropaganda, a vincada dualidade
civil/militar, não capacitam as democracias ocidentais à contrassubversão, em termos de
isolar eventuais grupos, desencadear, se preciso, a «operação verdade» (para obtenção
de crédito por parte da opinião pública), evitar a situação de «tribunal popular» (onde o
poder aparece réu face à coletividade) e implementar, com eficácia, vigilâncias (milícias,
por exemplo) locais ” (Monteiro, 1993: 22).
Estas fragilidades expõem os governos ao ridículo e ao desprezo (Laqueur, 1984:
407). Deste modo, as democracias ocidentais tornam-se vítimas dos seus próprios
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conceitos. Uma vez conhecedoras da ameaça subversiva, só se podem preparar e reagir
contra ela, em princípio, reorganizando-se de acordo com princípios totalitários (Delmas,
1975: 19) ou quase totalitários62.
Todavia, esta situação implica uma restrição dos seus ideais, pelo que acreditamos
que, para a sobrevivência das democracias, essa preparação e reação passarão
forçosamente pelo recurso, entre outros, a um eficaz sistema preventivo, que preste um
apoio isento e esclarecido aos órgãos de soberania, sem complexos nem “má
consciência”.
A relação entre a democracia interna (liberal) e a propensão de um estado para a
guerra, embora não sendo unânime, os «liberais sugerem que a causa subjacente à
correlação é uma questão de legitimidade. Talvez nas democracias as pessoas seja de
opinião de que é errado combater contra outras democracias, porque há algo de errado
na resolução de disputas através de matança quando outras pessoas possuem direito de
aprovação. Além disso, controlos constitucionais sobre a guerra podem funcionar melhor
quando existir um vasto debate público acerca da legitimidade de uma batalha (…) Se o
número de democratas no mundo aumentar, poderá existir menos propensão para a
guerra, pelo menos entre as democracias»63.
62
Nota do autor: Nos EUA, antes do 11 de Setembro de 2001, o relatório da Commission on America´s
National Interest, de Julho de 2000, alertava para a necessidade de o governo americano na sua luta antiterrorista não debilitar a sua legitimidade política e infringir direitos e liberdades dos cidadãos americanos.
Com os atentados esta ideia foi pulverizada e o Congresso aprovou legislação muito restritiva (USA Patriot
Act), que conferiu novos e diferentes poderes ao governo federal, visando sobretudo incrementar a
vigilância, controlo e eventual procedimento criminal sobre indivíduos e empresas suspeitos de apoiarem
organizações terroristas, restringindo seriamente a tradicional liberdade de expressão, de circulação e
mesmo a privacidade.
63
Sobre a Democracia Liberal e a Guerra. In Nye, Joseph S. Jr. Compreender os
Conflitos Internacionais: Uma Introdução à Teoria e à História. 2.ª ed. Gradiva. Lisboa.
2011. pp. 56-58.
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3.5. Caracterização do fenómeno subversivo
A “subversão” e “guerra subversiva” são fenómenos, cuja origem se perde na
história, tendo sido teorizados e desenvolvidos desde a Antiguidade por autores que vão
de Sun Tzu (1974) a Bin Laden (2003), passando por Nguyen Giap (1972) e Amílcar
Cabral (1974), entre tantos outros.
A subversão em armas inicia-se antes de se evidenciarem as suas manifestações
violentas e, subordina-se, em regra, a uma ideologia política de um grupo organizado, que
atua conscientemente, com planeamento, preparação e conduta na atuação contra o
poder estabelecido, não sendo uma ação espontânea e descoordenada da população. Os
meios para a levarem a cabo são avaliados pela eficácia e pelo seu valor relativamente
ao fim em vista, materializando a população o seu centro de gravidade (EME, 1966 a).
A subversão é um fenómeno progressivo que visa um poder, político, ou no interior
de uma instituição qualquer que interesse controlar ou dominar, “alargando-se para o
efeito a todos ou a parte dos aderentes desse poder e exprimindo deste modo a luta entre
o grupo subversivo e a autoridade a abater” (Alves, 1992: 151).
Pode ter como objetivos políticos a criação de uma nova sociedade, a simples
modificação do regime existente, a substituição das autoridades que exercem o poder ou
a modificação de políticas do antecedente (Couto, 1989: 215). A escolha desses objetivos
deve ter em conta as tendências psicológicas da altura, assim como as vulnerabilidades
do adversário e dos parceiros a utilizar (Beaufre, 1985: 101).
Empregando ou não métodos violentos, a subversão como técnica que visa não só
desgastar e eventualmente conquistar o poder como também atingir subtilmente a opinião
pública, utiliza os conhecimentos das leis da psicologia e da psicossociologia, no bom uso
das doutrinas de Tchakotine (1992: 568), para quem a violação psíquica se faz sem que a
isso nada se oponha. A ruína do Estado ou a destruição do inimigo é alcançada por vias
distintas e radicalmente diferentes das da guerra convencional e da revolução. O exército
In cessará o combate porque estará completamente desmoralizado e doente como
resultado do desprezo que o rodeia. Qualquer tentativa de restabelecimento do status quo
ante será uma atuação no vazio e o poder deposto, em virtude da sua própria porosidade,
partirá só, sob o olhar indiferente da população (Mucchielli, 1976: 6).
Baseada na exploração de problemas ou contradições evidentes de natureza
social, ideológica, política, religiosa, racial, económica, geográfica ou mesmo exógena,
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(Couto, 1989: 219 & CECA, 1990: 54-57), suscetíveis de conquistar a adesão de variados
sectores da população, a subversão pode surgir em qualquer tipo de sociedade e
apresentar-se como uma proposta e/ou alternativa para a resolução desses problemas ou
contradições (Beaufre, 1972: 50).
O facto de existirem problemas reais e contradições em determinadas sociedades
não é sinónimo da existência de subversão, embora aqueles sejam propícios a esta. É, no
entanto, necessário um agente catalisador que desperte as consciências para tais
problemas, ampliando-os, se preciso, vencendo a tendência das massas para o
conformismo e outros fatores de inércia.
Porém, devemos distinguir entre condições/fatores favoráveis e causas. As
primeiras serão genéricas; as causas, pelo contrário, são particulares, dinâmicas e
adaptáveis. Apesar de assentes em fatores propícios comuns, cada situação deve ser
estudada de per si. A exploração das causas que devem ser simples, inspiradoras e
convincentes (Laqueur, 1984: 377), a persistência, a atitude humilde, a atuação
psicológica e a atividade de Informações, se bem geridas, permitirão, a seu tempo,
obtenção de frutos.
A estratégia da subversão é total, atua ao nível interno/externo através de uma
manobra indireta e por lassidão, não necessitando de travar batalhas decisivas,
materializando o cúmulo da perícia de Sun Tzu, já referida e que aqui relembramos
“subjugar o inimigo sem o combater” (1974: 165).
Na subversão não há blietzkriegs, o seu alastrar é lento e, procurando convencer
da sua razão e equidade e do inverso quanto à contra-subversão, absorve, como o
fenómeno do mercúrio derramado, a população, que é o seu fator de sucesso
determinante. Assim, procurando controlar áreas territoriais e preservar, sob seu controlo,
as populações fidelizadas, desgastando ao mesmo tempo as restantes e os meios da
contra-subversão, dirige-se ao seu objetivo final: a capitulação da autoridade. Garantida a
mobilidade, a segurança (na forma de negação de alvos ao inimigo), o tempo e a
doutrina, a vitória ficará com a subversão (Lawrence, 1920: 69).
3.5.1. Manobra subversiva
A subversão recorre a um conjunto de técnicas destrutivas e construtivas, que
Cabral Couto (1989: 232) sistematizou em:
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a)
Técnicas de organização, são a estrutura da subversão (basta uma
pequena minoria para criar um clima de instabilidade)64;
b)
Técnicas de ações gerais (psicológica, política externa e de
informações), que se destinam a apoiarem de forma permanente a globalidade da
luta; e
c)
Técnicas de ações especiais (agitação, flagelação e ação militar
clássica) que se referem à luta em si, e têm um ritmo próprio de desenvolvimento
onde estas técnicas são empregues.
Esta sistematização serve de base para a análise da manobra subversiva que não
se dirige apenas ao domínio restrito dos objetivos definidos, “mas, pelo contrário, têm
incidência sobre todos os domínios em que possa encontrar ideia ou bem material que lhe
facilite o caminho para esse objetivo” (Alves, 1992: 151). A manobra subversiva, tal como
a guerra entendida por Clausewitz (1976: 73), destina-se a submeter o adversário à nossa
vontade.
Contudo, os processos da guerra serão sempre violentos, ao passo que os da
subversão podem nem sempre recorrer à violência física, mas apenas à manipulação
frequentíssima das vontades, ou seja, as técnicas da guerra subversiva “ne se bornent
pas à faire apparaître une volonté populaire préexistante, elles sont susceptibles, en
maintes circonstances, de la créer” (Aron, 1988: 685).
O enquadramento coletivo e a preparação psicológica são a base de toda a
manobra subversiva (Pinheiro, 1963; p. 30), sendo o primeiro fundamental para a
mobilização da opinião pública, tarefa que permitirá, através de uma correta ação
psicológica, operar a transferência de universo político/ideológico.
A manobra de ação psicológica deve ser interna e externa. A primeira visa
persuadir a população, desenvolver o moral dos militantes, doutrinar as massas,
