DIREITOS HUMANOS E CASAMENTO PREMATURO NO

Propaganda
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE
FACULDADE DE GESTÃO DE RECURSOS NATURAIS E
MINERALOGIA
DEPARTAMENTO DE DIREITO
ARMINDO ZEFANIAS CHILAULE
DIREITOS HUMANOS E CASAMENTO PREMATURO
NO ORDENAMENTO JURÍDICO MOÇAMBICANO
TETE
2016
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE
FACULDADE DE GESTÃO DE RECURSOS NATURAIS E
MINERALOGIA
DEPARTAMENTO DE DIREITO
ARMINDO ZEFANIAS CHILAULE
DIREITOS HUMANOS E CASAMENTO PREMATURO
NO ORDENAMENTO JURÍDICO MOÇAMBICANO
Monografia,
Apresentada
ao
Conselho
Científico da Faculdade de Gestão de
Recursos
Naturais
Universidade
e
Mineralogia
da
Católica de Moçambique,
como Requisito Parcial para a Obtenção de
Grau de Licenciatura em Direito, com a
orientação do Dr. Jacques Kabeya Kazadi.
TETE
2016
DECLARAÇÃO DE AUTENTICIDADE
Armindo Zefanias Chilaule, filho de Zefanias Chilaule de Joaneta Jorge Matusse Jorge Matusse,
nascido em 25 de Setembro de 1962, natural de Maputo, Distrito de Manhiça, Província de
Maputo, juro por minha honra, que o presente trabalho é da minha autoria e é original, excepto as
citações e as referencias e resulta de uma pesquisa por mim realizada, com vista a compilação
deste trabalho do fim do curso, para a obtenção do grau de licenciatura em Direito, pela
Faculdade de Gestão de Recursos Naturais e Mineralogia na Universidade Católica de
Moçambique.
O Autor
________________________________
/Armindo Zefanias Chilaule/
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Este trabalho foi aprovado no dia_____ de________ de 20____ por nós membros de júri do
Conselho Científico da Universidade católica de Mocambique, com a nota de__________
valores.
_____________________________________
(O Presidente)
_____________________________________
(O Arguente)
_____________________________________
(O Supervisor)
______________________________________
(Armindo Zefanias Chilaule)
DEDICATÓRIA
A
minha
esposa
(Eduarda
Bernardo
Fernando) e aos meus filhos, pelo sacrifício
e aconselhamento e dedicação para o
alcance do objectivo de Obter o Grau de
Licenciatura em Direito
Aos meus Pais, e Irmãos.
AGRADECIMENTOS
Um agradecimento especial aos meus pais, minha esposa, meus filhos e irmãos por sempre me
terem acompanhado e apoiado inteiramente e acreditado em mim.
Agradeço com especial apreço ao Dr. Jacques Kabeya Kazadi e o Dr. Sérgio Soares João Baptista
pela sua orientação do tema, ajuda prestada e interesse nesta pesquisa, pela sua disponibilidade,
partilha de conhecimento, experiência científica e pelas críticas e conselhos na elaboração do
presente trabalho.
Em particular ao Dinis João de Deus, pelo apoio prestado, pela sua disponibilidade e interesse
mostrado em ajudar a realizar este trabalho.
Aos meus amigos de sempre quero agradecer pelo companheirismo e diversão nos momentos de
maior tensão, pelo incentivo e amizade de longa data.
Gostaria de agradecer a todos que, directa ou indirectamente, me ajudaram na realização deste
projecto, proporcionando-me conhecimento e crescimento profissional e pessoal.
Por fim, agradeço aos meus colegas de curso os bons momentos passados, as inúmeras
experiências, conversas e diversões partilhadas.
EPIGRAFE
“O futuro dependerá daquilo que fazemos no presente.
Mahatma Gandhi”
SIGLAS E ABREVIATURAS
RESUMO

Art.º - Artigo;

CC - Código Civil;

CCA - Código Civil angolano;

CP – Casamento Prematuro;

LF - Lei de Família;

SS – Seguintes.

DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos
O presente trabalho tem como tema, Direitos humanos e o casamento prematuro no ordenamento
jurídico moçambicano, visto que o casamento prematuro é endémico em Moçambique, o que
quer dizer que, o casamento prematuro é revelador da discriminação existente e, acima de tudo,
da discriminação na maneira como as famílias e as sociedades tratam as meninas e os meninos. A
desigualdade no tratamento manifesta-se na desproporcionalidade no nível de atenção e
investimento entre crianças dos dois sexos na saúde, na nutrição e na educação. As meninas
enfrentam normalmente mais privações e falta de oportunidades. Com este texto pretende-se
rever o enquadramento legal aplicável a Moçambique em relação ao casamento prematuro e a sua
incidência, e discutir uma tentativa de criminalizar os implicados. É neste contexto que torna-se
importante, que as referências elencadas no ordenamento jurídico moçambicano sejam disseminadas na
comunidade como referências para o exercício de direitos de cidadania e, consequentemente, para
protecção dos direitos das crianças. Em suma, Moçambique assumiu o compromisso de adequar as
normas de direito interno às da Convenção, para salvaguardar e promover eficazmente os direitos
e liberdades nela consagrados. A partir deste vínculo jurídico ratifica a Convenção dos Direitos
da Criança, instrumento que enuncia um amplo conjunto de direitos os direitos civis e políticos,
sociais e culturais de todas as crianças, bem como as respectivas disposições para que sejam
aplicados. Por outro lado, ao considerar a dimensão que envolve o género, como indicador do
carácter social das diferenças baseadas no sexo, concluiu-se que associação do género à categoria
criança e infância permite perceber que, em Moçambique como em outras sociedades de
ideologia patriarcal, as crianças são consideradas culturalmente inferiores e posicionam-se na
base da hierarquia social. O casamento prematuro é, por isso, justificado a partir do processo de
socialização, assumindo o marco de integração da rapariga ao grupo (família e comunidade a que
pertence).
Palavras-chave: Direitos humanos, Rapariga, Casamento Prematuro.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10
CAPÍTULO I: DIREITOS HUMANOS ................................................................................ 17
1.1. Natureza Jurídica dos Direitos Humanos ............................................................................ 17
1.2. Concepções Doutrinárias Acerca da Natureza Jurídica dos Direitos Humanos ................. 18
1.2.1. Concepção Jusnaturalista ................................................................................................. 18
1.2.2. Concepção Ética .............................................................................................................. 18
1.2.3. Direitos Humanos como Princípios ................................................................................. 19
1.2.4. Concepção Legalista ........................................................................................................ 19
1.2. Conceito dos Direitos Humanos ......................................................................................... 19
1.3. Gerações de Direitos Humanos .......................................................................................... 20
1.3.1. Direitos Humanos de Primeira Geração ......................................................................... 22
1.3.2. Direitos Humanos de Segunda Geração ......................................................................... 24
1.3.3. Direitos Humanos de Terceira Geração ......................................................................... 25
1.3.4. Direitos Humanos de Quarta Geração ............................................................................ 26
1.3.5. Direitos Humanos de Quinta Geração ............................................................................ 26
1.4.Violação de Direitos Humanos por Meio de Casamento Prematuro ................................. 27
CAPÍTULO II: CASAMENTO E SEUS EFEITOS ............................................................. 29
2.1. Breve Historial da Evolução do Casamento ....................................................................... 29
2.2. A Promessa do Casamento ................................................................................................. 30
2.3. A Natureza Jurídica do Casamento ..................................................................................... 31
2.4. Pressuposto de Existência do Casamento ........................................................................... 32
2.5. Validade do Casamento ...................................................................................................... 32
2.6. Capacidade Matrimonial ..................................................................................................... 33
2.7. O Consentimento ................................................................................................................ 34
2.8. Casamento Urgente ............................................................................................................. 35
2.9. Nulidade do Casamento ...................................................................................................... 35
2.9.1. Regime de Nulidade......................................................................................................... 36
2.9.2. Causas de Nulidade .......................................................................................................... 36
2.9.2.1. Falta de Capacidade Matrimonial ................................................................................. 36
2.10. Validação do Casamento .................................................................................................. 36
2.11. Efeitos da Anulação do Casamento .................................................................................. 36
2.11.1. O Casamento Putativo (art. 71 LF) ................................................................................ 36
CAPÍTULO III: DIREITO DA FAMILIA ........................................................................... 37
3.1. Conceito de Direito da Familia ........................................................................................... 37
3.2. Noção Jurídica de Família .................................................................................................. 38
3. 3. Evolução Histórica da Família ........................................................................................... 40
3.3.1. A Família do Direito Romano ......................................................................................... 40
3.3.2. A Família no Direito Canônico ........................................................................................ 40
3.4. Direito de Constituir Família .............................................................................................. 41
CAPÍTULO IV: APRESENTAÇÃO, ANALISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS .... 42
4.1. Âmbito ................................................................................................................................ 42
4.2. Definição, Motivações e Influências do Casamento Prematuro ......................................... 43
4.3. Casamento Prematuro, Infância, Género e Relações de Poder ........................................... 45
4.4. Aspectos Jurídicos e Político Estratégicos Envolvidos no Casamento Prematuro ............. 47
4.5. O Casamento Prematuro no Ordenamento Jurídico Moçambicano .................................... 48
4.6. Os Direitos da Rapariga na Ordem Jurídica Moçambicana ................................................ 52
4.7. Porque razões sujeitam as raparigas aos “casamentos”? .................................................... 53
CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 54
RECOMENDAÇÕES .............................................................................................................. 56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 58
INTRODUÇÃO
O tema que proponho a apresentar cingir- se-á aos Direitos Humanos e Casamento Prematuro no
Ordenamento Jurídico Moçambicano, comum requisito parcial para a Obtenção do Grau
Académico de Licenciatura em Direito, pela Universidade Católica de Moçambique, Faculdade
de Gestão de Recursos Naturais e Mineralogia, com o objectivo de contribuir não sópara a
prevenção e irradicação dos casamentos de raparigas, mas ainda para a efectivação dos direitos
das raparigas, previstos na Constituição da República de Moçambique e nas covenções
internacionais.
Porém, as questões ligadas aos direitos humanos da criança (neste caso da rapariga), apesar da sua
previsão, passam a ser omissas, limitando os espaços para a sua promoção. Neste contexto precisa de
entender o casamento prematuro considerando que as práticas como os ritos de iniciação podem ser
relevantes para a definição do conceito de criança e, consequentemente, promover mudanças no processo
de prescrição de papéis e espaços de actuação específicos para as crianças e adolescentes vivendo em
zonas rurais. A realidade moçambicana monstra que o casamento pode ser arranjado pela família e, nem
sempre os nubentes podem decidir sobre quando e com quem vão contrair matrimónio.
Para o efeito, analisaremos as normas internas em comparação com as instrumentos
internacionais de que Moçambique é parte visando perceber o estágio em que Moçambique se
encontra na protecção dos direitos da rapariga.
O casamento prematuro é um dos problemas mais graves de desenvolvimento humano em
Moçambique mas que ainda é largamente ignorado no âmbito dos desafios de desenvolvimento
que o país persegue requerendo por isso uma maior atenção dos decisores políticos.
Moçambique é um dos países ao nível mundial com as taxas mais elevadas de prevalência de
casamentos prematuros, afectando cerca de uma em duas raparigas, representando uma grande
violação dos direitos humanos das raparigas. Esta situação insere-se ausencia negativamente os
esforços para a redução da pobreza e o alcance dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio
em particular influenciando para que as raparigas aquem grávidas precocemente e deixem ter
acesso a educação, aumentando os riscos de mortalidade materna e infantil.
A pressão económica exercida sobre os agregados mais pobres e as práticas socioculturais
prevalecentes, continuam a conduzir as famílias a casarem as suas filhas cada vez mais cedo,
quando as raparigas ainda não atingiram maturidade suficiente para o casamento e para a
gravidez ou para assumirem a responsabilidade para serem esposas e mães. As maiores partes das
desistências escolares estão ligadas a gravidez precoce nas raparigas, numa fase do seu
desenvolvimento físico e emocional em que elas ainda não se encontram preparadas para gerar
uma criança, com consequências bastante sérias para a sua saúde e para a sobrevivência dos seus
filhos.
Pretende-se abordar o tema: “Direitos Humanos e Casamento Prematuro no Ordenamento
Jurídico Moçambicano”. Contudo, o nosso trabalho cingir-se-á na delimitação espacial para
especificar o espaço, concretamente na província de Gaza nos distritos de Chokwé e
Chicualacuala, como também na delimitação temporal, onde ir-se-á atacar a Lei de Promoção e
Protecção dos Direitos da Criança, O Protocolo à Carta Africana dos Direitos do Homem e dos
Povos Relativo aos Direitos da Mulher em África, A Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da
Criança, Lei da Família e a Constituição da Republica.
Segundo MARCONI e LAKATOS “delimitação do tema – o dotado necessariamente de um
sujeito e de um objecto, o tema passa por um processo de especificação”1
O estudo tem como objectivo geral analisar os Direitos Humanos e Casamento Prematuro no
Ordenamento Jurídico Moçambicano”
Como objectivos especificos, o estudo visa: (i) descrever os efeitos resultantes dos casamentos
precoces ou uniões forçadas nas raparigas;(ii)analisar a falta de cobertura legal, no âmbito penal,
para proteger a rapariga em situação de relação equiparada ao casamento e a consequente
gravidez precoce;
Este tema é importante no nível académico e também por si tratar de obtenção de grau de
licenciatura segundo orientação desta faculdade é um dos requisitos principal para elaboração de
monografia. Segundo MARCONI e LAKATOS, a justificativa consiste numa exposição suscita
porém completa, das razões de ordem teórica e dos motivos de ordem prática que tornam
importante a realização da pesquisa2.
A razão de fundo para a escolha desse tema dos diversos é o interessante facto de, Criar sistemas
locais de referência para casos de violência de menores através da disseminação de informação
sobre como proceder quando se é confrontado com um caso destes. Os sistemas locais de
referência devem incluir todas as pessoas e instituições que podem desempenhar um papel de
reportagem.
1
2
MARCONI, Maria de Andrade, LAKATOS, Eva Maria, Fundamentos de metodologia científica, p. 201
MARCONI, Maria de Andrade, LAKATOS, Eva Maria, Fundamentos de metodologia científica, p. 202
O fim prende-se, informar as raparigas e mulheres jovens sobre os seus direitos e sobre o que
constitui o abuso sexual, a melhor forma de evitar colocar-se em situações de risco e as opções
disponíveis caso elas ou uma amiga ou parente seja vítima de abuso. Isto pode ser feito usando
estratégias de educação de pares para transmitir informação.
Logo, devemos desenvolver programas educacionais para pais sensíveis ao género que enfoquem
métodos disciplinares não violentos. Esses programas devem promover relações saudáveis entre
pais e filhos e orientar os pais no sentido de que adoptem métodos disciplinares construtivos e
positivos e abordagens que promovam o desenvolvimento da criança, levando em consideração
as suas capacidades em formação e a importância de respeitar as suas opiniões.É relevante falar
do tema, por ser actual e pelo dinamismo da sociedade, as normas devem se adequar as
realidades, para não se cair no velho ditado de só existirem leis mas que não são devidamente
aplicadas.
Da problemática dos casamentos prematuros em Moçambique surge a questão seguinte: até que
ponto o casamento prematuro garante a protecção dos direitos humanos reconhecidos as raparigas
em Moçambique?
Ora vejamos que a pobreza também tem contribuído para a ocorrência de menores em conflito
com a lei. Com aprovação da Lei da Família, em 2004, a idade para o casamento da rapariga
subiu de 14 para 18 anos. Porém, a própria Lei abre espaço para que pessoas com menos de 18
anos e mais de 16 possam contrair casamento (art. 30, nº 2), “o Estado tem o dever de assegurar a
protecção dos direitos da mulher e da criança, conforme estipulados nas Declarações e
Convenções Internacionais”, conjugado com artigo 47 da constituição da República de
Moçambique.
O casamento prematuro constitui um factor de risco porque implica quase inevitavelmente
relações sexuais. Nas sociedades onde tal se consuma existe a forte pressão para se ter filhos logo
após o casamento e a taxa de concepção de mulheres jovens casadas é muito baixa.
Noutra vertente das consequências, existe uma correlação entre o casamento prematuro e a saída
do sistema de educação, por se cuidar de outros afazeres, com consequências para a privação do
direito à educação e no desenvolvimento social e humano das raparigas envolvidas. A aparente
apatia do sistema de educação e as normas permissivas como o Despacho nº 39/GM/2003 do
Ministério da Educação, que prescreve a mudança de turno para a rapariga grávida e apenas o
processo disciplinar para o protagonista concorrem para aumentar a tolerância em relação a estes
tipos de violência e á sua reprodução.
Quanto ao tipo de pesquisa, segundo BARBOSA: O tipo de pesquisa a ser adoptado neste
projecto é exploratório porque tem como objectivo em examinar um tema pouco estudado e que
não foi abordado antes, como se enquadra o tema da pesquisa acima transcrito, no caso de
Moçambique que ainda continua estacionária.3
Resulta que este tipo de pesquisa, tem como objectivo de propocionar maior familaridade com
problema de modo a torná-lo mais explícito. Pode envolver levantamento bibliográfico,
entrevista, com pessoas experientes no problema pesquisado, etc. Geralmente, assume a forma de
pesquisa bibliográfica e estudo de caso.
Quanto ao metodo de abordagem, o método a ser utilizado na pesquisa será hipotético - dedutivo,
pois segundo LAKATO E MARCONI, este inicia-se com um problema ou uma lacuna no
conhecimento científico, passando pela formulação de hipóteses e por um processo de inferência
dedutiva, o qual testa a predição da ocorrência de fenômenos abrangidos pela referida hipótese4.
No que toca "no método hipotético-dedutivo," de facto o problema levantada nesta pesquisa
resulta das pessoas perderem familiares devido ao tráfico, infelizmente não os encontrar a mais".5
Na verdade, essa é a fase de teste do modelo simplificado. É uma fase meticulosa em que é
observado determinado aspecto do universo, objeto da pesquisa. A fase seguinte é a formulação
de hipóteses, ou descrições-tentativa, consistentes com o que foi observado.
No que concerne o metodo de procedimento, o método a ser utilizado foi bibliográfico, visto que
recorreu-se a livros, artigos científicos, textos retirados da internet e legislação. No pensamento
de GIL, "a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com a base em material já elaborado,
constituído de livros, artigos científica e textos retirado de internet".6
Em termos de tecnica de pesquisa, para a elaboração de pesquisa foi utilizada a técnica da
observação directa e intensiva a ser realizada através de duas técnicas, a saber: observação, que
4
Markon e Lakatos, Metodologia do trabalho científico, P.38.
Carvalho, Metodologia de Pesquisa Cientifica, P. 21
6
Gil, Manual de Metodologia de Pesquisa Científica.
5
consiste em examinar os factos ou fenómenos que se pretendem estudar, e também na utilização
de sentidos para obtenção de alguns aspectos da realidade.7
CAPÍTULO I: DIREITOS HUMANOS
Este capítulo dedica-se a prover um panorama das normas de direitos humanos no seu âmbito
nacional e internacional. Incluem-se breves descrições sobre a natureza, o conceito, as gerações,
assim como um resumo do seu antecedente histórico.
1.1. Natureza Jurídica dos Direitos Humanos
Na filosofia de ALEXANDRINHO:
7
Markon e Lakatos, Metodologia do trabalho científico, Pág.38.
Os direitos humanos ou direitos do homem, nascem essencialmente como
direitos negativos, ou seja, como obrigação de omissão ou abstenção por parte de
Estado em face de certas condutas dos cidadãos8.
O ser humano é livre, logo o Estado deve abster-se de privar a liberdade; o ser humano tem
direito a expressar-se livremente, logo o Estado deve abster-se de censurá-lo.
A sistematização desses direitos negativos em uma determinada ordem constituicional ou em um
tratado ou em uma proclamação internacional constitui aquilo que a doutrina convenciona.
Conceituar então, a natureza jurídica dos direitos humanos se torna abrangente pela diversidade
de posicionamentos encontrados na doutrina. Onde para alguns, os direitos humanos são
simplesmente direitos subjetivos; onde para outros são direitos subjetivos, emanados diretamente
das normas positivas e somente adquirem valor jurídico ao serem reconhecidas pelo Estado.
Segundo MORÁN:
Outros ainda, que consideram os direitos humanos como valores; ou ainda como
princípios gerais de direito; enquanto para outros são faculdades de poderes
nascidos de normas objetivas previamente existentes nos ordenamentos estatais,
que lhes são impostas obrigando o seu reconhecimento, com sentido de direito
natural clássico ou simplesmente como direito objetivo numa concepção mais
actual9.
1.2. Concepções Doutrinárias Acerca da Natureza Jurídica dos Direitos Humanos
1.2.1. Concepção Jusnaturalista
A concepção jusnaturalista é aquela tradicionalmente adotada por aqueles que defendem a plena
validade jurídica dos direitos humanos como faculdades intrínsecas do homem, independente de
sua positivação. Direitos do homem como imperativos do Direito natural, anteriores e superiores
à vontade do Estado.
Segundo CANOTILHO:
Direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os
tempos (dimensão jusnaturalista-universalista), ou seja, os direitos do homem
arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável,
intemporal e universal10.
1.2.2. Concepção Ética
Esta concepção trata os direitos humanos como direitos morais, à vista disso entendem que toda
norma jurídica pressupõe uma série de valores. NUNO um dos defensores da teoria dos direitos
8
ALEXANDRINHO, Os Direitos humanos em ÁFRICA, Pág. 18.
Cf. MORÁN, Narciso Martínez, Naturaleza y Caracteres de los Derechos, pág. 109.
10
CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2003, pág. 393.
9
morais, entende que os direitos humanos são a parte mais substancial dos direitos morais
oriundos dos princípios da inviolabilidade, da autonomia e da dignidade da pessoa humana11.
1.2.3. Direitos Humanos como Princípios
Esta concepção entende que os direitos humanos são princípios externos ao ordenamento
jurídico. Não faltando quem assegure que os direitos humanos formam parte de um ordenamento
jurídico, como princípios não formulados em normas positivas expressas. Se trata de uma teoria
muito próxima a teoria dos direitos morais, que entendem os direitos humanos como valores
morais, sendo que esta entende como princípios.
Para MORÁN “indaga ser óbvio que os direitos fundamentais incorporados nos preâmbulos são
considerados como princípios superiores do ordenamento jurídico”12.
1.2.4. Concepção Legalista
A concepção legalista afirma que não existe direitos fundamentais se estes não estiverem
reconhecidos no ordenamento jurídico estatal. De facto, há quem entenda que os direitos
humanos carecem de uma entidade jurídica de verdadeiros direitos humanos antes de sua
incorporação à lei positiva, pois não existem direitos humanos que não estejam positivados pela
legislação estatal, é uma atitude legalista (pelo Estado).
No pensamento de PECES-BARBA, tentando explicar a concepção legalista dos direitos
humanos, faz a distinção destes com os direitos fundamentais. Vejamos a seguir esta análise
comparativa onde, para este doutrinador, os direitos fundamentais se completam com sua
recepção no Direito Positivo, pois, em sua opinião, um direito fundamental não alcança sua
plenitude se não for reconhecido no direito positivo13.
1.2. Conceito dos Direitos Humanos
Salienta o autor PIOVESAN que:
Direitos Humanos são os direitos básicos de todos os seres humanos. São
direitos
civis
e
políticos,
direitos econômicos,
sociais e culturais
(exemplos: direitos ao trabalho, à educação, à saúde, à previdência social,
à moradia, à distribuição de renda, entre outros, fundamentados
no valor igualdade de oportunidades);
direitos difusos e colectivos
(exemplos: direito à paz, direito ao progresso, auto determinação dos
11
NINO, Carlos Santiago, Ética y derechos humanos: un ensayo de fundamentación, pág. 110.
Cf. MORÁN, Narciso Martínez, pág. 112.
13
PECES-BARBA, Martínez, G., Derechos Fundamentales, pág. 113.
12
povos, direito ambiental, direitos do consumidor, inclusão digital, entre outros,
fundamentados no valor fraternidade)14.
1.3. Gerações de Direitos Humanos
A positivação dos direitos que hoje são reconhecidos fundamentalmente e que corresponde a de
mais, às gerações de direitos humanos deu-se, nas variadas Cartas Fundamentais, em
correspondência ao transcurso da história da humanidade e efectivamente se perfectibilizou no
ordenamento jurídico, com a proporção que hoje se concebe, como uma conseqüência histórica
da transmudação dos direitos naturais universais em direitos positivos particulares, e, depois,
em direitos positivos universais 15.
Segundo PIOVESAN:
Por isso mesmo, inexiste equívoco quando se confere a essa Norma
Fundamental a atribuição de refletir um momento histórico significativo, o
actual, porque o máxime do alargamento no campo dos direitos e garantias
fundamentais até hoje conquistado, colocando-se, ainda, “entre as
Constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito à matéria” 16.
Para HERKENHOFF:
São, assim, considerados humanos, os direitos conferidos a todo e qualquer
sujeito, no intuito de se resguardar sua dignidade, direitos esses que “a
sociedade política tem o dever de consagrar e garantir” todos decorrentes de
alterações no pensamento filosófico, jurídico e político da humanidade, e que,
positivados, convencionou-se designar por “direitos fundamentais” 17.
Como precedente histórico de processo de internacionalização dos direitos humanos, assinalase a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho, convenções pelas quais foi
possível, pela primeira vez, “redefinir o status do indivíduo no cenário internacional, para que
se tornasse verdadeiro sujeito de direito internacional”.
14
PIOVESAN, Flávia, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, pág. 25.
PIOVESAN, Flávia, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, pág. 124.
16
PIOVESAN, Flávia, Direitos humanos e o direito constitucional internacional, pág. 25.
17
HERKENHOFF, João Baptista, Curso de Direitos Humanos, pág. 31.
15
Em ambas as convenções, criadas antes da Primeira Guerra Mundial, visou-se estabelecer
limites à atuação estatal e garantir a observância dos direitos fundamentais, assinalando a
necessidade de se relativizar a soberania dos Estados.
Vale dizer, o advento da Organização Internacional do Trabalho, da Liga das Nações e do
Direito Humanitário registra o fim de uma época em que o Direito Internacional era, salvo raras
exceções, confinado a regular relação entre Estados, no âmbito estritamente governamental.
Através destes institutos, não mais se visava proteger arranjos e concessões recíprocas entre os
Estados. Visava-se sim ao alcance das obrigações internacionais a serem garantidas ou
implementadas coletivamente que, por sua natureza, transcendiam os interesses exclusivos dos
Estados contratantes.
Estas obrigações internacionais voltavam-se à salvaguarda dos direitos do ser humano e não
das prerrogativas dos Estados” Na sequência, após a Segunda Grande Guerra, palco de
massacres e conhecido genocídio das mais distintas etnias, efeito do fortalecimento do
totalitarismo estatal dos anos 30, a humanidade percebeu a premência de se resguardar,
mediante eficazes medidas, a dignidade da pessoa humana.
O moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do pós-guerra. Seu
desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler
e à crença de que parte destas violações poderiam ser prevenidas se um efetivo sistema de
proteção internacional de direitos humanos existisse.
É efectivamente, remonta a história, somente com o pós-guerra, depois de todas as atrocidades
ocorridas sob o argumento da hibridização da raça ariana, projecto político e industrial
sabidamente abraçado por Adolf Hitler, com a real ruptura do paradigma dos direitos humanos,
mediante uma negação dos valores mais comezinhos ao homem concedidos, emergiu,
significativamente, no pensamento ocidental, a necessidade de se reconstruir tais direitos.
COMPARATO argumenta que:
Desse momento histórico, portanto, resultaram a Declaração Universal,
aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas de 1948 e a Convenção
Internacional sobre a prevenção e punição do crime de genocídio, ambas
marcos inaugurais de “uma nova fase histórica, que se encontra em pleno
desenvolvimento” 18
Dessa maneira foi que a Declaração definiu, como nunca antes, os padrões éticos e morais a
serem perseguidos pelos Estados, conferindo uma gama extensa de direitos e faculdades sem as
quais um ser humano já não mais poderia desenvolver sua personalidade intelectual, física e
moral e acarretando uma repercussão tal que os povos passaram a ter consciência de que o
conjunto da comunidade humana se interessava pelo seu destino.
Ademais, além de internacionalizar os direitos ali contidos, a Declaração também teve a função
de conjugar, harmonizar ou conciliar as gerações de direitos civis e políticos (primeira geração
de direitos) aos direitos econômicos, sociais e culturais (segunda geração), equalizando, desta
forma, o discurso liberal e o discurso social defensores da cidadania, atando o valor da
liberdade ao da igualdade, dicotomia que até então não se cria pudesse ser ultrapassada.
Impende salientar, no entanto, tal sistematização dos direitos humanos em gerações de direitos,
não acompanha qualquer hierarquização desses valores, mas tão só corresponde ao seu
reconhecimento em dado momento histórico e em determinados ordenamentos jurídicos.
1.3.1. Direitos Humanos de Primeira Geração
Segundo LAFER:
Os direitos humanos de primeira geração são resultantes, principalmente, da
Declaração Francesa dos direitos do Homem e do Cidadão e da
Constituição dos Estados Unidos da América de 1787, que surgiram após o
confronto entre governados e governantes, é dizer, da insatisfação daqueles
com a realidade política, econômica e social de sua época, e que resultou
nessas afirmações dos direitos de indivíduos em face do poder soberano do
Estado absolutista19.
18
COMPARATO, Fábio Konder, A afirmação histórica dos direitos humanos, pág. 56.
19
LAFER, Celso, A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt, pág.
126.
COMPARATO argumenta que:
[...] representaram a emancipação histórica do indivíduo perante os grupos
sociais aos quais ele sempre se submeteu: a família, o clã, o estamento, as
organizações religiosas. Mas em contrapartida, a perda da proteção familiar
estamental ou religiosa tornou o indivíduo muito mais vulnerável às
vicissitudes da vida20.
A sociedade liberal ofereceu-lhe, em troca, a segurança da legalidade, com a garantia da
igualdade de todos perante a lei. Esses direitos, visando a proteção das liberdades individuais
ao impor limites ao Estado, recebem a denominação, por alguns autores de direitos humanos de
primeira geração ou primeira dimensão.
Neste contexto, LAFER considera que:
Os direitos humanos da Declaração de Virgínia e da Declaração Francesa de 1789 são
neste sentido, direitos humanos de primeira geração, que se baseiam numa clara
demarcação entre Estado e não Estado, fundamentada no contratualismo de inspiração
individualista 21.
São vistos como direitos inerentes ao indivíduo e tidos como direitos naturais, uma vez que
precedem o contrato social. Por isso, são direitos individuais: (I) quanto ao modo de exercício é
individualmente que se afirma, por exemplo, a liberdade de opinião; (II) quanto ao sujeito
passivo do direito pois o titular do direito individual pode afirmá-lo em relação a todos os
demais indivíduos, já que esses direitos têm como limite o reconhecimento do direito de outro
[...].
Filosoficamente, pode-se creditar o surgimento e o resguardo dessa geração direitos à moral
individualista e secular, que colocava o indivíduo como centro do poder e rechaçava, de outra
20
COMPARATO, Fábio Konder, A afirmação histórica dos direitos humanos, pág. 51.
21
LAFER, Celso, A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt, pág.
127.
parte, a promiscuidade entre poder político e religioso, assinalando a secularização do poder do
Estado22.
São, destarte, os direitos individuais, que resguardam as liberdades individuais e impõem
limitações ao poder do Estado, decorrentes da evolução do direito natural e sofrendo importante
influência dos ideais iluministas, como se pode extrair do pensamento filosófico de Rousseau,
Locke e Montesquieu, principalmente.
Essa dúvida, no entanto, desmerece maiores delongas, já que não perfaz a matéria que se
pretende analisar neste trabalho, razão porque breves as linhas que encerram tal explanação.
1.3.2. Direitos Humanos de Segunda Geração
Mais tarde, porém, com a consagração dos direitos de liberdade, ocorreu a passagem destas, as
chamadas liberdades negativas, para os direitos políticos e sociais, que exigiam uma
intervenção direta do Estado, para ver-se concretizados, com a passagem da consideração do
indivíduo singular, primeiro sujeito a quem se atribuiu direitos naturais, para grupos de
sujeitos, sejam famílias, minorias étnicas ou até mesmo religiosas.
Segundo HUMENHUK:
Os direitos sociais ou prestacionais, como o direito à saúde, configuram, assim,
um dos elementos que marcaram a transição do constitucionalismo liberal para
o constitucionalismo social, direitos que impõem, determinam ou exigem do
Estado enquanto ente propiciador da liberdade humana, não mais aquela
actividade negativa, de restrição de sua atuação, mas uma ação positiva,
através de uma efetiva garantia e eficácia do direito fundamental prestacional 23.
De segunda geração, são, pois, os direitos ao trabalho, à saúde, à educação, dentre outros, cujo
sujeito passivo é o Estado, que tem o dever de realizar prestações positivas aos seus titulares, os
cidadãos, em oposição à posição passiva que se reclamava quando da reivindicação dos direitos
de primeira geração.
22
23
BOBBIO, Norberto, A era dos direitos, p. 60.
HUMENHUK, Hewerstton, O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais, 2004.
Foram positivados somente nas Constituições francesas liberais de 1791 e 1973, sendo
ampliados e reafirmados pela Constituição francesa de 1948,
carta política esta que
correspondeu com a consciência da população, verdadeira interessada na efetivação de tais
direitos, dos problemas resultantes da revolução industrial e a condição dos operários.
1.3.3. Direitos Humanos de Terceira Geração
À par das dificuldades e das conquistas decorrentes da doutrina social pelo reconhecimento e
pela eficácia dos direitos civis e políticos, de primeira geração, e dos direitos econômicos,
sociais e culturais, direitos de segunda geração, outros valores, até então não tratados como
prioridade na sociedade ocidental, foram colocados na pauta de discussão em período posterior
ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Referidos valores, para serem efetivados,
exigiam soluções inovadoras que só o reconhecimento de direitos de estirpe diversa dos já
positivados poderia satisfazer. Estes novos direitos passaram, assim, a serem alcunhados de
direitos de terceira geração.
Para TAVARES; e ALMEIDA: “Tais direitos, também conhecidos como direitos da
solidariedade ou fraternidade, caracterizam-se, assim, pela sua titularidade colectiva ou difusa,
tendo coincidido o período de seu reconhecimento ou positivação com o processo de
internacionalização dos direitos humanos”24.
[...] trazem como nota distintiva o facto de se desprenderem, em princípio, da figura do homem
indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação),
e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade colectiva ou difusa. […]
Dentre os direitos fundamentais da terceira dimensão consensualmente mais citados, cumpre
referir os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente
e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e
cultural e o direito de comunicação.
24
TAVARES, André Ramos, Curso de direito constitucional, págs. 421-422; ALMEIDA, pág. 45.
Cuida-se na verdade do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano,
geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância,
bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes
consequências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais.”
Tais direitos, sabe-se, caracterizam-se pelo distintivo de demandarem a participação intensa dos
cidadãos, sem a qual não tem eficácia, requerendo a existência de uma consciência coletiva na
atuação individual de cada membro da sociedade, em aliança com Estado.
1.3.4. Direitos Humanos de Quarta Geração
Há doutrinadores, ainda, que reconhecem a existência de uma quarta geração ou dimensão de
direitos humanos, que se identificariam com o direito contra a manipulação genética, direito de
morrer com dignidade e direito à mudança de sexo, todos pensados para o solucionamento de
conflitos jurídicos inéditos, novos, frutos da sociedade contemporânea.
Há, ainda, doutrinadores, como o constitucionalista Paulo Bonavides, que entendem que a
quarta geração de direitos identificar-se-ia com a universalização de direitos fundamentais já
existentes, como os direitos à democracia directa, à informação e ao pluralismo.
1.3.5. Direitos Humanos de Quinta Geração
Finalmente, os direitos humanos da quinta geração, como os de quarta, também não são
pacificamente reconhecidos pela doutrina, como o são os das três primeiras. No entanto, os
direitos que por essa geração são reconhecidos, quais sejam, a honra, a imagem, enfim, os
“direitos virtuais” que ressaltam o princípio da dignidade da pessoa humana, decorrem de uma
era deveras nova e contemporânea, advinda com o exacerbado desenvolvimento da Internet nos
anos 90. Tais valores, portanto, são defendidos e protegidos por essa geração de direitos, com a
particularidade de protegê-los frente ao uso massivo dos meios de comunicação eletrônica,
merecendo, assim, proteção não só as pessoas naturais, mas também as pessoas jurídicas.
1.4.Violação de Direitos Humanos por Meio de Casamento Prematuro
A negação do direito à educação interfere com o direito das crianças à educação, mas também
com o desenvolvimento da sua personalidade, a sua preparação para a idade adulta e as
possibilidades e oportunidades de emprego. Perderá igualmente importantes espaços de
socialização e de fazer amizades, pelo que provavelmente será uma adulta que viverá em maior
isolamento do que as outras.
Por isso, quando em presença de um casamento prematuro, há matéria legal para intervir no
sentido de proteger a criança e criminalizar todos os responsáveis envolvidos: i) os pais ou
responsável legal que entregou a criança; ii) o adulto que recebeu a criança e a mantém para fins
de exploração laboral e sexual.
Segundo (Bruce, 2002, citado por FNUAP, 2003), Que direitos estão a ser negados com o
casamento prematuro? Se nos guiarmos pela Convenção sobre os Direitos da Criança, são os
seguintes25:

