O “PROGRAMA DE VOLTA PRA CASA” NO CAMPO DA SAÚDE

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O “PROGRAMA DE VOLTA PRA CASA”
NO CAMPO DA SAÚDE COLETIVA
E SAÚDE MENTAL: ESTRATÉGIAS
DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO E
REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL
Flávia Helena M. A. Freire • Especialista em Saúde Mental, Mestre em Saúde Pública e
Doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/FIOCRUZ Docente do Curso de Psicologia
da Universidade Potiguar – UnP. E-mail: [email protected] | Velusia Naira Silva •
Graduanda em Psicologia pela Universidade Potiguar – UnP. E-mail: [email protected]
| Mikelandia Freire de Oliveira • Graduanda em Psicologia pela Universidade Potiguar – UnP.
E-mail: [email protected]
Envio em: junho de 2012.
Aceite em: agosto de 2012.
Resumo: O artigo apresenta uma pesquisa realizada sobre o “Programa de volta pra casa” (PVC), do Ministério da Saúde, como Política de Desinstitucionalização no Município de Natal/RN. Programa este que
visa a promover e a facilitar o processo de reabilitação e inserção social de pessoas acometidas de transtornos mentais, que tenham um histórico de vida com 02 (dois) ou mais anos de internações em hospitais
psiquiátricos.O referido programa incentiva a organização de uma rede ampla e diversificada de recursos
financeiros e assistenciais; o primeiro, ofertado através de uma bolsa auxílio-reabilitação, e o segundo é
específico para o cuidado dessas pessoas, objetivando sempre facilitar o convívio social, sendo capaz de
assegurar o bem-estar global e estimular o exercício pleno de seus direitos, sejam esses civis, políticos,
sejam de cidadania. Trata-se de uma pesquisa de método qualitativo, realizada através de entrevistas semi-estruturadas. Os resultados apontam que as práticas realizadas no município de Natal ainda são deficitárias, com um baixo número de beneficiários cadastrados no programa. Por fim, ressaltamos que pesquisar
sobre a importância do “Programa de volta pra casa” como política de desinstitucionalização proporcionou
maior conhecimento e apropriação por parte da gestão municipal, incorporando nas metas e ações de
saúde mental o credenciamento dos atuais moradores da residência terapêutica, bem como dos futuros
morados que ainda se encontram manicomializados.
Palavras-chave: Políticas públicas de saúde. Desinstitucionalização. Reabilitação psicossocial
THE “BACK TO HOME PROGRAM” IN THE FIELD OF
COLLECTIVE HEALTH AND MENTAL HEALTH: STRATEGIES OF
DEINSTITUTIONALIZATION AND PSYCHOSOCIAL REHABILITATION
Abstract: This work analyzes the program “De Volta para Casa” (PVC), that is part of the Brazilian Ministry
of Health as a policy of deinstitutionalization. This program aims to promote and facilitate the process of
rehabilitation and social integration of people who suffer from mental disorders and who have passed 2 or
more years admitted into psychiatric hospitals. In addition, it encourages the organization of a wide and
diverse network of financial resources and assistance: the first is offered through a grant for assistance and
rehabilitation and the second is specific to the care of these people. Its aim is to facilitate social interaction,
ensure the global welfare and encourage the exercise of their “civil rights, citizenship or political. This research uses a qualitative and quantitative method: the first is conducted through interviews and the second is
conducted by a data collection, under the management of the Mental Health sector of the Municipal Secretariat of Health of the city of Natal / RN, and with an employee, of the State Department of Health. The results
show that the practices conduced in the city of Natal / RN are still unprofitable and provide a low number of
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beneficiaries. Finally, we emphasize that by researching the importance of the program “De Volta Pra Casa”
(PVC) as a policy of deinstitutionalization has helped us to understand how to promote action plans of this
program in the city of Natal/RN, besides the policy of this program should be reconsidered, strengthened
and consolidated into more constructive practices, so it should move toward a real deinstitutionalization.
