por Ana Luiza Castro Fernandes Dissertação apresentada com

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“Nanopartículas de prata, fulerenos e nanotubos de carbono: as interações de
nanomateriais com a unidade imunológica cutânea”
por
Ana Luiza Castro Fernandes
Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre em Ciências
na área de Saúde Pública.
Orientador: Prof. Dr. William Waissmann
Rio de Janeiro, março de 2012.
1
Esta dissertação, intitulada
“Nanopartículas de prata, fulerenos e nanotubos de carbono: as interações de
nanomateriais com a unidade imunológica cutânea”
apresentada por
Ana Luiza Castro Fernandes
foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:
Prof. Dr. Eduardo Fonseca Pinto
Prof. Dr. Sergio Rabello Alves
Prof. Dr. William Waissmann – Orientador
Dissertação defendida e aprovada em 19 de março de 2012.
2
Catalogação na fonte
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica
Biblioteca de Saúde Pública
F363
Fernandes, Ana Luiza Castro
Nanopartículas de prata, fulerenos e nanotubos de carbono: as
interações de nanomateriais com a unidade imunológica cutânea. /
Ana Luiza Castro Fernandes. -- 2012.
172 f. : il. ; tab. ; graf.
Orientador: Waissmann, William
Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde Pública
Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2012
1. Fulerenos. 2. Nanotubos de Carbono. 3. Nanopartículas
Metálicas. 4. Alergia e Imunologia. 5. Dermatopatias. I. Título.
CDD - 22.ed. – 616.97
AUTORIZAÇÃO
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a
reprodução
total
ou
parcial
desta
dissertação,
por
processos
fotocopiadores.
Rio de Janeiro, 19 de março de 2012.
________________________________
Ana Luiza Castro Fernandes
CG/Fa
Serviço de Gestão Acadêmica - Rua Leopoldo Bulhões, 1.480, Térreo – Manguinhos-RJ – 21041-210
Tel.: (0-XX-21) 2598-2730 ou 08000-230085
E-mail: [email protected] Homepage: http://www.ensp.fiocruz.br
3
À minha família e amigos,
por todo incentivo e companheirismo em mais esta jornada.
4
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer aos meus pais, Luiza e Aristides, às minhas irmãs, Ana Carolina
e Natalia e ao meu querido João pelo apoio incondicional, na realização deste projeto.
Não posso deixar de mencionar o exemplo e estímulos recebidos de todos os
professores da ENSP/FIOCRUZ. O meu agradecimento especial às amigas Maria das Graças
Mota Melo e Antônia Maria Gualberto dos Santos, aos orientadores William Waissmann e
Marisa Moura. Por participarem da minha banca examinadora e de qualificação, agradeço
também aos doutores José Augusto Nery, Eduardo Ricci Junior, Eduardo Fonseca Pinto,
Sérgio Rabello Alves, Jorge Ricardo da Silva e Josino Costa Moreira.
Às minhas companheiras de turma, Fernanda, Giovanna, Júlia, Leila, Luciana, Milena,
Patrícia e Zaíra, pelo apoio e crescimento pessoal e profissional.
Agradeço ao órgão de fomento à pesquisa CNPq, pelos recursos financeiros recebidos,
que permitiram o curso de mestrado com bolsa.
A todos os mestres, que embora não estejam aqui citados, participaram de alguma
forma do meu crescimento profissional e incentivo à pesquisa.
5
Os que se encantam com a prática sem a ciência são como os timoneiros que
entram no navio sem timão nem bússola, nunca tendo certeza do seu destino.
(LEONARDO DA VINCI)
6
RESUMO
O entendimento da interação destes nanomateriais com os constituintes da pele, dentre eles, a
unidade imunológica cutânea, é relevante para a determinação de parâmetros toxicológicos.
Realizou-se uma revisão, incluindo-se experimentos in vitro e in vivo, que abordassem a
interação de fulerenos, nanotubos de carbono e nanopartículas de prata com elementos do
sistema imunológico, com foco, especial, na resposta cutânea. Parte considerável das
referências encontradas concentrou-se nos efeitos citotóxicos e de permeação da pele. Em
menor escala, há artigos sobre ativação e imunomodulação de células e outros elementos
imunes. Poucos trabalhos tratam, especificamente, da resposta imunológica cutânea, limitando
o conhecimento relacionado.
Os achados sugerem que os nanomateriais analisados possam estar envolvidos em quadros
dermatológicos diversos, como dermatite de contato irritativa, reações anafilactóides, urticária
e angioedema.
Compreendeu-se que outros estudos precisam ser realizados para a confirmação desses dados.
A padronização da descrição de características dos nanomateriais empregados em
experimentos pode facilitar a comparação dos resultados.
Palavras-chave: Fulerenos. Nanotubos de carbono. Nanopartículas metálicas. Alergia e
Imunologia. Dermatopatias.
7
ABSTRACT
The understanding of nanomaterial interaction with skin constituents, among them, the skin
immune unit, is relevant to toxicological endpoints determination.
We conducted a review, including in vitro and in vivo studies, that addressed the interaction
of fullerenes, carbon nanotubes, and silver nanoparticles with immune system elements,
especially, focusing in skin response. A considerable part of references found concentrated in
cytotoxic effects and skin permeation. On a smaller scale, there are articles on
immunomodulation and activation of immune cells and other elements. Few studies address
specifically the cutaneous immune response, limiting the related knowledge.
The findings suggest that nanomaterial studied may be involved in various dermatological
conditions such as irritant contact dermatitis, anaphylactoid reactions, urticaria and
angioedema.
It was understood that further studies should be performed to confirm these data. The
description standardization of the characteristics of nanomaterial used in experiments may
facilitate results comparison.
Key words: Fullerenes. Nanotubes, Carbon. Metal nanoparticles. Allergy and Immunology.
Skin Diseases.
8
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS ................................................................................................................ 13
LISTA DE TABELAS ............................................................................................................... 14
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ................................................................................. 15
1.
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 18
1.1.
Nanociência ................................................................................................................ 18
1.2.
Nanomedicina: a aplicação de nanomateriais no setor da saúde ................................. 20
1.3.
Nanotecnologias e suas aplicações em dermatologia.................................................... 21
1.4.
Nanotoxicologia e o sistema imunológico cutâneo ....................................................... 23
1.5.
Justificativa ................................................................................................................ 26
1.6.
Objetivos .................................................................................................................... 27
1.6.1.
Objetivo geral ....................................................................................................... 27
1.6.2.
Objetivos específicos ............................................................................................. 27
1.7.
2.
Metodologia ................................................................................................................ 27
OS NANOMATERIAIS: DEFINIÇÃO, SÍNTESE E APLICABILIDADES ...................... 29
2.1.
Alótropos do carbono ................................................................................................. 29
2.2.
Nanopartículas de prata ............................................................................................. 33
3.
INTRODUÇÃO AOS CONCEITOS DA IMUNOLOGIA BÁSICA ................................... 40
3.1.
Imunidade Inata ......................................................................................................... 40
3.1.1.
Neutrófilos ........................................................................................................... 41
3.1.2.
Macrófagos .......................................................................................................... 42
3.1.3.
Células dendríticas ............................................................................................... 44
3.1.4.
Células NK e células T NK.................................................................................... 45
3.1.5.
Mastócitos e Basófilos .......................................................................................... 46
3.1.6.
Eosinófilos ........................................................................................................... 47
3.1.7.
Receptores de reconhecimento de padrões: os receptores Toll-like ......................... 48
3.1.8.
Peptídeos antimicrobianos .................................................................................... 50
3.1.9.
O sistema complemento ........................................................................................ 50
3.2.
Imunidade Adaptativa ................................................................................................ 52
9
3.2.1.
Linfócitos T .......................................................................................................... 52
3.2.2.
Linfócitos B.......................................................................................................... 54
4.
A UNIDADE IMUNOLÓGICA CUTÂNEA ...................................................................... 55
4.1.
Imunidade Inata Cutânea ........................................................................................... 56
4.1.1.
A barreira física cutânea ...................................................................................... 56
4.1.2.
A microbiota comensal cutânea ............................................................................ 62
4.1.3.
Neutrófilos ........................................................................................................... 64
4.1.4.
Macrófagos .......................................................................................................... 65
4.1.5.
Células dendríticas ............................................................................................... 66
4.1.6.
Células NK ........................................................................................................... 67
4.1.7.
Mastócitos e Basófilos .......................................................................................... 67
4.1.8.
Eosinófilos ........................................................................................................... 68
4.1.9.
Melanócitos.......................................................................................................... 68
4.1.10.
Receptores Toll-like .............................................................................................. 69
4.1.11.
Peptídeos antimicrobianos .................................................................................... 70
4.1.12.
O sistema complemento ........................................................................................ 71
4.2.
4.2.1.
Imunidade Adaptativa Cutânea .................................................................................. 72
Linfócitos T e B .................................................................................................... 72
5. INTERAÇÃO DOS NANOMATERIAIS COM OS ELEMENTOS DA UNIDADE
IMUNOLÓGICA CUTÂNEA ................................................................................................... 74
5.1.
Interação dos nanomateriais com elementos da resposta imunológica inata ............... 74
5.1.1.
Interação com os elementos da barreira física e permeação cutânea ...................... 74
5.1.1.1.
Alótropos do carbono .......................................................................................... 74
5.1.1.2.
Nanopartículas de prata ...................................................................................... 77
5.1.2.
Interação com a microbiota comensal cutânea ...................................................... 80
5.1.2.1.
Alótropos do carbono .......................................................................................... 80
5.1.2.2.
Nanopartículas de prata ...................................................................................... 83
5.1.3.
Interação com os neutrófilos na pele ..................................................................... 85
5.1.3.1.
Alótropos do carbono .......................................................................................... 85
5.1.3.2.
Nanopartículas de prata ...................................................................................... 87
5.1.4.
Interação com os macrófagos na pele.................................................................... 88
5.1.4.1.
Alótropos do carbono .......................................................................................... 88
5.1.4.2.
Nanopartículas de prata ...................................................................................... 91
5.1.5.
Interação com as células dendríticas na pele ......................................................... 93
5.1.5.1.
Alótropos do carbono .......................................................................................... 93
10
5.1.5.2.
Nanopartículas de prata ...................................................................................... 95
5.1.6.
Interação com as células NK na pele ..................................................................... 95
5.1.6.1.
Alótropos do carbono .......................................................................................... 95
5.1.6.2.
Nanopartículas de prata ...................................................................................... 96
5.1.7.
Interação com mastócitos na pele.......................................................................... 96
5.1.7.1.
Alótropos do carbono .......................................................................................... 96
5.1.7.2.
Nanopartículas de prata ...................................................................................... 97
5.1.8.
Interação com eosinófilos na pele ......................................................................... 98
5.1.8.1.
Alótropos do carbono .......................................................................................... 98
5.1.8.2.
Nanopartículas de prata ...................................................................................... 99
5.1.9.
Interação com melanócitos cutâneos ..................................................................... 99
5.1.9.1.
Alótropos do carbono .......................................................................................... 99
5.1.9.2.
Nanopartículas de prata ...................................................................................... 99
5.1.10.
Interação com receptores Toll-like na pele ............................................................ 99
5.1.10.1.
Alótropos do carbono .......................................................................................... 99
5.1.10.2.
Nanopartículas de prata .................................................................................... 100
5.1.11.
Interações com peptídeos antimicrobianos na pele ............................................... 100
5.1.11.1.
Alótropos do carbono ........................................................................................ 101
5.1.11.2.
Nanopartículas de prata .................................................................................... 101
5.1.12.
Interação com o sistema complemento na pele .................................................... 101
5.1.12.1.
Alótropos do carbono ........................................................................................ 101
5.1.12.2.
Nanopartículas de prata .................................................................................... 103
5.2.
Interação dos nanomateriais com elementos da resposta imunológica adaptativa..... 103
5.2.1.
Interações com os linfócitos T na pele ................................................................. 103
5.2.1.1.
Alótropos do carbono ........................................................................................ 103
5.2.1.2.
Nanopartículas de prata .................................................................................... 106
5.2.2.
Interação com os linfócito B e anticorpos ................................................................... 107
5.2.2.1.
Alótropos do carbono ........................................................................................ 107
5.2.2.2.
Nanopartículas de prata .................................................................................... 109
6.
DISCUSSÃO .................................................................................................................... 109
6.1.
Os nanomateriais e a resposta imune inata ............................................................... 110
6.1.1.
A interação com a barreira cutânea .................................................................... 110
6.1.2.
A interação com a microbiota comensal cutânea ................................................. 114
6.1.3.
A interação com os neutrófilos ............................................................................ 117
6.1.4.
A interação com os macrófagos .......................................................................... 119
6.1.5.
A interação com células dendríticas .................................................................... 122
11
6.1.6.
A interação com células NK ................................................................................ 126
6.1.7.
A interação com mastócitos ................................................................................ 127
6.1.8.
A interação com eosinófilos ................................................................................ 128
6.1.9.
A interação com melanócitos .............................................................................. 129
6.1.10.
A interação com receptores Toll-like ................................................................... 130
6.1.11.
A interação com peptídeos antimicrobianos ......................................................... 131
6.1.12.
A interação com o sistema complemento ............................................................. 131
6.2.
Os nanomateriais e a resposta imune adaptativa ...................................................... 133
6.2.1.
A interação com linfócitos T ............................................................................... 133
6.2.2
A interação com linfócitos B ........................................................................................ 134
7.
CONCLUSÃO ................................................................................................................. 137
GLOSSÁRIO .......................................................................................................................... 140
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 142
12
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Relação entre o tamanho da partícula e o número de átomos expressos na superfície......... 19
Figura 2 - Estrutura do fulereno ............................................................................................................ 30
Figura 3 - Estrutura do nanotubo de carbono de camada única (SWCNT) ........................................... 31
Figura 4 - Estrutura cutânea .................................................................................................................. 57
Figura 5 - Penetração de partículas através da matriz lipídica da camada córnea................................. 61
Figura 6 - Penetração de moléculas e microorganismos através dos corneócitos ................................. 62
13
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Elementos da resposta imunológica inata ............................................................................ 41
Tabela 2 - Interação de nanomateriais com a microbiota comensal cutânea ...................................... 115
Tabela 3 - Interação de alótropos do carbono e nanopartículas de prata com neutrófilos................... 119
Tabela 4 - Interação de alótropos do carbono e nanopartículas de prata com macrófagos ................. 123
Tabela 5 - Interação de alótropos do carbono e nanopartículas de prata com células dendríticas ...... 124
Tabela 6 - Interação de alótropos do carbono e nanopartículas de prata com mastócitos. .................. 128
Tabela 7 - Interação de alótropos do carbono e nanopartículas de prata com linfócitos T. ................ 135
Tabela 8 - Interação de alótropos do carbono e nanopartículas de prata com linfócitos B e anticorpos.
............................................................................................................................................................. 136
14
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BAL (bronchoalveolar lavage) – lavado broncoalveolar
CCR4 e 10 – (chemokine receptor) – receptor de quimiocina 4 e 10
CD1a (Cluster of Differentiation 1a) - Grupamento de diferenciação 1a
CD4+ (cluster of differentation )- Grupamento de diferenciação 4
CD8+ (cluster of differentation ) - Grupamento de diferenciação 8
CCR1, 3 – receptor do complemento tipo 1, tipo 3
CLA - antígeno cutâneo linfocitário
CpG – citosina e guanina não metilados de DNA
CO2 – dióxido de carbono
CSNT - cup-stacked type carbon nanotubes
CXCR2 – receptor de quimiocina tipo 2
DNA (deoxyribonucleic acid) - Ácido desoxirribonucleico
DWCNT (Double-walled carbon nanotube) – nanotubo de carbono de parede dupla
ELISA - Enzyme-Linked Immunoabsorbent Assay
Fas/FasL – Fas/Fas ligante
HBD (Human beta-defensines) – beta-defensinas humanas
HEK (Human Embryonic Kidney) – Células embrionárias de rim humano
HIV (human imunodeficiency virus) – vírus da imunodeficiência humana
HPV (human papillomavirus) – papilomavírus humano
ICAM (intercellular adhesion molecules) – molécula de adesão intercelular
IFN-γ – Interferon gama
IgE – imunoglobulina E
IgG – imunoglobulina G
IL – Interleucina
LC - células de Langerhans
LDH (lactate dehydrogenase) – lactato desidrogenase
LFA-1 (lymphocyte function-associated ) – integrina associada à função linfocitária
LL-37 – catelicidina
LPS – lipopolissacarídeo
LTA (lipoteichoic acid) – ácido lipoteicóico
LTB4 – leucotrieno B4
15
MALT (mucousa- associated lymphoid tissue) – tecido linfóide associado à mucosa
MCC – mastócito que contém quimase
MCT – mastócito que contém triptase
MCTC – mastócito que contém quimase e triptase
MHC (major histocompatibility complex) - complexo principal de histocompatibilidade
MIF (migration inhibitory factor) - fator inibitório da migração
MRSA (Methicillin-resistant Staphylococcus aureus) – S. aureus resistente à meticilina
MTT – brometo de 3-(4,5)-dimetiltialzolil -2,5 difeniltetrazólio
MWCNO - Multiwalled carbon nano-onion – nano-cebolas carbônicas de múltiplas camadas
MWCNT (Multiwalled carbon nanotube) – nanotubo de carbono com múltiplas camadas
m2 – metro quadrado
NADH (nicotinamide adenine dinucleotide) – nicotinamida adenina dinucleotídeo reduzido
NET (Neutrophil extracelular traps) – “armadilhas” neutrofílicas extracelulares
NFkB (nuclear factor kappa B) – fator nuclear kappa B
NK – células Natural Killer
nm – nanômetro
NO – Óxido nítrico
OVA - ovoalbumina
PAF (platelet activator factor) – fator ativador de plaquetas
pAMps – (pathogen-associated molecular patterns) – padrão molecular associado a patógeno
PDT (photodynamic therapy) – terapia fotodinâmica
PEG (polyethylene glycol)- polietilenoglicol
RANTE – regulated upon activation normal T cell expressed and secreted
RNAi - ribonucleic acid interference
ROS (reactive oxygen species) – espécies reativas de oxigênio
SALT (Skin-Associated Lymphoid Tissues)- tecido linfóide associado à pele
SEM (scanning electron microscopy) – microscopia eletrônica de varredura
siRNA – small interferings RNA
SIS (Skin Immune System) – Sistema Imunológico Cutâneo
SWCNT (Single-walled carbon nanotube) – nanotubo de carbono de parede única
TEM (transmission electron microscopy) – microscopia eletrônica de transmissão
Th1 e Th2 – T helper 1 e 2
TiO2 – dióxido de titânio
TFD – terapia fotodinâmica
16
TLRS ( Toll-like receptors )- receptor Toll-like
TNF (tumor necrosis factor)– fator de necrose tumoral
VCAM-1 (vascular cell adhesion molecule) – molécula de adesão a parede vascular
ZnO – óxido de zinco
17
1. INTRODUÇÃO
1.1.
Nanociência
No século XX, mais precisamente no ano de 1959, o físico norte-americano Richard
Feynman prenunciava uma nova era tecnológica, com a manipulação de partículas e materiais
em escala nanométrica. Durante a reunião anual da American Physical Society, Feynman
proferiu a palestra “There’s plenty of room at the bottom”, onde discutiu a possibilidade de
manipulação atômica e desafiava a comunidade cientifica a condensar na cabeça de um
alfinete, os 24 volumes da Enciclopédia Britânica1. No entanto, somente na década de 80,
deste mesmo século, a observação e consequente manipulação atômica tornou-se realidade
com a criação do microscópio de tunelamento, o que permitiu a difusão da nanotecnologia. A
nanociência desponta hoje com a promessa de uma nova revolução tecnológica e industrial
baseada na produção de matéria-prima, energia e uma gama de instrumentos em nanoescala2;
3
.
A escala nanométrica corresponde à bilionésima parte do metro (10-9), de modo que
estruturas nesta ordem de grandeza são maiores do que os átomos, porém geralmente menores
do que organelas celulares e vírus
4; 5
. Os nanomateriais são encontrados em objetos datados
de muitos séculos atrás, embora nesta época, não se conhecessem as nanopartículas, ou fosse
possível
explicar
porque
a
nanoescala
determinava
propriedades
físico-químicas
diferenciadas. Os egípcios, no período Greco-romano, utilizavam nanocristais de chumbo,
medindo 5 nm, para tingir os cabelos de preto6 e os chineses já faziam uso de nanopartículas
de ouro como um corante vermelho inorgânico, em porcelanas há mais de mil anos 7..
As nanopartículas podem ser encontradas no ambiente como resultado de uma erupção
vulcânica ou queima de combustíveis orgânicos8. Estima-se hoje que as partículas ultrafinas
oriundas da queima de combustíveis como o diesel, representem até 80% das partículas
suspensas no ar em um ambiente urbano9. Além disso, a incorporação de nanotecnologias em
uma série de bens de consumo tem aumentado de forma exponencial a exposição a estes
nanomateriais e com isso fomentado a discussão acerca dos riscos à saúde humana e
ambiental.
A nanotecnologia não representa apenas uma miniaturização de partículas, mas
envolve a capacidade de produzir voluntariamente átomos e moléculas, que em uma escala
18
tão reduzida, apresentam propriedades físicas, químicas e biológicas diferenciadas dos seus
pares habitualmente encontrados10;
11
.
Para que um material seja considerado produto da
nanotecnologia deve ter pelo menos uma de suas dimensões na escala de 1 a 100 nm e isso
pode incluir desde nanopartículas, até filmes finos e materiais de maior dimensão, desde que
este último seja composto por nanoestruturas 7. A dimensão nanométrica faz com que uma
grande parte do volume de átomos de uma molécula encontre-se na sua superfície, o que
garante uma enorme reatividade destas estruturas, com múltiplas aplicações (Figura 1)12.
Figura 1 - Relação entre o tamanho da partícula e o número de átomos expressos na superfície
Legenda: As partículas com diâmetro inferior a 100 nm expressam na superfície um número de moléculas
inversamente proporcional ao tamanho.
Fonte: Nel et al 12, 2006, p.623
O consumo de produtos que contém nanotecnologias já é uma realidade. Praticamente
todos os setores produtivos incorporam algum tipo de nanomaterial 3, ainda que este uso seja
desconhecido por grande parte dos consumidores. A indústria de eletrônicos tem sido uma
das mais beneficiadas por esta nova tecnologia desenvolvendo aparelhos como computadores
e celulares de alto desempenho e dimensões reduzidas. Além disso, os nanomateriais podem
ser encontrados em produtos alimentícios, vestuário, fármaco, dentre outros4.
19
1.2.
Nanomedicina: a aplicação de nanomateriais no setor da saúde
O setor da saúde corresponde, hoje, em média, a apenas 8% da produção mundial das
indústrias relacionadas às nanotecnologias13, embora represente um mercado consumidor
diferenciado, com grande potencial de crescimento. Muitas inovações já estão disponíveis, ao
tempo que tantas outras ainda se encontram em fase experimental. Desta forma nanomateriais
têm sido empregados como carreadores de drogas, agentes terapêuticos, contrastes para
exames de imagem, métodos diagnósticos laboratoriais como biossensores e na confecção de
biomateriais, a exemplo de próteses ortopédicas 14.
Dentro da nanomedicina, uma das áreas que mais se desenvolve hoje é a dos
nanocarreadores de fármacos e agentes diagnósticos direcionados para ação em sítio
específico, respondendo por três quartos das pesquisas e do mercado deste segmento 14; 15. As
nanopartículas podem carrear elementos diversificados como material genético, drogas e
agentes diagnósticos para células e elementos do meio extracelular 15.
Uma diversidade de nanocarreadores com propriedades diferenciadas encontram-se
disponíveis a exemplo de lipossomas, dendrímeros, nanopartículas sólidas, nanopartículas
poliméricas, entre outros
16; 17
. A substância carreada pode ser encapsulada, adsorvida ou
ligada de forma covalente a estas estruturas
15
. Em relação aos fármacos, a associação à
nanopartícula permite um aumento da solubilidade em água da substância, altera a sua
biodisponibilidade, reduzindo muitas vezes os efeitos colaterais
17; 18
. O direcionamento a
alvos específicos pode ser realizado através da funcionalização das nanopartículas com a
adição de polímeros ou outras moléculas a sua superfície15.
O emprego de nanocarreadores vem trazendo novas perspectivas para o tratamento de
neoplasias sólidas. Os tumores geralmente apresentam maior vascularização e aumento da
permeabilidade vascular, favorecendo o acúmulo de nanopartículas pós administração
parenteral 15. Assim, as nanopartículas podem carrear quimioterápicos e agentes diagnósticos,
além de permitirem a terapia gênica e a ablação térmica da lesão quando magnetizadas 19.
Uma nova modalidade de terapia denominada ribonucleic acid interference (RNAi)
consiste na utilização de RNA associado a um vetor para regulação da expressão gênica,
permitindo o tratamento de diversas doenças a nível individual. Embora a técnica seja
promissora, muitas dificuldades se apresentam para o direcionamento do RNA ao sítio alvo.
20
O desenvolvimento de nanocarreadores para a esta molécula pode facilitar a permeação
celular e a ação específica no sítio alvo sem que o material seja destruído em vesículas
endossômicas ou ative uma resposta imunológica se ligando a receptores citoplasmáticos,
como os Toll-like receptors (TLR) 20.
A utilização de nanopartículas em métodos diagnósticos leva ao aprimoramento da
qualidade dos exames e a detecção de alterações em uma nova escala21. Os biossensores são
estruturas com um sensor biológico que converte mudanças ambientais em estímulo elétrico
ou óptico sendo utilizados para o diagnóstico molecular de alterações genéticas, infecções
bacterianas e virais, alterações metabólicas e deficiências nutricionais22. A incorporação de
nanomateriais com sua superfície altamente reativa nestes sensores permitiu o aumento da
sensibilidade dos dispositivos para a detecção de ácidos nucléicos, proteínas e íons22. A
aplicação de nanopartículas se estende também aos exames de imagem, de forma que
nanocristais de óxido ferroso, por suas propriedades magnéticas, podem ser utilizados como
contraste em ressonância magnética 15.
Muitas ainda são as possibilidades de ampliação do emprego de nanotecnologias na
área médica, embora não seja o escopo deste trabalho. Passaremos a discutir as aplicações na
área dermatológica, de grande interesse para o estudo da interação de nanomateriais com a
pele.
1.3.
Nanotecnologias e suas aplicações em dermatologia
A área da dermatologia tem sido uma das mais beneficiadas, tanto no campo
diagnóstico quanto terapêutico, com os avanços trazidos pelas nanotecnologias
23
. Os
nanomateriais de interesse para aplicação nesta área podem ser classificados como: i)
nanomateriais que frequentemente têm contato com a pele; ii) nanomateriais desenvolvidos
para melhorar a função e aparência da pele; iii) nanomateriais utilizados para o diagnóstico e
terapêutica de doenças cutâneas; iv) nanomateriais relacionados ao desenvolvimento de
doenças cutâneas 24. Na literatura, já se observam trabalhos propondo inovações nos métodos
diagnósticos, como a tomografia cutânea
25
, biossensores
5
e terapêuticos como laser
terapia fotodinâmica27, síntese de tecido artificial para feridas crônicas28, curativos
29
26
,
e
nanocarreadores de drogas tópicas 23.
21
No entanto, dentre estas possíveis aplicações, o maior impacto vem sendo observado
na veiculação de fármacos e cosmecêuticos. Na atualidade, a indústria de cosméticos nos
Estados Unidos encontra-se na sexta posição em relação à detenção de patentes com
nanotecnologias, superando as indústrias de eletrônicos e automóveis24;
30
. Uma série de
inovações são propostas para filtros solares, hidratantes e medicações de uso tópico. Um
grande investimento está sendo feito no desenvolvimento de nanocarreadores de drogas
capazes de permear a pele, de modo a veicular substâncias para estratos cutâneos mais
profundos e até mesmo visando ação sistêmica 23. Alguns fármacos e cosmecêuticos já foram
incorporados à nanocarreadores como retinóides, filtros solares, metotrexato, calcipotriol,
minoxidil entre outros 31; 32; 33 .
Os filtros solares inorgânicos são constituídos por partículas metálicas, como óxido de
zinco (ZnO) e dióxido de titânio (TiO2), que por suas características físicas necessitam de um
veículo oleoso para serem dissolvidas, acarretando baixa aceitação cosmética do produto 5; 23.
A nanoparticulação do TiO2 e do ZnO permitiu a criação de filtros solares inorgânicos mais
fluídos, de fácil aplicação, transparentes e com uma maior capacidade de refletir a radiação
ultravioleta34. Estima-se hoje na Austrália, a despeito de toda discussão a cerca dos riscos
tóxicos destas nanopartículas metálicas35, que o TiO2 esteja nanoparticulado em 70% dos
filtros do mercado com esta substância, enquanto para o ZnO esta relação é de 30%36.
As nanopartículas de prata encontram-se entre as nanopartículas mais utilizadas em
bens de consumo na atualidade21. Sua aplicação é diversificada em utensílios de uso
doméstico, como roupas e materiais de esporte, bem como cosméticos e materiais de uso
hospitalar, a exemplo de catéterers e curativos
37; 38
. A ampla utilidade da prata ocorre
principalmente por seus efeitos bactericidas, que foram amplificados pela sua redução à
nanoescala 39.
A alta especificidade de biossensores contendo nanomateriais pode levar à superação
de técnicas convencionais para estudo da pele, como biópsia cutânea e culturas para microorganismos 5. Os biossensores podem oferecer como vantagens a rapidez de resultados, menor
invasão do organismo, exigindo uma quantidade ínfima de material para o exame 5.
O diagnóstico e a terapêutica de neoplasias cutâneas também podem ser modificados
pelo emprego das nanotecnologias. Os pontos quânticos são nanopartículas cristalinas
semicondutoras40, com um diâmetro que varia, em geral, de 1 a 20 nm15. Estas nanopartículas
possuem propriedades ópticas e elétricas, que permitem a emissão de fluorescência intensa e
22
duradoura, cujo comprimento de onda varia da radiação ultravioleta ao infravermelho
5; 15; 41
.
Assim, os pontos quânticos são promissores na investigação do linfonodo sentinela,
permitindo a realização do exame sem danificar a pele ou modificar a estrutura da lesão
suspeita, podendo ter grande aplicação no estudo de metástases de melanomas cutâneos 5.
Os pontos quânticos também podem ser utilizados como sondas de outro método
diagnóstico, a espectroscopia Raman. Esta técnica consiste na detecção de vibrações das
ligações covalentes entre átomos, quando estas estruturas são estimuladas pele luz 5. O
conjunto de emissão de espectros é único de forma que é possível o estabelecimento de
padrões que identifiquem, por exemplo, uma neoplasia5. Esta técnica já foi utilizada para a
distinção de neoplasia cutânea maligna e benigna, podendo ser aplicada para delimitação das
margens cirúrgicas de tumores42. Outra nanopartícula de interesse nesta área é a de ouro, que,
na forma de nanoshells, pode ser funcionalizada com anticorpos direcionados ao tumor, de
modo que se fixe à neoplasia. A aplicação de laser sobre estas nanopartículas permitiria então
a destruição de tumores por fototermólise seletiva43.
A nanociência revoluciona também o desenvolvimento de vacinas. A conjugação de
nanopartículas a antígenos permitiu a utilização da via transdérmica e transfolicular para a
imunização 23. Isso é possível porque a pele possui um conjunto de células apresentadoras de
antígenos, as células de Langerhans e dendríticas, que ativam células T efetoras, induzindo
uma resposta imunológica efetiva 44.
Ainda de aspecto mais futurista, tem se pensado no emprego de nanofibras com
propriedades semicondutoras em tecidos. Estas nanofibras seriam capazes de converter sinais
luminosos em corrente elétrica, que amplificada em computadores geraria imagens 5. Dessa
forma, se propõe uma monitorização de estruturas cutâneas, como nevos atípicos e lesões
inflamatórias, a exemplo de psoríase e dermatite atópica, através de roupas, um método que
seria mais cômodo e talvez mais eficaz do que os convencionais 5.
1.4.
Nanotoxicologia e o sistema imunológico cutâneo
A pele humana recobre uma área de superfície, que mede entre 1,5 a 2m2 45, sendo
potencialmente um sítio de penetração de agentes diversos. Este órgão pode ser exposto a
nanomateriais através de preparações tópicas, artigos de vestuário, utensílios domésticos, no
local de trabalho e até mesmo no meio ambiente
24
. O nanomaterial pode se encontrar na
23
forma de aerodisperssóide ou sólido, diluído ou não, em concentrações variadas ao contato
com a pele, implicando em diferentes riscos toxicológicos 24.
Como anteriormente mencionado, as nanopartículas encerram novas propriedades
físico-químicas, como uma superfície mais reativa. Sendo assim, os efeitos da sua interação
com a pele não podem mais ser estimados apenas pelo conhecimento acerca da toxicologia
das partículas convencionais. A possibilidade de nanopartículas, programadas inicialmente
para ação apenas na superfície cutânea, serem absorvidas atingindo outros órgãos, com
conseqüências ainda desconhecidas, é uma preocupação da comunidade científica. Dessa
forma, entidades como a Sociedade de Nanodermatologia (Nanodermatology Society) têm
sido criadas, objetivando a monitorização de novos nanomateriais e o financiando de
pesquisas na área de nanotoxicologia, para disseminação do conhecimento24.
Apesar da definição de nanomateriais restringir o diâmetro entre 1 a 100 nm, as
propriedades diferenciadas atribuídas a estas estruturas em escala nanométrica podem ser
observadas, algumas vezes, em partículas medindo até 1000 nm 14; 24. Deve ser lembrado, no
entanto, que para o início das pesquisas em nanotoxicologia, foi necessária a fixação de uma
faixa de tamanhos que facilitasse o desenvolvimento de técnicas para avaliação da estrutura e
seus impactos nos organismos e no ambiente
14
.
Isso não significa, entretanto, que os
nanomateriais de tamanhos próximos à faixa proposta, não possuam uma maior interação com
a pele e consequetemente potenciais efeitos tóxicos. Pode-se citar, como exemplo,
nanocarreadores de drogas como as nanopartículas poliméricas (10-1000 nm)
nanopartículas sólidas (40-1000 nm)
47
e lipossomas (25 nm – 500 nm)
16; 23
46
,
, que, mesmo
podendo ser maiores do que 100nm, continuariam sendo capazes de permear a pele e interagir
com células e outros elementos inflamatórios, presentes nesta localização48.
Quanto aos riscos toxicológicos, as nanopartículas de interesse para uso na
dermatologia podem ser agrupadas em: i) partículas solúveis ou biodegradáveis que se
desintegram após a aplicação na pele, liberando seus componentes moleculares (Ex:
lipossomas, nanoemulsões), e ii) partículas insolúveis e/ou biopersistentes (fulerenos,
nanotubos de carbono, TiO2 e pontos quânticos)49; 50. A classificação das nanopartículas em
uma destas categorias tem impacto no estudo dos riscos toxicológicos. Assim, as
nanopartículas biopersistentes teriam maior potencial tóxico, pois encerram maior risco de
acúmulo secundário em órgãos alvos, especialmente após aplicações repetidas na pele 50.
24
Estudos diversos demonstram a capacidade de nanopartículas com características
específicas permearem a pele íntegra ou danificada
51
. Propriedades físico-químicas, como o
tamanho reduzido, fazem com que estas nanopartículas possam migrar para o interior da
célula através de endocitose, permeação direta da membrana celular, no caso de partículas
lipofílicas, ou se utilizarem de canais da membrana, quando menores do que 5 nm52. Em
relação à pele, ainda há a possibilidade de permeação das nanopartículas através das aberturas
dos folículos pilosos e glândulas sudoríparas51. A utilização de produtos contendo
nanomateriais em doenças cutâneas onde a epiderme encontra-se comprometida, como a
dermatite atópica e a psoríase, pode representar a absorção de uma maior quantidade das
substâncias químicas veiculadas, bem como da própria nanopartícula
24
. O fato de muitos
nanomateriais serem projetados para aumentar a permeação cutânea, como nanocarreadores
de drogas tópicas, pode aumentar ainda mais os riscos tóxicos em soluções de continuidade da
pele 5.
No meio intracelular, as nanopartículas, na dependência do seu tamanho e
composição, podem induzir estresse oxidativo com a produção de radicais livres e danos
diretos ao ácido desoxirribonucleico (DNA)53. Freyre-Fonseca et al. (2011)54 demonstraram
que nanopartículas de TiO2 diminuem os níveis de nicotine adenine dinucleotide reduced
(NADH) nas mitocôndrias além de reduzirem a sua função e potencial transmembrana, pela
produção de radicais livres. Todo este processo desencadeia a síntese de mediadores
inflamatórios, ativando células envolvidas na resposta imunológica de forma direta e
indireta52.
O estudo do impacto de nanomateriais em contato com a pele, necessariamente
abrange o estudo da interação de nanopartículas com o sistema imunológico cutâneo.
Especificidades da resposta imunológica neste sítio, como uma barreira física complexa e
populações de células apresentadoras de antígenos e células T efetoras aí localizadas,
permitem a sugestão de uma unidade imunológica específica na pele
55
. A interação de
nanopartículas com elementos do sistema imunológico é conhecida e tem permitido inclusive
o desenvolvimento de carreadores para drogas com ação no citoplasma de células
inflamatórias, como os macrófagos
56
. Os elementos imunes da pele também são capazes de
interagir com nanomateriais e a despeito de potenciais riscos toxicológicos, este fato também
tem sido aplicado no desenvolvimento de vacinas de administração transdérmica 57.
25
1.5.
