O ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA NA EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA: NOVOS CAMINHOS MALVEZZI, Karina Falcioni1 - FATEC/ FACINTER Grupo de Trabalho: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo O presente artigo tem como objetivo analisar as novas propostas e direcionamentos para o ensino de língua estrangeira na educação básica brasileira. Por meio de uma pesquisa documental e bibliográfica, foi apresentado um panorama da história do ensino da língua estrangeira no Brasil, desenvolvendo uma análise dos documentos oficiais, que passaram a normatizar o ensino de língua estrangeira, a partir da década de 1990. O texto destaca as determinações e as propostas de ensino para a língua estrangeira, a partir da Lei de Diretrizes e Bases Nacionais da Educação de 1996, com ênfase nos documentos que orientam a organização dos conteúdos para o ensino fundamental e médio no Brasil. Com base nesses documentos, foi possível desenvolver uma reflexão sobre as literaturas que apresentam uma nova perspectiva para o chamado momento pós-métodos. O texto apresenta questões relevantes sobre o ensino e a aprendizagem de língua estrangeira, entre elas: como garantir um ensino de língua estrangeira de qualidade, nas escolas públicas brasileiras? O problema pela falta de domínio de uma segunda língua está no método adotado? Qual é o melhor método de ensino de língua estrangeira? Como o professor deve ensinar língua estrangeira? As escolas públicas estão equipadas para oferecer um ensino de qualidade? A análise dos documentos e das bibliografias resultou na constatação de que as atuais teorias buscam um ensino de língua estrangeira de qualidade, não só nas questões estruturais da língua, mas principalmente em seus aspectos extralinguísticos. Após anos de discussões sobre métodos e abordagens, a ênfase passou a recair mais sobre o sujeito que aprende do que sobre a língua que se ensina, aumentando, assim, a responsabilidade do professor neste projeto de transformação social, cultural e individual. Palavras-chave: Legislação Educacional Brasileira. Língua Estrangeira. Metodologia de Ensino. Introdução Esta pesquisa tem como objetivo geral analisar as novas propostas metodológicas para o ensino de língua estrangeira (doravante LE) na educação básica brasileira. Nos meios 1 Graduada no curso de Letras Português/ Francês pela Universidade Estadual de Maringá (UEM: 2011). Aluna do curso de Especialização em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Estrangeira, na FATEC/ FACINTER. Direção eletrônica: [email protected]. 16288 educacionais, defende-se a ideia de que a aprendizagem de uma segunda língua é fundamental para a formação integral do aluno, amplia a compreensão de outras manifestações culturais, além de favorecer a competência comunicativa do educando. Assim sendo, tornam-se relevantes os seguintes questionamentos: como garantir um ensino de LE de qualidade, nas escolas públicas brasileiras? O problema pela falta de domínio de uma segunda língua está no método adotado? Qual é o melhor método de ensino de LE? Como o professor deve ensinar LE? As escolas públicas estão equipadas para oferecer um ensino de qualidade? Essas questões devem ser analisadas, pois, na sociedade brasileira ainda é corrente a ideia de que o domínio de uma segunda língua só se concretiza por meio de cursos particulares de idiomas. Atualmente, no Brasil, bem como em outros países, após diversos estudos sobre métodos e abordagens de ensino de LE, a ênfase não recai mais sobre a eficácia de determinado método e sim sobre a responsabilidade, por parte do professor, de analisar qual a melhor maneira de trabalhar em determinada sala de aula. Nesse sentido, torna-se necessário levar em consideração fatores externos da língua, como: sua função social, seu caráter transformador, a apropriação da cultura e o respeito à diversidade que ela proporciona, observando o aluno e suas individualidades. Há uma exigência do mercado de trabalho e uma aceleração no processo tecnológico, no qual o indivíduo deve ter domínio de uma segunda língua. Assim sendo, o ensino de LE na educação básica brasileira requer, além de professores capacitados, uma boa condição de trabalho, material didático de qualidade, e estrutura suficiente para o ensino e aprendizagem nas salas de aula. A atual legislação educacional brasileira determina a obrigatoriedade do ensino de LE nos anos finais do ensino fundamental – 6º ao 9º ano, bem como no ensino médio (BRASIL, 1996; 1998a; 1998b; 2000; 2002; 2006; PARANÁ, 2008). Com base nessa legislação, as