Algumas reflexões necessárias sobre a responsabilidade

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"1/, Foto: Amélia Aben-Athar
Suplemento Especial da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro • Edição No 18 • Junho de 2010
Algumas reflexões necessárias sobre a
responsabilidade hospitalar
Alexandre Guimarães Gavião Pinto
Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
É
de fácil constatação que, atualmente, a
responsabilidade civil dos hospitais, clínicas
médicas e casas de saúde em geral, vêm
despertando um interesse cada vez maior da
sociedade, em decorrência, não só da grande importância
das atividades exercidas, que se relacionam diretamente
com a manutenção de vidas humanas, mas também do
aumento considerável de reprováveis falhas e defeitos na
execução dos serviços prestados, o que preocupa
sobremaneira os usuários e as autoridades públicas,
causando profundos impactos na vida de milhares de
consumidores e notórias repercussões no mercado de
consumo.
Antes do exame pormenorizado do tema, é
indispensável uma preliminar compreensão sobre a
natureza jurídica dos hospitais.
Os hospitais constituem uma universalidade de fato,
formada por um conjunto de instalações, instrumentos
médicos e cirúrgicos, e aparelhos tecnológicos, que
reunidos, coordenadamente, visam o tratamento da
saúde e a manutenção da vida de seus usuários,
vinculando-se a uma pessoa jurídica, que é sua
mantenedora.
Torna-se imperioso destacar, desde logo, que, em face
de seus pacientes, sejam internos ou não, a responsabilidade
hospitalar é contratual.
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Junho de 2010 • Amaerj Doutrina
Mister se faz ressaltar, ainda, que a responsabilidade
dos hospitais não afasta a responsabilidade solidária de
outras entidades pelos atos médicos realizados em suas
dependências, lembrando-se que a finalidade da
solidariedade passiva é justamente a de assegurar a
solvência, reforçando o vínculo, já que o credor passa a
uma situação de maior garantia, pelo simples fato de
poder exigir de qualquer devedor o cumprimento de
toda a obrigação.
Em que pese a existência de respeitáveis entendimentos
doutrinários, no sentido, de que, sendo a responsabilidade
hospitalar contratual, e sendo o objeto desse contrato
uma obrigação de meio, não há que se falar em
responsabilidade objetiva de tais instituições, forçoso é
convir que o posicionamento doutrinário e jurisprudencial
mais adequado, que se encontra em conformidade,
inclusive, com o princípio da função social dos
contratos, é aquele que defende o ponto de vista de
que a responsabilidade hospitalar é objetiva, diante da
aplicação inafastável da norma prevista no artigo 14,
caput, da Lei nº 8078/90, por ser o hospital,
inegavelmente, um prestador de serviços.
Destaque-se que o estabelecimento hospitalar
enquadra-se como fornecedor de serviços, seguindo,
por isso, as normas e princípios insculpidos na Lei
Consumerista. Isto se justifica, pelo fato de que, diante
de seus pacientes, a responsabilidade hospitalar é
contratual, como visto anteriormente, desafiando a
aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
O serviço hospitalar propriamente dito é aquele
prestado por médico do próprio nosocômio, empregado
ou médico credenciado, integrante do corpo clínico,
mesmo que se esteja diante de uma eventual atuação.
Nessas hipóteses, quando se trata de serviço do
hospital propriamente dito, ou seja, de atribuição do
próprio hospital, como, por exemplo, nas atividades
de enfermagem, disponibilidade e organização de
acomodações, nutrição e transporte de pacientes,
controle de infecções hospitalares, e recepção de
usuários, aplica-se, sem qualquer sombra de dúvida,
a norma prevista no artigo 14 do Código de Defesa
do Consumidor, sendo certo, portanto, que, quando
se está diante de uma atividade hospitalar específica,
que se relaciona intimamente com a prestação de
serviços complementares da atividade médica em
ambiente hospitalar, verifica-se a responsabilidade
objetiva do hospital.
Sabe-se que a obrigação do hospital, para com o
paciente, é de meio e não de resultado, o que implica no
reconhecimento de que o hospital não tem a obrigação
de promover a cura do paciente. Entretanto, a assistência
prestada deve ser a mais adequada e eficiente possível,
diligente e cautelosa, já que o hospital assume o dever
de prestar o melhor serviço disponível, de acordo com as
técnicas mais modernas e apropriadas ao escorreito
exercício de seu mister.
