Uma questão de imobilidade onde vivem os brasileiros que nunca

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Uma questão de imobilidade: onde vivem os brasileiros que nunca migraram*
Marden Campos†
Palavras chave: Migração; Brasil; Censo Demográfico.
Introdução
Pode-se afirmar que os estudos migratórios no Brasil apresentam hoje uma rica história e uma
tradição. Há décadas pesquisadores vêm debruçando-se sobre os padrões de mobilidade espacial
da população, acompanhando os deslocamentos dos migrantes, mapeando as correntes
migratórias principais, as correntes tributárias, os contra-fluxos, desvendando os “papeis”
exercidos por diferentes localidades nas redes de migração, descobrindo quais são as novas
fronteiras e quais os fluxos estabeleceram-se estruturalmente. Além disso, temos empenhadonos bastante na tentativa de desvendar quem são os nossos migrantes e quais as suas
características, temos “ido a até eles” para ouvir sua fala, conhecer suas experiências e tentar
“dar cor” aos dados estatísticos produzidas por pesquisas populacionais realizadas há mais de
um século no País.
Ao estudarmos os migrantes, entretanto, eventualmente esquecemo-nos de que eles representam
a menor parte da população. A maioria dos indivíduos nunca residiu em um município diferente
daquele em que nasceu. Contudo, por estarmos intensamente envolvidos com nosso objeto - a
migração - por vezes atribuímos-lhe uma magnitude maior do que deveria ter. Conforme ironiza
Mills, descrevendo os exageros da imaginação sociológica: “todo sapateiro acha que o couro é
tudo” (MILLS, 1959).
Embora o ato de migrar seja comum, seja um atributo da população e, por isso, uma das três
componentes da dinâmica demográfica, não podemos afirmar que migrar será um evento
experimentado por todos os indivíduos ao longo de sua vida. A não ser em situações
excepcionais, a força que “ata” os indivíduos aos seus locais de residência, aliada aos obstáculos
*
Trabalho apresentado no XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em São Pedro/SP –
Brasil, de 24 a 28 de novembro de 2014
†
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE
O IBGE está isento de qualquer responsabilidade pelas opiniões, informações, dados e conceitos emitidos neste
artigo, que são de exclusiva responsabilidade do autor
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intervenientes ao deslocamento espacial, tem sido maior do que aquela que os leva a migrar. Há
uma espécie de inércia que, para a maior parte dos indivíduos, descompensa o impulso para
migrar.
Este artigo busca dar o primeiro passo na análise dos nunca-migrantes no Brasil A estratégia
analítica adotada foi tentar mensurar a magnitude da “não-migração” no Brasil, aqui entendida
como o percentual de indivíduos que nunca residiram em um município diferente daquele em
que nasceram, com base nas informações do Censo Demográfico de 2010.
A justificativa para a realização deste estudo é o fato de que, além de sua importância
propriamente dita, o exercício de análise das pessoas que não migram auxilia no entendimento
da própria migração, dando a ela uma condição de totalidade e de “fato social completo”
(ALMEIDA, 2010; MOURA, 1980; MAUSS, 1974). Explorar os aspectos que fixam os
indivíduos aos lugares em que vivem e que inibem a ocorrência da migração aproxima-nos de
um entendimento melhor dos poderosos estímulos que fazem com que, algumas vezes, esses
“nós” sejam cortados e as pessoas busquem outros lugares para viver.
Referencial Teórico
Os motivos para a imobilidade, aqui entendida como residência permanente durante toda a vida
no município de nascimento, podem ser entendido lendo-se, “às avessas”, as explicações para a
ocorrência da migração. Nesse sentido, busca-se ler a teoria na forma de uma “contra-teoria”
para recolocar o fenômeno e compreendê-lo em sua totalidade. Ou seja, ao procurar entender
não só porque os indivíduos migram mas, também, por que outros indivíduos submetidos à
mesma condição não migram, caminhamos na direção de ver a migração como uma estratégia
de sobrevivência dentro de determinado contexto social.