reflexões sobre o ensino de LE passaram a enfatizar, além do conteúdo programático, o modo de ensinar e a importância de um ensino sociointeracionista. O ensino de línguas está deixando aos poucos de ser uma simples matéria escolar e passando a ser uma oportunidade de crescimento individual, cultural e social. Diante desses fatos, torna-se relevante a análise sobre as novas possibilidades de ensino de LE na educação básica brasileira. Nesta pesquisa foi realizada uma revisão das leis e projetos educacionais referentes ao ensino de LE no Brasil. As análises desses documentos foram complementadas com bibliografias que tratam sobre o tema na atualidade. Trata-se de uma pesquisa de caráter documental e bibliográfico, na qual a legislação que normatiza o ensino de LE na educação 16289 básica brasileira foi analisada, especialmente, com base nos documentos aprovados a partir da década de 1990. A análise documental e bibliográfica apontou que a responsabilidade pela escolha de uma metodologia adequada para os alunos recai, principalmente, sobre o professor. É ele quem deve se atentar para as especificidades de sua turma, adaptando o ensino diante das divergências que ocorrem em uma sala de aula. No entanto, vencer os percalços que se apresentam diante das condições de trabalho e da realidade das salas de aula é um grande desafio para o professor de LE no Brasil. O texto está estruturado em três seções. Na primeira há um breve apanhado histórico sobre a LE no Brasil, destacando os entraves que a disciplina enfrentou e como ela foi conquistando seu espaço no ensino público brasileiro. Na segunda seção há uma reflexão sobre o que os documentos oficiais determinam a respeito do ensino de LE nas escolas públicas brasileiras e quais orientações educacionais os documentos apresentam. A terceira seção apresenta uma revisão bibliográfica do que podemos chamar de momento pós-métodos e uma reflexão sobre os novos caminhos que a LE tem tomado no Brasil. Breve histórico do ensino de língua estrangeira no Brasil Através de um levantamento histórico podemos observar que já no período do descobrimento do Brasil, em 1500, tem-se a presença do ensino de LE no país. Os jesuítas impuseram aos índios que aprendessem a língua portuguesa para facilitar a comunicação e a catequese. Com a expulsão dos jesuítas do território brasileiro e a proibição do ensino do tupi, em 1759, a língua portuguesa tornou-se oficial no Brasil. Em 1808, com a chegada da família Real ao país, houve uma preocupação com o ensino das línguas modernas, como Inglês, Francês, Alemão e Italiano. Assim, em 1837, teve início no Brasil o ensino oficial de línguas estrangeiras, com a criação do Colégio Pedro II. As línguas modernas ocuparam então, e pela primeira vez, uma posição análoga à dos idiomas clássicos, se bem que ainda fosse muito clara a preferência que se votava ao latim. Entre aquelas figuravam o francês, o inglês e o alemão de estudo obrigatório, assim como o italiano, facultativo; e entre os últimos apareciam o latim e o grego, ambos obrigatórios (CHAGAS, 1967, p. 105 apud PAIVA, 2003, p. 53). A partir de 1915, já no período republicano, o grego foi retirado e após a Revolução de 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, foram destinadas 17 horas semanais ao ensino de francês e inglês, da primeira à quarta série (PAIVA, 2003). Outra 16290 mudança ocorrida no período republicano foi a implantação do caráter opcional das línguas inglesa e alemã nos currículos. No governo de Getúlio Vargas, o ensino de LE foi mantido na escola pública, com a Reforma Capanema. A reforma Capanema, de 1942, teve o grande mérito de equiparar todas as modalidades de ensino médio - secundário, normal, militar, comercial, industrial e agrícola - de um lado democratizando o ensino, ao dar a todos os cursos o mesmo status, embora, de outro lado, tenha sido acusada por alguns de ser uma reforma fascista e de promover o classicismo aristocrático e acadêmico dos últimos dias do Império. O próprio ministro Capanema, na sua exposição de motivos, ao apresentar o projeto ao governo, reforça a idéia de que o ensino não deve ficar apenas nos aspectos instrumentais (LEFFA, 1999, p. 9). A reforma trouxe uma preocupação sobre as metodologias. Neste período, o francês, o inglês e o latim eram estudados no ginásio e no colegial o espanhol substituía o latim. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB n. 4.024 retirou a obrigatoriedade do ensino de línguas no colegial, deixando ao Estado a decisão de incluir ou não a disciplina no currículo (BRASIL, 1961). Na Resolução n. 58/76 do Ministério da Educação em 1977, ocorreu um resgate parcial do ensino de LE na escola, tornando-o obrigatório para o colegial, mas não para o ginásio. O professor José Carlos Paes de Almeida Filho foi o primeiro brasileiro a defender uma dissertação de mestrado, com foco na abordagem comunicativa no ensino de um idioma, no ano de 1977. Um evento da Universidade Federal de Santa Catarina, no ano de 1978, foi o pioneiro no Brasil a combater as ideias do ensino estruturalista2. A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB n. 9.394/96 (BRASIL, 1996) tornou obrigatório o ensino de uma LE, a partir da quinta série do ensino fundamental, cabendo à comunidade escolar decidir qual língua deverá ser ensinada. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira – documento publicado em 1998 para orientar a organização dos conteúdos de 5ª a 8ª séries –, os objetivos da disciplina de LE são apresentados com base no princípio da transversalidade, sugerindo uma abordagem sociointeracionista (BRASIL, 1998a). Na edição dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, a LE tem 2 Fonte: História do Ensino de Línguas no Brasil - Projeto do Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada da Universidade de Brasília. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/linguaestrangeira/fundamentos/alem-gramatica-426788.shtm>l. Acesso em: 10 ago. 2012. 16291 a função de veículo de acesso ao conhecimento para levar o aluno a comunicar-se de maneira adequada em diferentes situações (BRASIL, 2000)3. Em 2005, a Lei n. 11.161 institui a obrigatoriedade do ensino de Espanhol (BRASIL, 2005). Os Conselhos Estaduais deveriam elaborar normas para que a medida fosse implantada em cinco anos, de acordo com a peculiaridade de cada região. No ano de 2002, foram desenvolvidas novas orientações ao Ensino Médio, com a publicação do PCN+ Ensino Médio: Orientações Educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Linguagens, códigos e suas tecnologias. O documento apresenta sugestões de procedimentos pedagógicos adequados às transformações sociais e culturais do mundo contemporâneo (BRASIL, 2002). Os documentos oficiais e o ensino de língua estrangeira nas escolas brasileiras Como foi visto no tópico anterior, ao longo de sua história, o Brasil passou por diversas mudanças com relação ao ensino de LE nas escolas. Cabe, a partir de então, analisar o que os documentos oficiais trazem a respeito do modo como ensinar uma segunda língua para crianças e jovens. Os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs para 5a e 8a séries (BRASIL, 1998a), tratam de uma série de reflexões sobre o aprender e o ensinar LE nas escolas brasileiras. O documento aponta uma preocupação com relação à proliferação dos cursos de línguas e a falta de prestígio que este tipo de ensino tem nas escolas. Trata também da importância do ensino de uma segunda língua na formação do cidadão, para o seu desenvolvimento cultural e social na formação de seu discurso. O documento explicita a importância do ensino da leitura como prioridade, da seguinte forma: Deve-se considerar também o fato de que as condições na sala de aula da maioria das escolas brasileiras (carga horária reduzida, classes superlotadas, pouco domínio das habilidades orais por parte da maioria dos professores, material didático 3 Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem um referencial de qualidade para a educação [...] em todo o País. Sua função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual. Por sua natureza aberta, configuram uma proposta flexível, a ser concretizada nas decisões regionais e locais sobre currículos e sobre programas de transformação da realidade educacional empreendidos pelas autoridades governamentais, pelas escolas e pelos professores. Não configuram, portanto, um modelo curricular homogêneo e impositivo, que se sobreporia à competência político-executiva dos Estados e Municípios, à diversidade sociocultural das diferentes regiões do País ou à autonomia de professores e equipes pedagógicas (BRASIL, 1997, p. 13). 