Justificativa
Observa-se hoje, um momento de intensos questionamentos, onde as pesquisas sobre
os nanomateriais e o impacto destes à saúde humana e ao ambiente não são capazes de
acompanhar a velocidade de desenvolvimento de novos produtos 58. O princípio da prevenção
vem sendo utilizado em detrimento ao da precaução, e os produtos são postos ao consumo
sem o conhecimento dos seus reais riscos. Sabe-se que qualquer nova tecnologia encerra
benefícios e riscos que devem ser discutidos de forma objetiva e clara 59.
As maiores dificuldades encontram-se, hoje, na determinação de limites seguros de
exposição, ponto essencial para o estudo da nanotoxicologia. A maior reatividade química e
biodisponibilidade das nanopartículas resultam em maior toxicidade dessas estruturas quando
comparadas a outros materiais quimicamente semelhantes, porém, de maior dimensão11.
Diversos questionamentos referentes à interação de nanomateriais com a pele são feitos como
a penetração através de barreiras fisiológicas íntegras e danificadas, citotoxicidade, indução
de estresse oxidativo e inflamação, além da mutagenicidade60.
A exposição cutânea pode ocorrer também de forma involuntária no meio ambiente e
indústrias, uma vez que cada vez mais os nanomateriais são matérias-primas ou resíduos de
processos produtivos61. Um exemplo de nanomaterial envolvido na exposição ocupacional são
os alótropos do carbono, como nanotubos de carbono e fulerenos
62
. As indústrias de síntese
destes nanomateriais são uma das que mais se desenvolvem pela diversidade de aplicações
destas estruturas
exposição
63
62
, sendo que as vias respiratórias e cutânea são as principais implicadas na
. A exposição ocupacional aos alótropos de carbono teoricamente pode ocorrer
em qualquer fase do processo produtivo, embora não seja esperada na fase inicial de síntese,
quando as técnicas de segurança geralmente são mais rígidas e se trabalha com pequenas
quantidades do nanomaterial 63.
Potencialmente, os nanomateriais encerram riscos de dermatite de contato alérgica ou
por irritante, uma vez que estas estruturas podem representar novos alérgenos, haptenos,
agentes de reações cruzadas, além de produzirem danos ainda desconhecidos24. Observa-se
assim que muitos dos riscos estimados da interação de nanomateriais com a pele envolvem
em sua fisiopatogenia elementos da resposta imunológica cutânea. O entendimento de cada
passo envolvido neste processo é relevante para a construção do conhecimento acerca da
nanotoxicologia.
26
Este trabalho aborda a interação de alguns nanomateriais comumente expostos à pele,
com a unidade imunológica cutânea. Foram selecionados nanomateriais de importância na
potencial exposição cutânea ocupacional, como os alótropos do carbono, ou já comuns em
bens de consumo e produtos de uso médico, como as nanopartículas de prata. Deve ser
lembrado que a ampla aplicabilidade das nanopartículas de prata na indústria faz com que
estas estejam relacionadas também à exposição de cunho ocupacional. Uma análise da
literatura existente, discutindo-se a resposta imune cutânea, bem como a interação desta com
nanomateriais foi necessária para o direcionamento dos trabalhos, até mesmo para aspectos
ainda não abordados.
1.6.
Objetivos
1.6.1. Objetivo geral
Revisar a literatura sobre os mecanismos imunológicos cutâneos relacionados à
exposição a nanomateriais.
1.6.2. Objetivos específicos
- Revisão da anatomia e histologia da pele, com vista aos constituintes do sistema imune
cutâneo;
- Revisão da resposta imune cutânea;
- Categorização dos nanomateriais em função de estruturas/componentes básicos, associandoos com potenciais respostas imunes cutâneas;
1.7.
Metodologia
27
O presente trabalho foi realizado a partir de uma revisão bibliográfica dos artigos
científicos, incluindo estudos clínicos e laboratoriais, relatos de caso, revisões, editoriais,
cartas e domínios na internet referentes ao tema de instituições governamentais e não
governamentais. O levantamento bibliográfico considerou artigos e documentos publicados
impressos ou na internet até 31 de novembro de 2011.
Para as buscas, foram utilizadas as bases de dados eletrônicas Academic Search
Premier (EBSCO), Cross Search (Isi Web Services WOK), Medline, Ovid MEDLINE, Scielo
e Scopus. Uma revisão também foi realizada nas bibliografias dos artigos encontrados. A
pesquisa se restringiu aos idiomas inglês, francês, espanhol e português.
Os descritores propostos foram divididos de acordo com os objetivos específicos,
como se segue, e associados para a busca através dos operadores booleanos AND e OR:
i)
Anatomia e histologia cutâneos – pele, camada cornea, queratinocitos,
desmossoma, camada basal, camada espinhosa, camada granulosa, glandulas
sebaceas, glandulas sudoriparas, foliculo piloso, folículos do cabelo, melanócito;
ii)
Imunidade geral e cutânea – alergia, imunidade adaptativa, imunidade adquirida,
imunidade humoral, imunidade inata, imunidade mediada por células,
queratinocitos, peptideo antimicrobiano, interleucina, quimiocina, fator de
necrose tumoral, complemento, celulas apresentadoras de antigenos, celulas
dendriticas, celulas de Langerhans, hipersensibilidade, neutrofilos, mastocitos,
linfocitos, linfocitos T, linfócitos T auxiliares, linfocitos T CD4-positivos,
linfocitos T CD8-positivos, linfócitos T citotóxicos, linfocitos B, macrofagos,
celulas Natural Killer, basofilos, eosinofilos, anticorpos, fagocitose, resposta
imune Th1, resposta imune Th2, vacina.
iii)
Nanotecnologias
–
nanoparticulas,
nanomateriais,
nanotecnologia,
nanoestrutura, nanotubos de carbono, fulereno, nanoparticula de prata;
Os trabalhos foram divididos nas seguintes categorias temáticas: anatomia e histologia
cutâneos; imunidade geral e cutânea, nanotecnologias. Objetiva-se uma apresentação sintética
das principais estruturas envolvidas na resposta imunológica cutânea. A partir do
conhecimento destas estruturas, foi feita uma revisão dos trabalhos científicos que descreviam
interações dos nanomateriais citados com cada uma delas, visando à construção do
conhecimento acerca da resposta imunológica desencadeada na pele.
28
2. OS NANOMATERIAIS: DEFINIÇÃO, SÍNTESE E APLICABILIDADES
2.1.
Alótropos do carbono
Os alótropos do carbono representam um dos nanomateriais mais investigados na
atualidade por sua ampla aplicabilidade nas áreas médica e tecnológica. O termo químico
alótropo refere-se às estruturas compostas por um único elemento, que diferem apenas quanto
à configuração espacial. A hibridização específica do carbono e as ligações estabelecidas com
os átomos ao seu redor irão determinar a natureza do alótropo, podendo este ser um nanotubo
de carbono, fulereno, grafite ou diamante. Os fulerenos e os nanotubos de carbono, que serão
abordados neste trabalho, apresentam uma hibridização do tipo sp2 64.
Os fulerenos foram descobertos em 1985 por Kroto e colaboradores
nanomateriais possuem uma estrutura esférica oca
estão organizados em anéis policíclicos
66
65
63
.
Estes
, de forma que os átomos de carbono
(Figura 2). Diferentes tipos de fulerenos podem ser
gerados de acordo com o radical presente na sua superfície, o seu processo de síntese e o
número de átomos de carbono utilizados, tendo por exemplos o C60 e o C80
63
. O primeiro
fulereno sintetizado foi o C60, também conhecido como buckminsterfullerene, com 60 átomos
de carbono dispostos em pentágonos e hexágonos, compondo estrutura semelhante a uma bola
de futebol 67.
Assim como outros nanomateriais, os fulerenos possuem uma superfície altamente
reativa. Oferecem como vantagem uma grande atividade biológica, devido à facilidade de
adesão de radicais em sua superfície, ampliando suas aplicações 63.
A síntese de fulerenos ocorre por processos diversos como a condensação dos vapores
de grafite ou da fuligem gerada pela vaporização deste mesmo material. Os fulerenos não são
apenas de natureza sintética e as formas C60 e C70 podem ser observadas na natureza,
derivadas de processos altamente energéticos como o choque de um meteoro com materiais
metamórficos e amostras geológicas 69.
29
Figura 2 - Estrutura do fulereno
Fonte: Fulereno 68, 2012
Atualmente, os fulerenos têm sido utilizados na síntese de sistemas carreadores de
drogas, cosméticos, lubrificantes, catalisadores, polímeros modificados, e artigos esportivos
63
. Devido à capacidade de reagir com diferentes espécies químicas, especialmente radicais
livres, como superóxidos, hidroxilas e liporradicais
70; 71
, os fulerenos têm sido empregados
em cosméticos como antioxidantes. Este efeito é potencializado ainda pela ação inibitória
deste nanomaterial sobre o citocromo P450 dependente da monooxigenase
72
. Ainda devido
ao efeito antioxidante, o uso tópico de fulerenos também tem sido proposto no tratamento da
acne, com possível benefício na redução do sebo e da infiltração de neutrófilos
73
. A
capacidade de fulerenos reduzirem a síntese de radicais livres, induzida pela exposição às
radiações ultravioleta A (UVA) e B (UVB), favorece também o emprego destes nanomateriais
em filtros solares
74; 75
. Outra característica deste nanomaterial é a capacidade de inibir a
melanogênese induzida pela radiação UVA em melanócitos humanos, podendo ser aplicado
como agente despigmentante 76.
Os nanotubos de carbono foram descritos, em 1991,
66
e são compostos por uma ou
mais paredes de grafeno encurvadas 67; 77 (Figura 3). De acordo com o número de paredes, há
três tipos de nanotubos de carbono: parede única (SWCNTs), parede dupla (DWCNTs) e o de
múltiplas paredes (MWCNTs), que diferem quanto ao maior diâmetro
78
. Os SWCNTs
medem entre 0,4 a 3 nm, os DWCNTs 1 a 3 nm enquanto os MWCNT têm diâmetro entre 2100 nm 78; 79.
Os nanotubos de carbono são produzidos a partir de três métodos básicos; descarga
elétrica em arco, ablação a laser e deposição de vapores químicos
81
. Durante a síntese dos
30
nanotubos de carbono, frequentemente, quantidades significativas de ferro82, níquel
83
e
cobalto ficam retidos no seu interior , já que são catalizadores utilizados em suas sínteses
82;
84
84
. Estes metais contaminantes podem ter efeito biológico ao atuarem como catalisadores de
reações de estresse oxidativo 82, induzindo a formação de radicais livres, acúmulo de peróxido
e depleção de antioxidantes 81.
Figura 3 - Estrutura do nanotubo de carbono de camada única (SWCNT)
Fonte: Dornelles et al 80 , 2011
Em relação ao estudo da toxicologia dos nanotubos de carbono, outros fatores, além
das novas propriedades físico-químicas trazidas pela escala nanométrica, devem ser
considerados. Estes nanomateriais têm relação comprimento-largura que os faz poderem ser
considerados como fibras, de modo que seu potencial tóxico pode ser comparado ao do
asbesto, além de uma semelhança estrutural com os grafites, levar à discussão da
possibilidade de biopersistentência e acúmulo em longo prazo 81.
Devido às suas propriedades mecânicas, estruturais e de transporte diferenciadas, os
nanotubos têm sido aplicados na síntese de nanocarreadores de drogas, biossensores, plásticos
resistentes, blindagem eletromagnética, microscópios de varredura por sonda, fibras
resistentes, além de outras utilidades na área médica e nas indústrias aeroespacial, de
computação e de eletrônicos 66; 79; 83; 85 86.
Uma aplicabilidade dos nanotubos de carbono têm sido a de vetores para o transporte
de moléculas terapêuticas 87, permitindo o desenvolvimento de vacinas mais imunogênicas
88
e de drogas com ação sítio-específica, reduzindo efeitos colaterais 89. Em comparação a outros
nanocarreadores, os nanotubos de carbono oferecem algumas vantagens como a possibilidade
31
de incorporação de maior volume de drogas e meios diagnósticos, tanto por sua grande área
de superfície, quanto pela utilização do seu interior para veiculação dessas substâncias 90.
Além disso, alguns nanotubos de carbono com formato de agulha são capazes de
permear células independentemente do processo de endocitose, permitindo o direcionamento
de drogas para o citoplasma de forma rápida 91. O processo de vetorização a sítios específicos
é feito a partir da funcionalização dos nanotubos de carbono, processo que pode permitir,
ainda, o desvencilhamento de elementos do sistema imunológico, aumentando a
biodisponibilidade das substâncias carreadas 90.
Os alótropos do carbono como o grafite, os nanotubos de carbono, as esferas de
carbono, as fibras de carbono e os carbonos poroso e vítreo também podem ser empregados
como transdutores eletroquímicos dos biossensores
92
. A manutenção da condutividade dos
nanotubos de carbono, mesmo após a adsorção de moléculas em sua superfície
93
, além de
outras propriedades físico-químicas, que permitem a promoção de reações de transferência de
elétrons de biomoléculas como NADH, ácido ascórbico, catecolaminas e o citocromo C, tem
motivado o emprego deste nanomaterial em biossensores 94.
A alta condutividade dos nanotubos de carbono permite que estes sejam utilizados em
uma ampla variedade de biossensores, tendo como exemplo os biossensores eletroquímicos,
eletrodos enzimáticos amperométricos e biossensores com hibridização do DNA
95
. No
entanto, para ser utilizado como biossensor, o nanotubo de carbono deve ser imobilizado em
uma matriz e funcionalizado
93
. Zelada-Guillén et al. (2011)96 descreveram a utilização de
SWCNT como transdutores de biossensores para detecção de Staphylococcus aureus em pele
porcina. Os autores funcionalizaram os nanotubos de carbono com ligações covalentes e nãocovalentes e observaram diferentes respostas com o sensor gerado. Os biossensores com
ligações covalentes eram capazes de detectar a bactéria em uma menor concentração no meio.
Os fulerenos também vêem sendo estudados como biossensores amperométricos em
associação com o carbono poroso
92
, principalmente por suas propriedades como múltiplos
estados redox, estabilidade nestas formas redox e baixa solubilidade em água 97. Gavalas et al.
(2000)97 adsorveram o fulereno a uma matriz de carbono mesoporosa, de modo que ele
funcionou como um mediador elétrico neste biossensor. Os autores defendem que o uso de
mediadores como o fulereno permitem uma transferência de elétrons mais eficiente na
construção de biossensores.
32
As superfícies dos nanotubos de carbono e fulerenos são quimicamente inertes,
dificultando a interação com estruturas biológicas
78
. A funcionalização previamente citada
consiste na adição de ligações covalentes ou não covalentes, como as proporcionadas pelos
aminoácidos ou grupos hidroxilas, à superfície dos nanomateriais
98
, determinando novas
propriedades físico-químicas 81. A funcionalização com ligações não-covalentes tendem a ser
preferidas em nanotubos de carbono, pois preservam sua estrutura sp2 e consequentemente
suas características eletrônicas 99. Uma das consequências da funcionalização é o aumento da
solubilidade dos nanotubos de carbono e fulerenos em água, potencializando sua interação
com elementos biológicos e a mobilidade dessas estruturas entre diferentes compartimentos
nos organismos 78; 100.
A interação de alótropos do carbono com elementos do sistema imunológico já é
conhecida, especialmente porque estas estruturas vêm sendo utilizadas em vacinas, inclusive
de aplicação intradérmica e intramucosa. O destrinchamento dos potenciais pontos de
interação com o sistema imunológico da pele visa não somente a busca por novas aplicações
destes nanomateriais, como prever possíveis complicações relativas ao estímulo prolongado
da resposta imunológica.
2.2.
Nanopartículas de prata
A prata é um metal de transição que ocupa a 47ª posição na tabela periódica, tendo
como símbolo o Ag, que significa “argentum”. Os relatos sobre sua utilização datam de
millhares de anos atrás, em utensílios metálicos, moedas, explosivos, jóias e fotografias 29.
As propriedades antimicrobianas do íon prata e seu uso na prevenção e tratamento de
doenças são também conhecidos de longa data, de modo que Hipócrates, o pai da medicina
moderna, já relatava o poder cicatrizante do pó de prata utilizado no tratamento de úlceras
crônicas
29
. Na literatura, encontram-se ainda relatos do seu emprego no tratamento de
diversas outras doenças de etiologia infecciosa como osteomielites crônicas, infecções do
trato urinário e de cateteres venosos centrais 101; 102; 103.
O efeito bactericida da prata é observado contra bactérias aeróbicas, anaeróbicas,
GRAM positivas e negativas, fungos, leveduras e vírus 101; 104. Necessariamente, o íon deve se
encontrar em uma forma solúvel, como Ag+ ou cluster de Ag0, para que o efeito microbicida
33
seja observado 37. Quanto ao mecanismo de ação, algumas proposições são feitas. Uma delas
diz respeito à capacidade da prata ligar-se à membrana e parede celular das bactérias,
interagindo e inativando grupos tióis (sulfidrila, -SH) de proteínas e enzimas, com perda da
competência bioquímica e morte celular 105; 106. Estas proteínas e enzimas bacterianas, como a
glutationa e a tioredoxina peroxidase, pertencem ao sistema de defesa antioxidante das
células, neutralizando espécies reativas de oxigênio geradas a partir do metabolismo
mitocondrial
29
. Desta forma, o dano causado pela prata aos micro-organismos se daria pelo
acúmulo de espécies reativas de oxigênio, produzidos pela cadeia respiratória celular 39. Outra
proposição diz respeito à inibição da replicação bacteriana, uma vez que a prata é capaz de se
ligar a estruturas com carga de superfície negativa, como DNA e RNA, impedindo a divisão
celular 107; 108.
O desenvolvimento de novos antibióticos levou à redução da utilização da prata em
produtos médicos. Sua aplicação passou a limitar-se a produtos de uso tópico como a
sulfadiazina de prata, no tratamento de queimaduras, e o nitrato de prata, na profilaxia da
gonococcia oftálmica neonatal 109; 110. No entanto, diante da emergência de microorganismos
multirresistentes às drogas convencionais, as pesquisas sobre os potenciais antimicrobianos da
prata voltaram a ser relevantes
110
. A nanociência tem grande importância neste processo,
pois a redução deste composto, com ação biológica conhecida, à escala manométrica, levou àa
descoberta de novas propriedades físico-químicas e utilidades.
A partir do emprego da nanotecnologia, diversos nanomateriais contendo prata, além
das nanopartículas metálicas, já foram produzidos como: partículas de prata clorídrica,
materiais de carvão ativado, pós de zeolito impregnados com prata, dendrímeros complexados
com prata, pó composto por dióxido de titânio e prata, além de nanopartículas de prata
recobertas por polímeros 39.
As nanopartículas de prata consistem em aglomerados de átomos de prata de tamanho
até 100nm, podendo ter morfologias diversas como esfera, cubo, fio, vara e multifacetas
29
.
Estima-se, hoje, que entre todas as nanopartículas existentes no mercado, a nanopartícula de
prata seja a mais utilizada em bens de consumo
21
. Os tipos de materiais tratados com esta
nanopartícula devido ao seu potencial bactericida são variados, tendo como exemplos tecidos
para roupas, filtros de água, cosméticos, suplementos alimentares, celulares, computadores e
brinquedos 39.
34
A síntese de nanopartículas de prata pode ocorrer por métodos diversos, como redução
eletroquímica, descarga de faíscas, irradiação de solução com raios ultravioleta ou γ,
condensação de gases, dentre outros 29; 111. A redução química de sais de prata dissolvidos em
água com um redutor como o citrato, glicose, boro-hidrido, hidrogênio elementar e hidrazina,
é o método mais utilizado
112
. De uma forma geral, redutores fortes como o boro-hidrido
geram partículas pequenas monodispersas, ao tempo que redutores fracos, como o citrato,
permitem a síntese de partículas polidispersas
39
. O processo de agregação pode ocorrer
durante esta síntese ou quando a nanopartícula interage com elementos do meio, como forças
eletrostáticas e ligações químicas
113
. Uma vez que a agregação pode reduzir a atividade
microbicida, surfactantes e polímeros têm sido utilizados para estabilizar as dispersões de
nanopartículas de prata
39; 114
. Skebo et al. (2007)113 avaliaram o potencial de agregação de
nanopartículas de prata (25, 80 e 130 nm.) funcionalizadas ou não com polissacarídeos. Os
autores observaram que, em meio aquoso (1mg.ml-1) ultra-purificado, as nanopartículas se
apresentavam em aglomerados medindo de 25 a 130 nm, de forma que a adição de surfactante
ao meio reduz tal processo de agregação.
O alto custo, associado ao baixo rendimento, dos processos citados para a síntese de
nanopartículas de prata têm estimulado a busca por novas técnicas
115
. Soma-se a isso o fato
dos agentes redutores do processo destes métodos físicos e químicos serem considerados
frequentemente tóxicos ou perigosos, apresentando possíveis impactos ambientais
39
. Desta
forma, as metodologias de “síntese verde” de nanopartículas vêm ganhando atenção na
atualidade
112
, pois além de adotarem solventes, redutores e agentes de nivelamento com
menos efeitos tóxicos, oferecem como vantagem a possibilidade de produção de
nanopartículas em maior escala, com baixo custo
111; 116
. Estas metodologias compreendem o
uso de agentes biológicos, polissacarídeos, polioxometalatos de valência mista, reagente de
tollens e irradiação 112.
A utilização de agentes biológicos baseia-se na possibilidade de muitos microorganismos multicelulares e unicelulares serem capazes de produzir partículas inorgânicas no
meio intracelular e extracelular
115
. Muitas nanopartículas já foram produzidas a partir da
síntese verde como ouro, prata, cádmio, zircônio etc.111. Neste processo, participam vegetais,
bactérias e fungos que, utilizando extratos de proteínas, aminoácidos, vitaminas e
polissacarídeos, produzem, através de redução, a nanopartícula ou agentes de nivelamento
para estas
39; 112; 116
. Fayaz et al. (2011)111 utilizaram a bactéria termofílica Geobacillus
stearothermophilus para a síntese de nanopartículas de prata. Extratos celulares da bactéria
35
ficaram em suspensão com nitrato de prata. Os diâmetros das nanopartículas produzidas
variaram entre 5-35 nm e estas permaneceram estáveis ainda por dois meses após o
experimento, sem sinais de agregação. Os autores propõem que esta bactéria seja capaz de
secretar proteínas, que reduzem íons metálicos em nanopartículas. Gurunathan et al. (2009)117
mostraram que bactérias Escherichia coli são capazes de sintetizar nanopartículas de prata,
com tamanho médio de 50 nm, a partir da redução de íons de prata. Um ponto interessante
neste trabalho foi demonstrar que seria possível controlar o tamanho das nanopartículas
sintetizadas alterando parâmetros como o pH, temperatura e concentração do nitrato de prata
no meio. As nanopartículas reduziam de tamanho com o aumento da concentração do nitrato
de prata no meio até 5nM e com a elevação do pH. O aumento da temperatura também foi
capaz de reduzir o tamanho da nanopartícula de prata de 50 nm (25°C) a 16 nm (95°C). O
fungo Trichoderma viride é capaz de produzir nanopartículas de prata quando embebido no
meio com nitrato de prata. Mais uma vez, variações na temperatura do meio permitiram o
controle do tamanho das nanopartículas sintetizadas, de modo que o aumento da temperatura
diminuía o tamanho da nanopartícula 115.
A redução à escala nanométrica trouxe mudanças ao potencial bactericida da prata 110.
As nanopartículas penetram as células mais facilmente, aumentando o influxo celular de prata
e, consequentemente, o seu efeito redox-solvatação e ligação aos grupamentos tióis das
proteínas intracitoplasmáticas bacterianas
106
. Além disto, o aumento da área de superfície
observado em nanopartículas, com maior exposição de átomos, permite uma melhor interação
com a superfície de micro-organismos, potencializando reações bioquímicas, fotoquímicas e
de óxido-redução
39
. Uma vez que a velocidade de liberação do íon prata, assim como a
produção de espécies reativas de oxigênio, é proporcional à área de superfície, as
nanopartículas de prata são mais eficientes neste processo, do que as estruturas convencionais
39; 118
.
Além do tamanho, este efeito bactericida das nanopartículas de prata relaciona-se a
outros fatores como forma, superfície química, cristalografia de superfície, agentes de
nivelamento, bem como às características do meio onde se encontram, como o pH, força
iônica e a presença de macromoléculas e cátions divalentes
107
39; 107; 118
. Morone et al. (2005)39;
avaliaram a influência do tamanho de nanopartículas de prata, distribuídas entre 1-100 nm,
sobre o seu potencial bactericida contra Escherichia coli. Os autores observaram que apenas
as nanopartículas medindo 16 nm, com um desvio padrão de 8 nm, foram capazes de interagir
com a bactéria.
36
A exemplo dos íons prata convencionais, a atividade bactericida das nanopartículas de
prata é observada tanto em microorganismos GRAM positivos, quanto GRAM negativos
tendo por exemplos: Escherichia coli, Staphylococcus aureus
epidermidis, Pseudomonas aeruginosa
120
101
119
,
, Staphylococcus
, Klebsiella pneumonia, dentre outras
39
. A ação
bactericida das nanopartículas de prata também é observada em microrganismos
multirresistentes às drogas conhecidas, como Staphylocccus aureus meticilina-resistente
(MRSA), Pseudomonas aeruginosa multiresistente, E. coli O157:H7 ampicilina resistente e
S. pyogenes resistente à eritromicina. Isto tem estimulado o uso destas nanopartículas em
drogas e utensílios hospitalares visando à prevenção e tratamento de infecções por
microorganismos multirresistentes 110.
A ação antiviral das nanopartículas de prata também já foi comprovada contra o vírus
do HIV 121, da hepatite B 122 e do herpes simples tipo 1 123. Lara et al. (2010)121 demonstraram
que nanopartículas de prata medindo entre 30-50 nm foram capazes de se ligar a GP120 de
linfócitos, inibindo a adesão viral, a fusão do vírus com a célula e consequente infecção, tanto
de células saudáveis como de células já infectadas. Além disso, as nanopartículas inibiram o
ciclo de vida de vírus já localizados no meio intracelular e mantinham a mesma atividade
antiviral contra diferentes cepas do vírus HIV, resistentes aos antivirais convencionais.
Baram-Pinto et al. (2009)123 testaram a eficácia de nanopartículas de prata recobertas com
sulfonato de mercaptoetano na prevenção da infecção de células do tipo Vero pelo vírus do
herpes simples. Foi notado que a nanopartícula competia com o vírus por sítios de ligação do
tipo heparan-sulfato na superfície das células Vero, impedindo a entrada e infecção. Os
autores ressaltam que o mesmo efeito não foi observado com sulfonato de mercaptoetano
puro, não conjugado à nanopartícula.
A aplicação de nanopartículas de prata em fibras têxteis gerou o que hoje vem sendo
chamado de “tecidos inteligentes”, capazes de inibir o crescimento de bactérias e fungos,
reduzindo odores
38
. A proliferação de microorganismos nos tecidos é favorecida pela
umidade e temperatura em contato com o corpo humano. Outras nanopartículas com
propriedades microbicidas também podem ser utilizadas com o mesmo propósito, como o
dióxido de titânio, nanotubos de titânio, nanopartículas de ouro, e nanotubos de carbono 124. A
liberação tecidual da prata nanoparticulada parece variar de acordo com fatores como
exposição ao suor, atrito e lavagem do tecido 29.
37
As nanopartículas de prata vêm sendo utilizadas também em curativos e bandagens
para aplicação em feridas crônicas e queimaduras
29
. Diversas marcas estão disponíveis no
mercado, como o Acticoat ® (nanopartículas de prata < 20 nm), e outras onde a nanopartícula
associa-se a matrizes diferentes como: carboximetilcelulose (Aquacel-Ag hydrofiber®),
carvão ativado (Actisorb Silver 220®), hidrocolóide (Contreet-H®), entre outros
104
. A
literatura atribui a maior eficácia destes curativos à capacidade de liberarem as nanopartículas
de prata de forma contínua, aumentando o tempo do efeito bactericida, reduzindo
superpopulações de bactérias que colonizam o sítio da lesão, além de acelerarem o reparo
tecidual
125; 126
. O íon prata presente na sulfadiazina de prata é frequentemente inativado pela
proteína e complexos aniônicos presentes na ferida, necessitando de reaplicações regulares,
fato não observado nos curativos que liberam nanopartículas de forma sustentada
37
. A
importância do controle de superpopulações de bactérias colonizadoras reside no fato de que
elas produzem debris responsáveis pela amplificação e perpetuação da resposta inflamatória
inicial, dificultando o processo de cicatrização
127
. O auxílio ao reparo tecidual pelas
nanopartículas de prata ocorre porque estas são capazes de induzir a formação do tecido de
granulação, reduzir as metaloproteinases teciduais que estão aumentadas nas úlceras crônicas
e aumentar a apoptose celular, o que pode ser relevante na primeira fase da cicatrização
125
.
Cuttle et al. (2007)128 realizaram uma coorte retrospectiva para comparar a eficácia da
sulfadiazina de prata a 1% em creme com o curativo Acticoat®, que libera nanopartículas de
prata. Os autores observaram uma redução significativa do tempo de reepitelização com o
curativo Acticoat®, que foi de 14,9 dias, quando comparado com a sulfadiazina de prata, que
levou 18,3 dias.
Embora o uso de nanopartículas de prata em soluções de continuidade da pele tenha
sido aprovada por estudos de biocompatibilidade
129
, outros trabalhos mostram um potencial
citotóxico destes materiais 130. A divergência entre os resultados pode ser atribuída às técnicas
dos experimentos e às diferenças dos exudatos das feridas testados, uma vez que proteínas e
íons cloreto podem neutralizar uma grande parte das nanopartículas de prata, reduzindo o seu
potencial tóxico 29.
A argiria é uma desordem permanente causada pelo depósito de prata nas células
endoteliais dos vasos cutâneos
104
. Clinicamente, consiste em uma coloração azul-esverdeada
da pele ocasionada tanto pelo acúmulo deste metal, quanto pelo aumento da melanogênese
induzida pela prata, podendo se associar a alterações hepáticas, renais e do sistema nervoso
central
125
. A elevação sérica do íon prata, além do depósito renal e hepático em paciente
38
tratado com sulfadiazina de prata tópica, especialmente quando a área cutânea acometida é
extensa, já foram descritos
131; 132
. Em relação à prata nanoparticulada, relatos na literatura
apontam um aumento sérico transitório do íon em pacientes que utilizam cronicamente
curativos que liberam estas nanopartículas. Isto ocorre porque a prata é rapidamente absorvida
em soluções de continuidade da pele e as nanopartículas podem ter este efeito potencializado
125
. Trop et al. (2006)127 relataram um caso de alteração hepática e elevação do íon na urina e
no sangue, em um paciente que fez uso do curativo Acticoat® devido a queimaduras
superficiais e profundas que acometiam 30% do corpo. Neste relato, a pigmentação cutânea
foi observada em sítios distantes à aplicação do curativo, confirmando uma elevação sérica do
íon. As alterações laboratoriais e coloração cutânea normalizaram após a suspensão do
curativo. Segundo a literatura, apesar da ampla utilização da prata na forma de íons e
nanopartículas em queimaduras e feridas crônicas, até o momento não foram observados
relatos de argiria associada ao seu uso pela via cutânea. Sendo assim, a intoxicação se
restringe, até então, a absorção de grandes quantidades de prata na forma de pó e de colóide,
apenas pela via respiratória e trato gastrointestinal 104; 132.
As propriedades ópticas das nanopartículas de prata têm permitido a sua aplicação
também em exames de imagem. Estas nanopartículas são capazes de produzir um sinal óptico,
a partir da excitação plasmônica, que corresponde ao conjunto de elétrons livres oscilantes
presentes na superfície, possuindo momentum linear e energia
133
. Este sinal óptico leva à
produção de cores intensas, que podem ser utilizadas, por exemplo, para exames de imagem
do sistema nervoso central 134.
A ampla aplicabilidade desta nanopartícula, principalmente em cosméticos e têxteis,
leva à discussão sobre o aumento da exposição humana à prata, às múltiplas vias de exposição
possíveis e seus efeitos a curto e longo prazo 113; 130. Na literatura citada, os efeitos tóxicos do
acúmulo da prata no organismo se limitam à descrição de casos de argiria, praticamente
restritos à exposição ocupacional crônica
29
. No entanto, materiais considerados
biocompatíveis na sua forma convencional podem apresentar efeitos tóxicos quando
reduzidos à escala nanométrica 135.
Os estudos em relação à toxicidade das nanopartículas de prata demonstram efeitos
indesejados em diferentes linhagens de células, com alterações das membranas celulares, das
mitocôndrias e do material genético
130
. Esta toxicidade das nanopartículas de prata é
dependente do tamanho, da superfície química, dos agentes niveladores e de fatores
39
ambientais como pH, força iônica, além da presença de macromoléculas e ligantes
39
. A
atuação de nanopartículas de prata no processo de cicatrização cutânea sugere uma possível
interação destas nanopartículas com células e outros elementos envolvidos na resposta
imunológica da pele, o que deve ser mais bem avaliado, principalmente, quanto às suas
consequências.
3. INTRODUÇÃO AOS CONCEITOS DA IMUNOLOGIA BÁSICA
O sistema imunológico dos vertebrados pode ser dividido em resposta inata e
adaptativa que, embora difiram quanto ao tempo para desencadeamento da resposta e
mecanismos de iniciação, encontram-se intimamente interligadas, apresentando efeitos
sinérgicos
136
. A resposta inata é responsável por uma ação imediata, secundária ao
reconhecimento de estruturas bioquímicas comuns a patógenos diversos e grupamentos
químicos de materiais sintéticos
137
. Por sua vez, a imunidade adaptativa apresenta uma
resposta específica e de longa duração aos antígenos, podendo combater inclusive infecções
que não foram debeladas pela resposta imune inata 136; 138.
Parte da comunicação entre os elementos do sistema imunológico é feita através de
citocinas e quimiocinas
139
. As citocinas são polipeptídeos de baixo peso molecular, que, a
exceção da IL-12, têm uma meia-vida plasmática curta. Atuam sobre as células através da
ligação com receptores específicos, participando da regulação imune, reparo dos tecidos,
divisão, diferenciação e apoptose celular, dentre outras funções140. Por sua vez, as
quimiocinas são famílias de citocinas homólogas, que estimulam e regulam a migração das
células do sangue para os tecidos 139.
3.1.
Imunidade Inata
A resposta imune inata atua a partir do reconhecimento de padrões moleculares que
não estão presentes no homem, porém são comuns a diversas classes de micro-organismos,
como lipopolissacarídeo, DNA desnaturado e ácido teicóico, além de identificar marcadores
de estresse ou morte celular 136; 141. Os elementos da resposta imunológica inata são expressos,
40
constitutivamente, ou têm sua expressão induzida, variando de moléculas inorgânicas simples
a células (Tabela 1)137.
Tabela 1 - Elementos da resposta imunológica inata
Elementos
Exemplos
Moléculas inorgânicas
Óxido nítrico, peróxido de hidrogênio,
HCl
Moléculas orgânicas simples
Ácidos graxos
Peptídeos antimicrobianos
Defensinas, Catelicidinas
Proteínas antimicrobianas
Elementos do sistema complemento,
Lisozimas,
Ligantes de proteínas
Colectinas, Proteínas ligadoras de
manose
Citocinas
IL-1, IL-6, IL-8,IL-10, IL-12, TNF-α,
IFN-γ
Carboidratos
PGG-glucana
Células
Macrófagos, neutrófilos, células
natural-killers, linfócitos T NK, células
dendríticas, monócitos
Fonte: Adaptado de Gallo & Huttner, 1998, p. 740
3.1.1. Neutrófilos
Os neutrófilos são caracterizados por um núcleo lobular segmentado e múltiplos
grânulos citoplasmáticos onde se encontram uma diversidade de enzimas 142. Estas células são
produzidas na medula óssea e liberadas na corrente sanguínea, possuindo uma meia-vida
curta, em torno de 6 a 10 horas
138
. Os neutrófilos circulantes migram até o sítio da infecção
devido ao gradiente de quimiocinas
143
. A passagem através dos vasos, a diapedese, é
favorecida por mudanças estruturais como a expressão das moléculas de adesão E-selectina e
P-selectina na parede vascular
142
. Por sua vez, os neutrófilos também sofrem modificações
41
para que a diapedese ocorra, passando a expressar moléculas de adesão na superfície
45
e
emitindo prolongamentos citoplasmáticos, chamados pseudópodes, um processo dependente
do rearranjo dos filamentos de actina do citoesqueleto 144.
Estes polimorfonucleares atuam principalmente na resposta inflamatória aguda,
secundária a infecções bacterianas
142
. Ao chegar ao sítio inflamatório, o neutrófilo é ativado
por citocinas como TNF-α, IL-1, IL-6 e GM-CSF, que estimulam a “explosão respiratória” um mecanismo de produção de espécies reativas de oxigênio (ROS) e a expressão de
receptores na superfície, como os receptores de complemento (CR1 e CR3) e da fração Fc da
imunoglobulina
145
. Assim, microorganismos e estruturas inertes opsonizadas por elementos
do complemento e anticorpos são reconhecidos e fagocitados pelos neutrófilos, que procedem
ainda com a degranulação 146. As estruturas fagocitadas são armazenadas nos fagossomas, que
se fundem com os grânulos citoplasmáticos, sendo destruídas 143.
