HELOÍSA DE JESUS PAIXÃO OS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS

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HELOÍSA DE JESUS PAIXÃO Universidade do Estado da Bahia, campus XX, Brumado. heloisa­paix­[email protected] (77) 9125­0926 Rua Senhor dos Passos, 165 A. Bairro do Tanque, Brumado/BA OS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS NO ESTADO DE BEM­ESTAR SOCIAL: DA SUPERAÇÃO DO LIBERALISMO ECONÔMICO AO SURGIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS. Artigo apresentado à XIV Semana de Economia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia como requisito para aprovação na ​
Área de Interesse 1 – Economia, Estado e Políticas Públicas: relação entre Estado, direito e economia; políticas públicas; desigualdade; pobreza; desenvolvimento e bem­estar social​
. 1
Brumado Outubro / 2015 OS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS NO ESTADO DE BEM­ESTAR SOCIAL: DA SUPERAÇÃO DO LIBERALISMO ECONÔMICO AO SURGIMENTO DE 1
POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS Sumário: ​
1 INTRODUÇÃO; 2 DEFINIÇÃO E TRAÇOS PECULIARES DE SUA NATUREZA DIFUSA E POLÍTICA; 3 DO LIBERALISMO ECONÔMICO À INTERVENÇÃO: A MUDANÇA DO MODELO ESTATAL COMO ADVENTO PARA O SURGIMENTO DOS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS; 4 DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS: O TRATAMENTO QUE É CONCEDIDO PELOS PRINCIPAIS DISPOSITIVOS LEGAIS PÁTRIOS; 5 DA EFETIVIDADE DE DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS: A INSERÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS NA SOCIEDADE DO CAPITAL; 6 CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. RESUMO Em tempos hodiernos vimos nascerem, juntamente com as mudanças das relações na sociedade e muito em virtude delas, novos direitos fundamentais, suprindo a demanda de categorias sociais recentemente criadas. Tais direitos foram positivados em cartas e dispositivos legais para garantir a segurança jurídica de seus legitimados. Em meio a essas novas gerações surgiram os direitos transindividuais, que embalaram a necessidade da coletividade de indivíduos que viram seus direitos sociais e econômicos usurpados perante o Estado Liberal. Nesse sentido, o liberalismo econômico e o individualismo, vertentes máximas deste modelo estatal, contemplaram apenas aqueles que poderiam se manter em meio a uma disputa de poder econômico e usura, e todos os demais, que precisaram de uma 1
Artigo submetido à XIV Semana de Economia da Universidade do Sudoeste da Bahia. 2
tutela estatal, ficaram a margem de uma vida digna. Nesse sentido, o Estado não promovia políticas públicas para amparar os indivíduos. Desta feita, quando passamos a adotar o Estado de Bem­Estar Social percebemos que o modo de tratamento dispensado às massas deveria ter custódia específica e também assistencial, então, os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos se tornaram direitos fundamentais relevantes no ordenamento jurídico e foram inseridos em leis específicas que lhes concederam um tratamento diferenciado daquele dispensado aos interesses individuais. PALAVRAS­CHAVE: Direitos transindividuais. Políticas Públicas Sociais. Estado de Bem­Estar Social. ABSTRACT In modern times we have seen born, along with changes in relations in society and because of them, new rights, meeting the demand of newly created social categories. Such rights were positivized letters and legal provisions to ensure the legal security of its legitimate. Amid these new generations came the trans­rights, which packed the need of the community of individuals who have seen their social and economic rights usurped before the Liberal State. In this sense, economic liberalism and individualism, maximum dimensions of this state model, contemplated only those that could remain in the midst of a dispute of economic power and usury, and all others who needed a state supervision, were the margin of a dignified life. In this regard, the State did not promote public policies to support individuals. This time, when we adopted the State Social Welfare realize that accorded treatment so the masses should have specific and also assistance custody then diffuse, collective and individual rights homogeneous became relevant fundamental rights in the legal system and They were inserted into specific laws that gave them a different treatment from that accorded to individual interests. KEYWORDS: transindividual Rights. Social Public Policy. State Social Welfare. 3
1 INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objetivo explanar o surgimento e legalização dos direitos transindividuais no contexto do Estado de Bem­Estar Social, bem como demonstrar que o abandono do liberalismo econômico, típico do Estado Liberal, engendrou uma transformação nas dimensões de direitos fundamentais. Não obstante, também é escopo deste trabalho mostrar que a interferência estatal na economia e na sociedade engendrou o nascimento de políticas públicas sociais, com o intuito de suprimir as desigualdades oriundas do capitalismo, o que acarretou a boa aplicação de direitos fundamentais no caso concreto. Nesse sentido, é correto inferir ainda uma importância política e social da aplicação desses direitos para regulamentar as questões atinentes à atuação de cunho social do Estado. Já é sabido que a consolidação de direitos no ordenamento