substituindo a hierarquia de valores, restringindo a liberdade de ação do adversário e
procurando desgastar e desagregar as forças de contra-subversão; externamente procura
isolar o adversário e criar/promover um clima favorável à subversão (Couto, 1989: 236).
64
Thomas Edward Lawrence, que contribuiu em muito para o entendimento da guerra subversiva, referiu
que a rebelião pode ser feita por 2% de uma força activa e por 98% de simpatizantes pacíficos (1920, p.
69).
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Neste tipo de guerra onde os êxitos são sobretudo psicológicos, as palavras, as
ideias e as perceções desempenham um papel importante, sendo a melhor propaganda
uma operação militar vitoriosa (Laqueur, 1984: 331).
Nas guerras subversivas não podem existir vocábulos apolíticos ou neutrais. As
próprias palavras são armas empregues para isolar e confundir o adversário, motivar
amigos e atrair indecisos (Shy e Collier, 1986; p. 821); a doutrinação das populações
deve conseguir, por um lado, uma atitude permanentemente hostil face aos invasores e,
por outro lado, a proteção e o apoio aos guerrilheiros (Giap, 1972: 69).
A população nestas guerras serve de apoio, fornecendo os elementos para a luta e
permitindo a circulação despercebida do agente subversivo. Nesta ordem de ideias, para
além da sua simpatia, a subversão carece da sua cumplicidade.
Os movimentos subversivos, em certas regiões, podem colocar as populações sob
uma das seguintes situações, conforme a evolução da estabilidade desses grupos
populacionais em relação às áreas controladas pelas Forças Armadas ou pelas
Autoridades Administrativas: controlo por parte da subversão; controlo por parte da
contra-subversão; controlo duplo, ou seja, controlo diurno por parte da contra-subversão e
noturno por parte da subversão ou o inverso.
Clausewitz, a propósito das campanhas da Rússia e na Península Ibérica tinha já
desenvolvido considerações sobre o povo na guerra, mais propriamente sobre a
problemática de armar o Povo (Landsturm), afirmando que essa ação conduziria à ruína
«as bases do exército inimigo tal como uma combustão lenta e gradual» e que, como
esta, «exige tempo para produzir efeitos». O povo, não podendo entrar no combate
decisivo, podia e devia, portanto, atacar as áreas de retaguarda e as linhas de
comunicações (Clausewitz, 1976: 578-581)65.
65
A propósito do significado do termo guerrilha, que na Península Ibérica, as milícias e ordenanças, bem
como a atuação da população foram fundamentais para, no caso português, expulsar o invasor francês por
três vezes. Neste período ficaram registados nos anais da História Militar Portuguesa personalidades como
Francisco da Silveira e diversos Bispos e Clérigos que assumiram o “Comando do Povo” (Bragança e Faro,
entre outros), que, com ações irregulares desgastavam os Exércitos de Junot, Soult e Macena, tendo o
primeiro reagido com uma campanha punitiva de extrema violência sobre as populações, campanha essa
comandadas por Loison, o famoso maneta.
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Para Debray a incorporação do povo na guerra deve ser progressiva, permitindo à
vanguarda combatente escapar ao esgotamento ou ao aniquilamento. Essa incorporação
permite a extensão do combate em todas as suas modalidades (1977: 129). A subversão,
sublinha ainda o autor referido, ou se implanta profundamente entre as massas
populacionais numa região precisa, ou vê-se condenada, num prazo mais ou menos
curto, a desaparecer (1977: 149-150). Assim, as massas “devem ser convencidas antes
de ser diretamente envolvidas na luta” (Debray, 1975: 33). Este objetivo deve ser
conseguido pelo trabalho de agitação e de propaganda.
A manobra de política externa procura maximizar a liberdade de ação e dos apoios,
que procura entre outras unidades políticas e OI (Couto, 1989: 239). O apoio como
veremos adiante neste livro, é prestado por diversas fontes e sob variadas formas,
desempenhando um importante papel na manutenção e sustentação de movimentos
subversivos.
3.5.2. Ritmo subversivo
No desenvolvimento da guerra subversiva, em princípio, distinguem-se dois
períodos e cinco fases, de limites mal definidos, e por conseguinte frequentemente
indistinguíveis:
a)
Período pré-insurreccional, que compreende a fase preparatória e a
fase de agitação; e
b)
Período insurreccional, que compreende a fase armada (de
terrorismo ou guerrilha), a de Estado Revolucionário e a fase final.
O seu valor é relativo pelo que os conflitos devem ser estudados casuisticamente;
a implantação das mesmas fases pode não ser simultânea na totalidade do território-alvo;
procurando, em todo o caso, respeitar a lógica do esquema e evitar ser detida na
transição do período pré-insurreccional para o insurreccional (Oliveira, 1963: 24-26).
Assim, normalmente, no período pré-insurreccional, em segredo, numa
organização ainda embrionária, a manobra é estudada e planeada. Na primeira fase, o
movimento subversivo deve compreender um órgão de direção e alguns elementos para
enquadrar a população, outros para ligações e recolha de informações e outros ainda
para ações de agitação/propaganda. Através da propaganda a subversão difundirá ideias-
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força e com notícias tendenciosas procurará remeter a contra-subversão para uma atitude
defensiva e de justificação (Couto, 1989: 237).
Ao passar-se para a fase de agitação ou de criação do ambiente subversivo, ainda
se permanece na clandestinidade; todavia, como os resultados começam a ser visíveis,
abandona-se o segredo e desencadeiam-se intensas ações de propaganda que, segundo
Hitler (1987: 445), devem preceder o desenvolvimento da organização, conquistando,
assim, o material necessário.
A agitação integra, com grande frequência, a técnica do entrismo66, da propaganda
de agitação, com o propósito de “ganhar” o apoio dos neutros, elevar o moral entre os
subvertidos e seus apoiantes, minar a confiança no poder instituído e enfraquecer o moral
das suas forças. A propaganda de agitação está ligada à ideia de revolução como
levantamento popular contra um poder opressivo ou repressivo, ideia que procura
empolar ou canalizar os descontentamentos, modificá-los em indignação e cólera,
transformando-os rapidamente em agressão àqueles que são considerados os
responsáveis da situação insustentável (Mucchielli, 1976: 23).
Nesta fase fomentam-se perturbações da ordem, procura-se levar as massas
populacionais ao desafio da autoridade (Couto, 1989: 241-242) e cria-se um clima de
medo, visando a desmoralização do poder, o descrédito e o desprestígio da autoridade, “a
ruptura aberta no tecido social, através da organização de contradições entre as
hierarquias estabelecidas e da constituição de forças polarizadoras paralelas; o facto
consumado do levantamento, com ou sem o recurso ao confronto armado, mas
procurando, na hipótese afirmativa, prolongar as situações de “contacto” das Forças
Armadas regulares com a massa popular, para naquelas criar a “má consciência” e, por
fim, a desobediência aos altos comandos e seu consequente colapso” (Monteiro, 1993:
24).
A organização é reforçada, os sistemas de infiltração e de informação são
consolidados. O status quo, como veremos na próxima parte, encontra aqui o seu período
crítico: ou responde eficientemente ou já não controla a evolução dos acontecimentos na
generalidade, apesar de os poder controlar pontualmente, em determinados aspectos ou
situações.
66
Técnica de entrismo - Infiltração metódica e planeada nas estruturas essenciais do poder a derrubar.
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A fase armada, de violência declarada da subversão, que assenta numa manobra
de flagelação (feita através de ações de sabotagem, terrorismo ou guerrilha, rural e
urbana), aparece já no segundo período, o insurreccional. Aqui, a ativação de “gruposchave” é simultânea com a guerrilha, que emerge como técnica de tomada do poder e, se
necessário ou útil, usa o ato do terror.
A guerrilha sobrevive devido à sua grande mobilidade e maleabilidade, sem dúvida,
mas sobretudo, devido ao apoio das populações, procurando atuar no seio do povo como
peixe na água, para usar o princípio de Mao Tse Tung (1972: 145), para quem a essência
da guerrilha assentava em seis princípios:
1.
Iniciativa, flexibilidade e plano na condução de uma ação ofensiva
durante a guerra defensiva;
2.
Coordenação com a guerra regular;
3.
Criação de bases de apoio, defensiva estratégica e ofensiva
estratégica;
4.
Desenvolvimento da guerra de guerrilhas em guerra de movimento;
5.
Relações justas de comando.
Aos princípios de Mao, Beaufre (1985: 104) acrescenta o dissuadir a população de
informar, através de um terrorismo sistemático, e, alargar ao máximo, em superfície, a
ameaça da guerrilha, sem no entanto incitar o inimigo a recuar, mas sim a empenhar cada
vez mais meios.
A subversão armada, através das suas atuações, que na maioria das vezes são
espetaculares, procura instaurar o “clima psicológico”, fomentar a agitação geral,
mantendo a excitação emocional e, se possível, a anarquia, tentando também por vezes
provocar a reação repressiva, criando mártires e preparando a subversão para provocar a
unidade defensiva dos grupos visados. Esta é uma forma de se legitimar, aumentar a
adesão e perpetuar a sua aceitação.
Tais situações, se retransmitidas amplificadamente pelos meios de comunicação
social numa engenharia de opinião (Chomsky, 1997: 25-29), podem criar a convicção
pública de que, na generalidade, o poder é impotente, que a guerrilha atingiu a