O direito à educação (artigo 28).

O direito a ser protegida contra todas as formas de violência física ou mental, dano ou abuso,
inclusive sexual (artigo 19) e de todas as formas de exploração sexual (artigo 34).

O direito ao gozo do mais alto nível possível de saúde (artigo 24).

O direito à informação escolar e profissional e orientação (artigo 28).

O direito de procurar, receber e transmitir informações e ideias (artigo 13).

O direito ao descanso e lazer, e de participar livremente na vida cultural (artigo 31).

O direito de não ser separada de seus pais contra a sua vontade (artigo 9).

O direito à protecção contra todas as formas de exploração que afectem de qualquer modo o
bem-estar da criança (artigo 36).
Quanto mais as crianças se encontram em situações desfavorecidas (zonas rurais com pouco
acesso à escola e com menores níveis de rendimento, com menor investimento tanto na esfera
económica como sociocultural), menos oportunidades têm de gozar dos seus direitos.
Portanto, falar em casamento prematuro é falar em discriminação. Discriminação das raparigas
em relação aos rapazes e discriminação entre as crianças de sexo feminino, consoante, entre
outros, o nível de rendimentos da sua família e a sua escolarização.
Segundo o relatorio de UNICEF:
25
Bruce, J., Married Adolescent Girls: Human Rights, Health and Developmental Needs of a Neglected, 2002.
As raparigas que vivem nestas uniões forçadas, para além de se verem
impossibilitadas de gozarem dos seus direitos, sofrem severas consequências no
que diz respeito ao seu bem-estar psicológico e emocional, à sua saúde
reprodutiva e às suas oportunidades educativas e na vida como adultas 26.
Portanto, a idéia de educação para a cidadania não pode partir de uma visão da sociedade
homogênea, como uma grande comunidade, nem permanecer no nível do civismo nacionalista.
Torna-se necessário entender educação para a cidadania como formação do cidadão participativo
e solidário, consciente de seus deveres e direitos – e, então, associá-la à educação em direitos
humanos. Só assim teremos uma base para uma visão mais global do que seja uma educação
democrática, que é, afinal, o que desejamos com a educação em direitos humanos, entendendo
“democracia” no sentido mais radical – radical no sentido de raízes – ou seja, como o regime da
soberania popular com pleno respeito aos direitos humanos.
Não existe democracia sem direitos humanos, assim como não existe direitos humanos sem a
prática da democracia. Em decorrência, podemos afirmar o que já vem sendo discutido em certos
meios jurídicos como a quarta geração, ou dimensão, dos direitos humanos: o direito da
humanidade à democracia. Esta educação formal na escola, resultará mais viável se contar com o
apoio dos órgãos oficiais, tanto ligados diretamente à educação como ligados à cultura, à justiça e
defesa da cidadania.
26
UNICEF, Early Marriage. Child spouses, 2001.
CAPÍTULO II: CASAMENTO E SEUS EFEITOS
2.1. Breve Historial da Evolução do Casamento
Sob o ponto de vista sociológico o casamento é um fenómeno humano muito antigo que se
formalizava sem qualquer acto solene.
No direito romano distinguia-se o casamento do simples concubinato pela affection maritalis,
elemento subjectivo que evidenciava o propósito comum de convivênciaduradoura entre o
homem e a mulher. Era pois um acto voluntário que começou comvontade dos 2 e poderia
terminar com o repúdio universal ou bilateral - é muito parecidocom a figura da união de facto.
Na idade média e com a influência do cristianismo o casamento passou a ser encarado como um
sacramento em que intervinha a vontade divina, o casamento revestia - se de forma canónica e era
o ministro do culto que autorizava a celebração. Só a partir do Concilio de Trento do século XVI
em que o sacerdote passou a intervir na sua celebração.
Com a separação da igreja criou-se o advento do protestantismo e seu predomínio nalguns países
Europeus como a Inglaterra, retirou a igreja o controlo do casamento submetendo o ao Estado.
Foi só com a revolução francesa, no final do século XVIII que se passou a adoptar a concepção
do casamento como um acto meramente civil, como um contrato, baseado na vontade dos
nubentes e sem estar sujeito à intervenção obrigatória da Igreja, surgindo assim o casamento de
natureza laica de competência dos representantes do Estado e independente do casamento
religioso.
Nos termos do artigo 7.º LF
O casamento “a união voluntária entre um homem e uma mulher, formalizada
nos termos da lei, com o objectivo de estabelecerem uma plena comunhão de
vida”.27
É importante notar que existem vários elementos essenciais, a saber:

O elemento subjectivo da voluntariedade por parte, dos nubentes, homem e mulher.