Os grânulos citoplasmáticos neutrofílicos contêm enzimas como mieloperoxidase,
proteases e NADPH oxidase, além de espécies reativas de oxigênio
147; 148
. Os radicais
superóxidos sintetizados pela NADPH-oxidase são dismutados em peróxido de hidrogênio
que, por sua vez, são utilizados pelas mieloperoxidases para a síntese de ácidos hipo-halosos
reativos
149; 150
148
. Estes ácidos participam da degradação de micro-organismos e materiais inertes
. Dentre as serino proteases, encontra-se a elastase neutrofílica 2 que é armazenada nos
grânulos azurófilos dos neutrófilos, participando da destruição de bactérias, através de
estresse oxidativo e não oxidativo 146; 151.
Um método adicional de defesa do neutrófilo recentemente descrito consiste na
liberação no meio extracelular de uma estrutura denominada Neutrophil extracellular trap
(NET) 143. Esta por sua vez é composta por grânulos de proteínas entremeados em filamentos
de cromatina, capazes de se ligarem a bactérias GRAM positivas e negativas, além de fungos,
destruindo-os 143. A formação da NET ocorre obrigatoriamente a partir da morte do neutrófilo,
com a homogeneização da cromatina nuclear, perda do envelope do núcleo e da membrana
dos grânulos, permitindo a mistura dos elementos, que são liberados no meio externo quando
a membrana celular se rompe 143.
3.1.2. Macrófagos
42
Os macrófagos exercem um papel essencial na resposta inflamatória, participando da
152
resposta imunológica inata e adquirida
. Estas células encontram-se amplamente
distribuídas nos tecidos, sendo responsáveis pelo reconhecimento e eliminação de células
senescentes, micro-organismos, partículas e macromoléculas invasoras
153
. No entanto, a
função do macrófago vai além da fagocitose, pois estas células participam da produção de
citocinas e de outros mediadores inflamatórios, além de apresentarem antígenos às células T
154
.
O reconhecimento de micro-organismos e de materiais inertes pelos macrófagos
ocorre através de receptores de superfície, como o TLR, receptores de manose, além de
receptores para o complemento e anticorpos
155
. A adsorção de elementos do sangue como
anticorpos, proteínas do complemento e fibronectina à superfície de estruturas irá facilitar o
reconhecimento por estes receptores e, consequentemente, o processo de fagocitose 15; 156.
A fagocitose é um processo limitado a algumas linhagens celulares, como macrófagos,
neutrófilos e células dendríticas 157; 158. O processo consiste na emissão de prolongamentos da
membrana plasmática que devem envolver o material a ser ingerido, dando origem ao
fagossoma no interior da célula 152. A dimensão dos fagossomas pode variar de nanômetros a
micrômetros
158
. O tamanho necessário da estrutura para a ocorrência da fagocitose diverge
na literatura. Alguns autores afirmam que o processo ativo de englobamento ocorre com
partículas maiores do que 0,5 µm
nm já seriam fagocitadas
152
142
, ou seja, 500nm, enquanto para outras estruturas de 250
. Elementos menores são captados através de invaginações da
membrana celular, processo conhecido como pinocitose, que forma vesículas entre 50-100
nm, e é observada em todas as células eucarióticas
152
. O tipo de proteína utilizada na
internalização das estruturas permite a classificação da pinocitose em clathrin dependente e
clathrin independente
158
. O primeiro processo é considerado a via “clássica”, estando
presente em todas as células dos mamíferos, e está relacionado à captação de LDL e ferro.
O processo de fagocitose leva à produção de citocinas e quimiocinas inflamatórias, a
ativação dos mecanismos celulares de destruição de micro-organismos, além do
processamento e apresentação de antígenos
86
. A exemplo dos neutrófilos, a destruição das
estruturas fagocitadas nos macrófagos ocorre através da produção de enzimas proteolíticas e
espécies reativas de oxigênio nos fagolisossomas 142.
No entanto, alguns micro-organismos desenvolveram mecanismos que permitem a sua
sobrevivência e replicação no interior dos fagócitos
142
. Assim, os macrófagos são sítios de
43
proliferação de agentes como o Mycobacterium leprae
159
e Mycobacterium tuberculosis
160
,
que subvertem a função microbicida da célula, residindo até a sua ruptura, quando irão
infectar novas células
161
. Outro fenômeno que pode ser observado é a incapacidade dos
macrófagos fagocitarem na sua totalidade ou destruírem alguns materiais inertes 86; 162. Ambos
os processos citados induzem um estímulo imunológico crônico, com produção de citocinas,
acúmulo e ativação de linfócitos e macrófagos, levando à formação de granulomas
86
. Na
estrutura do granuloma, encontram-se ainda células resultantes da fusão de macrófagos, as
chamadas células gigantes e células epitelióides
142; 162
. Estrategicamente, os linfócitos
posicionam-se próximos aos macrófagos, permitindo a ativação efetiva das células fagocíticas
160
. Soma-se a isso que o granuloma permite o isolamento das células com micro-organismos,
no caso de doenças infecciosas, impedindo a propagação para o meio extracelular e infecção
de outros macrófagos 160.
As estruturas que são efetivamente processadas originam os antígenos que serão
apresentados aos linfócitos T, através das moléculas MHC de classe II presentes na superfície
dos macrófagos
163
. Moléculas co-estimulatórias expressas na superfície dos macrófagos,
como CD86 e CD80, irão contribuir junto com o MHC II para a ativação da célula T
162
.A
polarização dos linfócitos em Th1 ou Th2 após a apresentação é dependente das citocinas
produzidas e será mais bem discutida adiante. O linfócito Th1 produz IFN-γ, uma citocina
capaz de ativar mais macrófagos, potencializando a destruição de microorganismos
intracelulares, além de aumentar a expressão de moléculas MHC II na superfície destas
células
86
. Já as citocinas sintetizadas pelos linfócitos Th2 reduzem a produção de espécies
reativas de oxigênio e citocinas inflamatórias pelos macrófagos, além de aumentar a
exposição de antígenos, mecanismos que priorizam a destruição de micro-organismos
extracelulares 86.
3.1.3. Células dendríticas
As células dendríticas são divididas em subpopulações, estando presentes em diversas
regiões do corpo humano, especialmente em locais de interface com o ambiente como a pele,
vias aéreas e intestino
164
. Estas células são responsáveis pela captação, processamento e
apresentação de antígenos às células T
165
. Dentre as células apresentadoras de antígenos, as
células dendríticas são as mais eficazes na ativação de linfócitos T naive, integrando a
44
imunidade inata e a adquirida 166. O reconhecimento dos antígenos pelas células dendríticas é
feito através de receptores de padrões moleculares como os TLR e receptores de manose
163
.
Por sua vez, a interação com as células B e T é feita através das moléculas de MHC e outros
coestimuladores de superfície para ativação de linfócitos 163.
A maior parte das células dendríticas presentes na periferia são do tipo imaturas
136
e
atuam como células sentinelas, captando continuamente antígenos do ambiente de forma
amostral 167. O encontro de antígenos, como restos teciduais ou agentes microbianos, incita o
processamento destas estruturas, e a expressão em moléculas MHC
167
.
O processo de
maturação das células dendríticas se completa com a expressão na superfície de moléculas coestimuladoras de linfócitos, como o CD83, passando a ser capazes de apresentar antígenos 166;
168
. Após a captação de antígenos, estas células migram para os linfonodos de drenagem,
onde será feita a apresentação às células T naive, que se desenvolverão como células efetoras
164
.
O sistema imunológico humano apresenta duas subpopulações de células dendríticas: a
mielóide ou DC1, que preferencialmente induz a diferenciação dos linfócitos T em células
Th1, e a plasmocitóide ou DC2, que favorece uma resposta Th2 164. As células de Langerhans
são células apresentadoras de antígenos residentes na pele humana, pertencentes à linhagem
DC1 e serão mais bem abordadas no próximo capítulo 169.
3.1.4. Células NK e células T NK
As células Natural Killer (células NK) estão presentes em todo o organismo e são
capazes de reconhecer células modificadas por infecções bacterianas, virais, fúngicas ou
alteradas por transformações neoplásicas, sem a necessidade de sensibilização prévia 170. Este
reconhecimento é feito por receptores inibitórios e estimulatórios presentes na superfície das
células NK, capazes de reconhecer, por exemplo, moléculas MHC classe I 138. A destruição de
células alteradas por células NK ocorre através da liberação de grânulos citoplasmáticos que
contém a protease granzima e a perforina de ataque à membrana. Outro processo utilizado
consiste nos mecanismos dependentes do Fas/FasL 170; 171.
A ativação das células NK se faz através da ligação direta de seus receptores com
antígenos presentes nos receptores de células T
172
ou em outros receptores de superfície
45
como o Fcγ
173
. Esta ativação também ocorre através da ligação a antígenos glicolipídicos
presentes nas moléculas CD1d das células apresentadoras de antígenos
superfície presentes nos patógenos
138
174
e a ligantes de
.
As células T NK representam uma população distinta de células que expressam
simultaneamente na superfície a molécula CD56 (célula NK) e CD3 (linfócito T). Elas são
encontradas principalmente no timo, medula óssea e fígado, sendo capazes de expressar tanto
citocinas da resposta tipo Th1 (IFN-γ), quanto Th2 (Il-4 e IL-3). Estas células parecem estar
envolvidas em processos alérgicos, doenças autoimunes e controle de neoplasias 138.
3.1.5. Mastócitos e Basófilos
Os mastócitos são células derivadas da medula óssea, cujo processo de diferenciação
só termina nos sítios onde estas células se tornam residentes, de acordo com fatores de
crescimento e de maturação presentes no local
175
. Apresentam uma variedade de grânulos
citoplasmáticos, envolvidos principalmente nas reações de hipersensibilidade alérgica, ou tipo
I176. Esta resposta alérgica é desencadeada pela liberação de diversas citocinas (TNF-α, IL-1,
IL-6, IL-10, etc.), além de quimiocinas (CCL1, CCL2, CCL3, etc.), aminas biogênicas
(histamina e serotonina), proteases (triptase, catepsina, carboxipeptidase-A etc.) e mediadores
lipídicos (prostaglandinas e leucotrienos) 177. De acordo com o tipo de proteases expressa nos
grânulos, estas células podem ser classificadas em MCT, quando contém apenas triptase, MCC
se apenas quimase e MCTC, quando ambas as proteases são expressas
175; 177
. A importância
desta classificação reside na diferente distribuição destas células. Enquanto as células MCT
são encontradas predominantemente nos pulmões e mucosa do intestino delgado, as MCC
estão presentes na mucosa e submucosa do estômago, intestino delgado e cólon. Já as MCTC
se apresentam em grande quantidade na pele, mucosa e submucosa do delgado 175.
Os mastócitos expressam na superfície receptores do tipo Fc, com alta afinidade para
imunoglobulina E (IgE), além de receptores para outros ligantes, como as frações C3a e C5a
do complemento
178
. A ligação do antígeno à imunoglobulina IgE, aderida ao receptor na
superfície da célula, leva à degranulação e liberação dos mediadores inflamatórios 176 . Outros
fatores imunológicos e não imunológicos estão envolvidos também na ativação mastocitária.
Sendo assim, frações do complemento, drogas como morfina e derivados, autoanticorpos do
46
tipo imunoglobulina G (IgG), relacionados à urticária autoimune e polímeros biológicos,
presentes em alimentos como lagosta, podem induzir a degranulação mastocitária, por meio
de ligação direta a receptores de superfície, sem a participação de IgE176.
Além dos receptores Fc, são encontrados em mastócitos receptores de padrões do tipo
Toll-like (TLR), que variam de acordo com o tipo de célula e a sua localização 175. Assim, os
mastócitos presentes no sangue periférico humano expressam TLR-1, -2, -3, -4, -5, -6, -7 e -9,
ao tempo que os presentes no cordão umbilical apresentam TLR -1, -2, -4 e -6
179; 180; 181
.O
tipo de TLR presente e o estímulo determinarão a sequência de sinalização induzida e a
produção de mediadores inflamatórios, um processo relevante para a resposta imunológica
inata. Além disso, o TNF-α e os ânions superóxidos secretados pelos mastócitos estimulam a
migração de neutrófilos para o sítio inflamatório e exercem ação bactericida direta 182.
A atuação dos mastócitos junto à resposta imunológica adaptativa também deve ser
descrita. Constitutivamente, estas células expressam moléculas MHC classe I na superfície,
embora citocinas como TNF-α e IFN-γ e constituintes microbianos, como lipopolissacarídeos,
possam induzir a expressão do MHC classe II, o que permite interação com linfócitos T
CD4+ e CD8+
183
. A liberação das citocinas IL-4, -5, -6 e -13 estimulam o crescimento e
diferenciação dos linfócitos B
184; 185
. Os mastócitos humanos parecem expressar ainda o
ligante de superfície CD40L, que está relacionado à expressão de IgE 186. Dessa forma, essas
células podem regular os linfócitos B de forma independente das células T186.
Por sua vez, os basófilos são granulócitos com estrutura e função muito semelhantes
aos mastócitos, sendo que geralmente são encontrados na circulação sanguínea, embora
possam ser recrutados para os tecidos em processos inflamatórios 176. Expressam, também na
superfície, receptores para a IgE, de forma que a ligação do antígeno à imunoglobulina leva à
degranulação da célula, podendo desencadear reações de hipersensibilidade imediata 176.
Além de estarem envolvidas na resposta alérgica, estas células têm participação na
fisiopatogenia de doenças autoimunes como penfigóide bolhoso
187
, tendo ainda um papel
relevante na tolerância periférica através da regulação de células T 188.
3.1.6. Eosinófilos
47
Os eosinófilos são granulócitos derivados da medula óssea e geralmente estão
presentes nos tecidos periféricos, especialmente nas mucosas do trato respiratório,
gastrointestinal e genitourinário 176. Estas células expressam em sua superfície receptores para
IgE estando envolvidas em processos alérgicos e infecções parasitárias, sendo inclusive
capazes de destruir helmintos e protozoários 189. Nos grânulos citoplasmáticos dos eosinófilos
encontra-se uma diversidade de produtos como as proteínas catiônicas (peroxidase
eosinofílica, a proteína catiônica eosinofílica, proteína básica major), enzimas (colagenase e
elastase), citocinas (IL-1, IL-2, Il-6, TNF-α, TGF –α e –β) , leucotrienos, prostaglandinas etc.
190;191
. Algumas evidências sugerem que estas células também produziriam neuromediadores
como a substância P e peptídeo intestinal vasoativo, possivelmente interagindo com
terminações nervosas 191.
Estes granulócitos são atraídos para o sítio inflamatório por fatores como o C3a, C5a,
a quimiocina eotaxina e o fator ativador de plaquetas (PAF) e LTB4
176; 190
. Nestes, citocinas
produzidas por linfócitos Th2, como a IL-5, além de IL-3 e GM-CSF promovem a ativação
dos eosinófilos
176; 190
. Imunoglobulinas do tipo IgA e IgG também se ligam a receptores de
superfície do granulócito levando a sua ativação 190 . Embora apresentem receptores para IgE,
estes não parecem ser relevantes para a ativação da célula
192
. O processo de ativação do
eosinófilo leva à degranulação e liberação de proteínas importantes para a defesa, que
permitem a destruição de patógenos e corpos estranhos, que são grandes demais para serem
internalizados e digeridos
45
. No entanto, estas mesmas proteínas e citocinas liberadas de
forma contínua, podem levar ao dano tecidual, observado em processos alérgicos crônicos
como a asma brônquica 176. Ainda no sítio inflamatório, os eosinófilos também são capazes de
fagocitar estruturas, porém, de forma menos efetiva do que neutrófilos e macrófagos. Isso
ocorre porque o processo é fugaz e as estruturas fagocitadas são rapidamente devolvidas ao
meio externo 189.
3.1.7. Receptores de reconhecimento de padrões: os receptores Toll-like
Os receptores de reconhecimento de padrões são responsáveis pela identificação de
padrões moleculares comuns a diversos patógenos, transduzindo sinais com ação próinflamatória e antimicrobiana e facilitando a fagocitose de micro-organismos
193 194
. São
representados pelos receptores Toll-like (TLR), receptores de lectina C (manose), receptores
varredores (scavenger), entre outros
142; 195
. Os TLR podem ser encontrados na superfície
48
celular e em membranas intracelulares
142
. O nome deste receptor vem da semelhança
funcional com o receptor transmembrana tipo 1 (Toll) da mosca Drosophila, envolvido na
defesa contra fungos
196
. São responsáveis pelo reconhecimento de sequências moleculares
evolutivamente preservadas de bactérias, vírus e fungos, o chamado padrão molecular
associado ao patógeno (pathogen-associated molecular patterns – pAMps)
assim, da resposta imunológica inata
196
197
, participando,
. Atualmente, têm-se conhecimento de 11 tipos
diferentes de TLR, podendo ser expressos em diferentes tipos celulares como células
dendríticas, macrófagos, neutrófilos, endotélio, células epiteliais e fibroblastos 141; 196; 198.
Estruturalmente os TLR são receptores transmembrana com um domínio extracelular
rico em leucina e um segmento intracelular semelhante ao receptor de IL-1, denominado
região Toll/IL-1R, que inicia o processo de sinalização
196
. Alguns TLR se ligam formando
heterodímeros, de forma a expandir o seu potencial de reconhecimento de padrões, a exemplo
do TLR1/2. A ligação de pAMps aos TLR leva a uma transdução de sinal e ativação do fator
de transcrição NF-ΚB que, de forma subseqüente, se desloca do citoplasma para o núcleo,
onde induz a transcrição de citocinas inflamatórias, quimiocinas e moléculas de adesão 196; 199;
200
.
Os TLR 3, 7, 8 e 9 são expressos preferencialmente no meio intracelular, no retículo
endoplasmático e em membranas endossômicas possibilitando o reconhecimento de ácidos
nucléicos microbianos, principalmente virais
142
. Além de material genético, outros
componentes dos micro-organismos reconhecidos pelos TLR são lipopolissacarídeos,
flagelinas, peptidoglicanas, CpG não metilados, dentre outros 142; 201. De forma geral, pode-se
dizer que os TLR 1, 2 e 6 formam um heterodímero que diferencia lipopoteínas bacterianas do
micoplasma; o TLR3 reconhece RNA viral dupla hélice; o TLR 7 e 8 RNA viral de única
hélice; o TLR4 lipopolissacarídeos; o TLR5 flagelina bacteriana; o TLR9 CpG não metilado
do DNA bacteriano; o TLR11 bactéria uropatogênica. O ligante do TLR10 ainda é
desconhecido196; 199.
Uma vez ativado o TLR, as células imunológicas iniciam o processo de
fagocitose/destruição dos micro-organismos, ativação de leucócitos, síntese de citocinas e
quimiocinas, apresentação de antígenos às células T, iniciando assim uma resposta adaptativa
202
. Deve ser destacado, ainda, que todos os ligantes de TLR induzem a secreção de IFN-α e
IL-18, que ativam a célula de Langerhan, que ao apresentar ao antígeno à célula T, induz
preferencialmente uma resposta do tipo Th1 202.
49
3.1.8. Peptídeos antimicrobianos
Os peptídeos antimicrobianos são expressos em mamíferos, anfíbios, insetos e plantas
e exercem um papel crucial na imunidade inata 203. Nos mamíferos, estes peptídeos podem ser
sintetizados pelos granulócitos, macrófagos, queratinócitos, epitélios ciliado das vias
respiratórias e vaginal
195 137
. Uma diversidade de peptídeos antimicrobianos pode ser
produzida incluindo defensinas, catelicidinas, azurocidina, catepsina G, entre outras 204; 205; 206.
Alguns destes são expostos de forma constitutiva, enquanto outros têm sua síntese induzida
por produtos microbianos e citocinas pró-inflamatórias 195.
O mecanismo de ação microbicida dos peptídeos antimicrobianos é dependente da
carga de superfície e de sua estrutura
137
.
A destruição de vírus, fungos, bactérias e
protozoários ocorre através da adesão da superfície catiônica do peptídeo antimicrobiano aos
lipídeos da membrana aniônica destes micro-organismos
207; 208
. Esta mesma atração
eletrostática faz com que o peptídeo se insira entre os lipídeos da membrana, formando poros
que alteram a permeabilidade celular, dissipando o gradiente iônico e elétrico, levando então,
à destruição do microorganismo137.
Peptídeos antimicrobianos com a carga superficial
positiva mais elevada têm um poder bactericida 5-10 vezes maior 206.
Além desta ação microbicida direta, peptídeos como as defensinas e as catelicidinas
induzem a quimiotaxia de monócitos, neutrófilos , mastócitos, linfócitos T e células
dendríticas para o sítio inflamatório
195; 209
. Participam ainda da resposta imunológica
induzindo a degranulação de mastócitos, a produção de prostaglandinas
210
, a síntese de
citocinas 195 e aumentam a imunidade contra antígenos tumorais 211.
3.1.9. O sistema complemento
O sistema complemento é composto por mais de quarenta proteínas presentes no
plasma e na superfície das células participando da imunidade adquirida e inata. Este sistema é
capaz de interagir com micro-organismos, estruturas alteradas do organismo, como células
necróticas, e materiais sintéticos
212
. O complemento tem como função final a eliminação
50
destas estruturas através da opsonização ou lise direta
212
. Sua ativação ocorre através de um
sistema de proteólise seqüencial pelas vias clássica, alternativa e da lectina.
A via clássica é iniciada pela ativação do complexo C1, composto pela molécula de
reconhecimento C1q e pelas pró-enzimas C1r e C1s. A molécula C1q ao se ligar a complexos
antígeno-anticorpo e a outras estruturas sem imunoglobulinas sofre uma mudança
conformacional, autoativando a proenzima C1r, que por sua vez quebra e ativa a C1s. Esta
C1s ativada irá clivar as moléculas C4 e C2, gerando a C3 convertase já na via final do
processo 212.
A via alternativa pode ser ativada ao contato com carboidratos presentes na superfície
de fungos, bactérias, parasitas e, a exemplo da via clássica, interage com complexos antígenoanticorpo, imunoglobulinas tipo IgA agrupadas e materiais sintéticos
212
. Neste caso, a
participação de uma molécula específica para iniciação do processo, como a C1q, ainda é
discutível 78. A proteína C3 presente no plasma sofre pequenas hidrólises continuas gerando a
molécula C3b, capaz de se ligar de forma covalente à superfície ativadora. Esta ligação gera
um novo processo de adesão e clivagem de moléculas, que culmina com a síntese do
complexo C3bBb, a convertase C3 da via alternativa 142.
Na via da lectina, as lectinas plasmáticas ligam-se aos resíduos de manose nos microorganismos, iniciando o processo
142
. Participam da ativação desta mesma via, ainda, as
ficolinas L, H e M, cujos sítios de ligação nas estruturas ativadoras ainda não estão bem
estabelecidos
78
e a colectina 11, uma lectina do colágeno
212
. Todas elas culminam na
ativação da protease MASP-2, que cliva as proteínas C4 e C2, iniciando uma série de
ativações de proteínas comuns a via clássica.
A ativação das três vias leva a síntese de um complexo enzimático, o C3 convertase,
capaz de clivar a proteína C3 em C3a e C3b, envolvidas na inflamação e opsonização
142
.O
fragmento C3b adere à superfície ativadora, o processo de opsonização, favorecendo a sua
fagocitose 212. O complexo formado com a síntese de C3b agrega ainda a C5 convertase, uma
enzima envolvida também com a inflamação e com a síntese do complexo de ataque a
membrana, que forma poros nas paredes dos micro-organismos 142.
A regulação do sistema complemento, evitando o consumo excessivo de seus
componentes e dano às células do organismo, é feita por proteínas regulatórias endógenas
solúveis no plasma, como o fator H, ou na membrana das células, como o MCP: CD46 212. A
51
desregulação do sistema complemento está envolvida na fisiopatogenia de algumas doenças.
A ativação insuficiente do complemento relaciona-se a doenças autoimunes como lupus
eritematoso sistêmico, e susceptibilidade a infecções, enquanto uma ativação excessiva ou
inapropriada correlaciona-se a artrite reumatóide ou esclereose múltipla 212.
A maior parte das proteínas do complemento é sintetizada no fígado, embora outras
células do corpo, especialmente a linhagem de monócitos e macrófagos, também sejam
capazes de produzí-las 212.
3.2.
Imunidade Adaptativa
A resposta imune adaptativa é potencialmente capaz de reconhecer qualquer tipo de
proteína ou carboidrato, devido a uma diversidade de receptores formados a partir de
rearranjos gênicos, presentes na superfície de linfócitos
136
. Esta imunidade é caracterizada
por uma grande especificidade, que permite a diferenciação de estruturas com semelhanças
moleculares, e pelo aumento da magnitude da resposta imune em re-exposições subseqüentes
163
. Os principais elementos da imunidade adquirida são os linfócitos e anticorpos, embora as
células apresentadoras de antígenos e as células efetoras, como macrófagos, também sejam
relevantes
163
. Os linfócitos B e T representam os elementos celulares da resposta imune
adaptativa, sendo que as células T correspondem a 60% dos linfócitos periféricos, ao tempo
que as células B geralmente se encontram nos órgãos linfóides
163
. Estas células ativadas
possuem função de memória imunológica, de forma que a re-exposição ao antígeno leva a
uma resposta imediata, associada à expansão clonal 44; 136.
3.2.1. Linfócitos T
Os linfócitos T após serem produzidos na medula óssea e liberados na corrente
sanguínea sofrem maturação no timo
163
. Esta maturação consiste na seleção das células T
capazes de reconhecer o MHC do indivíduo e antígenos externos, desprezando autoantígenos
e evitando o desenvolvimento de doenças autoimunes
163
. Após este processo, as células T
migram para os órgãos linfóides secundários, os linfonodos e o baço, onde ocorrerá a
apresentação de antígenos por células específicas 44. No entanto, estruturas como os folículos
linfóides presentes nas submucosas do trato gastrointestinal e brônquios (MALT) contêm
52
células T naive, de forma que a apresentação de antígenos também pode ocorrer nestas
localizações
44
. Mediante a apresentação do antígeno e ativação, os linfócitos T tornam-se
células de memória e caso ocorra uma re-exposição ao antígeno, sofrem uma expansão clonal
e migram para o sítio inflamatório 44. Uma vez ativadas para atuarem em determinado tecido
no organismo, as células T passam a expressar na superfície moléculas que favorecem a sua
recirculação vigilante pelo mesmo local, como no caso dos linfócitos cutâneos que expressam
a molécula CLA 213.
A interação das células T com a molécula MHC das células apresentadoras de
antígenos ocorre através dos receptores de célula T
163
. Estes receptores são heterodímeros,
compostos pelas subunidades αβ e γδ, ligadas por pontes de dissulfeto, sendo capazes de
reconhecer sequências de amnoácidos apresentadas na superfície do MHC
136
. A molécula
MHC é uma glicoproteína que se apresenta de duas formas; a classe I é observada em todas as
células nucleadas e plaquetas, ao tempo que a classe II é encontrada somente em células
apresentadoras de antígenos como macrófagos, células de Langerhans, células dendríticas e
linfócito B163. Além do MHC, as células apresentadoras de antígenos expressam na superfície
moléculas coestimulatórias, como o CD80 e CD86, que se ligam à molécula de superfície da
célula T, CD28, por exemplo
163
. A fim de que a ativação da célula T ocorra, é necessário o
estímulo do antígeno e das moléculas de coestimulação
214
. O reconhecimento do antígeno
pela célula T leva a uma agregação dos co-receptores de superfície com o receptor do
antígeno, o que viabiliza a ativação de enzimas tirosioquinases que iniciam a transdução de
sinais no meio intracelular.
Diferentes subpopulações de linfócitos são descritas, sendo as mais bem caracterizadas
as células T auxiliares (CD4+) e os linfócitos T citotóxicos (CD8+) 163. Os linfócitos T CD4+
reconhecem a molécula MHC II e têm uma importante função regulatória liberando citocinas
que interferem na função de outras células T, das células B, das células NK e dos macrófagos.
Diferenciam-se ainda em duas sub-populações distintas de células, de acordo com o estímulo
antigênico, sendo elas Th1 e Th2. Os linfócitos Th1 secretam IL-2 e IFN-γ ativando
macrófagos, induzindo a síntese de IgG2b e facilitando a hipersensibilidade tardia
215
. Já as
células Th2 produzem IL-4 e IL-5 estando envolvidas com a síntese de IgE e com reações de
hipersensibilidade do tipo I. Esta polarização dos linfócitos em Th1 ou Th2 é influenciada
pelas células dendríticas, embora os mecanismos exatos ainda não sejam conhecidos 136.
53
Já os linfócitos T CD8+ interagem com o MHC classe I e exercem ação citotóxica
direta, através da produção de perforinas e ativação de enzimas como as caspases, que
induzem a apoptose celular
215
. Os linfócitos T CD8+ estão envolvidos no reconhecimento e
eliminação de células infectadas por vírus e com transformações neoplásicas. Isso ocorre
porque a molécula MHC I geralmente apresenta na superfície antígenos protéicos
citosólicos163.
Outra população de células T produzidas no timo consiste nos linfócitos T CD4+
reguladores. A maioria destas células expressa na superfície a molécula CD25 e exerce papel
complementar ao mecanismo de deleção de células que reconhecem autoantígenos, realizado
pelo timo. Assim, os linfócitos T reguladores encontram-se envolvidos no controle do
desenvolvimento de doenças autoimunes e da autotolerância 217.
3.2.2. Linfócitos B
Os linfócitos B desenvolvem-se a partir de progenitores presentes na medula óssea,
que geram células B imaturas, expressando na superfíce IgM
163
. Estas células migram então
até os folículos linfóides do baço, onde sofrem um processo de maturação, distribuindo-se
posteriormente para outros órgãos 163. Assim como as células T, os linfócitos B são células de
memória e apresentam uma resposta imunológica específica aos antígenos 136. As células B se
subdividem em dois subtipos: as células B de memória e as células plasmáticas de longa
duração
218
. As primeiras localizam-se nos órgãos linfóides periféricos e expressam na
superfície um receptor de células B de alta afinidade, que ao reconhecer o antígeno, inicia
uma rápida divisão celular e diferenciação em plasmócitos. Já as células plasmáticas de longa
duração estão presentes na medula óssea, produzindo e secretando de forma constitucional
anticorpos, de forma independente à ativação de receptores 218.
A síntese de anticorpos pelos linfócitos B ocorre por rearranjos gênicos. Estas
estruturas, chamadas também de imunoglobulinas, são moléculas glicoprotéicas compostas
por duas cadeias leves e duas cadeias pesadas, idênticas entre si 163.
O isotipo da cadeia pesada irá determinar a classificação do anticorpo, podendo ser
IgM, IgG, IgE, IgA e IgD 136. Inicialmente os linfócitos B expressam a imunoglobulina IgM,
54
porém estimulados pelas células T CD4+, passam a secretar outro isotipo, após novo rearranjo
gênico 136; 163.
A interação dos anticorpos com os antígenos se faz através das regiões variáveis Nterminais das cadeias pesadas e leves
163
. Os anticorpos reconhecem os antígenos a partir das
suas estruturas tridimensionais, prescindindo do processamento e apresentação por outras
células
136
. Quanto à localização, os anticorpos podem ser encontrados aderidos à superfície
de linfócitos B, onde atuam como receptores de antígenos, ou dispersos na circulação
sanguínea e tecidos, compondo a imunidade humoral
136
. Ao se ligarem aos antígenos, os
anticorpos são capazes de neutralizar toxinas, opsonizar estruturas, facilitando a fagocitose,
ativar o sistema complemento, além de desencadearem mecanismos de hipersensibilidade por
ligação de imunoglobulinas aos mastócitos 163.
Os linfócitos B atuam como células apresentadoras de antígenos aos linfócitos T e por
expressarem na superfície moléculas MHC classes I e II interagem tanto com os linfócitos
CD4+ quanto CD8+ 215. Em contrapartida, a maturação de células B é dependente do estímulo
de células T CD4+, que induzem os linfócitos B a produzirem anticorpos contra o mesmo
antígeno que lhes foi apresentado 136.
4. A UNIDADE IMUNOLÓGICA CUTÂNEA
A pele é um dos principais meios de interação do homem com o ambiente e nessa
condição exerce um importante papel de proteção contra agressões de natureza física, química
e biológica, além da vigilância antigênica de células que possam ter sofrido transformações
malignas 55; 219. Continuamente, encontra-se exposta a uma microbiota comensal, que além de
participar da modulação da resposta imunológica cutânea, deve ser diferenciada de agentes
patogênicos 137. Esta exposição a uma diversidade de antígenos e irritantes leva à necessidade
de um sistema imunológico eficaz e diferenciado. A diversidade da resposta imunológica
cutânea levou à sugestão, no século passado, da existência de um tecido linfóide específico
associado à pele, denominado SALT
55
. Outra nomenclatura já sugerida também para
55
descrever a complexa organização estrutural do tegumento, com a presença de mediadores e
células inflamatórias caracterizando um órgão imunológico periférico, foi de Sistema
Imunológico Cutâneo (SIS) 220.
A resposta imunológica, ao tempo que responde pela defesa do organismo, encontra-se
envolvida também em uma série de doenças causadas pela liberação indevida de mediadores
inflamatórios e síntese de anticorpos. Inúmeros são os exemplos de dermatoses ocasionadas
ou agravadas pelo sistema imune, sendo algumas de alta prevalência como psoríase
dermatites de contato
221
e atópica
222
, enquanto outras são mais raras como os pênfigos
145
,
223
.
Muitas destas doenças têm sua fisiopatogenia ainda pouco elucidada, em função
principalmente da alta complexidade do sistema imunológico da pele.
Quanto ao tipo de resposta imune, na unidade imunológica cutânea encontram-se
elementos das respostas inata e adaptativa, além daqueles que fazem a mediação entre os dois
tipos de respostas. A seguir, são descritas algumas particularidades que diferenciam esta
resposta imunológica da pele dos demais órgãos.
4.1.
Imunidade Inata Cutânea
A organização estrutural do tegumento e a presença de uma microbiota comensal são
elementos diferenciais que compõem a resposta imune inata da pele. Outros fatores como
receptores de reconhecimento de padrões, células como macrófagos e neutrófilos além dos
fatores solúveis também contribuem para esta resposta.
4.1.1. A barreira física cutânea
A pele é composta por três camadas, a epiderme, a derme e a hipoderme que diferem
estruturalmente e quanto à função
224
(Figura 4). Sua espessura normal é em torno de 2 mm,
sendo que o extrato córneo mede 5- 20 µm e a epiderme 50-150 µm
225
. Para a avaliação da
permeação cutânea apenas o estudo da epiderme e da derme são relevantes 60.
56
Figura 4 - Estrutura cutânea
Legenda: Organização estrutural cutânea. Observa-se a epiderme (camadas córnea, granulosa, espinhosa e basal)
e a derme, onde se encontra a vascularização e anexos como folículo piloso e glândula sudorípara.
Fonte: Malvi 226, 2011
A organização estrutural da pele representa uma barreira física com os queratinócitos
recobertos pela camada córnea e organizados de forma a dificultar a penetração dos
microorganismos e substâncias químicas potencialmente nocivas
227
. Na epiderme os
queratinócitos são as células predominantes e se organizam em quatro camadas (basal,
espinhosa, granulosa e estrato córneo), estando ligados entre si através dos desmossomas e à
camada basal através dos hemidesmossomas. O processo de queratinização leva a
modificações da forma e conteúdo citoplasmático dos queratinócitos que migram da camada
basal em direção ao estrato córneo
228
. Outras células também podem ser observadas
intercaladas entre os queratinócitos como os melanócitos, células de Langerhans e células de
Merckel, além de uma população flutuante de células inflamatórias, como os linfócitos
224
.
Mais recentemente, propriedades imunológicas dos melanócitos têm sido descritas e esta
célula será abordada separadamente a seguir 229.
57
A camada córnea é a maior responsável pela barreira física cutânea, dificultando a
permeação de substâncias na pele e ao mesmo tempo, reduzindo a perda de água endógena,
50
contribuindo para a homeostasia
. Devido ao processo de queratinização, ao chegarem à
superfície, as células perderam o núcleo, tornaram-se achatadas e com alto teor protéico,
sendo chamadas de corneócitos
50
. Estas células estão ligadas umas as outras através dos
corneodesmossomas e são envoltas por uma matriz extracelular rica em lipídeos apolares,
organizados em bicamada
50; 227
. A composição química do estrato córneo faz com que haja
um gradiente de pH, sendo este ácido na superfície (pH 4.5 – 5.5) e neutro na interface com a
camada granulosa37. Este pH ácido inibe a proliferação de bactérias, fungos e outros
patógenos, de forma que a sua elevação favorece a proliferação do S. aureus e S. pyogenes 230.
Os queratinócitos não são células inertes, participando também da reposta imunológica
ao secretarem citocinas, quimiocinas, peptídeos antimicrobianos, componentes da via do
complemento e metabólitos do ácido aracdônico
199; 229; 231
. A síntese desses mediadores
inflamatórios solúveis inicia-se imediatamente após o contato com uma superfície bacteriana
ou por estímulos secundários a quebra da barreira cutânea. Assim, os queratinócitos secretam
citocinas como (IL)-1, -6, -7, -8, -10, -12, -15, -18, e -20, além do fator de necrose tumoral
(TNF) e Interferons –α, -β, -γ no estado de homeostase basal e em resposta às injúrias
231
.
Dentre estas citocinas, as IL- 1, -6, -8 e TNF têm atividade pró-inflamatória, ao tempo que a
IL-10 tem ação antiinflamatória 231. Algumas citocinas secretadas, como a Interleucina-7 (IL7), podem ainda regular a população de linfócitos T epidérmicos 232. As citocinas participam
do controle da proliferação e diferenciação de queratinócitos e podem influenciar ainda a
resposta imunológica sistêmica
fagocitose de bactérias e fungos
231
. Os queratinócitos são capazes ainda de realizar a
229
. Tem-se como exemplo a fagocitose de Candida sp
induzida pelo estímulo do receptor α-MSH expresso na superfície da célula 229.