impunidade e que aquele, além de opressivo, é repressivo (nos casos em que não é
impotente…).
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Esta fase é decisiva, dado que, de certa forma, coloca já a subversão armada em
superioridade sobre as forças da ordem constituída.
Consolida-se a organização, intensificam-se e generalizam-se as ações violentas,
neutralizam-se as instituições, completa-se o estabelecer de estruturas políticoadministrativas e procura-se dominar algumas áreas do território.
Numa quarta fase os movimentos insurreccionais concorrem com o poder,
improvisando escolas e hospitais, aplicando a justiça e reclamando a existência de áreas
libertadas, alegando ainda que o território e a população estão cingidos pela sua
organização político-administrativa. Esta fase pode ser designada por “Estado
Revolucionário”; nela, a guerrilha esforça-se normalmente por ter uma conduta idêntica à
de força regular e tende com alguma frequência a invocar o estatuto de “Alta Parte
Contratante” no quadro do desafio que formula ao poder instituído, procurando, assim
legitimar-se.
Por fim, a máquina subversiva aciona um exército que procurará, a partir de bases,
dominar todo o território, recorrendo já a operações convencionais; durante o
desencadear desta fase, reclamar-se-á frequentemente o direito ao estatuto de
combatente, nos termos previstos nas Convenções de Genebra e Protocolos Adicionais.
3.6. Tipologias Subversivas
Face à caracterização efetuada, a subversão pode classificar-se em quatro
grandes tipologias67: a) “Lumpen”; b) Etnolinguística; c) Popular; e d) Global.
3.6.1. Subversão “Lumpen”
Os movimentos lumpen são bandos armados ligeiramente organizados, de
estrutura informal e horizontal, que podem emergir e obter sucesso contra um Estado
fraco, a sua energia irradia da rua e não pelo desenvolvimento intelectual de uma
ideologia, a atuação militar precede a conceptualização dos motivos, em vez de emergir
deles, e é levada a cabo sobretudo em áreas rurais; a disciplina assenta na brutalidade
67
Bard O´Neil (1990) sugere sete tipos de movimentos: anarquistas, igualitários, tradicionalistas, pluralistas,
secessionistas, reformistas e preservacionistas. Mais recentemente Steven Metz (2004) caracteriza-as
como nacionais ou como de libertação (2004).
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extrema, com utilização profusa de estupefacientes e de bebidas alcoólicas, onde o apoio
da população surge pela mera questão de sobrevivência, pois os elementos das unidades
lúmpen sistematicamente agridem e exploram as populações; a pertença ao grupo, para
além da sobrevivência, é uma questão de identidade, sendo o recrutamento forçado
(Mackinlay, 2002: 44-54). A Frente Unida Revolucionária da Serra Leoa é um bom
exemplo.
Para Ignatieff (1998: 132), forças destas podem ter apoio estatal, podendo fazer o
trabalho sujo e cometer as maiores atrocidades contra a vida e dignidade da pessoa
humana, o que não é “consentido” às forças regulares.
3.6.2. Subversão Etnolinguística
A subversão de base etnolinguística ou similar, como aconteceu na Somália, é
definida pelos laços familiares das estruturas que podem ser mobilizadas para o conflito
em unidades militares primitivas que são capazes de efetuar pequenas ações, mas não
um combate sustentado; são muito idênticas na atuação às forças lumpen, lutando
sobretudo por recursos e, cada vez mais, numa perspetiva de enriquecimento, porém as
lealdades assentam na genealogia e a pertença não é uma opção; uma unidade de
combate de um clã é organizada numa estrutura tradicional, onde as decisões são
deliberações dos mais velhos que desempenham um papel de relevo e a sua perenidade
deve-se à necessidade individual de sobrevivência.
As suas forças são a manifestação da sua cultura e apresentam poucos vestígios
de doutrina de insurreição ou de organização em estado-maior, e a liderança é indicada
pelos membros, de onde lhe advém o ascendente pelos pares e a boa aceitação pelos
mais velhos, de quem dependem na angariação de fundos e recrutamento (Mackinlay,
2002: 54-66).
3.6.3. Subversão Popular
As forças populares distinguem-se das “lumpen” e das etnolinguísticas, pela sua
ideologia mais elaborada e pela proximidade das populações que apoiam essa ideologia,
tendendo para uma organização militar mais consolidada. Na forma tradicional tem um
período pré-insurreccional e um insurreccional. São a resposta a um Estado forte, surgem
de uma organização em segredo que pode evoluir e conduzir operações prolongadas no
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tempo. A sua estrutura é celular e tendem para adquirir uma componente política
autónoma da militar, por exemplo os movimentos independentistas, que o poder
português enfrentou em África.
Os seus métodos variam dependendo da fase da campanha. Por vezes, é difícil
distinguir quando se está perante uma campanha revolucionária ou apenas de senhor da
guerra.
Atualmente, um movimento subversivo cai com facilidade na criminalização da
atividade, sem procurar qualquer outra forma de responsabilidade social e política que
beneficie a população (Mackinlay, 2002: 94).
3.6.4. Subversão Global
As forças globais, que no período da Guerra Fria se manifestavam através do
movimento comunista internacional, apoiado pelo Partido Comunista da União Soviética,
encontram presentemente a sua face visível em Bin Laden e na al-Qaeda, que se
caracteriza por uma organização armada proveniente de diversas regiões, apoiada por
uma vasta diáspora que partilha a mesma ideologia ou religião, e as suas acções são
acompanhadas pelos meios de comunicação social que lhe ampliam o impacto
(Mackinlay, 2002: 12-13).
Estes movimentos estão muito próximos dos movimentos populares, mas são
distintos, têm intenções, objetivos, recrutamento e organização globais.
Neste tipo de subversão há diversas facetas semelhantes às dos cartéis da droga:
a)
Estruturas de rede transnacionais;
b)
Compartimentação em células semiautónomas que desenvolvem a
maioria das atividades críticas da organização; planeamento das operações
meticuloso com um cuidado extremo na pesquisa e análise de intelligence, ambos
aprendendo com a experiência e adaptando as suas estratégias e práticas
(Kenney, 2003: 192).
Consideramos a subversão global como uma entidade de estrutura celular,
desterritorializada e por vezes acéfala (Bauer e Raufer, 2003, p. 106), que procura atingir
os pontos mais críticos de convergência entre a sociedade e o aparelho do Estado e está
mais vocacionado para desgastar o poder que desafia ou para promover a sua rejeição
do que para o derrubar, procurando forçar um comportamento repressivo, logo,
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comprometedor, e demonstrar a constrangedora ineficácia da prevenção (Monteiro, 2002:
3).
Para além da espetacularidade dos efeitos das suas atuações (concepção e
execução dos atos materiais em si mesmos), procura a ressonância publicitária junto da
opinião pública, bem como os efeitos psicológicos causados nos alvos.
A subversão global, aparece-nos normalmente com a designação de terrorismo
transnacional ou mesmo global, motivo pelo qual neste estudo, e a partir daqui,
trataremos indistintamente os dois conceitos. O tema do terrorismo transnacional será
analisado em parte específica deste livro.
3.7. Premissas do fenómeno subversivo
Uma subversão metódica, de cunho voluntarista, normalmente visa desmoralizar
ou desintegrar e desacreditar a autoridade, seguindo as cinco premissas da subversão
(de T´ai Kung, Mao Tse Tung e Bin Laden):
1.
Sustentar que o governo é indigno;
2.
Sustentar que o governo não está identificado com valores nacionais
e, portanto, se apresenta como estrangeiro;
3.
Atacá-lo com violência e persistência, para impressionar as massas;
4.
Procurar a impunidade dos ataques, para demonstrar que o governo
é impotente; e
5.
Figuração a derrubar e, neutralizar e/ou arrastar as massas para
impedir uma intervenção espontânea a favor do restabelecimento da ordem
anterior (Mucchielli, 1976: 69 & Monteiro, 1993: 23).
O processo é sempre eficiente, reunidas as condições mínimas nos terrenos sobre
que incida. O sinal da sua concreta procedência ideológica, bem como da estratégia em
que se integra, muitas vezes só é perceptível depois de apurar a quem aproveita ele; isto,
sem embargo de “ conjunturas nas quais, perdido o controlo por parte do «autor moral»
(situação mais frequente nas organizações terroristas), a subversão entra em órbita
irregular (aproveitável então por forças diferentes das da partida) ou passa a funcionar
como elemento de erosão passiva” (Monteiro, 1993: 23-24).
A contínua proliferação de grupos subversivos é um indicador claro que esta forma
de luta assimétrica foi largamente entendida como um meio efectivo de alcançar o poder,
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sendo que os movimentos que obtiveram sucesso foram aqueles que mostraram
capacidade de organizar uma infra-estrutura política suficientemente durável para
aguentar um conflito de longa duração (Beckett, 2005: 3).
4. Paz: Conceito, Dimensões e Problemática
Geralmente quando se evoca a palavra «paz» é para referir uma situação de
ausência de conflito ou guerra. Porém o conceito de paz tem conotações muito
diversificadas e não respeita apenas à ausência de guerra ou conflito. Por isso, de
folhearmos o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das
Ciências de Lisboa, encontramos várias definições de paz que respeitam a realidades
distintas a saber:

«Situação de qualquer país que não se encontra em guerra com
outro»;

«Restabelecimento de relações de amizade ou de concórdia entre
países pela cessação das hostilidades»;

«Situação caraterizada pela ausência de perturbação da ordem
pública e da normalidade institucional»;

«Estado de tranquilidade, moral ou espiritual»;

«Ausência de conflito nas relações entre as pessoas».

«Estado mais ou menos permanente de qualquer lugar em que não
se verifique ruído ou agitação».
4.1. Conceito e dimensões da Paz
O termo «Paz» parece-nos, pois, com diferentes conotações e significados. Ora
respeita situações – ausência de guerra entre os Estados e de conflito entre as pessoas e
ausência de perturbações de ordem pública – falando-se em paz militar, paz pública,
relações pacíficas; ora se refere aos efeitos de processos de acção – acordos de
cessação de hostilidades – falando-se de paz armada, que significa trégua, cessar fogo,
armistício; ora concerne a estados de espírito e mentais e a estados de natureza, falandose em paz de espírito, paz interior, paz bucólica, que equivale a despreocupação,
tranquilidade, calma (Fernandes, 2011: 91-92).
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Na ótica de C. Wright Mills, «a paz é uma palavra tão medularmente “boa” que se
impõe ter cuidado com ela. Desde tempos recuadíssimos tem significado para os homens
mais diversos as mais diversas coisas. De outro modo não se poderiam pôr tão em pronta
e tão geralmente de acordo com a paz» (cit. In Mitscherlich, 1971: 113)). E daí que a
expressão «paz mundial» faça parte do rosário de orações de comunicados políticos,
sendo escrita e pronunciada vezes sem conta, sem que os políticos ousem especificar a
sua ideia de paz mundial, com receio de poderem ser apodados de utopismo ou, então,
de cínicos.
No entanto, as Instituições laureados com o Prémio Nobel de Paz, que
participaram numa Mesa Redonda e, 1978, adotaram uma Declaração que começa com
as seguintes definições: «A paz é um conjunto dinâmico de relações de coexistência e de
cooperação entre as nações e no seio das nações, caraterizado não somente pela
ausência de conflitos armados, mas também pelo respeito de valores humanos enunciado
pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pela preocupação de assegurar a
cada um no máximo o bem-estar» (Tschudi, 1980: 49).
Esta definição de paz evoca a necessidade de existir relações de cooperação entre
as pessoas, entre os povos e entre as instituições, assente no respeito pelos princípios e
valores que fundamentam os direitos humanos, a fim de garantir a todos o bem-estar
económico, social e cultural, condição indispensável para que haja verdadeira paz
mundial.
Todavia, a paz de todos é o corolário da paz de cada um, e a paz mundial
pressupõe a existência de um estado global de despreocupação, de calma, de
tranquilidade mental, moral ou espiritual, e de uma situação de ausência de
conflitualidade nas relações entre as pessoas, entre os povos e entre as instituições que
os integram e representam (os Estados). Assim sendo, parece-nos que o conceito de paz
se pode definir como «um estado de tranquilidade mental, moral ou espiritual inerente a
uma situação de ausência de perturbação da ordem pública e de conflitualidade nas
relações inter-pessoais, interinstitucionais e internacionais» (Fernandes, 2011: 91-92).
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4.2. Ideia da Paz segundo várias conceções
A «Paz» é um conceito multifacetado e que encontra diferentes significados
conforme também os diferentes referentes teóricos a partir dos quais seja perspetivada
(Mateus Kawalski, 2014: 375).
Giorgio Del Vecchio (1968) aponta a ideia da paz segundo quatro concepções:
1.
Concepção Ascética é a que condena toda e qualquer espécie de
violência, logo também a guerra.
Esta conceção tem um núcleo de verdade. A lei moral, ínsita nos nossos corações
e altamente afirmada pelo Cristianismo, proíbe-nos o ódio e impõem-nos o amor, isto é, a
caridade, que deve estender-se a todos o género humano. A antiga lei do talião: «olho por
olho, dente por dente», o Evangelho substitui uma máxima bem mais sublime: «Amai os
vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos
que vos ofendem e vos perseguem».
Lactâncio sustenta que Deus proibiu absolutamente matar, e que por isso ao
cristão é vedado, não só cometer o latrocínio, mas também prestar o serviço militar, visto
que a verdadeira milícia consiste, para o homem justo, precisamente na justiça68.
Cipriano recomendava aos cristãos, seguindo o Evangelho, que amassem os
inimigos, e usassem contra eles unicamente armas espirituais; de modo análogo se
exprimiram S. João Crisóstomo, Santo Ambrósio, Santo Atanásio, S. Tomás, Santo
Agostinho, Suarez, etc.
No decurso do tempo a doutrina cristã foi mais moderada, tendo em atenção que a
paz pregada por Jesus Cristo era essencialmente a paz espiritual; a ordem temporal a
Igreja admitia, em regra, um certo respeito pelas leis do Estado, de harmonia com a
máxima: «Dai de César o que é de César, e a Deus o que é de Deus».
O pacifismo integral, segundo esta conceção, fundada no repúdio imediato e
incondicional do emprego da força, foi sustentado, não tanto pela Igreja católica, como
por certas seitas, tais como as dos Menonitas e dos Quakers.
68
Non enim, cum occidere Deus vetat, latrocinari nos tantum prohibet; quod ne per leges quidem publicas;
sed ea quoque ne fiant, monet, quae apud homines pro licitis habentur. Ita neque militare justo licebit, cujus
militia est in ipsa justitia. Lactâncio, Divinarum Instit., VI, 20.
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Na realidade, o nosso direito está tão intimamente ligado ao direito dos outros e à
ordem jurídica em geral, que não podemos abandonar de todo a sua defesa, sem pôr em
perigo, além do nosso interesse particular, o bem comum.
Por isso, embora estejamos bem longe de admitir a legitimidade da guerra em
todas as circunstâncias, não podemos aderir à doutrina do pacifismo absoluto, ou da «paz
em todo o custo».
2.
No polo oposto à teoria ascética, que pretende fundar a paz sobre a
abstenção absoluta do emprego da força, uma outra denominada teoria
imperialista, concebe a paz com o efeito de uma conquista universal.
A paz obtida pela força das armas não tem bases sólidas. Pode durar algum
tempo, mas não elimina as causas profundas dos conflitos entre os povos, deixando por
isso aberto o caminho a crises e a guerras, logo que se modifiquem as condições de
domínio efetivo de um povo sobre os outros.
As tentativas de estabelecer pela força hegemonias internacionais se revelaram
efetivamente impotentes.
As aspirações naturais da consciência dos Povos, bem como da dos indivíduos, e
em particular a inspiração à independência, podem ser, por vezes, reprimidas e
permanecer latentes por mais ou menos tempo; mas acabam sempre por despertar e
fazer-se valer. Donde se conclui que os empreendimentos bélicos não podem nunca, por
si sós, construir meios idóneos para assegurar uma paz duradoura entre as nações.
3.
Uma outra concepção tendente a promover a paz universal e
perpétua denominou-se por empírico-política, e que foi defendida especialmente
nos séculos XVII e XVII.
Para abolir a guerra, propunha-se simplesmente um acordo entre os chefes dos
vários Estados, pelo qual estes se obrigariam a manter a situação de facto existente. A
dificuldade de obter semelhante acordo unânime, e bem assim de lhe assegurar efetiva
aplicação, não tida em conta, ou era-o escassamente, pelos autores destas propostas,
que foram por isso, não sem razão, taxados de utopias.
Mais rigidamente pacifista era o programa defendido pelo abade de Saint-Pierre,
que quis aperfeiçoar o pretenso plano de Henrique IV. Na sua obra: “Mémorires pour
rendre la paix perpetuelle à l´Europe” publicada pela primeira vez em 1712, formulou um
projeto de tratamento entre os príncipes cristãos, pelo qual estes se obrigariam, por si e
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pelos seus sucessores, a renunciar a resolver a as contendas pela guerra, recorrendo
antes à mediação dos outros aliados, e, quando esta não tivesse êxito, a um juízo arbitral.
Mas este projeto tinha defeitos evidentes e já Rousseau os indicava na crítica, Jugement
sur la paix perpétuelle, após a uma sumula das ideias de Saint-Pierre.
Na verdade esta conceção deixa insatisfeitas algumas das mais profundas e
indestrutíveis aspirações da consciência humana, que não anseia só pela Paz, mas
também pela Liberdade e pela Justiça. A história de todos os Povos mostra à sociedade
quantas vezes os governos e os regimes vigentes se acharam em oposição mais ou
menos grave a essa inspirações, que se de ordinário se traduzem em reformas, às vezes
explodem em revoluções radicais.
4.
Muito mais defensável do que as até agora examinadas é a
concepção jurídica que considera o ideal da paz como indissoluvelmente ligado
ao Direito, ou seja, à Justiça.
Encontra-se vestígios desta conceção em pensadores antigos; mas só em épocas
relativamente recentes ela foi explicitamente formulada, estando ainda em vias de
elaboração teórica e prática mais profunda.
O desenvolvimento gradual de doutrinas que pretendem dar ao fenómeno da
guerra um fundamento jurídico, elaborando o conceito de guerra justa, deu impulso, ao
menos indireto, à concepção jurídica do fenómeno oposto. São importantes, nesta
perspetiva, as doutrinas de S. Tomás, de Francisco de Vitória, de Alberico Gentili, de
Francisco Suarez e outros.
De modo mais direto foram as críticas às concepções empíricas e utópicas,
nomeadamente de Saint-Pierre, que promoveram a teorização jurídica da paz.
Todo o homem, qualquer que seja o seu lugar na sociedade em que vive, e por
muito modestas que sejam as suas atitudes, pode e deve cooperar de algum modo neste
objetivo. Pio XII e Pontífice, enquanto raivava a segunda guerra mundial, lançavam os
princípios para uma nova ordem nas relações internacionais, que pela sua importância
discriminam-se: a vitória sobre o ódio, a vitória sobre a desconfiança, a vitória sobre o
utilitarismo como base do Direito, a vitória sobre os germes de conflito que consistem em
contrastes demasiado gritantes na economia mundial, a vitória sobre o egoísmo gelado
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que impede a solidariedade e a colaboração entre os povos69, o amor fraterno deve ser
verdadeiramente «universal»70 e o sentimento da fraternidade deve, com efeito, abarcar
todo o género humano.
Só de acordo com estes princípios se poderá estabelecer no mundo autêntica e
duradoura paz. Ela deve fundar-se na Justiça e Caridade, como dois aspetos essenciais
da Ética, ou seja, da lei suprema que domina o nosso espírito, e que em ambas aquelas
formas, sempre coerentes entre si, nos impõe os deveres para com todos e cada um.
Entretanto, Mateus Kowalski (2014) sublinha que atualmente podem ser
identificadas duas grandes linhas teóricas que conduzem as narrativas divergentes sobre
a paz: 1. as abordagens da «tradição» (no sentido de «positivista» ou «ortodoxa»,