As teorias sobre migração foram desenvolvidas por geógrafos, economistas, sociólogos e
antropólogos e, embora apresentem divergência de paradigmas e conceitos, dão conta de
explicar grande parte da ocorrência dos movimentos migratórios. Grosso modo, essas teorias
dividem-se entre aquelas que privilegiam os macroprocessos sociais e agregados populacionais e
outras que esforçam-se para compreender o comportamento dos indivíduos e famílias, de caráter
microanalítico. As diferentes teorias costumam carregar os vieses disciplinares dos que as
elaboram, o que dá uma dimensão da complexidade a abrangência do fenômeno migratório. Não
há, nas palavras de Teitelbaum (2008), uma teoria que explique a amplitude do fenômeno
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migratório com coerência e, por isso, os demógrafos precisariam buscar “insights” de diferentes
teorias.
Por ser uma primeira aproximação do fenômeno, neste trabalho não se pretende dar conta da
diversidade e abrangência teórica das explicações para a ocorrência de migração. Contudo, um
aspecto chave que transparece nas teorias estudadas é o fato de que as migrações são seletivas à
atributos individuais. Mesmo estando submetidos a forças estruturais consideráveis, não são
todos os indivíduos que incorrem em um deslocamento espacial. Nesse sentido, podemos pensar
que, assim como há atributos que fazem com que alguns indivíduos migrem de fato, outros
atributos prendem-os aos seus locais de residência, algumas vezes, durante toda a vida.
Da mesma forma como o principal motivo declarado para a ocorrência de migração,
principalmente entre os adultos jovens, é a busca por trabalho e por um salário satisfatório, esse
seria também um importante motivo para que os indivíduos não deixem os locais onde vivem.
Essa seria um leitura abrangente das influentes teorias microeconômicas da migração, com
destaque para a Teoria do Capital Humano, onde podem-se encontrar referências de que mesmo
os adultos jovens, ao realizarem uma análise de custo benefício da migração, podem sentir-se
desestimulados para migrar de acordo com suas características pessoais e familiares. Por outro
lado, nas abordagens teóricas em que o destaque é dado para as relações familiares, os vínculos
com a comunidade e, principalmente, com as redes sociais, fica fácil entender que esses mesmos
vínculos e relações são um forte estímulo para que as pessoas vivam por toda a vida nos locais
em que nasceram.
Na tentativa de lançar luz sobre a razão de grande parte dos indivíduos viver por toda a vida no
município em que nasceu, é interessante utilizar alguns dos tópicos relacionados por Everett Lee
que, em 1966, publicou um dos mais influentes trabalhos sobre migração. Intitulado “A theory of
migration”, Lee (1966) desenvolveu um arcabouço conceitual dentro do qual uma variedade de
movimentos espaciais pudessem ser inseridos. De acordo com o autor, a partir de um pequeno
número de proposições evidentes, buscava-se chegar a conclusões com respeito ao volume da
migração, ao estabelecimento de fluxos e contrafluxos populacionais e as características dos
migrantes, propondo uma definição precisa do conceito migração.
Ao ler o artigo de Lee, o que se percebe é que, conforme explicito no título, o autor tentava
seguir os passos de Raveinstein (1889) de estabelecer uma teoria geral das migrações. Embora o
trabalho de Lee seja um marco nos estudos de migração e, ainda hoje, seja frequente e
repetidamente citado e lido por grande parte dos estudiosos do tema, seu mérito advém mais de
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ter “organizado” em um arcabouço conceitual as ideias discutidas até então sobre migração e
não do estabelecimento de uma teoria que fosse capaz de explicar e prever seu comportamento
futuro. O próprio autor afirma que seu arcabouço é simples e óbvio, e deve servir apenas como
um esquema desenvolvido para a elaboração de hipóteses sobre a migração. Embora ele tenha
feito essa ressalva, muitos dos que utilizaram seu trabalho acabaram atribuindo-lhe um cunho
teórico exagerado, dando-lhe inclusive a alcunha de “teoria do push-pull”.