A necessidade da sua formalização, segundo a forma estabelecida na lei, que é o que
distingue da união de facto.

A finalidade legal do casamento que é o estabelecimento da plena comunhão de vida.
2.2. A Promessa do Casamento
Normalmente o casamento tem preliminares, é antecedido por uma promessa recíproca de
casamento por parte dos noivos (nubentes).
Actualmente nos países mais desenvolvidos a importância do noivado diminuiu embora na
sociedade tradicional angolana a promessa de casamento tenha ainda uma acentuada importância
sobretudo no que respeita as entregas feitas pelos noivos á família da noiva, Alembamento.
Em geral os diversos sistemas jurídicos não consideram como relevância a promessa do
casamento sob o ponto de vista de obrigar a contrair casamento.
A promessa de casamento é um acto de importância social, realizado com seriedade entre os
noivos e conhecido entre os seus familiares e o meio social.
A lei de família vem confirmar no seu art.° 19:
A ineficácia jurídica da promessa, ou seja esta não dá direito a exigir a
celebração de casamento. Já quanto aos donativos feitos pelo promitentes a
antiga lei considerava o direito á restituição dos bens entregues, o que constitui
uma omissão voluntária da lei para impedir que haja coacção sobre os nubentes,
e dando assim primazia legal á liberdade pessoal dos nubentes sobre o interesse
28
patrimonial daquele que tiver feito estas ofertas.
Trata-se pois de uma obrigação natural que não é juridicamente exigível. É uma obrigação
fundada em meros diversos de justiça e que não é exigível juridicamente.
27
28
Art.º 7 da Lei da Família, aprovada pela Lei nº 10/2004 de 25 de Agosto, 2004.
Art.º 19 da Lei da Família, aprovada pela Lei nº 10/2004 de 25 de Agosto, 2004.
Já quando o direito de indemnização art. 22 º- n.º 2 é exigível é mas só nos termos restritos deste
artigo. É necessária uma ruptura injustificada por parte dos nubentes, há que analisar estas
rupturas em termos objectivo. O direito de indemnização circunscreve-se aos próprios nubentes e
os seus limites estão circunscritos às obrigações contraídas com acordo de outro nubente e só
podem ser indemnizações patrimoniais.
A promessa do casamento vem constituir também elemento de facto preponderante para a decisão
judicial a tomar em acção para o estabelecimento da filiação.
2.3. A Natureza Jurídica do Casamento
Segundo o art. 7º
O casamento é caracterizado como sendo um acto ou negócio jurídico, solene
mediante o qual um homem e uma mulher aceitam voluntária e reciprocamente
estabelecerem convivência de carácter duradouro.29
Tem duas vertentes: - Casamento como acto, cerimónia que se celebra - como acto em si. Casamento como estado familiar, em que os nubentes se vão encontrar a pois a cerimónia é
consequência da cerimónia como estado. O casamento como estado é um vínculo jurídico
composto por um conjunto complexo de direito e deveres.
Como um acto e na doutrina civilista predomina a concepção de casamento como um contrato.
Segundo VARELA:
" O casamento como um contrato solene em que intervem duas declaracoes de
vontade que são contraposta mas são harmonizadas, caracteriazado pela
diversidade de sexo que tem como conteúdo e como fim a plena comunhão de
vida.30
Que tem uma outra visão do casamento. Assim, este entende que “o casamento é a união
voluntária e singular entre um homem e uma mulher, com o propósito de constituir família,
mediante comunhão plena de vida”31
O nosso código de família quis deixar de reconhecer o casamento como um contrato para passar a
reconhecê-lo como uma união, embora reconheça nele um negócio jurídico em que a declaração
da vontade dos nubentes vai produzir unicamente os efeitos jurídicos previstos na lei e que são de
29
Art. 7.° da Lei da Família, aprovada pela Lei n.º 10/2004 de 25 de Agosto, 2004.
Cfr., VARELA, Antunes, Direito da Familia, Direito matrimonial, p.120 e segs.
31
Cfr., COELHO, F. P. e OLIVERA, G. de, Curso de Direito da Família: Introdução Direito Matrimonial, p. 173.
30
natureza imperativa. A sua autonomia da vontade circunscreve-se à dois pontos, considerados
como pertinentes aos direitos fundamentais da pessoa humana:

Cada pessoa é livre de casar ou não.

Cada pessoa é livre de escolher a pessoa de outro sexo com quer casar.O casamento deve
ser definido como um negócio jurídico familiar e bilateral, com a natureza de um pacto,
celebrado entre os nubentes. É o acto jurídico condição de aceitação do estado de casado,
que dele decorre, estado esse que se estabelece reciprocidade entre 2 nubentes.
Fica portanto afastada a hipótese do casamento como um contrato civil, pois a vontade do Estado
intervêm no acto do casamento, antes da sua celebração, através do conservador do registo civil,
cuja intervenção tem a natureza certificativa e a sua participação é indispensável à própria
existência do acto jurídico.
2.4. Pressuposto de Existência do Casamento
O casamento é um acto jurídico cujo a celebração e validade exigem que se verifique
previamente a existência de certos pressupostos e ainda certas condições legais.
O casamento para ter existência jurídica necessita de três pressupostos sem os quais a sanção é de
inexistência ou a de anulabilidade do casamento.
2.5. Validade do Casamento
O casamento como negócio jurídico bilateral e solene é constituído por elementos de natureza
substancial e de natureza formal.São condições de fundo:

Aptidão natural para contrair o casamento, diferença de sexo. Idade púbel, saúde física,
inexistência de impedimento previstos na lei, vontade de contrair o casamento,
capacidade das partes.

Capacidade matrimonial (idade núbil e ausência de impedimento)

Mútuo consentimento:

Condições de forma reportam – se ao processo preliminar que antecede o casamento e a
forma solene e públicada celebração. O direito da família está ligado ao direito
constituicional, a norma constante do n.º 2 do art. 119 CRM, protege de foma
constitucional a familia, e a protege atraves das normas existentes - é fundamental no que
se refere á regulação do casamento mas carece de normas da família que a ampliem e
limitem.
2.6. Capacidade Matrimonial
Historicamente a capacidade matrimonial varia de época para época e de cultura para cultura e
tem havido medidas discriminatória, como por ex. o apartheid, a igreja católica que proibia o
casamento com outras religiões. Modernamente estas prescrições opõem-se a direitos
fundamentais do homem que são hoje nulas.
A capacidade matrimonial, que não coincide com a capacidade de celebrar negócios jurídicos de
outros ramos de direito, obedece aos fins específicos do casamento e aptidão para casar revela-se
por condições de maturidade física e psíquica assim como por restrições impostas a pessoas
ligadas por vínculos familiares por razões de ordem moral e até de eugenia. São portanto
necessários os seguintes requisitos:
a) Idade Núbil: a maturidade sexual é a condição biológica para celebração do casamento
assim como há ainda que ter em conta a maturidade psíquica. A idade núbil atinge-se aos
18 anos, sendo excepcionalmente permitido o casamento com a idade inferior quando tal
se mostrar preferível, sendo necessário autorização do representante ou representante
legais do menor, e quando o homem tenha pelo menos 16 anos e a mulher no mínimo 15
anos, sendo assim a menoridade de 18 anos uma incapacidade relativa.
No entanto a lei, por uma questão de preservação do casamento, e em caso de incapacidade
matrimonial, não se fere de nulidade absoluta estes casamentos, permitindo mais tarde a sua
convalidação.
Quanto ao estado de saúde dos nubentes, o nosso código não faz referência a esse assunto pelo
que não dá que fazer prova de aptidão física para o casamento.
b) Impedimentos Matrimoniais
São proibições de carácter excepcional art. 29 LF
A lei exige legalmente a circunstância negativa de que não se verifiquem em relação aos nubentes
quaisquer impedimento matrimonial, ou seja facto jurídico que obstam a realização do
casamento, e que podem ser classificados como impedimento dirimentes (absolutos e relativo)
que são aqueles que dirimem, destroem os efeitos do casamento e dos impedimento não
dirimentes ou meramente impedientes, são aqueles cuja existência obstam a realização do
casamento mas não afecta a sua validade.

Impedimento Dirimentes absoluto 30º LF: dizem-se absolutos porque impedem a
pessoa de se casar com quem quer que seja: E são eles:
A demência: proibição de se casar para dementes funda-se em duas razões uma que é evitar que
alguém que celebre o casamento não tendo a capacidade de discernimento para compreender esse
acto e seus efeitos e a outra impedir que pessoas portadoras de taras psíquicas as vão transmitir à
sua descendência. Este tipo de incapacidade abrange não só a interdição decretada por sentença
judicial mas ainda a demência notória. O nosso código proíbe o casamento por demência quando
esta seja notória ou no caso de interdição ou e inabilitação por anomalia psíquica.

Impedimento Dirimentes Relativo art. 31º LF; embora designados de relativos estes
impedimentos impedem absoluto o casamento dando origem à sua anulabilidade mas
impede unicamente que duas pessoas casarem uma com a outra mas não impedem que
casem com outrem.

Impedimento Impedientes: o nosso código eliminou a referência a estes impedimentos
embora no entanto no seu artigo 32º LF ao referir - se à capacidade matrimonial
menciona não só os impedimentos previstos no código como ainda aqueles que venham a
constar de lei especial, deixando-se assim em aberto a possibilidade de outras leis virem a
condicionar o direito de contrair casamento.
No código civil esses impedimentos impedientes eram os seguintes:

Prazo Internupcial (art. 33 LF): como espaço de tempo que decorria entre a dissolução,
declaração de nulidade ou anulação de um casamento e a data a partir da qual se podia
celebrar novo casamento. Este prazo era de 180 dias para homens e 300 dias para mulher.
A razão de ser deste impedimento fundava-se em razões de ordem social, para evitar que
uma pessoa casasse logo de seguida a pôs ter terminado um casamento com outro. Em
relação à mulher invocam-se razões como a incerteza a verdadeira paternidade do filho
nascido nos 300 dias. O nosso código estabelece relativamente a este assunto uma
presunção relativa de que a paternidade é do marido do casamento celebrado em último
lugar.
2.7. O Consentimento
É o segundo elemento consubstancial que integra o acto do casamento é o elemento psicológico e
subjectivo: a vontade do nubente.
O consentimento tem de ser dado pela pessoa do nubente, ninguém pode ser substituído, mesmo
em caso do nubente ser menor, apesar de para isso ter de estar autorizado.
No entanto é permitido que um dos nubentes esteja representado por um procurador, a lei impõe
que a procuração seja de natureza especial, válida tão-somente para o acto de casamento,
devendo mencionar expressamente o nome do outro nubente, art. 42º, n.º 2 LF e nunca se pode
fazer representar os dois nubentes no mesmo tempo. O nosso sistema não admite os casamentos
arranjados pela família pois, este tem de ser contraído com base na vontade dos nubentes. Não se
admitem no casamento condições ou termos pois o casamento tem natureza imperativa e
autonomia da vontade esgota – se com a escolha de casar ou não casar e com quem, casar. Para
ser válido tem de ser actual ou seja no momento da celebração.
2.8. Casamento Urgente
Tem natureza excepcional, art°. 44 LF-, e só nas situações que o legislador o admita:

Fundado receio de morte próxima de um ou dois nubentes.