Logo abaixo da epiderme, observa-se a membrana basal constituída por colágeno IV,
heparan sulfato, laminina e glicosaminoglicana sintetizados pelos queratinócitos, além de
fibronectina produzida pelos fibroblastos 45. Esta membrana separa a epiderme da derme, um
segmento rico em fibras colágenas e elásticas, medindo 2 mm, onde se encontra uma
diversidade de células residentes como fibroblastos, mastócitos, macrófagos, células
inflamatórias transitórias, além dos apêndices cutâneos e os plexos vascular e nervoso
224; 225
.
A derme é dividida em duas porções, uma mais superficial, a derme papilar, e outra mais
profunda, a derme reticular, que diferem estruturalmente. A derme papilar é composta por
58
feixes colágenos finos, além de fibras elásticas eulanínicas, que descem perpendicularmente
às papilas e mais abaixo se encontram com as fibras elásticas oxitalânicas
atravessam a derme reticular ligando-se ao tecido conectivo da hipoderme
225
. Estas últimas
224
. Já na derme
reticular, os feixes colágenos são mais espessos do que na papilar, sendo este aspecto
relevante para a sustentação dos anexos, vasos linfáticos, nervos, células inflamatórias e os
vasos sanguíneos 225.
Os vasos sanguíneos cutâneos estão presentes na derme papilar, distantes 1-2 mm da
superfície da pele, e se subdividem em dois plexos; um superficial e outro mais profundo,
interligados através de arteríolas e vênulas
233
. A ausência de vascularização na epiderme é
importante, pois substâncias tóxicas e microorganismos, como bactérias e fungos, que
atravessem a camada córnea não atingem facilmente a circulação, evitando a disseminação
sistêmica
229
. O plexo superficial é composto por uma arteríola ascendente, um enovelado de
capilares na altura da papila e uma arteríola descendente que se conecta com uma vênula póscapilar do próprio plexo. O plexo profundo é formado por vasos perfurantes oriundos das
artérias musculares e tecido adiposo. As vascularizações dos anexos, sendo eles os folículos
pilosos e as glândulas sudoríparas, se originam nas conexões laterais de arteríolas e vênulas
que ligam os plexos superficiais e profundos 233.
A área superficial e a permeabilidade vascular variam entre os vasos, sendo muito
maiores no plexo superficial quando comparados ao profundo. Assim, o fluxo sanguíneo é
maior na superfície, podendo ter impacto no efeito de drogas aplicadas por via tópica, que são
rapidamente removidas da pele, caso atravessarem a membrana basal. Além disso, a
microcirculação cutânea é altamente sensível a variações térmicas, de modo que elevações de
temperatura podem aumentar o fluxo de sangue direcionado à pele de 5% para 30%. Dessa
forma, alterações de temperatura e drogas que agem na vascularização cutânea podem alterar
de sobremodo a absorção de substâncias através dos vasos da pele 234; 235.
A hipoderme é constituída por lóbulos de adipócitos envoltos por septos de tecido
conjuntivo, onde se encontram também a vasos sanguíneos, linfáticos e nervos. Esta camada
protege e amortece a pele, permitindo uma maior mobilidade e se conecta com a derme
através dos vasos, nervos e apêndices cutâneos 224.
Os anexos cutâneos consistem na unidade pilossebácea e nas glândulas sudoríparas. A
primeira é constituída pela haste folicular que se encontra dentro do infundíbulo, ao qual está
59
ligada também a glândula sebácea, através de um orifício cuja dimensão varia entre 10 e 210
µm. A unidade pilossebácea mede entre 2-4 mm se estendendo ao longo da derme, sendo que
o bulbo do pelo anágeno pode ser encontrado na hipoderme
236
. A papila dérmica localiza-se
no bulbo capilar, sendo composta por fibroblastos, fibras colágenas, mucopolissacarídeos e
fibras nervosas, sendo também o local por onde chega a vascularização
236
. O estrato córneo
reveste o infundíbulo internamente apenas até 100 µm a partir da superfície, o que tem
implicações na permeação de substâncias através desta via 51. Já as glândulas sudoríparas são
estruturas tubulares, medindo em média 2-5 mm, que se estendem da derme ou hipoderme até
a superfície cutânea onde se abrem em orifício de diâmetro entre 60-80 µm. São responsáveis
pela secreção do suor, tendo papel relevante no equilíbrio hidroeletrolítico e termorregulação.
A penetração transcutânea de produtos químicos se faz através da difusão passiva,
respeitando diferentes gradientes de concentração36, sendo que geralmente apenas partículas
pesando até 500 Da seriam capazes de atravessar a pele
237
. De uma forma geral, em relação
ao tamanho, estruturas de até 1000 nm permeiam a pele íntegra em zonas flexurais, ao tempo
que nas outras regiões, se a pele tiver solução de continuidade, partículas de até 7000 nm são
capazes de atingir estratos cutâneos mais profundos 24. Este processo possui alguns obstáculos
físicos, como a camada córnea, uma estrutura essencialmente lipofílica. Características físicoquímicas dos agentes também são importantes para a avaliação da permeação cutânea como
dimensão, coeficiente de partição óleo/água e propriedades superficiais 51.
Os lipídeos da camada córnea estão organizados em bicamadas, de modo que a porção
apolar destes forme uma área lipofílica central, passível de permeação por substâncias
hidrofóbicas, medindo até 5.42 nm
51
. Em contrapartida, a porção polar destes lipídeos
organiza-se em poros aquosos de tamanho mais reduzido, entre 2.8 – 1.3 nm
51
limitando a
penetração de materiais hidrofílicos e água (Figura 5). A disposição tridimensional dos
corneócitos, aliada à presença de corneodesmossomas intercelulares, formam canais tortuosos
que dificultam a transposição de moléculas e microorganismos (Figura 6). Desta forma,
observa-se que a passagem de substâncias através do estrato córneo é dependente de gradiente
químico e da nanoporosidade 51.
60
Figura 5 - Penetração de partículas através da matriz lipídica da camada córnea
Legenda: (A) Penetração de partículas hidrofóbicas. (B) Penetração de partículas hidrofílicas e água.
Fonte: Adaptado de Baroli 52, 2010, p. 27
As glândulas sudoríparas e os folículos pilosos representam pontos de menor
resistência à permeação de substâncias na pele, por apresentarem aberturas diretas na
superfície cutânea
51
. Embora os folículos pilosos correspondam a uma área de apenas 0,1%
da superfície, estes anexos representam importantes pontos de absorção de substâncias
aplicadas por via tópica. São características dos folículos que contribuem para esta
propriedade; uma camada córnea mais delgada do que o restante da pele, uma vascularização
complexa e a estrutura em si do folículo, que comunica a superfície cutânea com a transição
derme-hipoderme 238. Alguns fatores podem prejudicar a permeação de moléculas através dos
folículos como a oclusão da abertura folicular por acúmulo de sebo e a própria presença da
haste folicular 50. De uma forma geral, a literatura cita que partículas inferiores ao diâmetro da
abertura folicular, algo entre 10-210 µm, seriam capazes de permear a pele através desta via.
No entanto, outros fatores como a dispersibilidade da substância no sebo ou no suor podem
ser relevantes para a esta permeação 51.
61
Figura 6 - Penetração de moléculas e microorganismos através dos corneócitos
Legenda: A rota de potencial penetração de estruturas através de coneócitos não alinhados é indicada pela seta
vermelha. Azul: corneócito; Verde: corneodesmossoma.
Fonte: Adaptado de Baroli 52 2010, p. 26
Além da barreira física, a pele também deve ser lembrada como uma barreira química
à permeação de substâncias aplicadas pela via tópica, devido à ação de enzimas presentes nos
anexos, na camada basal e nos espaços entre os corneócitos
239; 240
. Apesar de não poder ser
comparada ao fígado, a pele possui também um efeito de “primeira passagem”, quando
xenobióticos e substratos endógenos são metabolizados antes de atingirem seus alvos de ação
241
. Uma diversidade de enzimas encontra-se envolvida neste processo, podendo-se citar as
citocromos P450 cutâneas, ciclooxigenases, álcool desidrogenases, proteases, glutationa-Stransferase, N-acetiltransferase, entre outras
240
. Dentre as células presentes na pele, os
queratinócitos parecem ser os maiores metabolizadores de drogas 242. As consequências deste
metabolismo cutâneo podem ser benéficas ou prejudiciais, quando geram metabólitos tóxicos
de ação local e sistêmica 240.
4.1.2. A microbiota comensal cutânea
A pele representa a interface do organismo com o ambiente, sendo exposta e
colonizada por uma diversidade de microorganismos, como bactérias, fungos, vírus e ácaros
considerados não patogênicos, e que em conjunto compõem o que se chama de microbiota
62
comensal cutânea
243; 244
. Os estudos de biologia molecular têm permitido encontrar uma
população de microorganismos comensais muito maior do que a estimada por métodos de
cultura, embora ainda haja dificuldade de diferenciação entre flora residente e transitória243.
A pele da criança dentro do útero é estéril, porém ao nascimento, é imediatamente
colonizada por uma população de microorganismos comuns a via de parto utilizada
245
. Ao
longo da vida, fatores genéticos, demográficos, comportamentais e regionais influenciam a
composição desta microbiota, que apresenta ampla variabilidade em locais diferentes de um
mesmo organismo e entre indivíduos diferentes 246.
Os anexos cutâneos como glândulas sudoríparas, folículos pilosos e glândulas
sebáceas expressam cada um, diferentes populações de microorganismos comensais 243. Áreas
do corpo com uma grande densidade de glândulas sebáceas, a exemplo da face e tronco,
propiciam o crescimento de microorganismos lipofílicos como Propionibacterium spp e
Malassezia spp
247
. Já regiões intertriginosas, que apresentam maior temperatura e umidade,
tendem a favorecer a colonização por bactérias GRAM negativas, além das GRAM positivas,
Corinebacterium sp e S. aureus 247.
A superfície cutânea é colonizada por aproximadamente 1 milhão de bactérias a cada
centímetro quadrado
53
, sendo que os filos Actinobacteria, Firmicutes e Proteobacteria
representam 94% dos clones
Corynebacterium,
248
. Os trabalhos mostram que o Staphylococcus,
Propionibacterium,
Micrococcus,
Streptococcus,
Brevibacterium,
Acinetobacterium e Pseudomonas são gêneros de bactérias comensais cutâneas do homem 249.
Os estafilococos, especialmente o Staphylococcus epidermidis, são as bactérias mais
prevalentes na microbiota cutânea, enquanto o Staphylococcus aureus passou a ser
considerado também como um comensal, que se tornaria patogênico por alterações da
microbiota
250
. Em relação aos vírus, dois grupos comensais foram recentemente descritos,
sendo eles o anelloviruses e o GBV-C
251
. Já fungos e ácaros são menos estudados,
possivelmente por terem menor prevalência, podendo-se citar como exemplo a Malassezia sp
e o Demodex folliculorum respectivamente 250; 252.
A unidade imunológica cutânea diferencia a microbiota comensal da patogênica
utilizando-se de elementos da resposta imunológica inata, como receptores de reconhecimento
de padrões
197
. Essa íntima relação da microbiota com o sistema imunológico faz com que
alguns autores defendam que o conceito de microorganismo comensal e patogênico dependa
mais da resposta imunológica de cada organismo humano, do que de características
63
intrínsecas de bactérias, vírus, fungos e protozoários
249
. O ácido lipoteicóico produzido pelo
Staphylococcus epidermidis estimula o TLR3 de queratinócitos, inibindo a liberação de
citocinas inflamatórias que poderiam levar a destruição da bactéria
253
. Por sua vez, estes
mesmos receptores podem ser estimulados por estruturas de organismos patogênicos, como
lipopolissacarídeos da parede de bactérias GRAM negativas, desencadeando a liberação de
peptídeos antimicrobianos, quimiocinas e citocinas, que iniciam a resposta inflamatória 243.
Além de evitar a colonização e infecção da pele por espécies virulentas, a microbiota
comensal está continuamente interagindo e modulando o sistema imunológico cutâneo 243; 253.
A exposição contínua dos linfócitos cutâneos a elementos bacterianos da flora comensal
poderia contribuir para a manutenção/ativação destas células, a fim de reconhecerem
prontamente patógenos estruturalmente semelhantes 243.
As bactérias cutâneas influenciam ainda a composição química da superfície cutânea.
Alguns microorganismos, como o Propionibacterium acnes, são capazes de degradar o
triglicerídeo presente no sebo, liberando ácidos graxos livres que contribuem para a
manutenção do pH ácido na superfície
227; 247
. Além disso, modificações químicas do sebo e
debris celulares na superfície da pele, produzidos pela microbiota residente, são responsáveis
pela liberação de odores típicos que teriam efeito atrativo para insetos, dentre eles mosquitos,
moscas e percevejos 254.
4.1.3. Neutrófilos
Os neutrófilos são um dos principais componentes da resposta imune inata, embora
não estejam naturalmente presentes na pele
215
. Quando chegam à derme profunda, através
dos vasos, devido a um gradiente de quimiocinas, induzido pela síntese destas em um sítio
inflamatório da pele, os polimorfonucleares passam a emitir pseudópodes e a expressar na
superfície moléculas de adesão, como LFA-1 neutrofílica, β2 integrina e β1 integrinas
256
144; 255;
. Estas moléculas irão favorecer a ligação a estruturas da derme, tendo como exemplo
fibroblastos, fibras colágenas, laminina e fibronectina, permitindo a movimentação até que
atinjam a epiderme
256; 257
. A membrana basal cutânea, que separa a epiderme da derme, se
coloca como mais uma barreira física à permeação dos neutrófilos até as camadas mais
superficiais da pele. Assim, enzimas como a elastase e gelatinase B, capazes de degradar
64
constituintes da membrana basal, seriam secretadas pelos neutrófilos para facilitar a migração.
No entanto, alguns autores demonstraram que embora estas enzimas sejam capazes de
degradar a membrana, este processo não é fundamental para que ocorra a movimentação dos
polimorfonucleares 258.
Além de estarem presentes em processos infecciosos da pele, os neutrófilos têm
participação em outras doenças cutâneas como a psoríase. Nesta dermatose inflamatória
crônica, observa-se um acúmulo de fatores quimiotáxicos, principalmente na porção
subcórnea, gerando gradiente que favorece a migração transepidérmica cíclica de neutrófilos.
Entre estes fatores encontram-se a IL-8, secretada pelos queratinócitos e linfócitos T, além do
complexo C5a/C5a des arg 145.
4.1.4. Macrófagos
Os monócitos derivados da medula óssea deixam a circulação sanguínea e chegam à
pele, transformando-se em macrófagos
142
. Na pele, estas células se encontram em grande
número, principalmente na derme, próximas à membrana basal 45; 259.
Basicamente três tipos de macrófagos são encontrados na pele, diferindo em relação à
morfologia e ao fenótipo. O primeiro tipo de macrófago é uma célula plana, em formato de
fuso, localizado ao redor dos vasos da derme superior, sendo alguns poucos observados na
epiderme e ao redor de anexos. Um segundo tipo de macrófago cutâneo tem a morfologia
semelhante às células dendríticas e seus prolongamentos se localizam entre os linfócitos
perivasculares. O terceiro tipo de macrófago é representado por células maiores, com
citoplasma abundante e borda mal definida, distribuídos ao redor dos vasos de toda a derme.
Embora morfologicamente diferentes, estes macrófagos cutâneos expressam na superfície as
moléculas CD11c, (KiM1), Ki-M6 e Ki-M8 259.
Os macrófagos encontram-se envolvidos em processos inflamatórios e doenças
infecciosas da pele. Estas células estão presentes nas reações de corpo estranho com formação
de granulomas a biomateriais utilizados como preenchedores cutâneos
260; 261
Além disso, o
papel do macrófago na fisiopatogenia da Leishmaniose é conhecido de longa data, onde
células quiescentes permitem a infecção e multiplicação dos parasitas no seu citoplasma 262.
65
4.1.5. Células dendríticas
A pele exerce uma importante função de barreira contra a invasão de agentes
patogênicos e para isso necessita de células apresentadoras de antígenos eficazes
263
. Estas
células são responsáveis pela captura, processamento e apresentação de antígenos às células T
nos linfonodos, contribuindo para a imunidade adquirida
167
. Na pele são observadas duas
populações de células apresentadoras de antígenos, sendo elas as células de Langerhans (LC)
e as células dendríticas dérmicas 263.
As LC são um subtipo de células dendríticas imaturas presentes na epiderme
168
.
Embora correspondam à apenas 1% da população de células deste estrato, seus
prolongamentos permitem a cobertura de uma área de 20% da epiderme, facilitando a captura
de antígenos
264
. Estas células dendríticas têm sua origem na medula óssea e migram até a
epiderme sendo encontradas nas camadas basal e suprabasal 164; 265. No entanto, há evidências
de que estas células possam proliferar na própria epiderme ou a partir de precursores
residentes na derme
193
. São caracterizadas pela expressão na superfície de proteínas como
langerina (CD207), CD1a, CD45, E-caderina, molécula de adesão epitelial-celular (EpCAM)
e a molécula MHC classe II
266
. Quanto a distribuição, as LC encontram-se de forma
heterogênea no tegumento, estando em maior concentração nos membros, tronco, pescoço,
face e cabeça.
Na pele sem estímulos inflamatórios, as células dendríticas atuam mantendo o estado
de tolerância aos autoantígenos e alérgenos externos, a fim de garantir um equilíbrio
imunológico
167
. A ligação da E-caderina da célula de Langerhans aos queratinócitos parece
manter a célula apresentadora de antígeno em um estado imaturo e inativo
266
. Em
contrapartida, a liberação de mediadores inflamatórios por células como os queratinócitos
danificados, induz a quimiotaxia das células de Langerhans para o sítio do processo e a
quebra da tolerância imunológica. Uma vez no sítio inflamatório, as células dendríticas
capturam os antígenos através de fagocitose
87
e migram para os linfonodos regionais onde
ocorrerá a apresentação do antígeno aos linfócitos T .
Já as células dendríticas são encontradas predominantemente na derme e possuem
funções semelhantes às células de Langerhans
263
. Estas células fagocíticas são reguladas por
66
outras células cutâneas presentes ao seu redor, como as células NK, que são capazes de
induzir a sua apoptose, caso não haja estímulos antigênicos 267.
4.1.6. Células NK
Na pele normal, as células NK são observadas em pequeno número na derme,
próximas à epiderme, conforme estudos de imuno-histoquímica realizados em biópsias de
pele de indivíduo saudáveis por Buentke et al. (2002)168. No entanto, estímulos inflamatórios
podem induzir o aumento da população destas células, a partir do influxo para sítios
específicos cutâneos.
As células NK parecem estar implicadas na fisiopatogenia da dermatite atópica.
Amostras teciduais de segmentos cutâneos acometidos pela dermatose ou colonizados por
Malassezia sp, um fungo envolvido na dermatite atópica de difícil controle, apresentam
aumento destas células no infiltrado dérmico e na epiderme
168
. Já foi demonstrado que estas
células induzem o aumento de células de Langerhans e isto pode se associar a resposta do tipo
Th2 observada na dermatite atópica 268.
Além disso, as células NK estão presentes precocemente no processo de cicatrização
cutânea. Schneider et al (2011)269 observaram que a prevenção da ativação de células NK com
o uso de anticorpos anti-CD1d foi capaz de acelerar a cicatrização, sendo o efeito dosedependente.
4.1.7. Mastócitos e Basófilos
Os mastócitos presentes na pele são do tipo MCTC
capilares, arteríolas e vênulas da derme e hipoderme
45
175
e localizam-se ao redor dos
. Estas células estão relacionadas a
processos alérgicos cutâneos mediados ou não por IgE, fazendo parte da fisiopatogenia de
doenças como a urticária e angioedema
270
. Os mastócitos encontram-se ainda próximos às
terminações nervosas, de forma que os mediadores inflamatórios liberados são capazes de
67
influenciar o tônus vascular
271
. Da mesma forma, os neuropeptídeos liberados pelos nervos,
como a substância P, podem influenciar a degranulação mastocitária 272; 273. Além disso, estas
células têm uma influência direta na permeabilidade da parede do vaso, regulando o balanço
dos fluídos entre o meio intravascular e o interstício, facilitando ainda a permeação de células
na pele, na vigência de processos inflamatórios 45; 274.
Os basófilos estão presentes nas lesões de algumas doenças cutâneas como dermatite
atópica, urticária e prurigo e se assemelham estruturalmente e funcionalmente com os
mastócitos 176.
4.1.8. Eosinófilos
Os eosinófilos seguem um padrão de distribuição na pele semelhante a de outros
tecidos, de forma que podem permanecer neste órgão, sem qualquer estímulo inflamatório por
8-12 dias, quando sofrem então apoptose
275
.
A presença de eosinófilos na pele está
aumentada em processos de natureza alérgica e autoimune
uma das mais estudadas é a dermatite atópica
farmacodermias e a reação à picada de inseto
275
276
. Dentre as reações alérgicas,
, devendo ser lembradas ainda as
276
. Infestações por parasitas também podem
levar à eosinofilia cutânea, da mesma forma que estas células estão presentes em cortes
histológicos de pele do penfigóide bolhoso 277.
4.1.9. Melanócitos
Os melanócitos são células dendríticas de origem neuroectodérmica que podem ser
encontrados em diferentes partes do organismo humano, como na camada basal epidérmica,
na retina e nos folículos pilosos, sendo que nestes últimos, na área do bulge, são reservatórios
de células troncos para a pele 229. Outras localizações nas quais estas células estão em menor
concentração também já foram relatadas, como nas estrias vasculares da cóclea,
leptomeninges, substância nigra e locus coerulus no cérebro, além do coração e tecido
adiposo
229
. Na pele, cada melanócito interage através de projeções dendríticas com
aproximadamente 30 queratinócitos, a chamada “unidade melânica epidérmica”
224; 229
. A
função mais conhecida destas células é a produção do pigmento melânico, que é transferido
através de vesículas para o citoplasma dos queratinócitos, protegendo a pele contra a radiação
ultravioleta 278.
68
No entanto, atualmente outros papéis têm sido descritos para estas células. Algumas
evidências sugerem que os melanócitos seriam imunocompetentes, com papel relevante para o
sistema imunológico cutâneo
278
. A primeira sugestão de interação destas células com outros
elementos da resposta imunológica pode ser observada durante a síntese de pigmento.
Mediadores inflamatórios são capazes de induzir a hiperpigmentação, como no caso da pele
bronzeada pós-exposição solar, ou hipopigmentação, como na Pitiríase Alba 229. Além disso, a
melanina sintetizada pelos melanócitos parece ter efeito antioxidante, eliminando os radicais
livres, além de quelar íons metálicos
279
. O processo de biossíntese da melanina gera
naturalmente peróxido de hidrogênio e intermediários reativos da quinona, com forte
atividade antimicrobiana
229; 280
. Os melanócitos expressam ainda constitutivamente TLR,
melhor abordados a seguir, que podem ser ativados por elementos bacterianos como o LPS,
levando a síntese de citocinas inflamatórias
278
. Alguns achados indicam que além de
participar da imunidade inata, estas células atuariam também na resposta adaptativa. Os
melanócitos podem fagocitar antígenos
280
, e expressam na superfície moléculas de adesão
como ICAM, VCAM e CD40, além do MHC classe II já ter sido encontrado em melanócitos
perilesionais do vitiligo
281; 282
. Estes achados em conjunto sugerem que estas células seriam
capazes de processar e apresentar antígenos aos linfócitos T 282.
Estas células participam também da regulação da resposta imunológica cutânea,
secretando moléculas com ação imunossupressora como o α-MSH 229; 283, cortisol 284 e ACTH
, podendo ter ação na prevenção do desenvolvimento de doenças autoimunes como lúpus
eritematoso
229
. Soma-se a isso, que os melanócitos possuem atividade neuroendócrina,
sintetizando hormônios, neuropeptídeos e neurotransmissores 285.
4.1.10. Receptores Toll-like
As células envolvidas na resposta imune inata apresentam moléculas transmembranas
e intracitoplasmáticas, que agem como receptores capazes de identificar antígenos externos.
Um deles são os Toll-like receptors (TLRS) que além de estimularem a resposta imune inata,
promovem a síntese de espécies reativas de oxigênio e a liberação de citocinas que
potencializam a resposta adaptativa
193
. Na pele, os TLR podem ser encontrados nos
queratinócitos, melanócitos e células de Langerhans
202
. Os queratinócito expressam
constitutivamente mRNA para os TLR 1, 2,3, 4, 5 , 6 e 10, não tendo sido encontrado
69
evidências da expressão dos TLR 7 e 8
199
. A distribuição e concentração destes receptores
parecem variar ao longo da epiderme e de acordo com o desenvolvimento de algum processo
patológico. Baker et al. (2003) 196 demonstraram que o TLR 1 e 2 são expressos ao longo de
toda a epiderme, sendo que o TLR2 concentra-se mais nas camadas inferiores, ao tempo que
o TLR5 se concentra na camada basal. Em contrapartida, na pele acometida pela psoríase, há
redução dos TLR5 na camada basal e aumento de TLR2 nas camadas superficiais, embora
ainda não se saiba como isto influencia a fisiopatogenia da doença.
Já os melanócitos expressam constitutivamente o mRNA e proteínas dos TLR 2, 3, 4,
5, 7, 9 e 10
286
. Jin et al. (2010)286 propuseram que a ativação de TLR de melanócitos estaria
envolvida nas alterações pigmentares relacionadas aos processos inflamatórios. Os autores
expuseram melanócitos humanos a lipopolissacarídeo bacteriano (LPS), flagelina, Pam3CSK4
e à droga imiquimode, ligantes dos TLR 1/2 , 3, 4, 5 e 7. Observaram então, que o LPS e o
Pam3CSK4 aumentaram a concentração de melanina, ao tempo que o imiquimode e a
flagelina reduziram esta concentração. Além disso, Tam et al (2011) 278 estudaram o perfil de
citocinas sintetizadas a partir da ativação de TLR e descreveram que sob estímulo de LPS os
melanócitos sintetizaram IL-1β e TNF-α. Estas citocinas sintetizadas por melanócitos podem
estar envolvidas na fisiopatogenia de doenças como líquen plano, psoríase, vitiligo e
melanoma 278.
4.1.11. Peptídeos antimicrobianos
Os peptídeos antimicrobianos fazem parte da imunidade inata e na pele atuam
provavelmente controlando a população da microbiota residente e atuando contra
microorganismos invasores
203
. No entanto, os peptídeos antimicrobianos não exercem efeito
apenas bactericida. Estas moléculas atuam também na regulação da proliferação celular
287
e
da produção de matriz extracelular 288.
Na pele humana, os peptídeos antimicrobianos mais encontrados são as catelicidinas e
as defensinas 206; 289. As defensinas são formadas por resíduos de cisteína, sendo divididas em
70
α e β. As α – defensinas são sintetizadas apenas em neutrófilos e células intestinais 195. Já as
β-defensinas humanas (hBD) são produzidas essencialmente por células epiteliais da árvore
respiratória e da pele. Destes peptídeos, os hBD-1, -2, -3 -4 são encontrados na pele humana e
sintetizados mediante diferentes estímulos
últimas
camadas
da
pele
sendo
195; 290; 291; 292; 293; 294
induzida
pelo
lipopolissacarídeos bacterianos com queratinócitos
ductos sudoríparos
290
contato
289; 290; 294
. A hBD-1 é expressa nas
de
peptídeoglicanas
e
, além de ser encontrada nos
. Já a hBD-2 também é observada nas camadas mais superficiais da
epiderme, onde estão presentes os queratinócitos mais diferenciados, sendo induzida pelo
TNF- α, IL-1 β e bactérias, além de ser um peptídeo abundante em lesões cutâneas de psoríase
291; 295
. Os hBD -3 e -4 são expressos em queratinócitos após estímulo bacteriano e de
citocinas inflamatórias, sendo que o hBD -3 também se encontra associado às escamas
psoriásicas
292; 296
. A distribuição destas defensinas na pele é heterogênea e foi estudada por
Ali et al. (2001)294. Os autores demonstraram que as hBD-1 e -2 predominam no couro
cabeludo e região plantar, concentrando-se especialmente na abertura dos apêndices cutâneos.
As hBD agem produzindo poros nas membranas de bactérias Gram positivas e negativas,
além de estimularem a migração e proliferação dos queratinócitos, a síntese de quimiocinas e
citocinas inflamatórias e exercerem quimiotaxia para mastócitos 137; 210; 289.
As catelicidinas são compostas por um domínio catelina N-terminal e um domínio
antimicrobiano catiônico C-terminal 297, sendo que nos humanos, apenas a catelicidina LL-37
é expressa. Este peptídeo antimicrobiano geralmente é encontrado em queratinócitos que
passam por processos inflamatórios como no caso de psoríase, dermatite de contato e lupus
eritematoso
137; 298
. Estas catelicidinas possuem ação antibacteriana, antifúngica e antiviral,
além de induzirem a quimioatração de mastócitos e neutrófilos para o sítio inflamatório
299
289;
.
A análise de tecidos de feridas em cicatrização permitiu a identificação de outros
peptídeos com ação antibacteriana, como lisozimas e α-defensinas neutrofílicas humanas
HD1, HD2 e HD3, que podem ser secretados por células recrutadas para o processo
inflamatório, como granulócitos
298; 300
. Além da ação antimicrobiana, as defensinas
neutrofílicas são capazes de atrair linfócitos T e induzir a degranulação de mastócitos, com a
secreção de histamina, contribuindo para o processo inflamatório 209; 301.
4.1.12. O sistema complemento
71
As proteínas do sistema complemento chegam à pele por difusão através dos vasos
com permeabilidade alterada por algum estímulo inflamatório
45
. Outras células, como
monócitos e macrófagos, residentes na pele ou atraídos pelo início da inflamação também
podem ser fonte destas proteínas. A literatura já descreveu a síntese de diversos elementos do
sistema complemento pelos queratinócitos, como C3, C5, C7, C8, C9, fator B, fator H
regulador do complemento, e fator I além de expressarem os receptores de complemento CR1,
cC1qR, C5aR, CR 2 e citocinas reguladoras do sistema 302.
Alterações qualitativas e quantitativas de fatores do complemento relacionam-se a
doenças cutâneas imunologicamente mediadas e predisposição a infecções. São exemplos
destas dermatoses: buloses como o pênfigo vulgar e penfigóide bolhoso, urticárias,
angioedema hereditário e adquirido, lúpus, vasculites, imunodeficiência primária por
deficiência de C2, entre outras 303.
4.2.
Imunidade Adaptativa Cutânea
A resposta imune adaptativa é altamente complexa nos mamíferos compensando a
fragilidade da barreira cutânea, quando estes são comparados aos outros seres vivos 265 . Esta
resposta inicia-se pela ação das células apresentadoras de antígenos residentes na epiderme e
na derme 45 que atuam como sentinelas primárias do sistema imune cutâneo 164.
4.2.1. Linfócitos T e B
A presença de linfócitos intraepidérmicos foi primeiramente descrita por Kondo em
1992
304
. Os linfócitos T representam 1-3% da população de células epidérmicas 45; 220; 304, ao
tempo que linfócitos B não são encontrados na pele ou na mucosa oral sem alterações 220. Bos
et al. (1987) 304 fazendo uso de imunofenotipagem não encontraram nenhuma célula marcada
com o anticorpo monoclonal anti-B1 (CD19), referente aos linfócitos B, em 24 amostras de
biópsias de pele humana. Por outro lado, trabalhos relacionados principalmente aos linfomas
cutâneos de células T, contribuíram para a caracterização de uma subpopulação de linfócitos
T com tropismo específico para a pele 55. Estas células são linfócitos T de memória CD45R0+
que expressam na superfície moléculas de adesão, receptores de quimiocinas e enzimas que
irão contribuir para a migração até a pele
305
. Uma dessas moléculas é uma glicoproteína de
72
superfície semelhante ao antígeno sialyl Lewis X, o antígeno cutâneo linfocitário (CLA),
encontrado em 50% dos linfócitos T presentes na pele
305; 306
. No entanto, esta mesma
glicoproteína pode ser observada também em 15% dos linfócitos periféricos 307.
Como previamente mencionado, as células de Langerhans e outras apresentadoras de
antígeno da pele migram até o linfonodo regional, através dos linfáticos dérmicos, onde irão
apresentar os antígenos aos linfócitos T naive e de memória. Os linfócitos T sofrem então
uma expansão clonal e migram para o sítio cutâneo de onde partiu o estímulo antigênico 259.
A ativação dos linfócitos T naive presentes nos linfonodos que drenam a pele, faz
com que estas células passem a expressar na superfície a glicoproteína CLA
308
. A fim de
facilitar a migração dos linfócitos T de memória até o sítio inflamatório, o epítopo CLA
funciona como um ligante de E-selectina, uma molécula de adesão expressa na superfície das
células endoteliais inflamadas, induzida pela presença de mediadores pró-inflamatórios como
IL-1 e TNF-α 305. A síntese de determinadas citocinas parece regular também a expressão do
antígeno CLA, de modo que a IL-12 seria capaz de induzir esta molécula em linfócitos T 305.
A importância deste fato reside no uso de substâncias que controlem a expressão do CLA para
o tratamento de doenças como psoríase e dermatite de contato 309.
A interação CLA/E-selectina não é o único mecanismo envolvido na migração do
linfócito T dos vasos sanguíneos para a pele. Outras ligações como LFA-1/ICAM-1 e VLA4/VCAM-1 são relevantes para a migração transendotelial
310; 311
. As quimiocinas também
têm papel relevante neste processo, sendo que os linfócito expressam na superfície receptores
para estas moléculas como CCR4
312
, CXCR2
313
e CCR10
314
. Um dos papéis das
quimicocinas consiste na indução de alterações morfológicas nos linfócitos T que permitam a
sua diapedese
315
. Um fato interessante é a produção de CTACK/CCL27, uma quimiocina
ligante do receptor CCR10, exclusivamente pelos queratinócitos basais, cuja síntese está
aumentada nos processos inflamatórios e relacionada a atração de linfócitos T 316.
Em condições de homeostase, os linfócitos T são encontrados na epiderme próximos à
membrana basal e às células de Langerhans e na junção dermo-epidérmica, ao redor das
vênulas pós-capilares dos plexos superficial e profundo
45; 220
. A maioria destes linfócitos T
são células de memória com o fenótipo CD45R0+, e expressa na superfície o receptor do tipo
CD8, indicando tratar-se de linfócitos T citotóxicos
CD4+/CD8+ na epiderme é de 0,25
220
45
. A proporção média de linfócitos T
. Estes fatos contrastam com o perfil de linfócitos T no
sangue periférico, onde geralmente há um predomínio de linfócitos CD4+, na proporção de 2
CD4+ para 1 CD8+ 317.
73
Os linfócitos T têm participação no reconhecimento de antígenos presentes na pele
estando envolvidos na fisiopatogenia de doenças alérgicas como a dermatite atópica e de
contato, neoplasias como o linfoma cutâneo de células T e doenças inflamatórias como a
Psoríase 305; 318.
Pode se observar, que o tipo de resposta imunológica desencadeada na pele é um
processo complexo dependente da natureza do antígeno e da sua interação com as células do
organismo. Uma série de doermatoses ainda tem sua fisiopatogenia desconhecida o que vem
estimulando a busca por possíveis agentes externos como desencadeadores. Justifica-se assim
a busca pela compreensão do impacto da exposição das células cutâneas e do sistema imune a
partículas
exógenas
presentes
no
ambiente,
especialmente
as
conseqüentes
ao
desenvolvimento de novas tecnologias.
5. INTERAÇÃO DOS NANOMATERIAIS COM OS ELEMENTOS DA UNIDADE
IMUNOLÓGICA CUTÂNEA
5.1.
Interação dos nanomateriais com elementos da resposta imunológica inata
5.1.1. Interação com os elementos da barreira física e permeação cutânea
5.1.1.1.
Alótropos do carbono
A interação de nanomateriais alótropos do carbono com os queratinócitos,
especialmente em relação à penetração celular, apoptose e indução de citocinas inflamatórias
tem sido estudada. Monteiro-Riviere et al.(2005) 319 demonstraram que MWCNT são capazes
de penetrar
queratinócitos em cultura sendo observados através de TEM em vacúolos
citoplasmáticos. Além disso, foi observada a indução de liberação de IL-8, na dependência da
concentração dos MWCNT no meio e do tempo de exposição. Por sua vez, esta IL-8 é uma
citocina pró-inflamatória, com forte atividade quimiotáxica para neutrófilos, relacionando-se a
dermatites irritativas 98.
Em relação aos queratinócitos, já foi relatado que nanotubos de carbono aplicados a
cultivos destas células são capazes de iniciar uma resposta inflamatória, seja pela indução de
citocinas ou síntese de radicais livres. Shvedova et al (2003) 83 avaliaram o efeito de SWCNT
em cultivo de queratinócitos HaCat e observaram a indução da síntese de radicais livres,
74
acúmulo de derivados de peróxidos, redução de antioxidantes e consequente toxicidade aos
queratinócitos .
