JC Relations - Jewish

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Jewish-Christian Relations
Insights and Issues in the ongoing Jewish-Christian Dialogue
Zenger, Erich | 01.07.2002
A Bíblia de Israel
A Raiz daquilo que é Comum para os Judeus e os Cristãos
Erich Zenger
O Antigo Testamento não tem vida fácil entre os cristãos. Certo, a Igreja tem resistido às tentativas,
continuadamente brotando, de expulsar o Antigo Testamento da Bíblia cristã. Mas em resumo, o
Antigo Testamento ficava sempre na sombra do Novo Testamento, este que se considerava como a
Bíblia cristã própria. Só a partir do Novo Testamento, o Antigo Testamento recebeu importância
para a Igreja. A Bíblia de Israel só era aceita, enquanto foi cristianizada ou era cristianizável. O que
não estava consoante com aquilo que se achava sendo cristão, era como tipicamente judaico - e
com isso ultrapassado - posto ao lado ou até condenado. Que a Bíblia de Israel é,
primeiríssimamente e até hoje, a Bíblia dos judeus - e que altivos julgamentos cristãos sobre
isoladas passagens do Antigo Testamento ou sobre o Antigo Testamento como um todo, eram todos
ao mesmo tempo julgamentos sobre os judeus como os primeiros endereçados dessa Bíblia - quase
não dava na cabeça de quase nenhum teólogo cristão. Como axioma teológico fundamental valia:
Primeiro e só no modo de ver cristão, a Bíblia de Israel é lida assim como Deus propriamente intencionara a sua palavra desde o início. Esse relacionamento singular dos cristão e dos teólogos
cristãos ao Antigo Testamento, radicava no teologicamente não esclarecido relacionamento das
Igrejas ao Judaísmo e na recusa de conceder ao Judaísmo dignidade teológica própria.
As seguintes exposições são resumo ou continuação dos meus dois livros: Das Erste
Testament. Die jüdische Bibel und die Christen [O Primeiro Testamento. A Bíblia Judaica e os
Cristãos], Düsseldorf 1995; Am Fuß des Sinai. Gottesbilder des Ersten Testaments [No Pé do
Sinai. Imagens de Deus do Primeiro Testamento], Düsseldorf, 3a ed. 1995.
O relacionamento não esclarecido: Um sermão do cardeal Faulhaber
Exemplarmente, essa relação ambivalente evidencia-se em duas teses caraterísticas dum sermão, o
qual o antigotestamentólogo e cardeal, Michael Faulhaber (1869-1952), proferiu em 3 de dezembro
de 1933 em St. Michael de Munique sob o tema de “O Antigo Testamento e o seu cumprimento na
Cristandade”.
A primeira tese trata da proveniência judaica do Antigo Testamento: “Precisamos distinguir entre o
povo de Israel antes da morte de Cristo e depois da morte de Cristo. Antes da morte de Cristo, nos
anos entre a chamada de Abraão e a plenitude dos tempos, o povo de Israel era portador da
revelação [...]. Depois da morte de Cristo, Israel foi demitido do serviço da revelação. Não
perceberam a hora de os procurar para voltar p’ra casa [die Stunde der Heim-suchung]. Negaram o
ungido do Senhor e o recusaram, levando-o para fora da cidade e o crucificaram.”
Michael Faulhaber, Das Alte Testament und seine Erfüllung im Christentum [O Antigo
Testamento e o seu Cumprimento na Cristandade], Munique 1933.
Como conseqüência da rejeição de Israel, a Igreja teria recebido da mão de Jesus Cristo o Antigo
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Testamento como revelação divina e até recebido os textos antigotestamentários na sua liturgia.
A segunda tese explica a importância do Antigo Testamento para a Igreja sob a categoria de
cumprimento: “Colaboremos com a graça de Deus para cumprir o Antigo Testamento e a nós
mesmos! Cristo veio, não para revogar a lei ou os profetas, mas sim para os cumprir. [...] Cumprir
quer dizer aperfeiçoar algo, que é incompleto, e o fazer completo. O Antigo Testamento era em si
bom; em comparação com o Evangelho, porém, incompleto, insuficiência, imperfeição. O Novo
Testamento completou, trouxe a revelação de Deus inteira. Vindo o perfeito, o incompleto acaba”
(1Cor 13,10).