incluindo o realismo, o estruturalismo e o liberalismo); 2. as abordagens pós-positivistas.
Na primeira, enquadra-se a narrativa da paz liberal; na segunda, a narrativa da paz
segundo a teoria crítica.
O autor citado afirma que «a paz liberal (…) resulta de uma evolução longa que
coincide com o próprio percurso do internacional liberalismo enquanto grelha de leitura
das Relações Internacionais. A narrativa da paz liberal é a construção teórica da paz
atualmente dominante e com maior implementação, quer ao nível doutrinal quer em
termos de programa político».
Para esta abordagem, paz significa ausência de violência física e estrutural para a
maioria, facilitada por instrumentos e métodos de construção da paz (Peace-building)
(Mateus Kowalski, 2014).
A paz é representada como um processo e um resultado definido por uma grande
teoria universal, desenvolvida e implementada de uma forma linear e racional. Trata-se de
uma narrativa que assume uma descrição objetiva da realidade, e logo, aponta os
elementos da paz única certificados por um processo de dedução racional.
Esta forma ideal de paz, concetualizada em termos de noções como
«democracia», «Estado de Direito», «direitos humanos», «segurança» ou
69
Nota do autor: Cfr., sobre os cinco pontos, o comentário de G. Gonella, Presuppost di un nuovo ordine
internacional, Roma, 1942, págs. 28 e segs.
70
Advertência de Pontífice na Alocução natalícia de 1939. In Giorgio Del Vecchio. Direito e Paz (Ensaios).
1.ª ed. Colecção «Scientia Ivridica». Portugal. 1968. p. 198.
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«desenvolvimento», consolidou-se a partir de vários discursos implícitos anteriores sobre
a paz num discurso único, explícito e realizável. Este «hibridismo da tradição» combina
elementos das narrativas idealistas (a forma ideal da paz), realista (a paz dos
vencedores), estruturalista (a paz enquanto emancipação estrutural) e o liberalismo (a paz
institucionalizada). Para além destes, o contributo dos Estados para a Paz (a paz
estruturada) – cooptado pela narrativa liberal – foi importante para dar à paz
tradicionalmente implícita do liberalismo as ferramentas académicas e políticas
necessárias à sua imposição enquanto forma dominante de paz. Funcionaram, assim,
como uma alavancagem de uma versão ampla e ambiciosa da paz liberal que pudesse
ser descrita, modelada e aplicada (Mateus Kowalski, 2014: 379).
A paz liberal identifica igualmente uma grande diversidade de atores relevantes
para a prossecução da sua agenda. Inclui-se as organizações internacionais, os Estados
e diversos atores não estaduais que intervêm na implementação da paz, incluindo o
indivíduo, movimentos de sociedade civil ou mesmo empresas transnacionais. O
indivíduo, titular de direitos ínsitos à sua qualidade humana, passa a ser um elemento
relevante no discurso da paz liberal (embora sem sobrepor ao Estado) (Mateus Kowalski,
2014: 379).
As abordagens pós-positivistas marcam uma rotura de paradigma com a
«tradição». A paz construída segundo uma perspetiva pós-positivista, em partícula no
contexto da teoria crítica, é uma paz emancipadora, quotidiano e de empatia, assente
numa abordagem pós-vestefaliana, produzindo uma crítica dura e de amplo espectro. O
foco nas questões sobre a marginalização, na conclusão ou na dominação e hegemonia,
confere a esta narrativa sobre a paz uma orientação desconstrutiva e emancipatória
(Mateus Kowalski, 2014: 379).
A construção teórica da paz radica naqueles postulados desenvolve-se, pois, a
partir de uma crítica às narrativas de paz da «tradição», em especial relativamente à
narrativa dominante de paz liberal. A abordagem pós-positivista da teoria crítica alerta
para a facto de discursos da paz liberal ser também ele e como qualquer outro, dotado de
subjetividade. A «verdade única» universal anunciada pelo discurso liberal não terá,
assim, fundamento epistemológico. A abordagem à paz pela teoria crítica obriga a uma
complexa consideração de dinâmicas, sujeitos e tópicos que vão para além de um
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discurso de dicotomias gerido pela ação diplomática caraterístico da paz liberal (Mateus
Kowalski, 2014: 380).
Entre o discurso da abordagem da teoria crítica à paz sobressaem um conjunto de
elementos da paz. Um primeiro contributo é a ideia de emancipação como luta pela
liberdade contra qualquer forma de hegemonia. Um segundo contributo traduz-se na
perspetiva pós-soberanista, segundo a qual as relações sociais internacionais não se
limitam ao Estado o qual pode mesmo ser um entrave à emancipação. O nível local é
mais valorizado assumindo-se mesmo como o ponto de partida do discurso. Um terceiro
contributo desta abordagem traduz-se na rejeição do argumento da existência de uma
razão universal. Finalmente, um outro contributo assenta na atitude crítica que tem por
objeto essencial a abordagem positiva ao lado de ser da «tradição». Assim, um aspeto
epistemológico das abordagens pós-positivistas é a da sua adesão à desconstrução
enquanto processo analítico (Mateus Kowalski, 2014: 380).
4.3. Problemática da Paz na Era da Globalização
O mundo em que vivemos – o planeta Terra – continua a ser marcado pela
agressividade coletiva, pela expressão da violência direta e estrutural e pela prática de
crimes contra a humanidade, em que a história é, muitas vezes, ensinada como sendo a
história das guerras, dos tratados de paz, da violação destes e de novas guerras, de
forma que a paz mundial é ainda uma miragem, objetivo a alcançar. E o caminho a
percorrer para alcançar este objetivo está cheio de obstáculos e de espinhos que é
necessário remover e ultrapassar. A caminhada não é fácil, mas é possível, desde que,
para isso, haja vontade de conhecer, compreender e agir.
A problemática da construção da paz para todos remete-nos a natureza biológica e
psicossomática do Homem e para a sua propensão cognitiva a associar-se, a integrar-se
e a aculturar-se (António José Fernandes, 2011: 93).
O homem, como qualquer outro animal, é naturalmente agressivo. «A
agressividade é inata à natureza do homem», observou Kourad Lorenz. E a história
universal confunde-se com a história da agressividade humana: «O ser humano
normalmente constituído é agressivo (a maior parte das vezes inconscientemente):
agressividade ligada aos seus instintos (sexual, de conservação, material, biológico…), às
suas ambições, aos seus sentimentos, e mesmo às suas convicções (…). E a
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agressividade individual – um dos elementos essenciais da natureza humana – não é
uma coisa por essência má ou nociva (ela é nomeadamente fonte de criação, de vida, de
progresso, mas também de luta e de morte). A agressividade é como o fogo (um elemento
ao mesmo tempo bom e mau), o qual permite ao homem aquecer-se mas o qual também
destrói pelo incêndio. E, tal como o fogo pode ser fonte de incêndio, a agressividade
individual pode facilmente transformar-se em agressividade colectiva» (Visine, 1972: 14).
Existe uma estreita ligação entre a agressividade individual e a agressividade
colectiva. As ambições, as privações, os fanatismos ideológico e religioso, as decepções
e as frustrações são factores susceptíveis de gerar sentimentos de ódio, de inveja e de
ciúmes, que se traduzem no aumento da agressividade. E, se estes sentimentos são
aproveitados por políticos fundamentalistas, chauvinistas e nacionalistas, para concretizar
as suas ambições político-ideológicas, a agressividade individual se transforma em
agressividade colectiva (António José Fernandes, 2011: 93).
A agressividade natural tem sido polarizada, muitas vezes, numa ideia força
(nacionalismo, anticolonialismo, independência, fundamentalismo religioso e políticoideológico) e, através da propaganda organizada, adquiriu uma dimensão colectiva,
transformando-se numa agressividade devastadora, que a história da humanidade
registou ao longo do tempo (António José Fernandes, 2011: 93-94).
O fortalecimento e sedimentação dos sentimentos de inveja, de ódio e
superioridade racial transformam a agressividade individual em agressividade coletiva e
levaram os homens a armar-se não para impor aos outros a sua presença, as suas ideias,
a sua língua e a sua civilização, pelo menos para se defenderem si próprios e para
defender os seus bens, a sua língua, a sua conceção do mundo e da vida, a sua
organização social, os seus costumes, as suas tradições e a sua civilização, na medida
que as sociedades se tornaram cada vez mais complexas, resultando daí a eclosão de
conflitos armados ou guerras, motivados pelas mais diversas razões, de natureza políticoideológica, económica, demográfica, religiosa e cultural, etc.
Assim, a agressividade individual transformou-se em agressividade coletiva,
gerando violência estrutural e a violência direta, que têm dizimado centenas de milhões
de seres humanos e destruído bens de incalculado valor.
Todavia, a agressividade inerente a natureza do ser humano não tem apenas uma
finalidade destruidora, traduz-se também em processos de ação criadores, construtivos e
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organizativos. E a agressividade pode ser refreada, controlada e orientada para a
criatividade construtiva e não para a destruição.
5. Direito à Paz no Contexto dos Direitos Humanos
Como já sublinhamos supra, a paz não é apenas ausência de conflitos armados, é
também um estado de tranquilidade mental, moral e espiritual decorrente da ausência de
perturbação da ordem pública pré-estabelecida.
Se o respeito pelos direitos do homem é condição necessária para que exista paz
entre os homens, mister o Direito à Paz esteja preservada e enquadrada no conjunto dos
direitos do homem, como há um direito ao trabalho, à educação, à saúde, à habitação e
ao desenvolvimento cultural harmonioso, que garanta a intervenção do Estado.
5.1. Direito à Paz
As leis fundamentais dos países, bem como os textos das Declaração Universal
dos Direitos do Homem, dos Pactos Complementares sobre os Direitos Civis e Políticos e
sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, das Convenção Europeia dos Direitos
Fundamentais da União Europeia e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos,
não enumeram o Direito à Paz como fazendo parte do conjunto dos direitos do homem.
A CRA realiza o chamamento à DUDH e à CADHP, como diapasão interpretativo
comum, ao consagrar o seguinte: «Os direitos fundamentais estabelecidos na presente
Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e regras aplicáveis de
Direito Internacional»71.
No entanto, a Declaração Universal dos Direitos do Homem refere-se
implicitamente à paz, ao prescrever, no seu art.º 28º, que «toda a pessoa tem o direito a
que vigore, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar
plenamente efectivos os direitos e liberdades enunciados na presente Declaração»;
querendo com isto dizer que as pessoas têm o direito de denunciar as situações de