A cláusula de incolumidade, que se observa, de forma
marcante, em tais relações contratuais, emerge da ampla
obrigação de atuar com prudência, zelo e diligência
rotineira, mantendo o paciente incólume, até porque,
não pode o mesmo sair da instituição hospitalar, por ato
atribuível ao próprio hospital e sua equipe profissional,
com a saúde mais debilitada e deficiente, do que quando
ingressou para tratamento.
É dever do hospital selecionar bem a sua equipe de
trabalho, o que engloba, desde a classe médica, a todos
aqueles que, de alguma forma, ainda que em caráter
eventual, desempenham, na aludida instituição, suas
atividades, devendo vigiar, com rigor, o trabalho de seus
prepostos, sejam médicos ou não.
Nessa esteira de raciocínio, deve ser responsabilizado
o nosocômio que, com suas falhas e deslizes reprováveis,
cause prejuízo aos seus pacientes, que se amoldam,
inquestionavelmente, na condição de consumidores.
Na verdade, se o médico é contratado do hospital,
dúvida não há de que o mesmo deve ser considerado
seu preposto, ensejando a aplicação da norma prevista
no artigo 932, inciso III, do Código Civil, que determina
que são também responsáveis pela reparação civil, o
empregador ou comitente, por seus empregados,
serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes
competir, ou em razão dele.
Ocorre que, se o médico não for preposto do hospital,
utilizando-se dos meios físicos do nosocômio, tão
somente em razão de seus próprios interesses ou de seus
pacientes, é importante a apuração de quem é a
responsabilidade pela ocorrência do evento danoso, e,
se o dano decorreu da atuação individual do médico que
atuou no interior hospitalar, hipótese de responsabilidade
subjetiva, ou se o infortúnio decorreu da atuação de
ambos, médico e hospital, quando, então, deve ser
reconhecida a obrigação solidária de responder pelo
resultado danoso, salientando-se que a responsabilidade
da instituição hospitalar é objetiva.
É importante notar, também, que o mero fato de
ser gratuita a hospitalização, não modifica a
responsabilidade do estabelecimento hospitalar, tendo
em vista o dever exigível de incolumidade do paciente,
que decorre do princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da
Constituição da República, bem como dos direitos e
garantias fundamentais assegurados no artigo 5º do
texto constitucional, entre eles o direito à saúde e à
vida humana.
Expediente
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Destaque-se que o estabelecimento hospitalar
enquadra-se como fornecedor de serviços,
seguindo, por isso, as normas e princípios
insculpidos na Lei Consumerista.
Com efeito, o conjunto de direitos e garantias
fundamentais tem por escopo o respeito à dignidade
humana, através de sua proteção incondicional contra o
arbítrio de quem quer que seja, poder estatal, ou mesmo
pessoas jurídicas públicas ou privadas, o que engloba,
obviamente, as instituições hospitalares.
A obrigação contratual dos hospitais, em muitos
aspectos, inclusive, pode ser comparada com a dos
hoteleiros, já que, no exercício de suas atividades, os
nosocômios se obrigam, perante os seus pacientes/
consumidores, a observância de amplos deveres, como
de assistência médica, e até mesmo de digna e adequada
hospedagem.
No que tange a erros médicos, que comumente
ocorrem no interior de instituições hospitalares, algumas
considerações se fazem necessárias.