Haja iminência de parto.
Posteriormente terá de averiguar a capacidade matrimonial dos nubentes e o casamento urgente
só é válido após despacho de homologação pelo funcionário do Registo Civil.
Se não houver homologação o casamento é inexistente.
2.9. Nulidade do Casamento
Aqui a regra é de que o casamento existe só que foi contraído com a violação de certas regras, e
enquanto não for decretado nulo ele produz efeitos jurídicos.
Segundo o art. 59 LF - sem ser declarada ela não é invocável, vício da nulidade terá portanto de
ser declarado em acção judicial de natureza impugnativa.
A doutrina distingue consoante os vícios do acto:

Nulidade absoluta: afecta aqueles casamentos celebrados com violação de impedimento
dirimentes absolutos ou relativo - este tipo de nulidade é invocável pelos cônjuges, por
terceiro cujo interesse esteja protegido por lei e o Ministério Público porque violou um
princípio de ordem pública. Exemplos casamentos incestuosos, de bigamia e de
conjugicídio.

Nulidade relativa ou mera anulabilidade: Os casamentos celebrados com violação de
disposição meramente proibitiva e ou com falta ou vicio de vontade - só os cônjuges e os
representantes do menor ou de interdito podem pedir a declaração de nulidade, embora o
casamento mesmo ferido de nulidade pode ser validado. São os casamentos que
contenham o vício de demência e de impuberdade.
O critério de distinção dos dois tipos de nulidade é a de mais larga ou mais restrita a legitimação
para a propositura da acção de anulação assim como de uma maior ou menor dilatação do prazo
para a acção ser proposta.
2.9.1. Regime de Nulidade
Art.71º- a sentença de nulidade poderá ter duas espécies de natureza:

Natureza constitutiva, porque apesar do casamento ser declarado nulo este produz ainda
alguns efeitos, art. 71 º LF - no caso de o casamento putativo.
Natureza meramente declarativa a sentença sem que se produza qualquer efeitos.
Os casos de anulabilidade vêm previstos no art. 60º LF.
2.9.2. Causas de Nulidade
2.9.2.1. Falta de Capacidade Matrimonial
Falta de idade núbil: art. 30 LF- fixa a ideia núbil aos 18 anos e embora haja excepções estas
têm de obedecer a lei. O casamento do menor não núbil está ferido de nulidade absoluta.

Falta o vício da vontade: art. 61 LF são vícios que ferem um dos pressupostos de
casamento que é o do mútuo consentimento.

Prazos: o prazo de anulação revela também que a lei procura salvaguardar tanto quanto
possível a estabilidade do casamento mesmo ferido de nulidade. Os prazos de invocação
de nulidade são mais dilatados ou mais diminutos consoante a natureza e gravidade do
vício art.67º LF.
2.10. Validação do Casamento
É uma mão estendida da lei a favor de um casamento que foi celebrado com vícios com vista a
salvaguardar a estabilidade da família assente no casamento, art. 52 LF
2.11. Efeitos da Anulação do Casamento
2.11.1. O Casamento Putativo (art. 71 LF)
É o casamento celebrado nulo ou anulado mas cujos efeitos dessa nulidade ou anulabilidade não
são retroactivos e só se fazem sentir após sentença transitada em julgado.

Efeito em relação os filhos a declaração de nulidade do casamento é aqui juridicamente
irrelevante art.163º LF.

Efeitos em Relação a Terceiros (art. 71º n. °1 da LF): torna extensivo á terceiros os
efeito do casamento putativo tal como é aplicado ao cônjuge de boa fé.
Hoje em dia e por se terem alargado os fundamentos da dissolução de casamento por divórcio, as
acções de anulação de casamento são em número cada vez menor, até porque estas são mais
difícil de provar, no entanto os efeitos de uma e de outra figura são muito parecidos.
CAPÍTULO III: DIREITO DA FAMILIA
Nesse capítulo faremos a apresentação do conceito do direito da família, conceito de família e sua
evolução ao longo do tempo, percebendo como as mudanças sócios históricas que produziram
influências no conceito de família.
Desse modo, o Direito de família tem passados por
mudanças significativas, e sempre acompanhado as suas rápidas transformações.
3.1. Conceito de Direito da Familia
Segundo GONÇALVES:
O direito de família, se comparado a todos os outros ramos do direito, é o que
encontra-se mais intimamente ligado à própria vida, afinal, os indivíduos no
geral são providos de um organismo familiar. Para este autor, família é
considerada como um instituto de realidade sociológica e constitui a base do
Estado, o núcleo central de qualquer organização social. 32
Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e
sagrada, que vai merecer a mais ampla protecção do Estado. A Constituição mocambicana e o
Código Civil a ela se reportam e estabelecem a sua estrutura, sem no entanto defini-la, uma vez
que não há identidade de conceitos tanto no direito como na sociologia. Dentro do próprio direito
a sua natureza e a sua extensão variam, conforme o ramo.
32
Gonçalves, Carlos Roberto, Direito Civil, volume 6: Direito de Famiia, 2010.
Direito de família é o complexo das normas que regulam a celebração do casamento, sua
validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade
conjugal, a dissolução destas as relações entre pais e filhos, o vínculo do parentesco e os
institutos complementares da tutela e curatela. Podemos incluir nesse conceito a união estável,
a adoção e ao divórcio.
3.2. Noção Jurídica de Família
A expressao familia, eimologicamente, deriva do latim familia ae, designando o conjunto de
escravos e servidores que viviam sob a jurisdicao do pater familias. Com a sua ampliacao tornouse sinonimo de Gens que seria o conjunto de agnados (os submetidos ao poder em decorrencia do
casamento) e os cognados ( parentes pelo lado materno).
A família em sentido amplo, “é constituída pelas pessoas que se encontram ligadas pelo
casamento, pelo parentesco, pela afinidade e pela adopção” CAMPOS33. Portanto este autor
entende que a família é uma comunidade particularmente propícia à realização pessoal.
Ente nós, consta do nº 1 do art. 1 da Lei nº 10/2004, de 25 de Agosto, que aprova a lei de familia
(LF), que “a família é a célula base da sociedade, factor de socialização da pessoa humana”.
Portanto importa reter que a mesma tem mesmo entendimento se encontra em foque no art.º 119
da CRM, o qual reconhece e confere uma dignidade constitucional a família.
O conceito de família para o estudo deste trabalho pode ser dividido em três vertentes uma mais
jurídico-normativa, outra antropológica e por fim a que deve ser maior objeto de estudo neste
projeto, a subjetivista.
O autor GONÇALVES sustenta que:
Que possui uma visão mais normativa do direito de família, disserta que os
direitos de família são aqueles que existem por uma pessoa pertencer a uma
determinada família, sendo classificado como cônjuge, pai, mãe ou filho,
diferente dos direitos patrimoniais que tem valor pecuniário.34
O direito de família, contudo, pode ter atribuído a si conteúdo patrimonial, pois, é um ramo que
disciplina não só as relações patrimoniais como também as patrimoniais.
33
CAMPOS, Diogo Leitede, Lições de Direito da Família e das Sucessões, 1997.
34
Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil, volume 6: Direito de Famiia, 2010
Entretanto MELLO:
Entende que é comum não perceber que os laços que unem marido e mulher não
são de origem consanguíneas, sendo então laços de afinidade que os unem em
matrimônio. Tais laços de afinidade são de extrema importância para
configuração da organização social de qualquer agrupamento humano. 35
Ao se falar de família, via de regra, surge logo o entendimento de uma unidade social composta
de pessoas unidas por laços que podem ser afetivos ou sanguíneos. O doutrinador disserta ainda
que o termo família é um termo vago, como será visto a seguir.
Na família pode-se discernir varias instituições familiares, tais como: o namoro, o noivado, o
casamento, a vida conjugal com todos os seus papéis (pai, mãe, filhos, sogros, etc.).No entanto,
não se pode esquecer que as instituições familiares são universalmente reconhecidas, embora em
cada sociedade elas assumam formas diferentes.
O certo é que o termo “família” é um tanto vago e pode significar: a)o grupo composto de pais e
filhos; b) uma linhagem patrilinear; ou uma linhagem patrilinear; c) um grupo cognático, isto é,
de pessoas que descendem de um mesmo antepassado, seja através de homens ou de mulheres; d)
um grupo de parentes e seus descendentes, que vivem juntos.”36
Segundo DIAS:
A sociedade só aceitava o conceito de família instituído sob uma base
matrimonial, por isso o ordenamento jurídico mocambicano só dissertava sobre
casamento, as relações de filiação e o parentesco.37
As relações extramatrimoniais só começaram a ingressar no ordenamento por jurisprudência,
contudo as relações homoafetivas não foram disciplinadas pelo Código Civil.
O dever jurídico com a sociedade mudou, sendo necessário que a jurisprudência seja o maior
aliado das mutações pelo qual a sociedade esta passando, seja no âmbito da família, da adoção ou
até mesmo de sucessões.
A família, ao longo da evolução história sofreu importantes transformações, sendo considerada
por alguns povos antigos como um instituto de ampla importância.
Para VENOSA:
Nas primeiras civilizações como as assíria, hindu, egípcia, grega e romana, a
família era uma entidade ampla e hierarquizada, sendo hoje quase de âmbito
exclusivo de pais e filhos.38
35
Mello, Luiz Gonzaga, Antropologia Cultural: Iniciação, teoria e temas, 2009.
Idem.
37
Dias, Maria Berenice, Manual de direito das famílias, 2013.
36
Com a evolução do instituto da família, confirma-se que os motivos para constituir a família
mudaram, e é necessário um amparo jurídico legislativo para acompanhar o processo de evolução
do instituto familiar.
3. 3. Evolução Histórica da Família
Não há na história dos povos antigos e na aniguidade oriental como na antiguidade clássica o
surgimento de uma sociedade organizada sem que se vislumbre uma base ou seus fundamentos
na família ou organizacao familiar.
3.3.1. A Família do Direito Romano
Foi antiga Roma que sistematizou normas severas que fizeram da família uma sociedade
patriarcal. A fsamilia era organizada preponderamente, no poder e na posicao do pai, chefe da
comunidade.
WALD considera que:
A família era, simultaneamente, uma unidade económica, religiosa, política e
jurisdicional. Inicialmente, havia um património so que pertencia à família,
embora admnistrado pelo pater.39
Na sociedade Romana, elistista e machista os poderes patriarcais eram numerosos. Como mostra
os pricipios que vigiamà epoca:

Jus vita ac necis (o direito da vida e da morte);

Jus exponendi (direito de abandono);

