UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE FACULDADE DE GESTÃO DE RECURSOS NATURAIS E MINERALOGIA DEPARTAMENTO DE DIREITO ARMINDO ZEFANIAS CHILAULE DIREITOS HUMANOS E CASAMENTO PREMATURO NO ORDENAMENTO JURÍDICO MOÇAMBICANO TETE 2016 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE FACULDADE DE GESTÃO DE RECURSOS NATURAIS E MINERALOGIA DEPARTAMENTO DE DIREITO ARMINDO ZEFANIAS CHILAULE DIREITOS HUMANOS E CASAMENTO PREMATURO NO ORDENAMENTO JURÍDICO MOÇAMBICANO Monografia, Apresentada ao Conselho Científico da Faculdade de Gestão de Recursos Naturais Universidade e Mineralogia da Católica de Moçambique, como Requisito Parcial para a Obtenção de Grau de Licenciatura em Direito, com a orientação do Dr. Jacques Kabeya Kazadi. TETE 2016 DECLARAÇÃO DE AUTENTICIDADE Armindo Zefanias Chilaule, filho de Zefanias Chilaule de Joaneta Jorge Matusse Jorge Matusse, nascido em 25 de Setembro de 1962, natural de Maputo, Distrito de Manhiça, Província de Maputo, juro por minha honra, que o presente trabalho é da minha autoria e é original, excepto as citações e as referencias e resulta de uma pesquisa por mim realizada, com vista a compilação deste trabalho do fim do curso, para a obtenção do grau de licenciatura em Direito, pela Faculdade de Gestão de Recursos Naturais e Mineralogia na Universidade Católica de Moçambique. O Autor ________________________________ /Armindo Zefanias Chilaule/ FOLHA DE AVALIAÇÃO Este trabalho foi aprovado no dia_____ de________ de 20____ por nós membros de júri do Conselho Científico da Universidade católica de Mocambique, com a nota de__________ valores. _____________________________________ (O Presidente) _____________________________________ (O Arguente) _____________________________________ (O Supervisor) ______________________________________ (Armindo Zefanias Chilaule) DEDICATÓRIA A minha esposa (Eduarda Bernardo Fernando) e aos meus filhos, pelo sacrifício e aconselhamento e dedicação para o alcance do objectivo de Obter o Grau de Licenciatura em Direito Aos meus Pais, e Irmãos. AGRADECIMENTOS Um agradecimento especial aos meus pais, minha esposa, meus filhos e irmãos por sempre me terem acompanhado e apoiado inteiramente e acreditado em mim. Agradeço com especial apreço ao Dr. Jacques Kabeya Kazadi e o Dr. Sérgio Soares João Baptista pela sua orientação do tema, ajuda prestada e interesse nesta pesquisa, pela sua disponibilidade, partilha de conhecimento, experiência científica e pelas críticas e conselhos na elaboração do presente trabalho. Em particular ao Dinis João de Deus, pelo apoio prestado, pela sua disponibilidade e interesse mostrado em ajudar a realizar este trabalho. Aos meus amigos de sempre quero agradecer pelo companheirismo e diversão nos momentos de maior tensão, pelo incentivo e amizade de longa data. Gostaria de agradecer a todos que, directa ou indirectamente, me ajudaram na realização deste projecto, proporcionando-me conhecimento e crescimento profissional e pessoal. Por fim, agradeço aos meus colegas de curso os bons momentos passados, as inúmeras experiências, conversas e diversões partilhadas. EPIGRAFE “O futuro dependerá daquilo que fazemos no presente. Mahatma Gandhi” SIGLAS E ABREVIATURAS RESUMO Art.º - Artigo; CC - Código Civil; CCA - Código Civil angolano; CP – Casamento Prematuro; LF - Lei de Família; SS – Seguintes. DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos O presente trabalho tem como tema, Direitos humanos e o casamento prematuro no ordenamento jurídico moçambicano, visto que o casamento prematuro é endémico em Moçambique, o que quer dizer que, o casamento prematuro é revelador da discriminação existente e, acima de tudo, da discriminação na maneira como as famílias e as sociedades tratam as meninas e os meninos. A desigualdade no tratamento manifesta-se na desproporcionalidade no nível de atenção e investimento entre crianças dos dois sexos na saúde, na nutrição e na educação. As meninas enfrentam normalmente mais privações e falta de oportunidades. Com este texto pretende-se rever o enquadramento legal aplicável a Moçambique em relação ao casamento prematuro e a sua incidência, e discutir uma tentativa de criminalizar os implicados. É neste contexto que torna-se importante, que as referências elencadas no ordenamento jurídico moçambicano sejam disseminadas na comunidade como referências para o exercício de direitos de cidadania e, consequentemente, para protecção dos direitos das crianças. Em suma, Moçambique assumiu o compromisso de adequar as normas de direito interno às da Convenção, para salvaguardar e promover eficazmente os direitos e liberdades nela consagrados. A partir deste vínculo jurídico ratifica a Convenção dos Direitos da Criança, instrumento que enuncia um amplo conjunto de direitos os direitos civis e políticos, sociais e culturais de todas as crianças, bem como as respectivas disposições para que sejam aplicados. Por outro lado, ao considerar a dimensão que envolve o género, como indicador do carácter social das diferenças baseadas no sexo, concluiu-se que associação do género à categoria criança e infância permite perceber que, em Moçambique como em outras sociedades de ideologia patriarcal, as crianças são consideradas culturalmente inferiores e posicionam-se na base da hierarquia social. O casamento prematuro é, por isso, justificado a partir do processo de socialização, assumindo o marco de integração da rapariga ao grupo (família e comunidade a que pertence). Palavras-chave: Direitos humanos, Rapariga, Casamento Prematuro. ÍNDICE INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10 CAPÍTULO I: DIREITOS HUMANOS ................................................................................ 17 1.1. Natureza Jurídica dos Direitos Humanos ............................................................................ 17 1.2. Concepções Doutrinárias Acerca da Natureza Jurídica dos Direitos Humanos ................. 18 1.2.1. Concepção Jusnaturalista ................................................................................................. 18 1.2.2. Concepção Ética .............................................................................................................. 18 1.2.3. Direitos Humanos como Princípios ................................................................................. 19 1.2.4. Concepção Legalista ........................................................................................................ 19 1.2. Conceito dos Direitos Humanos ......................................................................................... 19 1.3. Gerações de Direitos Humanos .......................................................................................... 20 1.3.1. Direitos Humanos de Primeira Geração ......................................................................... 22 1.3.2. Direitos Humanos de Segunda Geração ......................................................................... 24 1.3.3. Direitos Humanos de Terceira Geração ......................................................................... 25 1.3.4. Direitos Humanos de Quarta Geração ............................................................................ 26 1.3.5. Direitos Humanos de Quinta Geração ............................................................................ 26 1.4.Violação de Direitos Humanos por Meio de Casamento Prematuro ................................. 27 CAPÍTULO II: CASAMENTO E SEUS EFEITOS ............................................................. 29 2.1. Breve Historial da Evolução do Casamento ....................................................................... 29 2.2. A Promessa do Casamento ................................................................................................. 30 2.3. A Natureza Jurídica do Casamento ..................................................................................... 31 2.4. Pressuposto de Existência do Casamento ........................................................................... 32 2.5. Validade do Casamento ...................................................................................................... 32 2.6. Capacidade Matrimonial ..................................................................................................... 33 2.7. O Consentimento ................................................................................................................ 34 2.8. Casamento Urgente ............................................................................................................. 35 2.9. Nulidade do Casamento ...................................................................................................... 35 2.9.1. Regime de Nulidade......................................................................................................... 36 2.9.2. Causas de Nulidade .......................................................................................................... 36 2.9.2.1. Falta de Capacidade Matrimonial ................................................................................. 36 2.10. Validação do Casamento .................................................................................................. 36 2.11. Efeitos da Anulação do Casamento .................................................................................. 36 2.11.1. O Casamento Putativo (art. 71 LF) ................................................................................ 36 CAPÍTULO III: DIREITO DA FAMILIA ........................................................................... 37 3.1. Conceito de Direito da Familia ........................................................................................... 37 3.2. Noção Jurídica de Família .................................................................................................. 38 3. 3. Evolução Histórica da Família ........................................................................................... 40 3.3.1. A Família do Direito Romano ......................................................................................... 40 3.3.2. A Família no Direito Canônico ........................................................................................ 40 3.4. Direito de Constituir Família .............................................................................................. 41 CAPÍTULO IV: APRESENTAÇÃO, ANALISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS .... 42 4.1. Âmbito ................................................................................................................................ 42 4.2. Definição, Motivações e Influências do Casamento Prematuro ......................................... 43 4.3. Casamento Prematuro, Infância, Género e Relações de Poder ........................................... 45 4.4. Aspectos Jurídicos e Político Estratégicos Envolvidos no Casamento Prematuro ............. 47 4.5. O Casamento Prematuro no Ordenamento Jurídico Moçambicano .................................... 48 4.6. Os Direitos da Rapariga na Ordem Jurídica Moçambicana ................................................ 52 4.7. Porque razões sujeitam as raparigas aos “casamentos”? .................................................... 53 CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 54 RECOMENDAÇÕES .............................................................................................................. 56 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 58 INTRODUÇÃO O tema que proponho a apresentar cingir- se-á aos Direitos Humanos e Casamento Prematuro no Ordenamento Jurídico Moçambicano, comum requisito parcial para a Obtenção do Grau Académico de Licenciatura em Direito, pela Universidade Católica de Moçambique, Faculdade de Gestão de Recursos Naturais e Mineralogia, com o objectivo de contribuir não sópara a prevenção e irradicação dos casamentos de raparigas, mas ainda para a efectivação dos direitos das raparigas, previstos na Constituição da República de Moçambique e nas covenções internacionais. Porém, as questões ligadas aos direitos humanos da criança (neste caso da rapariga), apesar da sua previsão, passam a ser omissas, limitando os espaços para a sua promoção. Neste contexto precisa de entender o casamento prematuro considerando que as práticas como os ritos de iniciação podem ser relevantes para a definição do conceito de criança e, consequentemente, promover mudanças no processo de prescrição de papéis e espaços de actuação específicos para as crianças e adolescentes vivendo em zonas rurais. A realidade moçambicana monstra que o casamento pode ser arranjado pela família e, nem sempre os nubentes podem decidir sobre quando e com quem vão contrair matrimónio. Para o efeito, analisaremos as normas internas em comparação com as instrumentos internacionais de que Moçambique é parte visando perceber o estágio em que Moçambique se encontra na protecção dos direitos da rapariga. O casamento prematuro é um dos problemas mais graves de desenvolvimento humano em Moçambique mas que ainda é largamente ignorado no âmbito dos desafios de desenvolvimento que o país persegue requerendo por isso uma maior atenção dos decisores políticos. Moçambique é um dos países ao nível mundial com as taxas mais elevadas de prevalência de casamentos prematuros, afectando cerca de uma em duas raparigas, representando uma grande violação dos direitos humanos das raparigas. Esta situação insere-se ausencia