brasileiro é algo constante e rotineiro. Em que pese a existência de categorias de direitos elencados num rol exaustivo vimos aparecer, muito em virtude da busca pela proteção de uma coletividade, novas categorias de direitos fundamentais. Nesse sentido, normas mais protetivas começaram a ser editadas para amparar as relações que envolvem um número considerável ou indeterminado de destinatários. Sobre os direitos transindividuais é possível afirmar que são não somente uma inovação como também a concretização legislativa de um apelo das massas que se encontravam excluídas da legitimidade para a arguição de um direito em juízo. É preciso observar ainda que a incidência desses direitos nas medidas tomadas pelo governo, para satisfazer a necessidade da coletividade em benefício do social, é de suma importância para caracterização da noção de Estado de Bem­Estar Social que se tem hoje. Entretanto, a atenção dispensada às lides que envolvem conflitos individuais ainda impera na processualística, o que acaba por colocar os direitos transindividuais num posicionamento tímido, o que inevitavelmente engendra um processo de cerceamento daquilo que poderia abranger e beneficiar um apanhado imenso de pessoas. Portanto, os direitos definidos como metaindividuais, tais como o direito ao meio ambiente equilibrado, o direito à saúde coletiva, os direitos à habitação acabam ficando na “periferia” da proteção efetiva. 4
É possível vislumbrar ainda o fato dos direitos concernentes à coletividade, principalmente naquele aspecto voltado para um aparato social, terem sido esquecidos na época do liberalismo econômico, de onde surgiram os ideais de individualismo e valorização dos litígios individuais. Desse modo, o acesso à justiça só era garantido àquelas pessoas que pudessem arcar com os custos processuais e a atuação do Estado (Estado Mínimo) também era limitada somente à inserção de agentes que julgassem a lide. Esse modelo estatal era visto como um inimigo à liberdade do indivíduo, que possuía direitos inatos à sua existência como a sua liberdade (teorias jusnaturalistas), então, a interferência estatal era vista como um óbice ao desenvolvimento das potencialidades humanas e, nesse sentido, por ter nascido depois da sociedade, o Estado deveria servir o homem e não limitá­lo. Desta feita, caso sua servidão fosse dispensável, a Sociedade poderia destitui­lo, pois ela lhe precede. E o liberalismo econômico era visto como um dos matizes que compunham o Estado Liberal. Entretanto, com a ampliação da gerência estatal (Estado de Bem­Estar Social), os direitos transindividuais passaram a ter lugar no ordenamento e as ações seguiram o mesmo rumo, isto é, conferindo aos atores sociais instrumentos legais que os levassem a lograr êxito em suas demandas coletivas. Diante de tantas transformações e haja vista os traços peculiares que são inerentes a esses direitos é conveniente abordá­los de maneira didática e sistemática, de modo que primeiramente haverá a explanação dos significados que lhes são concedidos, em seguida se abordará a importância que a mudança do modelo estatal e a superação do liberalismo econômico tiveram para a sua existência, bem como a legislação que lhes contemplam e, em seguida, haverá a análise do viés assistencial do Estado de Bem­Estar Social, discorrendo acerca das políticas públicas sociais como meio de concretização dos direitos transindividuais. 2 DEFINIÇÃO E TRAÇOS PECULIARES DA NATUREZA DIFUSA E POLÍTICA DOS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS 5
A priori é preciso destacar que os direitos transindividuais não apenas inauguram um novo cenário de garantias fundamentais como também se apresentam como um instrumento utilizado pelos grupos contra o Estado (vertente política), como uma maneira de pressioná­lo a tutelar o que vem descrito em lei, contudo, a questão que se mostra mais complexa e desafiadora nesses direitos é como efetivá­los de modo mais concreto. Nesse sentido, Os novos direitos substantivos, que são característicos do Estado de bem estar­social, no entanto, têm precisamente esses contornos: por um lado envolvem esforços para apoiar os cidadãos contra governos, os consumidores contra comerciantes, o povo contra os poluidores, os locatários contra os locadores, os operários contra os patrões (e os sindicatos); por outro lado, o interesse econômico de qualquer indivíduo – como autor ou réu – será provavelmente pequeno. É evidentemente uma tarefa difícil transformar esses direitos novos e muito importante – para todas as sociedades modernas – em vantagens concretas para as sociedades comuns. Supondo que haja vontade política de mobilizar indivíduos para fazerem valer seus direitos – ou seja, supondo que esses direitos sejam para valer – coloca­se a questão fundamental de como fazê­lo. (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p. 11). Em que pese a conceituação, a doutrina utiliza tanto a terminologia ​
direitos transindividuais​
quanto ​
direitos metaindividuais​