Cumpre salientar que, data venia de entendimento
adotado, recentemente, pela 4ª Turma do Colendo
Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso
Especial nº 258.389/SP, tendo como relator o eminente
Ministro Fernando Gonçalves, em que foi reconhecido
que a responsabilidade civil de estabelecimento
hospitalar, no que se refere à ocorrência de erro médico,
é de natureza subjetiva, ou seja, a responsabilidade exige
a demonstração efetiva do erro médico por culpa dos
profissionais integrantes de suas equipes, é preciso se ter
presente que o melhor posicionamento sobre o tema,
adotado por maciça e amplamente majoritária
jurisprudência de nossos tribunais e do próprio Superior
Tribunal de Justiça, (confira-se, entre outros julgados:
Recurso Especial nº 116.372/MG, 4ª Turma do Superior
Tribunal de Justiça – Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo
Teixeira/ Apelação Cível nº 6.200/94, 5ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Relator:
Desembargador Marcus Faver/ Apelação Cível nº
8505/97, 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, Relatora: Desembargadora
Cássia Medeiros/ Apelação Cível nº 32684/2004, 13ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, Relator: Desembargador Ademir Paulo Pimentel/
Apelação Cível nº 31414/2003, 13ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Relator:
Desembargador Nametala Machado Jorge/ Apelação
Cível nº 21366/2005, 2ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Relatora:
Desembargadora Elisabete Filizzola/ Apelação Cível nº
17811/2005, 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, Relator: Desembargador
Reinaldo P. Alberto Filho/ Apelação Cível nº 17528/2003,
6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro, Relator: Desembargador Roberto de Abreu e
Silva/ Apelação Cível nº 10626/2004, 12ª Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,
Relator: Desembargador Marco Antônio Ibrahim/
Apelação Cível nº 36881/2005, 5ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Relator:
Desembargador Milton Fernandes de Souza/ Apelação
Cível nº 16045/2005, 13ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Relator:
Desembargador José de Samuel Marques;RT 768:353,
RT 770:347, JTJ Lex, 229:137; LEX, 233:87; LEX JTJ
232:267), bem como por doutrina pátria, capitaneada
pelo Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, em sua
magna obra “Programa de Responsabilidade Civil” (4ª
edição, pgs. 380/382, Malheiros Editores), é aquele que
enquadra a responsabilidade médica/hospitalar no
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Alexandre Guimarães Gavião Pinto, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que
os hospitais, clínicas médicas e laboratórios, por serem
prestadores de serviços aos consumidores, estão sujeitos
à disciplina da Lei nº 8078/90, inclusive, no que tange à
responsabilidade objetiva.
Vislumbra-se, em tais hipóteses, a existência de uma
efetiva relação de consumo, enquadrando-se o paciente
na condição de consumidor, e a instituição hospitalar, na
posição de fornecedora de serviços.
Criado pela Lei nº 8078, de 11 de setembro de 1990,
o Código de Defesa do Consumidor, com seus princípios
e normas de ordem pública e de assento constitucional,
provocou relevantes mudanças no cenário jurídico
brasileiro, propiciando um maior equilíbrio nas relações
jurídicas travadas entre fornecedores de produtos e
serviços e consumidores.
Com o advento do Código de Defesa do Consumidor,
importantes princípios passaram a incidir sobre a
responsabilidade do fornecedor.
Foi adotada a teoria do risco do empreendimento,
através da qual todo aquele que desenvolve alguma
atividade no mercado de consumo tem o dever inafastável
de responder pelos eventuais vícios e defeitos dos bens e
serviços postos à disposição do consumidor, sem a
aferição de culpa.
Verifica-se, desta forma, que o fornecedor passou a
ser o garantidor dos produtos e serviços lançados no
mercado, respondendo pela qualidade e segurança dos
mesmos.
Os artigos 12 e 14, ambos da Lei nº 8078/90, estabeleceram a responsabilidade objetiva dos fornecedores, o que
implica no reconhecimento de que o consumidor tem
somente que comprovar o dano e o nexo causal, para obter
a indenização de eventuais danos suportados.
A Lei Consumerista denomina fato do serviço o
acontecimento externo, ocorrido no mundo físico, que
propicia danos materiais ou morais ao consumidor,
decorrentes de um defeito na prestação do serviço.
De acordo com o § 1º, do artigo 14 da Lei nº 8078/90,
o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança
que o consumidor dele pode legitimamente esperar,
levando-se em consideração as circunstâncias relevantes,
entre as quais, o modo do seu fornecimento, o resultado
e os riscos que, razoavelmente, dele se esperam, e a
época em que foi fornecido, destacando-se, portanto,
que o princípio da proteção da confiança do consumidor
ampara a sua legítima expectativa, que não deve ser
frustrada, nem injustamente vulnerada.