negativamente os esforços para a redução da pobreza e o alcance dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio em particular influenciando para que as raparigas aquem grávidas precocemente e deixem ter acesso a educação, aumentando os riscos de mortalidade materna e infantil. A pressão económica exercida sobre os agregados mais pobres e as práticas socioculturais prevalecentes, continuam a conduzir as famílias a casarem as suas filhas cada vez mais cedo, quando as raparigas ainda não atingiram maturidade suficiente para o casamento e para a gravidez ou para assumirem a responsabilidade para serem esposas e mães. As maiores partes das desistências escolares estão ligadas a gravidez precoce nas raparigas, numa fase do seu desenvolvimento físico e emocional em que elas ainda não se encontram preparadas para gerar uma criança, com consequências bastante sérias para a sua saúde e para a sobrevivência dos seus filhos. Pretende-se abordar o tema: “Direitos Humanos e Casamento Prematuro no Ordenamento Jurídico Moçambicano”. Contudo, o nosso trabalho cingir-se-á na delimitação espacial para especificar o espaço, concretamente na província de Gaza nos distritos de Chokwé e Chicualacuala, como também na delimitação temporal, onde ir-se-á atacar a Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança, O Protocolo à Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos Relativo aos Direitos da Mulher em África, A Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança, Lei da Família e a Constituição da Republica. Segundo MARCONI e LAKATOS “delimitação do tema – o dotado necessariamente de um sujeito e de um objecto, o tema passa por um processo de especificação”1 O estudo tem como objectivo geral analisar os Direitos Humanos e Casamento Prematuro no Ordenamento Jurídico Moçambicano” Como objectivos especificos, o estudo visa: (i) descrever os efeitos resultantes dos casamentos precoces ou uniões forçadas nas raparigas;(ii)analisar a falta de cobertura legal, no âmbito penal, para proteger a rapariga em situação de relação equiparada ao casamento e a consequente gravidez precoce; Este tema é importante no nível académico e também por si tratar de obtenção de grau de licenciatura segundo orientação desta faculdade é um dos requisitos principal para elaboração de monografia. Segundo MARCONI e LAKATOS, a justificativa consiste numa exposição suscita porém completa, das razões de ordem teórica e dos motivos de ordem prática que tornam importante a realização da pesquisa2. A razão de fundo para a escolha desse tema dos diversos é o interessante facto de, Criar sistemas locais de referência para casos de violência de menores através da disseminação de informação sobre como proceder quando se é confrontado com um caso destes. Os sistemas locais de referência devem incluir todas as pessoas e instituições que podem desempenhar um papel de reportagem. 1 2 MARCONI, Maria de Andrade, LAKATOS, Eva Maria, Fundamentos de metodologia científica, p. 201 MARCONI, Maria de Andrade, LAKATOS, Eva Maria, Fundamentos de metodologia científica, p. 202 O fim prende-se, informar as raparigas e mulheres jovens sobre os seus direitos e sobre o que constitui o abuso sexual, a melhor forma de evitar colocar-se em situações de risco e as opções disponíveis caso elas ou uma amiga ou parente seja vítima de abuso. Isto pode ser feito usando estratégias de educação de pares para transmitir informação. Logo, devemos desenvolver programas educacionais para pais sensíveis ao género que enfoquem métodos disciplinares não violentos. Esses programas devem promover relações saudáveis entre pais e filhos e orientar os pais no sentido de que adoptem métodos disciplinares construtivos e positivos e abordagens que promovam o desenvolvimento da criança, levando em consideração as suas capacidades em formação e a importância de respeitar as suas opiniões.É relevante falar do tema, por ser actual e pelo dinamismo da sociedade, as normas devem se adequar as realidades, para não se cair no velho ditado de só existirem leis mas que não são devidamente aplicadas. Da problemática dos casamentos prematuros em Moçambique surge a questão seguinte: até que ponto o casamento prematuro garante a protecção dos direitos humanos reconhecidos as raparigas em Moçambique? Ora vejamos que a pobreza também tem contribuído para a ocorrência de menores em conflito com a lei. Com aprovação da Lei da Família, em 2004, a idade para o casamento da rapariga subiu de 14 para 18 anos. Porém, a própria Lei abre espaço para que pessoas com menos de 18 anos e mais de 16 possam contrair casamento (art. 30, nº 2), “o Estado tem o dever de assegurar a protecção dos direitos da mulher e da criança, conforme estipulados nas Declarações e Convenções Internacionais”, conjugado com artigo 47 da constituição da República de Moçambique. O casamento prematuro constitui um factor de risco porque implica quase inevitavelmente relações sexuais. Nas sociedades onde tal se consuma existe a forte pressão para se ter filhos logo após o casamento e a taxa de concepção de mulheres jovens casadas é muito baixa. Noutra vertente das consequências, existe uma correlação entre o casamento prematuro e a saída do sistema de educação, por se cuidar de outros afazeres, com consequências para a privação do direito à educação e no desenvolvimento social e humano das raparigas envolvidas. A aparente apatia do sistema de educação e as normas permissivas como o Despacho nº 39/GM/2003 do Ministério da Educação, que prescreve a mudança de turno para a rapariga grávida e apenas o processo disciplinar para o protagonista concorrem para aumentar a tolerância em relação a estes tipos de violência e á sua reprodução. Quanto ao tipo de pesquisa, segundo BARBOSA: O tipo de pesquisa a ser adoptado neste projecto é exploratório porque tem como objectivo em examinar um tema pouco estudado e que não foi abordado antes, como se enquadra o tema da pesquisa acima transcrito, no caso de Moçambique que ainda continua estacionária.3 Resulta que este tipo de pesquisa, tem como objectivo de propocionar maior familaridade com problema de modo a torná-lo mais explícito. Pode envolver levantamento bibliográfico, entrevista, com pessoas experientes no problema pesquisado, etc. Geralmente, assume a forma de pesquisa bibliográfica e estudo de caso. Quanto ao metodo de abordagem, o método a ser utilizado na pesquisa será hipotético - dedutivo, pois segundo LAKATO E MARCONI, este inicia-se com um problema ou uma lacuna no conhecimento científico, passando pela formulação de hipóteses e por um processo de inferência dedutiva, o qual testa a predição da ocorrência de fenômenos abrangidos pela referida hipótese4. No que toca "no método hipotético-dedutivo," de facto o problema levantada nesta pesquisa resulta das pessoas perderem familiares devido ao tráfico, infelizmente não os encontrar a mais".5 Na verdade, essa é a fase de teste do modelo simplificado. É uma fase meticulosa em que é observado determinado aspecto do universo, objeto da pesquisa. A fase seguinte é a formulação de hipóteses, ou descrições-tentativa, consistentes com o que foi observado. No que concerne o metodo de procedimento, o método a ser utilizado foi bibliográfico, visto que recorreu-se a livros, artigos científicos, textos retirados da internet e legislação. No pensamento de GIL, "a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com a base em material já elaborado, constituído de livros, artigos científica e textos retirado de internet".6 Em termos de tecnica de pesquisa, para a elaboração de pesquisa foi utilizada a técnica da observação directa e intensiva a ser realizada através de duas técnicas, a saber: observação, que 4 Markon e Lakatos, Metodologia do trabalho científico, P.38. Carvalho, Metodologia de Pesquisa Cientifica, P. 21 6 Gil, Manual de Metodologia de Pesquisa Científica. 5 consiste em examinar os factos ou fenómenos que se pretendem estudar, e também na utilização de sentidos para obtenção de alguns aspectos da realidade.7 CAPÍTULO I: DIREITOS HUMANOS Este capítulo dedica-se a prover um panorama das normas de direitos humanos no seu âmbito nacional e internacional. Incluem-se breves descrições sobre a natureza, o conceito, as gerações, assim como um resumo do seu antecedente histórico. 1.1. Natureza Jurídica dos Direitos Humanos Na filosofia de ALEXANDRINHO: 7 Markon e Lakatos, Metodologia do trabalho científico, Pág.38. Os direitos humanos ou direitos do homem, nascem essencialmente como direitos negativos, ou seja, como obrigação de omissão ou abstenção por parte de Estado em face de certas condutas dos cidadãos8. O ser humano é livre, logo o Estado deve abster-se de privar a liberdade; o ser humano tem direito a expressar-se livremente, logo o Estado deve abster-se de censurá-lo. A sistematização desses direitos negativos em uma determinada ordem constituicional ou em um tratado ou em uma proclamação internacional constitui aquilo que a doutrina convenciona. Conceituar então, a natureza jurídica dos direitos humanos se torna abrangente pela diversidade de posicionamentos encontrados na doutrina. Onde para alguns, os direitos humanos são simplesmente direitos subjetivos; onde para outros são direitos subjetivos, emanados diretamente das normas positivas e somente adquirem valor jurídico ao serem reconhecidas pelo Estado. Segundo MORÁN: Outros ainda, que consideram os direitos humanos como valores; ou ainda como princípios gerais de direito; enquanto para outros são faculdades de poderes nascidos de normas objetivas previamente existentes nos ordenamentos estatais, que lhes são impostas obrigando o seu reconhecimento, com sentido de direito natural clássico ou simplesmente como direito objetivo numa concepção mais actual9. 1.2. Concepções Doutrinárias Acerca da Natureza Jurídica dos Direitos Humanos 1.2.1. Concepção Jusnaturalista A concepção jusnaturalista é aquela tradicionalmente adotada por aqueles que defendem a plena validade jurídica dos direitos humanos como faculdades intrínsecas do homem, independente de sua positivação. Direitos do homem como imperativos do Direito natural, anteriores e superiores à vontade do Estado. Segundo CANOTILHO: Direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista), ou seja, os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal10. 1.2.2. Concepção Ética Esta concepção trata os direitos humanos como direitos morais, à vista disso entendem que toda norma jurídica pressupõe uma série de valores. NUNO um dos defensores da teoria dos direitos 8 ALEXANDRINHO, Os Direitos humanos em ÁFRICA, Pág. 18. Cf. MORÁN, Narciso Martínez, Naturaleza y Caracteres de los Derechos, pág. 109. 10 CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2003, pág. 393. 9 morais, entende que os direitos humanos são a parte mais substancial dos direitos morais oriundos dos princípios da inviolabilidade, da autonomia e da dignidade da pessoa humana11. 1.2.3. Direitos Humanos como Princípios Esta concepção entende que os direitos humanos são princípios externos ao ordenamento jurídico. Não faltando quem assegure que os direitos humanos formam parte de um ordenamento jurídico, como princípios não formulados em normas positivas expressas. Se trata de uma teoria muito próxima a teoria dos direitos morais, que entendem os direitos humanos como valores morais, sendo que esta entende como princípios. Para MORÁN “indaga ser óbvio que os direitos fundamentais incorporados nos preâmbulos são considerados como princípios superiores do ordenamento jurídico”12. 1.2.4. Concepção Legalista A concepção legalista afirma que não existe direitos fundamentais se estes não estiverem reconhecidos no ordenamento jurídico estatal. De facto, há quem entenda que os direitos humanos carecem de uma entidade jurídica de verdadeiros direitos humanos antes de sua incorporação à lei positiva, pois não existem direitos humanos que não estejam positivados pela legislação estatal, é uma atitude legalista (pelo Estado). No pensamento de PECES-BARBA, tentando explicar a concepção legalista dos direitos humanos, faz a distinção destes com os direitos fundamentais. Vejamos a seguir esta análise comparativa onde, para este doutrinador, os direitos fundamentais se completam com sua recepção no Direito Positivo, pois, em sua opinião, um direito fundamental não alcança sua plenitude se não for reconhecido no direito positivo13. 1.2. Conceito dos Direitos Humanos Salienta o autor PIOVESAN que: Direitos Humanos são os direitos básicos de todos os seres humanos. São direitos civis e políticos, direitos econômicos, sociais e culturais (exemplos: direitos ao trabalho, à educação, à saúde, à previdência social, à moradia, à distribuição de renda, entre outros, fundamentados no valor igualdade de oportunidades); direitos difusos e colectivos (exemplos: direito à paz, direito ao progresso, auto determinação dos 11 NINO, Carlos Santiago, Ética y derechos humanos: un ensayo de fundamentación, pág. 110. Cf. MORÁN, Narciso Martínez, pág. 112. 13 PECES-BARBA, Martínez, G., Derechos Fundamentales, pág. 113. 12 povos, direito ambiental, direitos do consumidor, inclusão digital, entre outros, fundamentados no valor fraternidade)14. 