Lee (1966) destaca o papel do que ele chama de “fatores” envolvidos no ato de migrar em
termos de características das regiões de origem, das regiões de destino, dos obstáculos
intervenientes e dos migrantes propriamente ditos. Desse modo, ele estabelece uma espécie de
suporte, no sentido estrito, para os preceitos teóricos que posteriormente seriam desenvolvidos
para explicar a migração. Vê-se que algumas teorias sobre migração enfatizam os aspectos
localizados nas regiões de origem, como as abordagens histórico estruturais e teorias dos
sistemas mundiais. Outras, como as teorias do mercado dual, focam nos locais de destino.
Outras abordagens, como as econômicas de cunho neoclássico e também a nova economia da
migração, estabelecem comparações entre as regiões de origem e destino. Por outro lado, as
abordagens das redes sociais e as teorias institucionais focam em aspectos intermediários da
migração. Embora o trabalho de Lee não esteja implicitamente incluído no desenvolvimento
dessas abordagens, ele certamente facilitou a elaboração dessas teorias e continua auxiliando na
reflexão sobre a migração do ponto de vista de cada uma dessas abordagens.
Os aspectos destacados por Lee que interessam para a presente discussão, contudo, não são os
contidos no “modelo de push-pull” propriamente dito, mas outras questões destacadas pelo autor
como informação imperfeita, inercia e identidade locacional.
Ao comparar o balanço entre fatores presentes nas regiões de origem e destino, Lee faz um
interessante apontamento afirmando que, enquanto as pessoas conseguem fazer uma avaliação
imediata e duradoura das regiões de origem da migração, por serem as regiões em que vivem e
conhecem, muitas vezes elas possuem pouca ou nenhuma informação sobre as regiões de
destino. Segundo o autor, há sempre um elemento de ignorância ou mesmo mistério sobre a área
de destino (LEE, 1966). Desse modo, a sensibilidade pessoal, inteligência e consciência sobre os
outros lugares interferem na avalição da situação do lugar de origem. O conhecimento da região
de destino depende, segundo o autor, dos contatos pessoais ou fontes de informação que não
estão universalmente disponíveis para todos os potenciais migrantes.
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Essa ideia indica a importância das redes sociais como facilitadoras da migração e difusores de
informação entre migrantes e não migrantes.
Os contatos dos migrantes desempenham um papel fundamental da propensão migratória, tanto
no nível individual quanto domiciliar. As redes sociais são uma forma de capital “intangível”
(capital social) que os indivíduos/domicílios possuem e que reduzem os riscos da migração
(TAYLOR, 1986). Assim, a migração de um indivíduo favorece a migração posterior de outros
ao propiciar informações sobre as condições no novo local de moradia, comportamento do
mercado de trabalho e auxiliar na quebra de possível barreiras à migração. Em termos gerais, a
rede social reflete a gama de relações pessoais que a pessoa mantém (LITWIN, 1995).
Tratando especificamente das redes sociais e da migração, pode-se defini-las como conjuntos de
laços interpessoais que ligam potenciais migrantes com migrantes de fato e com não-migrantes,
tanto nas áreas de origem como de destino, via relações de parentesco, amizade e naturalidade
(MASSEY, 1993). Desse modo, a ocorrência e manutenção da migração está fortemente
relacionada à existência e eficiência das redes sociais a que o indivíduo pertence.
A rede migratória seria um tipo específico de rede social da qual fazem parte certas
representações sociais que constituem o cerne da cultura migratória. Entende-se aqui como
cultura migratória o costume ou hábito de emigrar, mantido durante gerações nas regiões de
origem dos emigrantes. Para Brito (2002), o conceito de cultura migratória parte do ponto de
que existe uma “tradição migratória” em algumas regiões. Essa traz embutida uma “ideologia da
mobilidade social” que procura criar uma correspondência entre a mobilidade espacial e a
mobilidade social. A migração surge como prática social institucionalizada, orientada por
valores, expectativas e modelos de conduta. É praticamente uma etapa “obrigatória” do ciclo de
vida dos indivíduos pertencentes à rede social de migrantes.
Ao disseminar-se através da rede de contatos dos indivíduos, a rede migratória tem alcance
espacial restrito e delimitado por processos de disseminação de informação dentro da rede,
conforme os mecanismos de difusão de inovação descritos por Rogers (2003). Segundo este
autor, o comportamento inovador (neste caso a migração), é comunicado através de canais
dentro das redes, seguindo um padrão de informação que configura e dá forma à rede. Isto faz
com que as regiões de origem e destino dos migrantes sejam espacialmente concentras no
território, formando aglomerados espaciais tanto na origem como no destino. Esse processo
explica a concentração espacial específica das redes de migração.