Impõe-se ao fornecedor a garantia de que o serviço
será fornecido ao consumidor sem falhas, ressaltando-se
que, uma vez ocorrido o acidente de consumo, não se
pode discutir conduta culposa, sendo irrelevante saber
se o fornecedor tinha ou não conhecimento do defeito
concretizado, bem como, se esse defeito era previsível
ou evitável, até porque os riscos do empreendimento
não podem ser transferidos injustamente ao consumidor,
parte mais vulnerável na relação de consumo, a quem a
própria Carta Magna deferiu especial proteção, e que
não pode suportar injustos prejuízos, arcando,
indevidamente, com ônus que são exigíveis apenas
daqueles que auferem, no mercado, lucros consideráveis
com suas atividades.
Não se pode perder de perspectiva, no entanto, que
não se trata de uma responsabilidade por risco integral,
Amaerj Doutrina • Junho de 2010
e sim objetiva, o que faz com que o artigo 14, § 3º do
Código de Defesa do Consumidor enumere causas
excludentes do dever de indenizar, que podem ser
legitimamente suscitadas.
Configuram excludentes do dever de indenizar: a
inexistência de defeito; o fato exclusivo do consumidor
ou de terceiro, e o fortuito externo, que é o fato que não
guarda qualquer relação com a atividade do fornecedor,
sendo totalmente estranho ao produto ou serviço. O
fortuito interno, que nada mais é do que o fato
imprevisível e inevitável, ocorrido no momento da
fabricação do produto ou da realização do serviço, não
afasta o dever de indenizar do fornecedor, já que, por
ser parte integrante de sua atividade, liga-se aos riscos
do empreendimento de maneira íntima.
É por esse motivo, que, em hipóteses relacionadas a
infecções hospitalares, o ônus da prova é único e exclusivo
da instituição hospitalar, que é quem deve, efetivamente,
comprovar a eventual ausência de nexo causal entre a
alegada conduta danosa e os danos concretizados.
Por outro lado, como a própria e elucidativa expressão
“infecção hospitalar” indica, trata-se de uma falha no
procedimento médico/hospitalar, eis que a aludida
infecção é contraída nas dependências hospitalares,
gerando lamentáveis problemas de saúde nos
consumidores atingidos, não havendo que se falar, em
hipótese alguma, em evento imprevisível e inevitável,
não só pelo fato de que infecção hospitalar constitui
algo manifestamente previsível e evitável, cuja nefasta
ocorrência pode ser afastada, desde que adotadas todas
as cautelas indispensáveis e controles permanentes,
como também pelo fato de que, ainda que se esteja
diante de um evento imprevisível e inevitável, a situação
em tela configura fortuito interno, que, por ligar-se
intimamente aos riscos do empreendimento, não afasta
o dever de reparação das instituições hospitalares.
Os estabelecimentos hospitalares são fornecedores
de serviços, e, como tais, respondem objetivamente
pelos danos causados aos seus pacientes. Essa
responsabilidade tem por fundamento o defeito do
serviço, que fornecido no mercado, vem a dar causa a
um acidente de consumo.
Conforme anteriormente exposto, a instituição
hospitalar somente se exonerará do dever de reparação
se demonstrar que o defeito não existiu; que ocorreu
por fato exclusivo da vítima ou de terceiro, ou mesmo
por conta de um fortuito externo.
Logo, diante da existência do nexo de causalidade e
da demonstração da falha na prestação do serviço, é de
se impor o acolhimento do pleito indenizatório formulado
pelo consumidor lesado.
Além das lamentáveis hipóteses de infecção
hospitalar, outros marcantes exemplos de graves falhas
na prestação do serviço médico/hospitalar podem ser
apontadas, eis que, rotineiramente, são enfrentadas
pela jurisprudência pátria.
Em muitos casos concretos, vislumbra-se a transmissão
da AIDS por bancos de sangue, laboratórios e empresas
hospitalares, muitas vezes por fornecerem sangue
contaminado para transfusão em hemofílicos e outros
doentes, e pela utilização, manifestamente inadequada,
de seringas não descartáveis.