Michael Faulhaber (nota 2), 16s.
Posições da Teologia; Karl Rahner e o Vaticano II
Tão consequentemente como no sermão do cardeal Faulhaber, quase nenhum teólogo cristão vai
querer “dejudaizar” a Bíblia de Israel. Mas a tese de que só a Igreja ouve a mensagem de Deus do
Antigo Testamento genuína e propriamente, é até hoje a convicção professa ou não-professa de
muitos teólogos cristãos. Karl Rahner (1904-1984) juntou, de modo singular sem par, saber histórico
de dogmas e força sistemática-especulativa em serviço de renovação da Igreja. O fato de que,
porém, não atribuía especial importância à questão da relevância do Antigo Testamento, nem no
Concílio Vaticano Segundo nem na sua obra teológica, repetindo a respeito as fórmulas tradicionais,
evidencia como era forte aqui a pressão duma tradição de séculos. Daí, a realização do cardeal
Augustin Bea (1881-1968) o “líder de voz” da renovação do relacionamento cristão-judaico, parece
um tanto admirável. O que Karl Rahner, até ainda depois do Concílio Vaticano Segundo, escreveu
para a nossa temática, era a sentencia communis [opinião comum], culminando na tese : “Como
passado ‘pré-histórico’ da Aliança Nova e Eterna, na qual o Antigo Testamento se guardou
[aufgehoben hat], este não é adequadamente interpretável senão a partir da Nova Aliança [...]. Um
significado só antigotestamentariamente imanente ignoraria que o Antigo Testamento não cumpriu
a sua essência plena senão no Novo Testamento.”
Karl Rahner (ed.), Herders Theologisches Taschenlexikon, vol. 1, Herder, Freiburg/Br. 1972,
84.
O neotestamentólogo Franz-Josef Schierse visibiliza as implicações dessa posição de Rahner: A
Cristandade, sabendo que só ela mesma possui a interpretação reta do Antigo Testamento, porque
entrou legitimamente na posse das promissões antigotestamentárias, põe-se em oposição ao
Judaísmo.”
2LTbK 1,394. A frase “Jesus cumpriu a lei e leva [hebt auf > a palavra alemão pode
significar “abolir” ou “guardar” ou as duas coisas ao mesmo tempo. Trad.] o Antigo
Testamento no seu sangue” foi a partir da 10a, completamente revisada edição do Herders
Theologisches Taschenlexikon (1976) formulado de novo por Herbert Vorgrimler: “Jesus
cumpriu a lei e conclui a Nova Aliança no seu sangue.” A nova posição está agora
concludente e excelentemente exposta no “Neues Theologisches Wörterbuch”, Freiburg
2000, 31s. por H. Vorgrimler sob o título “Altes Testament”.
Que, no horizonte de tal teologia, o Judaísmo pós-bíblico poderia ter dignidade teológica, no
máximo, como “cristandade anônima”, que uma Bíblia de Israel lida pelos judeus judaicamente, é
teologicamente irrelevante, e que o Antigo Testamento como primeira parte da Bíblia cristã então
não pode ter “palavra própria com valor próprio”, é evidente.
Também a Constituição Dogmática, despachada pelo Concílio Vaticano Segundo em 18 de
novembro de 1965 e solenemente promulgada pelo papa Paulo VI, sobre a revelação divina Dei
Verbum, está ainda impregnada dessa teologia. Que essa parte da Bíblia cristã é primeiríssimo a
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Bíblia do Judaísmo, não foi considerado nem na discussão nem no próprio documento. O capítulo
sobre o Antigo Testamento repete o “antigo” evolucionismo da revelação da história de salvação: O
significado do “Antigo Testamento” era e é, “pré-anunciar”, “pré-expor”, “mostrar em vários
modelos” e “anunciar profeticamente” Jesus Cristo. O Antigo Testamento não é senão primeiro grau
do Novo Testamento.