Jus naxal dândi (direito de dar prejuízo).
No casamento Romano existiam duas possibilidades para a mulher: ou continuava se submetendo
aos poderes de autoridade paterna (casamento sem manus), ou ela entrava na família marital e
devia a aprtir deste momento obediência ao seu marido (casamento com manus.)
3.3.2. A Família no Direito Canônico
Os canonistas eram totalmente a dissolucao do casamento por entenderem que não podiam os
homens dissolver a união realizada por Deus e, portanto um sacramento.
38
VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil: Família, 2005.
39
WALD, Arnoldo. O novo Direito de Família. 15.ª Edição, Ver. Actual. E ampl. Pelo autor, de acordo com a
jurisprudência e com o novo Codigo Civil, Pag. 12.
Segundo WALD:
Havia uma divergência básica entre a concepcao católica do casamento e a
concepcao medieval. Enquanto para a Igreja em princípio, o matrimónio depende
de simples consenso das partes, a sociedade medieval reconhecia no matrimónio
um acto de repercussão económica e politica para o qual devia ser exigido não
apenas o consenso dos nubentes, mas também o assentimento das famílias a que
pertenciam.40
A evolução do direito canônico ocorreu com a elaboracao das teorias das nulidades e de como
ocorreria a separacao de corpos e de patrimónios perante o ordenamento jurídico. Não se pode
negar, entrentanto, a influência dos conceiitos básicos elaborados pelo Direito Canonico, que
ainda hoje são encontrados no Direito.
3.4. Direito de Constituir Família
Considerada em si mesma, a afirmação do Direito a constituir família significaria tão só, e já é
muito, que qualquer pessoa tem o Direito de procriar. É este o sentido constituir família também
corrente do casamento tradicional. Para o efeito, o art. 16º da Declaração Universal dos Direitos
do Homem, ao estabelecerem o direito de casar e de constituir família, invertem os termos do nº 3
do art. 1 da lei da familia.
40
WALD, Arnoldo, O novo Direito de Família, 15.ª Ediçção, Ver. Actual. E ampl. Pelo autor, de acordo com a
jurisprudência e com o novo Codigo Civil, com a colaboracao da Prof. Piscila M. P. Correa da Fonseca, 2004.
CAPÍTULO IV: APRESENTAÇÃO, ANALISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS
4.1. Âmbito
Neste capitulo todos os institutos são relevantes para apreciacao do problema da nossa pesquisa,
neste capitulo iremos desmonstrar a Definição, motivações e influências do Casamento
Prematuro, Casamento prematuro, infância, Género e relações de poder, Aspectos jurídicos e
político estratégicos envolvidos no casamento Prematuro, tendo refrencia a Convenção
Internacional dos Direitos da Criança, lei da família aprovada lei 10/2004 de 25 de Agosto, e o
Código Civil.
Autores que abordam o casamento prematuro na perspectiva da pedagogia de desenvolvimento,
da psicologia e feminista concordam em afirmar que no contexto moçambicano a prevalência
desta prática é legitimada por valores de ordem cultural.
Segundo WILSA: “ Os mesmos são usados para justificar tal prática com motivações intrafamiliar que evocam a dimensão material (por parte dos promotores) e a dimensão simbólico
moral (por parte da vítima) ”.41
FALEIROS considera que:
Perspectivar o casamento prematuro como uma prática que viola os direitos da
mulher enquadrada num contexto histórico, sociocultural, económico e ético moral. Considera-se, porém, que a perspectiva feminista apresenta limitações ao
não abordar o casamento prematuro como um fenómeno autónomo que reflecte a
violência estrutural característica das sociedades marcadas pela distribuição
desigual de riqueza e pela relação assimétrica de poder.42
41
WLSA Moçambique, Revista Outras Vozes, págs.68-69.
FALEIROS, E.T.S, Repensando os conceitos de violência, abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes,
pág.17.
42
Os autores que representam os estudos feminista eximem-se de abordar a complexidade das
relações de subordinação que caracterizam as relações estabelecidas entre a criança e o adulto e; a
infância e o mundo do adulto que em contexto de casamento prematuro são severamente
influenciadas pelas dimensões de género, classe social, etnia, geração e, até, raça.43
Assim, a estratégia recomendável para analisar o casamento prematuro como prática que atenta
contra os direitos humanos é abordar a criança como actor social e a infância como construção
social com características específicas e não como objectos submissos, invisíveis e em trânsito
para a fase adulta, por isso, confinadas ao espaço doméstico ou às instituições escolares como
defendem as teorias de socialização e do desenvolvimento social.
4.2. Definição, Motivações e Influências do Casamento Prematuro
Na análise de bibliografia e documentação de referência foram identificadas duas grandes
abordagens teórico-metodológica consideradas úteis para o entendimento do casamento
prematuro. A primeira analisa o grau de implementação das recomendações da Convenção
Internacional dos Direitos da Criança a partir da análise culturalista e estrutural funcionalista da
criança como categoria social.
Ao analisarem o grau de implementação das convenções internacionais e do estabelecido no
ordenamento jurídico-legal, atinente à promoção dos direitos da criança, estes autores fazem
referência a factores socioculturais para explicar os constrangimentos enfrentados pelos actores
que militam na área da protecção e promoção dos direitos da criança.
BARROS e TAJÚ sustentam que:
A ideia de que a condição da criança, em termos do exercício dos seus direitos,
obrigações e direitos reflecte os papéis funcionais ou competências culturais
prescritas e esperadas pela sociedade refere-se a um ser imaturo que precisa ser
preparado para a vida adulta, prevalece criando condições para a exploração da
noção do casamento prematuro.44
Esta perspectiva permite afirmar que o casamento prematuro é fundamentado pelo processo de
socialização, na perspectiva durkheimiana, que aborda a infância como espaço social de
preparação do indivíduo para a vida adulta.
Neste espaço, estão sempre presentes interesses políticos estratégicos das estruturas familiares
que asseguram a organização das mesmas e sua relação com o meio exterior. Por isso, a partir da
43
44
DE BARROS, J. & Tajú, G, Prostituição, Abuso Sexual e Trabalho Infantil em Moçambique, pág.7.
De Barros, J. & Tajú, G. Prostituição, Abuso Sexual e Trabalho Infantil em Moçambique, pág.31.
compreensão das lógicas que determinam o lugar que a criança ocupa na estrutura familiar e o
seu espaço de actuação torna-se, a nosso ver, fácil compreender os factores que tornam o
casamento prematuro um fenómeno que ocorre em regiões específicas do país com impacto
severo na qualidade de vida da população feminina das zonas rurais.
Os autores consultados que abordam a infância como uma das áreas de estudos sociais não
consideram existir uma infância/criança universal. Por isso, tendo consciência da não existência
de um conceito Universal de criança/infância.
Estes autores, que afirmam que os papéis e espaços sociais de actuação das crianças são
determinados em função das referências culturais do grupo no qual estas se encontram inseridas.
Esse posicionamento remete-nos à discussão sobre a capacidade que as crianças têm para
negociar seus interesses nos espaços que lhes são socialmente prescritos.45
O ponto de partida para a delimitação da noção de casamento prematuro passa pela harmonização
do conceito criança. Sendo uma categoria social importante no processo de produção e
reprodução de valores, normas e práticas culturais; a criança, conceitualmente apreendida e
compreendida é vivenciada de maneira diversificada em função das representações e lógicas de
vida dos grupos nos quais ela se encontra inserida. Sendo que o casamento prematuro constitui
um fenómeno caracterizado pelo casamento tradicional entre indivíduos adultos do sexo
masculino e raparigas na adolescência e pré-adolescência, que vivem em contextos socioculturais
específicos.
O casamento Prematuro é o reconhecimento das competências culturais e da capacidade do
indivíduo exercer papéis sociais prescritos pelo grupo.
Segundo o relatorio de SAVE CHILDREN:
Não se pode abordar o casamento prematuro como uma prática exterior às
referências socioculturais das comunidades porque ele acaba sendo um elemento
estruturante das relações que são estabelecidas na família e entre os diferentes
grupos familiares que constituem estas comunidades. 46
Entende-se por isso, que se deve ter em conta que, como prática cultural reiterada, o casamento
prematuro não é visto pela comunidade como uma forma de violação dos direitos da criança
emanados pelas convenções internacionais e pelas normas jurídicas internas instituídas para o
efeito.
45
46
Mucavele et al,Pesquisa sobre crianças e mulheres chefes de família, 2002.
Save the Children UK & Norwa, O que tem que ser feito para as crianças? 2006.
As convenções internacionais sobre os direitos da criança e, especificamente, a Carta Africana
dos Direitos e Bem-estar da Criança ratificada por Moçambique através da Resolução n.º 20/98
de 26 de Maio do Conselho de Ministros refere que o conceito de criança é consentâneo com a
definição da Declaração Universal dos Direitos da Criança (DUDC) (Artigo 2) e, defende o
princípio de prioridade nas acções relacionadas com a criança (Artigo 4). Este documento exige a
protecção da privacidade da criança (artigo 10), a necessidade de protecção contra o abuso
infantil (artigo 16), a proibição de casamentos prematuros e a promessa de casamentos a menores
(artigo 21 n. ° 2) e insta os Estados a tomarem medidas contra todas as formas de exploração e
abuso sexual artigo 27.
4.3. Casamento Prematuro, Infância, Género e Relações de Poder
O casamento prematuro ainda não constitui objecto de estudo de pesquisas feministas em
Moçambique, ele é abordado integrado pesquisas sobre relações de género e poder de forma
abrangente onde este é apresentado como uma dos factores que limitam os direitos humanos da
mulher. As contribuições trazidas pelos “estudos feministas”, ao analisarem a violência e abuso
sexual contra mulher, permitem enquadrar o casamento prematuro como reflexo das relações
desiguais de poder e dominação entre homens e mulheres nas sociedades de ideologia patriarcal.
Foi referido, anteriormente, que a criança, categoria social, é considerada um ser subalterno que
ocupa um lugar específico na estrutura da família e da comunidade.
Ao analisar o grau de aplicabilidade dos direitos humanos e das mulheres, considera as
dificuldades interpretação, aplicação e promoção dos direitos humanos das mulheres têm origem
no facto da Declaração Universal dos Direitos Humanos ter sido instituída com base em modelo
patriarcal como é o caso de todas as formas de violência exercidas no âmbito da família
explicadas do ponto de vista da tradição cultural e do respeito à privacidade.47
Nesta perspectiva, o casamento prematuro é entendida como forma de violência da rapariga com
efeitos directos no exercício da sua saúde sexual e reprodutiva. Deste modo pode-se abordar o
casamento prematuro no âmbito da protecção dos direitos Humanos das mulheres, ainda que este
artigo verse sobre os direitos da rapariga.
Na abordagem de OSÓRIO:
47
OSÓRIO, C,Direitos humanos, direitos humanos das mulheres, In Direitos humanos das mulheres em quatro
tópicos, 2000a.
Destaca-se o facto de esta considerar que na DUDH a privacidade ser concebida
como um campo de não intervenção do Estado, por isso, passível de ser regulada
por práticas e valores sociais em conflito com o público.48
Esta afirmação é crucial para entendermos até que ponto se podem desenvolver acções e
estratégias conducentes à inibição do Casamento Prematuro tendo como suporte o sistema
jurídico que, como foi anteriormente anotado, não reflecte as práticas costumeiras relacionadas
com a integração das crianças na estrutura familiar.
Em Moçambique, o âmbito do privado constitui-se em torno de uma rede de parentesco alargada
e complexa que fixa cada um dos seus membros a normas e posições rígidas (no sentido de não
permeabilidade à mobilidade social) assumindo-se a privacidade como valor quase estruturante
da organização social.
Segundo ARNALDO:
A privacidade, passa a ser um valor referente ao grupo que é orientado por
padrões masculinos que determinam e legitimam a discriminação das mulheres
nas relações sociais que estabelecem.49
Para MARCHI:
Acrescido à discriminação da mulher, está o facto de a criança ocupar um lugar
paralelo na estrutura familiar justificado pelo facto de não ser ainda considerada
membro efectivo do grupo familiar a que pertence. 50
Em suma, a rapariga, como mulher e criança é duplamente discriminada. Como criança, ela não
existe socialmente e, como mulher ocupa uma posição subalterna na estrutura familiar. Por isso,
considera-se que o casamento prematuro é reflexo da sua dupla subalternidade (Criança
/rapariga). Por outro lado, sendo o casamento prematuro o marco de ingresso na vida adulta que
legitima os laços de pertença ao grupo familiar e comunidade, torna-se possível apoiarmo-nos
nos autores dos estudos feministas para afirmar que o casamento prematuro constitui fenómeno
que se desenvolve directamente ligado ao processo de construção da identidade feminina que
salienta a subalternização da mulher. Isto pelo facto de esta ser mulher, e da rapariga pelo facto
de ser “criança”.
Segundo OSÓRIO “Como ocorre entre as mulheres adultas, as humilhações públicas tendem a
atingir as vítimas como reflexo das normas social e culturalmente estabelecidas na sociedade”.51
48
49
Idem
ARNALDO, C, Fecundidade e seus determinantes próximos em Moçambique: Uma análise dos níveis,
tendências, diferencias e variação regional, pág.154.
50
Marchi, R, Infância, género e relações de poder: interpretações epistemológicas, pág.11.
Neste âmbito, considera-se que as raparigas dispõem de espaço e instrumentos limitados e aceites
para se protegerem dos casamentos prematuros.
Este facto é fundamentado pela permanência da ideologia patriarcal que se matem nas estratégias
de organização, distribuição, representação e controlo do papel e da função social da mulher na
estrutura familiar.
4.4. Aspectos Jurídicos e Político Estratégicos Envolvidos no Casamento Prematuro
A análise jurídica do casamento prematuro remete-nos não só à relação paradoxal, a ser
explorada na vertente sócio cultural que influenciam e promovem o casamento prematuro como
prática culturalmente reiterada, que existe entre o ordenamento moçambicana e as normas
costumeiras que orientam as relações estabelecidas dentro da estrutura familiar nos diferentes
grupos sociolinguísticos que compõem a matriz sócio cultural moçambicana como também à
discussão sobre as implicações decorrentes da adesão do Estado de Moçambique às convenções
internacionais que protegem e promovem os direitos das crianças. Tendo em conta o carácter
específico no qual o casamento prematuro ocorre (relacionamento de carácter matrimonial entre
homens adultos e raparigas menores de idade), a análise cruzada das políticas e estratégias do
Governo que versam sobre a promoção e protecção dos direitos da criança e daquelas referentes a
protecção e promoção dos direitos da mulher são cruciais para a identificação de elementos úteis
para a inibição desta prática.
Por exemplo, enquanto no contexto das normas costumeiras são eventos fisiológicos, e culturais
e não a idade cronológica que determinam da idade núbil da rapariga, na ordem jurídica
moçambicana 18 anos é o marco do início da idade adulta onde, por exemplo, o casamento é
reconhecido (Artigo 30, nº. 1, alínea a) da Lei de Família, a maioridade do indivíduo só ocorre
aos 21 anos. Este facto torna o casamento que envolva indivíduos com idade inferior a 18,
legalmente inváido.
Entretanto, sendo uma prática reconhecida e promovida por diferentes grupos sócios culturais,
identificada pelas autoridades político-administrativas como atentatória dos direitos humanos da
rapariga, os documentos políticos estratégicos que orientam as intervenções do Governo não
tratam o casamento prematuro como uma das formas de violação dos direitos da criança e/ou da
rapariga (mulher).
51
OSÓRIO, C, Violência contra a mulher, In Direitos humanos das mulheres em quatro tópicos, 2000b.
O casamento prematuro não é elencado, de forma clara, na Lei contra a violência doméstica,
como uma das formas de violência praticadas pelos membros adultos da família contra a criança.
Conclui-se deste modo que o casamento prematuro fundamenta-se no processo de distribuição
desigual de poder entre homens e mulheres. Para além dos factores considerados evidentes como
motivadores como sejam referem-se aos altos índices de pobreza entre a população onde o
fenómeno tende a ocorrer com mais frequência, baixo indicies de escolarização entre a população
feminina das zonas rurais, dificuldades de acesso a serviços socais básicos, a atenção recai para
aqueles que têm impacto nas estratégias de abordagem do fenómeno quadrados na promoção dos
direitos da criança e da rapariga.
4.5. O Casamento Prematuro no Ordenamento Jurídico Moçambicano
O casamento prematuro no ordenamento jurídico moçambicano como uma das expressões pouco
percebida de abuso sexual e da violação dos direitos sexuais e reprodutivos da rapariga
Contudo, percorrendo os dispositivos legais (Lei da Família) podemos constatar uma “almofada”
que acomoda essa pratica, ao conceber no seu art. 30, n.º 2, da aso a esta pratica ao consentir que
pessoas com menos de 18 anos e mais de 16 possam contrair casamento.
Moçambique e parte de determinados tratados internacionais, aliáspodem encontrar por meio do
art 18, n. º 3 da CRM, o qual preceitua que “o Estado tem o dever de assegurar a protecção dos
direitos da mulher e da criança, conforme estipulados nas Declarações e Convenções
Internacionais”.
Sob o ponto de vista académico, é importante fazer o estudo sobre este tema, pois apresenta um
pouco ou quase inexplorada no contexto das discussões sociológicas e de desenvolvimento sobre
casamentos prematuros em Moçambique, que é a abordagem jurídica que analisa as Implicações
da Violação dos Direitos Fundamentais dos Menores.
Nesse sentido, a partir do que está exposto e analisado, lança-se importantes contributos para as
autoridades de administração da justiça, lançam-se novos horizontes de pesquisa que,
posteriormente ajudarão a compreender as subjectividades dos menores em situação forçada de
casamento.
A nível do universo e do nosso ordenamento jurídico em particular, o casamento é uma
instituição consagrada para instituição familiar.
Casamento Prematuro em Moçambique, tal como em outros países da região austral de África, é
uma das principais formas de abuso e violação dos direitos da rapariga.
Segundo UNICEF e FNUAP:
É entre os países da África Austral e do Sul da Ásia onde se registam as maiores
taxas de ocorrência deste fenómeno que afecta 36 por cento das mulheres entre
os 20-24 anos casadas ou em união de facto que afirmam ter casado antes de
atingirem os 18 anos de idade.52
Sendo prática cultural reiterada e aceite um pouco por todo o país, Moçambique é um dos países
do mundo com os maiores índices de ocorrência de casamento prematuro que tendem a ocorrer
com maior incidência nas zonas rurais.
Segundo MISAU, UEM e FNUAP:
Em 1987, 66.7 por cento da população feminina da zona rural que contraiu o
primeiro matrimónio tinha menos de 19 anos de idade enquanto nas zonas
urbanas a percentagem era de 41.5 por cento.53
De lá para cá este cenário pouco mudou como demonstram os dados do Inquérito Demográfico e
de Saúde de 2003 que indicam que 74 por cento da população feminina casada entre os 20 e 24
de idade no ano da realização do inquérito tinha contraído o matrimónio antes da idade núbil.
As motivações para esta prática estão associadas a factores socioculturais que, na nossa
sociedade, promovem o casamento das raparigas logo após a primeira menstruação e antes da
primeira relação sexual Por outro lado, a análise jurídica do Casamento Prematuro remete-nos à
discussão sobre as implicações decorrentes da adesão do Estado de Moçambique às convenções
internacionais que protegem e promovem os direitos das crianças.54
Partindo do pressuposto que ao aderir à convenções como a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, o Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos, a convenção Internacional dos Direitos da Criança, a Carta Africana
dos Direitos e Bem-Estar da Criança, entre outras convenções, o Estado Moçambicano reconhece
o princípio de universalidade dos direitos, assim como, a igualdade dos seres humanos. Torna-se,
então, legítimo considerar como refere o artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos que em Moçambique todos os indivíduos têm a liberdade para contrair matrimónio
52
The United Nations Children’s Fund, União Interparlamentar: protecção da criança, Manual para
parlamentares, 2004.
53
MISAU, UEM & FNUAP, Inquérito: Comportamento reprodutivo da mulher moçambicana, pág.2.
54
SARDC, ISRI, INE&PNUD, Relatório Nacional do Desenvolvimento Humano 2005, Desenvolvimento humano
até 2015, alcançando os objectivos de desenvolvimento do milénio, 2006.
desde que seja observado o princípio da consagração da idade núbil, Artigo 30 da Lei da Família
consubstanciado ao artigo 122 do Código Civil.
Esta declaração estabelece, ainda, o princípio da liberdade de escolha e consentimento de
cônjuges. A legislação moçambicana defende o princípio de eliminação de qualquer forma de
discriminação e exploração contra a criança pois, ao ratificar as convenções que protegem e
promovem os direitos da criança, o Estado moçambicano aderiu ao princípio de liberdade e
igualdade no tratamento dos direitos humanos das crianças. Considera-se assim, que as uniões de
character matrimonial envolvendo menores de idade, sendo promovidas por adultos não têm
enquadramento no ordenamento jurídico moçambicano (Ex: Código Civil, Lei da Família), é
pois, neste âmbito que torna-se importante ter em consideração que neste artigo o casamento
prematuro resume-se a relações de carácter matrimonial envolvendo indivíduo adulto de sexo
masculino e menor de sexo feminino. A magnitude dos efeitos do casamento prematuro não é
conhecida no país, porém, reconhece-se que o seu impacto está directamente relacionado com
aumento:

Da incidência da gravidez precoce e consequente aumento das taxas de morte materna
(antes, durante ou nos 42 dias subsequentes ao parto) 3;

Dos índices de abandono escolar entre as raparigas;

Dos índices de pobreza entre a população feminina; e
O casamento prematuro é definido como sendo uma união de carácter matrimonial que envolve
pelo menos um indivíduo menor de idade.55
Em Moçambique, o casamento prematuro envolve, maioritariamente, raparigas com idades
inferiores a 18 anos e indivíduos adultos de sexo masculino. Este facto realça as relações de
dominação e subordinação que, no contexto moçambicano, orientam as relações entre adultos e
crianças e entre indivíduos do sexo masculino e do sexo feminino. Contudo, por se tratar de
casamento que envolve indivíduo menor de idade, o casamento prematuro não tem cobertura
legal no âmbito do ordenamento jurídico moçambicano.
Na sociedade moçambicana, o adulto tem o domínio sobre a criança e o homem sobre a mulher,
afectando as relações conjugais e familiares decorrentes do casamento prematuro.
55
The United Nations Children’s Fund, Child and forced marriage, pág.9.
Segundo SARDC, ISRI, INE e PNUD:
O lugar subalterno que a rapariga casada prematuramente ocupa na relação
conjugal e na família impede-a de negociar relações sexuais seguras; fazer
opções acerca das suas necessidades de saúde reprodutiva; recorrer aos serviços
de saúde e ainda, de optar pelo não abandono da escola.56
Assim, em Moçambique, o casamento prematuro constitui prática comum legitimada por factores
culturais, sociais, económicos, religiosos, psicológicos e morais que violam os direitos da criança
consagrados na Convenção Internacional dos Direitos da Criança.
Apesar do impacto que o casamento prematuro tem na vida de 20% das raparigas mais pobres do
país com idade inferior a 19 anos, este continua à margem das prioridades de intervenção das
instituições e organizações que militam em prol da promoção e protecção dos direitos da criança.
Entretanto, o tráfico e a exploração sexual, consideradas práticas nas quais a dimensão mercantil
é dos actores envolvidos na promoção dos direitos da criança bem como da imprensa.
No actual contexto sociopolítico, o investimento na análise de factores socioculturais que
determinam a maneira como os direitos, deveres e obrigações da criança são abordados na família
e na comunidade pode resultar na identificação de boas práticas aplicáveis à inibição do
casamento prematuro e promoção dos direitos da rapariga previstos na Constituição da República
e nos instrumentos internacionais de que Moçambique é parte.
A maneira como a sociedade concebe as categorias criança (actor) e infância, enquanto espaço de
construção social, torna o casamento prematuro numa das expressões pouco percebida do abuso e
da violação dos direitos sexuais e reprodutivos da rapariga, que reflecte a estrutura de poder que
orienta as relações entre criança e adulto e homem e mulher.
Deste modo, neste artigo MARCHI (p.15)
A infância e o género apresentam-se como categorias sociais que espelham a
dinâmica das relações assimétricas de poder e acção (consubstanciada na relação
de dependência adulto/criança e homem/mulher) que estruturam e aproximam os
seus universos sociais.57
O casamento prematuro pode constituir-se veículo de análise da posição que a mulher (rapariga)
ocupa na estrutura familiar e as suas implicações, partindo do princípio que a família, como
agente primário de socialização, produz e reproduz os elementos que integram o sistema
sexo/género que fundamentam as sociedades tradicionais. O entendimento do casamento
56
SARDC, ISRI, INE&PNUD, Relatório Nacional do Desenvolvimento Humano, 2005, p.52.
MARCHI, R. Infância, género e relações de poder: interpretações epistemológicas, p.15.
57
prematuro como mecanismo de representação da mulher (rapariga) (papéis e funções) na
estrutura familiar permitirá palmilhar o caminho que se espera que culmine na identificação de
estratégias e acções conducentes à inibição e; em última análise, erradicação do casamento sem
que se ponham em causa os elementos fundamentais dessa mesma estrutura familiar.
Os conceitos de poder e género, são abordados como variáreis que, quando associadas à categoria
criança/ infância, produzem argumentos para o melhor entendimento do casamento prematuro,
aqui entendido como uma prática imposta à criança (rapariga) e legitimada pelos princípios da
sociedade de base patriarcal e reproduzida através do processo de socialização abordado na
perspectiva durkheimiana.
É nesta perspectiva, que as conclusões deste artigo são produto de uma releitura crítica do
conceito de socialização na perspectiva estrutural-funcionalista que nos leva a compreender o
carácter essencialmente político que envolve este conceito como processo que manipula o poder
para assegurar a constituição e manutenção da ordem social.
Por isso, tendo em conta que, na estrutura familiar e na comunidade, o casamento de raparigas
tem uma função político-estratégica na integração e negociação de espaços sociais de acção na
esfera privada e pública, este artigo sugere recomendações, estratégias para a sua inibição e
erradicação desta prática.
4.6. Os Direitos da Rapariga na Ordem Jurídica Moçambicana
Reconhecendo a urgência de tudo o que se refere aos direitos da criança. Segundo art°. 7 da Lei
de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Estado assegurar
à criança, com absoluta prioridade, a efectivação dos direitos à vida, à saúde, à
segurança alimentar, à educação, ao desporto, ao lazer, ao trabalho, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.58
A efectivação desses direitos compreende:

A primazia de receber protecção e socorro em quaisquer circunstâncias;

Precedência de atendimento nos serviços públicos;

Preferência na formulação e na execução de políticas públicas na área social e
económica;
58
Artigo 7º da Lei da Promoção e Protecção dos Direitos da Criança, aprovada pela Lei n.º 7/2008 de 9 de Julho
(Assembleia da República)

