Revista Brasileira de Geografia Física 01 (2011) 161-173 Revista Brasileira de Geografia Física ISSN:1984-2295 Homepage: www.ufpe.br/rbgfe A Formação de Dolinas em Áreas Urbanas: o Caso do Bairro de Cruz das Armas em João Pessoa-PB Max Furrier 1, Saulo Roberto de Oliveira Vital 2 1 Professor Adjunto do Departamento de Geociências da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: [email protected] Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] 2 Artigo recebido em 16/11/2010 e aceito em 01/02/2011 RESUMO Evidências de dolinas são bastante comuns na cidade de João Pessoa-PB, mas ainda pouco estudadas. As dolinas são consideradas depressões fechadas, circulares, associadas a rebaixamento topográfico coadjuvado por fenômenos cársticos de sub-superfície, caracterizando um carste inumado. Assim como as encostas e os vales entalhados, as dolinas também são alvo da intensa ocupação nas cidades por parte da camada social menos favorecida, tendo em vista, serem áreas bastante deprimidas e susceptíveis a enchentes. A partir de então, esta pesquisa tem como objetivo, identificar os principais fatores de predisposição do terreno para criação de relevo do tipo carste, exclusivamente as dolinas e os riscos associados. Para isso, foram levantados dados sobre o embasamento geológico a partir do mapa geológico do Estado da Paraíba, e informações sobre a morfologia do terreno, coletadas a partir do radar SRTM (Shuttle Radar Topography Mission), além das observações de campo. Como produto, obteve-se os Modelos Digitais do Terreno, por meio dos quais se tornou possível realçar as evidências de subsidência do relevo local, corroborado pelas informações sobre a geologia local, marcada por uma intensa interação dinâmica entre as Formações Barreiras e Gramame (Subbacia Sedimentar Alhandra). Concluiu-se que os planos de falha existentes nos calcários da Formação Gramame contribuem de forma conspícua para percolação da água nessa formação, perfazendo uma reação química capaz de dissolver o calcário, rebaixando a Formação Barreiras que se encontra sobreposta, dando origem a depressões circulares. Palavras-Chave: Dolinas, Formação Gramame, Formação Barreiras, João Pessoa. The Formation of Dolines in Urban Areas: The Case of Cruz das Armas in João Pessoa-PB ABSTRACT Evidence of dolines are much common in João Pessoa, the capital of the state of Paraíba, but they are still poorly studied. The dolines are considered to be closed and circled depressions, associated to a topographic smoothing assisted by subsurface karstic phenomenons, characterizing an inhumed karst. As well as the slopes and the carved valleys, the dolines are also intensively occupied in the city by people who are less favoured, what represents a serious problem considering that these are depressed areas and susceptible to flooding. The research aims to verify the major factors of the terrain susceptibility to the karst features formation, exclusively the dolines, and the associated risks. In view of this objective, the geological basement data were gathered from the geological map of the State of Paraíba and the terrain morphological information were collected from the SRTM radar (Shuttle Radar Topography Mission), besides the observations of the fieldwork developed. As result, the Digital Terrain Models were achieved enabling to present the evidences of the local subsidence features, corroborated by the information about the local geography marked by a intense dynamic interaction between Barreiras and Gramame Formation (Alhandra Sedimentary Sub-Basin). The analysis showed that the failed plans presented in the limestones of the Gramame Formation contribute evidently to the percolation of water on this formation totalizing a chemical reaction able to dissolve the limestone, lowering the superposed Barreiras Formation, what give rise to circular depressions. Key-Words: Dolines, Gramame Formation, Barreiras Formation, João Pessoa. * E-mail para correspondência: [email protected] (Furrier, M.). Furrier, M.; Vital, S. R. O. 161 Revista Brasileira de Geografia Física 01 (2011) 161-173 bastante solúvel (Kohler, 2007). 