Keywords: Health public policies. Deinstitutionalization. Psychosocial rehabilitation.
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1. INTRODUÇÃO
A história da política de saúde mental tem evoluído diante da proposta de reabilitação
psicossocial voltada à conquista dos direitos dos portadores de transtornos mentais e ao
exercício de cidadania. O “Programa de volta pra casa” (PVC), que integra o projeto de reforma psiquiátrica, insere-se, nesse contexto, visando reduzir, progressivamente, os leitos
psiquiátricos, qualificando, expandindo e fortalecendo a rede extra-hospitalar. Ressalta-se
sua importância diante da política de desinstitucionalização, uma vez que se trata de um
processo social complexo, visando a modificar o imaginário social em relação à loucura,
como, também, as formas de organização das instituições psiquiátricas, lançando mão de
dispositivos substitutivos ao modelo manicomial.
De acordo com a política da desinstitucionalização, o PVC surgiu com o objetivo de contribuir com a reintegração social de pessoas acometidas de transtornos mentais, egressas de
longas internações, segundo critérios definidos na Lei nº 10.708, de 31 de julho de 2003,
que tem como parte integrante o pagamento do auxílio-reabilitação psicossocial, incentivando a organização de uma rede ampla e diversificada de recursos assistenciais e de cuidados,
facilitadora do convívio social, capaz de assegurar o bem estar global e estimular o exercício
pleno dos direitos civis, políticos e de cidadania1 de sujeitos com transtorno mental4,5.
A reabilitação psicossocial configura-se como conjunto de estratégias direcionadas a aumentar as possibilidades de trocas, a valorização das subjetividades e a proporcionar contratualidade e solidariedade2.
Para tanto, fez-se necessário, inicialmente, a realização de um esboço teórico que não mais
contemple o paradigma racionalista-manicomial, que envolve uma concepção da relação
problema-solução, ou seja, doença-cura, mas um paradigma emergente que rompa, através de um conjunto complexo de possibilidade e probabilidade, essa instituição de causa-efeito. A desinstitucionalização não faz alusão à cura, mas à invenção de saúde e reprodução social do paciente, cujo objetivo está em criar novas instituições compromissadas com
a produção de vida dos sujeitos3.
A desinstitucionalização como desospitalização, nascida nos E.U.A na década de 60, surgiu
com o objetivo de renovar e transformar, através de medidas administrativas, as funções arcaicas terapêuticas da Psiquiatria. Esse processo tem por objetivo questões administrativas,
cujas aplicações finalizariam na implementação da política da alta hospitalar, nas reduções
de leitos e, consequentemente, na medida de redução dos gastos dos cofres públicos3.
No entanto, no decorrer do processo de desospitalização, a desinstitucionalização, ao continuar criticando o modelo da psiquiatria clássica, ampliou o seu campo psiquiátrico, ao se
referir à doença como conceito de desvio, mal-estar social, desajustamento e anormalida-
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de. Nessa mesma ordem, a desinstitucionalização, por não ter sido compreendida como
uma modalidade de assistência e cuidados substitutivos, que procurava romper com o
modelo hospitalar do Estado, foi compreendida como mera desospitalização ou, na radicalidade, como simples desassistência4.
Tal conceituação promoveu uma compreensão errônea do principal objetivo da desinstitucionalização, reduzindo-a, por um lado, como desamparo dos pacientes ou o simples envio
para fora do hospital, sem ser implementada uma infra-estrutura na comunidade para tratar e cuidar dos pacientes e suas famílias4.
Por outro lado, existe resistência dos que se opõem a desinstitucionalização (indústria
farmacêutica, empresários de hospitais psiquiátricos, entre outros), pois esse processo
representa risco aos seus interesses específicos.