1.3. Gerações de Direitos Humanos A positivação dos direitos que hoje são reconhecidos fundamentalmente e que corresponde a de mais, às gerações de direitos humanos deu-se, nas variadas Cartas Fundamentais, em correspondência ao transcurso da história da humanidade e efectivamente se perfectibilizou no ordenamento jurídico, com a proporção que hoje se concebe, como uma conseqüência histórica da transmudação dos direitos naturais universais em direitos positivos particulares, e, depois, em direitos positivos universais 15. Segundo PIOVESAN: Por isso mesmo, inexiste equívoco quando se confere a essa Norma Fundamental a atribuição de refletir um momento histórico significativo, o actual, porque o máxime do alargamento no campo dos direitos e garantias fundamentais até hoje conquistado, colocando-se, ainda, “entre as Constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito à matéria” 16. Para HERKENHOFF: São, assim, considerados humanos, os direitos conferidos a todo e qualquer sujeito, no intuito de se resguardar sua dignidade, direitos esses que “a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir” todos decorrentes de alterações no pensamento filosófico, jurídico e político da humanidade, e que, positivados, convencionou-se designar por “direitos fundamentais” 17. Como precedente histórico de processo de internacionalização dos direitos humanos, assinalase a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho, convenções pelas quais foi possível, pela primeira vez, “redefinir o status do indivíduo no cenário internacional, para que se tornasse verdadeiro sujeito de direito internacional”. 14 PIOVESAN, Flávia, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, pág. 25. PIOVESAN, Flávia, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, pág. 124. 16 PIOVESAN, Flávia, Direitos humanos e o direito constitucional internacional, pág. 25. 17 HERKENHOFF, João Baptista, Curso de Direitos Humanos, pág. 31. 15 Em ambas as convenções, criadas antes da Primeira Guerra Mundial, visou-se estabelecer limites à atuação estatal e garantir a observância dos direitos fundamentais, assinalando a necessidade de se relativizar a soberania dos Estados. Vale dizer, o advento da Organização Internacional do Trabalho, da Liga das Nações e do Direito Humanitário registra o fim de uma época em que o Direito Internacional era, salvo raras exceções, confinado a regular relação entre Estados, no âmbito estritamente governamental. Através destes institutos, não mais se visava proteger arranjos e concessões recíprocas entre os Estados. Visava-se sim ao alcance das obrigações internacionais a serem garantidas ou implementadas coletivamente que, por sua natureza, transcendiam os interesses exclusivos dos Estados contratantes. Estas obrigações internacionais voltavam-se à salvaguarda dos direitos do ser humano e não das prerrogativas dos Estados” Na sequência, após a Segunda Grande Guerra, palco de massacres e conhecido genocídio das mais distintas etnias, efeito do fortalecimento do totalitarismo estatal dos anos 30, a humanidade percebeu a premência de se resguardar, mediante eficazes medidas, a dignidade da pessoa humana. O moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do pós-guerra. Seu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte destas violações poderiam ser prevenidas se um efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos existisse. É efectivamente, remonta a história, somente com o pós-guerra, depois de todas as atrocidades ocorridas sob o argumento da hibridização da raça ariana, projecto político e industrial sabidamente abraçado por Adolf Hitler, com a real ruptura do paradigma dos direitos humanos, mediante uma negação dos valores mais comezinhos ao homem concedidos, emergiu, significativamente, no pensamento ocidental, a necessidade de se reconstruir tais direitos. COMPARATO argumenta que: Desse momento histórico, portanto, resultaram a Declaração Universal, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas de 1948 e a Convenção Internacional sobre a prevenção e punição do crime de genocídio, ambas marcos inaugurais de “uma nova fase histórica, que se encontra em pleno desenvolvimento” 18 Dessa maneira foi que a Declaração definiu, como nunca antes, os padrões éticos e morais a serem perseguidos pelos Estados, conferindo uma gama extensa de direitos e faculdades sem as quais um ser humano já não mais poderia desenvolver sua personalidade intelectual, física e moral e acarretando uma repercussão tal que os povos passaram a ter consciência de que o conjunto da comunidade humana se interessava pelo seu destino. Ademais, além de internacionalizar os direitos ali contidos, a Declaração também teve a função de conjugar, harmonizar ou conciliar as gerações de direitos civis e políticos (primeira geração de direitos) aos direitos econômicos, sociais e culturais (segunda geração), equalizando, desta forma, o discurso liberal e o discurso social defensores da cidadania, atando o valor da liberdade ao da igualdade, dicotomia que até então não se cria pudesse ser ultrapassada. Impende salientar, no entanto, tal sistematização dos direitos humanos em gerações de direitos, não acompanha qualquer hierarquização desses valores, mas tão só corresponde ao seu reconhecimento em dado momento histórico e em determinados ordenamentos jurídicos. 1.3.1. Direitos Humanos de Primeira Geração Segundo LAFER: Os direitos humanos de primeira geração são resultantes, principalmente, da Declaração Francesa dos direitos do Homem e do Cidadão e da Constituição dos Estados Unidos da América de 1787, que surgiram após o confronto entre governados e governantes, é dizer, da insatisfação daqueles com a realidade política, econômica e social de sua época, e que resultou nessas afirmações dos direitos de indivíduos em face do poder soberano do Estado absolutista19. 18 COMPARATO, Fábio Konder, A afirmação histórica dos direitos humanos, pág. 56. 19 LAFER, Celso, A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt, pág. 126. COMPARATO argumenta que: [...] representaram a emancipação histórica do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu: a família, o clã, o estamento, as organizações religiosas. Mas em contrapartida, a perda da proteção familiar estamental ou religiosa tornou o indivíduo muito mais vulnerável às vicissitudes da vida20. A sociedade liberal ofereceu-lhe, em troca, a segurança da legalidade, com a garantia da igualdade de todos perante a lei. Esses direitos, visando a proteção das liberdades individuais ao impor limites ao Estado, recebem a denominação, por alguns autores de direitos humanos de primeira geração ou primeira dimensão. Neste contexto, LAFER considera que: Os direitos humanos da Declaração de Virgínia e da Declaração Francesa de 1789 são neste sentido, direitos humanos de primeira geração, que se baseiam numa clara demarcação entre Estado e não Estado, fundamentada no contratualismo de inspiração individualista 21. São vistos como direitos inerentes ao indivíduo e tidos como direitos naturais, uma vez que precedem o contrato social. Por isso, são direitos individuais: (I) quanto ao modo de exercício é individualmente que se afirma, por exemplo, a liberdade de opinião; (II) quanto ao sujeito passivo do direito pois o titular do direito individual pode afirmá-lo em relação a todos os demais indivíduos, já que esses direitos têm como limite o reconhecimento do direito de outro [...]. Filosoficamente, pode-se creditar o surgimento e o resguardo dessa geração direitos à moral individualista e secular, que colocava o indivíduo como centro do poder e rechaçava, de outra 20 COMPARATO, Fábio Konder, A afirmação histórica dos direitos humanos, pág. 51. 21 LAFER, Celso, A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt, pág. 127. parte, a promiscuidade entre poder político e religioso, assinalando a secularização do poder do Estado22. São, destarte, os direitos individuais, que resguardam as liberdades individuais e impõem limitações ao poder do Estado, decorrentes da evolução do direito natural e sofrendo importante influência dos ideais iluministas, como se pode extrair do pensamento filosófico de Rousseau, Locke e Montesquieu, principalmente. Essa dúvida, no entanto, desmerece maiores delongas, já que não perfaz a matéria que se pretende analisar neste trabalho, razão porque breves as linhas que encerram tal explanação. 1.3.2. Direitos Humanos de Segunda Geração Mais tarde, porém, com a consagração dos direitos de liberdade, ocorreu a passagem destas, as chamadas liberdades negativas, para os direitos políticos e sociais, que exigiam uma intervenção direta do Estado, para ver-se concretizados, com a passagem da consideração do indivíduo singular, primeiro sujeito a quem se atribuiu direitos naturais, para grupos de sujeitos, sejam famílias, minorias étnicas ou até mesmo religiosas. Segundo HUMENHUK: Os direitos sociais ou prestacionais, como o direito à saúde, configuram, assim, um dos elementos que marcaram a transição do constitucionalismo liberal para o constitucionalismo social, direitos que impõem, determinam ou exigem do Estado enquanto ente propiciador da liberdade humana, não mais aquela actividade negativa, de restrição de sua atuação, mas uma ação positiva, através de uma efetiva garantia e eficácia do direito fundamental prestacional 23. De segunda geração, são, pois, os direitos ao trabalho, à saúde, à educação, dentre outros, cujo sujeito passivo é o Estado, que tem o dever de realizar prestações positivas aos seus titulares, os cidadãos, em oposição à posição passiva que se reclamava quando da reivindicação dos direitos de primeira geração. 22 23 BOBBIO, Norberto, A era dos direitos, p. 60. HUMENHUK, Hewerstton, O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais, 2004. Foram positivados somente nas Constituições francesas liberais de 1791 e 1973, sendo ampliados e reafirmados pela Constituição francesa de 1948, carta política esta que correspondeu com a consciência da população, verdadeira interessada na efetivação de tais direitos, dos problemas resultantes da revolução industrial e a condição dos operários. 1.3.3. Direitos Humanos de Terceira Geração À par das dificuldades e das conquistas decorrentes da doutrina social pelo reconhecimento e pela eficácia dos direitos civis e políticos, de primeira geração, e dos direitos econômicos, sociais e culturais, direitos de segunda geração, outros valores, até então não tratados como prioridade na sociedade ocidental, foram colocados na pauta de discussão em período posterior ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Referidos valores, para serem efetivados, exigiam soluções inovadoras que só o reconhecimento de direitos de estirpe diversa dos já positivados poderia satisfazer. Estes novos direitos passaram, assim, a serem alcunhados de direitos de terceira geração. Para TAVARES; e ALMEIDA: “Tais direitos, também conhecidos como direitos da solidariedade ou fraternidade, caracterizam-se, assim, pela sua titularidade colectiva ou difusa, tendo coincidido o período de seu reconhecimento ou positivação com o processo de internacionalização dos direitos humanos”24. [...] trazem como nota distintiva o facto de se desprenderem, em princípio, da figura do homem indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade colectiva ou difusa. […] Dentre os direitos fundamentais da terceira dimensão consensualmente mais citados, cumpre referir os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação. 24 TAVARES, André Ramos, Curso de direito constitucional, págs. 421-422; ALMEIDA, pág. 45. Cuida-se na verdade do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância, bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes consequências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais.” Tais direitos, sabe-se, caracterizam-se pelo distintivo de demandarem a participação intensa dos cidadãos, sem a qual não tem eficácia, requerendo a existência de uma consciência coletiva na atuação individual de cada membro da sociedade, em aliança com Estado. 1.3.4. Direitos Humanos de Quarta Geração Há doutrinadores, ainda, que reconhecem a existência de uma quarta geração ou dimensão de direitos humanos, que se identificariam com o direito contra a manipulação genética, direito de morrer com dignidade e direito à mudança de sexo, todos pensados para o solucionamento de conflitos jurídicos inéditos, novos, frutos da sociedade contemporânea. Há, ainda, doutrinadores, como o constitucionalista Paulo Bonavides, que entendem que a quarta geração de direitos identificar-se-ia com a universalização de direitos fundamentais já existentes, como os direitos à democracia directa, à informação e ao pluralismo. 1.3.5. Direitos Humanos de Quinta Geração Finalmente, os direitos humanos da quinta geração, como os de quarta, também não são pacificamente reconhecidos pela doutrina, como o são os das três primeiras. No entanto, os direitos que por essa geração são reconhecidos, quais sejam, a honra, a imagem, enfim, os “direitos virtuais” que ressaltam o princípio da dignidade da pessoa humana, decorrem de uma era deveras nova e contemporânea, advinda com o exacerbado desenvolvimento da Internet nos anos 90. Tais valores, portanto, são defendidos e protegidos por essa geração de direitos, com a particularidade de protegê-los frente ao uso massivo dos meios de comunicação eletrônica, merecendo, assim, proteção não só as pessoas naturais, mas também as pessoas jurídicas. 