Afectação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a protecção à
infância e à juventude.
As medidas legislativas não se mostram suficientes para prevenir e reprimir as situações de
violação dos direitos da mulher e rapariga, pois terão de ser acompanhadas de outras medidas de
promoção e protecção das mulheres e raparigas vítimas de violação dos seus direitos, como a
mudança de mentalidade das mulheres e dos homens sobre o papel, os direitos e deveres da
mulher e sobre o reconhecimento dos direitos da rapariga e o seu respeito; a intervenção
atempada dos serviços sociais sempre que ocorram casos de violação dos direitos das crianças,
particularmente, quando é vítima dos seus familiares; a criação de condições para o emprego da
mulher que não tenha fontes de rendimento ou esteja impedida pela família ou pela sua condição
física ou de saúde de as ter; a criação de casas de abrigo para as vítimas.
4.7. Porque razões sujeitam as raparigas aos “casamentos”?
As relações equiparadas ao casamento entre raparigas e adultos têm como base questões culturais
e relações de poder entre homens e mulheres, adultos e crianças, onde as raparigas não gozam
dos mesmo direitos que os rapazes e que o seu papel de mulher começa a ser desempenhado
quando é entregue a um homem como sua “esposa”, logo que atinge a puberdade, ou seja, logo
depois que aparece a primeira menstruação. Culturalmente, a rapariga nessa fase se torna uma
mulher.
CONCLUSÃO
Entretanto, conclui-se que o casamento prematuro é um fenómeno que, ao ser definido apenas com base
nos princípios e referências formais (políticas e estratégias sobre criança, normas jurídicas), não produz
eco entre as comunidades que o praticam sob a capa de casamento tradicional ou costumeiro.
Os factores transversais como os altos índices de pobreza entre a população das zonas rurais; os
baixos índices de escolarização; as representações culturais, constituem os principais motivadores
do casamento prematuro como prática culturalmente reiterada, e estes não bastam para a análise
como fenómeno com influências sociais e económicas micro intra familiar e extra familiar. Os
constrangimentos enfrentados pelos actores envolvidos na promoção dos direitos da criança e da
rapariga em elaborar estratégias e políticas sensíveis à harmonização dos casamentos tradicionais
e, a conivência dos líderes comunitários no processo que culmina com os casamentos,
envolvendo raparigas menores de idade e, o mais grave, o interesse das raparigas em se tornarem
económica e socialmente independentes, são alguns dos factores identificados como motivadores
do casamento prematuro.
O aparente interesse das raparigas pelo casamento pode estar relacionado com o facto da
integração do indivíduo na vida adulta ter como referência eventos fisiológicos e culturais
considerados relevantes para os indivíduos pertencentes ao mesmo grupo sócio-cultural. Assim,
entende-se que, no caso das raparigas, a menarca (ainda que precoce), como um evento
fisiológico de referência, indica que a mulher está preparada para o casamento. Por sua vez, o
casamento é determina a passagem do indivíduo para idade adulta e, o nascimento do primeiro
filho e efectiva o processo que formação da identidade e de pertença ao grupo.
Os autores consultados que abordam a infância como uma das áreas de estudos sociais não
consideram existir uma infância/criança universal. Por isso, tendo em mente a não existência de
um conceito Universal de criança/infância apoiamo-nos nas asserções feitas. Os autores, ao
afirmarem que os papéis e espaços sociais de actuação das crianças são determinados em função
das referências culturais do grupo no qual estas se encontram inseridas remetem-nos à discussão
sobre a capacidade que as crianças têm para negociar seus interesses nos espaços que lhes são
socialmente. Como já foi acima referido, no ordenamento jurídico moçambicano a categoria
criança refere-se a indivíduos com idade não superior a 18 anos e a maioridade atinge-se aos 21
anos de Idade. Em termos práticos, os indivíduos até aos 18 anos dependem de um indivíduo
adulto para negociar os seus interesses e espaços de actuação cabendo a estes proteger os seus
direitos. Entretanto, no contexto sócio-antroplógico esta dependência torna-se mais visível uma
vez que a idade cronológica do indivíduo é menos relevante que os eventos vividos como parte
do grupo a que pertence (nascimento, ritos de iniciação, casamento, viuvez, catástrofes, etc.) e
que marcam os estágios cronológicos da sua vida. Relativamente à capacidade de negociação de
papéis e espaços, os autores consultados e a informação colhida através dos entrevistados
afirmam que a infância como espaço de actuação social não permite diálogo entre crianças e
adultos.
O casamento prematuro acaba sendo definido como uma estratégia de emancipação económica e
social da rapariga e o mecanismo de estabelecimento de redes de solidariedade intra e interfamiliar. Doravante, surge a questão da identificação de estratégias que inibam o casamento
prematuro.
Assim, o primeiro ponto de convergência identificado como resultado da confrontação da
informação contida na bibliografia, documentação e depoimentos refere-se ao facto do casamento
prematuro constituir prática comum nas zonas rurais, especialmente nas províncias da região
centro e norte. Em alguns casos, faz-se referência aos casamentos herdados, quando a rapariga é
prometida pelos progenitores, ao pretenso marido (adulto), antes do seu nascimento. A primeira
motivação apontada, quer na bibliografia consultada como na documentação e relatórios, está
relacionada com a prática de ritos de iniciação. A segunda motivação tem a ver com interesses
económicos da família da rapariga que pode optar pela troca da rapariga pelo dote lobolo. Este
pode ser pago previamente em gado, bens ou em dinheiro, uma vez que esta tem valor económico
como mão-de-obra e reprodutora. Torna-se muito importante referir que devido ao alto índice de
pobreza nas zonas rurais, algumas raparigas aceitam o casamento prematuro como estratégia para
adquirir estabilidade e status social uma vez que a mulher casada é protegida pela família do
marido. A terceira motivação está relacionada com o baixo índice de escolarização da população
feminina jovem residente nas zonas rurais que limita as alternativas de sobrevivência na idade
adulta, sendo, por isso, o casamento - uma das únicas saídas, aparentemente, viáveis legitimadas
pela família e comunidade. Finalmente, o casamento prematuro pode ser constituído como uma
das consequências da gravidez na adolescência, uma vez que é comum os pais exigirem
responsabilidade por parte do pai e sua família em cuidar da criança e da jovem. Nestes casos, o
casamento é realizado mesmo sem o consentimento da jovem que se sente obrigada a casar.
Deste modo, constata-se que existe uma relação directa entre a prática dos ritos de iniciação e a
incidência de casamento prematuro. Finalmente, o fraco acesso aos serviços primários básicos
(preventivos) no âmbito da saúde sexual e reprodutiva da rapariga é também apontado como uma
das causas motivadoras da alta incidência do casamento prematuro entre raparigas residentes nas
zonas rurais. Por outro lado, o facto de no ordenamento jurídico moçambicano o casamento
prematuro não ser apresentado de forma clara torna difícil sanciona-lo não permitindo enquadralo como infracção. Por outro lado, dificulta a harmonização de intervenções atinentes ao seu
controle e inibição e a consequente penalização dos danos decorrentes da prática relações sexuais
com menor de idade quando ocorram no âmbito da união do tipo matrimonial.
RECOMENDAÇÕES
As instituições envolvidas na protecção e promoção dos direitos da rapariga vêm desenvolvendo
acções com o objectivo de assegurar-lhe o acesso aos recursos e serviços que permitam a
melhorar as suas estratégias de sobrevivência. Todavia, como prática que enfatiza o papel
subalterno da rapariga (criança e mulher) na estrutura familiar, o casamento é abordado como um
fenómeno com motivações intra e extra-familiares que reflecte o papel da família como agente
socializador com a função de definir regras de conduta, dependentes do sexo /género e idade. O
Processo de definição de lugares na hierarquia familiar e de reprodução de valores e
comportamentos construídos com base no direito costumeiro tende a atentar contra os direitos
humanos convencionados pelas normas jurídicas instituídas pelos Estado moçambicano. Ao
abordar questões relacionadas com a violência contra mulher, aponta o abuso sexual e
molestamento como factores com impacto no aumento da incidência dos índices do casamento
precoce contribui e, consequentemente do casamento prematuro, uma vez que a gravidez na
adolescência influencia o índice dos casamentos na adolescência. É por isso que reconhecendo os
efeitos negativos do casamento para o desenvolvimento da rapariga e na qualidade de vida das
comunidade onde este o corre são apresentadas as seguintes recomendações:

Envolvimento dos conselhos comunitários nas Intervenções para a promoção dos direitos
da criança visando inibir e mitigar o casamento: Promover a participação das madrinhas
(ritos de iniciação) dos representantes da medicina tradicionais, líderes em acções de
promoção dos direitos da rapariga visando o adiamento da primeira relação sexual e
assegurando a sua permanência na escola

Efectuar um estudo sobre incidência, áreas de ocorrência e perfil das comunidades e
famílias que praticam o Casamento prematuro, de modo a identificar estratégia para a sua
inclusão na Lei sobre violência doméstica de modo a penaliza-lo: Uma estratégia que
pode contribuir para a inibição do casamento prematuro é a integração de possíveis
eventos relacionados com a promoção do casamento prematuro como forma de violência
doméstica punível por lei.

Para permitir que a família se transforme num agente de protecção e promoção dos
direitos da criança (rapariga), harmonizar conceitos, estratégias de intervenção:O governo
e sociedade civil devem harmonizar conceitos e estratégias de intervenção de modo a
identificar áreas prioritárias de intervenção que permitam o reconhecimento de
referências socioculturais que determinam a evolução comportamental e cronológica dos
indivíduos.

Estimular a sociedade civil para fazer advocacia para aprovação de instrumentos jurídicos
que desencorajam o casamento prematuro.

Desenvolver programas que atribuam incentivos às famílias que assegurem a
permanência da rapariga na escola, pelo menos até a conclusão do Ensino Secundário
Básico: Permitir que, através da alocação de recursos com impacto directo no rendimento
familiar, a presença da rapariga na escola signifique status e acesso às fontes alternativas
de rendimento.

Alargar os serviços de assistência aos adolescentes e jovens para a assegurar que a
rapariga tenha acesso a informação sobre saúde sexual e reprodutiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABDUL, J., Direito de Família, Maputo, INLD, 2005.
ARNALDO, C, Fecundidade e seus determinantes próximos em Moçambique: Uma análise
dos níveis, tendências, diferencias e variação regional, Maputo, texto Editora, 2007.
ALEXANDRINHO, Os Direitos humanos em África, 1.ª edição, Coimbra Editora, S.A., Lisboa,
2001, Pág. 18.
BOBBIO, Norberto, A era dos direitos, 12.ª tiragem. Rio de Janeiro, Campus, 1992.
COMPARATO, Fábio Konder, A afirmação histórica dos direitos humanos, 2.ª tiragem, 3.ª
edição. São Paulo: Saraiva, 2003.
COELHO, F. P. e OLIVERA, G. de, Curso de Direito da Família: Introdução Direito Matrimonial, 3.ª
edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, p. 173.
DIAS, Maria Berenice, Manual de direito das famílias, 9.ª edição, São Paulo, Editora Revista
dos Tribunais, 2013.
DE BARROS, J. & Tajú, G, Prostituição, Abuso Sexual e Trabalho Infantil em Moçambique: o
caso específico das províncias de Maputo, Nampula e Tete, Maputo: Rede Came, 2001.
Maputo, Liga dos Direitos Humanos de Moçambique. Jornal n. °474/4, Maio 2007
FALEIROS, E.T.S, Repensando os conceitos de violência, abuso e exploração sexual de
crianças e adolescentes, Brasília, Thesaurus, 2000.
CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição,
Coimbra, Almedina, 2003, pág. 393.
GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil, volume 6: Direito de Famiia, 7.ª edicao São
Paulo: Saraiva, 2010
LOFORTE, A. e Arthur, M. J (eds), Relações de Género em Moçambique: Educação, Trabalho
e Saúde, Maputo, DAA, Faculdade de Letras, UEM/Friedrich Ebert e SAREC, 1998.
HERKENHOFF, João Batista, Curso de direitos humanos, Vol. 1, São Paulo: Editora
Acadêmica, 1994.
HUMENHUK, Hewerstton, O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais,
Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 227, 20 fev. 2004, Disponível em: Acesso em: 12 out. 2009.
MARCHI, R. Infância, género e relações de poder: interpretações epistemológicas; FURB,
Florianópolis, Brasil; 2008.
MELLO, Luiz Gonzaga, Antropologia Cultural: Iniciação, teoria e temas, 17.ª edição,
Petrópolis, Vozes, 2009.
MORÁN, Narciso Martínez, Naturaleza y Caracteres de los Derechos. In: Introducción al
Estudio de los Derechos Humanos, Org. Benito de Castro Cid. Madrid: Universitas, p. 109.
MEDINA, Maria do Carmo, Direito de Familia, 2010.
MISA & UNICEF, A criança na imprensa. Uma análise da cobertura jornalística em 2008,
Maputo: Editora Ndjira, 2008.
MISAU, UEM & FNUAP, Inquérito: Comportamento reprodutivo da mulher moçsmbicana,
Maputo, UEM, 1987.
MUCAVELE et al, Pesquisa sobre crianças e mulheres chefes de família, Maputo, Fundação do
Desenvolvimento da Comunidade, 2002.
NINO, Carlos Santiago, Ética y derechos humanos: un ensayo de fundamentación, 2.ª edição,
Buenos Aires: Astrea, In: Introducción al Estudio de los Derechos Humanos, Org. Benito de
Castro Cid. Madrid: Universitas, 2007, pág. 110.
LAFER, Celso, A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de
Hannah Arend, São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
OSÓRIO, C, Direitos humanos, direitos humanos das mulhere, In Direitos humanos das
mulheres em quatro tópicos. Ximena Andrade, Conceição Osório & João Carlos Trindade,
Maputo: WLSA MOZ, 2000a.
OSÓRIO, C. Violência contra a mulher, In Direitos humanos das mulheres em quatro tópicos,
Ximena Andrade, Conceição Osório & João Carlos Trindade, Maputo, WLSA MOZ, 2000b.
PECES-BARBA, Martínez, G., Derechos Fundamentales, Editorial Latina, 3.ªedição, Madrid:
Editorial Latina, In: Introducción al Estudio de los Derechos Humanos, Org., Benito de Castro
Cid. Madrid: Universitas, 1980, pág. 113.
PIOVESAN, Flávia, Direitos humanos e o direito constitucional internacional, 6.ª edição,
São Paulo: Max Limonad, 2004.
SERRA, C, Colectânea de Legislação de Família e Menor, Maputo, Centro de Formação
Jurídica e Judiciária de Moçambique, 2006.
TAVARES, André Ramos, Curso de direito constitucional, 4.ª Edição, São Paulo: Saraiva,
2006.
SARLET, Ingo Wolfgang, A eficácia dos direitos fundamentais, Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 392 p., 23 x 16 cm. ISBN 8573480696, 1998.
SARDC, ISRI, INE&PNUD, Relatório Nacional do Desenvolvimento Humano 2005 – Desenvolvimento
humano até 2015, alcançando os objectivos de desenvolvimento do milénio, Maputo, Centro de
Documentação e pesquisa para África Austral, 2006
WLSA Moçambique, Revista Outras Vozes, n.º 20 Maputo, WLSA, 2007.
WALD, Arnoldo, O novo direito de família, 15.ª Edição, Ver. Actual, E ampl. Pelo autor, de
acordo com a jurisprudência e com o novo Codigo Civil (Lei n. ° 10. 406, de 10 de Janeiro de
2002), com a colaboração da Prof. Piscila M. P. Correa da Fonseca, São Paulo, Saraiva, 2004.
VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil: Família, São Paulo, Editora Atlas, 2005.
VARELA, Antunes, Direito de Familia, Direito matrimonial, edição, Coimbra, 2004, p.120 e
segs.
Legislações
MOÇAMBIQUE, Lei da Família, aprovada pela Lei nº 10/2004 de 25 de Agosto, 2004.
MOÇAMBIQUE, CONSTITUIÇÃO (2004), Constituição da República de Moçambique,
Maputo, Plural Editores, 2004.
MOÇAMBIQUE, Código Civil, actualizado pelo Decreto-Lei nº 3/2006 de 23 de Agosto,
Maputo, Plural Editores, 2006.
Lei da Promoção e Protecção dos Direitos da Criança, aprovada pela Lei n.º 7/2008 de 9 de
Julho.
Lei da Organização Tutelar de Menores, aprovada pela Lei n.º 8/2008 de 15 de Julho
(Assembleia da República).
Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral da Organização
das Nações Unidas, 1948.
Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, ratificada pela Resolução nº 9/88 de 25 de
Agosto.
Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pela Resolução n.º 19/90 de 23 de Outubro.
Carta Africana dos Direitos e do Bem- Estar da Criança, ratificada pela Resolução n.º 20/98 de
26 de Maio.
Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pela Resolução n.º
43/2002 de 28 de Maio.
Download