O Antigo Testamento e a Liturgia
Quão pouco significado próprio o “Antigo Testamento” tem para os cristãos, manifesta-se
drasticamente na nossa liturgia. É verdade que o “Antigo Testamento” deve à reforma da liturgia,
impulsionada pelo Vaticano Segundo, para “pôr a mesa da palavra mais ricamente” às
comunidades, também uma consideração maior da ordem de leitura. Na escolha das perícopes
liturgicas, porém, não se percebe nada do valor próprio do “Antigo Testamento”. Os textos
escolhidos são muitas vezes tanto arrancados do contexto ou apresentados como “alteração
textual” quase incompreensível que, no máximo, servem como “impressão” conduzindo ao
evangelho ou como colagem incompreensível de motivo. Na maioria dos casos, são escolhidos a
partir do evangelho, segundo o princípio de promissão e cumprimento ou de tipos e antitipos. Não
raramente, as perícopes estão sendo assim retalhadas que, com isso, antes de tudo, a relação a
Israel caia fora. A isso três exemplos que explicam isso:
A evangelhos que anunciam milagres de Jesus, põe-se uma narrativa comparável do Antigo
Testamento. Isso combate devidamente o mal-entendido de que, com Jesus começaria “o
completamente outro” e de que entre os Testamentos descontinuidade, até
descontinuidade, seria a perspectiva teológica. Infelizmente, esse tipo de coordenação tinha
pouco sucesso na ordem concreta de perícopes. Se p. ex. ao evangelho da alimentação dos
5.000 (17o domingo no círculo anual, ano de leitura B, Jo 6,1-15) põe-se a leitura da
alimentação dos 100 pelo profeta Elishá` (2R 4,42-44), impõe-se demasiadamente rápido a
comparação, segunda a qual Jesus aparece indubitavelmente como o ‘milagreiro maior’:
Jesus sacia com cinco pães de cevada e dois peixes 5.000 homens, Elishá`, ao contrário,
“consegue” com vinte pães de cevada somente a saturação de 100 homens.
Para a festa de Cristo Rei (ano de leitura A) prevê-se o evangelho Mt 25,31-46 (o julgamento
do mundo). A leitura antigotestamentária a esse é Ez 34,11-12.15-17 (“o bom pastor”).
Porque procurou-se uma leitura breve que se adaptasse ao evangelho, com a risca dos
versículos 13-14 (“Reconduzi-las para o seu solo, apascentando-as sobre os montes de Israel
terão as suas pastagens. Aí repousarão em um bom pasto e encontrarão forragem rica sobre
os montes de Israel”), as promissões feitas a Israel estão sendo simplesmente omitidas. Que
a questão de Israel, na esperança da perfeição da história, é um problema central do
relacionamento cristão-judaico, mostra Rm 11,26 (“todo o Israel será salvado”).
Por vezes, produz-se contraposição entre os evangelhos e a leitura antigotestamentária,
contraposição essa que deve sublinhar a radicalidade e/ou a novidade do agir de Deus em
Jesus. Isso não é para ser recusado a princípio, já que, para nós cristãos, o Deus vivo revelouse em Jesus Cristo como o Deus da vida nova. Mas essas ”contraposições” não devem ser
construídas artificialmente e não devem desvalorizar o Antigo Testamento (e com isso,
implicitamente, o Judaísmo).
Uma tal contraposição falsa construi-se, p. ex., no 6o domingo do círculo anual (ano de leitura B). Ao
evangelho da cura do leproso (Mc 1,40-45) monta-se um amalgama de Levítico
(13,1-2.43ac.44ab.45-46) sobre o lidar com leprosos. Nos regulamentos em Lv 13-14 trata-se duma
tentativa, exemplar para a antigüidade, de lidar com a lepra humana e socialmente. A composição
de perícopes como o título interpretativo “O leproso deve morar separado, fora do acampamento”,
porém, provoca a impressão de como se a marginalização seria a maneira tipicamente judaica de
lidar com leprosos. O radicalmente novo em Jesus deve então o evangelho mostrar: Jesus aproxima-
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se a esses marginalizados, cura-os e os integra novamente na comunidade. A contrastação das
duas perícopes produz uma folha escura de contraste, diante da qual Jesus deve aparecer como a
luz brilhante.
Que a nova série de comentários “Herders Theologischer Kommentar zum Alten
Testament”, editada por mim, decididamente toma outros caminhos, provam - espero que
sim - os primeiros quatro volumes, prontos entrementes.