1.4.Violação de Direitos Humanos por Meio de Casamento Prematuro A negação do direito à educação interfere com o direito das crianças à educação, mas também com o desenvolvimento da sua personalidade, a sua preparação para a idade adulta e as possibilidades e oportunidades de emprego. Perderá igualmente importantes espaços de socialização e de fazer amizades, pelo que provavelmente será uma adulta que viverá em maior isolamento do que as outras. Por isso, quando em presença de um casamento prematuro, há matéria legal para intervir no sentido de proteger a criança e criminalizar todos os responsáveis envolvidos: i) os pais ou responsável legal que entregou a criança; ii) o adulto que recebeu a criança e a mantém para fins de exploração laboral e sexual. Segundo (Bruce, 2002, citado por FNUAP, 2003), Que direitos estão a ser negados com o casamento prematuro? Se nos guiarmos pela Convenção sobre os Direitos da Criança, são os seguintes25: O direito à educação (artigo 28). O direito a ser protegida contra todas as formas de violência física ou mental, dano ou abuso, inclusive sexual (artigo 19) e de todas as formas de exploração sexual (artigo 34). O direito ao gozo do mais alto nível possível de saúde (artigo 24). O direito à informação escolar e profissional e orientação (artigo 28). O direito de procurar, receber e transmitir informações e ideias (artigo 13). O direito ao descanso e lazer, e de participar livremente na vida cultural (artigo 31). O direito de não ser separada de seus pais contra a sua vontade (artigo 9). O direito à protecção contra todas as formas de exploração que afectem de qualquer modo o bem-estar da criança (artigo 36). Quanto mais as crianças se encontram em situações desfavorecidas (zonas rurais com pouco acesso à escola e com menores níveis de rendimento, com menor investimento tanto na esfera económica como sociocultural), menos oportunidades têm de gozar dos seus direitos. Portanto, falar em casamento prematuro é falar em discriminação. Discriminação das raparigas em relação aos rapazes e discriminação entre as crianças de sexo feminino, consoante, entre outros, o nível de rendimentos da sua família e a sua escolarização. Segundo o relatorio de UNICEF: 25 Bruce, J., Married Adolescent Girls: Human Rights, Health and Developmental Needs of a Neglected, 2002. As raparigas que vivem nestas uniões forçadas, para além de se verem impossibilitadas de gozarem dos seus direitos, sofrem severas consequências no que diz respeito ao seu bem-estar psicológico e emocional, à sua saúde reprodutiva e às suas oportunidades educativas e na vida como adultas 26. Portanto, a idéia de educação para a cidadania não pode partir de uma visão da sociedade homogênea, como uma grande comunidade, nem permanecer no nível do civismo nacionalista. Torna-se necessário entender educação para a cidadania como formação do cidadão participativo e solidário, consciente de seus deveres e direitos – e, então, associá-la à educação em direitos humanos. Só assim teremos uma base para uma visão mais global do que seja uma educação democrática, que é, afinal, o que desejamos com a educação em direitos humanos, entendendo “democracia” no sentido mais radical – radical no sentido de raízes – ou seja, como o regime da soberania popular com pleno respeito aos direitos humanos. Não existe democracia sem direitos humanos, assim como não existe direitos humanos sem a prática da democracia. Em decorrência, podemos afirmar o que já vem sendo discutido em certos meios jurídicos como a quarta geração, ou dimensão, dos direitos humanos: o direito da humanidade à democracia. Esta educação formal na escola, resultará mais viável se contar com o apoio dos órgãos oficiais, tanto ligados diretamente à educação como ligados à cultura, à justiça e defesa da cidadania. 26 UNICEF, Early Marriage. Child spouses, 2001. CAPÍTULO II: CASAMENTO E SEUS EFEITOS 2.1. Breve Historial da Evolução do Casamento Sob o ponto de vista sociológico o casamento é um fenómeno humano muito antigo que se formalizava sem qualquer acto solene. No direito romano distinguia-se o casamento do simples concubinato pela affection maritalis, elemento subjectivo que evidenciava o propósito comum de convivênciaduradoura entre o homem e a mulher. Era pois um acto voluntário que começou comvontade dos 2 e poderia terminar com o repúdio universal ou bilateral - é muito parecidocom a figura da união de facto. Na idade média e com a influência do cristianismo o casamento passou a ser encarado como um sacramento em que intervinha a vontade divina, o casamento revestia - se de forma canónica e era o ministro do culto que autorizava a celebração. Só a partir do Concilio de Trento do século XVI em que o sacerdote passou a intervir na sua celebração. Com a separação da igreja criou-se o advento do protestantismo e seu predomínio nalguns países Europeus como a Inglaterra, retirou a igreja o controlo do casamento submetendo o ao Estado. Foi só com a revolução francesa, no final do século XVIII que se passou a adoptar a concepção do casamento como um acto meramente civil, como um contrato, baseado na vontade dos nubentes e sem estar sujeito à intervenção obrigatória da Igreja, surgindo assim o casamento de natureza laica de competência dos representantes do Estado e independente do casamento religioso. Nos termos do artigo 7.º LF O casamento “a união voluntária entre um homem e uma mulher, formalizada nos termos da lei, com o objectivo de estabelecerem uma plena comunhão de vida”.27 É importante notar que existem vários elementos essenciais, a saber: O elemento subjectivo da voluntariedade por parte, dos nubentes, homem e mulher. A necessidade da sua formalização, segundo a forma estabelecida na lei, que é o que distingue da união de facto. A finalidade legal do casamento que é o estabelecimento da plena comunhão de vida. 2.2. A Promessa do Casamento Normalmente o casamento tem preliminares, é antecedido por uma promessa recíproca de casamento por parte dos noivos (nubentes). Actualmente nos países mais desenvolvidos a importância do noivado diminuiu embora na sociedade tradicional angolana a promessa de casamento tenha ainda uma acentuada importância sobretudo no que respeita as entregas feitas pelos noivos á família da noiva, Alembamento. Em geral os diversos sistemas jurídicos não consideram como relevância a promessa do casamento sob o ponto de vista de obrigar a contrair casamento. A promessa de casamento é um acto de importância social, realizado com seriedade entre os noivos e conhecido entre os seus familiares e o meio social. A lei de família vem confirmar no seu art.° 19: A ineficácia jurídica da promessa, ou seja esta não dá direito a exigir a celebração de casamento. Já quanto aos donativos feitos pelo promitentes a antiga lei considerava o direito á restituição dos bens entregues, o que constitui uma omissão voluntária da lei para impedir que haja coacção sobre os nubentes, e dando assim primazia legal á liberdade pessoal dos nubentes sobre o interesse 28 patrimonial daquele que tiver feito estas ofertas. Trata-se pois de uma obrigação natural que não é juridicamente exigível. É uma obrigação fundada em meros diversos de justiça e que não é exigível juridicamente. 27 28 Art.º 7 da Lei da Família, aprovada pela Lei nº 10/2004 de 25 de Agosto, 2004. Art.º 19 da Lei da Família, aprovada pela Lei nº 10/2004 de 25 de Agosto, 2004. Já quando o direito de indemnização art. 22 º- n.º 2 é exigível é mas só nos termos restritos deste artigo. É necessária uma ruptura injustificada por parte dos nubentes, há que analisar estas rupturas em termos objectivo. O direito de indemnização circunscreve-se aos próprios nubentes e os seus limites estão circunscritos às obrigações contraídas com acordo de outro nubente e só podem ser indemnizações patrimoniais. A promessa do casamento vem constituir também elemento de facto preponderante para a decisão judicial a tomar em acção para o estabelecimento da filiação. 2.3. A Natureza Jurídica do Casamento Segundo o art. 7º O casamento é caracterizado como sendo um acto ou negócio jurídico, solene mediante o qual um homem e uma mulher aceitam voluntária e reciprocamente estabelecerem convivência de carácter duradouro.29 Tem duas vertentes: - Casamento como acto, cerimónia que se celebra - como acto em si. Casamento como estado familiar, em que os nubentes se vão encontrar a pois a cerimónia é consequência da cerimónia como estado. O casamento como estado é um vínculo jurídico composto por um conjunto complexo de direito e deveres. Como um acto e na doutrina civilista predomina a concepção de casamento como um contrato. Segundo VARELA: " O casamento como um contrato solene em que intervem duas declaracoes de vontade que são contraposta mas são harmonizadas, caracteriazado pela diversidade de sexo que tem como conteúdo e como fim a plena comunhão de vida.30 Que tem uma outra visão do casamento. Assim, este entende que “o casamento é a união voluntária e singular entre um homem e uma mulher, com o propósito de constituir família, mediante comunhão plena de vida”31 O nosso código de família quis deixar de reconhecer o casamento como um contrato para passar a reconhecê-lo como uma união, embora reconheça nele um negócio jurídico em que a declaração da vontade dos nubentes vai produzir unicamente os efeitos jurídicos previstos na lei e que são de 29 Art. 7.° da Lei da Família, aprovada pela Lei n.º 10/2004 de 25 de Agosto, 2004. Cfr., VARELA, Antunes, Direito da Familia, Direito matrimonial, p.120 e segs. 31 Cfr., COELHO, F. P. e OLIVERA, G. de, Curso de Direito da Família: Introdução Direito Matrimonial, p. 173. 30 natureza imperativa. A sua autonomia da vontade circunscreve-se à dois pontos, considerados como pertinentes aos direitos fundamentais da pessoa humana: Cada pessoa é livre de casar ou não. Cada pessoa é livre de escolher a pessoa de outro sexo com quer casar.O casamento deve ser definido como um negócio jurídico familiar e bilateral, com a natureza de um pacto, celebrado entre os nubentes. É o acto jurídico condição de aceitação do estado de casado, que dele decorre, estado esse que se estabelece reciprocidade entre 2 nubentes. Fica portanto afastada a hipótese do casamento como um contrato civil, pois a vontade do Estado intervêm no acto do casamento, antes da sua celebração, através do conservador do registo civil, cuja intervenção tem a natureza certificativa e a sua participação é indispensável à própria existência do acto jurídico. 2.4. Pressuposto de Existência do Casamento O casamento é um acto jurídico cujo a celebração e validade exigem que se verifique previamente a existência de certos pressupostos e ainda certas condições legais. O casamento para ter existência jurídica necessita de três pressupostos sem os quais a sanção é de inexistência ou a de anulabilidade do casamento. 2.5. Validade do Casamento O casamento como negócio jurídico bilateral e solene é constituído por elementos de natureza substancial e de natureza formal.São condições de fundo: Aptidão natural para contrair o casamento, diferença de sexo. Idade púbel, saúde física, inexistência de impedimento previstos na lei, vontade de contrair o casamento, capacidade das partes. Capacidade matrimonial (idade núbil e ausência de impedimento) Mútuo consentimento: Condições de forma reportam – se ao processo preliminar que antecede o casamento e a forma solene e públicada celebração. O direito da família está ligado ao direito constituicional, a norma constante do n.º 2 do art. 119 CRM, protege de foma constitucional a familia, e a protege atraves das normas existentes - é fundamental no que se refere á regulação do casamento mas carece de normas da família que a ampliem e limitem. 