Na concepção basagliana, a ciência psiquiátrica positivista precisava afastar e excluir aquilo
que não conseguia compreender, utilizando-se do princípio do isolamento como forma de
tratamento. Decorre daí o duplo papel da psiquiatria - médico e social - , ou seja, lidar com
as questões que estão relacionadas, diretamente, à condição da doença; e questões relacionadas às consequências da exclusão e das características manicomiais5.
A desinstitucionalização como desconstrução, além de ter promovido criticas epistemológicas acerca dos saberes psiquiátricos constituintes, proporcionou inspirações para o
surgimento do Movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira, que, ao ser alinhado ao discurso teórico-prático da Psiquiatria Democrática Italiana, consolidou um novo significado
ao conceito de desinstitucionalização, anunciado como “fase de transição” 4.
Acreditamos que, ao contemplar o referencial teórico da reforma psiquiátrica inspirado
por Franco Basaglia, estaremos adquirindo o suporte necessário para a contribuição da
compreensão fragmentada do campo dos estudos sobre a loucura, e, principalmente, estaremos adquirindo com esse conceito uma produção diferenciada na nova forma de lidar
com o sujeito com transtorno mental4,5.
Com isso, pretendemos analisar o “Programa de volta pra casa”, enquanto estratégia de
desinstitucionalização e reabilitação psicossocial, tendo em vista os planos de ação desse
programa no município de Natal-RN.
2. A CONTEXTUALIZAÇÃO DA
LOUCURA COMO MOVIMENTO
HISTÓRICO PARA A CONSTRUÇÃO
DA DESINSTITUCIONALIZAÇÃO
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Segundo Foucault,6 ao final da Idade Média, a lepra desaparece do mundo ocidental. O
rompimento com os modos de como se compreendia a doença contribuiu, também, para
o desaparecimento da preocupação da realeza em controlar os leprosários, porém, os
valores e as imagens que tinham aderido à personagem do leproso, provocando sentimentos de exclusão no grupo social, permaneciam.
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A lepra se retira, deixando sem utilidade esses lugares obscuros e esses ritos
que não estavam destinados a suprimi-la, mas sim a mantê-la a uma distância
sacramentada, a fixá-la numa exaltação inversa. Aquilo que sem dúvida vai permanecer por muito mais tempo que a lepra, e que se manterá ainda numa época
em que, há anos, os leprosários estavam vazios, são os valores e as imagens
que tinham aderido à personagem do leproso; é o sentido dessa exclusão, a
importância no grupo social dessa figura insistente e temida que não se põe de
lado sem se traçar à sua volta um círculo sagrado6 (p. 09).
Ao final do século XV, ocorre a substituição da lepra pelas doenças venéreas, essas, sendo
repugnadas pelos próprios leprosos, que acabam se misturando aos outros doentes, ao
receber tratamento nos hospitais de leprosos, “repugna-lhes acolher esses recém chegados ao mundo do horror”6.
Na Psiquiatria Clássica, o hospital era conhecido como instituição de caridade e tornou-se
objeto de cuidado médico. Este, ao representar um lugar de ameaça social, possibilitou
ao saber médico agrupar as doenças para observar o curso e a evolução das mesmas e,
com isso, proporcionou não só a realização de exames, mas, também, as classificações de
novas doenças, culminando na transformação do hospital como lugar de cura. “O saber
produzido no hospital, possibilitado pelas estratégias disciplinares, permitiria ao médico
agrupar as doenças e, assim, observá-las de uma forma diferente, no dia-a-dia, em seu
curso e evolução”7 (p.11).
Na Europa e nos Estados Unidos, na década de 70, deu-se início ao processo da reforma psiquiátrica. Esse movimento envolveu e transformou, por várias vezes, os sistemas de saúde
mental existentes na época. Seu ideal era renovar a capacidade terapêutica da psiquiatria,
com o intuito de liberá-la das funções arcaicas de controle social, coação e segregação.