prepotência, de conflitualidade ou de guerra que dificultem ou impeçam a aplicação e
usufruição e respeito dos direitos humanos. Por outro lado, a Assembleia Geral das ONU
71
Cfr. art.º 26º, n.º 1 e 2, da CRA.
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encarregou o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos de
«promover os direitos do homem, democracia e o desenvolvimento, como bases
fundamentais para garantir uma paz permanente duradoira».
Ao evidenciar a ligação entre a paz e os direitos do homem e considerar a sua
interdependência e a sua simbiose que «a 33.ª sessão da Assembleia Geral da ONU
(1978), na sua Declaração sobre a preparação das sociedades para a vida e para a paz,
reconheceu formalmente que a paz é um direito fundamental, precisando que este direito,
não é somente um direito colectivo mas também um direito individual» (Shestack, 1980:
128).
Desde então, a paz é entendida como um direito individual e colectivo que diz
respeito a todas as pessoas e a todos os povos. E, se os direitos civis e políticos e os
direitos económicos, sociais e culturais são interdependentes, também o direito a viver em
paz deve fazer parte integrante do conjunto dos direitos do homem. «O que é a paz senão
uma questão de direitos do homem?» dizia o presidente Kennedy. E «o que são os
direitos do homem senão uma questão de justiça?» sublinhava S. Tomás de Aquino.
As situações de injustiça que grassam pelo mundo e que impedem a aplicação
efetiva dos direitos do homem constituem entraves à construção e preservação da paz,
dado que são fontes latentes de conflitos. Por conseguinte, onde os direitos do homem
são desrespeitados não existem condições desfavoráveis à consolidação e preservação
da paz, dado que o direito à paz é também um direito humano fundamental, conforme
sublinha a Declaração da Assembleia Geral da ONU.
António José Fernandes (2004: 205-206) sublinha que «o reconhecimento,
proclamação e instituição dos direitos do homem e das liberdades fundamentais não se
concretizaram num curto espaço de tempo, nem todos os direitos foram reconhecidos e
consagrados simultaneamente. A luta pela dignidade, pela liberdade e pela igualdade dos
seres humanos foi longa. E a ideia de que os direitos de alguns deviam ser os direitos de
todos demorou muitos séculos a ser interiorizada e aceita pelas sociedades politicamente
organizadas até se tornar um princípio universal. (…)».
Para que os direitos do homem tenham um significado concreto e sejam
efetivamente aplicados e respeitados, é necessário que existam seguintes pressupostos
fundamentais:
a)
Que exista um sujeito - um titular – que passa a beneficiar deles;
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b)
Que seja identificável o objecto que dá conteúdo (substância) ao
direito;
c)
Que seja possível uma oponibilidade que permita ao titular fazer valer
o seu direito face à uma instância concreta; e
d)
Que tenha sido fixada (estabelecida) uma sanção organizada
suscetível de ser aplicada a quem desrespeitar o direito consagrado.
Tendo em conta estas realidades subjacentes aos direitos humanos, parece não
haver dúvidas de que o direito à paz se enquadra na terceira geração, sendo, portanto,
um direito difuso, cujos pressupostos da sua aplicabilidade e usufruição não são
claramente identificáveis e completamente precisos.
Isso decorre, desde logo, do facto da Assembleia Geral das Nações Unidas haver
declarado, em 1978, que o direito à paz não é somente um direito coletivo, mas também
um direito individual, o que significa que os seus titulares podem ser a própria
comunidade internacional, os Estados, as organizações internacionais, as coletividades
organizadas e os indivíduos, já que a oponibilidade que lhe concerne não é precisa, já
porque não existe uma definição (código) de sanções organizadas suscetíveis de serem
concretamente aplicáveis a quem ponha em perigo ou causa as condições necessárias
para se viver em paz.
5.2. Conexões dos Direitos do Homem com o Direito à Paz
Como foi referido, desde que a Assembleia Geral da ONU declarou, em 15 de
Dezembro de 1978, que a paz é um direito fundamental, o direito à paz passou a figurar
no conjunto dos direitos coletivos e individuais essenciais, sobrepondo-se até ao direito
soberano de não ingerência nos assuntos internos, quando é necessário desenvolver
ações destinadas ao restabelecimento, à imposição e à consolidação da paz.
No entanto, o direito à paz aparece como consequência da aplicação e respeito
dos direitos humanos, já que alguns analistas são perentórios em afirmar que o respeito
dos direitos do homem é uma pré-condição indispensável à manutenção da paz.
Nesta perspetiva, os direitos do homem precederiam o direito à paz, uma vez que a
consolidação e a preservação da paz pressupõem o respeito dos direitos humanos.
Porém, tal como os direitos civis e políticos e os direitos económicos, sociais e culturais
são indissociáveis e interdependentes, também o direito à paz é indissociável dos direitos
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do homem da primeira e segunda gerações. E, se o respeito deste é uma condição
imprescindível para que haja paz entre as pessoas, entre os povos e entre as instituições
também a ausência de conflito e de guerras e a existência de um estado geral de
tranquilidade mental, moral e espiritual propiciam e facilitam a aplicação e usufruição dos
direitos humanos.
Existe, por conseguinte, uma estreita e intrínseca ligação entre a defesa dos
direitos do homem e a salvaguarda e preservação da paz, podendo mesmo afirmar-se
que o respeito dos direitos humanos conduz à consolidação da paz, assim como a
preservação da paz facilita o respeito e a usufruição dos direitos do homem, o que
equivale dizer que não existe paz sem a usufruição efectiva dos direitos do homem, nem
os direitos do homem são plenamente respeitados se não estiver assegurada a
possibilidade de se viver com dignidade, liberdade, e igualdade em plena tranquilidade
(António José Fernandes, 2011: 173-174).
Todavia, a aplicação e o respeito dos direitos do homem podem interferir e entrar
em conflito com o direito a viver em paz. Por exemplo, o direito à autodeterminação dos
povos, contante do art.º 1º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos que
dispõe «todos os povos têm o direito a dispor deles mesmos. Em virtude deste direito,
eles determinam livremente o seu estatuto político e dedicam-se livremente ao seu
desenvolvimento económico, social e cultural», tem sido, várias vezes, reivindicado por
grupos que concorrem a meios violentos e à utilização do armamento, gerando conflitos
bélicos, que se traduzem em perseguições e massacres de populações civis inocentes e
indefesas, pondo em causa o direito de viver em paz. Nestes casos, é natural que os
partidários da paz se interroguem sobre até que ponto o princípio da autodeterminação
legitima o recurso à violência e ao emprego da força armada, esquecendo, ou
desprezando, o direito a viver em paz.
Os conflitos étnicos e intraestatais, que grassaram praticamente por todos os
continentes da década de 1990 e nos primeiros anos do ´seculo XXI, puseram em
evidência a questão «qual deverá prevalecer, se o direito à autodeterminação entrar em
conflito com o direito a viver em paz?», na medida em que, em muitas situações, foi
necessário optar aceitar o exercício do direito à autodeterminação, como um direito
fundamental do homem, ou intervir para que as populações pudessem usufruir do direito
a viver em paz, também um direito fundamental coletivo e individual.
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E a resposta a essa questão foi dada repetidamente em 1948, pelo Conselho de
Segurança das Nações Unidas, autorizando a constituição de «Missões de Paz», e por os
Estados que se disponibilizaram a fornecer “capacetes azuis” para formar os contingentes
militares das referidas missões que se destinaram a assegurar a imposição e a
consolidação da paz e a garantir a ajuda humanitária às populações vítimas dos
respetivos conflitos.
Os estudos sobre esta problemática distinguem três períodos na evolução das
«Missões de Paz» das Nações Unidas, a saber:
a)
O período da Guerra Fria, entre 1948 e 1988;
b)
O período pós-queda do Muro de Berlim, entre 1989 e 1993; e
c)
O período da explosão de conflitos étnicos e intraestatais, desde
1994.
As decisões adotadas e as ações desenvolvidas, legitimadas pelos órgãos
competentes da ONU, traduziram-se na afirmação de um direito de ingerência sempre
que foi necessária a intervenção humanitária, com vista ao restabelecimento e à
preservação da paz, e no enaltecimento da importância do direito a viver em paz, um
direito de todos e que a todos diz respeito.
O direito à paz tem justificado muitas decisões e ações indispensáveis para
garantir a preservação da paz em muitas áreas geográficas, e tem-se sobreposto ao
direito soberano dos Estados plasmados no n.º 7 do art.º 2º da Carta da Nações Unidas:
«nenhuma disposição da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervir em
assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado, ou obrigará os
membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta: este
princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercivas constantes do
capítulo VII».
Portanto, sendo a construção e a preservação da paz um dos objetivos da ONU, é
compreensível que o direito à paz tenha uma intrínseca conexão com os outros Direitos
do Homem, e que esta Organização internacional se empenhe para que os direitos
humanos sejam efetivamente respeitados; pois, assim, tornar-se-á mais fácil consolidar e
preservar a paz mundial.
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CONCLUSÃO
A análise feita nas páginas anteriores, ao longo do trabalho/estudos, permite-nos,
em termos de síntese conclusiva, acrescer algumas considerações finais que reputamos
de relevante importância para a compreensão das grandes questões do Direito
Internacional, da problemática das guerras ou dos conflitos e da paz mundial.
A doutrina dominante admite a coexistência dos dois sistemas jurídicos, atribuindo
porém ao interno ou estadual estrutura mais perfeita e validade mais intensa; ao passo
que o internacional ou interestadual se apresentaria dotado de certeza e de eficácia
inferiores, deixando assim subsistir a autonomia dos diversos Estados.
Por conseguinte, o direito interno é o ordenamento vital de um Estado ou
organização pública (não estatal) e o direito internacional assume a configuração de
direito global de todo as comunidades estatais e não estatais com várias formas de
coordenação e articulação.
O conceito de Direito Internacional tem sido alvo de debate, ou seja, tem sido
problemática a descoberta dum conjunto de critérios específicos de delimitação desta
área do Direito.
Embora seja fácil a apreensão simplista da contraposição em Direito Internacional
e o Direito Interno, «as diferenças ressaltam quase à vista desarmada. Não encontramos
leis como modo de formação centralizada do Direito por obra das autoridades com