. Apesar de em rigor de formação gramatical, seja preferível utilizarmo­nos da primeira expressão, porque o neologismo é formado com prefixo e radical latinos (diversamente da segunda, que, enquanto hibridismo, soma prefixo grego ao radical latino)[...]. (MAZZILLI, 2007, p. 50). O Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/ 90 – traz, em seu texto legal, que a proteção dos direitos dos consumidores pode ter legitimação coletiva, e traz ainda o conceito de direitos difusos (art. 81, I, CDC), que são “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”. De fato a doutrina traz um conceito mais didático do que o eminente legislador, a saber: São interesses metaindividuais, que, não tendo atingido o grau de agregação e organização necessários à sua afetação institucional junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses já socialmente definidos, restam em estado fluido, dispersos pela sociedade civil como um todo (v.g., o interesse à pureza do ar atmosférico), podendo, por vezes, concernir a certas coletividades de conteúdo numérico indefinido (v.g. os consumidores). (MANCUSO ​
apud​
FERRAZ (2010, p. 38), 2000, p. 136). 6
O objeto dos direito difusos é indivisível, isto é, não é passível de quantificação entre os membros que compõe a coletividade e o elo de união é jurídico e fático também. Exemplos de direitos difusos são o meio ambiente equilibrado, a manutenção da limpeza de um rio. Os interesses coletivos são “os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” (art. 81, II, CDC). Também é possível enxergar uma relação fática na formação desses interesses, contudo, ela é subjacente à relação jurídica que leva à união daquela coletividade. Relações de condôminos e consumeristas são exemplos de interesses coletivos em sentido estrito. E os direitos individuais homogêneos, que decorrerem de uma origem comum (art. 81, III, CDC), eles são uma inovação trazida pelo Código de Defesa do Consumidor, e se caracterizam pela divisibilidade do objeto entre os legitimados, além disso, tais direitos possuem o vínculo ligado à relação fática, mas, também existe uma relação jurídica, contudo, ela é subsidiária a primeira e é utilizada como causa de pedir quando arguida em juízo. É exemplo de interesse individual homogêneo a situação em que os consumidores utilizam um mesmo produto estragado. Em suma: [...] quando em ação civil pública se reconheça tão somente a ​
ilegalidade ​
de um aumento aplicada nas prestações de um cons6rcio, teremos interesses coletivos ​
(indivisíveis). Em si, a ilegalidade será a mesma para todos os integrantes do grupo, independentemente da quantidade de cotas de cada um deles ​
(interesse coletivo, ​
indivisível); já, porém, a pretensão a ​
restituição ​
de prestações pagas indevidamente variará de acordo com as cotas de cada qual deles (e ai teríamos ​
interesses individuais homogêneos, porque divisíveis) (grifos no original). (MAZZILLI, 2007, p.55). Entretanto, apesar de definidos legalmente, é possível observar que o índice de indeterminabilidade dos sujeitos pode ser algo gritante na delimitação dos legitimados e o seu vínculo de união para se enquadrarem na mesma situação de destinatários dos direitos também pode ser muito vago. Nesse sentido, os direitos transindividuais têm problemas de conflituosidade de massas representadas na composição das lides, o objeto em litígio, na maioria das situações, é indivisível, pois quando ele é pleiteado a sua satisfação é para todos os destinatários. 7
3 DO LIBERALISMO ECONÔMICO À INTERVENÇÃO: A MUDANÇA DO MODELO ESTATAL COMO ADVENTO PARA O SURGIMENTO DOS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS Historicamente o Estado Liberal foi sofrendo modificações com a ascensão da classe burguesa, que trazia para a sociedade novos ideais, diversos daqueles propostos pela Igreja Católica, em meio à Idade das Trevas. Nesse sentido, quando se consolidou no poder e no controle dos mecanismos sociais, assumiu uma postura de defender as teses “democráticas”. Contudo, era uma visão deturpada da democracia, pois acabava por configurá­la como meio de legalizar privilégios à classe burguesa, através do sufrágio universal, por exemplo. Portanto, somos induzidos a pensar que o Estado liberal, resultante da ascensão política da burguesia, organizou­se de maneira a ser o mais fraco possível, caracterizando­se como ​
Estado Mínimo ou ​
Estado­polícia​
, com funções restritivas quase que à mera vigilância da ordem social e a proteção contra ameaças externas. Essa orientação política favoreceu a implementação do constitucionalismo e da separação de poderes, pois ambos implicavam o enfraquecimento do estado e, ao mesmo tempo, a preservação da liberdade de comércio e de contrato, bem como do caráter basicamente individualista da sociedade (grifos no original). (DALLARI, 1989, p.273). O expoente do modelo liberal é, portanto, a liberdade que não dá espaço para intromissão do Estado ou se o faz é de forma mitigada. Nesse sentido, imperava ainda o viés do liberalismo econômico que só fazia acentuar a individualidade que estava disseminada na sociedade, o que encontrava fundamento na preservação da propriedade privada, acumulação de riquezas e na liberdade contratual, o que se perfazia numa primazia da lei, principalmente 2
no ato de confundi­la com o Direito ​
. Portanto, o liberalismo econômico era oriundo de uma reação contra o absolutismo e o mercantilismo, que priorizava um Estado que acumulava riquezas na figura do rei e a Luiz Guilherme Marinoni, ​
Teoria Geral do Processo​