Apesar de, nessa época, a desinstitucionalização ser vista apenas como uma politica de
desospitalização, que, por sua vez, era conhecida como nada mais do que uma politica de
altas hospitalares, que reduzia o número de leitos e aumentava o número de fechamento
de hospitais psiquiátricos, ela não desiste do seu ideal, ultrapassando a crise das políticas
de saúde mental, imputando-se aos seus próprios reformadores, liquidando e alimentando
ao mesmo tempo as suas autocríticas.
Assim, a reforma psiquiátrica Italiana, iniciada nos anos 60, propunha superar, gradualmente, as internações, nos manicômios, dos ditos como “loucos”. Para que isso acontecesse, era necessária a criação de serviços substitutivos na comunidade, Rotelli salienta a
importância do deslocamento da intervenção terapêutica para o contexto social das pessoas, a prevenção, a reabilitação e criação de serviços substitutivos à lógica asilar3.
Essas novas formas de pensar o contexto do cuidado na saúde mental e a transformação
dos sistemas de saúde mental trouxeram para a Europa novas estruturas extra-hospitalares, médicas e sociais, que tinham o intuito de assistir os pacientes egressos dos hospitais
psiquiátricos, contribuindo, assim, com enfrentamento de resistência à hospitalização.
A Europa, por sua vez, apresenta três modelos com novos serviços psiquiátricos: (1) modelo médico, que atua no hospital geral e sua principal prestação é a administração de
fármacos; (2) o modelo do auxílio social, que privilegia as condições materiais da vida e
oferece assistência social, e, por fim, (3) o modelo de escuta terapêutica, que, por sua vez,
privilegia a individualidade subjetiva de cada paciente com oferta de psicoterapia3.
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Um marco importante na mudança de paradigma da psiquiatria clássica é a experiência da
desinstitucionalização Italiana. A ruptura do paradigma fundante da instituição manicomial
(paradigma clínico) baseado, exclusivamente, na doença, que compromete a possibilidade
de aproximação da existência humana, foi o verdadeiro objeto da desinstitucionalização.
Entende-se, agora, o processo de desinstitucionalização como uma reconstrução da complexidade do objeto. A ênfase não é colocada no processo de ‘cura’ mas no projeto de
‘invenção de saúde’ e de ‘reprodução social do paciente’3.
Nesse sentido, a desinstitucionalização não se restringe ao mero fechamento dos hospitais
psiquiátricos, nem à redução dos leitos hospitalares, mas ultrapassa o modelo estrutural
do manicômio “o manicômio é muito mais do que paredes, muros e grades”3 (p.171). O
manicômio é entendido como um conjunto de conceitos que está, culturalmente, implicado
no seio da sociedade. Esta, sem manicômios, entendida simplesmente como sem hospitais
psiquiátricos, poderia, ainda assim, permanecer fortemente manicomial8.
Diante dos diferentes contextos históricos, a produção científica foi se consolidando pautada por perguntas e dúvidas, passando, na atualidade, a ser contextualizada pelo excesso de
conhecimento, calcado pelos pressupostos epistemológicos e ontológicos do saber constituído, como as indagações que unem ciência e virtude introduzida pela ordem do valor e
da ética. No entanto, essa perspectiva, ao se apoiar no princípio da neutralidade científica,
acaba que culpabilizando o indivíduo pela sua situação social.
Sawaia9 ressalta que as estratégias para superar e normatizar essa perspectiva epistemológica seriam de “recuperar conceitos discriminados pelas ciências nas análises das questões
sociais e de perguntar por que eles foram excluídos ou classificados no rol do patológico e
de desordem”9 (p.98). O sujeito, por si só, não conseguirá superar as exclusões vivenciadas
no seu meio social, precisando, assim, de um aparelho estatal. Segundo o autor,
Estudar exclusão pelas emoções dos que a vivem é refletir sobre o “cuidado”
que o Estado tem com seus cidadãos. Elas são indicadoras do (des)compromisso com o sofrimento do homem, tanto por parte do aparelho estatal quando da
sociedade civil e do próprio individuo 9 (p. 99).