1. Introdução De acordo com Oliveira (1997) o carste O constante contato entre a água e estas é caracterizado como uma zona potencial de rochas produz diversas aberturas que podem riscos geotécnicos, à medida que a ocupação se manifestar através de formas endocársticas desordenada pode acelerar o processo de e exocársticas. Exemplos típicos de formas colapso e subsidência do solo urbano. Este endocársticas são as cavernas. As formas tipo de modelado se desenvolve sobre áreas exocársticas ocorrem por meio constituídas por rochas calcárias e dolomíticas processo que envolve a concentração de água que possuem como característica principal a e fácil dissolução quando posta em contato com formando feições como dolinas e uvalas, a água. sendo esta última uma espécie de coalescência Um dos parâmetros mais importantes na consequente dissolução do de um calcário, das dolinas. identificação de uma dolina é a sua própria Karmann (2009) considera que as morfologia. Em geral, apresentam-se como dolinas são associadas a drenagens centrípetas estruturas bastante e representam feições de relevo bastante deprimidas em relação ao nível de base local, típicas de drenagens cársticas, podendo se podendo ser classificada como uma bacia manifestar como dolinas de colapso e dolinas fechada. de dissolução, variando em diâmetro e em Outro semicírculo, fator importante para a profundidade. identificação deste tipo de relevo diz respeito Outro fator muito importante que age ao seu processo de formação, evidenciado determinando o grau de dissolução das rochas pela susceptibilidade da rocha à dissolução em ambientes cársticos é o clima. Geralmente química. em Para formação deste tipo de regiões tropicais ocorre dissolução morfologia, incluindo também o caso das elevada, enquanto na zona temperada ocorre dolinas, é preciso que haja três fatores de dissolução em grau menor, pois a temperatura predisposição do terreno: rocha solúvel com da água influencia diretamente no gradiente permeabilidade de de dissolução. fraturas, relevo com gradientes hidráulicos moderados a altos e Outra típica manifestação de relevo clima com disponibilidade de água, neste cárstico são os pseudocarstes. Kohler (2007) caso, clima tropical úmido (Karmann, 2009). conceitua pseudocarste como sendo uma A reação que contém a água como feição topográfica do tipo carste, não agente degradante das rochas calcárias, ocorre elaborada por processos de desgaste químico a partir da retenção do gás carbônico por meio e abatimento físico. Para Bigarella (1994), são da água, reagindo em contato com o calcário e todas aquelas feições que apresentam formas formando bicarbonato de cálcio, substância típicas de terrenos cársticos como: marmitas, Furrier, M.; Vital, S. R. O. 162 Revista Brasileira de Geografia Física 01 (2011) 161-173 uvalas etc., sem precisar necessariamente ser Este trabalho podem ocorrer em arenitos ou quartzitos. Isto morfometria da Lagoa Antônio Lins, e nos leva a crer que a conceituação de carste verificar a hipótese de que essa lagoa tenha está mais ligada à morfologia do que aos sua gênese relacionada a formação de uma processos de origem do mesmo. Para Hart dolina de dissolução. em morfologia e . termos de portanto, do O bairro de Cruz das Armas pertence ao processo de formação. Esta definição não município de João Pessoa-PB que está depende da litologia ou dos processos localizado na Mesorregião da Mata Paraibana. formadores, mas se atém somente as formas Situa-se entre os limites dos bairros de resultantes. Jaguaribe ao norte, Oitizeiro ao sul, ao leste morfologia, somente a objetivo levantar estabelecida sobre como elaborada em rochas calcárias, ao contrário, (2003) a definição de carste deve ser dados tem independente, 1.1 Localização da área de estudo Nas áreas onde ocorrem pseudocarstes, com o Cristo Redentor e ao oeste com o são encontradas evidências que caracterizam bairro da Ilha do Bispo, entre as coordenadas este ambiente como sendo um ambiente de expostas abaixo (Figura 1). natureza cárstica, a exemplo de diáclases, marmitas e caldeirões. No caso das diaclases, elas abrem caminho para um processo inicial de transformação da paisagem, já que pelas suas fraturas a ação do intemperismo químico e biológico é facilitada. Neste sentido, a água é um agente que possui importância fundamental no processo de formação do ambiente cárstico. Para Hart (2008), o