A citotoxicidade de nanotubos de carbono foi estudada por Murray et al (2009) 84, que
destacaram a relevância da presença de contaminantes metálicos nestes alótropos do carbono
para o desencadeamento da toxicidade. Estes metais catalizam reações que produzem radicais
livres que, por sua vez, induzem estresse oxidativo nos tecidos. Os autores utilizaram pele
artificial humana (EpidermFT), células epidérmicas murinas JB6 P+ e pele de camundongo
SKH-1, além de SWCNT purificados, parcialmente purificados e não-purificados, sendo que
estes dois últimos continham ferro. Foi observado que as células JB6 P+ produziam radicais
OH quando expostos ao SWCNT, sendo que o processo foi inibido ao se adicionar ao meio o
quelante de metais dexferoxamina. A viabilidade das células JB6 P+ expostas aos SWCNT,
parcialmente purificados e não purificados, diminui de acordo com a concentração do
nanomaterial no meio. A maior concentração de SWCNT (0,24 mg.ml-1) levou a menor
viabilidade celular, sendo que o efeito de SWCNT não purificados foi mais intenso. A
possível indução de resposta inflamatória foi analisada através da ativação da AP-1 e
transcrição do NFkB. Em relação ao AP-1, apenas o SWCNT não purificado foi capaz de
induzir a sua síntese e mais uma vez o processo foi dose-dependente. Os nanotubos
purificados parcialmente ou não purificados também induziram a transcrição de NFkB de
forma dependente da sua concentração do meio. A pele artificial, com células humanas na
epiderme e derme, foi exposta a 75 µg de SWCNT não purificado e em seguida submetida a
análise histológica. Em comparação ao tecido exposto ao veículo controle, foi observado que
os SWCNT induziram hiperceratose, paraceratose, aumento das células basais na epiderme e
dos fibroblastos na derme, além do aumento das fibras colágenas, levando a uma maior
espessura da derme. Além disso, observou-se um aumento da síntese de citocinas
inflamatórias neste tecido quando exposto ao SWCNT não purificado, especialmente de IL-6,
IL-12 e IFN-γ, não sendo expressiva a síntese de TNF-α e MCP-1. Os achados in vitro foram
confirmados nos testes em que SWCNT não purificado foi aplicado na pele de camundongos
SKH-1, diariamente, durante 5 dias, na dose de 160 µg, induzindo um aumento de 150% da
espessura cutânea. O mesmo trabalho mostrou ainda um infiltrado inflamatório de
polimorfonucleares acometendo a epiderme e a derme, especialmente ao redor de folículos
pilosos. O processo inflamatório estava presente também no tecido adiposo e glândulas
sebáceas. No experimento in vivo apenas o SWCNT na dose de 160 µg induziu a síntese de
citocinas, sendo elas IL-6 e IL-10. Foi observado também na pele do camundongo uma
75
redução da glutationa e formação da proteína carbonil, indicadores da presença de radicais
livres e estresse oxidativo.
Ding et al (2005)
320
estudaram como a exposição de fibroblastos cutâneos humanos
(HSF 42) a MWCNT e MWCNO poderia alterar a expressão gênica destas células. Os autores
descreveram que houve modificações na expressão de mRNA de genes relacionados ao
metabolismo, apoptose, ciclo celular, transporte celular, resposta inflamatória e estresse. Estes
nanomateriais parecem agir nas células estudadas através da indução das vias da p38/ERK
MAPK quinase e interferon. As diluições de nanotubos empregadas no trabalho foram de 0.6
e 6 mg.L-1 para MWCNO , além de 0.06 e 0.6 mg.L-1 para MWCNT, com tamanho médio
de 20 nm, ficando as células expostas a estes durante 24 ou 48 horas. Este estudo demonstrou
que o MWCNT foi dez vezes mais tóxico às células do que o MWCNO. Os resultados
evidenciaram uma redução na contagem das células durante a exposição a ambos os
nanomateriais testados, de forma dose-dependente, sendo isto atribuído a redução da
proliferação, indução da apoptose e necrose. Em baixas concentrações, o MWCNT e
MWCNO induziram uma redução da expressão dos genes referentes a biossíntese de ácidos
graxos, metabolismo protéico, transporte da vesícula de Golgi e a transição da fase G1 para a
S no ciclo celular. Por outro lado, induziram um aumento da expressão de genes relacionados
à degradação de proteínas. Já a exposição a altas doses dos nanomateriais levou a ao aumento
da síntese de aminoácidos e proteínas. Neste trabalho, apenas o MWCNT foi capaz de induzir
um aumento da expressão de genes relacionados a inflamação e resposta imunológica inata.
Destacou-se que muitos destes genes são induzidos pelo interferon e que o MWCNT
desencadearia uma resposta antiproliferativa e com características semelhantes a uma resposta
antiviral.
Alguns trabalhos já avaliaram a penetração de fulerenos em queratinócitos. BullardDillard et al (1996) 321 estudaram a capacidade do fulereno C60 e de uma versão mais solúvel
do nanomaterial, o fulereno C60 derivado de sais de amônio quaternário, serem captados por
queratinócitos humanos imortalizados. Foi relatado que ambas as formas do fulereno foram
captadas pelos queratinócitos, embora o derivado de sais de amônio se acumulasse de forma
mais lenta. Quando os queratinócitos foram expostos ao fulereno C60 durante oito dias, na
concentração de 2 µM, observou-se uma redução do crescimento das células em 50%.
A citotoxicidade dos fulerenos em queratinócitos é dependente da natureza do radical
utilizado na funcionalização do nanomaterial. Gao et al. (2010)
100
demonstraram que os
fulerenos funcionalizados CD-C60, hexa-C60 e tris-C60 são capazes de inibir a apoptose
celular, em diferentes proporções. Esse efeito leva a discussão sobre uma possível ação de
76
nanomateriais no desenvolvimento de neoplasias cutâneas, uma vez que células
geneticamente modificadas não sofreriam apoptose. Além disso, observou que a forma trisC60 inibe a proliferação de queratinócitos, podendo levar a senescência precoce cutânea. O
perfil de citocinas induzidas também é dependente da funcionalização, tempo de exposição e
concentração do nanomaterial no meio. No estudo de Rouse et al. (2006)
98
, observou-se
redução da viabilidade dos queratinócitos humanos e aumento de citocinas inflamatórias
como IL-8, IL-6 e IL-1β, quando aqueles eram expostos a diferentes concentrações do
fulereno funcionalizado C60 Baa.
A importância da flexão cutânea para a permeação de fulerenos íntegros foi
demonstrada por Rouse et al (2007) 322. Os autores aplicaram fulerenos funcionalizados (BaaLys(FITC)-NLS), medindo individualmente 3,5 nm, em pele porcina. Foram analisados
tecidos expostos a 20 flexões.min-1 por 60 e 90 minutos, além de tecido não submetido a
estresse físico. Os autores relataram a ocorrência da difusão passiva dos fulerenos apenas na
pele flexionada, sendo que o processo dependia do tempo de exposição. A observação através
de TEM mostrou que a penetração destes fulerenos ocorreu preferencialmente através do
espaço intercelular e que após 24 horas eles se encontravam na camada granulosa. Os
fulerenos podem também ser conjugados a outros nanomateriais alterando a sua permeação
cutânea. Kato et al (2009)
75
estudaram a permeação do complexo fulereno-C60/lipossoma
(Lpsm-Flln) em fragmentos de pele humana, através do modelo de difusão celular de Franz,
por 24 horas. Os autores descreveram que o complexo, que estava na concentração de 0,5%
em meio aquoso, foi encontrado durante as análises apenas na epiderme, não atingindo a
derme. Xia et al (2010) 323, na tentativa de simular exposição ocupacional, avaliaram o efeito
de diferentes solventes sobre a penetração cutânea do fulereno C60- pristina. O nanomaterial
diluído em tolueno, ciclo-hexano, clorofórmio e óleo mineral, na concentração de 200 µg.ml1
, foi aplicado na pele de porcos Yorkshire durante 4 dias consecutivos. Posteriormente, após a
realização da técnica de tape-stripping, os sítios de aplicação foram biopsiados. Os autores
descreveram que os fulerenos presentes nos meios com os solventes tolueno, ciclo-hexano e
clorofórmio foram encontrados em um nível profundo da camada córnea. Os fulerenos
dissolvidos em óleo mineral não foram capazes de permear a pele.
5.1.1.2.
Nanopartículas de prata
77
Baroli et al. (2007)
324
avaliaram a permeação na pele íntegra de nanopartículas
metálicas (ferro e maghemite) inferiores a 10 nm e descreveram que elas foram capazes de
penetrar apenas no folículo piloso e estrato córneo, ocasionalmente atingindo a epiderme
viável. Filon et al. (2007)
325
observaram que nanopartículas de prata não foram capazes de
permear a pele humana íntegra e danificada, de forma significativa, utilizando o método de
difusão celular de Franz, com nanopartículas de prata em um meio fisiológico a uma
concentração de 70 µg.cm-2.
No entanto, Larese et al. (2009)
326
, em um estudo muito
semelhante, analisaram in vitro, através de TEM, a permeação de nanopartículas de prata em
pele humana sem pelos, íntegra e após abrasão. O diâmetro médio das nanopartículas foi de
25 nm e na fase doadora do experimento a concentração da nanopartícula no meio foi de 70
µg.cm-2. Observou-se que, após 24h, uma quantidade média de 0,46 ng.cm-2 de nanopartículas
de prata foi capaz de permear a pele íntegra. Já na pele submetida à abrasão, esta quantidade
foi cinco vezes maior, chegando a 2,32 ng.cm-2. A análise por TEM demonstrou algumas
nanopartículas de prata retidas no estrato córneo e nas camadas superficiais da epiderme.
Ainda na mesma discussão, Samberg et al (2010) 38 avaliaram a permeação de nanopartículas
de prata em pele porcina, com diferentes tamanhos, funcionalizadas ou não, utilizando-se de
resolução por TEM. Os autores descreveram que, após uma incubação de 14 dias, todas as
diferentes nanopartículas de prata encontravam-se na superfície ou nas camadas mais altas do
estrato córneo. No entanto, análises por microscopia óptica demonstraram que todas as
nanopartículas foram capazes de induzir alterações inflamatórias na pele, de forma dosedependente. Assim, nanopartículas de 20nm lavadas na menor concentração, de 0.34 µg.ml-1
ocasionaram edema leve intracelular e intercelular nas células epidérmicas. Já estas mesmas
nanopartículas na concentração de (34 µg.ml-1) causaram edema epidérmico severo,
hiperceratose, paraceratose e infiltrado inflamatório dérmico focal.
Apesar das divergências entre os trabalhos, relatos clínicos sobre elevação sérica da
prata, com disfunção transitória hepática e renal, em pacientes fazendo uso de curativos e
bandagens que liberam nanopartículas e íons de prata devem ser considerados
127; 131; 327; 328
.
Estes trabalhos demonstraram, na prática, permeação cutânea de nanopartículas em pele não
íntegra, embora se desconheça a perda real e exata dos extratos cutâneos nos relatos de
queimadura e feridas crônicas em que foram aplicados os curativos.
A análise do potencial tóxico de nanopartículas de prata em queratinócitos é relevante
devido à ampla utilização desta nanopartícula metálica em curativos cutâneos e tecidos.
Correntemente, a concentração de íon prata considerada segura, com atividade bactericida,
78
sem ação citotóxica em queratinócitos, é de 0,5% em solução de nitrato de prata (AgNO3), e
foi estabelecida por Moyer, em 1965
127; 329
. No entanto, outras propriedades bactericidas
inerentes à prata em escala nanométrica podem contribuir para a alteração da concentração de
exposição segura.
A quantidade de nanopartículas de prata liberadas por alguns curativos disponíveis no
mercado já foi determinada, como no caso do Acticoat® que, quando umedecido, libera de
forma contínua e sustentada prata na concentração de 50-100 mg.ml-1 (50 – 100 x 10 -4 %) 330.
No entanto, alguns trabalhos sugerem que esta concentração possa ser tóxica para os
queratinócitos. Poon et al. (2004) 329 testaram o impacto de diferentes concentrações de nitrato
de prata e do curativo Acticoat® em monocamadas de queratinócitos, além de fibroblastos em
monocamadas e matrizes de colágeno. Observou-se que as concentrações tóxicas de prata
para queratinócitos expostos ao curativo eram de 50 × 10−4 % e de nitrato de prata 78 × 10−4
%. Em relação aos fibroblastos, estas concentrações foram de 33×10−4 % para o curativo e
60×10−4 % para o nitrato de prata. Assim, foi demonstrado que a quantidade de nanopartículas
de prata liberadas pelo curativo é suficiente para exercer efeito tóxico, sendo os fibroblastos
mais sensíveis do que os queratinócitos. Entretanto, os autores ressaltam que o experimento
pode não reproduzir o ambiente de uma ferida, com os exudatos e outras células inflamatórias
podendo interferir na ação e concentração da prata no meio. Um efeito tóxico semelhante aos
queratinócitos foi observado por Lam et al. (2004)
331
, que testaram o mesmo curativo
Acticoat® em cultura de queratinócitos e relataram a inibição do crescimento celular das
células expostas às nanopartículas de prata. Paddle et al. (2006)
332
realizaram também
estudos com os curativos que liberam nanopartículas de prata Acticoat® e Aquacel-silver®
em cultivo de queratinócitos. Os autores relataram perda da atividade celular (redução do
MTT) e diminuição da proliferação (incorporação do Br-dU) em mais de 90% dos
queratinócitos submetidos a estes curativos. Samberg et al. (2010)
38
estudaram também a
viabilidade de queratinócitos epidérmicos humanos (células HEK) expostos às nanopartículas
de prata funcionalizadas com carbono (25 e 35 nm), não funcionalizadas e lavadas (20, 50 e
80 nm), e não funcionalizadas e sem lavagem (20, 50 e 80 nm). Relataram que apenas estas
últimas diminuíram de forma dose-dependente a viabilidade dos queratinócitos, nos três
tamanhos estudados, após exposição durante 24 horas, em concentrações que variaram de
0.000544 a 1.7 µg.ml-1. A produção de citocinas inflamatórias pelas células HEK também foi
avaliada pelos autores, que descreveram a síntese de IL-1β, IL-6, IL-8 e TNF-α pelos
79
queratinócitos expostos às nanopartículas de prata não lavadas, nos três tamanhos, por 24
horas, na concentração de 0.34 µg.ml-1.
Os fibroblastos, responsáveis pela síntese de colágeno e fibras elásticas da derme,
também, podem ser afetados por nanopartículas que atinjam este estrato cutâneo. Park et al.
333
(2011)
avaliaram o impacto de nanopartículas de prata (20, 80 e 113 nm), em diferentes
concentrações, sobre fibroblastos L929. Foi descrita redução da atividade metabólica, por
análise do reagente WST-1, dependente da concentração e do tamanho das nanopartículas, de
forma que a maior concentração e a menor nanopartícula foram responsáveis pelos maiores
impactos. Como no mesmo trabalho os autores estudaram macrófagos RAW 264.7, puderam
comparar o impacto das nanopartículas em diferentes células e descreveram uma maior
sensibilidade dos fibroblastos. A integridade da membrana dos fibroblastos também foi
avaliada pela dosagem de LDH, demonstrando-se comprometimento da membrana induzido
pelos três tamanhos de partículas, sendo que a menor (20nm) causou maior alteração.
5.1.2. Interação com a microbiota comensal cutânea
5.1.2.1.
Alótropos do carbono
Os alótropos do carbono exercem atividade microbicida por ação direta, através da
modulação de células inflamatórias ou podem carrear uma série de drogas com função
bactericida e fungicida 334; 335. Tsao et al (2001) 336 mostraram que o carboxifulereno é capaz
de inibir a infecção cutânea e o crescimento in vivo do Streptoccoccus pyogenes A-20, que
pode estar envolvido em piodermites e na Síndrome do Choque Tóxico Estreptocócico. Os
autores criaram uma “bolsa de ar” subcutânea na pele de ratos onde foram injetados
Streptoccoccus pyogenes. Em algumas cobaias, foi infiltrado carboxifulereno em diferentes
concentrações na bolsa subcutânea, imediatamente à injeção com a suspensão de bactérias ou
três horas após. Os autores coletaram amostras do infiltrado no interior da bolha e realizaram
biópsia da pele ao redor desta para análise histológica. Uma suspensão de S. pyogenes
também foi submetida a concentrações diferentes de carboxifulereno para análise da
viabilidade bacteriana. Neutrófilos sanguíneos de ratos B6 naive foram suspensos em placas e
incubados com diferentes concentrações do nanomaterial. Posteriormente, estes neutrófilos
foram incubados em meios de cultivo com S. pyogenes por uma hora, quando se procedeu a
80
análise do sobrenadante para quantificação bacteriana. Os resultados mostraram que as
cobaias que não receberam o nanomaterial apresentaram alterações supurativas da pele ao
redor da bolha com 24 horas, indo a óbito em 48 horas. Nas cobaias em que o carboxifulereno
foi infiltrado quase que simultaneamente com a suspensão bacteriana, observou-se uma
redução das mortes, de forma dependente da quantidade do nanomaterial injetado, sendo que
não foram observados óbitos quando se utilizou a dose de 40 mg.Kg-1 de carboxifulereno. No
caso dos experimentos onde o nanomaterial foi injetado mais tardiamente, as cobaias
morreram em 72 horas.
Após a observação destes resultados, repetiu-se o experimento com a inoculação de
uma cepa bacteriana menos virulenta, o S. pyogenes NZ-131, na bolsa de ar subcutânea,
porém desta vez o nanomaterial foi injetado tanto no local da infecção, quanto no peritôneo da
cobaia. Mais uma vez, não foram observados óbitos quando o carboxifulereno foi injetado no
sítio da infecção. Entretanto, houve redução das mortes, mas não de forma tão eficaz, quando
a administração do nanomaterial se deu no peritôneo, de modo que a concentração de 40
mg.Kg-1 preveniu o óbito em apenas 50% dos casos. Ainda neste caso, quando o fulereno foi
injetado tardiamente na bolsa, como se tratava de uma cepa menos virulenta, ainda se
conseguiu prevenir 17% das mortes. A análise histológica dos fragmentos de pele evidenciou
um infiltrado neutrofílico no tecido. Punções seriadas da bolsa foram realizadas para estudo
da cinética dos neutrófilos. As cobaias não tratadas com o fulerenos apresentaram aumento
dos neutrófilos em 3 horas, chegando ao pico máximo de células às 6 horas e decaimento
entre 9 e 24 horas. Naquelas em que o carboxifulereno foi imediatamente infiltrado após a
inoculação bacteriana, a cinética dos polimorfonucleares foi mais lenta, porém sem diferir do
outro grupo na contagem total de células. Soma-se a isso, que o nanomaterial parece ter
aumentado
a
viabilidade dos neutrófilos, já que, após 9 horas, mais de 85% das células permaneciam
viáveis. Foi demonstrado, também, que os neutrófilos previamente expostos ao
carboxifulereno tiveram maior poder bactericida ao ser expostos ao cultivo de bactérias.
A ação bactericida dos fulerenos contra GRAM negativos foi demonstrada por Lyon et
al (2005)
337
. Neste trabalho fulerenos C60 agregados na concentração de 7,5 mg.l-1 foram
capazes de reduzir a viabilidade da Escherichia coli DH5α. Em concentrações inferiores
como 4,8 mg.l-1 já foi possível observar uma redução da produção de CO2, o que é indicativo
da redução da respiração celular. Em contrapartida, Hadduk et al (2010)
338
incubaram
fulereno-C60, na concentração de 26 µg.ml-1, com cepas mutantes DH5α da bactéria
81
Escherichia coli e não obtiveram o mesmo resultado. Os autores relataram que não houve
alteração do crescimento das colônias bacterianas expostas ao nanomaterial.
O estudo da amplificação do efeito bactericida de fulerenos com a aplicação de luz
visível utilizada na terapia fotodinâmica (PDT) foi realizada por Lu et al (2010)
339
. Os
autores propunham a utilização da PDT com o nanomaterial para o tratamento de feridas
crônicas infectadas. Foram utilizados fulerenos funcionalizados com cátions, e cepas das
bactérias Pseudomonas aeruginosa ATCC 19660 e Proteus mirabilis ATCC 51393. O
experimento foi realizado in vitro e em pele de camundongos onde foi induzida a infecção. O
efeito bactericida foi observado em ambas intervenções, sendo que no modelo in vivo foi
necessária maior quantidade do sensibilizante e aumento da fluência da luz. Descreveu-se que
a bactéria P. aeruginosa pareceu mais sensível do que o P. mirabilis, e a ação microbicida não
foi observada na ausência da luz. Entretanto, foi feita a ressalva que as cobaias infectadas com
P. aeruginosa, que teve um comportamento mais virulento, apresentavam, após 24 horas,
recrudescimento da infecção, com risco de sepse, tendo sido necessário o uso do antibiótico
tobramicina como adjuvante.
Enquanto os trabalhos se concentram na análise da interação dos fulerenos com
bactérias, Hadduk et all (2010)
338
estudaram o impacto destes alótropos do carbono em
fungos Saccharomyces cerevisiae presentes no solo. O fulereno nC60 foi preparado por três
métodos diferentes, tinha grau de pureza maior do que 99% e se encontrava na concentração
de 30 µg.ml-1. Os autores descreveram que o nanomaterial não inibiu o crescimento do fungo.
A fim de analisar o potencial bactericida de nanotubos de carbono, Kang et al (2007)
340
estudaram a interação de SWCNT de pristina, com diâmetro médio de 0,9 nm (0,75 – 1,2
nm), e baixo teor metálico, com cepas de E. coli K12. Durante a incubação, observou-se que
os SWCNT encontravam-se agregados na superfície bacteriana, sendo que, após 60 minutos,
notou-se perda importante da viabilidade celular, em torno de 79,9%. No entanto, as bactérias
que se encontravam livres no meio, sem agregados de nanotubos aderidos, mantinham a
viabilidade, independentemente da variação da concentração do SWCNT no meio. Os autores
concluíram que os nanotubos possuíam uma ação microbicida intensa, dependente do tempo
de exposição e que esta ação era causada por danos diretos a membrana celular bacteriana,
sendo necessário o contato direto do nanotubo de carbono com a superfície. A importância do
tamanho do nanotubo de carbono para seu efeito bactericida foi demonstrada por Kang et al
(2008)
341
. Os autores estudaram a atividade bactericida de SWCNT e MWCNT altamente
82
purificados contra bactérias E. coli K12. Foi descrito que a atividade bactericida dos SWCNT
foi muito mais intensa quando comparados aos MWCNT, sugerindo que nanomateriais
menores seriam mais tóxicos às bactérias. O trabalho mostrou ainda que as bactérias
aumentaram a expressão do mRNA de genes relacionados ao estresse, quando expostas aos
nanotubos.
O trabalho de Arias et al (2009)
342
descreve que a ação microbicida de nanotubos de
carbono depende mais da concentração do nanomaterial e do tampão presente no meio, sendo
que a carga de superfície induzida pela funcionalização tem pouca influência no processo. Os
autores expuseram bactérias GRAM positivas (S.aureus e Bacillus subtillis) e GRAM
negativas (Salmonella typhimurium) a diferentes concentrações de SWCNT e MWCNT,
exibindo na superfície os radicais –OH ou –COOH ou –NH2. Em pH 7,0 estes radicais,
respectivamente, levam a uma carga de superfície neutra, negativa e positiva. Observou-se
que nenhum dos MWCNT, ainda que em grande concentração no meio (500-875 µg.ml-1),
apresentava atividade bactericida. Já os SWCNT com os radicais -OH e –COOH
apresentaram atividade antimicrobiana contra bactérias GRAM positivas e negativas quando
se encontravam no meio com água destilada e soro fisiológico. A ação microbicida foi
observada a partir da concentração de nanotubos no meio de 50 µg.ml-1. Por sua vez, o
SWCNT-NH2 só apresentou ação antibactericida em concentrações muito altas.
Considerando a teoria de que o contato direto do nanotubo de carbono com a superfície
bacteriana é essencial para o efeito bactericida, os autores justificaram que a adição do radical
–NH2 ao nanomaterial foi feita através de uma cadeia longa (CH3(CH2)16CH2-NH2) que
poderia dificultar a interação do SWCNT com a bactéria. Em relação ao impacto da carga de
superfície no efeito bactericida, Tang et al (2007) encontraram resultados contraditórios aos
apresentados. Os autores avaliaram o impacto de fulerenos com carga neutra (C60 e C60-OH),
positiva (C60-NH2) e negativa (C60-COOH) em bactérias E. coli W3110 e Shewanelia
oneidensis MR-1. Foi observado que, enquanto o C60-NH2 apresentava ação microbicida
contra ambas as bactérias, em concentrações como 10 mg.l-1, os fulerenos com carga neutra e
negativa não inibiram de forma significativa o crescimento destes micro-organismos, ainda
que em concentrações maiores do que 80mg.l-1.
5.1.2.2.
Nanopartículas de prata
83
A interferência de fibras têxteis contendo nanopartículas de prata na microbiota
comensal da pele deve ser estudada, devido ao efeito antifúngico, antibactericida e antiviral
destas estruturas, com possível consequências para a unidade imunológica cutânea 29.
Um ponto inicial deve ser a avaliação da real liberação de nanopartículas de prata por
estes tecidos e possivelmente a sua quantificação. Kulthong et al. (2010)
106
quantificaram a
liberação de nanopartículas de prata por tecidos tratados em laboratório e comercialmente
disponíveis em contato com quatro formulações diferentes de suor artificial. O trabalho
mostrou que alguns tecidos, embora fossem descritos como tal, não continham nanopartículas
de prata. A análise de outros, por TEM, mostrou que as nanopartículas de prata encontravamse aglomeradas na superfície dos tecidos. Os tecidos preparados nos laboratório e os
comercialmente disponíveis mostraram através da SEM que as nanopartículas de prata eram
esféricas e mediam, em média, 200 nm. Além disso, alguns tecidos continham TiO2 associado
às nanopartículas de prata, uma vez que o titânio nanoparticulado na presença de luz visível
tem efeito bactericida, sendo usado comumente de forma sinérgica com a prata
343
. Após a
incubação no suor artificial, a liberação de nanopartículas de prata variou entre os tecidos
testados de 0 a 322 mg.kg-1 de tecido. Esta liberação variava de acordo com o pH do meio,
sendo baixa no pH 5.5, próximo ao da pele, e alta no pH 6.6, secundário à aplicação de uréia.
Os autores avaliaram ainda o potencial bactericida contra Staphylococcus aureus e
Escherichia coli, modelos de bactérias GRAM positivo e negativo, respectivamente.
Primeiramente, observou-se que após um período de incubação de 24 horas, o efeito
bactericida variou entre 0 e 99% entre os dez tecidos testados, sendo que a maioria das
amostras inibiu em 98% o crescimento do S. aureus. A inibição do crescimento da bactéria
GRAM negativa foi menos eficaz, sendo observada em apenas quatro amostras e, ainda
assim, em uma delas, a redução foi de apenas 29%. Esta diferença de efeito entre bactérias
GRAM positivas e negativas pode ser atribuída à presença de lipopolissacarídeos nas paredes
destas últimas, conferindo maior proteção contra substâncias bactericidas
Kalishwaralal et al. (2010)
120
344
.
avaliaram a capacidade de nanopartículas de prata de
aproximadamente 50 nm impedirem a proliferação bacteriana e formação de biofilme por S.
epidermidis e Pseudomonas aeruginosa. Observou-se que, em certas concentrações, a
nanopartícula de prata foi capaz de inibir o crescimento em até 90% da colônia bacteriana. Os
índices mais efetivos foram observados com a concentração molar de 100 nM das
nanopartículas
de prata, sendo capaz de inibir tanto a replicação quanto o
biofilme
bacteriano. Embora o trabalho tenha sido realizado visando o desenvolvimento de produtos
84
antissépticos para lentes de contato, o potencial bactericida das nanopartículas de prata em
relação ao S. epidermidis, a bactéria da microbiota comensal cutânea mais prevalente, foi
comprovado.
5.1.3. Interação com os neutrófilos na pele
5.1.3.1.
Alótropos do carbono
A interação de fulerenos com neutrófilos na pele foi demonstrada por Inui et al.
(2011)73 , que estudaram o uso deste alótropo do carbono no tratamento da acne. Os
participantes do estudo aplicaram na face o gel de lipofulereno a 1%, duas vezes por dia,
durante 8 semanas. Observou-se após este período, uma redução de 87,6% das pústulas (p<
0,05), o que os autores atribuíram à supressão da infiltração de neutrófilos, pela ação
antioxidante dos fulerenos. Os mecanismos exatos de interação dos fulerenos com estas
células não foram abordados neste trabalho, nem possíveis efeitos em outros elementos
implicados na fisiopatogenia da acne, como a colonização pelo Propionobacterium acne.
No intuito de melhor entender esta interação, Jovanovic et al. (2011)
72
estudaram a
ação de fulerenos hidroxilados, dissolvidos em diferentes meios, sobre neutrófilos do peixe
minnows adulto. As partículas se apresentavam agregadas à observação por TEM, sendo que
os tamanhos variavam de acordo com a composição do meio, de forma que o maior agregado
media 2µm. Após a exposição, os autores relataram que não houve redução da contagem de
neutrófilos do peixe, entretanto, a função da célula foi reduzida. Trabalhos prévios já
mostraram que os alótropos do carbono, funcionalizados ou não, podem ser internalizados
pelos neutrófilos e
metabolizados
345
armazenados
em vesículas intracitoplasmáticas, onde seriam
. Desta forma, o fulereno com seu alto poder antioxidante neutralizaria as
ROS produzidas na cadeia respiratória e armazenadas nos fagossomas dos neutrófilos. A
análise do funcionamento destes polimorfonucleares mostra que as ROS são necessárias para
a produção de próton de hidrogênio, que por sua vez, participa da sinalização responsável pela
degranulação do neutrófilo
346
. Outro processo que parece ser afetado por esta redução da
concentração de peróxido de hidrogênio é o mecanismo de NETosis. Neste experimento,
observou-se que a liberação dos NETs aumentou em concentrações de fulereno hidroxilado
menor do que 2µg ml -1 e foi reduzida quando a concentração foi maior do que 20µg.ml -1 143.
85
Outros achados do estudo foram uma redução de cinco vezes na expressão de mRNA da
elastase neutrofílica 2, uma serino protease de amplo espectro bacterida 142, e um aumento do
mRNA mieloperoxidase. Em relação a esta última enzima, Kagan et al. (2010) 345 estudaram
a sua interação com SWCNT curtos. Foram utilizados neutrófilos humanos e os nanotubos
foram recobertos com anticorpos do tipo IgG para otimizar a fagocitose. Devido ao
conhecimento de que a mieloperoxidase se liga a moléculas de carga negativa, alguns
nanotubos foram recobertos com fosfatidilserina, um ânion, enquanto em outros foi utilizada a
fosfatidilcolina, uma molécula neutra. Os autores observaram que a mieloperoxidase humana
foi capaz de degradar apenas os SWCNT com carga de superfície negativa. Além disso, o
processo só ocorreu quando havia peróxido de hidrogênio no meio, que no neutrófilo é
produzido a partir da dismutação dos radicais superóxidos produzidos pela NADPH-oxidase.
Foi relatado também que enquanto 100% dos SWCNT funcionalizados com IgG foram
degradados, isto só ocorreu com 30% das estruturas não funcionalizadas.
Morimoto et al. (2010)
347
analisaram o impacto no trato respiratório de fulerenos
dispersos, medindo 33 nm, que foram instilados na traquéia de ratos Wistar, em diferentes
concentrações, a curto (3 dias) e a longo prazo (3 e 6 meses). Aglomerados de fulerenos, com
diâmetro médio de 96 nm, na concentração de 0,12 mg/m3 , também foram inalados pelas
cobaias. Os resultados mostraram que apenas a maior dose de fulereno (1 mg) induziu
aumento de polimorfonucleares e quimiocinas de neutrófilos no lavado broncoalveolar, sendo
este aumento apenas transitório. Nas cobaias submetidas à inalação de aglomerados de
fulerenos, não foi observada qualquer alteração em relação à resposta inflamatória induzida
por neutrófilos. Rousgaard et al. (2008)
348
estudaram o efeito isolado da instilação de
fulerenol, C60(OH)20+-2, na traquéia de camundongos, bem como o impacto da instilação
prévia deste fulereno à instilação de quartzo. Os autores relataram que o fulereno isolado
induziu um aumento do influxo de neutrófilos nos pulmões, de forma dose- dependente. No
entanto, a instilação prévia de fulerenol levava à redução aproximada de 50% dos neutrófilos
no lavado broncoalveolar, das cobaias expostas ao quartzo, não sendo o efeito
antiinflamatório dose-dependente.
Em contrapartida, uma resposta inflamatória induzida por nanotubos de carbono já foi
descrita por outros autores. Murray et al (2009)
84
aplicaram SWCNT não purificados em
diferentes doses (40, 80 e 160 µg) na pele do camundongo SKH-1 e avaliaram a produção
local de mieloperoxidase, bem como a presença de polimorfonucleares nos cortes histológicos
da pele. No local da aplicação, foi observado um aumento da enzima apenas quando se
86
utilizou o SWCNT na dose de 160 µg, enquanto na análise histológica havia um aumento do
infiltrado de polimorfonucleares na epiderme e na derme, que se concentrava ao redor dos
folículos pilosos. A exposição ao nanotubo neste trabalho foi diária, durante um período de
cinco dias.
Wako et al. (2010)
349
instilaram fibras de MWCNT na traquéia de ratos e
descreveram um aumento de neutrófilos no lavado broncoalveolar, apenas quando os
nanotubos instilados não se encontravam aglomerados. Pauluhn et al. (2009)
350
testaram o
efeito de MWCNT recobertos com pristina, medindo entre 200-300 nm, em diferentes
concentrações, nos sistema respiratório de ratos Wistar, expostos durante 13 semanas. Os
autores
observaram que a partir da concentração de 0,4 mg/m3 de MWCNT, o lavado broncoalveolar
apresentava elevações sustentada dos neutrófilos.
5.1.3.2.
Nanopartículas de prata
Os neutrófilos têm participação na resposta imune inata desencadeada por processos
infecciosos cutâneos. Assim, o impacto de nanopartículas de prata, utilizadas em curativos e
bandagens, por seu efeito microbicida, nestes polimorfonucleares deve ser avaliado.
Mazurak et al. (2006) 351 aplicaram enxertos autólogos no dorso de cobaias (porco-daíndia), sendo alguns deles infectados pela bactéria S. aureus. O curativo Acticoat® foi
colocado em alguns destes sítios infectados e procedeu-se a análise do perfil celular do baço
da cobaia, visando análise das células inflamatórias periféricas. Os autores observaram através
da fluorescência de canais que, 5 minutos após o estímulo, os neutrófilos periféricos das
cobaias infectadas e em uso do curativo Acticoat® apresentavam maior ação oxidativa do que
os neutrófilos das cobaias onde não foi usado o curativo. No entanto, 15 minutos após o
estímulo não foi observada diferença entre os experimentos. Neste trabalho, não foram
estudados os neutrófilos cutâneos do sítio onde foram realizadas as intervenções. Suska et al.
(2010)
352
analizando a biocompatibilidade de implantes aplicados na pele de ratos,
descreveram que a modificação da superfície do material com nanopartículas de prata, quando
comparadas a outras estrutras de revestimento, reduzia a população de neutrófilos e
aumentava a viabilidade das outras células no tecido peri-implante.
87
5.1.4. Interação com os macrófagos na pele
5.1.4.1.
Alótropos do carbono
Dumortier et al (2006)
353
expuseram macrófagos peritoneais de camundongos
BALB/c a dois tipos de SWCNT-pristina funcionalizados através do processo de cicloadição
1,3- dipolar com amônio, que gerou o composto SWCNT 1, e de metodologia de
oxidação/amidação, dando origem ao SWCNT 3, que recebeu ainda polietilenoglicol (PEG) .
A fim de facilitar as análises, o SWCNT tipo 1 e 3 foram modificados com fluoresceína,
dando origem aos compostos 2 e 4, respectivamente. Os macrófagos foram incubados por 24
horas com os SWCNT tipos 2 e 4 , na concentração de 10 µg.ml-1, e após o período, as
estruturas podiam ser observadas no citoplasma dos monócitos. Uma particularidade
observada com o SWCNT tipo 4 foi que estes nanotubos produziram agregados que se
fixaram nos cultivos de células. Como o estudo fez uso também de células T e B, foi possível
observar que os SWCNT tipo 4 agregados não permeavam estas células, permanecendo
apenas no meio externo. Já no caso dos macrófagos, os nanotubos de carbono tipo 4 foram
observados no citoplasma celular, sugerindo um processo de captação ativa, como a
fagocitose. A viabilidade celular também foi avaliada neste estudo através da incubação dos
macrófagos com os SWCNT 1 e 3, na concentração de 10 µg.ml-1 , não sendo observados
sinais de citotoxicidade após 24 horas. Uma possível alteração funcional dos macrófagos foi
estudada através da dosagem das citocinas IL-6 e TNF-α.após cultivo na presença de SWCNT
tipos 1 e 3. Apenas os macrófagos incubados com SWCNT 3 produziram quantidades
significativas das citocinas. Os autores atribuíram o achado à fagocitose dos agregados dos
SWCNT 3. Em nenhum dos experimentos com os nanotubos de carbono houve o aumento da
expressão na superfície de moléculas marcadoras da ativação dos macrófagos como CD86. A
resposta dos macrófagos previamente incubados com nanotubos de carbonos a estímulos
convencionais, como o LPS, que levam a sua ativação também foi aferida. Observou-se o
SWCNT 1 não alterou esta resposta, enquanto o SWCNT 3 induziu uma menor secreção de
citocinas à exposição ao LPS. Para avaliar um possível impacto da presença do PEG nesta
resposta, macrófagos foram previamente incubados com esta substância e então expostos ao
LPS, mostrando também uma redução na produção de citocinas. Os autores concluiram que
apenas os nanotubos de carbono funcionalizados com PEG foram capazes de ativar
macrófagos e modificar a capacidade destas células responderem a estímulos fisiológicos.