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Segundo Matos (2005), além de conectar pessoas, as redes conectam lugares. A seletividade
espacial dos movimentos migratórios (dos lugares), é resultante da seletividade à características
individuais (dos migrantes). As redes de localidades são fruto das redes migratórias, construídas
pelas redes sociais, sendo que os fluxos migratórios entre as localidades são um dos requisitos
para a formação das redes geográficas (MATOS, 2005; MATOS e BRAGA, 2005). A
convergência dos migrantes para certos locais de destino explica-se pelo fato de que, constrito
pela rede pessoal, os potenciais migrantes não ficam considerando possíveis áreas teoricamente
disponíveis para migrar, mas dirigem-se para as localidades com as quais possuem algum tipo
de “ligação” (TILLY, 1990).
Outro ponto importante destacado por Lee é o fato de que, segundo ele, há uma “inércia natural”
que ata os indivíduos aos seus locais de residência e que, para migrar “the balance in favor of
the move must be enough to overcome the natural inertia which Always exists” (Lee, 1966, p.
51).
Esse fato destaca a importância de se analisar os mecanismos através dos quais o indivíduo “atase” de alguma forma ao lugar onde ele vive. Nesse sentido, a relação do habitante com o lugar
daria-se pela identidade locacional do indivíduo, baseada nas relações que os indivíduos mantem
com os espaços habitados, que se exprimem continuamente, na forma de uma apropriação do
espaço vivido. Esse processo cria uma noção de “pertencimento” a determina localidade, que
acaba por formatar a própria identidade do lugar
Segundo Relph, o lugar seria um centro de significações insubstituível para a fundação de nossa
identidade como indivíduos e como membros de uma comunidade (RELPH, 1976, apud.
FERREIRA, 2000). O lugar seria visto então como o espaço percebido, ou seja, como
determinada área ou ponto do espaço que são entendidos e apropriados pela razão humana. Já
para Ana Carlos, o lugar é o mundo do vivido, é onde se formulam os problemas da produção no
sentido amplo, isto é, o modo onde em que é produzida a existência social dos seres humanos
(CARLOS, 2007). Esse conceito liga-se à ideia de “espaço afetivo”, referente ao local em que
uma determinada pessoa possui familiaridade, como uma rua, uma praça ou a própria casa.
Esse tipo de visão, voltada para um nível “micro” ou individual, provêm de uma abordagem
“humanista” da geografia. Ela pode ser contrastada e complementada, conforme Ferreira (2000),
pela noção de lugar advinda da chamada “Geografia Radical”. Segundo essa abordagem, o lugar
surge como uma “função” do processo de espacialização da sociedade, no nível macro. Como
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uma expressão de um espaço global que desempenha um papel específico numa rede de lugares
e que se mantém em constante relação com as redes globais de localidades.
Não se quer, no presente trabalho, refutar uma perspectiva em detrimento da outra e nem negar a
noção de totalidade que ela abarca e traz para a discussão espacial. Quer-se apenas destacar que,
pelo foco da presente análise, a abordagem humanista ou fenomenológica seria uma ferramenta
mais próxima para compreender o processo que prende ou não o indivíduo ao lugar, em quanto a
o ponto de vista da abordagem radical ou marxista auxiliar-nos-ia no entendimento das redes de
localidades.
Vale destacar ainda o papel que as teorias das redes sociais e das redes de lugares podem ter
para conciliar essas abordagens. Ferreira
(2000) afirma que o processo de difusão de
informação que ocorre dentro dessas redes amplia a identificação do indivíduo com outros
lugares, no campo imaginativo. Dessa forma amplia a escala do conceito de lugar, ultrapassando
a perspectiva do lugar materialmente experenciado e alargando seu significado “simbólico”,
quando se passam a considerar outros espaços de interesse para o indivíduo.
Cabe ressaltar que a criação de identidade locacional não implica necessariamente uma relação
sempre positiva e que, dessa forma, não haja um desejo individual de sair do lugar onde vive.