16292 reduzido a giz e livro didático etc.) podem inviabilizar o ensino das quatro habilidades comunicativas. Assim, o foco na leitura pode ser justificado pela função social das línguas estrangeiras no país e também pelos objetivos realizáveis tendo em vista as condições existentes (BRASIL, 1998a, p. 19). Contudo, isso não significa que não devam ser trabalhadas as outras habilidades, até porque em alguns casos elas podem estar inseridas em uma mesma atividade, e como o documento apresenta, o avanço tecnológico contribui para o trabalho com as demais habilidades. Dentre várias outras questões, o documento também trata dos conhecimentos que os alunos carregam em sua língua materna e de que forma eles podem contribuir para o ensino de LE. De acordo com esses Parâmetros, o aluno tende a utilizar o conhecimento de mundo que possui e o uso que faz dele como usuário de uma língua, e normalmente acabam correlacionando com a língua estrangeira em questão. O mesmo pode acontecer com o conhecimento sistêmico que apresenta convergências e divergências entre línguas. E para facilitar o conhecimento sistêmico é interessante trabalhar com textos que se enquadrem no conhecimento de mundo do aluno. Depois ao longo do trabalho vai se ampliando o nível do texto para que o aluno tenha contato com novas questões (BRASIL, 1998a). O documento ressalta também o papel das línguas estrangeiras na construção da cidadania, deixando claro que a disciplina de LE no ensino fundamental não pode ser considerada um “exercício intelectual em aprendizagem de formas e estruturas linguísticas em um código diferente”, mas “uma experiência de vida, pois amplia as possibilidades de se agir discursivamente no mundo” (BRASIL, 1998a, p. 38). O ensino de LE também contribui para a formação cultural do aluno e apropriação tanto de sua própria cultura como da cultura de diferentes países. A publicação do PCN+ para o ensino médio intensifica o foco da aprendizagem na comunicação, a partir da leitura e da compreensão de textos verbais orais e escritos, em um trabalho com diversas situações da vida cotidiana (BRASIL, 2002). O documento sustenta que a língua estrangeira tem papel privilegiado no currículo: A língua estrangeira ocupa posição privilegiada no currículo por servir como “ferramenta” a todas as outras disciplinas, facilitando a articulação entre áreas e oferecendo múltiplos suportes para várias atividades e projetos. O que ocorre nos projetos interdisciplinares, ainda que de modo simulado, é uma antecipação do que acontecerá na futura vida social do aluno, no mundo do trabalho e no âmbito acadêmico, se for prosseguir seus estudos (BRASIL, 2002, p. 94). 16293 Outro documento oficial importante para o ensino de LE são as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, documento publicado pelo Ministério da Educação e Cultura – MEC (BRASIL, 2006). Como o próprio nome já diz, o documento procura orientar os professores com relação à prática de ensino, e neste caso, especificamente, o ensino de LE para o nível médio. Uma primeira discussão que o documento levanta é com relação a eficiência do ensino de LE nas salas de aula. O que se observa é que há uma desigualdade no nível de aprendizagem entre as escolas e em institutos de idiomas, e logo uma insatisfação dos estudantes. Algumas escolas da rede pública oferecem ainda o curso de LE fora do horário escolar e com turmas menores. Porém, fica, então, uma lacuna nos objetivos da disciplina de LE na grade curricular do ensino médio, esses objetivos podem não estar bem definidos para professores e alunos. A esse respeito, o documento traz o seguinte esclarecimento: Verifica-se que, em muitos casos, há falta de clareza sobre o fato de que os objetivos do ensino de idiomas em escola regular são diferentes dos objetivos dos cursos de idiomas. Trata-se de instituições com finalidades diferenciadas. Observa-se a citada falta de clareza quando a escola regular tende a concentrar-se no ensino apenas linguístico ou instrumental da Língua Estrangeira (desconsiderando outros objetivos, como os educacionais e os culturais). Esse foco retrata uma concepção de educação que concentra mais esforços na disciplina/conteúdo que propõe ensinar (no caso, um idioma, como se esse pudesse ser aprendido isoladamente de seus valores sociais, culturais, políticos e ideológicos) do que nos aprendizes e na formação desses. A concentração em tais objetivos pode gerar indefinições (e comparações) sobre o que caracteriza o aprendizado dessa disciplina no currículo escolar e sobre a justificativa desse no referido contexto (BRASIL, 2006, p. 90). Fica claro mais uma vez, a preocupação que os órgãos educacionais brasileiros têm com relação à educação de forma mais ampla, a formação do cidadão, a apreensão da cultura, a visão social. Esses não são somente objetivos da disciplina de LE, mas de todas as demais do currículo. Porém, há uma contribuição eminente da aprendizagem da LE que vai além das estruturas linguísticas: • • • • Estender o horizonte de comunicação do aprendiz para além de sua comunidade lingüística restrita própria; Fazer com que o aprendiz entenda