2.6. Capacidade Matrimonial Historicamente a capacidade matrimonial varia de época para época e de cultura para cultura e tem havido medidas discriminatória, como por ex. o apartheid, a igreja católica que proibia o casamento com outras religiões. Modernamente estas prescrições opõem-se a direitos fundamentais do homem que são hoje nulas. A capacidade matrimonial, que não coincide com a capacidade de celebrar negócios jurídicos de outros ramos de direito, obedece aos fins específicos do casamento e aptidão para casar revela-se por condições de maturidade física e psíquica assim como por restrições impostas a pessoas ligadas por vínculos familiares por razões de ordem moral e até de eugenia. São portanto necessários os seguintes requisitos: a) Idade Núbil: a maturidade sexual é a condição biológica para celebração do casamento assim como há ainda que ter em conta a maturidade psíquica. A idade núbil atinge-se aos 18 anos, sendo excepcionalmente permitido o casamento com a idade inferior quando tal se mostrar preferível, sendo necessário autorização do representante ou representante legais do menor, e quando o homem tenha pelo menos 16 anos e a mulher no mínimo 15 anos, sendo assim a menoridade de 18 anos uma incapacidade relativa. No entanto a lei, por uma questão de preservação do casamento, e em caso de incapacidade matrimonial, não se fere de nulidade absoluta estes casamentos, permitindo mais tarde a sua convalidação. Quanto ao estado de saúde dos nubentes, o nosso código não faz referência a esse assunto pelo que não dá que fazer prova de aptidão física para o casamento. b) Impedimentos Matrimoniais São proibições de carácter excepcional art. 29 LF A lei exige legalmente a circunstância negativa de que não se verifiquem em relação aos nubentes quaisquer impedimento matrimonial, ou seja facto jurídico que obstam a realização do casamento, e que podem ser classificados como impedimento dirimentes (absolutos e relativo) que são aqueles que dirimem, destroem os efeitos do casamento e dos impedimento não dirimentes ou meramente impedientes, são aqueles cuja existência obstam a realização do casamento mas não afecta a sua validade. Impedimento Dirimentes absoluto 30º LF: dizem-se absolutos porque impedem a pessoa de se casar com quem quer que seja: E são eles: A demência: proibição de se casar para dementes funda-se em duas razões uma que é evitar que alguém que celebre o casamento não tendo a capacidade de discernimento para compreender esse acto e seus efeitos e a outra impedir que pessoas portadoras de taras psíquicas as vão transmitir à sua descendência. Este tipo de incapacidade abrange não só a interdição decretada por sentença judicial mas ainda a demência notória. O nosso código proíbe o casamento por demência quando esta seja notória ou no caso de interdição ou e inabilitação por anomalia psíquica. Impedimento Dirimentes Relativo art. 31º LF; embora designados de relativos estes impedimentos impedem absoluto o casamento dando origem à sua anulabilidade mas impede unicamente que duas pessoas casarem uma com a outra mas não impedem que casem com outrem. Impedimento Impedientes: o nosso código eliminou a referência a estes impedimentos embora no entanto no seu artigo 32º LF ao referir - se à capacidade matrimonial menciona não só os impedimentos previstos no código como ainda aqueles que venham a constar de lei especial, deixando-se assim em aberto a possibilidade de outras leis virem a condicionar o direito de contrair casamento. No código civil esses impedimentos impedientes eram os seguintes: Prazo Internupcial (art. 33 LF): como espaço de tempo que decorria entre a dissolução, declaração de nulidade ou anulação de um casamento e a data a partir da qual se podia celebrar novo casamento. Este prazo era de 180 dias para homens e 300 dias para mulher. A razão de ser deste impedimento fundava-se em razões de ordem social, para evitar que uma pessoa casasse logo de seguida a pôs ter terminado um casamento com outro. Em relação à mulher invocam-se razões como a incerteza a verdadeira paternidade do filho nascido nos 300 dias. O nosso código estabelece relativamente a este assunto uma presunção relativa de que a paternidade é do marido do casamento celebrado em último lugar. 2.7. O Consentimento É o segundo elemento consubstancial que integra o acto do casamento é o elemento psicológico e subjectivo: a vontade do nubente. O consentimento tem de ser dado pela pessoa do nubente, ninguém pode ser substituído, mesmo em caso do nubente ser menor, apesar de para isso ter de estar autorizado. No entanto é permitido que um dos nubentes esteja representado por um procurador, a lei impõe que a procuração seja de natureza especial, válida tão-somente para o acto de casamento, devendo mencionar expressamente o nome do outro nubente, art. 42º, n.º 2 LF e nunca se pode fazer representar os dois nubentes no mesmo tempo. O nosso sistema não admite os casamentos arranjados pela família pois, este tem de ser contraído com base na vontade dos nubentes. Não se admitem no casamento condições ou termos pois o casamento tem natureza imperativa e autonomia da vontade esgota – se com a escolha de casar ou não casar e com quem, casar. Para ser válido tem de ser actual ou seja no momento da celebração. 2.8. Casamento Urgente Tem natureza excepcional, art°. 44 LF-, e só nas situações que o legislador o admita: Fundado receio de morte próxima de um ou dois nubentes. Haja iminência de parto. Posteriormente terá de averiguar a capacidade matrimonial dos nubentes e o casamento urgente só é válido após despacho de homologação pelo funcionário do Registo Civil. Se não houver homologação o casamento é inexistente. 2.9. Nulidade do Casamento Aqui a regra é de que o casamento existe só que foi contraído com a violação de certas regras, e enquanto não for decretado nulo ele produz efeitos jurídicos. Segundo o art. 59 LF - sem ser declarada ela não é invocável, vício da nulidade terá portanto de ser declarado em acção judicial de natureza impugnativa. A doutrina distingue consoante os vícios do acto: Nulidade absoluta: afecta aqueles casamentos celebrados com violação de impedimento dirimentes absolutos ou relativo - este tipo de nulidade é invocável pelos cônjuges, por terceiro cujo interesse esteja protegido por lei e o Ministério Público porque violou um princípio de ordem pública. Exemplos casamentos incestuosos, de bigamia e de conjugicídio. Nulidade relativa ou mera anulabilidade: Os casamentos celebrados com violação de disposição meramente proibitiva e ou com falta ou vicio de vontade - só os cônjuges e os representantes do menor ou de interdito podem pedir a declaração de nulidade, embora o casamento mesmo ferido de nulidade pode ser validado. São os casamentos que contenham o vício de demência e de impuberdade. O critério de distinção dos dois tipos de nulidade é a de mais larga ou mais restrita a legitimação para a propositura da acção de anulação assim como de uma maior ou menor dilatação do prazo para a acção ser proposta. 2.9.1. Regime de Nulidade Art.71º- a sentença de nulidade poderá ter duas espécies de natureza: Natureza constitutiva, porque apesar do casamento ser declarado nulo este produz ainda alguns efeitos, art. 71 º LF - no caso de o casamento putativo. Natureza meramente declarativa a sentença sem que se produza qualquer efeitos. Os casos de anulabilidade vêm previstos no art. 60º LF. 2.9.2. Causas de Nulidade 2.9.2.1. Falta de Capacidade Matrimonial Falta de idade núbil: art. 30 LF- fixa a ideia núbil aos 18 anos e embora haja excepções estas têm de obedecer a lei. O casamento do menor não núbil está ferido de nulidade absoluta. Falta o vício da vontade: art. 61 LF são vícios que ferem um dos pressupostos de casamento que é o do mútuo consentimento. Prazos: o prazo de anulação revela também que a lei procura salvaguardar tanto quanto possível a estabilidade do casamento mesmo ferido de nulidade. Os prazos de invocação de nulidade são mais dilatados ou mais diminutos consoante a natureza e gravidade do vício art.67º LF. 2.10. Validação do Casamento É uma mão estendida da lei a favor de um casamento que foi celebrado com vícios com vista a salvaguardar a estabilidade da família assente no casamento, art. 52 LF 2.11. Efeitos da Anulação do Casamento 2.11.1. O Casamento Putativo (art. 71 LF) É o casamento celebrado nulo ou anulado mas cujos efeitos dessa nulidade ou anulabilidade não são retroactivos e só se fazem sentir após sentença transitada em julgado. Efeito em relação os filhos a declaração de nulidade do casamento é aqui juridicamente irrelevante art.163º LF. Efeitos em Relação a Terceiros (art. 71º n. °1 da LF): torna extensivo á terceiros os efeito do casamento putativo tal como é aplicado ao cônjuge de boa fé. Hoje em dia e por se terem alargado os fundamentos da dissolução de casamento por divórcio, as acções de anulação de casamento são em número cada vez menor, até porque estas são mais difícil de provar, no entanto os efeitos de uma e de outra figura são muito parecidos. CAPÍTULO III: DIREITO DA FAMILIA Nesse capítulo faremos a apresentação do conceito do direito da família, conceito de família e sua evolução ao longo do tempo, percebendo como as mudanças sócios históricas que produziram influências no conceito de família. Desse modo, o Direito de família tem passados por mudanças significativas, e sempre acompanhado as suas rápidas transformações. 3.1. Conceito de Direito da Familia Segundo GONÇALVES: O direito de família, se comparado a todos os outros ramos do direito, é o que encontra-se mais intimamente ligado à própria vida, afinal, os indivíduos no geral são providos de um organismo familiar. Para este autor, família é considerada como um instituto de realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo central de qualquer organização social. 32 Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla protecção do Estado. A Constituição mocambicana e o Código Civil a ela se reportam e estabelecem a sua estrutura, sem no entanto defini-la, uma vez que não há identidade de conceitos tanto no direito como na sociologia. Dentro do próprio direito a sua natureza e a sua extensão variam, conforme o ramo. 32 Gonçalves, Carlos Roberto, Direito Civil, volume 6: Direito de Famiia, 2010. Direito de família é o complexo das normas que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução destas as relações entre pais e filhos, o vínculo do parentesco e os institutos complementares da tutela e curatela. Podemos incluir nesse conceito a união estável, a adoção e ao divórcio. 3.2. Noção Jurídica de Família A expressao familia, eimologicamente, deriva do latim familia ae, designando o conjunto de escravos e servidores que viviam sob a jurisdicao do pater familias. Com a sua ampliacao tornouse sinonimo de Gens que seria o conjunto de agnados (os submetidos ao poder em decorrencia do casamento) e os cognados ( parentes pelo lado materno). A família em sentido amplo, “é constituída pelas pessoas que se encontram ligadas pelo casamento, pelo parentesco, pela afinidade e pela adopção” CAMPOS33. Portanto este autor entende que a família é uma comunidade particularmente propícia à realização pessoal. Ente nós, consta do nº 1 do art. 1 da Lei nº 10/2004, de 25 de Agosto, que aprova a lei de familia (LF), que “a família é a célula base da sociedade, factor de socialização da pessoa humana”. Portanto importa reter que a mesma tem mesmo entendimento se encontra em foque no art.º 119 da CRM, o qual reconhece e confere uma dignidade constitucional a família. O conceito de família para o estudo deste trabalho pode ser dividido em três vertentes uma mais jurídico-normativa, outra antropológica e por fim a que deve ser maior objeto de estudo neste projeto, a subjetivista. O autor GONÇALVES sustenta que: Que possui uma visão mais normativa do direito de família, disserta que os direitos de família são aqueles que existem por uma pessoa pertencer a uma determinada família, sendo classificado como cônjuge, pai, mãe ou filho, diferente dos direitos patrimoniais que tem valor pecuniário.34 O direito de família, contudo, pode ter atribuído a si conteúdo patrimonial, pois, é um ramo que disciplina não só as relações patrimoniais como também as patrimoniais. 33 CAMPOS, Diogo Leitede, Lições de Direito da Família e das Sucessões, 1997. 34 Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil, volume 6: Direito de Famiia, 2010 Entretanto MELLO: Entende que é comum não perceber que os laços que unem marido e mulher não são de origem consanguíneas, sendo então laços de afinidade que os unem em matrimônio. Tais laços de afinidade são de extrema importância para configuração da organização social de qualquer agrupamento humano. 35 Ao se falar de família, via de regra, surge logo o entendimento de uma unidade social composta de pessoas unidas por laços que podem ser afetivos ou sanguíneos. O doutrinador disserta ainda que o termo família é um termo vago, como será visto a seguir. Na família pode-se discernir varias instituições familiares, tais como: o namoro, o noivado, o casamento, a vida conjugal com todos os seus papéis (pai, mãe, filhos, sogros, etc.).No entanto, não se pode esquecer que as instituições familiares são universalmente reconhecidas, embora em cada sociedade elas assumam formas diferentes. O certo é que o termo “família” é um tanto vago e pode significar: a)o grupo composto de pais e filhos; b) uma linhagem patrilinear; ou uma linhagem patrilinear; c) um grupo cognático, isto é, de pessoas que descendem de um mesmo antepassado, seja através de homens ou de mulheres; d) um grupo de parentes e seus descendentes, que vivem juntos.”36 Segundo DIAS: A sociedade só aceitava o conceito de família instituído sob uma base matrimonial, por isso o ordenamento jurídico mocambicano só dissertava sobre casamento, as relações de filiação e o parentesco.37 As relações extramatrimoniais só começaram a ingressar no ordenamento por jurisprudência, contudo as relações homoafetivas não foram disciplinadas pelo Código Civil. O dever jurídico com a sociedade mudou, sendo necessário que a jurisprudência seja o maior aliado das mutações pelo qual a sociedade esta passando, seja no âmbito da família, da adoção ou até mesmo de sucessões. A família, ao longo da evolução história sofreu importantes transformações, sendo considerada por alguns povos antigos como um instituto de ampla importância. Para VENOSA: Nas primeiras civilizações como as assíria, hindu, egípcia, grega e romana, a família era uma entidade ampla e hierarquizada, sendo hoje quase de âmbito exclusivo de pais e filhos.38 35 Mello, Luiz Gonzaga, Antropologia Cultural: Iniciação, teoria e temas, 2009. Idem. 37 Dias, Maria Berenice, Manual de direito das famílias, 2013. 36 Com a evolução do instituto da família, confirma-se que os motivos para constituir a família mudaram, e é necessário um amparo jurídico legislativo para acompanhar o processo de evolução do instituto familiar. 3. 3. Evolução Histórica da Família Não há na história dos povos antigos e na aniguidade oriental como na antiguidade clássica o surgimento de uma sociedade organizada sem que se vislumbre uma base ou seus fundamentos na família ou organizacao familiar. 