, p. 27, aduz que “O princípio da legalidade, assim, acabou por constituir um critério de identificação do direito; o direito estaria apenas na norma jurídica, cuja validade não dependeria de sua correspondência com a justiça, mas somente de ter sido produzida por uma autoridade dotada de competência legislativa. [...] Nesse sentido, o poder dos juízes ficaria limitado a afirmar ao que já havia sido dito pelo legislativo, pois o julgamento deveria ser apenas ‘um texto exato da lei’.” 2
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distribuía entre as figuras da classe mercantilista. Perfazia­se, então, na limitação dos poderes reais. O liberalismo é considerado ainda como [...] liberdade econômica, é liberdade de iniciativa, entendidas como o direito de entrada no mercado para produzir os bens e serviços que os consumidores, os usuários, desejam. É a liberdade de contrato representada pelo estabelecimento de preços, salários e juros sem restrições de qualquer natureza. É a aventura e o risco de alguém só ser bem­sucedido se produzir algo melhor e mais barato. (STEWART JR, 1995, p. 73). Quando se adotou esse novo regime capitalista houve mudanças como o crescimento populacional, o surgimento de grandes indústrias – o que culminou na Revolução Industrial – e a maturação de uma sociedade massificada baseada na formação do proletariado. E a burguesia (classe que antes adotava o princípio revolucionário) pouco se importava com as condições insalubres dispensadas aos trabalhadores, o que motivou a formação de uma consciência de classe social subjugada. Entretanto, no desenrolar da História, o liberalismo perdeu força e caiu em desuso por causa dos movimentos revolucionários socialistas, isto é, da revolta do proletariado. E até mesmo através de eventos como a Primeira Guerra Mundial em que os Estados foram adotando regimes socialistas, comunistas e democráticos, por exemplo. E também a Segunda Guerra Mundial, em que os países tiveram que adotar posicionamentos protecionistas na defesa dos atingidos pelo caos do conflito. Era como se os olhos do mundo pós­guerras 3
tivessem passado a enxergar somente o socialismo, a coletividade e o intervencionismo ​
. Outro fato importante aconteceu nos Estados Unidos com a criação do ​
New Deal ​
pelo presidente Roosevelt. Tal política consistia em reestruturar a ordem econômica do país depois de ter passado por uma grave crise financeira. Foram utilizadas medidas como corte de gastos em trabalho e salários­mínimos e investimentos na estrutura social. Essa política ganhou popularidade entre os outros países e representou o aparecimento do modelo de Estado 4
interventivo ​
. Cfe. STEWART JR., Donald. ​
O que é o liberalismo. 5ª ed., Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1995, p. 21 e segs. 4
Cfe. STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan. ​
Ciência política e teoria do estado​
. 7ª ed., Porto Alegre. Editora Livraria do Advogado, 2010, p. 69. 3
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Desse modo, quando mais as sociedades se expandiram com esse crescimento trazido pelo liberalismo econômico e o capitalismo, a circulação da moeda e a riqueza, mais as entidades socais foram se tornando complexas e se desdobrando em macroestruturas, por isso, aquela máxima da priorização do individualismo foi gradativamente deixada de lado em prol da coletividade. O surgimento de direitos fundamentais (tais como os transindividuais) como meio de tutelar essa proeminente coletividade emanou dessa mudança paradigmática nos modelos econômicos e consequentemente estatais. Então ficou perceptível que o Estado Liberal não era suficiente para proteger esse novo emaranhado de direitos, aliás, o que soube promover foi o método de usura para os mais espertos e muitas vezes inescrupulosos e deixava à margem da sociedade aqueles que não eram bem sucedidos na esfera capitalista. Como consequência lógica surge o padrão interventivo que é “uma norma ou uma medida de caráter restritivo, imposta pelo governo, que obriga as pessoas a empregarem os seus recursos de forma diferente da que fariam se não houvesse a intervenção.” (STEWART JR, 1995, p.27). A intervenção assume, então, papel importantíssimo não só na economia como também na construção de um novo modelo estatal, isto é, aquele que intervém mais no exercício do livre arbítrio individual e controla os mecanismos que estimulam a economia. À medida que a burguesia perde a hegemonia sobre o poder e surge o domínio econômico o Estado de Bem­Estar Social torna as relações jurídicas equânimes e mitiga as desigualdades sociais através da imensa valorização dos direitos fundamentais. Nesse sentido é possível observar que É Estado social onde o Estado avulta menos e a Sociedade mais; onde a liberdade e a igualdade já se contradizem com a veemência do passado; onde as diligências do poder e do cidadão convergem, por inteiro, para transladar ao passado da concretização de direitos, princípios e valores [...]. A esse Estado pertence também a revolução constitucional do segundo Estado de Direito, onde os direitos fundamentais conservam sempre seu primado. Sua observância faz a legitimidade de todo ordenamento jurídico. (BONAVIDES, 2007, p.33). Este modelo representou uma reação ao apelo dos setores sociais que foram deixados à margem de uma vida digna por serem desprovidos de capital, isto é, o Estado de Bem­Estar Social vem como um instrumento para atender às exigências de obstrução das injustiças 10