Nessas hipóteses, a responsabilidade é contratual e
5
É importante notar,
também, que o mero
fato de ser gratuita a
hospitalização, não modifica
a responsabilidade do
estabelecimento hospitalar,
tendo em vista o dever
exigível de incolumidade
do paciente, que decorre
do princípio constitucional
da dignidade da pessoa
humana (...)
objetiva, salientando-se que a correta aferição do sangue
a ser transfundido é obrigatória, já que, quem promove
a transfusão, não pode se eximir de responder pelos
danos que o ato realizado possa vir a causar, com a
contaminação de pacientes com quaisquer doenças
transmissíveis pelo sangue. Neste sentido, confira-se o
julgado proferido no RJTJSP: 149:175.
Destarte, responde objetivamente a instituição
hospitalar, que, por não ter realizado, de forma adequada
e eficiente, o teste anti-AIDS no sangue utilizado na
transfusão, propicia, com o seu reprovável atuar, a
contaminação de inocentes consumidores.
Convém anotar que, sendo a responsabilidade
contratual do hospital que adquiriu sangue de laboratório
não confiável, justifica-se a sua condenação solidária
com o laboratório contratado, nos precisos termos do
Código de Defesa do Consumidor (cf. acórdão prolatado
na AC nº 170.026-SP, TJSP, Relator: Des. Urbano Ruiz –
Boletim da AASP, nº 1847, p.156).
Na hipótese de ocorrência de erro perpetrado por
médico empregado da instituição hospitalar, forçoso
convir que a responsabilidade é objetiva. Isto porque,
além da inegável aplicação da Lei Consumerista, nessas
hipóteses, o próprio Código Civil, em seu artigo 933, já
responsabiliza objetivamente os empregadores, por atos
de seus empregados e prepostos, impondo o dever de
indenizar, portanto, independentemente da análise de
culpa.
Quanto ao tema, não se pode olvidar, também, que
o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 34,
prevê que o fornecedor de produto ou serviço é
solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos
ou representantes autônomos, tal como o empregador
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Os estabelecimentos hospitalares são
fornecedores de serviços, e, como tais,
respondem objetivamente pelos danos
causados aos seus pacientes. Essa
responsabilidade tem por fundamento o
defeito do serviço, que fornecido no mercado,
vem a dar causa a um acidente de consumo.
ou comitente responde pelos atos de seus prepostos.
Já no que se refere a responsabilidade civil por danos
causados por remédios indicados ou ministrados na
instituição hospitalar, insta salientar que a responsabilidade
do fornecedor de medicamentos enquadra-se na
responsabilidade por fato do produto, prevista no artigo
12 da Lei Consumerista, destacando-se que a obrigação
de indenizar decorre da violação do dever de não receitar
ou fornecer remédios, cujos defeitos acarretem riscos à
integridade física e psíquica dos consumidores.
Configurado o dano, o dever de reparação se impõe,
independentemente da aferição de conduta culposa,
devendo o fornecedor comprovar, à saciedade,
quaisquer das excludentes do dever de indenizar já
mencionadas anteriormente, a fim de se liberar do ônus
indenizatório.
De tudo o que foi exposto até então, verifica-se que
a responsabilidade das clínicas e hospitais relaciona-se
intimamente com a teoria do risco, que se ocupa em
garantir maior proteção às vítimas, facilitando, c o m
a não exigência de comprovação de culpa, o ressarcimento
dos prejuízos sofridos.
Ora, as instituições hospitalares devem suportar os
inevitáveis encargos do exercício da atividade
desenvolvida, posto que auferem vultosos lucros com o
exercício de seu mister, não podendo transferir
injustamente para os consumidores os riscos do seu
empreendimento, sob pena de vulneração flagrante de
todos os princípios e normas consumeristas e consagração
odiosa do enriquecimento sem causa.
A responsabilidade objetiva de tais instituições é
conseqüência lógica do princípio da eqüidade, tendo em
vista que, de acordo com os mais comezinhos princípios
gerais de direito, aquele que lucra com uma situação
deve responder pelo risco ou pelas desvantagens
resultantes.
A expressão latina ubi emolumentum, ibi onus, ubi
commoda, ibi incommoda, nos ensina que, quem aufere
os cômodos, deve suportar os incômodos. Incômodos
esses que são consubstanciados nos riscos que o
empreendimento lucrativo desenvolvido provoca.