3.3.1. A Família do Direito Romano Foi antiga Roma que sistematizou normas severas que fizeram da família uma sociedade patriarcal. A fsamilia era organizada preponderamente, no poder e na posicao do pai, chefe da comunidade. WALD considera que: A família era, simultaneamente, uma unidade económica, religiosa, política e jurisdicional. Inicialmente, havia um património so que pertencia à família, embora admnistrado pelo pater.39 Na sociedade Romana, elistista e machista os poderes patriarcais eram numerosos. Como mostra os pricipios que vigiamà epoca: Jus vita ac necis (o direito da vida e da morte); Jus exponendi (direito de abandono); Jus naxal dândi (direito de dar prejuízo). No casamento Romano existiam duas possibilidades para a mulher: ou continuava se submetendo aos poderes de autoridade paterna (casamento sem manus), ou ela entrava na família marital e devia a aprtir deste momento obediência ao seu marido (casamento com manus.) 3.3.2. A Família no Direito Canônico Os canonistas eram totalmente a dissolucao do casamento por entenderem que não podiam os homens dissolver a união realizada por Deus e, portanto um sacramento. 38 VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil: Família, 2005. 39 WALD, Arnoldo. O novo Direito de Família. 15.ª Edição, Ver. Actual. E ampl. Pelo autor, de acordo com a jurisprudência e com o novo Codigo Civil, Pag. 12. Segundo WALD: Havia uma divergência básica entre a concepcao católica do casamento e a concepcao medieval. Enquanto para a Igreja em princípio, o matrimónio depende de simples consenso das partes, a sociedade medieval reconhecia no matrimónio um acto de repercussão económica e politica para o qual devia ser exigido não apenas o consenso dos nubentes, mas também o assentimento das famílias a que pertenciam.40 A evolução do direito canônico ocorreu com a elaboracao das teorias das nulidades e de como ocorreria a separacao de corpos e de patrimónios perante o ordenamento jurídico. Não se pode negar, entrentanto, a influência dos conceiitos básicos elaborados pelo Direito Canonico, que ainda hoje são encontrados no Direito. 3.4. Direito de Constituir Família Considerada em si mesma, a afirmação do Direito a constituir família significaria tão só, e já é muito, que qualquer pessoa tem o Direito de procriar. É este o sentido constituir família também corrente do casamento tradicional. Para o efeito, o art. 16º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, ao estabelecerem o direito de casar e de constituir família, invertem os termos do nº 3 do art. 1 da lei da familia. 40 WALD, Arnoldo, O novo Direito de Família, 15.ª Ediçção, Ver. Actual. E ampl. Pelo autor, de acordo com a jurisprudência e com o novo Codigo Civil, com a colaboracao da Prof. Piscila M. P. Correa da Fonseca, 2004. CAPÍTULO IV: APRESENTAÇÃO, ANALISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS 4.1. Âmbito Neste capitulo todos os institutos são relevantes para apreciacao do problema da nossa pesquisa, neste capitulo iremos desmonstrar a Definição, motivações e influências do Casamento Prematuro, Casamento prematuro, infância, Género e relações de poder, Aspectos jurídicos e político estratégicos envolvidos no casamento Prematuro, tendo refrencia a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, lei da família aprovada lei 10/2004 de 25 de Agosto, e o Código Civil. Autores que abordam o casamento prematuro na perspectiva da pedagogia de desenvolvimento, da psicologia e feminista concordam em afirmar que no contexto moçambicano a prevalência desta prática é legitimada por valores de ordem cultural. Segundo WILSA: “ Os mesmos são usados para justificar tal prática com motivações intrafamiliar que evocam a dimensão material (por parte dos promotores) e a dimensão simbólico moral (por parte da vítima) ”.41 FALEIROS considera que: Perspectivar o casamento prematuro como uma prática que viola os direitos da mulher enquadrada num contexto histórico, sociocultural, económico e ético moral. Considera-se, porém, que a perspectiva feminista apresenta limitações ao não abordar o casamento prematuro como um fenómeno autónomo que reflecte a violência estrutural característica das sociedades marcadas pela distribuição desigual de riqueza e pela relação assimétrica de poder.42 41 WLSA Moçambique, Revista Outras Vozes, págs.68-69. FALEIROS, E.T.S, Repensando os conceitos de violência, abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, pág.17. 42 Os autores que representam os estudos feminista eximem-se de abordar a complexidade das relações de subordinação que caracterizam as relações estabelecidas entre a criança e o adulto e; a infância e o mundo do adulto que em contexto de casamento prematuro são severamente influenciadas pelas dimensões de género, classe social, etnia, geração e, até, raça.43 Assim, a estratégia recomendável para analisar o casamento prematuro como prática que atenta contra os direitos humanos é abordar a criança como actor social e a infância como construção social com características específicas e não como objectos submissos, invisíveis e em trânsito para a fase adulta, por isso, confinadas ao espaço doméstico ou às instituições escolares como defendem as teorias de socialização e do desenvolvimento social. 4.2. Definição, Motivações e Influências do Casamento Prematuro Na análise de bibliografia e documentação de referência foram identificadas duas grandes abordagens teórico-metodológica consideradas úteis para o entendimento do casamento prematuro. A primeira analisa o grau de implementação das recomendações da Convenção Internacional dos Direitos da Criança a partir da análise culturalista e estrutural funcionalista da criança como categoria social. Ao analisarem o grau de implementação das convenções internacionais e do estabelecido no ordenamento jurídico-legal, atinente à promoção dos direitos da criança, estes autores fazem referência a factores socioculturais para explicar os constrangimentos enfrentados pelos actores que militam na área da protecção e promoção dos direitos da criança. BARROS e TAJÚ sustentam que: A ideia de que a condição da criança, em termos do exercício dos seus direitos, obrigações e direitos reflecte os papéis funcionais ou competências culturais prescritas e esperadas pela sociedade refere-se a um ser imaturo que precisa ser preparado para a vida adulta, prevalece criando condições para a exploração da noção do casamento prematuro.44 Esta perspectiva permite afirmar que o casamento prematuro é fundamentado pelo processo de socialização, na perspectiva durkheimiana, que aborda a infância como espaço social de preparação do indivíduo para a vida adulta. Neste espaço, estão sempre presentes interesses políticos estratégicos das estruturas familiares que asseguram a organização das mesmas e sua relação com o meio exterior. Por isso, a partir da 43 44 DE BARROS, J. & Tajú, G, Prostituição, Abuso Sexual e Trabalho Infantil em Moçambique, pág.7. De Barros, J. & Tajú, G. Prostituição, Abuso Sexual e Trabalho Infantil em Moçambique, pág.31. compreensão das lógicas que determinam o lugar que a criança ocupa na estrutura familiar e o seu espaço de actuação torna-se, a nosso ver, fácil compreender os factores que tornam o casamento prematuro um fenómeno que ocorre em regiões específicas do país com impacto severo na qualidade de vida da população feminina das zonas rurais. Os autores consultados que abordam a infância como uma das áreas de estudos sociais não consideram existir uma infância/criança universal. Por isso, tendo consciência da não existência de um conceito Universal de criança/infância. Estes autores, que afirmam que os papéis e espaços sociais de actuação das crianças são determinados em função das referências culturais do grupo no qual estas se encontram inseridas. Esse posicionamento remete-nos à discussão sobre a capacidade que as crianças têm para negociar seus interesses nos espaços que lhes são socialmente prescritos.45 O ponto de partida para a delimitação da noção de casamento prematuro passa pela harmonização do conceito criança. Sendo uma categoria social importante no processo de produção e reprodução de valores, normas e práticas culturais; a criança, conceitualmente apreendida e compreendida é vivenciada de maneira diversificada em função das representações e lógicas de vida dos grupos nos quais ela se encontra inserida. Sendo que o casamento prematuro constitui um fenómeno caracterizado pelo casamento tradicional entre indivíduos adultos do sexo masculino e raparigas na adolescência e pré-adolescência, que vivem em contextos socioculturais específicos. O casamento Prematuro é o reconhecimento das competências culturais e da capacidade do indivíduo exercer papéis sociais prescritos pelo grupo. Segundo o relatorio de SAVE CHILDREN: Não se pode abordar o casamento prematuro como uma prática exterior às referências socioculturais das comunidades porque ele acaba sendo um elemento estruturante das relações que são estabelecidas na família e entre os diferentes grupos familiares que constituem estas comunidades. 46 Entende-se por isso, que se deve ter em conta que, como prática cultural reiterada, o casamento prematuro não é visto pela comunidade como uma forma de violação dos direitos da criança emanados pelas convenções internacionais e pelas normas jurídicas internas instituídas para o efeito. 45 46 Mucavele et al,Pesquisa sobre crianças e mulheres chefes de família, 2002. Save the Children UK & Norwa, O que tem que ser feito para as crianças? 2006. As convenções internacionais sobre os direitos da criança e, especificamente, a Carta Africana dos Direitos e Bem-estar da Criança ratificada por Moçambique através da Resolução n.º 20/98 de 26 de Maio do Conselho de Ministros refere que o conceito de criança é consentâneo com a definição da Declaração Universal dos Direitos da Criança (DUDC) (Artigo 2) e, defende o princípio de prioridade nas acções relacionadas com a criança (Artigo 4). Este documento exige a protecção da privacidade da criança (artigo 10), a necessidade de protecção contra o abuso infantil (artigo 16), a proibição de casamentos prematuros e a promessa de casamentos a menores (artigo 21 n. ° 2) e insta os Estados a tomarem medidas contra todas as formas de exploração e abuso sexual artigo 27. 4.3. Casamento Prematuro, Infância, Género e Relações de Poder O casamento prematuro ainda não constitui objecto de estudo de pesquisas feministas em Moçambique, ele é abordado integrado pesquisas sobre relações de género e poder de forma abrangente onde este é apresentado como uma dos factores que limitam os direitos humanos da mulher. As contribuições trazidas pelos “estudos feministas”, ao analisarem a violência e abuso sexual contra mulher, permitem enquadrar o casamento prematuro como reflexo das relações desiguais de poder e dominação entre homens e mulheres nas sociedades de ideologia patriarcal. Foi referido, anteriormente, que a criança, categoria social, é considerada um ser subalterno que ocupa um lugar específico na estrutura da família e da comunidade. Ao analisar o grau de aplicabilidade dos direitos humanos e das mulheres, considera as dificuldades interpretação, aplicação e promoção dos direitos humanos das mulheres têm origem no facto da Declaração Universal dos Direitos Humanos ter sido instituída com base em modelo patriarcal como é o caso de todas as formas de violência exercidas no âmbito da família explicadas do ponto de vista da tradição cultural e do respeito à privacidade.47 Nesta perspectiva, o casamento prematuro é entendida como forma de violência da rapariga com efeitos directos no exercício da sua saúde sexual e reprodutiva. Deste modo pode-se abordar o casamento prematuro no âmbito da protecção dos direitos Humanos das mulheres, ainda que este artigo verse sobre os direitos da rapariga. Na abordagem de OSÓRIO: 47 OSÓRIO, C,Direitos humanos, direitos humanos das mulheres, In Direitos humanos das mulheres em quatro tópicos, 2000a. Destaca-se o facto de esta considerar que na DUDH a privacidade ser concebida como um campo de não intervenção do Estado, por isso, passível de ser regulada por práticas e valores sociais em conflito com o público.48 Esta afirmação é crucial para entendermos até que ponto se podem desenvolver acções e estratégias conducentes à inibição do Casamento Prematuro tendo como suporte o sistema jurídico que, como foi anteriormente anotado, não reflecte as práticas costumeiras relacionadas com a integração das crianças na estrutura familiar. Em Moçambique, o âmbito do privado constitui-se em torno de uma rede de parentesco alargada e complexa que fixa cada um dos seus membros a normas e posições rígidas (no sentido de não permeabilidade à mobilidade social) assumindo-se a privacidade como valor quase estruturante da organização social. Segundo ARNALDO: A privacidade, passa a ser um valor referente ao grupo que é orientado por padrões masculinos que determinam e legitimam a discriminação das mulheres nas relações sociais que estabelecem.49 Para MARCHI: Acrescido à discriminação da mulher, está o facto de a criança ocupar um lugar paralelo na estrutura familiar justificado pelo facto de não ser ainda considerada membro efectivo do grupo familiar a que pertence. 