econômico­sociais cometidas pelo Estado Liberal. Nesse sentido, “[...] a própria existência do Estado e da ordem jurídica significa uma intervenção: o Estado e a ordem jurídica são pressupostos inerentes à economia.” (STRECK; MORAIS, 2010, p.74). Além de intervir na economia o Estado de Bem­Estar Social também inaugurou uma nova ordem de direitos fundamentais. Depois de ter passado pela primeira dimensão de direitos fundamentais, quais sejam: as liberdades negativas operou­se uma evolução, que culminou na segunda dimensão em que se enquadraram os direitos sociais, econômicos e culturais, mas ainda sim se observando o ser humano de maneira individual. Desta feita, [...] esse Estado de Bem­Estar Social e da Justiça Social fez­se intervencionista na sociedade e na economia nela praticada, exatamente para que os direitos sociais e econômicos fossem indistinta e genericamente assegurados. Sua atitude, longe de ser passiva e indiferente em face do desenvolvimento e das relações econômico­sociais, era ativa, pois não se contentava em prevenir e solucionar os conflitos de interesses interindividuais. (CUNHA JR, 2012, p. 620­621). Contudo, os direitos transindividuais surgiram na terceira dimensão, onde se observou a contemplação dos direitos em seu aspecto difuso ou coletivo, mas é possível ressaltar que esse surgimento se deu de maneira introvertida. No entanto, vieram como resposta às reinvindicações de grupos sociais que formaram conglomerados humanos após anos de guerra e se viam oprimidos em não ter garantias fundamentais concedidas. Podem ser considerados a expressão máxima dos princípios da fraternidade e solidariedade, como um meio de preservação da dignidade humana e da existência do grupo. É relevante observar que Os direitos fundamentais de terceira dimensão são recentes e ainda se encontram em fase embrionária. [...] esses direitos caracterizam­se por destinarem­se à proteção, não do homem em sua individualidade, mas do homem em sua coletividade social, sendo, portanto, de titularidade coletiva ou difusa. Compreendem o direito ao meio ambiente equilibrado, o direito à segurança, o direito à solidariedade universal, ao reconhecimento mútuo de direitos entre vários países, à comunicação, à autodeterminação dos povos e ao desenvolvimento. (CUNHA JR, 2012, p. 626­627). Veio ainda a quarta dimensão com os direitos à democracia direta e à biotecnologia como pressuposto para garantia de mudança de sexo ou envolvimento genético. E também o direito à paz que, de acordo com opiniões doutrinárias, se enquadra na quinta dimensão de direitos. 11
Do exposto é possível crer que a mudança operada pela transição entre o liberalismo econômico e a intervenção, que culminou na transferência do modelo estatal, fez com que surgissem dimensões de direitos para atender as demandas humanas. Entre os quais se insere a grande novidade que é a transindividualidade dos direitos. 4 DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS: O TRATAMENTO QUE É CONCEDIDO PELOS PRINCIPAIS DISPOSITIVOS LEGAIS PÁTRIOS Inseridos na esfera do processo civil, os direitos transindividuais se encontram entre os interesses públicos e privados, assim como um meio termo, e visam garantir a efetivação da tutela em prol de uma coletividade ligada por um vínculo jurídico ou fático. Esse tipo de processo é importante porque tem como traço peculiar o fato de que uma única decisão judicial sempre envolve uma gama de indivíduos. Tais direitos fundamentais precisam de uma tutela específica, distinta daquela dispenda aos interesses individuais, o que bem caracteriza a sua especialidade em relação às demais lides. Contudo, o tratamento específico depende da lei que trata da matéria, e A razão consiste em que a defesa judicial de interesses transindividuais de origem comum tem peculiaridades: ​
não ​
só ​
esses interesses são intrinsecamente ​
transindividuais, como também sua defesa judicial deve ser coletiva, seja ​
em beneficio dos lesados, seja ainda em proveito da ordem jurídica. ​
Dessa forma, o legislador estipulou regras próprias sobre a matéria, especialmente para solucionar problemas atinentes à economia processual, aos legitimados ativos, a destinação do produto da indenização e aos efeitos de imutabilidade da coisa julgada (grifos no original). (MAZZILLI, 2007, p. 58). Na Ação Civil Pública ­ ​
Lei n. 7.347/85 ­ existe uma substituição processual em que o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista e a associação (art. 5º) são os legitimados processuais para arguição em juízo. Caso a proposta da 12
ação tenha como objeto a defesa de direito consumerista e não seja arguida pelo órgão 5
ministerial, mas por qualquer outro dos legitimados se caracterizará como ação coletiva ​