A visão tradicional dos antigotestamentólogos cristãos
Os modos de ler e entender diferentes do Antigo Testamento na exegese cristã, nos seus
pormenores, podem ser reduzidos para três modelos básicos:
O modelo de contraste vê a função do Antigo Testamento como folha de contraste à
mensagem de Cristo. Mostra o Antigo Testamento como o “livro de fracasso” (Rudolf
Bultmann, 1884-1976), a mensagem do Novo Testamento, ao contrário, como o evangelho
da graça, da redenção do pecado, da esperança dum reino que não é deste mundo e,
especialmente o seguimento da cruz, como a própria verdade de Deus bíblica.
Segundo o modelo de relativização, o Antigo Testamento é “serva” do Novo Testamento. A
sua função era/é a de preparar para a revelação definitiva em Jesus Cristo. É promissão,
exposição antecedente, pré-imagem (tipo) daquela realidade que veio com Jesus na sua
perfeição (cumprimento) e forma plena (antitipos). Hermeneuticamente, o método tipológico
não é para ser recusado a princípio. Assim, com o teologumeno do Segundo Êxodo, celebrase a salvação de Israel do exílio babilônico como nova atualização do Primeiro Êxodo de
Egito. Ambos relacionam-se como tipo e antitipo. O antitipo, todavia, não abole o tipo, mas
sim “vive” da sua religação [Rückbindung] ao tipo. A tipologia cristã, porém, na maioria dos
casos, desvaloriza o tipo antigotestamentário ou faz um contraste do antitipo
neotestamentário.
O modelo de seleção enfatiza a unidade da revelação. Segunda essa concepção, o Antigo
Testamento é a semente, que brota com necessidade interna à florescência
neotestamentária, esta como o fim unicamente intentado do desenvolvimento por Deus
desde o início. Portanto então, o Novo Testamento é o critério exclusivo para aquilo que, na
confusa variedade do Antigo Testamento, tem de valer como a revelação dada por Deus. O
que, p. ex., não foi assumido da confusa variedade do Antigo Testamento pela cristologia
neotestamentária, também não é portanto, a rigor, “verdade” revelada, mas está ligado ao
condicionamento histórico da revelação. Também a intentada teologia de criação em Gn 1
revela-se, primeiro e somente com pleno valor, a partir de Jo 1. Até a própria língua de
revelação, portanto, não é o hebraico do Antigo Testamento, mas sim o grego do Novo
Testamento.
Todos os três modelos apresentados têm em comum - cada vez de modo diferente - os seguintes
defeitos:
Não correspondem, de modo algum, ao auto-entendimento dos textos do Antigo
Testamento.
Não fazem justiça à complexidade do Antigo Testamento.
Respiram, querendo ou não querendo, o fôlego da “doutrina de desdém”, daquela inimizade
referente aos judeus teológica, a qual era uma das propulsoras do anti-semitismo racista.
Para uma significação própria do Antigo Testamento não há lugar nesses modelos.
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Duma dignidade teológica ou ainda dum modo de ler judaico da Bíblia, nem se fala em
princípio.
A volta necessária
Quando o papa João Paulo II, em 17 de novembro de 1980 em Mogúncia, chamava os judeus de o
“povo de Deus da nunca revogada Antiga Aliança”, pôs termo, com isso, à tradição eclesial antiga
de Israel como o povo de Deus repudiado. Fez isso apoiando-se em Rm 11 (cf. especialmente Rm
11,29 “Pois irrevogável são graça e vocação, as quais Deus concede”) e em referência à declaração,
despachada pelo Vaticano Segundo em 28 de outubro de 1965, “Nostra aetate” sobre a relação da
Igreja às religiões não-cristãs. O significada do artigo 4 dessa declaração o papa viu, na sua visita
histórica à sinagoga de Roma no dia 13 de abril de 1986, em que, “com esse breve, mas importante
artigo, entrou a virada decisiva no relacionamento da Igreja Católica ao Judaísmo e aos judeus
individuais”. “A religião judaica é, para nós, não algo exterior, mas sim pertence de certo modo ao
interior da nossa religião. À ela, portanto, temos relações como a nenhuma das outras religiões. Sois
os nossos irmãos preferidos, e como poder-se-ia dizer, os ossos irmãos mais velhos.” Com isso, a
Igreja está, no seu relacionamento ao Judaísmo, diante dum novo começo teológico. A
“redescoberta“ da dignidade teológica permanente de Israel requer, em muitos campos da nossa
teologia e da nossa vida eclesial, mudança enorme de perspectivas, exatamente no lidar com
aqueles Sagradas Escrituras que temos como a Bíblia comum com os judeus.