que há diversas maneiras de organizar, categorizar e expressar a experiência humana e de realizar interações sociais por meio da linguagem; Aguçar o nível de sensibilidade linguística do aprendiz quanto às características das Línguas Estrangeiras em relação à sua língua materna e em relação aos usos variados de uma língua na comunicação cotidiana; Desenvolver a confiança do aprendiz, por meio de experiências bem-sucedidas no uso de uma língua estrangeira, enfrentar os desafios cotidianos e sociais de 16294 viver, adaptando-se, conforme necessário, a usos diversos da linguagem em ambientes diversos (BRASIL, 2006, p. 92). Outro ponto inerente ao documento são as Orientações Pedagógicas: desenvolvimento da comunicação oral, da leitura e da prática escrita. Sobre esses aspectos as Orientações Curriculares Nacionais – OCN’s tendem a desvincular os termos da concepção anterior de quatro habilidades com uma visão homogênea, para uma visão heterogênea aberta e socioculturalmente contextualizada. E ainda, tratam da questão gramatical em meio a recontextualização. O documento sinaliza para um ensino de gramática dentro de um contexto de uso da linguagem, sem um sistema abstrato e código fixo e descontextualizado (BRASIL, 2006, p. 110). Sobre as práticas pedagógicas, as OCN’s propõem “o desenvolvimento da leitura, da comunicação oral e da escrita como práticas culturais contextualizadas” (BRASIL, 2006, p. 111). Recomendam ainda “que todas essas habilidades comunicativas sejam trabalhadas ao longo dos três anos do ensino médio. Os trabalhos de leitura devem ter continuidade, embora com mudanças de perspectivas” (BRASIL, 2006, p. 111). Outro documento relevante para o ensino de LE foi publicado pelo governo do Estado do Paraná, no ano de 2008. Trata-se das Diretrizes Curriculares da Educação Básica Língua Estrangeira Moderna (PARANÁ, 2008). Essas Diretrizes tratam, mais propriamente, com a questão das abordagens e metodologias de ensino, dando destaque à abordagem comunicativa como orientadora dos trabalhos nas escolas paranaenses. Segundo o documento: A abordagem comunicativa apresenta aspectos positivos na medida em que incorpora em seu modelo o uso da gramática exigida para a interpretação, expressão e negociação de sentidos, no contexto imediato da situação de fala, colocando-se a serviço dos objetivos de comunicação (PARANÁ, 2008, p. 50). No entanto, apesar da clara contribuição que a abordagem comunicativa trouxe para o ensino de línguas, há um questionamento sobre as relações sociais e o conceito de cultura que muitas vezes está estereotipado. Uma vertente mais crítica da abordagem comunicativa se atentou à questão da visão cultural como prática social. Neste sentido, o documento apresenta os fundamentos teórico-metodológicos que referenciam as Diretrizes e os princípios que orientam sua escolha: 16295 • • • O atendimento às necessidades da sociedade contemporânea brasileira e a garantia da equidade no tratamento da disciplina de Língua Estrangeira Moderna em relação às demais obrigatórias do currículo; O resgate da função social e educacional do ensino de Língua Estrangeira no currículo da Educação Básica; O respeito à diversidade (cultural, identitária, linguística), pautado no ensino de línguas que não priorize a manutenção da hegemonia cultural (PARANÁ, 2008, p. 50). Mais uma vez fica clara a condição do ensino de LE nas escolas públicas brasileiras. Mais do que aprender as estruturas sistematizadas de uma língua, o objetivo da disciplina deve contemplar as relações culturais, o sujeito e a sua identidade. Por isso é preciso que os professores entendam o que se pretende com o ensino de LE na Educação Básica. [...] ensinar e aprender línguas é também ensinar e aprender percepções de mundo e maneiras de atribuir sentidos, é formar subjetividades, é permitir que se reconheça no uso da língua os diferentes propósitos comunicativos, independentemente do grau de proficiência atingido (PARANÁ, 2008, p. 55). O documento ressalta a interação necessária entre “professores e alunos e pelas representações e visões de mundo que se revelam no dia-a-dia” (PARANÁ, 2008, p. 55). As Diretrizes buscam dar ênfase às necessidades de os sujeitos interagirem ativamente pelo discurso, tendo capacidade de se comunicarem através dos diferentes tipos de textos e levando em conta as informações que circulam na sociedade. Em suma, podemos verificar que os documentos abordados nesta seção procuram orientar, contribuir e levantar questionamentos sobre o ensino de LE nas escolas públicas brasileiras. Os documentos mais atuais, como as Diretrizes