Dessa forma, quem exerce uma atividade perigosa,
só se exonerará do dever de indenizar se provar, de
maneira contundente, que adotou todas as medidas
idôneas para evitar o dano, ressaltando-se que, por
exemplo, em lamentáveis casos de infecções hospitalares,
ou seja, infecções contraídas durante o procedimento
médico/cirúrgico, no interior do nosocômio, forçoso
convir que, ainda que haja evento imprevisível e inevitável,
tal situação configura fortuito interno, que, por ligar-se
intimamente aos riscos do empreendimento, não exonera
o hospital do dever de ressarcimento.
Nessas hipóteses, o dever de reparação ex-surge do
simples exercício da atividade que o agente desenvolve
em seu interesse e sob o seu controle, em decorrência
do perigo que dela decorre para terceiros, motivo pelo
qual, uma vez afastada a tese da inexistência de
responsabilidade, e comprovada a falha na prestação do
serviço, bem como o dano e o nexo de causalidade entre
ambos, devem ser analisadas as verbas eventualmente
devidas em razão da responsabilidade hospitalar
caracterizada.
Na maioria das hipóteses de defeitos na prestação do
serviço hospitalar, o dano moral é devido, e vem sendo
concedido pelos julgados de nossos tribunais, o que,
obviamente, depende da análise criteriosa das
circunstâncias de cada caso concreto.
O dano moral suportado, muitas vezes, é indene de
dúvidas, ante a reprovável falha na prestação do serviço
pela empresa hospitalar, eis que, demonstrada a
existência de uma situação profundamente intensa e
duradoura de dor e aflição, suficiente para provocar um
absoluto desequilíbrio psicológico no indivíduo, a
indenização, a este título, se justifica.
Na fixação do quantum debeatur da indenização por
dano moral não há valores fixos, nem tabelas
preestabelecidas, mas esta delicada tarefa incumbe ao
juiz, no exame do caso concreto.
A reparação por danos morais deve representar uma
justa compensação pelo desgosto, humilhação e tristeza
Amaerj Doutrina • Junho de 2010
experimentados, sendo que a intensidade do sofrimento
deve ser considerada para a fixação do valor indenizatório
pertinente.
Em casos gravíssimos, por exemplo, de infecções
hospitalares e contaminação de pacientes durante o ato
médico-cirúrgico ou transfusão de sangue promovidos
no interior do nosocômio, o dano moral resta configurado,
pois a hipótese que se descortina causa ao paciente/
consumidor marcante e desproporcional sofrimento, que
não pode ser considerado aborrecimento cotidiano, sob
pena de vulneração, até mesmo, do princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana.
A indenização por dano moral deve ser fixada de
forma adequada, a fim de que seu valor não seja tão
elevado a ponto de ensejar enriquecimento sem causa
para a vítima, nem tão reduzido que não se revista de
caráter preventivo e pedagógico para o causador,
minimizando, com isso, a ocorrência de novos danos.
Em tais hipóteses, o dano moral perpetrado justifica
a concessão de uma satisfação pecuniária, não se
podendo perder de perspectiva, ainda, o caráter punitivo
da reparação em tela.
Não há critério rígido para a fixação do dano moral,
como visto acima, razão pela qual a doutrina e a
jurisprudência são uniformes no sentido de deixar ao
prudente arbítrio do magistrado a decisão em cada
situação concreta, observando-se a gravidade do dano,
a sua repercussão, as condições sociais e econômicas do
ofensor, e a notoriedade do lesado, além de revestir-se
de caráter punitivo, para que o causador não mais
pratique o mesmo ato lesivo altamente reprovável.
Cabe, pois, ao julgador, no caso concreto, fixar o
quantum compensatório, proporcionando à vítima uma
coerente satisfação, na justa medida do abalo sofrido.
O próprio Superior Tribunal de Justiça indica que as
indenizações devem ser arbitradas segundo padrões de
proporcionalidade, sem deixar de levar em conta o
caráter pedagógico.
Desta feita, se o quantum indenizatório não pode se
converter em medida abusiva e exagerada, também não
se pode admitir a fixação de indenização tão irrisória,
que fique desprovida de qualquer efeito educativo ou
reparatório.