50 Em suma, a rapariga, como mulher e criança é duplamente discriminada. Como criança, ela não existe socialmente e, como mulher ocupa uma posição subalterna na estrutura familiar. Por isso, considera-se que o casamento prematuro é reflexo da sua dupla subalternidade (Criança /rapariga). Por outro lado, sendo o casamento prematuro o marco de ingresso na vida adulta que legitima os laços de pertença ao grupo familiar e comunidade, torna-se possível apoiarmo-nos nos autores dos estudos feministas para afirmar que o casamento prematuro constitui fenómeno que se desenvolve directamente ligado ao processo de construção da identidade feminina que salienta a subalternização da mulher. Isto pelo facto de esta ser mulher, e da rapariga pelo facto de ser “criança”. Segundo OSÓRIO “Como ocorre entre as mulheres adultas, as humilhações públicas tendem a atingir as vítimas como reflexo das normas social e culturalmente estabelecidas na sociedade”.51 48 49 Idem ARNALDO, C, Fecundidade e seus determinantes próximos em Moçambique: Uma análise dos níveis, tendências, diferencias e variação regional, pág.154. 50 Marchi, R, Infância, género e relações de poder: interpretações epistemológicas, pág.11. Neste âmbito, considera-se que as raparigas dispõem de espaço e instrumentos limitados e aceites para se protegerem dos casamentos prematuros. Este facto é fundamentado pela permanência da ideologia patriarcal que se matem nas estratégias de organização, distribuição, representação e controlo do papel e da função social da mulher na estrutura familiar. 4.4. Aspectos Jurídicos e Político Estratégicos Envolvidos no Casamento Prematuro A análise jurídica do casamento prematuro remete-nos não só à relação paradoxal, a ser explorada na vertente sócio cultural que influenciam e promovem o casamento prematuro como prática culturalmente reiterada, que existe entre o ordenamento moçambicana e as normas costumeiras que orientam as relações estabelecidas dentro da estrutura familiar nos diferentes grupos sociolinguísticos que compõem a matriz sócio cultural moçambicana como também à discussão sobre as implicações decorrentes da adesão do Estado de Moçambique às convenções internacionais que protegem e promovem os direitos das crianças. Tendo em conta o carácter específico no qual o casamento prematuro ocorre (relacionamento de carácter matrimonial entre homens adultos e raparigas menores de idade), a análise cruzada das políticas e estratégias do Governo que versam sobre a promoção e protecção dos direitos da criança e daquelas referentes a protecção e promoção dos direitos da mulher são cruciais para a identificação de elementos úteis para a inibição desta prática. Por exemplo, enquanto no contexto das normas costumeiras são eventos fisiológicos, e culturais e não a idade cronológica que determinam da idade núbil da rapariga, na ordem jurídica moçambicana 18 anos é o marco do início da idade adulta onde, por exemplo, o casamento é reconhecido (Artigo 30, nº. 1, alínea a) da Lei de Família, a maioridade do indivíduo só ocorre aos 21 anos. Este facto torna o casamento que envolva indivíduos com idade inferior a 18, legalmente inváido. Entretanto, sendo uma prática reconhecida e promovida por diferentes grupos sócios culturais, identificada pelas autoridades político-administrativas como atentatória dos direitos humanos da rapariga, os documentos políticos estratégicos que orientam as intervenções do Governo não tratam o casamento prematuro como uma das formas de violação dos direitos da criança e/ou da rapariga (mulher). 51 OSÓRIO, C, Violência contra a mulher, In Direitos humanos das mulheres em quatro tópicos, 2000b. O casamento prematuro não é elencado, de forma clara, na Lei contra a violência doméstica, como uma das formas de violência praticadas pelos membros adultos da família contra a criança. Conclui-se deste modo que o casamento prematuro fundamenta-se no processo de distribuição desigual de poder entre homens e mulheres. Para além dos factores considerados evidentes como motivadores como sejam referem-se aos altos índices de pobreza entre a população onde o fenómeno tende a ocorrer com mais frequência, baixo indicies de escolarização entre a população feminina das zonas rurais, dificuldades de acesso a serviços socais básicos, a atenção recai para aqueles que têm impacto nas estratégias de abordagem do fenómeno quadrados na promoção dos direitos da criança e da rapariga. 4.5. O Casamento Prematuro no Ordenamento Jurídico Moçambicano O casamento prematuro no ordenamento jurídico moçambicano como uma das expressões pouco percebida de abuso sexual e da violação dos direitos sexuais e reprodutivos da rapariga Contudo, percorrendo os dispositivos legais (Lei da Família) podemos constatar uma “almofada” que acomoda essa pratica, ao conceber no seu art. 30, n.º 2, da aso a esta pratica ao consentir que pessoas com menos de 18 anos e mais de 16 possam contrair casamento. Moçambique e parte de determinados tratados internacionais, aliáspodem encontrar por meio do art 18, n. º 3 da CRM, o qual preceitua que “o Estado tem o dever de assegurar a protecção dos direitos da mulher e da criança, conforme estipulados nas Declarações e Convenções Internacionais”. Sob o ponto de vista académico, é importante fazer o estudo sobre este tema, pois apresenta um pouco ou quase inexplorada no contexto das discussões sociológicas e de desenvolvimento sobre casamentos prematuros em Moçambique, que é a abordagem jurídica que analisa as Implicações da Violação dos Direitos Fundamentais dos Menores. Nesse sentido, a partir do que está exposto e analisado, lança-se importantes contributos para as autoridades de administração da justiça, lançam-se novos horizontes de pesquisa que, posteriormente ajudarão a compreender as subjectividades dos menores em situação forçada de casamento. A nível do universo e do nosso ordenamento jurídico em particular, o casamento é uma instituição consagrada para instituição familiar. Casamento Prematuro em Moçambique, tal como em outros países da região austral de África, é uma das principais formas de abuso e violação dos direitos da rapariga. Segundo UNICEF e FNUAP: É entre os países da África Austral e do Sul da Ásia onde se registam as maiores taxas de ocorrência deste fenómeno que afecta 36 por cento das mulheres entre os 20-24 anos casadas ou em união de facto que afirmam ter casado antes de atingirem os 18 anos de idade.52 Sendo prática cultural reiterada e aceite um pouco por todo o país, Moçambique é um dos países do mundo com os maiores índices de ocorrência de casamento prematuro que tendem a ocorrer com maior incidência nas zonas rurais. Segundo MISAU, UEM e FNUAP: Em 1987, 66.7 por cento da população feminina da zona rural que contraiu o primeiro matrimónio tinha menos de 19 anos de idade enquanto nas zonas urbanas a percentagem era de 41.5 por cento.53 De lá para cá este cenário pouco mudou como demonstram os dados do Inquérito Demográfico e de Saúde de 2003 que indicam que 74 por cento da população feminina casada entre os 20 e 24 de idade no ano da realização do inquérito tinha contraído o matrimónio antes da idade núbil. As motivações para esta prática estão associadas a factores socioculturais que, na nossa sociedade, promovem o casamento das raparigas logo após a primeira menstruação e antes da primeira relação sexual Por outro lado, a análise jurídica do Casamento Prematuro remete-nos à discussão sobre as implicações decorrentes da adesão do Estado de Moçambique às convenções internacionais que protegem e promovem os direitos das crianças.54 Partindo do pressuposto que ao aderir à convenções como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a convenção Internacional dos Direitos da Criança, a Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança, entre outras convenções, o Estado Moçambicano reconhece o princípio de universalidade dos direitos, assim como, a igualdade dos seres humanos. Torna-se, então, legítimo considerar como refere o artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos Humanos que em Moçambique todos os indivíduos têm a liberdade para contrair matrimónio 52 The United Nations Children’s Fund, União Interparlamentar: protecção da criança, Manual para parlamentares, 2004. 53 MISAU, UEM & FNUAP, Inquérito: Comportamento reprodutivo da mulher moçambicana, pág.2. 54 SARDC, ISRI, INE&PNUD, Relatório Nacional do Desenvolvimento Humano 2005, Desenvolvimento humano até 2015, alcançando os objectivos de desenvolvimento do milénio, 2006. desde que seja observado o princípio da consagração da idade núbil, Artigo 30 da Lei da Família consubstanciado ao artigo 122 do Código Civil. Esta declaração estabelece, ainda, o princípio da liberdade de escolha e consentimento de cônjuges. A legislação moçambicana defende o princípio de eliminação de qualquer forma de discriminação e exploração contra a criança pois, ao ratificar as convenções que protegem e promovem os direitos da criança, o Estado moçambicano aderiu ao princípio de liberdade e igualdade no tratamento dos direitos humanos das crianças. Considera-se assim, que as uniões de character matrimonial envolvendo menores de idade, sendo promovidas por adultos não têm enquadramento no ordenamento jurídico moçambicano (Ex: Código Civil, Lei da Família), é pois, neste âmbito que torna-se importante ter em consideração que neste artigo o casamento prematuro resume-se a relações de carácter matrimonial envolvendo indivíduo adulto de sexo masculino e menor de sexo feminino. A magnitude dos efeitos do casamento prematuro não é conhecida no país, porém, reconhece-se que o seu impacto está directamente relacionado com aumento: Da incidência da gravidez precoce e consequente aumento das taxas de morte materna (antes, durante ou nos 42 dias subsequentes ao parto) 3; Dos índices de abandono escolar entre as raparigas; Dos índices de pobreza entre a população feminina; e O casamento prematuro é definido como sendo uma união de carácter matrimonial que envolve pelo menos um indivíduo menor de idade.55 Em Moçambique, o casamento prematuro envolve, maioritariamente, raparigas com idades inferiores a 18 anos e indivíduos adultos de sexo masculino. Este facto realça as relações de dominação e subordinação que, no contexto moçambicano, orientam as relações entre adultos e crianças e entre indivíduos do sexo masculino e do sexo feminino. Contudo, por se tratar de casamento que envolve indivíduo menor de idade, o casamento prematuro não tem cobertura legal no âmbito do ordenamento jurídico moçambicano. Na sociedade moçambicana, o adulto tem o domínio sobre a criança e o homem sobre a mulher, afectando as relações conjugais e familiares decorrentes do casamento prematuro. 55 The United Nations Children’s Fund, Child and forced marriage, pág.9. Segundo SARDC, ISRI, INE e PNUD: O lugar subalterno que a rapariga casada prematuramente ocupa na relação conjugal e na família impede-a de negociar relações sexuais seguras; fazer opções acerca das suas necessidades de saúde reprodutiva; recorrer aos serviços de saúde e ainda, de optar pelo não abandono da escola.56 Assim, em Moçambique, o casamento prematuro constitui prática comum legitimada por factores culturais, sociais, económicos, religiosos, psicológicos e morais que violam os direitos da criança consagrados na Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Apesar do impacto que o casamento prematuro tem na vida de 20% das raparigas mais pobres do país com idade inferior a 19 anos, este continua à margem das prioridades de intervenção das instituições e organizações que militam em prol da promoção e protecção dos direitos da criança. Entretanto, o tráfico e a exploração sexual, consideradas práticas nas quais a dimensão mercantil é dos actores envolvidos na promoção dos direitos da criança bem como da imprensa. No actual contexto sociopolítico, o investimento na análise de factores socioculturais que determinam a maneira como os direitos, deveres e obrigações da criança são abordados na família e na comunidade pode resultar na identificação de boas práticas aplicáveis à inibição do casamento prematuro e promoção dos direitos da rapariga previstos na Constituição da República e nos instrumentos internacionais de que Moçambique é parte. A maneira como a sociedade concebe as categorias criança (actor) e infância, enquanto espaço de construção social, torna o casamento prematuro numa das expressões pouco percebida do abuso e da violação dos direitos sexuais e reprodutivos da rapariga, que reflecte a estrutura de poder que orienta as relações entre criança e adulto e homem e mulher. Deste modo, neste artigo MARCHI (p.15) A infância e o género apresentam-se como categorias sociais que espelham a dinâmica das relações assimétricas de poder e acção (consubstanciada na relação de dependência adulto/criança e homem/mulher) que estruturam e aproximam os seus universos sociais.57 O casamento prematuro pode constituir-se veículo de análise da posição que a mulher (rapariga) ocupa na estrutura familiar e as suas implicações, partindo do princípio que a família, como agente primário de socialização, produz e reproduz os elementos que integram o sistema sexo/género que fundamentam as sociedades tradicionais. O entendimento do casamento 56 SARDC, ISRI, INE&PNUD, Relatório Nacional do Desenvolvimento Humano, 2005, p.52. MARCHI, R. Infância, género e relações de poder: interpretações epistemológicas, p.15. 