. A Ação Civil Pública possui algumas peculiaridades e garantias que estendem a proteção jurídica na defesa como, por exemplo, a tutela do meio ambiente e do consumidor (art. 1º, I e II), apesar de já possuírem leis específicas que o faça. O inciso IV também aduz a expansão protetiva quando infere que qualquer direito difuso ou coletivo que necessite será abrangido pela lei. A tutela dos direitos transindividuais também possui guarita na Ação Popular, Lei 4.717/65, contudo, tem maiores restrições na proteção dos direitos (quando comparada com a Ação Civil Pública). O legitimado ativo é qualquer cidadão, que entraria em juízo buscando a anulação de atos lesivos ao patrimônio nacional (art. 1ª, Lei nº 4.717/65). Do exposto é verídico afirmar que: As ações coletivas, ainda que vistas apenas como módulos processuais organizados pelo legislador, representam muito mais do que simples procedimentos concebidos para a tutela jurisdicional, pois são verdadeiros instrumentos de uma faceta muito especial dos direitos fundamentais. Ora, [...] os direitos fundamentais requerem a possibilidade da participação na estrutura social e no poder mediante instrumentos e procedimentos adequados. Essa participação deve ser oportunizada e incentivada não só através de reserva de locais de participação em órgãos públicos ou em procedimentos voltados a decisões públicas, mas também mediante procedimentos judiciais aptos à tutela dos direitos transindividuais. (MARINONI, 2008, p. 114). O Código de Defesa do Consumidor não só trouxe os direitos difusos e coletivos, como já foi mencionado, como também incluiu os direitos individuais homogêneos (art. 81, III, CDC) entre os direitos transindividuais. Eles têm como traço distintivo o fato de que “os titulares são determinados ou determináveis, e o objeto da pretensão é divisível (isto é, o dano ou a responsabilidade se caracterizam por sua extensão divisível ou individualmente variável entre as integrantes do grupo)" (MAZZILLI, 2007, p. 54). A Constituição Federal de 1988 também introduziu em seu texto a garantia expressa que a defesa de direitos transindividuais pode ser realizada por vários titulares. Entre os Cfe. CÂMARA, Alexandre Freitas. ​
Lições de Direito Processual Civil​
. 21ª ed., Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2011, p.450 e segs. 5
13
dispositivos constitucionais elencados é possível aludir à regra de que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas” (art. 8ª, III, CF/88) e ainda a asseguração da proteção do direito ao meio ambiente saudável (art.225, CF/88), difuso por sua própria natureza. Não se pode deixar perder de vista o fato de que a constitucionalização desses direitos os coloca num rol de garantias fundamentais, fazendo com que se ressalte a sua relevância em meio aos destinatários, sendo, portanto, a sua efetivação uma obrigação máxima do Estado. Argumenta­se, então, que, quando o regime do liberalismo foi deixado de lado algumas das premissas do Direito foram abandonadas também, como, por exemplo, a saída do Direito Privado do centro do ordenamento e o mais importante a constitucionalização do Direito, que contribuiu para o desenvolvimento do Direito Público, assim como o processo civil. Todas essas transformações engendraram a criação de instrumentos legais que contribuem para o acesso à justiça. 5 DA EFETIVIDADE DE DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS: A INSERÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS NA SOCIEDADE DO CAPITAL Diante de todas as modificações trazidas pela inserção dos direitos transindividuais no ordenamento jurídico observamos que eles possuem uma relevância político­social, qual seja: conferir aos entes sociais legitimidade para buscar no Judiciário a efetividade de benesses emanadas do caráter assistencialista do Estado de Bem­Estar Social. Nesse sentido, é pertinente aduzir que as políticas públicas estão alocadas em centros de atuação estatal que necessitam de viabilização processual, por isso, é de suma importância à adoção, por parte do legislador, a sua normatização. Contudo, é possível enxergar esse modelo estatal também em outras vertentes, como a econômica, portanto, Em termos capitalistas, ​
welfare state se traduz concretamente na presença de classe média majoritária, que é seu fiel da balança. Estabilidade social no capitalismo significa predominância de classes médias, entre classe rica relativamente pequena e classe pobre também relativamente pequena. (DEMO, 2001, p.56). 14
Contudo, faz­se necessário realizar uma análise do que seriam exatamente as políticas públicas e por que possuem papel decisivo numa sociedade democrática, baseada no ápice dos direitos transindividuais e encontrando respaldo na atuação do Estado. Não existe uma conceituação exata para definir o termo, entretanto, se pode fazer uma delimitação conceitual, deste modo, é possível afirmar que: política pública é um curso de inação ou ação, escolhido por autoridades públicas para focalizar um problema que é expresso no corpo de leis, regulamentos, decisões e ações de governos. A política pública está relacionada com as intenções que determinam as ações de um governo; com o que o governo escolhe fazer ou não fazer; com as decisões que têm como objetivo implementar programas para alcançar metas em uma determinada sociedade; com a luta de interesses entre governo e sociedade; ou ainda, com atividades de governo, desenvolvidas por gestores públicos ou não, que têm uma influência na vida dos cidadãos. (CAVALCANTI, 2012, p.41). É perceptível, então, o caráter governamental de sua implementação, sendo essencial a participação e o interesse dos gestores para que se possam dar­lhes efetivação. A questão possui ainda diversas abordagens que implicam em campos diversos de aplicação das medidas. Nesse sentido, para fins de delimitação deste trabalho interessa­nos apenas as políticas públicas sociais inseridas no contexto do capitalismo. Igualmente, é interessante observar que: A natureza da intervenção do Estado, em termos bastante ​
empíricos​