carste é um tipo de paisagem, onde o intemperismo químico, através da dissolução da rocha encaixante, determina as formas de relevo. A ação do intemperismo físico também se constitui como de bastante importância Figura 1. Mapa de localização do bairro de para a formação de ambientes cársticos, a Cruz das partir do momento em que abre caminho para Silveira. Armas. Organização: Thyago ação direta dos agentes químicos e biológicos, acelerando o processo de dissolução da rocha exposta (Toledo et al., 2008). Furrier, M.; Vital, S. R. O. O bairro de Cruz das Armas é um dos mais antigos da cidade de João Pessoa e sua 163 Revista Brasileira de Geografia Física 01 (2011) 161-173 origem remonta das primeiras décadas do extraídos do Mapa Geológico do Estado da século XX, como importante vetor de Paraíba publicado pelo CPRM (Serviço expansão da cidade, juntamente com a Geológico do Brasil) no levantamento sobre a Avenida Epitácio Pessoa. A partir de então, o Geologia e os Recursos Minerais do Estado bairro passou a ser uma importante zona de da interligação entre o centro, onde se originou a geomorfológicos obtidos de Furrier et al, cidade, e as BR 230 e BR 101, tornando-se (2006) e Furrier (2007). Os dados altimétricos umas das principais portas de entrada da foram obtidos através das imagens do Radar cidade de João Pessoa (Leandro, 2006). Interferométrico Paraíba (2002), SRTM e os (Shuttle dados Radar A ocupação mais acentuada veio a Topography Mission) contidas na folha ocorrer de fato a partir dos anos de 1960, 07_36_ZN, disponível no Banco de Dados coincidindo com o apogeu da expansão Geomorfométricos urbana, que se deu de forma bastante (TOPODATA/INPE). acelerada na maioria das capitais brasileiras. Neste período, cidades populações vizinhas, sobretudo oriundas do do Brasil Para obtenção das coordenadas de de localização e mapeamento da morfologia interior cárstica, foi utilizado um GPS modelo MAP paraibano, passaram a ocupar diversos setores 76S. As informações obtidas da cidade de João Pessoa, inclusive o bairro processadas em ambiente SIG. foram de Cruz das Armas. Neste entremeio, foram ocupadas áreas impróprias como as várzeas e 3. Resultados e Discussão terraços fluviais do rio Jaguaribe e as Através das informações do SRTM foi depressões cársticas (dolinas), a exemplo da possível construir um Modelo Digital do área de estudo deste trabalho. Terreno (MDT), hierarquizando 16 classes de altitude (Figura 2). Este modelo do terreno 2. Material e Métodos auxiliou na identificação e compartimentação Através de avaliação em campo, foi geomorfológica do bairro, onde, através da possível a primeira observação direta da qual se tornou possível, também, a construção morfologia cárstica na área de estudo, através de um perfil topográfico da depressão em da qual se tornou evidente o acentuado questão, que possibilitou avaliar e quantificar desnível do centro do terreno em relação às os desníveis acentuados do terreno. As adjacências. Para corroborar esta hipótese informações sobre o embasamento geológico foram levadas em consideração informações e sobre a geomorfologia da área serviram para sobre a geologia, geomorfologia e altimetria corroborar do terreno. Os dados geológicos foram observada ser uma dolina. Furrier, M.; Vital, S. R. O. a hipótese da morfologia 164 Revista Brasileira de Geografia Física 01 (2011) 161-173 Figura 2. Modelo Digital do Terreno do bairro de Cruz das Armas e traçado do perfil topográfico da depressão onde está inserida a lagoa Antônio Lins, João Pessoa-PB. Fonte de Dados: Banco de Dados Geomorfométricos do Brasil (TOPODATA/INPE) <http://www.dsr.inpe.br/topodata/>. Organização: Saulo Vital. Após o trabalho de campo e o as cotas altimétricas tenderiam a se apresentar processamento em ambiente SIG dos dados semelhantes, pois a morfologia predominante levantados a partir do SRTM, foi possível na área é a de baixos tabuleiros com topos identificar e quantificar a existência de um planos, deixando claros indícios de uma forte desnível existente no setor centro-sul do considerável subsidência. bairro de Cruz das Armas, numa área popularmente denominada bairro se encontra totalmente lagoa assentado sobre um considerável tabuleiro, Antônio Lins. Este forte desnível do terreno