Apenas quer-se mostrar que a relação dos indivíduos com os lugres dificulta a quebra do vínculo
e, consequentemente, a migração.
Também não se quer considerar que os municípios, unidade de análise deste trabalho, são
sinônimos perfeitos de “lugar”. As ideias apresentadas trazem um nível de abstração que não
pode ser diretamente remetido à territórios delimitados por fronteiras administravas e nem por
limites políticos. Contudo, dada a natureza da informação utilizada nesta análise, foi preciso
adotar como recorte espacial de município como uma noção próxima do conceito de lugar.
Materiais e métodos
A estratégia analítica adotada partiu da mensuração da magnitude da “não-migração” no Brasil,
aqui entendida como o percentual de indivíduos que nunca residiram em um município diferente
daquele em que nasceram. Isto foi feito com base nas informações do Censo Demográfico de
2010. Em seguida, fez-se uma comparação do percentual de indivíduos que nunca residiu em
um município diferente daquele em que nasceram, aqui denominados de “nunca-migrantes”,
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com as migrações recentes observadas em cada município, com base na informação do local de
residência cinco anos antes da data de referência do Censo, através do quesito de data fixa.
Finalmente, foi feito um mapeamento das regiões com maiores e menores percentuais de nuncamigrantes no Brasil, baseando-se também no comportamento das migrações recentes.
Os censos são a base de dados sobre migração mais completa existente no Brasil. Há
informações sobre a unidade da federação ou país estrangeiro de nascimento, tempo de moradia
na unidade da federação e no município, município e unidade da federação de residência
anterior (última etapa migratória), além da unidade da federação e do município de residência há
cinco anos exatos antes da data de referência (informação de data-fixa).
Foi feita uma divisão dos municípios do País em três grandes grupos, com base em análises
estatísticas que combinassem o percentual de nunca-migrantes de cada município com a taxa
liquida de migração – TLM do município no quinquênio anterior ao Censo. As TLMs foram
calculadas dividindo-se o saldo migratório do municípios (imigrantes menos emigrantes) pela
população do município no final do período, na data de referência do Censo.
Verificou-se que quanto maior a participação de imigrantes de data fixa na população total,
menor era o percentual de nunca-migrantes. A correlação entre as duas variáveis foi de -0,81 e o
poder explicativo de um modelo de regressão linear simples, em que a taxa de imigração estaria
explicando o percentual de não migrantes dos município, foi de 65%, com 95% de significância
(resultados não apresentados). A correlação foi significativamente inferior nas análises
realizadas entre os percentuais de não migrantes dos municípios e as taxas de emigração e taxas
líquidas de migração, assim como os modelos de regressão linear simples ou múltiplos com
essas variáveis não tiveram significância estatística.
A relação entre o total de imigrantes e o percentual de nunca-migrantes é obvia e direta, na
medida em que, quanto mais o município recebe população, tanto de não-naturais quando de
naturais retornando, maior é a proporção de migrantes vis-à-vis a de nunca-migrantes. Por outro
lado, se, teoricamente, o município apenas perder população, não haveria impacto no percentual
de nunca-migrantes que restaria no município. Isso só ocorreria se houvesse um saída de
população natural muito elevada, enquanto a população que ficasse possuísse uma elevada
proporção de imigrantes. Considerou-se, na presente análise, essa situação como pouco
plausível.
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Cabe destacar novamente que, neste tipo de análise, os imigrantes de retorno devem ser tratados
como os imigrantes em geral, dado que o fato de terem nascido no município para o qual
retornaram não qualifica-os como nunca-migrantes, uma vez que já residiram em outro local.
Com base nisso, fez-se então uma divisão dos municípios brasileiros em três categorias, que
compuseram as regiões utilizadas para análise: a) áreas dinâmicas com perda de população; b)
áreas dinâmicas com ganho de população; c) áreas com pouca dinâmica migratória.