57 prematuro como mecanismo de representação da mulher (rapariga) (papéis e funções) na estrutura familiar permitirá palmilhar o caminho que se espera que culmine na identificação de estratégias e acções conducentes à inibição e; em última análise, erradicação do casamento sem que se ponham em causa os elementos fundamentais dessa mesma estrutura familiar. Os conceitos de poder e género, são abordados como variáreis que, quando associadas à categoria criança/ infância, produzem argumentos para o melhor entendimento do casamento prematuro, aqui entendido como uma prática imposta à criança (rapariga) e legitimada pelos princípios da sociedade de base patriarcal e reproduzida através do processo de socialização abordado na perspectiva durkheimiana. É nesta perspectiva, que as conclusões deste artigo são produto de uma releitura crítica do conceito de socialização na perspectiva estrutural-funcionalista que nos leva a compreender o carácter essencialmente político que envolve este conceito como processo que manipula o poder para assegurar a constituição e manutenção da ordem social. Por isso, tendo em conta que, na estrutura familiar e na comunidade, o casamento de raparigas tem uma função político-estratégica na integração e negociação de espaços sociais de acção na esfera privada e pública, este artigo sugere recomendações, estratégias para a sua inibição e erradicação desta prática. 4.6. Os Direitos da Rapariga na Ordem Jurídica Moçambicana Reconhecendo a urgência de tudo o que se refere aos direitos da criança. Segundo art°. 7 da Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, a efectivação dos direitos à vida, à saúde, à segurança alimentar, à educação, ao desporto, ao lazer, ao trabalho, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.58 A efectivação desses direitos compreende: A primazia de receber protecção e socorro em quaisquer circunstâncias; Precedência de atendimento nos serviços públicos; Preferência na formulação e na execução de políticas públicas na área social e económica; 58 Artigo 7º da Lei da Promoção e Protecção dos Direitos da Criança, aprovada pela Lei n.º 7/2008 de 9 de Julho (Assembleia da República) Afectação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a protecção à infância e à juventude. As medidas legislativas não se mostram suficientes para prevenir e reprimir as situações de violação dos direitos da mulher e rapariga, pois terão de ser acompanhadas de outras medidas de promoção e protecção das mulheres e raparigas vítimas de violação dos seus direitos, como a mudança de mentalidade das mulheres e dos homens sobre o papel, os direitos e deveres da mulher e sobre o reconhecimento dos direitos da rapariga e o seu respeito; a intervenção atempada dos serviços sociais sempre que ocorram casos de violação dos direitos das crianças, particularmente, quando é vítima dos seus familiares; a criação de condições para o emprego da mulher que não tenha fontes de rendimento ou esteja impedida pela família ou pela sua condição física ou de saúde de as ter; a criação de casas de abrigo para as vítimas. 4.7. Porque razões sujeitam as raparigas aos “casamentos”? As relações equiparadas ao casamento entre raparigas e adultos têm como base questões culturais e relações de poder entre homens e mulheres, adultos e crianças, onde as raparigas não gozam dos mesmo direitos que os rapazes e que o seu papel de mulher começa a ser desempenhado quando é entregue a um homem como sua “esposa”, logo que atinge a puberdade, ou seja, logo depois que aparece a primeira menstruação. Culturalmente, a rapariga nessa fase se torna uma mulher. CONCLUSÃO Entretanto, conclui-se que o casamento prematuro é um fenómeno que, ao ser definido apenas com base nos princípios e referências formais (políticas e estratégias sobre criança, normas jurídicas), não produz eco entre as comunidades que o praticam sob a capa de casamento tradicional ou costumeiro. Os factores transversais como os altos índices de pobreza entre a população das zonas rurais; os baixos índices de escolarização; as representações culturais, constituem os principais motivadores do casamento prematuro como prática culturalmente reiterada, e estes não bastam para a análise como fenómeno com influências sociais e económicas micro intra familiar e extra familiar. Os constrangimentos enfrentados pelos actores envolvidos na promoção dos direitos da criança e da rapariga em elaborar estratégias e políticas sensíveis à harmonização dos casamentos tradicionais e, a conivência dos líderes comunitários no processo que culmina com os casamentos, envolvendo raparigas menores de idade e, o mais grave, o interesse das raparigas em se tornarem económica e socialmente independentes, são alguns dos factores identificados como motivadores do casamento prematuro. O aparente interesse das raparigas pelo casamento pode estar relacionado com o facto da integração do indivíduo na vida adulta ter como referência eventos fisiológicos e culturais considerados relevantes para os indivíduos pertencentes ao mesmo grupo sócio-cultural. Assim, entende-se que, no caso das raparigas, a menarca (ainda que precoce), como um evento fisiológico de referência, indica que a mulher está preparada para o casamento. Por sua vez, o casamento é determina a passagem do indivíduo para idade adulta e, o nascimento do primeiro filho e efectiva o processo que formação da identidade e de pertença ao grupo. Os autores consultados que abordam a infância como uma das áreas de estudos sociais não consideram existir uma infância/criança universal. Por isso, tendo em mente a não existência de um conceito Universal de criança/infância apoiamo-nos nas asserções feitas. Os autores, ao afirmarem que os papéis e espaços sociais de actuação das crianças são determinados em função das referências culturais do grupo no qual estas se encontram inseridas remetem-nos à discussão sobre a capacidade que as crianças têm para negociar seus interesses nos espaços que lhes são socialmente. Como já foi acima referido, no ordenamento jurídico moçambicano a categoria criança refere-se a indivíduos com idade não superior a 18 anos e a maioridade atinge-se aos 21 anos de Idade. Em termos práticos, os indivíduos até aos 18 anos dependem de um indivíduo adulto para negociar os seus interesses e espaços de actuação cabendo a estes proteger os seus direitos. Entretanto, no contexto sócio-antroplógico esta dependência torna-se mais visível uma vez que a idade cronológica do indivíduo é menos relevante que os eventos vividos como parte do grupo a que pertence (nascimento, ritos de iniciação, casamento, viuvez, catástrofes, etc.) e que marcam os estágios cronológicos da sua vida. Relativamente à capacidade de negociação de papéis e espaços, os autores consultados e a informação colhida através dos entrevistados afirmam que a infância como espaço de actuação social não permite diálogo entre crianças e adultos. O casamento prematuro acaba sendo definido como uma estratégia de emancipação económica e social da rapariga e o mecanismo de estabelecimento de redes de solidariedade intra e interfamiliar. Doravante, surge a questão da identificação de estratégias que inibam o casamento prematuro. Assim, o primeiro ponto de convergência identificado como resultado da confrontação da informação contida na bibliografia, documentação e depoimentos refere-se ao facto do casamento prematuro constituir prática comum nas zonas rurais, especialmente nas províncias da região centro e norte. Em alguns casos, faz-se referência aos casamentos herdados, quando a rapariga é prometida pelos progenitores, ao pretenso marido (adulto), antes do seu nascimento. A primeira motivação apontada, quer na bibliografia consultada como na documentação e relatórios, está relacionada com a prática de ritos de iniciação. A segunda motivação tem a ver com interesses económicos da família da rapariga que pode optar pela troca da rapariga pelo dote lobolo. Este pode ser pago previamente em gado, bens ou em dinheiro, uma vez que esta tem valor económico como mão-de-obra e reprodutora. Torna-se muito importante referir que devido ao alto índice de pobreza nas zonas rurais, algumas raparigas aceitam o casamento prematuro como estratégia para adquirir estabilidade e status social uma vez que a mulher casada é protegida pela família do marido. A terceira motivação está relacionada com o baixo índice de escolarização da população feminina jovem residente nas zonas rurais que limita as alternativas de sobrevivência na idade adulta, sendo, por isso, o casamento - uma das únicas saídas, aparentemente, viáveis legitimadas pela família e comunidade. Finalmente, o casamento prematuro pode ser constituído como uma das consequências da gravidez na adolescência, uma vez que é comum os pais exigirem responsabilidade por parte do pai e sua família em cuidar da criança e da jovem. Nestes casos, o casamento é realizado mesmo sem o consentimento da jovem que se sente obrigada a casar. Deste modo, constata-se que existe uma relação directa entre a prática dos ritos de iniciação e a incidência de casamento prematuro. Finalmente, o fraco acesso aos serviços primários básicos (preventivos) no âmbito da saúde sexual e reprodutiva da rapariga é também apontado como uma das causas motivadoras da alta incidência do casamento prematuro entre raparigas residentes nas zonas rurais. Por outro lado, o facto de no ordenamento jurídico moçambicano o casamento prematuro não ser apresentado de forma clara torna difícil sanciona-lo não permitindo enquadralo como infracção. Por outro lado, dificulta a harmonização de intervenções atinentes ao seu controle e inibição e a consequente penalização dos danos decorrentes da prática relações sexuais com menor de idade quando ocorram no âmbito da união do tipo matrimonial. RECOMENDAÇÕES As instituições envolvidas na protecção e promoção dos direitos da rapariga vêm desenvolvendo acções com o objectivo de assegurar-lhe o acesso aos recursos e serviços que permitam a melhorar as suas estratégias de sobrevivência. Todavia, como prática que enfatiza o papel subalterno da rapariga (criança e mulher) na estrutura familiar, o casamento é abordado como um fenómeno com motivações intra e extra-familiares que reflecte o papel da família como agente socializador com a função de definir regras de conduta, dependentes do sexo /género e idade. O Processo de definição de lugares na hierarquia familiar e de reprodução de valores e comportamentos construídos com base no direito costumeiro tende a atentar contra os direitos humanos convencionados pelas normas jurídicas instituídas pelos Estado moçambicano. Ao abordar questões relacionadas com a violência contra mulher, aponta o abuso sexual e molestamento como factores com impacto no aumento da incidência dos índices do casamento precoce contribui e, consequentemente do casamento prematuro, uma vez que a gravidez na adolescência influencia o índice dos casamentos na adolescência. É por isso que reconhecendo os efeitos negativos do casamento para o desenvolvimento da rapariga e na qualidade de vida das comunidade onde este o corre são apresentadas as seguintes recomendações: Envolvimento dos conselhos comunitários nas Intervenções para a promoção dos direitos da criança visando inibir e mitigar o casamento: Promover a participação das madrinhas (ritos de iniciação) dos representantes da medicina tradicionais, líderes em acções de promoção dos direitos da rapariga visando o adiamento da primeira relação sexual e assegurando a sua permanência na escola Efectuar um estudo sobre incidência, áreas de ocorrência e perfil das comunidades e famílias que praticam o Casamento prematuro, de modo a identificar estratégia para a sua inclusão na Lei sobre violência doméstica de modo a penaliza-lo: Uma estratégia que pode contribuir para a inibição do casamento prematuro é a integração de possíveis eventos relacionados com a promoção do casamento prematuro como forma de violência doméstica punível por lei. Para permitir que a família se transforme num agente de protecção e promoção dos direitos da criança (rapariga), harmonizar conceitos, estratégias de intervenção:O governo e sociedade civil devem harmonizar conceitos e estratégias de intervenção de modo a identificar áreas prioritárias de intervenção que permitam o reconhecimento de referências socioculturais que determinam a evolução comportamental e cronológica dos indivíduos. Estimular a sociedade civil para fazer advocacia para aprovação de instrumentos jurídicos que desencorajam o casamento prematuro. Desenvolver programas que atribuam incentivos às famílias que assegurem a permanência da rapariga na escola, pelo menos até a conclusão do Ensino Secundário Básico: Permitir que, através da alocação de recursos com impacto directo no rendimento familiar, a presença da rapariga na escola signifique status e acesso às fontes alternativas de rendimento. Alargar os serviços de assistência aos adolescentes e jovens para a assegurar que a rapariga tenha acesso a informação sobre saúde sexual e reprodutiva. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDUL, J., Direito de Família, Maputo, INLD, 2005. ARNALDO, C, Fecundidade e seus determinantes próximos em Moçambique: Uma análise dos níveis, tendências, diferencias e variação regional, Maputo, texto Editora, 2007. ALEXANDRINHO, Os Direitos humanos em África, 1.ª edição, Coimbra Editora, S.A., Lisboa, 2001, Pág. 18. BOBBIO, Norberto, A era dos direitos, 12.ª tiragem. Rio de Janeiro, Campus, 1992. COMPARATO, Fábio Konder, A afirmação histórica dos direitos humanos, 2.ª tiragem, 3.ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003. COELHO, F. P. e OLIVERA, G. de, Curso de Direito da Família: Introdução Direito Matrimonial, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, p. 173. DIAS, Maria Berenice, Manual de direito das famílias, 9.ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2013. 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