, considerando­se o que se chama comumente “medidas de política social”, consiste na implantação de assistência, de previdência social, de prestação de serviços, de prestação jurídica, de construção de equipamentos sociais e de subsídios. A assistência implica uma transferência de dinheiro, bônus ou de bens de consumo, com base num pedido, e de acordo com critérios de seleção a um indivíduo que deve provar que se encontra em estado de privação e impossibilitado de prover imediatamente a sua subsistência. (Grifos no original). (FALEIROS, 2000, p.60). Com efeito, as providências estatais corroboram os interesses eminentemente sociais em prol da construção de uma sociedade mais igualitária, confirmando, assim, a noção de justiça e igualdade. Observa­se a relevância dessas políticas em meio ao capitalismo que se caracteriza justamente por acentuar as desigualdades sociais típicas da sociedade estrutural. Em suma é possível inferir que 15
Embora nem toda política social seja e deva ser estatal, é impossível deixar de reconhecer a presença avassaladora do Estado em nossa sociedade. Discutir essa problemática é essencial, até porque, em termos de bem­estar social, sempre se supõe que o agente principal seja o Estado, pelo menos aos olhos do ​
Welfare state​
(Bobbio & 1987). (​
DEMO, 2001, p.43). Ponto interessante nesse aspecto de políticas sociais é a tomada de consciência que não é possível confundi­las com assistencialismo porque este último é um equívoco em que as políticas sociais são, erroneamente, caracterizadas como uma “ajuda” estatal, algo que é concedido por ato de benevolência. Contudo, esta visão está equivocada porque a concessão de políticas sociais é um dever do Estado, que pode ser exigida pelo indivíduo através da cidadania participativa. Esse meio de pressão é eficaz quando se utiliza de dispositivos legais para fundamentar a exigência.
É evidente também que os conflitos vivenciados pelas classes mais despidas de poder encontram mitigação frente à existência de coletivização dos direitos. De acordo com este entendimento, é interessante salientar que A base das desigualdades [...] está na exploração e não no indivíduo. O Estado, ao aparecer como consensual, vem esvaziar as lutas de classes e controlar os movimentos sociais, concedendo certos mínimos históricos exigidos pelas classes subalternas depois de muita pressão por parte destas últimas, o que mostra seu compromisso com as classes dominantes. (FALEIROS, 2000, p.27). Toda vez que o Estado promove políticas públicas sociais, ele não só contribui para a diminuição das desigualdades, e cresce o mercado de consumidores porque concede às classes desfavorecidas poder aquisitivo, como também movimenta setores capitalistas de mercado para investimentos nas propostas estatais. A garantia do mínimo é dada pelo Estado­arbitro, no momento em que concede, através de suas leis, direitos fundamentais que resguardam a promessa de proteção dos miseráveis, e as políticas são atos de concretização daquilo que vem descrito em leis, isto é, se caracterizam por colocar os ditames legais em prática. Nesse mesmo sentido é possível aduzir que O Estado, diga­se, o fundo público, na perspectiva keynesiana passa a ter papel ativo na administração macroeconômica, ou seja, na produção e regulação das relações econômicas e sociais. Nessa perspectiva, o bem­estar ainda deve ser buscado individualmente no mercado, mas se aceitam intervenções do Estado em áreas econômicas, para garantir a produção, e na área social, sobretudo para as pessoas consideradas incapazes para o 16
trabalho: idosos, deficientes e crianças. Nessa intervenção global, cabe, portanto, o incremento das políticas sociais. (BEHRING, 2009, p. 86). Portanto, depois do advento do Estado de Bem­Estar Social foi preciso que este ente intervisse na economia, regulando o mercado, e nas relações sociais para conferir uma vertente de cidadania à população que se via à margem de uma vida digna. A redistribuição de renda tem um papel importante na formação do capital utilizado na construção do fundo para o investimento nas políticas. Essa estratégia é de suma importância para o desenvolvimento estrutural das atitudes dos gestores porque é preciso que haja um redimensionamento da riqueza produzida (através de impostos) pelo Estado. Não se pode olvidar o contexto em que as políticas públicas sociais foram se desenvolvendo, qual seja: a luta entre classes (principalmente as classes trabalhistas), o eterno confronto entre os detentores da força de trabalho e os donos do capital. Nesse sentido, o Estado se inseriu soberanamente na construção da mitigação, de uma “trégua” entre estes grupos, legislando em prol dos desfavorecidos como um meio de atender as suas reinvindicações e, evitando, assim, a revolta do proletariado que poderia abalar as estruturas sociais. Em sentido oposto também mobiliza os capitalistas quando convida os setores privados para investir em segmentos com fundo social. Assim, As intervenções do Estado nestes setores são explicadas pela relação existente entre a sociedade civil e o órgão do poder que esta sociedade concreta (formação social) proporciona. Nas sociedades capitalistas avançadas, estas medidas de política social são mediações para reproduzirem a força de trabalho, segundo o projeto da fração hegemônica da burguesia. Entretanto, essas mediações realizadas pelo Estado se limitam e se dinamizam pela força de dominação desta burguesia, e pelas contradições e exigências das diferentes frações da burguesia e pela força dos movimentos das classes subordinadas, de sua capacidade de obter concessões e/ou de construir alternativas concretas ao poder existente. (FALEIROS, 2000, p. 46). Por meio das políticas sociais é possível conferir entes sociais um meio de acesso ao Direito, seria, portanto, uma porta de entrada para usufruir daquilo que já vem configurado em lei, mas que não possui efetividade no caso concreto pela inexistência de um ente que pudesse se infiltrar nas relações entre o capital e social e fazer prevalecer o cunho assistencialista, que privilegia a maior parte a população. 17