É importante ressaltar como as áreas foram consideradas como dinâmicas e as implicações
conceituais dessa estratégia. A divisão regional adotada baseou-se na análise das TLM. Os
municípios foram considerados como áreas dinâmicas de migração quando os valores das TLMs
foram maiores que 5%, quando o saldo migratório era positivos, ou menores que -5%, quando o
saldo era negativo. Nesses casos, a migração recente causou um “impacto” de mais de 5% na
população do município, contribuindo para que esse população fosse 5% maior ou menor do que
a observada, dependendo do sinal da taxa.
Esse recorte é adequado para o propósito deste artigo, que busca avaliar a divisão entre
migrantes e não-migrantes em cada município. Contudo, isso não quer dizer que as áreas
classificadas como “pouco dinâmicas” não possuíam movimentos populacionais significativos e
nem que estivessem alijadas do processo migratório brasileiro. Apenas indica os casos em que a
migração recente interfere significativamente na composição da migração, pelo critério adotado.
Resultados
O percentual de indivíduos que nunca migraram no Brasil, os nunca-migrantes, foi de 58,7% em
2010. Esse percentual experimentou pequenas oscilação nas últimas décadas, tendo sido de
58,4% em 1980, 61,4% em 1991 e 59,4% em 2000.
Análise dos municípios mostram que a mediana do percentual de nunca-migrantes por
municípios foi de 62%. Analisando os extremos da distribuição dos 5565 municípios do País vêse que, no extremo inferior, relativo aos municípios com menos de 20% de nunca-migrantes (ou
mais de 80% de indivíduos que haviam nascido ou residido em outro município) encontravamse 65 municípios. Por outro lado, no extremo superior, com maiores percentuais de nuncamigrantes, encontravam-se 531 municípios, que possuíam mais de 80% da população que nunca
havia migrado até a data de referência do Censo (GRAF. 1).
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GRÁFICO 1 – Distribuição do número de municípios segundo o percentual de nunca-migrantes –
Brasil - 2010
Fonte: IBGE, 2010
A distribuição espacial dos municípios segundo o percentual de nunca-migrantes mostra grande
discrepância entre as regiões do País. O percentual de nunca-migrantes foi sempre maior na
Região Nordeste, desde 1980, e sempre menor no Centro-Oeste. Em 2010, 66,5% da população
do Nordeste nunca havia migrado, sendo que, no Centro-Oeste, esse percentual foi de apenas
45,2% dos indivíduos.
Conforme descrito na seção anterior, observou-se que as migrações recentes explicavam em
grande parte o percentual de nunca-migrantes que residiam em cada município. Desse modo, os
municípios foram divididos nas categorias citadas, que combinavam o comportamento das
migrações recentes e o histórico de (não) migração de cada município.
Observou-se que 650 municípios, ou 11,7% do total estavam localizados nas Áreas dinâmicas
com perda de população. Esses municípios possuíam, em média, 65,8% da população como
nunca-migrantes, o percentual mais elevado entre as categorias estipuladas.
O MAPA 1 apresenta a localização dos municípios desta categoria. Vê-se, através do mapa, que
eles localizavam-se principalmente no interior da Região Nordeste, assim como do norte de
Minas Gerais, na porção ocidental da Região Sul e algumas porções dos estados do Norte e do
Centro-Oeste. Essas seriam as regiões que apresentaram perda significativa de população nos
cinco anos anteriores ao Censo e que apresentam um elevado percentual de indivíduos que
nunca migraram entre seus habitantes. Isso indica que elas, historicamente, não tem recebido um
fluxo significativo de imigrantes, sejam eles nascidos em outros municípios ou naturais
retornando.
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MAPA 1 – Áreas dinâmicas com perda de população: municípios com elevado percentual de nuncamigrantes e com taxas líquidas de migração inferiores a -5% da população – Brasil - 2010
Fonte: IBGE, 2010
Elaboração própria
O total de municípios localizados em Áreas dinâmicas com ganho de população foi de 706,
representando 12,7% dos municípios do País. Esses possuíam um percentual médio de nuncamigrantes de 41,7% entre os seus moradores, indicando uma correlação entre a migração recente
e a composição da população em termos de migrantes. Isso significa que 58,3% ou nasceu em
um município diferente do que reside ou é natural do município mas, em algum momento na
vida, residiu em outro município.