fortemente dissecado em suas bordas leste e se encontra num ponto onde, provavelmente, oeste, onde são encontradas diversas zonas de Furrier, M.; Vital, S. R. O. como O 165 Revista Brasileira de Geografia Física 01 (2011) 161-173 ressurgência formando “bicas” e “fontes”. No das informações contidas na imagem SRTM, bairro de Oitizeiro, que também se encontra tornou-se possível estimar o valor aproximado assentado sobre um tabuleiro, e é vizinho ao de altura e largura de toda depressão, onde bairro de Cruz das Armas, encontra-se a lagoa está contida a lagoa Antônio Lins, chegando do Buracão, que foi caracterizada por Santos aos valores de aproximadamente 14 metros de (2005) como uma bacia fechada, mostrando profundidade e 350 metros de diâmetro características similares à lagoa Antônio Lins. (Figura 3). Através da análise em SIG, valendo-se Figura 3. Perfil topográfico da depressão onde está inserida a lagoa Antônio Lins. Organização: Saulo Vital. De acordo com White (1988), para medir a forma em perfil de dolinas (suave ou íngreme), utiliza-se a razão 0,04, caracterizando um perfil suave. De acordo com Sallun Filho e Karmann P/D (2007), a definição da forma em perfil de (profundidade/diâmetro), sendo consideradas dolinas são bons indicadores quanto a sua dolinas, poljes, corredores e canyons (quando gênese. Em geral, dolinas pouco íngremes menor ou a igual a 1), indicando um perfil devem mais largo que fundo, portanto suave. Por dissolução, enquanto as dolinas bastante outro lado, pode-se considerar outros tipos de íngremes foram originadas a partir do formas a exemplo de chaminés, poços, fenômeno de abatimento e colapso. abismos e fendas (quando maior que 1), sendo então um perfil íngreme. A sua origem aos determinação processos deste de índice morfométrico, indica que a dolina Antônio Ao aplicar este índice, utilizando-se dos Lins apresenta amplas feições de uma dolina dados gerados pelo perfil no software ArcGis de dissolução. Vale ressaltar que, devido ao 9.2 disponível no Departamento de Ciências processo de assoreamento que esta área vem Geográficas da UFPE (Universidade Federal sofrendo, de Pernambuco), tem-se que: P/D = 14/350 = densamente ocupada, restando apenas uma Furrier, M.; Vital, S. R. O. toda a depressão encontra-se 166 Revista Brasileira de Geografia Física 01 (2011) 161-173 pequena parcela da lagoa. Desta forma, o nível do mar no Cretáceo Superior, há perfil representa toda a área rebaixada e não aproximadamente 65 M.a. apenas a lagoa. A Formação Maria Farinha representa a continuação 3.1 Caracterização geológica e geomorfológica sequência Gramame, calcária sendo da diferenciada apenas pelo seu conteúdo fossilífero, que é O bairro de Cruz das Armas se encontra totalmente Formação da inserido sobre os tabuleiros considerada de idade paleocênica-eocênica inferior (Mabesoone, 1994). Apresenta dissecados da Formação Barreiras na Bacia espessura máxima de 35 m, provavelmente Sedimentar erodida em parte pela exposição subaérea Pernambuco-Paraíba que é subdividida em várias sub-bacias onde estão anterior inseridas continentais da Formação Barreiras (Leal e as respectivas unidades litoestratigráficas Beberibe, Gramame e Maria à deposição dos sedimentos Sá, 1998). Farinha. É importante ressaltar que, o Os sedimentos da Formação Barreiras entendimento da interação dinâmica entre provêm basicamente dos produtos resultantes ambas da as camadas é de substancial ação do intemperismo sobre o importância para a compreensão da gênese de embasamento cristalino, localizado mais para dolinas, o interior do continente. No estado da Paraíba, exclusivamente no tocante às Formações Gramame e Barreiras. este embasamento é composto pelas rochas A unidade litoestratigráfica basal da Bacia Sedimentar cristalinas do Planalto da Borborema. Pernambuco-Paraíba é Gopinath, Costa e Júnior (1993) em análises denominada de Formação Beberibe. Essa sedimentológicas realizadas na Formação unidade é representada por um espesso pacote Barreiras, no estado da Paraíba, constataram de arenitos com granulação variável e com que as fontes dos sedimentos seriam granitos, espessuras médias de 230 a 280 m, e máxima gnaisses de 360 m (Leal e Sá, 1998). predominantemente Superposta à Formação Beberibe, repousa, de forma