E, como é sabido, nos lugares em que há o desenvolvimento das políticas públicas ocorre a mitigação das desigualdades sociais, o que acarreta o apaziguamento da pobreza e exclusão social. Entretanto, algumas atitudes veem subvertendo a noção de sua aplicação porque o seu escopo é coibir as desigualdades sociais à longo prazo, atendendo as necessidades das minorias desamparadas enquanto for preciso, contudo, o que é visto na realidade é o cumprimento das políticas apenas quando o problema já foi configurado, isto é, apenas no sentido de coibi­lo a curto prazo, somente como um meio de fingir que está atuando. Consoante o que foi mencionado pode­se afirmar que As políticas sociais, orientadas pela óptica da materialização de direitos legalmente reconhecidos e legalmente assegurados, instituíram o princípio da desmercadorização dos programas, projetos e serviços, e possibilitaram aos cidadãos se manter sem depender do mercado, contribuindo, assim, para mudar a relação entre cidadania e classe social, ainda que as relações econômicas e sociais que não tenham sido estruturalmente transformados no sentido de extinguir sociedade de classe. (BEHRING, 2009, p.193). E também: [...] por ser forte o dinamismo econômico, o trabalho e a produção são capazes de formar orçamentos sociais significativos, que incluem, para além dos serviços públicos atribuídos ao Estado, o dever de assistência aos grupos populacionais que não conseguem auto sustentar­se. Sendo a pobreza relativamente pequena, é possível atende­la de modo assistencial na sua totalidade ou quase, sem acarretar pesos orçamentários excessivos. (DEMO, 2001, p.56­57). Desta feita, a consolidação desses direitos se deu por meio de uma intensa luta de classes, permitiu­se, então, a concretização de direitos fundamentais em meio ao capitalismo, seria, então, uma questão de socialização da riqueza produzida, isto é, despir do monopólio de “poucas” mãos o capital circulante que poderia ser justamente redistribuído à população carente. Logo, as políticas sociais não devem ser entendidas como atos de benevolência dos governantes, mas, muito pelo contrário, como a incidência das normas aos casos concretos, normas estas que foram conquistadas pelos segmentos sociais. 6 CONCLUSÃO 18
Quando se trata de direitos metaindividuais nunca é fácil discorrer a respeito porque sempre causam embaraços por ser inovação em matéria de Direito e ter tratamentos diferenciados em leis específicas, o que sempre estende o trabalho. Contudo, por mais complexos que sejam se mostram apaixonantes por denotarem um lado social e democrático dos direitos. Diante do exposto fica perceptível a relevância desses direitos para os indivíduos da sociedade moderna bem como a urgência em ter a eficácia de sua tutela efetivada no caso concreto através de medidas estatais. Nesse sentido, não basta só que existam as leis para preencherem as lacunas no ordenamento, é necessário, entretanto, que se busque a presença cada vez mais intensa dos titulares para exigirem do Estado as prestações devidas. Prevalece, portanto, o entendimento de que a mão do Estado é benéfica quando se trata da interação entre classes nas chamadas políticas públicas sociais. Tais medidas não só tendem a relativizar as desigualdades como se perfazem num caminho eficaz de se vivificar o Direito Subjetivo nas relações cotidianas. Como é sabido, não é tarefa fácil implantar condições mais favoráveis aos economicamente pobres na sociedade do capital, contudo, ainda sim, as atitudes estatais têm um caráter iminentemente bilateral, qual seja: mitigar a pobreza através de políticas, atraindo entidades capitalistas para o investimento em metas do Estado de Bem­Estar Social, mas, garantindo, em contra partida, um retorno, ao lhe conceder a expansão do mercado consumidor. As medidas interventivas são essenciais para mitigar as dificuldades que impedem a concretização dos direitos transindividuais, principalmente no aspecto dos custos processuais haja vista que a desistência de pleitear o direito pode ser por causa de fatores econômicos e o fato de que o ganho no sentido material da ação pode não compensar os gastos com a sua manutenção em juízo. Apesar das dificuldades deve­se reconhecer que o Estado de Bem­Estar Social é muito mais garantista e protecionista dos direitos fundamentais do que o Estado Liberal e que a mudança de regime econômico contribuiu para essas melhorias, portanto, ele tem a 19
competência plena para fazer a proteção, bastando somente medidas governamentais e institucionais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEHRING, Elaine Rossetti. ​
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