A inclusão é posta como um processo social que procura disciplinar os excluídos, pois,
segundo o autor supracitado, de acordo com as obras de Foucault, refere-se ao processo
de disciplinarização dos excluídos, portanto, um processo de controle social e manutenção
da ordem na desigualdade social. Dessa forma, inscreve-se a exclusão na luta pelo poder 6.
3. O PROGRAMA DE VOLTA
PRA CASA E SUAS CONEXÕES
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É partindo desse pressuposto que começamos a falar sobre o “Programa de volta pra
casa” (PVC), o qual foi criado pelo Ministério da Saúde, visando a promover e a facilitar o
processo de reabilitação e inserção social de pessoas acometidas de transtornos mentais,
que tenham um histórico de vida com 02 (dois) ou mais anos de internações nos hospitais
psiquiátricos. Esse programa incentiva a organização de uma rede ampla e diversificada
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de recursos financeiros e assistenciais; o primeiro, ofertado através de uma bolsa auxílio-reabilitação, a qual foi, atualmente, atualizada para um valor em espécie de R$ 320.00 (trezentos e vinte reais), e o segundo é específico para o cuidado dessas pessoas, objetivando
sempre facilitar o convívio social, sendo capaz de assegurar o bem-estar global e estimular
o exercício pleno de seus direitos, sejam esses civis, políticos, sejam de cidadania.
O PVC, como parte integrante do processo de reforma psiquiátrica e da política de desinstitucionalização, está atrelado à rede de saúde mental com os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) e Unidades Psiquiátricas em
Hospitais Gerais (UPHG), incluindo, também, ações da saúde mental na atenção básica e
Saúde da Família.
Além das pessoas acometidas de transtornos mentais com histórico de 02 (dois) ou mais
anos de internações, podem, também, ser beneficiárias do programa as inseridas em moradias caracterizadas como serviços residenciais terapêuticos ou egressos de Hospital de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico, em conformidade com a decisão judicial (Juízo de
Execução Penal), por igual período de internação.
O programa ressalta duas exigências necessárias para o cadastramento dos beneficiários:
(1) o paciente deverá estar de alta hospitalar e morando em residência terapêutica ou com
suas famílias (de origem ou substitutas) e (2) deverá ser assistido por algum serviço de
saúde mental que compõe a rede substitutiva.
Como medida de investimento, o benefício poderá ser suspenso, caso as ações sejam
insuficientes para impedir o retorno do usuário à internação hospitalar. Assim, pode-se
perceber que, para que esse programa se estabeleça de forma eficaz, é necessária a criação
de dispositivos substitutivos em oposição ao manicômio, como CAPS, Clubes de Lazer,
Residências Terapêuticas, entre outros.
Esses serviços deverão oferecer instrumentos diversos, que possibilitem a construção de
um cotidiano que propicie qualidade de vida, através de um conjunto de estratégias de
cuidados emancipadoras, que transformem o sujeito asilado em sujeito autônomo.
Portanto, é essencial pensarmos não só na criação de espaços físicos, mas, também, na
construção de um acolhimento, que possa estabelecer uma comunicação integral voltada
para a escuta qualificada e o estabelecimento de um vínculo, garantindo o bem estar do
usuário, bem como um atendimento igualitário, pois, dessa forma, estaremos contribuindo
com alicerces, fortalecendo o projeto de desinstitucionalização.
O programa parte da ideia de um contrato de inclusão social, criado pela lei 10.708, com o
objetivo de combater a desigualdade social e facilitar o retorno dos egressos de hospitais
psiquiátricos ao meio familiar e social. A importância dessa lei é agenciar metas de proteção social, oferecendo, ao beneficiário, garantias de inserção na rede de cuidados local e
nas ações de integração social por parte da família.