88
A internalização de SWCNT funcionalizados com DNA por macrófagos esplênicos de
ratos, também foi demonstrada por Yang et al (2006) 87. Os autores avaliaram ainda o uso de
nanotubos de carbono como vetores para uma intervenção genética em macrófagos murinos
RAW 264.7. Demonstrou-se que SWCNT funcionalizados com siRNA do CD80, foram
capazes de permear a célula e inibir a expressão da molécula CD80 na superfície destas. Esta
molécula é encontrada na superfície de células apresentadoras de antígenos, sendo relevante
para a coestimulação dos linfócitos T.
O potencial citotóxico de nanotubos de carbono em macrófagos murinos RAW 264.7
foi também avaliado por Palomaki et al in vitro (2010)354. Os autores incubaram as células
com MWCNT, medindo em média 10-30nm, e SWCNT, de diâmetro médio inferior a 2 nm,
em meios com concentrações diferentes dos nanomateriais (30, 100 e 300 µg. ml-1). Os
SWCNT continham traços de cobalto, enquanto nos MWCNT encontrava-se níquel. Relatouse que os SWCNT induziram a morte celular de forma dose-dependente e que não houve
alteração da viabilidade das células expostas aos MWCNT, mesmo no meio de maior
concentração. Por outro lado, os MWCNT induziram a expressão de mRNA de TNF-α e
MIP1-α pelos macrófagos, ao tempo que SWCNT não foram capazes de estimular a produção
de citocinas e quimiocinas por estas células. No entanto, apesar do mRNA, não foi notada a
presença de proteína correspondente aos marcadores inflamatórios. Quanto à expressão de
moléculas de superfície, ambos os nanomateriais induziram CD40, uma molécula de coestimulação para linfócitos, sendo que os SWCNT aumentaram ainda a expressão de CD11c,
MHC classe II e CD1d. O CD11c é um marcador da maturação de macrófagos, enquanto as
duas últimas moléculas estão envolvidas na apresentação de antígenos.
A interação de SWCNT com macrófagos murinos RAW 264.7 in vitro foi estudada
por Shvedova et al (2005)135. Foi observado que estes SWCNT induzem a síntese de TGF-β ,
uma citocina envolvida no processo de fibrose e no desenvolvimento de células de
Langerhans, embora a fagocitose dos nanotubos não tenha sido evidenciada. Por outro lado,
Kagan et al. (2010)
345
demonstraram que macrófagos são capazes de fagocitar SWCNT
funcionalizados com IgG e que a enzima mieloperoxidase humana, embora presente em
concentração inferior a observada nos neutrófilos, degradou os nanotubos de carbono.
A influência dos contaminantes metálicos de nanotubos de carbono sobre a
citotoxicidade de macrófagos murinos 264.7 foi estudada por Kagan et al. (2006)
82
. No
trabalho, os macrófagos foram incubados com SWCNT (1-4 nm) purificados e contendo
89
ferro, nas mesmas concentrações (0.12–0.5 mg.ml-1), demonstrando que não houve a indução
de síntese intracelular de óxido nítrico ou radicais superóxidos. Entretanto, quando os
macrófagos foram ativados pelo zimosan, aqueles expostos aos SWCNT com ferro
produziram uma maior quantidade de radicais hidroxila e consumo de moléculas
antioxidantes, como os grupamentos tióis.
Assim concluiu-se que a presença de
contaminantes metálicos, como o ferro, em nanotubos de carbono pode influenciar o potencial
redox dos macrófagos.
A solubilidade em água de nanotubos de carbono parece influenciar o potencial tóxico
destas estruturas em macrófagos. Chun et al (2011)
162
compararam a ação de nanoestruturas
de carbono hidrofóbicas e hidrofílicas nas linhagens de macrófagos IC-21, além da linhagem
peritoneal SV-40 transformada C57BL/6. Observou-se que a nanoestrutura de carbono
hidrofóbica induziu a síntese das citocinas IL-6 e TNF-α, além de mudanças no citoesqueleto
celular, alterações não evidenciadas nas células incubadas com a forma hidrofílica.
O impacto de fulerenos funcionalizados no DNA de macrófagos murinos RAW 264.7
foi também avaliado por Zhang et al (2011)
152
. Notou-se que quanto menores eram os
COOH-fulerenos, maior o dano ao material genético dos macrófagos, e que o tamanho era
determinante também da permeação e localização intracelular da nanopartícula endocitada.
A indução de uma resposta granulomatosa na pele produzida por nanotubos de
carbono foi demonstrada por Koyama et al (2006) 355. Os autores implantaram no subcutâneo
de diferentes camundongos, 2 mg de SWCNT (0,8-2,2 nm), MWCNT (20 e 80 nm), além do
CSNT (Cup-stacked CNT) (80 nm), altamente purificados. Em todos os experimentos, notouse a formação de tecido granulomatoso que encapsulava o nanomaterial, em média três
semanas após a intervenção. A análise imuno-histoquímica do infiltrado celular com
anticorpo anti-murino Mac-3, um marcador de macrófagos, mostrou que precocemente os
CSNT e MWCNT de 80 nm induziram a infiltração de um maior número de macrófagos do
que os outros nanomateriais. No entanto, após 30 dias, os SWCNT mostravam uma maior
quantidade de macrófagos no infiltrado peri-implante. Após três meses da implantação dos
nanomateriais, os granulomas se encontravam firmemente estruturados em todas as amostras,
embora o SWCNT tenha induzido paredes mais espessas, que representam um maior
infiltrado celular. A invasão do tecido granulomatoso sobre os aglomerados de nanotubos de
carbono foi mais intensa com os seguintes nanomaterias, em ordem decrescente: CSNT,
90
MWCNT de 80 nm e MWCNT de 20 nm. Esse encapsulamento formado pelo tecido
granulomatoso impediu a propagação dos nanotubos para outros órgãos.
5.1.4.2.
Nanopartículas de prata
As nanopartículas de prata podem também ser internalizadas por macrófagos, em suas
formas isoladas ou aglomeradas. Skebo et al. (2007)
113
estudaram a captação de
nanopartículas de prata medindo 25, 80 e 130 nm, sem funcionalização ou recobertas com
polissacarídeos, por macrófagos alveolares de ratos. Foi relatada a presença de aglomerados
de nanopartículas, medindo até 80 nm, aderidos à periferia da membrana celular e no
citoplasma, sem invadirem o núcleo, de modo que os maiores agregados preferencialmente
ficaram aderidos à face externa da membrana celular.
Castillo et al. (2008)
356
estudaram a citotoxicidade de nanopartículas de prata, com
tamanho médio de 5 nm, funcionalizadas com tiopronina (Ag@tiopronin®) em macrófagos
da linhagem RAW 264.7, baseados na dosagem de LDH liberado pelas células danificadas. A
concentração de nanopartículas de prata no meio onde se encontravam os macrófagos foi de 1,
10 e 100 ppm. A viabilidade destas células também foi avaliada através da dosagem de MTT.
Não houve alteração das dosagens esperadas do LDH e do MTT. Assim, nas concentrações
citadas, não foi observado efeito citotóxico da Ag@tiopronin® na membrana celular, nem nas
mitocôndrias dos macrófagos RAW 264.7.
Os autores sugerem que a toxicidade de
nanopartículas de prata possa ser reduzida com o revestimento destas nanopartículas por uma
substância orgânica. Outro ponto avaliado no mesmo artigo foi o impacto na estimulação de
TLR dos macrófagos expostos às nanopartículas. Quando as nanopartículas de prata foram
incubadas com os TLR de forma isolada, não houve o estímulo a síntese de citocinas. Assim
dois experimentos foram ainda realizados, sendo que em um os macrófagos eram expostos
simultaneamente a ligantes de TLR e nanopartículas de prata, enquanto em outro, as células
eram previamente incubadas com as nanopartículas e posteriormente expostas a estímulos
para TLR. Quando os macrófagos eram expostos simultaneamente às nanopartículas de prata
e aos ligantes de TLR, não se observou um ganho na síntese de IL-6. Na verdade, a
coexposição destas nanopartículas com peptidoglicana e o ligante LTA, estruturas
estimulantes do TLR2 e TLR2/6 respectivamente, levou à redução da produção de IL-6.
Entretanto, a síntese da interleucina induzida pelos ligantes de TLR2/1 Pam3CSK4 e de
91
TLR2/6 FSL-1 nos macrófagos RAW 264.7, previamente tratados com nanopartículas
Ag@tiopronin®, aumentou em 40% e 31% respectivamente. Este efeito não foi observado
com todos os ligantes de TLR, uma vez que o pré-tratamento de macrófagos com
nanopartículas, não alterou a secreção de IL-6 induzida por LPS. Assim, as nanopartículas
podem aumentar a sensibilidade dos macrófagos a alguns estímulos inflamatórios.
Park et al. (2011)
357
utilizaram nanopartículas de prata, com diâmetros de 4, 20 e 70
nm, apresentando monodispersão de tamanhos e carga de superfície de – 10mV,
para
avaliação da interação com os macrófagos U937. Um possível efeito citotóxico nestas células
foi estudado através da análise da viabilidade celular, liberação de citocinas e indução de
estresse oxidativo. Os autores relataram um efeito citotóxico dependente do tamanho da
nanopartícula. Desta forma, as nanopartículas menores, com 4 nm, exerciam efeito citotóxico
em concentração inferior (3.12 µg.mL-1), quando comparadas às nanopartículas maiores, de
20 nm, que induziram citotoxicidade apenas na concentração de 25 µg.mL-1. Descreveram
também, que nenhum efeito tóxico foi observado com as nanopartículas de 70 nm, mesmo nas
concentrações mais altas da nanopartícula no meio, que chegou a 50 µg.mL-1. Observaram-se
ainda que as nanopartículas de prata foram capazes de induzir a apoptose das células U937,
sendo o efeito dependente do diâmetro, com as nanopartículas de 4 nm causando maior
indução de morte celular. No trabalho avaliaram ainda a produção de IL-1, IL-6, IL-8, TNF-α,
fator inibitório da migração (MIF) e ligante 5 da quimiocina (RANTES). Após 18 horas de
exposição dos macrófagos às nanopartículas, descreveu-se a indução de IL-8 apenas pelas
nanopartículas de 4 e 20 nm. A nanopartícula de prata de 70 nm não induziu a síntese de
citocinas, mesmo em alta concentração no meio. Não foi observada a produção das
quimiocinas MIF e RANTES, ou de IL-1, IL-6 e TNF-α, em nenhuma fase do experimento. A
produção de espécies reativas de oxigênio (ROS) também foi dependente do tamanho da
nanopartícula. Assim, aquelas com diâmetro de 4 nm induziram a produção de ROS quando
presentes em menor concentração no meio do que as nanopartículas de 20 nm. Mais uma vez,
as nanopartículas de 70 nm permaneceram inertes, sem induzir a produção de ROS. O
trabalho mostrou ainda, que a produção de IL-8 foi dependente da indução de síntese de ROS,
de modo que a adição de N-acetil-cisteína inibiu a síntese da interleucina.
O efeito de nanopartículas de prata no metabolismo dos macrófagos foi estudado por
Park et al. (2011)333. Os autores expuseram macrófagos RAW 264. 7 a nanopartículas de prata
(20, 80 e 113 nm) em diferentes concentrações e notaram redução da atividade metabólica da
92
célula, sendo o efeito mais acentuado com a menor nanopartícula e os meios mais
concentrados.
A expressão de moléculas de adesão na superfície de monócitos, relevantes para a
migração destas células até a pele, induzida por nanopartículas de prata (70 nm) foi estudada
por Greulich et al. (2011)
358
através de citometria de fluxo. A incubação de monócitos em
meios com concentrações variadas de nanopartículas de prata (30, 25, 20, 15, 10 e 5 µg ml-1)
levou à expressão na superfície das moléculas ICAM-1 e CD69, de forma dependente da
concentração das partículas no meio.
5.1.5. Interação com as células dendríticas na pele
5.1.5.1.
Alótropos do carbono
Palomaki et al (2010)
354
estudaram in vitro a citotoxicidade de SWCNT e MWCNT
em células dendríticas medulares de ratos, incubadas em meios com diferentes concentrações
dos nanomateriais (3, 10, 30 µg.ml-1). Observou-se uma citotoxicidade dependente da
concentração dos nanotubos de carbono no meio, sendo que as células dendríticas se
mostraram muito mais sensíveis do que os macrófagos às altas concentrações de
nanomaterial. Em relação ao desenvolvimento de processo inflamatório, tanto o SWCNT,
quanto o MWCNT não foram capazes de induzir a expressão de citocinas e quimiocinas pelas
células dendríticas, nem de moléculas de superfície associadas à maturação e apresentação de
antígenos.
Em contrapartida, Wang et al 2009 359 testaram também a ação citotóxica de MWCNT
carboxílicos (c-MWCNT) e relataram que não houve alteração da viabilidade das células
dendríticas. Os autores utilizaram no experimento c-MWCNT de diferentes diâmetros, sendo
eles: M10 (10-20 nm), M20 (20-40 nm), M40 (40-60 nm) e M60 (60-100 nm), nas
concentrações de 10, 50 e 100 µg.ml-1. Estes nanotubos de carbono tinham como
contaminantes metálicos ferro, cobalto, zinco, níquel e molibdênio em diferentes quantidades.
No experimento, células dendríticas humanas, após a indução da maturação, foram incubadas
com os c-MWCNT por 48 horas, quando foi avaliada a viabilidade celular através dos testes
de CCK-8 e de exclusão do Trypan blue. Observou-se que mesmo no meio com a maior
concentração de c-MWCNT (100 µg.ml-1) houve uma perda celular inferior a 15%. De forma
93
semelhante, a análise através do teste do CCK-8 mostrou uma viabilidade celular próxima a
100%, sem diferenças entre as células dispostas nos meios com 10, 50 e 100 µg.ml-1. O estudo
utilizando-se o TEM mostrou que a captação dos nanotubos de carbono se deu por fagocitose
e que esta internalização variava de acordo com o diâmetro do nanomaterial e com a
concentração destes no meio. De uma forma geral, em uma mesma concentração dos
nanotubos, observou-se uma maior fagocitose de acordo com a seguinte ordem: M10 ~ M20 <
M60 < M40. Já em relação à função, os c-MWCNT não foram capazes de induzir a expressão
de moléculas de superfície presentes em células dendríticas maduras, ou alteraram a resposta
destas células quando estimuladas por LPS bacteriano.
Por outro lado, os fulerenos parecem ser capazes induzir a maturação de células
dendríticas. Yang et al (2010)
360
estudaram o impacto do derivado de fulereno C82, o
Gd@C82(OH)x, de diâmetro inferior a 2 nm, que agregados em solução salina mediam entre
10 e 60 nm em células dendríticas humanas imaturas. Descreveu-se que o fulereno foi capaz
de induzir a secreção de Il-1β, IL-6, IL-8, IL-10, IL-12p70 e TNFα pelas células dendríticas
indicando a indução de maturação. A expressão de moléculas coestimulatórias de linfócitos na
superfície de células dendríticas, como CD83, CD80, CD86, HLA-ABC e HLA-DR também
ocorrereu de forma dependente da concentração do fulereno no meio. A mudança de
receptores de quimiocina na superfície das células de um padrão imaturo (CCR5), para outro
indicativo de maturação, com um aumento da expressão de CCR7, também foi induzida por
fulerenos. O Gd@C82(OH)x foi utilizado também na imunização de camundongos como
adjuvante do imunógeno ovoalbumina e foi observado uma potencialização da resposta do
tipo Th1, com a indução das citocinas IFN-γ, IL-1β e IL-2.
Os trabalhos em cobaias têm demonstrado que nanotubos de carbono podem ser
utilizados como vetores de genes para células dendríticas. Yang et al (2006) 87observaram que
SWCNT funcionalizados com DNA são capazes de permear células dendríticas imaturas e
ativadas de ratos. Os autores estudaram a captação dos SWCNT funcionalizados com DNA
por células esplênicas de rato e relataram que o nanomaterial era preferencialmente fagocitado
por células apresentadoras de antígenos presentes no órgão, como as células dendríticas e
macrófagos. Os SWCNT também foram funcionalizados com siRNA da molécula CD80,
uma co-estimuladora de linfócitos presente na superfície de células apresentadoras de
antígenos, e incubados com células dendríticas maduras e imaturas de ratos. O experimento
levou a uma redução da expressão de moléculas CD80 na superfície das células dendríticas.
94
Este potencial de SWCNT carrearem estruturas para o interior de células dendríticas
foi estudado também por Villa et al (2011)361, objetivando a imunização de cobaias com
peptídeos considerados imunógenos fracos. Os autores conjugaram a proteína tumoral Wilm`s
a SWCNT e incubaram com células dendríticas humanas imaturas. Descreveu-se no
experimento in vitro, que o complexo peptídeo-SWCNT foi rapidamente internalizado em
células dendríticas, através de macropinocitose, de forma dose-dependente e se concentrava
tardiamente em vesículas na região perinuclear, podendo corresponder a lisossomas. Já em
relação à imunização das cobaias, relatou-se que as células dendríticas passaram a estimular
as células T CD4+ a desenvolverem uma resposta do tipo Th2. Notou-se assim, a síntese de
anticorpos do tipo IgG contra o peptídeo, quando o complexo foi injetado em associação com
um adjuvante, processo não observado ao se utilizar o peptídeo isolado.
5.1.5.2.
Nanopartículas de prata
Artigos que descrevam a interação de nanopartículas de prata com células
apresentadoras de antígeno da pele não foram encontrados. Bezemer et al. (2011)
362
estudaram o impacto da instilação em orofaringe de nanopartículas de prata e carbono preto
em células dendríticas pulmonares de camundongos. Foi descrita a ativação das células
dendríticas com a produção de um perfil de citocinas compatíveis com a ativação de uma
resposta de linfócitos TCD+4 do tipo Th2. No entanto, como o carbono e as nanopartículas
estavam presentes na mesma amostra instilada, não é possível determinar se o efeito
observado foi por ação isolada de algumas destas estruturas ou se houve sinergismo.
5.1.6. Interação com as células NK na pele
5.1.6.1.
Alótropos do carbono
O trabalho encontrado em relação às células NK, avaliou o impacto no pulmão e em
células sanguíneas, da exposição aérea contínua durante 14 dias a MWCNT nas concentrações
de 0,3, 1 ou 5 mg.m-3. Mitchell et al (2007) 363 utilizaram no estudo camundongos C57BL/6 e
os registros foram tomados no 7º e 14º dias. Relatou-se que apesar de não ser observado
95
processo inflamatório nos pulmões da cobaia, os animais expostos aos MWCNT na
concentração de 1 mg.m-3 apresentaram redução da função das células NK séricas.
5.1.6.2.
Nanopartículas de prata
Mazurak et al. (2006)
351
avaliaram o impacto do curativo Acticoat ® aplicado em
enxertos autólogos no dorso de cobaias infectados por S. aureus em relação às células NK
presentes no baço. Foi observado aumento do potencial citotóxico das células NK das cobaias
que receberam o curativo, quando comparadas às outras. Os autores descrevem o fato como
uma potencial ajuda na prevenção da infecção. Neste trabalho, não foram avaliadas a presença
ou atividade citotóxica das células NK no sítio da intervenção. Em contrapartida, Vercruysse
et al. (2008)
364
relataram que nanopartículas de prata sintetizadas por tecidos cartilaginosos
imersos em soluções de prata foram citotóxicas para as células NK, que deveriam atuar contra
células cancerígenas. Não há citações sobre a concentração de nanopartículas no meio ou
outros detalhes físicos desta.
5.1.7. Interação com mastócitos na pele
5.1.7.1.
Alótropos do carbono
A exposição tópica contínua de pele de camundongos SKH-1 a altas doses (160µg) de
nanotubos de carbono não purificados induziu o influxo de mastócitos para o sítio de
aplicação 84. Além disso, estes nanotubos de carbono aumentaram a atividade e degranulação
dos mastócitos cutâneos.
A interação de fulerenos com mastócitos foi avaliada também por Dellinger et al.
(2010) 365. O estudo baseou-se na análise do influxo de cálcio para o citoplasma de mastócitos
induzido por fulerenos funcionalizados. Este processo faz parte da sinalização desencadeada
pela ativação de receptores de superfície destas células, o que culmina com a degranulação.
Macrófagos derivados da pele humana foram incubados com diferentes fulerenos, não sendo
especificados pelos autores outras características do nanomaterial. O tratamento prévio das
96
células com fulerenos atenuou o influxo de cálcio quando os receptores dos macrófagos foram
estimulados pelo FceRI e A23187. Os autores sugeriram assim, que o nanomaterial inibe a
degranulação mastocitária.
Ainda na mesma linha de estudo, Ryan et al (2007)
366
incubaram mastócitos de pele
humana com diferentes concentrações de poli-hidroxi C60 e N-etil C60, por 72 horas.
Observou-se que mesmo em concentrações elevadas do fulereno, como acima de 1000ng.ml-1,
não foram induzidas alterações no número de células ou na viabilidade celular. Os fulerenos
por si só, não foram capazes de induzir a liberação de mediadores inflamatórios. A mesma
inibição da degranulação induzida por fulerenos observada no trabalho anterior foi descrita
neste experimento, quando mastócitos foram previamente incubados com o nanomaterial
antes de serem estimulados. Uma redução da produção de citocinas também foi relatada. Os
estudos in vivo demonstraram ainda que os fulerenos diminuíram a liberação de histamina,
prevenindo o choque anafilático em cobaias sensibilizadas à prata.
A fim de melhor avaliar a permeação e localização intracelular de fulerenos, Dellinger
et al (2010) 367 incubaram mastócitos de pele humana com fulerenos conjugados ao vermelho
do Texas (C70-TR) e observaram através da microscopia confocal. Relatou-se que os C70-TR
são endocitados de forma inespecífica nos mastócitos, localizando-se no citoplasma,
lisossomas, mitocôndrias e retículo endoplasmático, em momentos diferentes. Os
nanomateriais permaneceram no interior da célula ainda por uma semana. A localização dos
fulerenos em estruturas envolvidas no controle da síntese de espécies reativas de oxigênio e
cálcio pode justificar sua atividade inibitória sobre mastócitos.
5.1.7.2.
Nanopartículas de prata
A indução da degranulação de mastócitos por partículas de prata foi sugerida por
Kakurai et al. (2003) 368, que demonstraram ainda a presença do íon no citoplasma da célula.
A importância dos mastócitos nos processos inflamatórios, principalmente naqueles de
natureza alérgica indica a necessidade do estudo da interação das nanopartículas de prata com
estas células. Yang et al. (2010)
369
utilizaram microscopia óptica quantitativa de fase para
avaliar a degranulação de mastócitos (células RBL-2H3) expostos a nanopartículas de prata.
Após a exposição à nanopartícula de prata na concentração de 50 µg.ml-1, o volume e o perfil
97
transversal dos mastócitos sofreram alterações relevantes, semelhantes as observadas em
outro experimento, quando foi utilizado o ionóforo de cálcio A23187, um indutor conhecido
da degranulação. Os autores utilizaram também métodos fluorescentes para demonstrar a
elevação do cálcio intracitoplasmático e da histamina. Desta forma, foi sugerido que as
nanopartículas de prata são capazes de induzir a degranulação de mastócitos. Boucher et al.
370
(2008)
estudaram a aplicabilidade de nanopartículas de prata veiculadas em forma de
creme, na concentração de 1% para o tratamento da cistite intersticial. Este trabalho,
entretanto, mostrou um efeito anti-inflamatório das nanopartículas de prata, uma vez que
aplicadas profilaticamente na bexiga da cobaia pré-infecção foram capazes de reduzir o
número de mastócitos e a degranulação de seu conteúdo.
5.1.8. Interação com eosinófilos na pele
5.1.8.1.
Alótropos do carbono
Um possível envolvimento de nanotubos de carbono em processos alérgicos, com a
participação de eosinófilos, foi avaliado por Nygaard et al (2009) 371. Os autores injetaram no
subcutâneo e instilaram nas narinas de camundongos Balb/c três doses de SWCNT, MWCNT
e carbon black, durante o processo de sensibilização com o alérgeno ovoalbumina (OVA). As
cobaias que receberam o OVA associado aos nanotubos de carbono nas vias respiratórias
apresentaram um aumento de eosinófilos, neutrófilos e linfócitos no lavado brônquico,
quando comparadas àquelas que foram expostas somente ao OVA. Entretanto, a elevação
significativa dos eosinófilos foi observada apenas com os SWCNT e MWCNT. A injeção no
subcutâneo dos três derivados do carbono associados a OVA implicou a elevação da IgE
específica sérica para esta última. Mostrou-se assim, que os nanotubos de carbono atuaram
como adjuvantes no processo de imunização com o ovoalbumina. Em um experimento
semelhante, Inoue et al (2009)
372
instilaram na traquéia de camundongos ICR, MWCNT
(50µg), OVA e MWCNT + OVA. Observou-se que os MWCNT potencializaram a infiltração
de eosinófilos nos pulmões e que atuaram como adjuvantes para o desenvolvimento de IgG e
IgE contra OVA.
98
5.1.8.2.
Nanopartículas de prata
Não foram encontrados artigos que descrevessem a interação de nanopartículas de
prata com eosinófilos.
5.1.9. Interação com melanócitos cutâneos
5.1.9.1.
Alótropos do carbono
Os artigos referentes a interação de alótropos do carbono com melanócitos limitam-se
a utilização do fulereno como antioxidante e agente despigmentante. Não foram encontrados
artigos que discutissem a ação de nanotubos de carbono sobre estas células. Xiao et al.
(2007)76 avaliaram o efeito do fulereno conjugado a polivinilpirrolidona (PVP) na
melanogênese induzida pela radiação ultravioleta em melanócitos de pele humana. Observouse que o PVP-fulereno reduziu a maelanogênese através da inibição da enzima tirosinase. Os
autores sugeriram que o fulereno com sua ação antioxidante neutralizaria as ROS induzidas
pela radiação UV, o que por sua vez levava a uma menor ativação da tirosinase.
5.1.9.2.
Nanopartículas de prata
Não foram encontrados artigos que descrevessem o impacto de nanopartículas de prata
em melanócitos.
5.1.10. Interação com receptores Toll-like na pele
5.1.10.1.
Alótropos do carbono
Os nanotubos de carbono devido à sua possibilidade de permearem células podem ser
utilizados como carreadores de substâncias para o meio intracelular onde se encontram alguns
99
TLR. Zhao et al (2011) 373 conjugaram um oligodeoxidonucleotídeo (CpG) à um nanotubo de
carbono funcionalizado, aumentando a permeação celular desta substância em gliomas
intracranianos de camundongos. O CpG é capaz de estimular o TLR-9 intracitoplásmatico,
potencializando assim a síntese de citocinas inflamatórias e inibindo o crescimento tumoral.
Não foram encontrados trabalhos que descrevessem estimulação de TLR de membrana ou
intracitoplasmático por alótropos do carbono.
5.1.10.2.
Nanopartículas de prata
Castillo et al. (2008)
356
estudaram a interação de nanopartículas de prata
funcionalizadas com tiopronina (Ag@tiopronin®) com TLR de macrófagos da linhagem
RAW 264.7. As nanopartículas eram esféricas e tinham um diâmetro médio de 5 nm, sem
grandes variações de tamanho. No experimento, os macrófagos foram incubados por 24 horas
com ligantes específicos de diferentes TLR, em meios onde as nanopartículas de prata
estavam ausentes ou com 10 ppm de nanopartículas. Após o período de incubação, a dosagem
da IL-6 produzida pelos macrófagos foi realizada através do método de Enzyme-Linked
Immunoabsorbent Assay (ELISA) para averiguar a ativação dos TLR. Os autores observaram
que as nanopartículas Ag@tiopronin®, na concentração de 10 ppm, reduziram a ativação de
TLR2 pela peptideoglicana em 55% e do complexo TLR2/6 pelo ácido lipoteicóico (LTA) em
77%, quando comparados aos macrófagos não expostos às nanopartículas. Os TLR presentes
em vesículas citoplasmáticas também foram afetados. A mesma concentração de
nanopartículas Ag@tiopronin® levou à redução da secreção de IL-6 pelos TLR3 estimulados
pelo ácido poli(IC) em 22,5% e dos TLR9 estimulados pelo ligante CpG+ em 31%. Os
autores ressaltaram que ainda não há uma explicação sobre a forma de atuação das
nanopartículas de prata sobre os TLR, que justifique a sua atuação em apenas alguns tipos de
receptores.
5.1.11. Interações com peptídeos antimicrobianos na pele
100
5.1.11.1.
Alótropos do carbono
Trabalhos que abordassem a interação de alótropos do carbono com peptídeos
antimicrobianos não foram encontrados.
5.1.11.2.
Nanopartículas de prata
Apesar da ação bactericida da prata ser conhecido de longa data e das evidências de
que a redução deste íon à escala nanométrica potencializou este efeito, uma possível interação
de nanopartículas de prata com moléculas do sistema imune inato com função antimicrobiana,
não pode deixar de ser avaliada.
Diante da produção de peptídeos antimicrobianos por diversas células do organismo
humano, Suico et al. (2009) 300 utilizaram células epiteliais pulmonares das linhagens A549 e
Calu-3 para estudo do efeito da exposição às nanopartículas de prata (Atomyball S®). Estas
nanopartículas mediam 5 nm e as células epiteliais ficaram expostas às nanopartículas na
concentração de 5µg/ml. As nanopartículas de Atomyball S® não exerceram efeito citotóxico
nas células epiteliais, segundo a dosagem da liberação de LDH no meio. Os autores
observaram que o Atomyball S® aumentou a expressão do RNA mensageiro e da proteína do
peptídeo antimicrobiano lisozima. O experimento também avaliou o efeito das nanopartículas
de prata Atomyball S® na indução da expressão de outras moléculas da resposta imune inata
como a β-defensina, um peptídeo antimicrbiano comumente expresso pelas células da pele,
mucina, IL-8 e IL-1β. No entanto, não foram notadas alterações na expressão destas
substâncias. Embora o mecanismo de ação desta nanopartícula de prata sobre a indução de
lisozima não esteja esclarecido, pode-se sugerir um efeito sinérgico antimicrobiano,
principalmente contra bactérias GRAM positivas e negativas, alvos preferenciais da lisozima.
5.1.12. Interação com o sistema complemento na pele
5.1.12.1.
Alótropos do carbono
101
Salvador-Morales et al. (2006)
374
estudaram o efeito de SWCNT sintetizados por
diferentes métodos, contendo como contaminantes metálicos níquel, ferro e cobalto no
sistema complemento. Os SWCNT (0.62–2.5 mg) e os DWCNT (1,25 mg) foram suspensos
com soro humano, sendo colocados em seguida em placas. O controle positivo do
experimento foi feito com zimosam. O estudo da presença de frações do complemento no
sobrenadante desta placa, um indicativo da ativação do sistema, foi feito com o uso de
anticorpos. Os autores descreveram que os SWCNT são capazes de ativar a via clássica, de
forma semelhante ao zimosam complexado com anticorpo e que esta ativação era dosedependente. A ativação da via alternativa também foi demonstrada, sendo os DWCNT mais
eficazes no processo do que SWCNT. Ainda assim, os DWCNT exerciam uma ativação 50%
inferior a desencadeada pelo zimosam. Relatou-se ainda que a ligação do complemento aos
nanotubos de carbono é altamente seletiva, uma vez que outras proteínas plasmáticas não
apresentaram a mesma interação. A ativação da via clássica leva a produção das frações do
complemento C3a, C4a e C5a, sendo que esta última tem potente ação quimiotáxica para
neutrófilos. Ling et al. (2011)79 avaliaram através de TEM a interação de SWCNT, DWCNT
e MWCNT, comercialmente disponíveis com o complexo C1. Os autores relataram que
ambas as subunidades de C1, a fração C1q (40nm) e C1s-C1r-C1r-C1s (50 x 25 x 5 nm)
ligaram-se de forma uniforme aos MWCNT, embora este processo não tenha desencadeado a
ativação da via. Por sua vez, a fração C1q não se ligou ao SWCNT ou ao DWCNT, enquanto
o complexo C1s-C1r-C1r-C1s interagiu apenas com o DWCNT. Ao contrário do trabalho
citado anteriormente, os autores não observaram a ativação da via clássica por nenhum dos
nanotubos de carbono. Relataram ainda, que as proteínas do complemento foram consumidas
de forma contínua, depositando progressivamente ao redor de MWCNT, ainda que não
houvesse a ativação.
No intuito de reduzir a ativação do complemento, modificação da superfície de
nanotubos de carbono por revestimento ou funcionalização têm sido propostas. Moghimi et al.
(2010)
375
estudaram o impacto do revestimento de SWCNT com conjugados de PEG5000-
fosfolipídeo na ativação do sistema complemento. Os nanotubos de carbono tinham um
diâmetro de 1 a 5 nm e comprimento de 250nm. Utilizando-se soro que não continha C1q, foi
possível observar que estas estruturas ativaram o complemento através da via das lectinas. O
exato mecanismo de ativação desta via não é conhecido.
102
Não foram encontrados trabalhos que avaliem a interação de fulerenos com qualquer
uma das vias do complemento.
5.1.12.2.
Nanopartículas de prata
Não foram encontrados artigos que descrevessem a interação de nanopartículas de
prata com elementos do sistema complemento.
5.2.
Interação dos nanomateriais com elementos da resposta imunológica adaptativa
5.2.1. Interações com os linfócitos T na pele
5.2.1.1.
Alótropos do carbono
A permeação de linfócitos T por nanotubos de carbono foi estudada por Dumortier et
al (2006) 353 que demonstraram SWCNT funcionalizados com amônio ou PEG no citoplasma
destas células. Neste trabalho, os SWCNT funcionalizados pela reação de cicloadição 1,3dipolar, chamados de SWCNT 1, e SWCNT funcionalizados com PEG através de oxidação ,
os SWCNT 3, foram incubados com linfócitos T esplênicos de camundongos BALB/c, não
sendo observadas alterações de citotoxicidade na concentração de 10µg.ml-1. Os SWCNT 1 e
3 também não foram capazes de ativar as células T nas concentrações testadas (10 µg.ml-1 e
50 µg.ml-1). A incubação prévia com nanotubos de carbono não alterou a ativação de células
T por estímulos habituais como anticorpos anti-CD3.
A ação citotóxica de nanotubos de carbono sobre linfócitos T foi estudada também por
Bottini et al (2006)
376
. Os autores compararam a toxicidade de MWCNT-oxidados e
MWCNT-pristina, em diferentes concentrações, sobre células T Jurkat. O processo de
oxidação foi utilizado para a adição de grupamentos hidroxilas e carboxilas, aumentando a
solubilidade do nanomaterial em meio aquoso. Os resultados mostraram que os nanotubos de
carbono diminuíram a viabilidade das células T, sendo que as formas oxidadas tinham maior
potencial citotóxico do que a pristina. Os MWCNT-oxidados levaram a perda de mais de 80%
das células após 5 dias de incubação a 400 µg.ml-1, enquanto o MWCNT-pristina inviabilizou
103
um pouco mais de 50% das células , na mesma concentração. Esta diminuição da viabilidade
celular foi ocasionada pela indução de apoptose, sendo o processo dependente da
concentração e do tempo de exposição ao nanotubo de carbono. No mesmo trabalho, o
impacto de MWCNT na função da célula T foi avaliado. No experimento realizado, MWCNT
na concentração de 40µg.ml-1 não foram capazes de inibir a ativação da tirosinoquinase, uma
enzima relevante para o processo de sinalização celular, mediante ativação dos receptores de
células T.
Os nanotubos de carbono podem ser utilizados para a amplificação da ativação das
células T. Fadel et al (2010)
214
demonstraram que SWCNT do tipo bundle (bSWNT)
funcionalizados com anticorpos anti-CD3 (f-bSWNT ) são capazes de ativar células T de
forma efetiva. A mesma resposta não é observada quando o anticorpo isolado é utilizado para
a ativação linfocítica. Os autores submeteram o bSWNT a um tratamento químico que
aumentou a quantidade de “defeitos” na superfície dos nanomateriais e induziu um
microambiente eletronegativo que favorecia a interação com linfócitos T. Posteriormente, o
bSWNT na concentração de 25µg.ml-1 foi incubado com anticorpos anti αCD3 e αCD28,
sendo que estes se organizavam em clusters na superfície “defeituosa” do nanomaterial. Este
tipo de organização garantiu uma maior avidez para ligação com as células T, além de
potencializar o estímulo da ativação.
O efeito imunoestimulatório de nanotubos de carbono sobre células T foi demonstrado
também por Grecco et al (2011)
377
. No trabalho, 100 µg de MWCNT foram administrados
por via parenteral a camundongos C57B1/6, procedendo-se então a análise da estimulação de
macrófagos e da resposta imune adaptativa. Após a injeção intraperitoneal, os macrófagos
desta localização passaram a sintetizar maior quantidade de IL-12, que por sua vez induz a
síntese de IFNγ, uma citocina compatível com o padrão de resposta linfocitário Th1.
Descreveu-se também que a dose de MWCNT administrada por via venosa ou parenteral não
foi letal aos camundongos, que permaneceram viáveis por vários meses, nem desencadeou
processo inflamatório no sítio da lesão. No entanto, os MWCNT estimularam a proliferação
das células T esplênicas e 24 horas após a administração do nanomaterial, houve um aumento
da expressão de m-RNA de citocinas produzidas por macrófagos como IL-6 e TNF-α. O
aumento do IFNγ, uma citocina pró-inflamatória produzida predominantemente por linfócitos
só foi detectado sete dias após o experimento e se manteve elevado por 15 dias, sugerindo que
as citocinas inicialmente produzidas pelos macrófagos induziram uma resposta adaptativa
104
mediada por células T. A expressão de citocinas com atividade anti-inflamatória como IL-10
e TGFβ também aumentou.