O significado fundamental do Antigo Testamento para a Cristandade
Aos endereçados primeiros dos textos neotestamentários, as “escrituras” de Israel eram
obviamente tão familiares que os autores podiam lidar com elas intensiva e criativamente. A
“Escritura” era o mundo da língua e imagem dos autores e dos endereçados das cartas dos
apóstolos, dos evangelhos e do livro da apocalipse de João. Muitos teólogos cristãos vêem a
naturalidade com que a Cristandade primitiva vivia com “as Escrituras” de Israel, como argumento
para a tese de que a Cristandade se quis pôr no lugar do Judaísmo. Isso valeria, antes de tudo, pelas
assim chamadas “citações de cumprimento” (p. ex. Mt 26,56: “Tudo isso aconteceu para que as
escrituras dos profetas fossem cumpridas”), nas quais ficaria claro que os cristãos se teriam
despachado do Judaísmo, porque os judeus não aceitam esse “cumprimento”. Isso é um preconceito
“dogmático”, que ultimamente se radica no axioma de que primeiro e só na Cristandade revelar-seia propriamente o que seria o sentido e o fim da história de Deus com os homens e com toda a
criação. Essa, decerto, não era a opinião da Igreja primitiva. As escrituras contidas no Novo
Testamento não surgiram, de modo algum, na intenção de substituir como Sagrada Escritura “nova”
o lugar das “escrituras” judaicas “antigas”. Certamente, a partir dos meados do 1.o século foram
redigidas alguns escritos da Cristandade primitiva. Esses escritos tinham alta importância para as
respetivas comunidades às quais eram dirigidas, mas não tinham, na liturgia, o mesmo valor teológico como a Bíblia de Israel.
Desde os meados do século 2, comunidades cristãs começavam a coletar os escritos surgidos na
Cristandade primitiva, como testemunhos do novo agir de Deus de Israel e de Jesus de Nazaré.
Como esses testemunhos recolhiam em grande escala da Bíblia de Israel, citavam-na verbalmente,
aludiam a ela engenhosamente, equilibravam maiores contextos da Bíblia de Israel com motivos
singulares, a Bíblia de Israel permanecia, de um lado, como mundo espiritual e lingüístico da
Cristandade, viva nesta. Doutro lado, o processo de separação levou ao questionamento da
relevância teológica da Bíblia de Israel para a Cristandade e, de modo crescente, também ao
distanciamento de pelo menos partes dessa Bíblia.
A discussão de até que ponto a herança judaica em forma da Bíblia de Israel seria ainda útil ou
profícuo para a Cristandade, a qual entendia-se entrementes como grandeza própria, foi levado em
frente, pelo ano de 140 d.C., por Marcião, membro influente da comunidade em Roma. Marcião era
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um teólogo radical na tradição da teologia paulina. Partindo da carta aos Gálatas, absolutivava não
só o contraste de lei e evangelho, mas construía a partir desse um contraste absoluto entre a Bíblia
de Israel e a pregação de Jesus, entre o Deus de Israel e o Deus de Jesus. Que Marcião, a partir
desse princípio, considerava a Bíblia de Israel como documento inaceitável duma religião depois de
Cristo ultrapassada, era conseqüente. O seu anátema teológico, por isso, alcançava os, à Bíblia de
Israel remetentes, evangelhos segundo Mateus, Marcos e João. Depois de riscar todas as citações
bíblicas, ficavam só o evangelho de Lucas e dez “dejudaizadas” letras de Paulo (Rm, 1 e 2 Cor, Gl,
Ef, Fl, Cl, 1 e 2 Ts, Fm).
A extensa decisão da Igreja Antiga
Essa corajosa investida de Marcião forçou a jovem Igreja para esclarecer o cânon das Sagradas
Escrituras obrigatórias e necessárias para a Cristandade num respeito duplo: De um lado, as
escrituras do anuncio de Cristo foram compostas para uma coleção obrigatória; doutro lado,
precisava-se decidir sobre a relação dessa nova coleção à Bíblia de Israel, a qual contava até agora
como a Sagrada Escritura da Cristandade. O resultado final desse processo de decisão é a uma só
Bíblia de duas partes, que tradicionalmente chamamos de Antigo e Novo Testamentos. Para
esclarecer-se a envergadura dessa decisão, a gente pode imaginar quais são as outras
possibilidades que teriam sido também pelo menos pensáveis:
A Igreja poderia ter declarado o Novo Testamento a sua única Sagrada Escritura, demitindo
o Antigo Testamento do seu “serviço de revelação”.