concordante, a Formação e xistos, que são litologias do Planalto da Borborema. De acordo com Brito Neves et al., Gramame. Essa unidade carbonática de (2009), ambiente marinho raso possui espessura geológica W-E entre Alto da Boa Vista e média inferior a 55 m, dos quais mais de dois Tambaú, existem porções onde a Formação terços calcários Gramame não é encontrada, como é o caso da argilosos cinzentos (Leal e Sá, 1998). Esta área que compreende o bairro Alto do Mateus camada foi depositada a partir da subsidência em João Pessoa. No entanto, nas zonas onde lenta do continente e consequente elevação do esta formação é encontrada, ela se apresenta são representados Furrier, M.; Vital, S. R. O. por em diversos pontos da seção 167 Revista Brasileira de Geografia Física 01 (2011) 161-173 bastante falhada, influenciando conspicuamente a espessura e o relevo da Formação Barreiras. formações sotopostas. A disposição dos calcários na área metropolitana de João Pessoa apresenta Segundo Brito Neves (2004) apud estratificação sub-horizontal, não muito Furrier et al., (2007), o relevo da borda pronunciada, grosseira, em bancos ou então oriental do estado da Paraíba está sendo formando massas compactas, apresentando explicado fraturamentos recentemente por estudos de e dissolução subterrânea tectônica regional cenozoica, originadas por (Lummertz, 1977). Estes planos de falha reativações de antigas falhas no embasamento contribuem cristalino do Proterozoico. Furrier et al, desencadeando uma reação química capaz de (2006) e Furrier (2007), constataram que o dissolver lentamente o calcário, dando origem relevo esculpido sobre a Formação Barreiras a dolinas de dissolução (Figura 4). para percolação da água está fortemente atrelado aos falhamentos das Figura 4. Seção geológica W-E na porção Alto da Boa Vista para a praia de Tambaú, baseada em dados de vários poços tubulares profundos. Notar o intenso falhamento na Formação Gramame. Fonte: modificada de Brito Neves et al., 2009. Lehmann (1932) apud Bigarella (1994) destaca a importância do papel da circulaçãoda água subterrânea nas juntas e Furrier, M.; Vital, S. R. O. fraturas da rocha calcária, relacionando as estruturas com as feições superficiais do relevo cárstico. 168 Revista Brasileira de Geografia Física 01 (2011) 161-173 Em diversas regiões da cidade de João decorrência de suas características Pessoa foram descritas outras superfícies morfológicas, sendo consideradas, portanto, rebaixadas, mas sem estudos pormenorizados áreas de risco à ocupação humana. e quantitativos. De acordo com dados disponíveis em Estas feições podem ser denominadas Melo et al., (2001) através de poços como bacias fechadas, pelo fato de que, o perfurados pelo DNOCS-PB (Departamento escoamento superficial que se acumula em Nacional de Obras Contra as Secas), na região seu interior, não se comunica por meio de do 15º Batalhão de Infantaria em Cruz das uma rede superficial com outros cursos Armas, o calcário da Formação Gramame se d’água. No entanto, tipicamente, possuem a encontra competência sedimentar de 30 metros de espessura de criar ressurgências nas recoberto uma composta água conectando-se aos rios e riachos mais evidenciando uma espessura mais delgada, já próximos. que esta formação tem em média 50 metros de bastante bacias fechadas susceptíveis a são unidades enchentes, Formação camada adjacências, formando pequenos fluxos de As pela por Barreiras, espessura (Tabela 1). em Tabela 1. Poços perfurados pelo DNOCS-PB (vários anos), destacando a profundidade da Formação Barreiras e Gramame na região do 15º Batalhão de Infantaria. Notar que nessa localidade a espessura da Formação Barreiras é inferior. LOCALIZAÇÃO PROF. TOTAL (m) Parque de Exposição de animais (Bairro Cristo (Bairro Cruz das Armas) (ESPESSURA) Formação Barreiras (37m) 110 Redentor) 15 Batalhão de Infantaria LITOLOGIA Formação Gramame (48m) Formação Beberibe (25m) Formação Barreiras (30m) 81,5 Formação Gramame (45m) Formação Beberibe (?) Formação Barreiras (40m) CEASA (BR-230) 67 Formação Gramame (18m) Formação Beberibe (5m) Formação Barreiras (48m) CAMPUS DO UNIPÊ 120 Formação Gramame (53m) Formação Beberibe (19m) Fonte: modificado de Melo et al., (2001) Furrier, M.; Vital, S. R. O. 169 Revista Brasileira de