propostas pelo Estado do Paraná, tratam das abordagens e metodologias de ensino, mas deixam claro que não há um caminho único e totalmente verdadeiro ao tratarmos do ensino e aprendizagem de LE. A era do pós-método no ensino de língua estrangeira As teorias sobre ensino de LE têm tomado novos rumos. Através de levantamento bibliográfico nota-se que pouco tem se falado em metodologias e abordagens, no sentido que essas possam trazer um caminho absoluto para se ensinar LE nas escolas. Hoje a discussão deixa de ser qual a melhor abordagem e metodologia para se trabalhar o ensino de LE, e passa a ser qual a melhor abordagem e metodologia para trabalhar com determinada classe, alunos, escolas etc. Revela-se, então, uma preocupação muito maior com o sujeito que aprende do que 16296 com o objeto que se ensina. A este respeito Márcio Luiz Corrêa Vilaça faz o seguinte acréscimo: Por fim, a crítica mais contundente é a inexistência do método perfeito. Essa é a critica mais frequente. Ela é relativamente mais nova que as demais aqui citadas. Uma das motivações desta crítica é a constatação da enorme diversidade de fatores cognitivos, afetivos, sociais, culturais, entre outros, envolvidos no processo de ensino/aprendizagem (VILAÇA, 2008, p. 81). Antonieta Celani, em entrevista à Revista Nova Escola, afirma que estamos vivendo um momento pós-método, pois o professor é quem deve analisar a realidade em que seus alunos estão inseridos e decidir qual a melhor forma de trabalho, a melhor metodologia para se aplicar em determinada ocasião (CELANI, 2009). Diante disto, um termo muito discutido na atualidade é o Ecletismo Metodológico. A escolha metodológica por conta do professor aumenta suas responsabilidades e exige uma formação mais ampla, crítica e autônoma (VILAÇA, 2008). Ainda sobre o conceito de métodos, há uma crítica com relação às especificidades e às realidades contextuais, a partir de um falso princípio de homogeneidade das salas de aula de LE (esta mesma crítica foi feita pelas OCN’s, como vimos na seção anterior). Ainda, é relevante ressaltar o problema que a própria terminologia traz, pois “algumas vezes o termo é empregado como sinônimo para abordagem, metodologia, princípios, técnicas, estratégias, entre outros termos, o que ocasiona imprecisão terminológica” (VILAÇA, 2008, p. 81). Em nossa sociedade pós-moderna o ensino de LE tem ganhado um novo espaço, uma nova perspectiva. Na medida em que cresce o processo de globalização, a aquisição da língua estrangeira torna-se uma exigência para o ser humano. As novas tecnologias, as facilidades de acesso à informação, podem ser aliadas ao ensino de LE. Vilson Leffa sustenta que o professor, apesar do fácil acesso ao conhecimento que os alunos têm, ainda é peça fundamenta no ensino e aprendizagem da LE. Segundo ele, Estamos descobrindo agora, às portas de um novo milênio, que o professor não é o problema, mas a solução e que há um retorno maior investindo no professor e no seu aperfeiçoamento do que na metodologia. As novas tecnologias não substituem o professor, mas ampliam seu papel, tornando-o mais importante. A máquina pode ser uma excelente aplicadora de métodos, mas o professor precisa ser mais do que isso. Para usar a máquina com eficiência, ele precisa ser justamente aquilo que a máquina não é, ou seja, crítico, criativo e comprometido com a educação (LEFFA, 1999, p. 21). 16297 Por isso que muito mais do que discutir métodos, é extremamente importante, tanto para a educação em geral, como o ensino de LE, discutir sobre o papel do professor, sobre o que se pretende através do ensino. Como vimos nos documentos oficiais, aprender LE vai além das estruturas gramaticais, linguísticas e funcionais da língua. É de suma importância pensar na formação do cidadão, em uma transformação da sociedade, uma emancipação que pretenda formar alunos críticos e participativos. Francisco Carlos Fogaça e Telma Nunes Gimenez acreditam na transformação que pode vir como consequência do ensino da língua estrangeira e afirmam que o professor de LE tem um importante papel político. Professores e alunos precisam entender o mundo em que vivem, em seus aspectos políticos, sociais, econômicos e tecnológicos, para poder participar de uma educação transformadora. O ensino de línguas, e, portanto, o professor de LE, está no centro da vida contemporânea, dada a importância que a linguagem tem na vida social (FOGAÇA; GIMENEZ, 2007). O ensino de LE além de contribuir com a transformação da sociedade, também pode colaborar com o entendimento do conceito de cultura. O aprendizado de outra língua facilita a