Poderia ter composto das Escrituras de Israel uma bíblia escolhida, cristãmente estruturada,
ou poder-se-ia ter redigido o Antigo Testamento, cristológica e eclesiologicamente, como
livro realmente “cristão”.
Finalmente, teria sido pensável uma relativização expressa, a qual teria posto o Antigo
Testamento depois do Novo Testamento.
A Igreja antiga, porém, não tomou nenhum desses caminhos. Em vez disso, tomou duas decisões
importantes, cuja significância para o nosso lidar com o Antigo Testamento começamos a
compreender somente nos últimos anos:
A Igreja mantinha todas as escrituras da Bíblia de Israel na extensão e teor desta.
Não pôs as “novas” escrituras antes, mas sim depois da Bíblia de Israel. Na Bíblia cristã diuna, assim obtida, a “Bíblia de Israel” está no primeiro lugar, não só porque nasceu mais
cedo, mas porque é o fundamento em que jaz a parte segunda, e porque é o horizonte de
interpretação da segunda parte, conforme o programa hermenêutico. O Novo Testamento
deve ser lido à luz do Antigo Testamento. E, vice versa, vale: Do Novo Testamento cai nova
luz de volta ao Antigo Testamento. Ambas as partes interpretam-se uma a outra - no
entanto, sob a suposição de que ambas as partes se pronunciem primeiro cada uma ela
mesma, com a sua respetiva mensagem específica. O Antigo Testamento tem uma palavra
própria com valor próprio, a qual quer ser ouvida como tal.
A nova designação: O Primeiro Testamento
Quando a designação antigo
A designação “antigo” [alt = velho, antigo] não corresponde nem ao auto-entendimento
do Antigo Testamento nem está apropriada ao entendimento judaico dessas escrituras.
Como a história de recepção na Cristandade mostra, era propulsor de mal-entendidos e de
antijudaísmos fatais. Por isso, deveria ser posta sempre entre aspas ou substituída ou
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complementada por outra designação - como por exemplo “Primeiro Testamento”.
lembrar de que não há o Novo Testamento sem o Antigo Testamento, poderemos ouvi-la como
apelo legítimo à verdade fundamental de que a Bíblia cristã consta de duas partes, nascidas em
contextos diferentes, cuja comunidade precisa ser mantida ao mesmo tempo. O par de palavras
antigo - novo, será então entendido, não como oposição, mas sim como correlação. A designação
Primeiro Testamento, no entanto, tem várias vantagens:
Evita a desvalorização tradicional que se juntou ativamente e de fato com a designação
“Antigo Testamento”.
Reproduz corretamente o fato histórico de que nasceu como “primeiro”, e que era a
primeira Bíblia da jovem Igreja.
Formula teologicamente correto: “Primeiro Testamento” testemunha aquela aliança
“eterna”, a qual Deus concluiu com Israel como o seu filho “primogênito” (cf. Ex 4,22; Os
11,1), como “início” daquele grande “movimento de aliança”, na qual o Deus de Israel
também quer incluir o mundo dos povos.
Como o Primeiro Testamento, aponta para o Segundo Testamento. Assim como o segundo
não pode ser sem o primeiro, a designação cristã Primeiro Testamento lembra que, em si,
não é Bíblia cristã completa.
A Bíblia comum dos judeus e dos cristãos
A discussão sobre a designação Antigo Testamento [Altes Testament] não é mera briga pela
palavra. Está ligada ao difícil problema objetivo de se, com a designação Antigo Testamento, está
sendo transportada junto e promovida uma desvalorização cristã secular dessa parte da Bíblia cristã
e, mais ainda, se com a sua “ingênua” ou “agressiva” manutenção não era ligado um julgamento
teológico sobre o Judaísmo. Críticos da designação Primeiro Testamento vêem nesta uma excessiva
revalorização do Judaísmo. Para eles, é que o Antigo Testamento tenha permissão de dizer aquilo
que o Novo Testamento lhe permitir a dizer. Não podem aceitar que essa parte da nossa Bíblia,
enquanto é primeiríssimo [zuallererst] Bíblia Judaica e depois disto Sagrada Escritura dos cristãos,
tem dois modos de ser lida propositados por Deus.