De acordo com o Manual do “Programa de volta pra casa”,1 a esfera municipal é encarregada pela atenção integral em saúde, assegurando, assim, a continuidade dos cuidados
em saúde mental, com os programas extra-hospitalares para os beneficiários. Também é
de competência deste âmbito, selecionar, avaliar, preencher e encaminhar ao Ministério da
Saúde informações cadastrais necessárias para inclusão dos beneficiários no programa,
assim como acompanhar os beneficiários inseridos no programa, durante todo o processo
de sua reinserção social.
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A gestão estadual está voltada para o acompanhamento das ações dos municípios vinculados ao programa, como também para a confirmação do município como apto a se inserir
no programa. O estado analisa os recursos provenientes das solicitações indeferidas pelos
municípios, como também exerce papel articulador entre os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.
No âmbito federal, é de responsabilidade o cadastramento dos beneficiários dos municípios habilitados no programa, através de portaria, organizar e consolidar os cadastros dos
beneficiários e dos municípios inseridos no programa, realizar monitoramento e avaliação,
definir critérios de prioridade de inclusão de beneficiários por municípios, julgar os recursos
provenientes das esferas municipais e estaduais, realizar o processamento mensal da folha
de pagamento aos beneficiários do programa e constituir comissão gestora do programa.
4. CAMINHOS DA PESQUISA
Ao traçar as linhas da pesquisa, seguimos o caminho da abordagem qualitativa, em que
procuramos compreender a estruturação do “Programa de volta pra casa” em Natal. Esse
método de investigação responde a questões muito particulares. Nas ciências sociais,
preocupa-se com um nível de realidade que não pode ser quantificado. O universo da
produção humana, que pode ser resumido no mundo das relações, das representações e
da intencionalidade e é objeto da pesquisa qualitativa dificilmente pode ser traduzido em
números e indicadores quantitativos10.
Os sujeitos envolvidos no trabalho de campo foram os atores da Gestão da Coordenação
Municipal de Saúde Mental de Natal, bem como os informantes-chaves envolvidos com
o PVC da Secretaria Estadual de Saúde Pública do Rio Grande do Norte (SESAP/RN), que
estão lotados no Hospital Psiquiátrico João Machado.
O método de apreensão dos dados seguiu um roteiro de entrevista semi-estruturada e diário
de campo, que envolveram questionamentos direcionados à investigação da implantação,
estruturação e desenvolvimento do programa. Para tanto, algumas indagações foram levantadas: em que contexto foi criado o programa; qual o perfil da clientela beneficiária; e quais
requisitos são levados em consideração para que o beneficiário possa usufruir do programa.
A escolha por esse recurso deu-se por saber que este é um procedimento muito usual em
trabalho de campo, pois, através desse método, o pesquisador obtém informações contidas na fala de muitos atores sociais, não significando, assim, a entrevista uma conversa
presa e neutra. Como afirma Minayo, “ela vai muito além, pois se insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeitos-objetos da pesquisa que vivenciam
uma determinada realidade que está sendo focalizada”10 (p.64).
5. OS ACHADOS
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O caminho que levou ao encontro com os atores envolvidos no PVC se deu como desdobramento da primeira entrevista realizada com a gestão municipal de saúde mental.
A partir desse primeiro contato, iniciou-se uma garimpagem em busca dos atores envolvidos no programa.
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O campo de pesquisa apresenta uma escassez de informações entre as esferas estadual
e municipal, no que diz respeito ao funcionamento do PVC em Natal/RN. Os entrevistados afirmaram não possuir acesso ao sistema, por isso, as escassas informações coletadas são oriundas de experiências pessoais obtidas pelos atores envolvidos em algum
momento no programa.