No MAPA 2 estão apresentadas as regiões com ganho significativo de população e elevado
percentual de imigrantes na população. Ao contrário do padrão observado no MAPA 1, não há
praticamente nenhum município dos interior dos estados do Nordeste nessa categoria, mas
apenas algumas áreas em torno das capitais. O padrão observado na Região Sul também é
diametralmente oposto, estando os municípios concentrados em sua porção oriental. Parte dos
municípios também encontra-se localizada em áreas dinâmicas da Região Centro-Oeste e da
Região Norte.
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MAPA 2 – Áreas dinâmicas com ganho de população: municípios com baixo percentual de nuncamigrantes e com taxas líquidas de migração superiores a +5% da população – Brasil - 2010
Fonte: IBGE, 2010
Elaboração própria
Os 4209 municípios restantes, que representavam 75,6% do total de municípios do País,
estavam localizados nas regiões classificadas como Áreas com pouca dinâmica migratória.
Nessas regiões, o percentual de nunca-migrantes também era elevado, representando, em média,
63% da população dos municípios.
A partir do MAPA 3, percebe-se que esses municípios abrangem quase a totalidade do País, com
exceção das áreas classificadas como altamente dinâmicas em termos de migração, descritas
anteriormente. Nesses municípios, a migração recente não alterou a composição populacional de
firma significativa no quinquênio anterior ao Censo. Essa situação, aliada ao fato desses
municípios apresentarem um elevado percentual de nunca-migrantes, reafirma a ideia de que o
fenômeno da “imobilidade” da população, aqui entendida como residência no mesmo município
em que nasceu, é um fenômeno espacialmente generalizado no Brasil.
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MAPA 3 – Áreas com pouca dinâmica migratória: municípios cujas taxas líquidas de migração
situavam-se entre -5% e +5% da população – Brasil - 2010
Fonte: IBGE, 2010
Elaboração própria
Embora o objetivo do presente artigo não seja analisar as características dos migrantes, é
importante ressaltar o impacto que a composição da população por idade pode causar nas
análises realizadas. Devido aos padrões etários de migração, o percentual de nunca-migrantes
diminui continuamente à medida que a idade avança, principalmente entre crianças e adultos
jovens. Isso faz com que o percentual de nunca-migrantes esteja diretamente relacionado com a
estrutura etária da população e, consequentemente, que os municípios com um percentual
elevado de jovens apresentem um percentual elevado de nunca-migrantes em sua população
(GRAF. 2).
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GRAFICO 2 – Percentual de indivíduos que sempre residiram no município em que nasceu
(nunca-migrantes) por idade – Brasil – 2010.
Fonte: IBGE, 2010
Discussão
As análises realizadas nesse artigo são uma primeira tentativa de entender porque, embora os
fluxos migratórios sejam consideráveis no Brasil - tendo envolvido, por exemplo, mais de 10
milhões de pessoas na década de 2000 - grande parte dos indivíduos permanece residindo
durante toda a vida no município em que nasceu. Mesmo estando submetidos a forças estruturais
consideráveis, não são todos os indivíduos que incorrem em um deslocamento espacial. Isso vai
de encontro ao postulado de Lee (1966) de que há uma “inércia” que ata os indivíduos aos seus
locais de residência.
O percentual de indivíduos que nunca migrou no Brasil atinge aproximadamente 60% da
população, e vem exibindo persistente estabilidade nos últimos 40 anos. Segundo a
regionalização desenvolvida e os parâmetros adotados neste trabalho, mais de três quartos dos
municípios do país - distribuídos por todos os estados e regiões - não sofreram interferências
significativas da migração sobre a distribuição de migrantes e não migrantes entre seus
habitantes.
A estratégia de regionalização adotada indicou dois grupos de municípios que apresentavam
características marcantes em termos de migração e composição da população mas que, somados,
representavam menos de um quarto do total de municípios do País.
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Não se quis dar conta, neste trabalho, da diversidade e abrangência teórica das explicações para
a ocorrência de migração ou da não migração. Contudo, alguns aspectos destacados mostraramse com fundamentais para a compreensão do fenômeno.