Algumas cobaias do experimento foram previamente imunizadas com ovoalbumina
(OVA), recebendo sete dias após a última dose da imunização, uma injeção de MWCNT. A
análise quantitativa dos anticorpos mostrou que as cobaias que receberam a OVA e MWCNT
produziam maior quantidade de imunoglobulinas do tipo IgG e IgG1 anti-OVA. Diante deste
resultado, discuti-se a probabilidade dos nanotubos de carbono não serem processados e
apresentados por células apresentadoras de antígenos, através das vias habituais.
Possivelmente estes nanomateriais são endocitados por células como macrófagos, ativando-os
e induzindo a liberação de citocinas que irão ativar a célula T. Esta por sua vez, irá ativar o
linfócito B e a produção de anticorpos. A ação dos nanotubos de carbono seria sinérgica,
podendo potencializar a produção de anticorpos, o que motiva a sua aplicação em vacinas.
O mesmo perfil de citocinas e ação imunomodulatória sobre linfócitos T foi descrito
por Liu et al (2009)
378
que relataram um aumento de citocinas do tipo Th1 (IL-2, IFN-γ e
TNF-α) e redução do tipo Th2 em linfócitos expostos ao fulereno C60(OH)20.
Em contrapartida, um perfil de citocinas diferentes foi induzido por componentes
semi-condutivos de SWCNT (semi-SWCNT) no trabalho realizado por Park et al (2011)
333
.
Os autores instilaram semi-SWCNT com 1,2 nm de diâmetro e 1µm de comprimento
hidrodinâmico, na dose de 100µg.Kg-1na traquéia de camundongos e observaram a indução de
citocinas no BAL nos dias 1, 7, 14 e 28 pós procedimento. Observou-se um aumento das
citocinas inflamatórias do tipo Th1 e Th2 no BAL, especialmente no 14° dia. Entretanto, o
aumento da produção de citocinas do tipo Th2, sendo elas IL-4, IL-5, IL-10, IL-13 e IL-10 ,
especialmente esta última, foi muito mais expressivo do que o de citocinas tipo Th1. Deve ser
reforçado que a IL-10 primariamente inibe a síntese de citocinas pró-inflamatórias, aumenta a
sobrevida de células B e inibe a secreção de citocinas do tipo Th1.
Ainda com o propósito de avaliar o efeito de nanotubos de carbono em linfócitos T
CD4+ e CD8+, Koyama et al (2006) 355 implantaram quatro diferentes tipos de nanotubos de
carbono no subcutâneo de camundongos BALB/c, sendo eles SWCNT (0,8 – 2,2 nm), CSNT
(50-150 nm) e MWCNT com diâmetros de 20 e 80 nm, em média. Ao longo de três meses,
procederam à avaliação da contagem no sangue periférico de células T, além de submeterem
fragmentos de pele ao redor dos implantes à análise histopatológica. As cobaias que
receberam o implante de SWCNT apresentaram um aumento do CD4+ periférico duas
105
semanas após o procedimento e mantinham este resultado após 3 meses, sendo que
simultaneamente, foi observado no mesmo período uma redução do CD8+. A análise da pele
ao redor do implante demonstrou que os SWCNT induziram um acúmulo de líquido periimplante em uma semana, sendo que com três semanas, um tecido granulomatoso que
encapsulava o nanomaterial pôde ser observado, sem que houvesse um infiltrado inflamatório
permeando as partículas. Já os MWCNT de 20 nm induziram na primeira semana uma
redução da contagem das células TCD4+, que começaram a aumentar na segunda semana.
Neste caso, os linfócitos T CD8+ apresentavam queda da contagem na primeira e na terceira
semanas após o procedimento. A reação granulomatosa encapsulando o MWCNT também foi
observada, além da fagocitose de algumas partículas três semanas após o implante. O
MWCNT de 80 nm induziu a elevação da contagem de células CD4+ com 2 semanas, que
logo apresentaram queda na terceira semana. Neste experimento, os linfócitos T CD8+
apresentaram queda nas primeiras semanas, porém, houve uma elevação da contagem de
células após 3 meses do implante. Mais uma vez, o exame histológico mostrou a formação de
tecido granulomatoso ao redor do implante, sem a permeação do nanomaterial por células
inflamatórias. Por último, o CSNT induziu elevações progressivas da contagem de linfócitos
T CD4+ ao longo das semanas, sendo que uma abrupta redução das células T CD8+ já era
observada no pós procedimento imediato e se manteve ao longo dos meses. A análise
tecidual evidenciava também uma reação granulomtosa ao redor do implante, sendo que nos
meses seguintes o tecido granulomatoso passou a envolver aglomerados dos nanotubos. Os
autores ressaltaram que neste experimento não foi observada influência de contaminantes
metálicos no processo, que no caso tratava-se de ferro.
5.2.1.2.
Nanopartículas de prata
O efeito de nanopartículas de prata (70 nm), recobertas com o polímero
polivinilpirrolidona (PVP), nas concentrações de 30, 25, 20, 15, 10 e 5 µg.ml-1, em linfócitos
T periféricos foi estudado por Greulich et al. (2011)
358
. Após o período de incubação não
foram observados aglomerados de nanopartículas no citoplasma dos linfócitos T e
consequentemente, não foram descritos efeitos citotóxicos nestas células. Ainda nas
concentrações testadas, não houve alteração do potencial de proliferação do linfócito T ou da
106
expressão de moléculas de adesão na superfície destas células em qualquer das concentrações
avaliadas de nanopartículas.
Em outro estudo para avaliação de citotoxicidade, Eom et al. (2010)
379
utilizaram
linfócitos T imortalizados (células T Jukart), que foram expostos às nanopartículas de prata e
a íons prata. O teste com as duas estruturas foi justificado porque alguns autores defendem
que o efeito tóxico da nanopartícula é parcialmente atribuído à liberação do íon prata. As
nanopartículas de prata individualmente mediam entre 5 - 10 nm, entretanto os autores
alegaram que frequentemente estas nanopartículas agregam-se quando expostas a células, de
forma que os aglomerados mediam em média 28-35 nm. A viabilidade das células Jukart T foi
inferior a 5% quando expostas à concentração de 0,5 mg.L-1 de nanopartículas de prata, ao
tempo que a viabilidade foi de 70% quando expostas à mesma concentração de íons prata.
Aumentando a concentração das nanopartículas de prata para 1 mg.L-1, não havia mais células
viáveis. Os autores testaram outras linhagens de células, inclusive humanas, que não
demonstraram este padrão de citotoxicidade. Um aumento na produção de espécies reativas de
oxigênio (ROS) também foi observado na concentração de 0,2 mg.L-1 de nanopartículas de
prata, acentuado ainda mais após 24 horas de exposição, o que pode justificar indiretamente a
citotoxicidade. Para melhor avaliar os mecanismos de toxicidade, os autores estudaram as vias
de transdução de sinais (ERK, p38 e JNK MAPK) e fatores de transcrição relacionados (Nrf-2
e NF-κB), que podem ser induzidos pelas ROS. Assim, relataram que apenas as
nanopartículas de prata foram capazes de induzir o aumento da expressão do p-p38, Nrf-2 e
NF-κB, mecanismos que podem estar implicados diretamente na citotoxicidade observada.
Não foram encontrados artigos que discutissem a interação de nanopartículas de prata
especificamente com linfócitos T CLA+.
5.2.2. Interação com os linfócito B e anticorpos
5.2.2.1.
Alótropos do carbono
A permeação de SWCNT funcionalizados pela reação de cicloadição 1,3 dipolar ou
por adição de PEG, em linfócitos B de camundongos BAL/c foi demonstrada por Dumortier
et al (2006) 353. Neste mesmo trabalho observou-se que os SWCNT nas concentrações de 10 e
50 µg.ml-1, após um período de incubação de 24 horas, não foram citotóxicos para as células
107
B, não induziram a síntese de citocinas inflamatórias ou alteraram a ativação destas células
por estímulos habituais.
Uma possível permeação dos linfócitos B por fulerenos, com efeito citotóxico foi
demonstrada por Irie et al (1996)
380
que estudavam a utilidade deste nanomaterial como
fotossensibilizante da terapia fotodinâmica (TFD). Os autores empregaram ácidos
carboxílicos de fulerenos solubilizados em água, derivados do C60 (composto 1) e C70
(composto 2), em diferentes concentrações, para TFD e avaliaram os efeitos citotóxico do
procedimento sobre células Raji (linfócitos B). Observou-se que na dose de 50 µM, o
composto 1 inibiu o crescimento das células B que ainda não tinham sido expostas à luz,
sugerindo uma captação celular do fulereno. No entanto, o efeito não foi potencializado
quando as células foram submetidas à TFD. Resultados semelhantes foram observados com o
composto 2. Os autores concluíram que apesar dos compostos não serem fototóxicos para as
células B, eles são captados por estas e na dependência da concentração podem exercer ação
citotóxica.
Por sua vez, Zogovic et al (2009)
381
também demonstraram uma ação
imunossupressora de fulerenos sobre células B. No trabalho, uma suspensão de fulereno
nanocristalino (nanoc60) foi injetada em camundongos para o tratamento de melanoma. A
neoplasia foi induzida com a inoculação no subcutâneo de células de melanoma de
camundongo do tipo B16. Observou-se que as cobaias que haviam recebido o nanomaterial
apresentaram supressão da mitose de células B e T esplênicas, quando estas foram expostas a
estimuladores de mitose como o lipopolissacarídeo e o conconavalinA. Como conseqüência,
houve após duas semanas um aumento do crescimento tumoral. Os autores justificaram este
resultado através da síntese de radicais de óxido nítrico por esplenócitos expostos ao
nanomaterial, induzindo a imunossupressão de linfócitos.
A produção de imunoglobulina IgG específica contra fulereno foi demonstrada por
Chen et al (1998)
382
. Os autores imunizaram camundongos BALB/c com fulerenos C60
conjugados a tireoglobulina bovina. Foram realizadas três imunizações em intervalos de três
semanas. Observou-se através do método de ELISA, que os camundongos sintetizaram IgG
contra fulerenos C60, que apresentava ainda reação cruzada com o C70. Possivelmente de
alguma forma, estes nanomateriais foram processados por células apresentadoras de antígenos
e linfócitos TCD4+, que estimularam linfócitos B a produzirem anticorpos. Os autores
propuseram que os anticorpos ligam-se aos fulerenos através de aminoácidos hidrofóbicos.
108
5.2.2.2.
Nanopartículas de prata
Trabalhos que avaliassem a captação, síntese de anticorpos e interação com receptores
de superfície dos linfócitos B não foram encontrados.
6. DISCUSSÃO
A interação dos nanomateriais estudados com diversos elementos da resposta
imunológica inata e adaptativa é ampla e complexa. Pode-se observar que a maioria dos
trabalhos citados refere-se a experimentos realizados em cobaias ou in vitro, sendo que neste
último caso, utilizaram-se células do sistema imunológico não necessariamente pertencentes à
pele humana. Isso ocorreu devido à quantidade reduzida de estudos que tratassem
especificamente da interação de nanomateriais com os elementos da unidade imunológica
cutânea. Dessa forma, ressalvas devem ser feitas no que tange a transposição de todos os
resultados observados para a pele, uma vez que interações imunes em sistemas vivos podem
modificar respostas observadas em experimentos in vitro, como a descrita por Zogovic et al
(2009)
381
, em que a resposta in vivo foi oposta a in vitro, por interferência de constituintes
celulares não presentes in vitro.
A divisão entre imunidade inata e adaptativa muitas vezes é difícil devido à
interligação existente entre estas duas respostas. A descrição isolada de cada componente da
imunidade, apesar de facilitar a avaliação, pode ocultar justamente a interação entre elas. A
pele apresenta uma resposta imunológica diversificada, contendo elementos destas duas
respostas, embora não possa ser considerada um órgão linfóide periférico. O abandono do
termo SALT 55 ocorreu justamente porque a pele não apresenta algumas estruturas inerentes a
um órgão linfóide periférico, como células T naive, células B e uma organização folicular
com ampla vascularização que facilite a circulação celular
44
. No entanto, particularidades
como a organização estrutural garantindo uma barreira eficaz, a existência de uma população
de células imunológicas preferencialmente residentes na pele, como os linfócitos T CLA+, e a
109
apresentação de antígeno às células T de memória no próprio sítio cutâneo fortalecem o
emprego do termo “unidade imunológica cutânea” 383.
Os nanomateriais aqui abordados são um dos mais utilizados na indústria atualmente,
motivando a pesquisa acerca dos riscos de exposição ocupacional e advindos do contato com
produtos disponíveis ao consumo. O estudo da resposta imunológica, sob a ótica da escala
nanométrica, permite observar que muitos elementos imunes, como os fatores do
complemento, interagem com antígenos através de sítios que medem alguns nanômetros. Esta
redução à escala nanométrica pode facilitar o entendimento dos mecanismos envolvidos na
internalização de nanomateriais por células fagocíticas, bem como a capacidade de ativar o
complemento ou células efetoras imunes.
Apesar da relevância para a avaliação de propriedades biológicas, não se observa nos
trabalhos uma padronização da descrição mínima de características físico-químicas dos
nanomateriais empregados nos experimentos. Esta carência de dados, associada às diferenças
de técnicas podem dificultar a interpretação de dados conflitantes observados.
6.1.
Os nanomateriais e a resposta imune inata
6.1.1. A interação com a barreira cutânea
A organização estrutural da pele leva à formação de uma barreira física eficaz,
essencial a imunidade inata cutânea. Necessariamente, a interação de nanomateriais com o
sistema imunológico é dependente da capacidade destas estruturas permearem a pele íntegra
ou danificada por traumas ou processos inflamatórios. Esta permeação pode ocorrer através
dos folículos pilosos e glândulas sudoríparas, por via intercelular ou através das células, neste
caso por processos como a endocitose, permeação direta da membrana celular, ou transporte
através de canais transmembrana, quando a nanopartícula for menor do que 5 nm
51
. A
endocitose engloba os processos de fagocitose e pinocitose, sendo que a forma de
internalização varia de acordo com o tipo celular, podendo um mesmo nanomaterial utilizar
diferentes vias. Por sua vez, a pinocitose ocorre por mecanismo dependente e independente da
clatrina, uma proteína citoplasmática que é polimerizada e posicionada na membrana celular
158
.
110
Diversas características intrínsecas aos nanomateriais parecem ser relevantes para a
análise da permeação cutânea como: tamanho, diâmetro hidrodinâmico, carga superficial,
forma, composição, potencial zeta, agregação, metabolismo, deformidade, dentre outros 51.
A análise dos efeitos citotóxicos de nanomateriais sobre células da estrutura cutânea é
relevante, pois a destruição destas pode levar a alterações da barreira física, bem como a
indução de citocinas que iniciam um processo inflamatório.
A permeação de nanotubos de carbono e fulerenos em queratinócitos e outras células
da pele vêm sendo estudadas não só para avaliação de efeitos tóxicos, mas visando-se também
a possibilidade do desenvolvimento de matrizes para o carreamento de fármacos
319
. O
mecanismo exato de permeação dos alótropos do carbono em queratinócitos não foi descrito
nos trabalhos, embora MWCNT tenham sido encontrados livres no citoplasma e em vacúolos
intracitoplasmáticos. Possivelmente esta internalização ocorra através de endocitose ou
fagocitose 158. A captação destes nanomateriais pelas células, bem como os efeitos citotóxicos
aumentam com o tempo de exposição e a concentração do nanomaterial no meio.
Os contaminantes metálicos, presentes como resíduos do processo de síntese destes
nanomateriais, têm papel relevante na citotoxicidade dos alótropos do carbono por
catalizarem reações que produzem radicais livres
83
. Estas reações são proporcionais à
quantidade de metais nos nanomateriais, sendo que os contaminantes relacionam-se a ativação
de vias de sinalização ligadas a processos inflamatórios como a transcrição de NFκB e AP-1.
Outro fator associado ao potencial citotóxico parece ser o radical utilizado na
funcionalização, conforme observado em experimentos com fulerenos
98; 100
. Este processo
pode alterar a solubilidade do nanomaterial no meio, determinando a possibilidade de
permeação celular e consequentemente os efeitos tóxicos.
Os alótropos do carbono podem estar envolvidos ainda na alteração da transcrição de
genes relacionados ao metabolismo, apoptose, ciclo e transporte celular. Além de induzirem
estas alterações, estes nanomateriais podem estimular a síntese de citocinas inflamatórias
como IL-6, IL-8, IL-12 e IFN-γ, por células presentes na pele, conforme os experimentos in
vitro e in vivo. A associação da destruição de queratinócitos por ação citotóxica, aliada às
citocinas liberadas por estas células expostas aos alótropos do carbono permite a consideração
de uma possível associação desta classe de nanomateriais com dermatite de contato irritativa.
Segundo Amado et al (2008)
384
esta dermatose é causada, dentre outros fatores, por danos
111
citotóxicos às células da barreira cutânea, que culminam na liberação de citocinas
inflamatórias como IL-1α e IL-1β, além da síntese de IL-6 e TNF-α, iniciando uma resposta
inflamatória. Esta correlação de alótropos do carbono e irritação cutânea foi reforçada pelo
experimento de Murray et al. (2009)
84
que mostraram o aumento da espessura da pele de
cobaias expostas a SWCNT, na dose de 160 µg, uma alteração clínica observada na dermatite
de contato irrritativa.
Os trabalhos sugerem também que, independentemente da concentração do
nanomaterial no meio, há uma diferença de citotoxicidade entre os próprios nanotubos de
carbono, respeitando a seguinte ordem: MWCNO < MWCNT < SWCNT
320; 341
. Esta
diferença pode ser justificada pelo diâmetro, de forma que estruturas menores encerrariam
maior ação citotóxica.
Além disso, o relato de que fulerenos, na dependência da funcionalização, podem
inibir a apoptose celular, leva a discussão sobre a facilitação do desenvolvimento de
neoplasias com o uso destas estruturas
100
. Deve ser lembrado que atualmente a maior
exposição da população a estes nanomateriais se dá pelo emprego de fulerenos como
antioxidantes em cosmecêuticos 63. Assim, se o fulereno aplicado à pele for capaz de inibir a
apoptose de células geneticamente modificadas, o desenvolvimento de neoplasias cutâneas
pode ser favorecido.
Em relação à permeação cutânea, existe atualmente uma grande preocupação com os
alótropos do carbono e a exposição de cunho ocupacional. Os trabalhos encontrados
procuraram simular situações do processo e local do trabalho que pudessem alterar esta
permeação, como a realização de movimentos repetitivos e contato com outros produtos
químicos. Não foram encontrados estudos sobre a permeação cutânea de nanotubos de
carbono. Os artigos citados demonstraram que em zonas flexurais, a permeação por difusão
passiva de fulerenos
funcionalizados
pode ser facilitada.
Este processo
ocorre
preferencialmente pelo espaço intercelular, sendo potencializado com o maior tempo de
exposição.
Os solventes presentes em ambientes industriais parecem facilitar também a
permeação cutânea de fulerenos, podendo agravar a exposição ocupacional
385
. Ressalvas
devem ser feitas quanto à quantidade e concentração de nanomateriais utilizados nestes
experimentos e a real concentração destas estruturas em um ambiente fabril. A concentração
de fulerenos no ambiente ocupacional pode ser determinada em um paralelo com a de
112
nanotubos de carbono. Assim estima-se que a superfície cutânea do trabalhador em uma
indústria de alótropos do carbono esteja exposta a uma concentração de 12mg/pessoa/dia
destes nanomateriais, sendo que este índice pode ser reduzido a 1,2 mg/pessoa/dia com o uso
de luvas 63.
A discussão sobre potencial citotóxico de nanopartículas de prata em queratinócitos e
outras células da pele ocorre principalmente pela ampla utilização destas estruturas em
curativos tópicos e em tecidos de vestuário. A nanoparticulação trouxe novas propriedades à
prata que não permitem mais a utilização dos índices de citotoxicidade estabelecidos para o
íon prata habitual. Os trabalhos envolvendo curativos que liberam nanopartículas de prata
indicam que estas estruturas têm um potencial citotóxico em queratinócitos cem vezes maior
do que o íon prata convencional. Evidenciou-se também que a quantidade de nanopartículas
de prata liberadas pelos curativos (50-100 mg.ml-1) é suficiente para a ação citotóxica em
queratinócitos e fibroblastos, sendo que estes últimos são os mais sensíveis
329; 333
. Esta
citotoxicidade se expressa através da redução da proliferação e da atividade celular.
Entretando, o benefício do uso destes curativos também já foi demonstrado, uma vez que são
capazes de reduzir o tempo de cicatrização de feridas. Dessa forma, é possível que os
experimentos laboratoriais não são capazes de reconstituir a real situação de uma ferida
cutânea, superestimando efeitos tóxicos. Uma possível explicação é a neutralização de
nanopartículas de prata por debris presentes na pele lesada, reduzindo a citotoxicidade 329.
A exemplo dos alótropos do carbono, os efeitos citotóxicos das nanopartículas de prata
são dependentes da concentração destas estruturas no meio e da funcionalização. Além disso,
o perfil de citocinas expresso por queratinócitos expostos à prata nanoparticulada (IL-1β, IL6, IL-8 e TNF-α) é muito semelhante ao induzido por alótropos do carbono. Assim a
exposição crônica a vestuários, na dependência da quantidade de nanopartículas liberadas
pelos tecidos, bem como a de cunho ocupacional podem se correlacionar também com o
quadro de dermatite de contato irritativa.
Os trabalhos que abordam a permeação cutânea por nanopartículas de prata mostram
resultados conflitantes, de forma que alguns autores defendem que a nanopartícula ficaria
apenas retida na superfície da pele, enquanto para outros ela poderia permear através dos
apêndices cutâneos e até mesmo da camada córnea, atingindo a epiderme viável. Os trabalhos
encontrados utilizaram nanopartículas de prata com tamanhos diferentes e técnicas diversas
para análise da permeação, o que pode responder por parte das divergências encontradas.
113
Deve ser lembrado, entretanto, que as medidas empregadas para a simulação de dano cutâneo,
como a abrasão, podem potencializar a permeação.
A intoxicação pelo íon prata provoca o quadro de argiria, o que leva à discussão sobre
os riscos tóxicos sistêmicos de curativos contendo nanopartículas de prata aplicados sobre
soluções de continuidade da pele. Independemente dos resultados de experimentos realizados
em laboratórios, a elevação da prata no sangue, ainda que de forma transitória, associada à
toxicidade hepática e renal, em pacientes utilizando curativos com nanopartículas de prata,
reforça a existência da permeação do nanomaterial na pele lesionada 127; 131; 328. Dessa forma,
a aplicação de curativos nanoparticulados em áreas extensas, erosadas ou ulceradas da pele,
deve ser acompanhada de exames regulares para avaliação das funções hepática e renal.
Os estudos de permeação cutânea por nanomateriais em laboratórios utilizam-se de
cultivos celulares, de modelos de difusão estática celular, de pele porcina, de peles de rato e
camundongo, dentre outros instrumentos. Algumas críticas são feitas a estes modelos
biológicos, que embora apresentem semelhanças fisiológicas, histológicas e bioquímicas com
a pele humana, não são fidedignos quanto a organização estrutural. Dessa forma, esta
diferença pode justificar uma boa parte das divergências observadas nos estudo da permeação
de nanomateriais através do estrato cutâneo.
Considerando a pele como uma unidade imunológica, os danos aos queratinócitos da
superfície podem acarretar a secreção de citocinas com ação nas camadas mais profundas da
pele, além de efeitos sistêmicos. Assim o potencial tóxico de nanomateriais não pode mais
ficar atrelado apenas à capacidade de permeação total cutânea. Isto foi bem demonstrado no
trabalho de Samberg et al (2010)
38
onde nanopartículas de prata aplicadas na pele de porco,
embora permanecessem na superfície dos queratinócitos ou nos extratos superiores da camada
córnea, induziram a secreção de citocinas inflamatórias e espongiose em todas as camadas
cutâneas.
6.1.2. A interação com a microbiota comensal cutânea
Os nanomateriais podem alterar a composição da microbiota da pele ao exercerem
atividade microbicida seletiva contra alguns componentes da flora. A inter-relação entre esta
microbiota e o sistema imunológico cutâneo, no que tange a identificação de organismos
114
invasivos e modulação da resposta imune, permite prever que a exposição a nanomateriais
potencialmente pode ser deletéria. Esta discussão não se restringe ao organismo humano, de
forma que nanomateriais descartados como resíduos em solos e águas podem representar um
perigo para a constituição de outros sistemas biológicos do ambiente
340; 386
. Nos organismos
complexos, esta ação microbicida pode ocorrer tanto pela modulação de células inflamatórias,
como neutrófilos, quanto pela inibição direta do crescimento de micro-organismos 336. Somase a isso, que alguns nanomateriais podem ser conjugados a drogas com ação microbicida,
agindo de forma sinérgica.
A análise dos trabalhos permite observar que a maioria trata do efeito bactericida dos
nanomateriais, sendo encontrados poucos referentes à ação fungicida. O estudo do impacto
em vírus concentra-se na utilização de nanopartículas de prata para tratamento de infecções,
como a do HIV121 e herpes123, não sendo feitas menções a vírus presentes na superfície
cutânea (Tabela 2).
Tabela 2 - Interação de nanomateriais com a microbiota comensal cutânea
Bactericida
Alótropos do
Nanotubos de
carbono
carbono
S. aureus, B. subtillis, E.
coli, S. typhimurium
(A) Tempo de
Fungicida/Viricida
(SWCNT>MWCNT)
?
exposição, [ ]*,
superfície de
contato,
S. pyogenes, E. coli, P.
virulência,
tampão
Fulerenos
Nanopartículas de prata
aeruginosa, P. mirabilis
?
S. aureus, S. epidermidis,
E. coli, P. aeruginosa
?
(B) [ ] * , GRAM + > GRAM –
115
Legenda: A) Fatores relacionados ao efeito bactericida dos alótropos do carbono; B) Fatores envolvidos na ação
bactericida das nanopartículas de prata; Efeito maior sobre bactérias GRAM +, quando comparadas às GRAM -.
* diretamente proporcional à concentração do nanomaterial no meio;
Fonte: Tabela do autor
Os espectros bactericidas de alótropos do carbono e nanopartículas de prata são
amplos, já tendo sido relatada atividade contra diversas bactérias GRAM positivas e
negativas. Além disso, alguns nanomateriais a exemplo de nanopartículas de prata podem ser
utilizados como opção terapêutica para o tratamento de micro-organismos multirresistentes,
como o MRSA110 e o vírus do HIV121.
A ação antibacteriana de alótropos do carbono é dependente da dose, do tempo de
exposição, da virulência da cepa e de condições do meio, como o pH. Já a carga de superfície
pouco parece influenciar esta ação. Alguns trabalhos com bactérias mais virulentas, como P.
aeruginosa, demonstraram a necessidade da associação de antibiótico convencional com o
nanomaterial para a obtenção do efeito desejado. O exato mecanismo de ação destes alótropos
do carbono sobre bactérias não é conhecido. Kang et al. (2007)
340
sugeriram que os
nanotubos de carbono aderem à parede bacteriana causando danos estruturais, sendo que os
SWCNT seriam mais tóxicos do que MWCNT. Esta diferença do potencial bactericida de
alótropos do carbono é reforçada pelo experimento de Arias et al. (2009) 342, onde MWCNT,
ainda que em concentrações altas, como 875 µg.ml-1, não apresentaram qualquer efeito
microbicida sobre bactérias GRAM positivas e negativas, efeito contrário ao descrito para
SWCNT.
No entanto, os resultados dos trabalhos não são uniformes, e suposições são feitas
quanto à influência do grau de pureza e funcionalização do nanomaterial neste processo. A
síntese de nanomateriais pode resultar em resíduos tóxicos que ficam aderidos a estas
estruturas, tendo como exemplo, o tetra-hidrofurano empregado na produção de fulereno.
Alguns autores estipulam que estes resíduos tóxicos seriam os responsáveis pela ação
microbicida. A composição do meio também parece influenciar o efeito antibacteriano, uma
vez que a indução de agregação e depósito, como ocorre com os fulerenos em meios ricos em
sais, reduz o contato destes com os micro-organismos. O trabalho com fulerenos nC60
altamente purificados em que estas variáveis de confundimento foram controladas, mostrou
que o nanomaterial não foi capaz de inibir o crescimento da bactéria E. coli e do fungo
Saccharomyces cerevisiae338.
116
As nanopartículas de prata são aplicadas em tecidos objetivando-se o controle da flora
bacteriana envolvida com a produção de odores. A liberação destas nanopartículas ocorre na
dependência do suor e atrito com o tecido, sendo a quantidade dispensada extremamente
variável. Trabalhos que avaliem o impacto na flora humana cutânea in vivo de nanopartículas
de prata presentes em tecidos não foram encontrados. Entretanto, o relato de liberação de
prata pelos tecidos e o perfil bacteriano sensível a nanopartículas de prata descrito in vitro,
permitem supor que de alguma forma a microbiota comensal possa ser alterada. Estudos que
avaliem o poder microbicida de nanopartículas de prata em têxteis contra ácaros, fungos e
vírus também não foram encontrados. O efeito bactericida observado parece ser interessante
para a prevenção de colonização e infecção por bactérias patogênicas como o Staphylococcus
aureus, justificando o seu emprego nos curativos. No entanto, a ação sobre bactérias comuns
da flora cutânea, como o S. epidermidis, leva à reflexão sobre impactos no sistema
imunológico, uma vez que estes organismos participam da regulação da imunidade inata
cutânea. Os níveis de nanopartículas liberadas de forma segura, capazes apenas de reduzir a
população de bactérias envolvidas na degradação de debris cutâneos e do suor não estão
determinados. O efeito microbicida na flora comensal deve suscitar também a discussão sobre
a facilitação de colonização por bactérias patogênicas.
6.1.3. A interação com os neutrófilos
A maioria dos trabalhos relacionados à interação de alótropos de carbono com
neutrófilos se concentra na análise do polimorfonuclear presente nas vias respiratórias. Isso
ocorre porque grande parte da exposição aos nanotubos de carbono e fulerenos se dá pelas
vias aéreas, devido a questões de exposição ocupacional150.
Os neutrófilos internalizam os alótropos do carbono, funcionalizados ou não, e os
armazenam em vesículas intracitoplasmáticas. A carga de superfície destas estruturas parece
influenciar a ação de enzimas neutrofílicas, de modo que SWCNT com carga de superfície
negativa podem ser degradados por mieloperoxidases presentes em vesículas citoplasmáticas
345
. Este fato tem relevância, pois sugere que modificações na superfície de nanomateriais
podem alterar a natureza biopersistente destas estruturas, aumentando a biocompatibilidade e
reduzindo efeitos tóxicos quando empregados, por exemplo, em fármacos como carreadores.
117
Uma vez no interior da célula, os nanomateriais são capazes influenciar os
mecanismos de ação dos neutrófilos. Dessa forma, é possível que nanomateriais como os
fulerenos, com ação antioxidante, neutralizem ROS de fagolisossomas. Como estas espécies
de oxigênio são relevantes para a degranulação de neutrófilos, pode haver redução da função
do polimorfonuclear, com impacto na resposta imunológica a agentes infecciosos. Por outro
lado esta neutralização de ROS pode ser útil no tratamento de dermatoses inflamatórias como
a acne 73.
Entretanto, este efeito depressor sobre a ação neutrofílica não foi observado no
trabalho de Tsao et al.(2001)336, quando sugeriu-se que o carboxifulereno aumentava a
viabilidade e o poder bactericida destas células contra bactérias GRAM positivas. Além disso,
outros trabalhos também demonstraram a ação pró-inflamatória de alótropos de carbono,
principalmente os que tratam da instilação pulmonar dos nanomateriais, com aumento do
infiltrado neutrofílico.
Kagan et al (2010)345 sugerem que os efeitos anti-inflamatórios
encontrados com alótropos do carbono só ocorrem quando as estruturas empregadas nos
experimentos não estão funcionalizadas. Observa-se assim, que outros estudos precisam ser
realizados para a avaliação dos fatores envolvidos nestas respostas divergentes (Tabela 3).
Os trabalhos em cobaias sugerem que o contato da pele com SWCNT promove um
influxo de neutrófilos no local, apenas em doses elevadas como 160 µg
84
. A localização
preferencial do infiltrado de polimorfonucleares ao redor de folículos permite o
questionamento sobre uma possível permeação através destas estruturas. Estudos com
nanotubos de carbono instilados em pulmões sugerem que o infiltrado neutrofílico só ocorre
no tecido pulmonar se o nanomaterial não estiver agregado 347.
Poucos são os artigos encontrados que tratam de possíveis influências de
nanopartículas de prata sobre os neutrófilos. Os curativos que contém prata nanoparticulada
quando aplicados em sítios cutâneos infectados podem levar a uma elevação inicial e
transitória da ação oxidativa dos neutrófilos sanguíneos de cobaias. Este efeito
potencializador do neutrófilo não é sustentado, e não foi pesquisada a influência do curativo
sobre a infiltração cutânea destes polimorfonucleares. Uma ação anti-inflamatória foi descrita
quando se utilizou nanopartículas de prata na superfície de implantes cutâneos, o que levou a
redução do infiltrado de neutrófilos no tecido ao redor , aumentando a biocompatibilidade 352.
No entanto, não houve menção no trabalho sobre uma possível atividade bactericida da prata,
118
que pudesse reduzir o risco de contaminação do implante, com impacto no infiltrado
inflamatório.
Tabela 3 - Interação de alótropos do carbono e nanopartículas de prata com neutrófilos
Permeação
celular
Citotoxicidade
Alterações funcionais
• Reduz
expressão de
enzimas
Ø
Fagocitose
Alótropos do carbono
Pinocitose?
(Célula avaliada:
neutrófilo de peixe
neutrofílicas
• Inibe
degranulação
minnows)
• Reduz
mecanismo de
NETosis
• Potencializa
oxidação de
neutrófilos
Nanopartículas de
prata
periféricos
?
?
• Reduz
infiltrado
cutâneo de
neutrófilos
Fonte: Tabela do autor
6.1.4. A interação com os macrófagos
119
As células do sistema reticuloendotelial, como os macrófagos, são aptas
ao reconhecimento e remoção de partículas estranhas da corrente sanguínea15. Devido a esta
propriedade, nanocarreadores de drogas têm sido utilizados para o tratamento de doenças
infecciosas onde o macrófago é o sítio de replicação de micro-organismos como Leishmania
sp56. Segundo a literatura, a fagocitose de nanopartículas por macrófagos depende de
propriedades físico-químicas destas estruturas como tamanho, solubilidade, carga de
superfície e funcionalização387. Assim, as nanopartículas maiores e com carga na superfície
teriam maior chance de serem internalizadas por este processo.
A opsonização de nanopartículas, com a adesão de anticorpos e frações do
complemento à sua superfície, ocorre instantaneamente quando estas são administradas por
via parenteral, potencializando a sua fagocitose374. Uma transposição desta observação pode
ser feita às nanopartículas capazes de permear a pele, podendo ser opsonizadas por anticorpos
e fatores do complemento presentes na epiderme e na derme, favorecendo a captação por
macrófagos.
A internalização de alótropos do carbono por macrófagos pode ocorrer através de
fagocitose, especialmente quando funcionalizados e agregados 345; 353. Embora na maioria dos
relatos não tenha sido especificado o termo “pinocitose”, possivelemente os alótropos
menores e não-agregados permeiam a célula através deste processo.
As investigações sobre a citotoxicidade dos fulerenos e dos nanotubos de carbono em
macrófagos são divergentes. Enquanto alguns trabalhos não mostram redução da viabilidade
celular353, outros descrevem que a toxicidade destes nanomateriais é dependente da
concentração no meio
354
, da presença de contaminantes metálicos82, e da solubilidade dos
alótropos do carbono162. Um ponto divergente entre os trabalhos, que pode justificar a
diferença encontrada é a concentração do nanomaterial no meio dos experimentos. O trabalho
que não observou citotoxicidade utilizou nanopartículas na concentração de 10 µg.ml-1353,
enquanto nos outros as concentrações variaram de 30 µg.ml-1 a 0,5 mg.ml-182; 354, sugerindo
que talvez a toxicidade seja dependente realmente da dose. Outro ponto interessante foi a
demonstração de que para esta linhagem celular existe diferença também entre o potencial
citotóxico de SWCNT e MWCNT, de forma que este último não altera a viabilidade da célula,
ainda que em grande concentração no meio. Esta diferença pode ser explicada pelo tamanho
das estruturas, uma vez que a permeação dos macrófagos e o dano ao material genético são
maiores, quando se utilizava fulerenos de menor tamanho 152.
120
Quanto às alterações funcionais, um trabalho demonstrou que apenas os nanotubos de
carbono capazes de estimular a fagocitose, induziram um aumento de IL-6 e TNF-α, fato não
observado com as estruturas que permearam de outra forma a membrana dos macrófagos353.
A função dos macrófagos frente a estímulos habituais, como estruturas bacterianas, também
pode ser reduzida, após a exposição prévia aos alótropos do carbono. Dumortier et al
(2006)353 demonstraram que este fato pode ocorrer na dependência da funcionalização
utilizada, uma vez que apenas os SWCNT que continham PEG, tiveram impacto na função
macrocítica.
A indução da maturação de macrófagos por estes nanomateriais, estudada através da
presença de moléculas de superfície como CD40 e CD86, mostraram resultados diferentes.
Enquanto uma menor concentração de SWCNT no meio não induziu a expressão destas
moléculas353, a maturação e ativação de macrófagos foram observadas no trabalho que
empregou maior quantidade do nanomaterial
354
. Dessa forma, à semelhança do potencial
citotóxico, a ativação do macrófago por nanotubos de carbono e fulerenos pode ser
dependente da dose.