O contexto de criação do programa se deu com a finalidade de absorver os pacientes-moradores do Hospital Psiquiátrico João Machado, que se encontrava em processo de desinstitucionalização e transição para a primeira residência terapêutica criada no município.
No município de Natal, existem apenas 07 (sete) beneficiários ligados ao programa; destes, 04 (quatro) são moradores de residência terapêutica. Esse dado ressalta certa dificuldade no gerenciamento do programa, uma vez que a segunda residência terapêutica, que
conta, atualmente, com 08 (oito) moradores com direito a se beneficiarem do programa,
não os tem cadastrados.
Foi feita uma denúncia ao Ministério Público do Rio Grande do Norte, apontando fatos
de irregularidade no mau uso do recurso financeiro dos moradores pela coordenação da
segunda residência terapêutica. O pagamento dos usuários referentes ao Benefício de
Prestação Continuada (BPC) da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) estava sendo
empregado para outros fins que não os de uso próprio dos moradores. Esse fato culminou
no afastamento da coordenadora dessa residência terapêutica.
Atualmente, a gestão da residência terapêutica encontra-se em processo de transição, fato
este que tem dificultado a inserção desses moradores no programa. Segundo dados apresentados pelo gestor municipal, a principal meta a ser planejada para essa residência,
quando da posse da nova coordenação, será cadastrar os moradores no PVC.
Os dados coletados apresentam um déficit de beneficiários que apresentam potencial de
inserção no programa. Há uma subutilização desse mecanismo de reinserção social dos
ex-residentes do manicômio, que por ventura retornaram a seus lares, assim como dos
atuais moradores do segundo dispositivo residencial terapêutico. Outro fato relevante que
aponta para a ineficiência do PVC em Natal está relacionado ao escasso conhecimento da
implantação e do desenvolvimento do programa. Questões referentes ao cadastramento
dos novos beneficiários, renovação dos beneficiários ao programa e acesso ao sistema on-line do Ministério da Saúde são os principais pontos de fragilidade apontados na pesquisa.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consideramos que acompanhar o processo do “Programa de volta pra casa” em Natal foi
de suma importância para compreendermos a efetividade desse programa como mecanismo agregador de promoção de reabilitação psicossocial dos ex-moradores do manicômio.
Com isso, pretendemos contribuir para a desinstitucionalização dos loucos que se encontram nos espaços institucionalizados para a loucura, como os manicômios, procurando
desenvolver um olhar mais complexo em direção a essas pessoas, o qual é imprescindível
na concepção de novas realidades frente à loucura.
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Neste estudo, constataram-se dificuldades no desenvolvimento e ampliação do programa
em âmbito municipal. No entanto, este trabalho nos possibilitou refletir a respeito das
conquistas no campo da reforma psiquiátrica, através da contextualização da loucura, dos
princípios que regem a concepção teórica da desinstitucionalização do surgimento dos
serviços substitutivos, como, também, a dialética da exclusão/inclusão como modelo de
reabilitação psicossocial dos indivíduos institucionalizados por longa duração.
O recurso financeiro oriundo do PVC se traduz, também, como um incentivo no processo
de reabilitação psicossocial, uma vez que o dinheiro do benefício proporciona ao usuário
maior barganha geradora de produção de autonomia no contexto da inclusão social, ao se
caracterizar como um componente potencializador de circulação e poder de consumo na
sociedade. A esse respeito, concordamos com Pitta11 ao explicitar que,
Falar de Reabilitação Psicossocial no Brasil, hoje, é estar a um só tempo falando
de amor, ira e dinheiro. Amor pela possibilidade de seguirmos sendo sujeitos
amorosos, capazes de exercitar a criatividade, amizade, fraternidade no nosso
‘que fazer’ cotidiano; ira traduzida nesta indignação saudável contra o cinismo
das nossas políticas técnicas e sociais para a inclusão dos diferentes; e dinheiro
para transformar as políticas do desejo em políticas do agir, estando aqui incluída a preocupação com o destino eticamente irrepreensível para os recursos
pequeninos que devem ter a incumbência de reduzir as formas de violência que
exclui e segrega um número sempre significativo de brasileiros11 (p.26).