É sabido que a jurisprudência tem atuado mais no
sentido de restrição de excessos, do que, propriamente,
em prévia definição de parâmetros compensatórios a
serem seguidos pela instância inferior.
O que é preciso se ter presente é que a apuração do
dano moral deve ser compatível com a realidade apurada,
a fim de que seja promovida a tão esperada justiça.
Em hipóteses de erro hospitalar, decorrentes da
deficiente prestação do serviço médico/hospitalar, deve
ser fixada a indenização em valor compatível com a
gravidade da conduta ilícita praticada, em observância,
também, ao caráter punitivo da indenização por danos
morais, no intuito de evitar futuras lesões em outras
vítimas.
Quanto aos danos materiais eventualmente suportados,
convém esclarecer que a instituição hospitalar deve custear
todas as despesas necessárias para o tratamento e cura do
consumidor lesado.
No caso da vítima, que teve a sua saúde injustamente
ofendida, suportar seqüelas, que lhe acarretem
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temporária ou permanente redução da capacidade
laborativa, a indenização consistirá, além dos danos
emergentes, em lucros cessantes até o fim da
incapacidade, se temporária, ou durante toda a sua
sobrevida, se permanente.
Nestes casos, o pensionamento é fixado com base
nos ganhos da vítima e na proporção da redução de sua
capacidade laborativa, o que deve ser arbitrado através
de perícia médica.
Se o ofendido não tinha rendimentos fixos ou não foi
possível prová-los, o pensionamento deve ser fixado com
base em um salário mínimo, de acordo com consagrado
entendimento jurisprudencial firmado, já que o salário
mínimo constitui o mínimo necessário à sobrevivência de
uma pessoa.
Ainda que o consumidor, efetivo ou por equiparação,
não tenha idade para exercer atividade laborativa, é
devida a indenização, e isto se justifica em hipóteses em
que fica constatada, através de prova pericial idônea, a
sua incapacidade.
De acordo, entretanto, com entendimento do
Superior Tribunal de Justiça, o pensionamento deve ser
equivalente a um salário mínimo, a contar dos 14
(catorze) anos de idade, data em que poderia a vítima
iniciar as suas atividades profissionais, como aprendiz,
sendo devida a pensão fixada até a idade considerada
como sua sobrevida. Neste sentido, devem ser citados os
julgados proferidos no RESP nº 646482/DF – 3ª Turma
– Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito –
Julgamento: 15/12/2005; RESP nº 555036/MT – 3ª
Turma – Relator: Ministro Castro Filho – Julgamento:
19/09/2006; AgRg no Ag. nº 796556/RJ – 1ª Turma –
Relatora: Ministra Denise Arruda – Julgamento:
06/02/2007, e RESP nº 872084/RJ – 4ª Turma – Relator:
Ministro Jorge Scartezzini – Julgamento: 21/11/2006.
Por fim, quanto a responsabilidade de hospitais e
clínicas médicas por furto de veículos de pacientes e
visitantes em seus estacionamentos, também são
necessárias algumas reflexões.
Comumente se verifica que muitos hospitais exploram
o serviço de estacionamento, por si ou por arrendatários,
impondo cobranças, por hora ou qualquer outro período
de tempo, e mantendo um severo controle de entrada e
saída de veículos no local.
Nessas hipóteses, indubitavelmente, resta configurada
a responsabilidade assumida pelas instituições
hospitalares, em casos de furtos ou danos aos veículos
submetidos a sua lucrativa vigilância.
Sublinhe-se que a responsabilidade da instituição
hospitalar, pelo furto de veículos em seu estacionamento,
é também objetiva, mesmo que não haja a cobrança de
valores, já que não se pode negar que, nesta oferta,
aparentemente gratuita, há um aparato inegável que
induz o usuário/paciente/consumidor a acreditar que o
seu veículo estará mais seguro e bem guardado no
estacionamento, do que na via pública, angariando o
hospital clientela, tão disputada, pelos diversos
fornecedores de serviços, nos tempos modernos.
Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça, no
julgamento do RESP nº 3.944-PR, da 4ª Turma, em que
figurou como relator o eminente Ministro Fontes de
Alencar, decidiu que a empresa, ainda que estabelecimento
hospitalar, responde pelo prejuízo resultante de furto de
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Junho de 2010 • Amaerj Doutrina
No caso da vítima, que teve a sua saúde
injustamente ofendida, suportar seqüelas, que lhe
acarretem temporária ou permanente redução da
capacidade laborativa, a indenização consistirá,
além dos danos emergentes, em lucros cessantes
até o fim da incapacidade, se temporária, ou
durante toda a sua sobrevida, se permanente.
veículo ocorrido em seu estacionamento, e isto se justifica,
pelo fato de que está implícito ao usuário-paciente que,
ao dotar o hospital de estacionamento interno, bem
fechado, por muros altos, a sua direção está a propiciar a
sensação de tranqüilidade e segurança, dada a obrigação
inerente a tal atividade, que é o dever de guarda e
vigilância, devendo ser respeitada a legítima expectativa
despertada no consumidor.
De fato, muitas vezes, o estacionamento se localiza
no interior do terreno de propriedade do hospital, em
área cercada por muro, com uma única abertura e setas
indicativas para acesso, sendo certo que os pacientes e
demais consumidores que lá comparecem para visitar os
doentes, ao deixarem guardados os seus carros, em
estacionamento privativo, no interior do hospital, passam
a acreditar fielmente que os veículos encontram-se
efetivamente protegidos.
Mais uma vez, é de perfeita aplicação as normas e
princípios da Lei Consumerista, destacando-se que, quando
o consumidor ingressa no estacionamento do hospital, que
é um local fechado, e, portanto, de fácil vigilância, a
empresa assume, imediatamente, o dever de garantia, de
que a incolumidade física e patrimonial do consumidor será
assegurada, motivo pelo qual, se, no interior do referido
estacionamento, ou nas dependências do estabelecimento
empresarial, ocorre um furto ou mesmo, em determinadas
circunstâncias, um roubo, configura-se o inadimplemento
contratual, que acarreta o dever de indenizar.
Tal entendimento se harmoniza com o princípio da
proteção da confiança do consumidor, amparando a
legítima expectativa despertada, com vistas a assegurar
o equilíbrio das obrigações e deveres de cada parte,
garantindo ao consumidor a adequação do produto ou
do serviço ofertado.
Frise-se que, no sistema consumerista, é albergada a
Editora
Patrocínio
confiança que o consumidor depositou no pacto, na sua
adequação ao fim razoavelmente esperado, bem como
na segurança do produto ou do serviço.
Ao fornecedor a lei impõe um dever de qualidade
dos produtos e serviços que presta, sendo que,
descumprido este dever, surge o ônus de suportar os
efeitos da garantia e de reparar os danos causados.
Somente o fortuito externo exclui a responsabilidade
do fornecedor, já que o fortuito interno não afasta o
dever de indenizar, porque previsível e ligado a sua
atividade.
Deixando de efetivar a segurança legitimamente
esperada, a instituição hospilatar, com a sua desidiosa
conduta, autoriza o dever de ressarcimento. Isto
porque, jamais pode a clínica médica ou hospital, que
aufere vultosos lucros com a exploração do
estacionamento mantido nas referidas instituições,
para angariar clientela, deixar de vigiar as dependências
de seu estabelecimento, propiciando a ocorrência de
eventos danosos.
Incumbe aos hospitais manter, em suas dependências,
de forma satisfatória, câmeras de vídeo e seguranças, a
fim de evitar furtos, e, até mesmo, em determinadas
circunstâncias, roubos no estacionamento explorado.
Por tudo que acima foi dito, uma conclusão é
inevitável, merecendo destaque, a de que, na iminência
de completar seus vinte anos, o Código de Defesa do
Consumidor, lei de marcante função social, se aplica,
inquestionavelmente, às instituições hospitalares, clínicas
médicas e laboratórios, devendo ser comemorado, com
efusivo entusiasmo, posto que representa uma brilhante
vitória do povo brasileiro, na transformação de uma dura
realidade social, consistente em conduzir a sociedade a
um novo patamar de harmonia, respeito e equilíbrio nas
relações de consumo.
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