competência para tal. Como modo mais aproximado apenas encontramos – hoje, não há
100 anos – os tratados multilaterais gerais e as decisões, ou certas decisões, de órgãos
de organizações internacionais e de identidades afins».
O Direito Internacional surgiu como um elemento de forte consenso, procurando
colmatar lacunas éticas e jurídico-constitucionais.
Sendo o Direito Internacional um setor do Direito Público que «melhor se
experimenta do que se concretiza pelo que não tem sido fácil propor uma afinada
definição do mesmo», considera-se como «o sistema de princípios e normas, de natureza
jurídica, que disciplinam os membros da sociedade internacional, ao agirem numa posição
jurídico-pública, no âmbito das suas relações internacionais».
A Paz de Vestefália (1648) indica-se como o início de uma nova era nas Relações
Internacionais, caraterizada pelo princípio da absoluta independência e soberania dos
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Estados, que substituiu o da subordinação a autoridades universais como a Igreja e o
Império.
A existência de uma comunidade jurídica internacional, hoje bem extensa do que
no passado, é forçoso reconhecer que ela não saiu ainda, em parte, do estado teórico, e
que os esforços tendentes a realizá-la em concreto estão ainda muito longe de alcançar o
objetivo de uma organização cosmopolítica. Estes esforços se têm multiplicado nos
nossos dias, especialmente depois das trágicas experiências das guerras mundiais, da
queda do morro de Berlim e dos atentados de 11 de Setembro nos Estados Unidos de
América.
Os Estados são obrigados a reconhecer-se mutuamente como sujeitos de direito.
Não é nem pode ser obrigatório o reconhecimento de um Estado que viole as exigências
fundamentais da humanidade e os princípios gerais do Direito, quer no seu ordenamento
interno, quer nas relações internacionais.
A observância do costume dependeria, em última análise, da vontade de cada um
dos Estados: vontade que, bem merece o epíteto de ambulatória…
A crítica não implica, todavia, a rejeição do processo histórico que levou a modificar
certas doutrinas políticas medievais, como o princípio da igualdade jurídica dos Estados,
quaisquer que sejam os respetivos poder e extensão não deve ser rejeitado; mas há-de
acompanha-lo uma reserva dos Estados legítimos e a formulação específica dos
requisitos de tal legitimação.
O princípio da independência consagra que nenhum Estado perante os demais,
pode reclamar preeminência ou impor hegemonia, mas somente propor acordos, que
devem ser livremente consentidos, sem prejuízo do respeito pelos direitos fundamentais
dos indivíduos e dos povos, do qual depende a legitimidade dos Estados. Pois se estes
direitos forem gravemente violados, deve admitir-se a possibilidade de intervenção
estrangeira que realize a respetiva tutela.
A raiz dos equívocos e dos erros frequentes nas doutrinas do Direito internacional
e do Direito público em geral, está na confusão entre arbítrio e liberdade: dois conceitos
que deveriam ser rigorosamente discriminados. A liberdade se apresenta como ausência
de toda e qualquer lei.
A liberdade se interpenetra com o respeito da lei moral. Isto tanto vale na ordem
moral, como na ordem jurídica; e tanto para os indivíduos, quanto para as Nações e os
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Estados. A liberdade só é possível se a lei for respeitada, e estará em tanto maior perigo
quanto mais graves e frequentes forem as infracções às leis.
Nas relações internas a soberania do Estado se acha racionalmente vinculada e
subordinada ao respeito pelos direitos dos cidadãos, nas relações entre Estado e Estado
a soberania de cada um deles não pode significar arbítrio desenfreado e antes deve
fundar-se naquela lei que define a unidade essencial do género humano.
Devido à falibilidade da mente humana, os princípios éticos e os lógicos podem ser
por vezes transgredidos e violados no plano de facto; mas isso não lhes diminui o valor
ideal, e é precisamente em função deste valor que aqueles erros são reconhecidos,
combatidos e corrigidos.
Para haver contactos harmoniosos e duradouros e relações frutuosas entre os
Povos, é indispensável que estes reconheçam e observem os princípios de Direito natural
internacional, que regulam o seu desenvolvimento e funcionamento normais.
A palavra “paz” não significa a ausência de conflitos, de guerra e de perturbação da
ordem pública e da normalidade institucional; um estado de calma, de tranquilidade e de
despreocupação; é, portanto, um estado de tranquilidade mental, moral e espiritual
decorrente da ausência de perturbação da ordem pública e de conflitualidade nas
relações entre as pessoas, entre os grupos e entre as instituições nacionais e
internacionais.
O Direito à Paz é, pois, um direito difuso, no que respeita aos seus titulares (os
sujeitos deste direito), que são os indivíduos, os Estados, as organizações internacionais,
as coletividades, os grupos organizados e a própria comunidade internacional, à
oponibilidade (a pessoa ou a instituição) contra quem reclamar e perante apresentar as
reclamações e à sanção organizada aplicável àqueles que perturbam a paz, que praticam
atos de agressão coletiva ou que desencadeiam conflitos armados.
O recurso a diferentes perspetivas de análise para caraterizar e classificar os
conflitos internacionais é o critério que se baseia no carácter dimensional, tanto
geográfico como do número de intervenientes, é aquele que permite distinguir
objetivamente uns conflitos dos outros, e é único critério cientificamente válido para se
proceder a uma classificação dos conflitos internacionais.
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Quase no final da primeira década do século XXI, continuamos a viver num mundo
de violência, de conflitos, de guerras, que espalham o medo, o terror e o pânico e geram
a insegurança individual e coletiva.
As numerosas afirmações e declarações a favor da paz mostram a evidência que a
paz não é um produto acabado, não se encontra disponível em qualquer “botica”, nem se
transaciona no virar da esquina; mas que é, sim, um objetivo que muitos perseguem e
que a humanidade deseja e precisa que esse objetivo seja efetivamente alcançado. A paz
é, pois, um produto em elaboração, um bem precioso que é necessário conquistar,
lapidar, acarinhar, e preservar. A paz não se herda, nem se transaciona. A paz constrói-se
através do conhecimento, da sabedoria e do respeito pelos valores éticos e morais em
que assentam as relações de convivência pacífica; através da educação, do
ensino/aprendizagem, do desenvolvimento de processos de ação conducentes à
aquisição de conhecimentos, ao desenvolvimento de aptidões, `formação e
enriquecimento do espírito e a interiorização dos princípios e dos valores em que se
fundamentam os direitos fundamentais. Só através de uma educação sadia, rigorosa e
objetiva é possível erigir os alicerces de uma verdadeira paz mundial.
O ensino da história da humanidade, que enaltece primordialmente a importância
das lutas armadas, das guerras na construção do progresso e no desenvolvimento
económico e social, e que considera as guerras como um mal necessário, porque se lhes
atribui a função de negar o presente par construir um futuro melhor, não reflete a
verdadeira realidade dos factos e dos condicionalismos que impulsionaram a evolução da
humanidade.
As guerras têm, pois, um efeito destrutivo e não construtivo. A sua preparação e o
seu desenvolvimento exigem avultados recursos financeiros, materiais e humanos,
mobilizam as camadas jovens da população para o combate e traduzem-se sempre na
perda e destruição de recursos humanos e materiais necessários par promover e
impulsionar o desenvolvimento económico e social, atrasando, assim, o processo de
evolução natural das sociedades politicamente organizadas e, consequentemente, da
própria comunidade internacional. As guerras deixam sempre um rasto da destruição das
estruturas produtivas, de diminuição significativa da mão-de-obra em idade de plena força
de trabalho e de miséria e de fome nas camadas populacionais mais desfavorecidas.
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É certo que os textos das instituições internacionais e particularmente a Carta das
Nações Unidas recomendam que se deve recorrer sempre às vias, aos processos e às
técnicas e mecanismos de solução pacífica das controvérsias, mas estabelecem também
a possibilidade de se recorrer à força para dirimir os conflitos e estabelecer a paz e a
segurança internacionais.
A este propósito, veja-se o articulado do Capítulo VII da Carta da ONU, pois o seu
art.º 42º dispõe que «o Conselho de Segurança poderá levar a efeito, por meio da forças
aéreas, navais ou terrestres, a acção que julgar necessárias para manter ou restabelecer
a paz e a segurança internacionais».
No entanto, o recurso a força só se deverá ser utilizado depois de se haverem
esgotado todas as hipóteses de sucesso das estratégias, processos e mecanismos de
resolução pacífica, pois o emprego da força é (deverá ser) o último argumento para tentar
solucionar um conflito, seja ele intranacional ou internacional.
Todavia, a agressividade inerente a natureza do ser humano não tem apenas uma
finalidade destruidora, traduz-se também em processos de ação criadores, construtivos e
organizativos. E a agressividade pode ser refreada, controlada e orientada para a
criatividade construtiva e não para a destruição.
Os conflitos são fenómenos sociais muito complexos, que resultam sempre de uma
decisão (ato político), comportam vários elementos e apresentam simultaneamente várias
aspetos.
Por conseguinte, não é fácil distinguir objetivamente uns conflitos dos outros com
base nas suas características ou nas causas que presumivelmente estão na sua origem.
Por isso, o único critério cientificamente válido para classificar os conflitos parece se
aquele que permite distingui-los em função da sua extensão geográfica e o número de
interveniente de forma dinâmica, parecendo-nos plausível a distinção entre conflitos
locais, conflitos regionais e conflitos mundiais ou planetários.
Educar para a paz é educar para o progresso e o desenvolvimento económico,
social e cultural harmonioso; é educar para a compreensão e para a tolerância, educar
para o respeito dos direitos do homem e das liberdades fundamentais; é, em suma, o
caminho mais seguro para construir a paz mundial.
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
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
Carta das Mulheres: COM (2010) 78 final, de 5 de Abril de 2010.
Comunicação da Comissão – empenho reforçado na igualdade entre Mulheres e
Homens. Uma Carta das Mulheres. Declaração da Comissão Europeia por ocasião
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
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
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
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
Constituição da República de Angola, aprovada em 3 de Fevereiro e
promulgada em 5 de Fevereiro de 2010.