Ao falarmos da inserção dos portadores de transtornos mentais no “Programa de volta pra
casa”, foi necessário levar em consideração as ideias pautadas por uma sociedade excludente, uma vez que o paciente, ao retornar ao convívio social, busca resgatar seus direitos
contratuais, que, em algumas circunstâncias, não lhe são devolvidos.
Entretanto, é diante de todo contexto de exclusão e inclusão social que o “Programa
de volta pra casa”, através de suas politicas de desinstitucionalização, estabelece-se
como grande relevância para o Brasil, o qual, apesar de muitas lutas e conquistas nos
últimos anos, ainda é incipiente para os dias atuais. Segundo as diretrizes do PVC,
estima-se que 15.000 (quinze mil) usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) podem
ser beneficiados com o auxílio financeiro de que trata esse programa, sendo favorecida
sua reinserção no meio social mais amplo, desde que atendidos os requisitos necessários para recebimento desse auxílio.
O número de beneficiários no município de Natal ainda é muito incipiente, uma vez que
o município possui um hospital psiquiátrico público de grande porte, com 160 (cento e
sessenta) leitos e, aproximadamente, 200 (duzentos) leitos privados conveniados ao SUS1.
Atualmente, o Hospital Psiquiátrico João Machado conta com 11(onze) pacientes que são
categorizados como moradores do manicômio, com longos anos de internação, tendo casos de quase 50 (cinquenta) anos de institucionalização.
Esses pacientes institucionalizados integram o projeto Moradia Assistida, porta de saída do
hospício, que tem o objetivo de fomentar o processo de desinstitucionalização dos mora-
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1
Em 2010, a Promotoria de Defesa da Saúde do Rio Grande do Norte recomendou o descredenciamento gradual dos 100 leitos psiquiátricos conveniados ao SUS da
Clínica Santa Maria, por apresentar precariedade na assistência à saúde aos usuários
do SUS.
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dores de manicômio. São pacientes que apresentam grande potencial a serem integrados
ao PVC. É primordial que a gestão de saúde mental se reposicione com maior propriedade
no entendimento dos benefícios do programa como mecanismos geradores de exercício de
cidadania no processo de reinserção social das pessoas segregadas e excluídas há décadas
do convício social.
De acordo com dados do Ministério da Saúde (2010), a subutilização do PVC não é uma característica exclusiva do município de Natal. O número de beneficiários do programa ainda
é muito baixo, apenas 1/3 do número estimado de pessoas internadas com longa permanência hospitalar no Brasil recebe esse benefício. A concepção do programa vinculado ao
conceito de desinstitucionalização visa a reduzir, progressivamente, os leitos psiquiátricos,
qualificar, expandir e fortalecer a rede substitutiva, propondo novas lógicas de cuidado
e acolhimento das pessoas com transtorno mental e retomada ao convívio social, tendo
em vista que o objetivo da desinstitucionalização não está voltado para a cura, mas para a
invenção da saúde e reprodução social dessas pessoas.
Devemos ressaltar que pesquisar sobre a importância do “Programa de volta pra casa”
como estratégia de desinstitucionalização e reabilitação psicossocial proporcionou maior
conhecimento e apropriação por parte da gestão municipal, incorporando nas metas e
ações de saúde mental o credenciamento dos atuais moradores da residência terapêutica,
bem como dos futuros morados que ainda se encontram manicomializados. Como desdobramento da pesquisa, os atores-pesquisadores deste estudo foram incorporados ao
programa de estágio profissionalizante da Universidade Potiguar na rede de saúde mental,
com o objetivo de desenvolver a expansão do programa no âmbito municipal, com anuência da gestão municipal de saúde mental.
REFERÊNCIAS
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