O primeiro aspectos relaciona-se a seletividade da migração, tanto em termos de características
individuais como em termos de uma “seletividade dos lugares”. A possibilidade de delimitação
de espaços com características marcantes quanto à migração, tanto recente como acumulada,
atestam a pertinência desse fato.
Acredita-se que essa relação é sedimentada, em grande parte, pela ação de redes sociais como
facilitador da migração e canal difusor de informação. Essas redes tem uma dimensão espacial
específica, sendo moldadas por processos de recrutamento de migrantes e pelos mecanismos de
difusão de informação. Isto faz com que as regiões de origem e destino dos migrantes sejam
espacialmente concentras no território. Conforme Campos e Macedo (2014), ao conectar
pessoas as redes conectam também lugares.
Foi justamente essa característica que permitiu o exercício de espacialização e delimitação de
regiões específicas de migração. Verificou-se que quanto maior a participação de imigrantes de
data fixa na população total, menor é o percentual de nunca-migrantes. Conforme descrito na
seção anterior, observou-se que as migrações recentes explicavam em grande parte o percentual
de nunca-migrantes que residiam em cada município.
Estudos posteriores podem avançar na análise dos mecanismos que fazem com que os
indivíduos permaneçam durante toda a vida em seus municípios de nascimento. A
regionalização realizada neste trabalho pode guiar o foco da abordagem. Nesse sentido, a nãomigração precisa ser tratada de forma distinta entre as Áreas dinâmicas com perda de população
e as Áreas com pouca dinâmica migratória, ambas com elevados percentuais de nuncamigrantes entre seus habitantes.
No caso dos municípios que estão inseridos nas Áreas dinâmicas com perda de população, o
foco das análises deve direcionar-se para os aspectos estruturais que os mantém alijados do
processo de migração, mesmo que os municípios que habitam estejam envolvidos de forma
bastante dinâmica das redes migratórias no Brasil. Uma vez verificada a existência de uma
“força estrutural” que faz com que tenham um elevado percentual de emigrantes, perguntamos
quais seriam os fatores que, num processo de seletividade, deixariam indivíduos específico
“imunes” às forças expulsoras de população.
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Já no caso dos municípios pertencentes às Áreas com pouca dinâmica migratória, a
preocupação dirige-se para a seletividade dos lugares, à medida que são municípios que não
inserem-se na dinâmica migratória nacional, a ponto de perder parcela significativa da
população via migração.
Diferente do primeiro caso, nas áreas pouco dinâmicas não migrar aparentemente seria,
diferente da situação anterior, um comportamento “normal” do indivíduo. Enquanto nos
municípios do primeiro grupo a não migração aparenta ser a característica da minoria da
população, no segundo grupo de municípios é a migração que se torna um comportamento
minoritário.
Conclusão
Ao estudarmos os migrantes, é preciso atentar para o fato de que a maioria dos indivíduos nunca
residiu em um município diferente daquele em que nasceu. Este artigo buscou dar o primeiro
passo na análise dos nunca-migrantes no Brasil, que representaria o “outro lado da moeda” do
processo migratório. O propósito final seria avançar no entendimento da própria migração,
situando-a como uma estratégia de sobrevivência dentro de determinado contexto social.
A questão insere-se num discussão ainda mais abrangente, ligada as relações de reprodução da
sociedade e sua dimensão espacial. As relações sociais “produzem espaço” e são modificadas,
subsequentemente por essa condição espacial (Soja, 1993). O mesmo se daria, em nível menos
agregado, na relação dos indivíduos com os lugares. Ao mesmo tempo em que o indivíduo
“pertence” ao lugar onde vive, experimenta esse lugar e é por ele influenciado, moldado e, em
última instância, “criado” por esse lugar, ao mesmo tempo ele transforma o lugar, projeta-se
sobre ele e, assim, também “cria” esse lugar. A percepção que os indivíduos tem do lugar inclui,
por exemplo, a percepção de outros indivíduos que compõe aquele lugar. Em última instância, o
individuo e o lugar seriam faces da mesma realidade, e a identificação do indivíduo com o lugar
seria a própria identidade do lugar. Do mesmo modo que o espaço pode ser entendido como uma
base material da existência social, o lugar pode ser visto como a base da existência e da
experiência individual.
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