Constituição da República Portuguesa. 7.ª Revisão, aprovada pela
Lei n.º 1/2005, de 12 de Agosto. 3.ª ed. Assembleia da República. 2011.

Convenção Americana de Direitos Humanos (1999*). Pacto de San
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
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
Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela
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Dezembro de 1848.
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
Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.

Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, aprovada pela Lei n.º
2/93, de 26 de Março.

Lei de Segurança Nacional da República de Angola, aprovada pela
Lei n.º 12/02, de 16 de Agosto.

Lei dos Crimes Militares, aprovada pela Lei n.º 4/94, de 28 de
Janeiro.

Lei e Processo. Código Penal e Código de Processo Penal. 2.ª ed.
Coimbra: Almedina. 2015.

Lei sobre a Justiça Penal Militar, aprovada pela Lei n.º 5/94, de 11 de
Fevereiro.

Normas Reguladoras da Disciplina Militar, aprovadas pela Comissão
Conjunta Político Militar, em 22 de Novembro de 1991.

Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

Regulamento de Disciplina Militar, aprovada pela Lei Orgânica n.º
2/2009, de 22 de julho.

Resolução da UNESCO n.º 24C, de 1987.

Resolução da UNESCO n.º 25C, de 1989.

Resolução n.º 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 18
de Dezembro de 1979, que aprova a Convenção sobre a eliminação de todas as
formas de discriminação contra a mulher.

União Europeia. 2004. Council Directive 2004/83/EC. Obtido em 27
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United Nations University. 2005. As Ranks of Environmental Refugees Swell Worldwide,
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ÍNDICE
INTRODUÇÃO
10
1. Génese e Crise das Relações Internacionais e do Direito Internacional
15
1.1. Esboço histórico do desenvolvimento das Relações Internacionais
17
1.2. Apreciação crítica da crise do Direito Internacional
21
2. Conflito: Noções, Tipologia e Vias de Solução e Controle
27
2.1. Noções de conflito
28
2.2. Tipologia dos conflitos
29
2.3. Vias de solução e controle dos conflitos internacionais
34
2.4. Papel dos Estados e Organizações Internacionais na resolução dos conflitos
internacionais
39
2.4.1. Importância dos Tribunais Internacionais
41
2.4.1.1. Tribunal Internacional de Justiça
42
2.4.1.2. Tribunal de Justiça Europeu
44
2.4.1.3. Tribunais Penais Internacionais
46
2.5. Técnicas de solução dos conflitos internacionais
50
2.5.1. Processo de Negociação
50
2.5.2. Processo de Arbitragem ou Solução Judicial
52
2.5.3. Técnica da Insulação
54
2.5.4. Recurso à Força
55
2.6. Apreciação crítica das Organizações Internacionais em matéria de resolução dos
conflitos internacionais
56
3. Guerra: Significado, Causas, Funções e Tipologia
62
3.1. Critérios, conceitos e significado da Guerra
62
3.1.1. Critérios de abordagem e conceitos da Guerra
63
3.1.2. Significado da Guerra
67
3.2. Origens, causas e funções da Guerra
69
3.2.1. Origens da Guerra
70
3.2.2. Causas da Guerra
73
3.2.3. Funções da Guerra
75
3.3. Tipologias da Guerra
76
3.4. Guerra subversiva
94
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3.4.1. Origem e conceito de Estratégia
3.4.2. Análise do fenómeno subversivo na Era da Globalização
3.4.2.1. Origens e causas da subversão
3.4.2.2. Subversão vs. Crime organizado transnacional
3.4.2.3. Guerras civis vs. Luta urbana
3.4.2.4. Democracia vs. Subversão
3.5. Caracterização do fenómeno subversivo
3.5.1. Manobra subversiva
3.5.2. Ritmo Subversivo
3.6. Tipologias subversivas
3.6.1. Subversão “Lumpen”
3.6.2. Subversão etnolinguística
3.6.3. Subversão popular
3.6.4. Subversão global
3.7. Premissas do fenómeno subversivo
4. Paz: Conceito, Dimensões e Problemática
4.1. Conceito e dimensões da Paz
4.2. Ideia da paz segundo várias concepções
4.3. Problemática da Paz na Era da Globalização
5. Direito à Paz no Contexto dos Direitos Humanos
5.1. Direito à Paz
5.2. Conexões dos Direitos do Homem com o Direito à Paz
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
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