Geografia Física 01 (2011) 161-173 Figura 5. Distribuição das localidades perfuradas. Organização: Saulo Vital. A Formação Gramame alcança 20 km rebaixamento topográfico coadjuvado por de extensão no sentido leste-oeste da Bacia fenômenos Sedimentar Sua caracterizando uma dolina, é um fenômeno abrangência contempla amplamente a área de que merece maior atenção e aprofundamento estudo, sendo base para um dos maiores por parte dos estudos geomorfológicos, pontos de extração de calcário da Paraíba, sobretudo em áreas urbanas densamente localizado nas dependências da Empresa ocupadas. Pernambuco-Paraíba. CIMPOR (Grupo Cimento Português). cársticos de sub-superfície, As informações sobre a geologia e tectônica do terreno serviram como base inicial para levantamento desta hipótese, 4. Conclusão A formação de depressões fechadas, circulares, provavelmente Furrier, M.; Vital, S. R. O. associadas ao tendo em vista as características litológicas e geotectônicas da Bacia Sedimentar 170 Revista Brasileira de Geografia Física 01 (2011) 161-173 Pernambuco-Paraíba, onde se encontra a lixo não coletado, ampliando as implicações Formação Gramame, e sobreposta a ela, a de risco sobre a população residente na área e Formação Barreiras, capeadora desta bacia. em seu entorno. Posteriormente, as imagens orbitais coletadas a partir do SRTM se tornaram um 5. Agradecimentos Agradeço forte instrumento de apoio para identificação das características deste tipo de morfologia, possibilitando a aquisição de valores numéricos de profundidade (P) e diâmetro (D) empregados na obtenção do índice Laboratório ao de apoio Estudos técnico do Geológicos e Ambientais da Universidade Federal da Paraíba (LEGAM/UFPB). 6. Referências morfométrico proposto por White (1988), Bigarella, J. J.; Becker, R. D.; Santos, G. F. próprio para a identificação de tipos de (1994). Estrutura e Origem das Paisagens dolinas. O valor originário deste cálculo que Tropicais foi de 0,04 caracterizou a feição em estudo geológicos-geográficos, alteração química e como uma dolina de perfil suave, portanto, física das rochas e relevo cárstico e dômico. originada Florianópolis, Editora da UFSC, 425p. a partir de fenômenos de e Subtropicais: fundamentos dissolução. Estas informações apontam para um BRASIL. Ministério de Minas e Energia. caminho que nutre a possibilidade de outros CPRM. Geologia e recursos minerais do estudos ainda mais aprofundados, destacando Estado da Paraíba. (2002). Recife: CPRM. a importância deste fato para o planejamento 142p. il. 2 mapas. Escala 1:500.000. territorial e urbano da cidade de João Pessoa, que tem grande parte de sua área assentada sobre a Formação Barreiras sobreposta aos calcários intensamente falhados da Formação Gramame. BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. INPE. Banco de Dados Geomorfométricos do Brasil. (2008). São José dos Campos: INPE. Disponível em: http://www.dsr.inpe.br/topoda ta/. Acesso em: 29 out. 2010. É importante ressaltar que a expansão urbana sobre essa área representa um risco à Brito Neves, B. B.; Albuquerque, J. P. T.; população, características Coutinho, J. M. V.; Bezerra. F. H. R. (2009). geomorfológicas e geotécnicas associadas às Novos Dados Geológicos e Geofísicos para a áreas de dolina. Os riscos mais frequentes são Caracterização Geométrica e Estratigráfica da as enchentes, já que a morfologia da área se Sub-bacia de Alhandra (Sudeste da Paraíba). apresenta como uma bacia fechada que Revista do Instituto de Geociências – USP, converge todo o escoamento superficial para o Série Científica, São Paulo, v. 9, n. 2, p.63- seu centro, além de carrear, também, todo o 87. devido Furrier, M.; Vital, S. R. O. às 171 Revista Brasileira de Geografia Física 01 (2011) 161-173 Furrier, M. (2007). Caracterização Kohler, H. C. (2007). Geomorfologia Geomorfológica e do Meio Físico da Folha Cárstica. In: Guerra, A. T. G.; e Cunha, S. B. João Pessoa – 1: 100.000. Tese (Doutorado) – Geomorfologia, uma atualização de bases e Departamento conceitos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, de Geografia, FFLCH, Universidade de São Paulo, São Paulo, 213p. p.309-329. Furrier, M.; Araújo, M. E.; Meneses, L. F. Leal E Sá, L. T. (1998). 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