compreensão do aluno com relação a sua própria cultura, e ainda o faz conhecer e aprender a respeitar a cultura de outros países. O ato comunicativo é visto como um processo cultural. Língua, comunição e cultura estão intimamente ligadas. Não há como ensinar uma língua, sem ensinar a cultura dos falantes de tal língua. Robert Lado afirma que é fundamental perceber que o aprendiz precisa apreender dados sobre a cultura para evitar possíveis mal entendidos, como por exemplo, um americano não entender o valor real da tourada para um espanhol e a interpretar equivocadamente (LADO, 1971, p. 10). A abordagem intercultural no ensino da língua estrangeira também já foi prevista nos PCN’s para o ensino fundamental. O documento enfatiza que, sendo a língua um bem cultural e patrimônio coletivo, no estudo de idioma estrangeiro é fundamental a abordagem de aspectos que envolvem a influência de uma cultura sobre a outra. Ao trabalhar cultura nas disciplinas de LE o professor amplia o conhecimento crítico dos alunos, diminui os preconceitos e os estereótipos, fazendo com que o aluno aceite as diferentes visões morais e percepções de mundo (BRASIL, 1998a, p. 100). Outro ponto importante no ensino e aprendizagem de línguas está vinculado às influências externas que podem ocorrer durante o processo. Não há como afirmar que exista um método ou uma abordagem absolutamente perfeitos para o ensino de LE, pois há uma 16298 individualidade em cada aluno que deve ser respeitada e considerada. A motivação dos alunos por aprender uma nova língua é um desses fatores que podem influenciar a aprendizagem. Na concepção vigotskyana, é papel do professor motivar seus alunos: A construção da motivação é um dos pilares para um bom clima da sala de aula. O professor tem que conhecer como o alunos aprende e usar estratégias de ensino que lhe dê a sensação de estar conquistando algo importante no ato simples de cumprir tarefas que estão de acordo com a zona proximal de desenvolvimento (VIGOTSKY, 1993, p. 102). A idade dos alunos também deve ser levada em conta. As diferentes faixas etárias possuem maneiras distintas de comportamento, ritmo de aprendizagem, conhecimento de mundo etc. Há ainda, as atitudes e personalidades que variam de aluno para aluno. Alguns são mais calmos, tem facilidade de aprender, de reter a atenção, outros já são mais agitados, não conseguem se prender ao conteúdo ensinado. Mais uma vez fica clara a ideia de que um só método não pode ser útil em diferentes turmas, e também, nestes aspectos, mais uma vez, fica a cargo do professor se adaptar às diferentes turmas, respeitar o nível e as características de cada aluno. Conclusão Ao longo da trajetória histórica dos documentos oficiais e das literaturas, o ensino de LE no Brasil tem adquirido novas formas. As atuais discussões giram em torno dos objetivos da disciplina nas escolas públicas brasileiras. Nota-se a importância do professor neste processo de transformação. Tanto nas leis, orientações e parâmetros, como nas bibliografias sobre o ensino de LE, cabe ao professor definir os métodos e abordagens a serem desenvolvidos, ter total conhecimento dos objetivos da disciplina, conduzir a transformação social e a afirmação da cultura por meio da língua e ainda estar atento às diferenças entre alunos e classes. No entanto, cabe salientar as dificuldades que os professores encontram e as difíceis condições de trabalho que eles possuem. Não há como desconsiderar estes fatores, ainda mais quando se trata do ensino público brasileiro. Os documentos oficiais em suas teorias trazem muitas contribuições ao ensino, mas na prática encontra-se uma divergência com relação à realidade do nosso país. Este ponto pode e deve ser refletido em novas pesquisas sobre o ensino de LE no Brasil. 16299 Deve-se acreditar em um ensino melhor, confiar nos novos conceitos de ensino e aprendizagem como aliados à LE, mas para que a teoria se transforme em prática efetiva é necessário um bom planejamento das aulas, um material didático de qualidade, condizentes com as teorias apresentadas nos documentos oficiais, além de condições de trabalho e recursos apropriados para professores e alunos. REFERÊNCIAS BRASIL. Câmara de Educação Básica. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 2000. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf>. Acesso em: 27 set. 2012. ______. Câmara de Educação Básica. Resolução n. 3, de 26 de junho de 1998. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 1998b. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf>. 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