Um fenômeno que pode ser observado é a incapacidade dos macrófagos fagocitarem
materiais inertes, como os nanomateriais, ainda que estes estejam opsonizados
374
. Este
processo pode levar ao acúmulo de células monocíticas ao redor do nanomaterial, com
formação de granulomas
388
, além da liberação de enzimas por células inflamatórias como os
neutrófilos, levando ao dano tecidual
374
. A indução de reação granulomatosa por nanotubos
de carbono em pulmão de camundongo é conhecida
81; 389
contaminantes no nanomaterial parecem influenciar este processo
e a presença de metais
331
. No único trabalho em
que se estudou a formação de granulomas em pele, SWCNT e MWCNT de 20 e 80 nm foram
implantados no subcutâneo de cobaias
355
. A formação granulomatosa foi observada após 3
semanas do experimento, sendo que tardiamente os SWCNT induziram uma maior infiltração
de macrófagos, deixando os granulomas com paredes mais espessas. A utilização de
nanomateriais altamente purificados permitiu a análise de que estas estruturas sozinhas,
independentemente de contaminantes metálicos, podem induzir a formação de granulomas.
Nos artigos que tratam de nanopartículas de prata pôde-se observar que estas
estruturas podem ser internalizadas por macrófagos, quando isoladas ou agrupadas, não sendo
citado o exato mecanismo. O tamanho e a composição destas nanopartículas parecem ser
relevantes para a ação citotóxica e ativação de macrófagos. As nanopartículas de prata de
121
menor diâmetro são capazes de exercerem efeitos tóxicos em concentrações inferiores a de
estruturas maiores. O revestimento das nanopartículas de prata também parece ser relevante,
já que substâncias orgânicas talvez possam reduzir essa toxicidade.
A síntese de citocinas inflamatórias por macrófagos expostos a nanopartículas de prata
divergiu entre os trabalhos. Park et al (2011)
357
descreveram que as nanopartículas de menor
tamanho (4 e 20 nm) foram capazes de induzir IL-8, enquanto no artigo de Castillo et al
(2008)356, em que se utilizou uma nanopartícula funcionalizada com tiopronina, não houve o
estímulo a produção de citocinas. A ação indireta de nanopartículas de prata na função de
macrófagos também foi avaliada, sendo observado que a pré-incubação das células fagocíticas
com nanopartículas é capaz de aumentar ou reduzir a sua sensibilidade a estímulos
inflamatórios, como ligantes de TLR. Dessa forma, sugere-se que nanopartículas possam ser
utilizadas como imunomoduladores. Ainda em relação a ativação de macrófagos, foi descrito
que nanopartículas de prata estimulam a expressão de moléculas de superfície relevantes para
a migração celular, como ICAM-1 e CD69, de forma dose-dependente (Tabela 4).
Apesar do conhecimento da existência de diferentes macrófagos presentes na pele, o
que pode levar a resultados divergentes dos descritos com a utilização de linhagens murinas e
pele de cobaias, nenhum trabalho com estas células foi encontrado. Ressalta-se que a
descrição da formação de granulomas ocorreu após o implante de 2 mg de alótropos de
carbono no subcutâneo de cobaias. A quantidade e as características dos nanomateriais
capazes de induzirem uma formação granulomatosa cutânea precisam ainda ser determinadas.
Possivelmente, pequenas quantidades de alótropos do carbono que permeiem a pele em curto
prazo não tenham relevância, embora a exposição crônica, se estes nanomateriais ficarem
retidos na pele, possa potencialmente induzir a constituição de granulomas.
6.1.5. A interação com células dendríticas
A análise da interação de nanomateriais com células dendríticas, as apresentadoras de
antígenos mais eficazes do organismo humano, visa principalmente à determinação de uma
possível captação, processamento e apresentação de nanomateriais como se fossem antígenos.
Os alótropos do carbono podem ser internalizados pelas células dendríticas através de
macropinocitose 361 e fagocitose 87; 359, não sendo descrita a endocitose nos trabalhos citados.
122
Esta captação parece ser dependente da concentração do nanomaterial no meio, e do tamanho
das estruturas, uma vez que aquelas com maior diâmetro são internalizadas mais facilmente
359
. Esta propriedade pode permitir que os alótropos do carbono sejam utilizados para o
carreamento de genes com fins terapêuticos, estimulando e inibindo a expressão de citocinas e
moléculas de superfície.
Tabela 4 - Interação de alótropos do carbono e nanopartículas de prata com macrófagos
Permeação celular
Citotoxicidade
Alterações funcionais
• Indução IL-6,
TNF-α, TGF-β
• Divergência
SWCNT- dependente
Alótropos do
Fagocitose
carbono
Pinocitose?
do tamanho e da
concentração no meio
(Células avaliadas Balb-c, RAW 264.7)
quanto a indução
de moléculas de
superfície
• Contaminante
metálico – altera
potencial redox
Indução de
granulomas
cutâneos
• Resultados
divergentes;
• Possível
influência do
Nanopartículas de
prata
Endocitose?
revestimento
e do tamanho
(Células avaliadas RAW 264.7, U937)
• Potencializa
ativação TLR por
ligantes habituais
• Indução de IL-8
e ROS
dependente do
tamanho
• Indução de
ICAM-1 e CD69
123
dependente da
concentração
Fonte: Tabela do autor
Os resultados referentes ao potencial citotóxico dos alótropos do carbono são
conflitantes. Um trabalho descreve ação tóxica de SWCNT e MWCNT em células dendríticas
na dependência da concentração dos nanomateriais no meio (3, 10, 30 µg.ml-1). Por sua vez,
Wang et al. (2009)
359
relataram que MWCNT carboxílicos, de diferentes tamanhos e
concentrações (10, 50 e 100 µg.ml-1), dotados de contaminantes metálicos, não exerceram
atividade citotóxica significativa nestas células. Nota-se que no primeiro trabalho não foram
descritas características físico-químicas dos nanotubos de carbono, como a funcionalização,
que pudessem justificar as diferenças encontradas. Uma maior concentração do nanomaterial
e a presença de contaminantes metálicos em diferentes quantidades seriam preditores de um
maior efeito tóxico, o contrário do que foi observado segundo o trabalho de Wang et al.
(2009)359. Este ponto precisa ser mais bem analisado, principalmente porque as células
dendríticas parecem ser mais sensíveis do que outras células do sistema imune à ação dos
nanomateriais (Tabela 5).
Tabela 5 - Interação de alótropos do carbono e nanopartículas de prata com células dendríticas
Permeação celular
Citotoxicidade
Alterações
funcionais
• Resultados
divergentes;
Fagocitose,
macropinocitose
• Pode ser
Alótropos do
dependente da
carbono
concentração
Dependente do
tamanho
(Células avaliadas:
células dendríticas de
• CNT – Ø
• Fulerenos –
indução de
citocinas e
moléculas de
superfície
ratos e humanas)
Nanopartículas de
?
?
?
124
prata
Legenda: CNT: nanotubos de carbono
Fonte: Tabela do autor
Uma possível imunomodulação de alótropos do carbono em células dendríticas
também vem sendo estudada. Através de mecanismos ainda desconhecidos, nanotubos de
carbono podem ser conjugados a peptídeos considerados imunógenos fracos, induzindo a
internalização por células dendríticas, levando a ativação de linfócitos TCD4+, que por sua
vez desenvolvem uma resposta Th2, com produção de anticorpos
361
. Esta propriedade pode
ter grande aplicabilidade no desenvolvimento de imunoterapia, especialmente visando o
tratamento de neoplasias, de forma que antígenos do tumor até então considerados fracos
imunógenos, podem ter seu potencial imune amplificado pela conjugação com nanomateriais.
Por outro lado, existe a possibilidade de se questionar também se os nanomateriais poderiam
se ligar a peptídeos autólogos, tornando-os imunógenos fortes, reconhecidos por células
apresentadoras de antígenos e propiciando o desenvolvimento de doenças autoimunes.
Quanto à ativação das células dendríticas - um processo essencial para que sejam
capazes de apresentar antígenos às células T- fulerenos e nanotubos de carbono apresentaram
resultados diferentes. Os primeiros, segundo Yang et al (2010)360, são capazes de induzir a
expressão na superfície das células de moléculas coestimulatórias de linfócitos, receptores de
quimiocinas, além de citocinas inflamatórias, efeitos não observados com os nanotubos de
carbono
354; 359
. As consequências destes processos devem ser estudadas. Habitualmente, o
encontro de antígenos identificados como potencialmente danosos pelas células dendríticas
incita o processamento destes e a maturação da célula. Assim, deve ser avaliado se o fulereno
pode ser reconhecido como antígeno a ser apresentado às células T ou se interfere apenas em
mecanismos de sinalização celular, com efeitos ainda desconhecidos. Além disso, o fato de
nanotubos de carbono não ativarem as células dendríticas nos experimentos citados não
descarta a possibilidade destes nanomateriais atuarem como haptenos, ligando-se a peptídeos
presentes no meio, passando então a serem considerados imunógenos fortes.
O único trabalho que trata de nanopartículas de prata sugeriu uma ativação de células
dendríticas após a instilação destas no pulmão de cobaias
362
. No entanto como o carbono
preto também estava presente na amostra, não é possível determinar se o efeito observado foi
um sinergismo ou ação isolada de algum deles.
125
Apesar da relevância das células de Langerhans para a apresentação de antígenos
oriundos da pele, no que tange alótropos do carbono e nanopartículas de prata, não foram
encontrados trabalhos que estudassem esta interação. Células dendríticas dérmicas também
não são citadas nos estudos encontrados. Dessa forma, possivelmente, nem todos os achados
relatados possam ser observados na resposta imune cutânea. A importância da reprodução
destes achados citados em estudos com pele humana pode ser reforçada pelo observado em
trabalhos envolvendo outros ananomateriais aplicados na imunização cutânea. Manolova et al
(2008)
263
demonstraram que as células apresentadoras de antígenos cutâneas só seriam
relevantes para a captura e transporte de poliestirenos quando maiores do que 200nm. As
demais estruturas inferiores a esta medida eram capazes de migrar espontaneamente por
linfáticos cutâneos até os linfonodos de drenagem da pele, onde seriam captadas por células
dendríticas ali presentes. Dessa forma, se apresentarem o mesmo comportamento, é possível
que alótropos do carbono e nanopartículas de prata só venham a interagir com células
apresentadoras de antígenos cutâneas, caso encontrem-se agregados ou tenham comprimento
maior do que 200 nm, no caso de nanotubos de carbono.
6.1.6. A interação com células NK
Estudos que abordassem um possível impacto de alótropos do carbono em células NK
da pele não foram encontrados. O único trabalho citado trata da exposição de cobaias através
das vias aéreas, o que levou a redução da atividade das células NK presentes no sangue 363.
O estudo da interação de nanopartículas de prata com as células NK é relevante porque
estas nanopartículas são aplicadas em curativos utilizados para a prevenção da infecção em
queimaduras e feridas crônicas. Sabe-se que as células NK têm um importante papel na
imunidade inata e adaptativa, de modo que no sítio da infecção a atividade citolíticas destas
células geralmente encontra-se aumentada 138. No entanto, os artigos citados não descrevem a
influência da nanopartícula de prata nas células NK presentes em sítio infeccioso cutâneo
especificamente.
Mazurak et al (2006)
351
demonstraram que as células NK periféricas sofrem um
incremento da atividade citotóxica quando curativos com nanopartículas de
prata são
aplicados em pele de cobaias infectadas. Uma vez que nos processos inflamatórios cutâneos,
126
como a infecção, há um aumento do influxo destas células para a pele, é possível que as
células NK de sítios infecciosos cutâneos apresentem aumento da atividade citotóxica, caso a
nanopartícula de prata seja aplicada no local. Quanto ao potencial citotóxico, foi encontrada
uma citação que faz menção a redução da viabilidade de células NK expostas a
nanopartículas, embora não tenha sido citada a concentração desta no meio.
6.1.7. A interação com mastócitos
Os alótropos do carbono podem ser internalizados por mastócitos de pele humana,
sendo que trabalhos específicos com fulerenos mostraram que este processo ocorre através da
endocitose. Já na célula, os fulerenos podem ser encontrados no interior de organelas e livres
no citoplasma.
Os trabalhos encontrados sugerem que há uma diferença do impacto dos alótropos do
carbono em mastócitos. Enquanto nanotubos de carbono em altas concentrações no meio
relacionam-se ao influxo de mastócitos para o sítio de aplicação e aumento da degranulação,
os fulerenos parecem inibir este processo, além da liberação de citocinas. Este fato pode ter
implicação no emprego destes nanomateriais, uma vez que nanotubos de carbono podem se
relacionar a quadros de urticária e angioedema não-imunológicos, além de reação
anafilactóide, ao tempo que fulerenos podem ser empregados justamente na prevenção destas
reações. A localização dos fulerenos em lisossomas e mitocôndrias, locais da produção de
ROS, podem explicar sua ação inibitória sobre mastócitos.
A exemplo dos nanotubos de carbono, as nanopartículas de prata são capazes de
induzir a degranulação de mastócitos na concentração de 50 µg.ml-1 369. Este processo parece
ser mediado pela indução de ROS e aumento do cálcio intracitoplasmático na célula. Dessa
forma, os autores discutem o potencial de nanopartículas de prata desencadearem reações
mediadas por histamina. Por outro lado, o trabalho que aplicou nanopartículas de prata de
forma profilática em bexiga de cobaia mostrou efeito oposto, com uma redução dos
mastócitos e da degranulação do seu conteúdo, quando a infecção foi induzida (Tabela 6).
A análise da influência de outros fatores na ativação dos mastócitos, como a
concentração do nanomaterial no meio e a funcionalização devem ser melhores estudados,
tanto para os alótropos do carbono, quanto para nanopartículas de prata. Ainda que a
127
quantidade de histamina liberada no meio não seja suficiente para a indução de alterações
sistêmicas, deve ser lembrado que as substâncias sintetizadas por mastócitos alteram o tônus e
a permeabilidade vascular, favorecendo a migração de células inflamatórias para a pele, com
consequências diversas.
Tabela 6 - Interação de alótropos do carbono e nanopartículas de prata com mastócitos.
Permeação
celular
Citotoxicidade
Alterações
funcionais
• Aumento do
influxo
cutâneo
Ø
Alótropos do carbono
Endocitose?
(Célula avaliada:
macrófago
humano)
• CNT aumenta
degranulação
• Fulereno –
reduz
degranulação
Nanopartículas
de prata
Divergência quanto
Endocitose?
?
à degranulação
Fonte: Tabela do autor
6.1.8. A interação com eosinófilos
Apesar da participação de eosinófilos em processos alérgicos, poucos trabalhos
utilizando estas células e alótropos do carbono foram encontrados, enquanto nenhum artigo
foi observado sobre a interação com nanopartículas de prata.
Os estudos concentram-se no processo inflamatório desenvolvido após instilação
pulmonar de alótropos de carbono. Foi descrito que SWCNT e MWCNT, mas não o carbon
black, instilados nas vias respiratórias de cobaias são capazes de aumentar o infiltrado de
128
eosinófilos no pulmão e consequentemente, no lavado broncoalveolar
em que o nanotubo de carbono foi injetado no subcutâneo
371
372
. No único trabalho
, avaliou-se apenas a capacidade
deste potencializar a resposta imunológica a outro antígeno.
A interação de eosinófilos presentes na pele com nanomateriais deve ser melhor
avaliada, já que estas células são conhecidas também pela importância de seus grânulos na
destruição de agentes externos que não possam ser internalizados 45. Este fato pode ter grande
relevância em se tratando de nanomateriais, uma vez que nem todos são fagocitados ou
endocitados. Dessa forma, enzimas eosinofílicas podem ser liberadas de forma crônica na
pele, levando ao dano tecidual.
6.1.9. A interação com melanócitos
Os melanócitos não são mais considerados unicamente como células produtoras de
pigmento na pele, uma vez que cada vez mais o seu papel imunomodulador é descrito. Estas
células encontram-se envolvidas na resposta imune inata, através da síntese de ROS, com
ação bactericida
280
, além de expressarem TLR
278
. A imunidade adaptativa também é
contemplada, uma vez que estas células são capazes de fagocitar antígenos
280
e
possivelmente podem expressar na superfície moléculas MHC II, viabilizando a apresentação
destes às células T 282.
Apesar da relevância para a imunidade cutânea, não foram encontrados artigos que
descrevessem a interação de nanopartículas de prata com estas células. Os melanócitos podem
possivelmente exercer efeito bactericida sinérgico com nanopartículas de prata. Uma vez que
estas são aplicadas em curativos na pele, o seu potencial citotóxico sobre melanócitos deve ser
determinado.
Quanto aos alótropos do carbono, os trabalhos se limitam ao impacto na síntese de
pigmento, tendo sido descrita apenas a inibição da melanogênese induzida pela radiação UVA
em melanócitos humanos, por fulerenos
76
. Este mecanismo ocorre por inibição da atividade
enzimática da tirosinase. Considerando que durante a melanogênese são produzidos peróxidos
de hidrogênio e intermediários reativos da quinona, que por sua vez têm ação bactericida,
pode se estimar que este mecanismo da imunidade inata possa ser comprometido. Trabalhos
129
que avaliassem o potencial citotóxico destes nanomateriais sobre os melanócitos não foram
encontrados.
6.1.10. A interação com receptores Toll-like
Os TLR são expressos constitutivamente em queratinócitos, melanócitos e células de
Langerhans na epiderme, além dos fibroblastos da derme e de células do sistema imune que
podem permear a pele em condições basais e processos inflamatórios. Estes receptores
encontram-se envolvidos na fisiopatogenia de diversas dermatoses como acne, dermatite
atópica, psoríase, líquen plano, carcinoma basocelular, entre outras
202
(hari 2010). A ampla
distribuição e a correlação com doenças cutâneas motivam o estudo de uma possível interação
de nanomateriais com estes receptores.
O único trabalho que menciona alótropos do carbono, trata da utilização de nanotubos
de carbono como carreadores de um ligante (CpG) de TLR intracitoplasmático (TLR 9)
373
.
Na verdade, o nanomaterial foi utilizado para aumentar a permeabilidade do CpG permitindo
o tratamento de uma neoplasia, sem nenhuma menção a uma possível ligação ou estímulo
direto deste no TLR.
Em relação à nanopartícula de prata foi demonstrado que esta pode exercer um efeito
imunomodulador em TLR de macrófagos. A nanopartícula de prata funcionalizada
(Ag@tiopronin) é capaz de reduzir a ativação de TLR 2, 6, 3 e 9 por estímulos habituais
356
.
Este conhecimento pode futuramente ser aplicado no tratamento de algumas doenças cutâneas
onde a ativação dos TLR citados relaciona-se a exacerbação do quadro como acne vulgar,
dermatite atópica, infecção por Candida albicans e S. aureus, líquen plano entre outras.
Além de escassos, os trabalhos sobre a interação de nanomateriais com TLR ainda não
são capazes de descrever o real mecanismo de atuação dos nanomaterias. Uma possível
ativação direta do receptor não pode ser descartada. De qualquer forma, a descrição do efeito
imunomodulador já é relevante, uma vez que TLR como o 2, 3 e 6 são expressos nos
queratinócitos, de forma que nanopartículas de prata ao atravessarem a camada córnea,
poderiam reduzir a resposta destas células a bactérias e vírus, caso apresentem o mesmo
comportamento do TLR de macrófagos.
130
6.1.11. A interação com peptídeos antimicrobianos
A importância dos peptídeos antimicrobianos na resposta imunológica inata, aliada ao
conhecimento
do
potencial
bactericida
dos
nanomateriais
estudados,
estimula
o
questionamento sobre um possível efeito sinérgico ou de modulação entre estas estruturas.
Apesar disso, não foram observados artigos que tratassem da interação de alótropos do
carbono com os peptídeos antimicrobianos.
Já o único trabalho encontrado sobre as nanopartículas de prata, trata da indução da
síntese de peptídeos antimicrobianos por células epiteliais pulmonares. Observou-se um
aumento na síntese de lisozima, enquanto a produção de β-defensina não foi alterada nas
células expostas a nanopartículas na concentração de 5 µg.ml-1
300
. Caso este efeito ocorra
também nas células cutâneas, as nanopartículas não influenciariam a produção das defensinas,
o peptídeo antimicrobiano em maior quantidade na pele. Outros estudos devem ser
conduzidos para esclarecimento.
6.1.12. A interação com o sistema complemento
A ligação de alguns nanomateriais às frações do complemento já foi demonstrada,
embora o processo de ativação ainda tenha controvérsias. Alguns fatores relacionados aos
nanomateriais parecem estar envolvidos neste processo como o tamanho da nanopartícula, a
densidade, a configuração de superfície e principalmente, do polímero que a recobre, sendo
que aqueles com carga na superfície ativariam o complemento de forma mais eficaz do que os
neutros. A ativação do complemento pode ocorrer também a partir da interação de frações do
complemento com proteínas séricas que venham a se ligar à superfície do nanomaterial. Em
relação aos nanomateriais aqui estudados, só foram encontrados artigos referentes à interação
de nanotubos de carbono com o sistema complemento.
Os trabalhos sobre esta interação foram motivados principalmente pela necessidade de
avaliação da biocompatibilidade de nanotubos de carbono utilizados como carreadores de
drogas de administração intravenosa e radioisótopos. Observou-se que estes nanomateriais são
capazes de ativar a via clássica, a via alternativa e a via das lectinas, embora alguns resultados
sejam conflitantes. A ativação da via clássica pode ocorrer por interação direta com a fração
131
C1q. A ativação da via alternativa pareceu ocorrer por ligação direta do fator do complemento
ao nanomaterial, existindo diferenças entre os nanotubos de carbono, de forma que os
DWCNT são mais eficazes do que SWCNT. O trabalho de Ling et al. (2011)79 não foi capaz
de confirmar a ativação da via clássica por SWCNT, DWCNT e MWCNT. Ainda sobre os
MWCNT, foi descrito que os elementos do complemento aderiram de forma organizada e
progressiva em sua superfície, até o consumo total no meio, sem que houvesse ativação. Já os
mecanismos de ativação da via das lectinas não são conhecidos, sendo sugerido por alguns
autores que as lectinas ligadoras de manose e a ficolina se ligariam diretamente à superfície
dos nanotubos de carbono ou interagiriam com outros componentes do soro que venham
adsorver à superfície do nanomaterial.
A interação das proteínas do sistema complemento com nanopartículas pode aumentar
a depuração destas estruturas, diminuindo a biodisponibilidade de drogas nanoparticuladas ou
induzir reações pseudoalérgicas ou anafilactóides. A redução da biodisponibilidade se daria
pela opsonização do nanomaterial a partir de frações do complemento como C3b e iC3b
reconhecidas pelas células fagocíticas. Por outro lado, esta mesma propriedade pode ser
utilizada para aumentar o poder imunogênico de vacinas de administração intradérmica,
potencializando a captação do antígeno conjugado ao nanomaterial por células dendríticas.
Além disso, a cascata do complemento gera potentes anafilotoxinas como C4a, C3a e C5a.
Estas frações são capazes de desencadear diretamente a liberação de mediadores inflamatórios
por células imunes como os mastócitos, levando a quadros de angioedema, urticária e
hipotensão. A fração C5a é ainda quimiotáxica para neutrófilos, que ao se acumularem no
tecido podem levar a liberação de enzimas com importantes danos teciduais.
A ativação do complemento por nanotubos de carbono pode ser reduzida ou inibida
através de modificações na superfície do nanomaterial. Dentre as modificações de superfície,
a funcionalização por ligações covalentes parece ser o processo que menos ativa o
complemento. O revestimento de SWCNT com PEG mostrou que esta estrutura é capaz de
ativar a via das lectinas 375.
Apesar da produção de uma diversidade de elementos das vias do complemento por
células constituintes da epiderme e derme, e de estes fatores atingirem a pele através da
circulação sanguínea, não foram encontrados trabalhos que abordassem a ativação do sistema
no local. Os fatores do complemento presentes na pele podem alterar a biodisponibilidade de
drogas aplicadas pela via tópica cutânea e desencadear processos pseudoalérgicos.
132
6.2.
Os nanomateriais e a resposta imune adaptativa
6.2.1. A interação com linfócitos T
Os nanotubos de carbono avaliados nos trabalhos citados são capazes de permear os
linfócitos T, podendo ser encontrados no citoplasma celular. Os estudos sobre a citotoxicidade
mostraram resultados diferentes, devendo ser considerado que o trabalho que não evidenciou
efeito tóxico utilizou uma concentração de nanotubos de carbono dez vezes inferior do que o
outro com perda da viabilidade celular. A funcionalização pode afetar a citotoxicidade, uma
vez que a adição de radicais que aumentem a solubilidade do nanotubo de carbono
possivelemente
potencialize
a
sua
toxicidade.
A
perda
da
viabilidade
ocorre
predominantemente por indução de apoptose, sendo o processo dependente do tempo de
exposição e da quantidade de nanomateriais no meio 376.
Em relação à função linfocitária, os nanotubos de carbono parecem favorecer a
ativação de linfócitos T CD4+, em detrimento à célula T CD8+. Uma vez ativado o linfócito
T CD4+, os estudos não são uniformes quanto à polarização da resposta em Th1 ou Th2.
Pesquisas sobre imunização, utilizando-se OVA e MWCNT administrados de forma
seqüencial mostraram que os nanotubos de carbono são capazes de potencializar o
desenvolvimento de anticorpos contra o antígeno OVA 377. O estímulo a síntese de anticorpos
é associado aos linfócitos Th2, onde a produção de IL-4 e IL-5 irão ativar os linfócitos B.
Entretanto, o experimento que evidenciou a síntese de anticorpos IgG contra OVA, mostra
uma resposta linfocitária do tipo Th1, sugerindo o desenvolvimento de uma imunidade
celular377. Possivelmente alguns fatores como a funcionalização e outras características dos
nanomateriais podem estar envolvidos na determinação da resposta linfocitária. Mais uma vez
esta propriedade imunoestimulatória dos alótropos do carbono pode ser aplicada no
desenvolvimento de vacinas, potencializando a resposta imunológica contra antígenos fracos.
Os estudos que tratam da interação de nanopartículas de prata com células T
encontram-se menos avançados, limitando-se a avaliação do potencial citotóxico. Os
resultados encontrados foram divergentes, de forma que o experimento que utilizou
concentrações de nanopartículas de prata de até 30 µg.ml-1 358 não descreveu citotoxicidade,
enquanto em outro trabalho a concentração de 1 µg.ml-1 379 já levava a perda da viabilidade de
133
todas as células. Ressalta-se que o primeiro estudo utilizou nanopartículas de prata maiores e
que estas estavam funcionalizadas com PVP, o que pode ter relevância para o efeito
citotóxico. Esta ação tóxica parece ser mediada pela produção de ROS, levando a transcrição
de fatores como NF-Κb (Tabela 7).
Destaca-se também, que a citotoxicidade observada em células T Jukart, comumente
utilizadas para estudos de viabilidade de células T, não foi reproduzida em células humanas, o
que pode levar ao questionamento sobre a utilidade desta linhagem. Assim, reforça-se a
importância dos estudos com modelos de pele humana e utilização de linfócitos T CLA+, para
determinação do real impacto na resposta imunológica local. Os mecanismos de ativação das
células T devem ainda ser mais bem explorados, visando principalmente a determinação do
potencial imunogênico de nanomateriais.
6.2.2- A interação com linfócitos B
Os trabalhos encontrados sugerem que nanotubos de carbono e fulerenos são capazes
de permear linfócitos B. Os SWCNT funcionalizados com PEG não mostraram atividade
citotóxica sobre células B e não foram capazes de ativá-las
353
. Por outro lado, os
experimentos com fulerenos mostraram uma ação citotóxica e imunossupressora em linfócitos
B
380; 381
, embora mais uma vez, ressalvas devam ser feitas quanto a variações de
concentrações do nanomaterial no meio, e quanto à presença de funcionalização. Estudos que
mencionassem interações de nanopartículas de prata com linfócitos B não foram encontrados.
Além do potencial citotóxico, um ponto de interesse no estudo de células B é a
capacidade de estas reconhecerem nanomaterias como antígenos, desencadeando a produção
de anticorpos. Uma boa parte dos trabalhos neste campo relaciona-se ao desenvolvimento de
vacinas utilizando nanomateriais. Os nanotubos de carbono podem ser ligados a peptídeos
antigênicos no intuito de aumentar a resposta imunogênica a estes.
134
Tabela 7 - Interação de alótropos do carbono e nanopartículas de prata com linfócitos T.
Permeação
celular
Alterações
Citotoxicidade
funcionais
• Aumento do
TCD4+ nos
implantes
cutâneos
• Resultados
• Ativação
divergentes;
direta: Ø
• Ativação de
• Solubilidade
macrófagos
pode
Alótropos do carbono
Endocitose?
Th1
influenciar
(IFN-γ)
(Células avaliadas:
• Aumenta
Balb-c, Jukart)
resposta a
antígenos
fracos
• Pode induzir
resposta Th1
e Th2
• Células
humanas -Ø
Nanopartículas de
?
prata
Ø
• Células Jukart –
redução
Fonte: Tabela do autor
O
vacinas,
complexo
nanotubo
aumenta
a
de
carbono-peptídeo,
imunogenicidade
ao
utilizado
peptídeo,
na
sem
confecção
de
indução
de
anticorpos contra o nanomaterial, segundo alguns autores. No entanto, Chen et al. (1998)382
demonstraram o desenvolvimento de anticorpos do tipo IgG contra fulerenos C60, com reação
cruzada com o C70. Este achado pode ter impacto tanto no desenvolvimento de vacinas quanto
135
nos riscos relacionados à utilização de alótropos do carbono em fármacos. A indução de IgG
direcionada contra nanomateriais pode relacionar-se a uma diminuição da viabilidade de
drogas administradas, bem como associar-se a processos inflamatórios por depósito de
imunoglobulinas. Os determinantes desta resposta imunológica desencadeada precisam ser
mais bem elucidados (Tabela 8). Os demais anticorpos presentes no organismo, não
específicos para alótropos do carbono, parecem ter uma interação fraca com estes
nanomateriais, não parecendo ser importantes para o processo de opsonização.
Tabela 8 - Interação de alótropos do carbono e nanopartículas de prata com linfócitos B e
anticorpos.
Permeação
Citotoxicidade
Alterações funcionais
celular
• SWCNT - Ø
(Célula avaliada Balb-c)
Alótropos do
carbono
Endocitose?
• Indução de
imunoglobulina
contra antígenos
• Fulerenos –
dependente
da
concentração
(Célula avaliada –
fracos
• Desenvolvimento de
IgG anti-C60
apresentando reação
cruzada com C70
Raji)
Nanopartículas
de prata
?
?
?
Fonte: Tabela do autor
A análise da resposta imunológica é relevante para determinação do potencial irritante
e alergênico de nanomateriais. A despeito de tantos pontos ainda não esclarecidos sobre a
interação de nanopartículas de prata e alótropos do carbono com elementos da resposta
imunológica cutânea, testes convencionais para avaliação da sensibilidade e irritação da pele,
como o teste de contato epicutâneo, têm sido propostos para a avaliação da
biocompatibilidade de nanomateriais.
136
Embora alguns resultados indiquem que os nanomateriais estudados não teriam
potencial alergêncio ou irritante, considerações devem ser feitas, uma vez que concentrações
para a realização destes exames com nanomateriais não estão padronizadas. Além disso, os
achados aqui citados sugerem que nanomteriais podem não se comportar como haptenos e
antígenos comumente envolvidos em respostas alérgicas cutâneas. Isto pode alterar, por
exemplo, os tempos de sensibilização e elicitação de respsotas imunes na pele, inviabilizando
os protocolos propostos.
7. CONCLUSÃO
O progresso da nanotecnologia depende do desenvolvimento de nanomateriais
biocompatíveis e isso envolve o entendimento da interação destas estruturas com o sistema
imunológico. A ampla aplicabilidade dos alótropos de carbono e das nanopartículas de prata
implica em riscos de exposição ocupacional, ambiental e ao contato com bens de consumo.
A pele é um órgão com organização imunológica complexa, que potencialmente pode
estar exposta aos nanomateriais descritos. Os trabalhos que abordem a interação específica da
imunidade cutânea com alótropos do carbono e nanopartículas de prata ainda são escassos. A
transposição de observações feitas a partir de experimentos laboratoriais e outras células
imunológicas, que não as presentes na pele, para a unidade imunológica cutânea pode levar ao
estabelecimento de conceitos errôneos. Nota-se ainda a falta de uniformidade quanto a
especificação de características físico-químicas de nanomateriais empregados nos trabalhos, o
que muitas vezes dificulta a interpretação de resultados divergentes.
Os resultados encontrados sugerem que possivelmente a exposição cutânea aos
nanomateriais citados pode estar envolvida em processos de dermatite irritativa, angioedema,
urticária e reação anafilactóide na dependência da natureza, quantidade e tempo de exposição.
Por outro lado, estes mesmos nanomateriais são promissores no desenvolvimento de vacinas
de administração intradérmica e imunoterapia contra o câncer, amplificando o potencial
imunogênico de alérgenos considerados fracos. Estudos em modelos que se assemelhem mais
a resposta imunológica observada na pele e até mesmo em humanos devem ainda ser
realizados para confirmação destes indícios. Possivelmente novos métodos e parâmetros para
avaliação do potencial sensibilizante e irritativo na pele de nanomateriais tenham que ser
137
desenvolvidos. No entanto, os efeitos imunológicos desfavoráveis encontrados em relação a
estes nanomateriais não devem desestimular o seu emprego, mas contribuir para o
desenvolvimento de parâmetros toxicológicos que permitam o seu uso de forma segura para o
homem e o ambiente.
GLOSSÁRIO
138
Anexina V – Trata-se de uma proteína que se liga aos resíduos de fosfatidil-serina da
membrana, que são externalizados e acessíveis apenas na morte celular. Quando ligada a
substância fluorescente pode ser utilizada para identificação da perda da viabilidade de células
através da citometria de fluxo.
Células HaCat (cell culture of immortalized human epidermal keratinocytes) – linhagem de
células transformadas, originárias de queratinócitos humanos imortalizados.
Células HeLa – linhagem de células imortalizadas, oriundas de carcinoma cervical uterino
humano.
Células Jukart – linhagem de células modificadas oriundas de células T leucêmicas
humanas.
Nanociência – Estudo, descoberta e entendimento da matéria em nanoescala, onde as
propriedades e os fenômenos dependentes do tamanho e estrutura diferem daqueles
associados aos átomos individuais, moléculas ou matéria de maior porte.
Nanoescala – Escala que compreende a faixa de 1 a 100 nanômetros. O limite inferior é
estipulado para evitar que átomos isolados ou em pequenos grupos sejam designados como
nano-objetos ou elementos nanoestruturados.
Nanomaterial – Matéria com uma de suas dimensões externas em nanoescala ou estruturas
internas e da superfície em nanoescala. Este termo genérico inclui os nano-objetos e os
materiais nanoestruturados.
Nanomaterial incidental – Nanomaterial gerado como um produto não intencional de um
processo. Este processo inclui manufatura, biotecnologia e outros processos.
Nano-objeto – Material com uma, duas ou três dimensões externas em nanoescala.
Nanopartícula – Nano-objeto em que todas as três dimensões externas estão em nanoescala.
Caso a relação entre o maior e o menor eixo do nano-objeto difira significativamente
(geralmente mais do que três vezes) , os termos nanofibra e nanoplaca devem ser
preferencialmente utilizados.
Nanotecnologia – Aplicação do conhecimento científico para manipular e controlar a matéria
em escala nanométrica , objetivando-se o uso dos fenômenos e propriedades dependentes do
tamanho e estrutura, que diferem dos observados nos átomos e moléculas habituais e na
matéria de maior porte.
Partícula ultrafina – Partícula com um diâmetro equivalente a menos de 100 nm. Muitas
nanopartículas, definidas por suas dimensões geométricas, são partículas ultrafinas.
Ponto quântico – Nanopartícula cristalina que exibe propriedades dependentes do seu
tamanho, devido ao efeito do confinamento quântico nos estados eletrônicos.
Propidium iodide (PI) – corante de DNA, que se intercala entre o ácido nucléico apenas na
morte celular. Utilizado para análise da viabilidade de células
RNA interference (RNAi) – técnica atualmente aplicada na terapia gênica. Consiste na
utilização de fragamentos de RNA, chamados de siRNA, produzidos a partir da clivagem de
fitas duplas de RNA por uma endonuclease. O siRNA é capaz de ligar-se a sequências
específicas do material genético, inibindo a expressão gênica, através da degradação do RNA.
139
Tape-stripping – técnica utilizada na avaliação da penetração de substâncias na camada
córnea cutânea. Consiste em múltiplas aplicações repetidas de fita-adesiva em um mesmo
sítio, objetivando a retirada progressiva do estrato córneo.
Teste de exclusão do Trypan blue – método utilizado para análise da viabilidade celular. As
células necróticas assumem coloração azul, ao tempo que as células sem alterações não se
coram.
Teste do CCK-8 – método utilizado para análise da viabilidade celular. Mostra na totalidade
células necróticas e apoptóticas.
Teste do MTT – Este teste é utilizado para análise da viabilidade celular. O MTT é um sal
utilizado na cadeia respiratória das mitocôndrias, de forma que as células precisam estar
íntegras pra que seu consumo ocorra. De uma foma geral, se a célula está viável, há redução
do MTT no meio.
Zimosan – Consiste em uma preparação de células de levedura (Saccharomyces cerevisiae)
capaz de ativar o sistema complemento, sendo opsonizada pelos fragmentos C3b e C3bi.
Assim pode ser reconhecida por receptores de superfície de células como macrófagos e
neutrófilos, tendo aplicabilidade em experimentos que visam à ativação destas células.
140
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