O ser aberta em princípio, da Bíblia de Israel para um modo judaico e um modo cristão de ser lida,
está ligado, de um lado, com a especialidade teológica desses textos. Doutro lado, esse ser aberta é
constituído pelo que os textos estão sendo recebidos em comunidades diferentes de fé, às quais o
um só e mesmo Deus fala de modo diferente nesses textos.
Essa tese foi primeiro formulada assim por Klaus Koch, Der doppelte Ausgang des Alten
Testaments in Judentum und Christentum [A Saída Dupla do Antigo Testamento no Judaísmo
e na Cristandade], em JBTh 6 (1991) 215-242.
Na discussão pela adequada designação hoje da primeira parte da Bíblia cristã, trata-se primeiro
também da questão de se, depois de Auschwitz, podemos ler o nosso “Antigo Testamento” ainda
assim que possamos continuar deixando simplesmente de ver os judeus, os primeiros endereçados
dessas palavras de Deus. Trata-se também até de se continuarmos a traduzir os velhos clichês
antijudaicos, como se a inimizada teológica secular da Cristandade referente aos judeus não seria
uma das raízes do ódio aos judeus e do anti-semitismo.
Como conseqüência resulta que, como Igreja, não mais leiamos e interpretemos esses textos com o
patos de arrogância cristã referente ao Judaísmo, ou que os usemos como mina para clichês
negativos, afim de perfilar a nossa teologia cristã.
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Como o Primeiro Testamento está hoje para ser lido “de novo”?
A Igreja deve ler os textos do Primeiro Testamento como a Bíblia de Israel, quer dizer como
mensagem de Deus ao povo judaico e sobre este, como judaica veritas, como verdade sobre Israel.
Não é que, porque tudo está escrito para a nossa instrução, tudo está escrito sobre nós. Precisamos
aprender ouvir essa Sagrada Escritura como mensagem de Deus sobre o amor de Deus a Israel,
como “história de Deus”, quer dizer como testemunho sobre aquele Deus que falou e agiu em
muitos modos. Devemos ouvi-la, não somente como a palavra de Deus sobre o Israel
“antigotestamentário”, mas sim também sobre o Israel “pós-bíblico” e sobre a nossa relação a este
Israel. Assim poderemos aprender superar os mal-entendidos e as desfigurações, que uma falsa
teologia cristã difundiu sobre o Judaísmo durante séculos. Descobriremos que o Deus do Antigo
Testamento é um Deus de bondade e cordialidade, que a Toráh de Israel é, não uma “lei” que tire a
liberdade, mas sim uma orientação que agracia, e que a história de Deus com Israel tem em vista o
reino de Deus que todos os povos reúne em paz. Devemos ler o Primeiro Testamento como o nosso
grande livro de Deus, o qual contém mensagem de Deus que não ou não assim está contida no
Novo Testamento. O Primeiro Testamento é de fato complementação necessária ao Segundo
Testamento. Sob vários aspetos, apresenta até um superávit. Enquanto o Segundo Testamento, na
figura de Jesus Cristo, anuncia, para assim falar, a figura ideal da vida e morrer redentos, o Primeiro
Testamento confronta mais com a realidade da média de todos os dias.
Sem as impressionantes narrativas de encontro com Deus do Pentateuco e dos assim chamados
livros de história, sem o apaixonado orar a Deus, como o acontece nos Salmos e no livro de Jó, sem
as dúvidas em Deus no estilo do Coélet, mas também sem o sermão profético de Deus, que não
pode ficar neutro quando os direitos de vida e liberdade do seu povo forem ameaçados, sem a TheoLogia do Primeiro Testamento, a Cristo-Logia neotestamentária chega a ser sem base e sem
história. Que o Deus bíblico é um Deus vivo, é um axioma básico, com cujo ser concreto o Primeiro
Testamento nos confronta muito mais plasticamente como o faz o Segundo Testamento. Qual
aspeto teriam a teologia cristã de criação e uma escatologia cósmica, se não haveria o Primeiro
Testamento? O Primeiro Testamento é, de certo modo, a “consciência monoteísta” da Cristandade.
O Primeiro Testamento é também aguilhão salutar contra a tentação, sempre percutindo na
Cristandade, de deslocar a redenção e salvação para dentro da alma individual ou do além. Inculca
um entendimento de salvação o qual tem a conexão com mudanças experimentáveis na realidade
social e política como condição irrenunciável. Redenção é “antigotestamentariamente, nunca
imaginável como outra coisa que um acontecimento que engrena mais profundamente no mundo
de vida social da sociedade humana, ficando aí controlável na sua qualidade messiânica”.
Karl Müller, Biblische Begriffe in jüdischer Sicht [Conceitos Bíblicos sob Ponto de Vista
Judaico], em CiG 36 (1984) 423.
A mensagem da vinda do reino de Deus não se deixa, a partir do Primeiro Testamento, reduzir à paz
interna da alma nem a uma realidade somente percebível na fé. As grandes promissões de Deus
mantêm a história aberta - para o aperfeiçoamento por Deus. “Exatamente do cristão, que se [...]
acostumou a pensar a sua salvação e a sua redenção [...] no além da sociedade humana concreta, a
Toráh exige consideráveis orientações novas. O interesse da Toráh são impostos, assistência social,
organização comunal, direito de herança, os crimes, a autoridade e os modos de proceder no juízo.
Encontramos determinações sobre ninhos de pássaros, pesar retamente, doenças de infeção e a
proibição de abater as árvores do inimigo vencido (Dt 20,19-20). Com toda a ênfase, o judeu é
exortado a tornar-se ativo, sanando e melhorando no âmbito social.”
Karl Müller (Nota 9), 431.
Quando o Deuteronômio inculca várias vezes que, para as refeições de sacrifício, estrangeiros,
pobres, viuvas e órfãos devem ser convidados, é isso teologicamente fundado. Comunidade litúrgica
com Deus só haverá, onde a comunidade social for concretamente fundada e experimentada. Uma
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das ocasiões eram os sacrifícios de abatidos no santuário local e mais tarde no templo de Jerusalém,
nos quais uma parte passava por sacrifício queimado, a parte maior, porém, foi consumida como
refeição de sacrifício. Aos pobres, o sacrifício de abatidos oferecia a possibilidade de chegarem ao
consumo de carne, experimentando com isso que o Deus bíblico quer ser um “doador” de festa e
alegria. A comunidade “simbólica” de refeição na celebração eucarística atua como eco ”estilizado”
dessa mensagem. O Primeiro Testamento chega a ser “político”, antes de tudo naquelas passagens
nas quais descobre e combate a periculosidade das instituições políticas.
Quem procurar orientação e ajuda nas múltiplas situações de cada dia, nos campos concretos de
vivência nos quais o ser gente se realiza, terá em geral de recorrer à primeira parte da Bíblia. Aí
encontra-se com pessoas que, no sofrimento e culpa, na alegria e medo de morte, na sede de saber
e céptica, no seu trabalho diário, na alegria do amor sexual, no celebrar festas exuberantes, mas
também sob o peso de violência e inimizade, de dúvida e fracasso, querem viver a sua vida a partir
de Deus e em direção a Ele.
O treinamento da comunidade de caminho cristã-judaica
O Primeiro Testamento não só força a Igreja para renunciar uma vez por todas a todas as tentativas
para uma reivindicação triunfalista de absolutismo. Confronta-a também assiduamente com a
lembrança de que, como Igreja de Jesus Cristo, está, não no fim, mas sim no caminho - ligada numa
comunidade de caminho messiânica com os judeus. Justamente o sério escutar aos assim chamados
textos messiânicos do Primeiro Testamento, deveria manter os cristãos acordados para o fato de
que as promissões de Deus ainda não são cumpridas. Doutro lado, deveria o escutar ao Primeiro
Testamento fazer compreensível o não dos judeus a Jesus como o Messias, quando estes, não por
último pela diferença entre os textos messiânicos da Bíblia Judaica e da realidade messiânica que os
cristãos ligam com Jesus, acham precisar manter aberta a questão do Messias!
Tradução: Pedro von Werden SJ
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