UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – USP Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – FFLCH Departamento de Geografia “Alemanha: Geopolítica e Território” Trabalho de Graduação Individual II apresentado ao Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo visando a obtenção do grau de bacharel em Geografia, sob a orientação do Prof. Dr. André Roberto Martin. DANILO ROGERIO DE SOUSA São Paulo 2007 2 AGRADECIMENTOS ....................................................................................3 INTRODUÇÃO................................................................................................5 Fig 1 - O Escudo Nacional............................................................................... 5 Fig 2 - Bandeira nacional alemã..................................................................... 5 Fig 3 - Localização atual da Alemanha...........................................................6 CAP. 1 – A FORMAÇÃO DO ESTADO E DA NAÇÃO........................... 7 Fig 4 – A Guerra dos Trinta Anos................................................................... 9 Fig 5 – Crescimento da Prússia 1600 - 1795................................................. 13 CAP 2 – A ERA BISMARCKIANA.............................................................17 Fig 6 – Otto von Bismarck..............................................................................20 Fig 7 – A Expansão da Prússia (1807 – 1871).............................................. 22 CAP 3 – A ALEMANHA NAZISTA............................................................ 31 Fig 8 – Área máxima do domínio nazista na Europa................................... 43 Fig 9 – As perdas territoriais alemãs e as zonas de ocupação estrangeira.. 47 CAP. 4 – A DIVISÃO NACIONAL A GUERRA FRIA.............................48 CAP 5 – O PERÍODO PÓS-REUNIFICAÇÃO ......................................... 56 CONCLUSÃO................................................................................................ 61 BIBLIOGRAFIA............................................................................................65 3 AGRADECIMENTOS Antes de mais nada, agradeço ao meu orientador Prof. Dr. André Roberto Martin pela atenção e sabedoria prestada durante toda a confecção deste trabalho. Agradeço, também, aos meus pais, Genésio e Terezinha, por todo o carinho e apoio durante os meus 27 anos. Aos amigos Henrique José da Silva, Sérgio Roberto Nunes, Diego Rafael Soares da Silva, Rodrigo Pacheco, Camilla Juliana Gonzáles e Jânio Queiroz Souto pela estima, amizade e pelas longas e inesquecíveis discussões – acadêmicas ou não – que travamos durante todo o período vivido na USP. Por último, agradeço a todos aqueles que de uma maneira ou de outra contribuíram para a minha formação intelectual. 4 “A história da raça humana é a guerra. Exceto por breves e precários intervalos, nunca houve paz no mundo; e muito antes de a história começar, o conflito assassino era universal e interminável”. (Steven Pinker, “Tabula Rasa”) “O único fundamento saudável para um grande Estado é o egoísmo, não o romantismo. Não reconheço nenhum direito em política externa”. (Bismarck) 5 INTRODUÇÃO A Alemanha possui 82 milhões de habitantes e é – depois da Rússia – o maior contingente populacional do continente europeu, além de ser a maior potência econômica, industrial e científica da Europa. Fig 1 - O Escudo Nacional Seu papel na União Européia é de locomotiva, uma vez que possui a economia mais sólida, além de ser o maior exportador mundial, responsável por boa parte de suas receitas. Fig 2 - Bandeira nacional alemã Localiza-se no centro do continente europeu, bem na fronteira entre a Europa rica e a Europa pobre. Seu território é a porta de entrada do Leste europeu, tendo considerável influencia na dinâmica territorial desta região. Geograficamente a Alemanha situa-se no Mitteleuropa, correspondente à Europa Central, mas com um cunho geopolítico. conceito este 6 Fig 3 - Localização atual da Alemanha Fonte: wikipedia Por essas e outras razões este trabalho tem por objetivo principal fazer um esboço da Alemanha no tocante à sua geopolítica, uma vez que não há nenhum trabalho neste sentido realizado no Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo. Sobre o tema “geopolítica da Alemanha” este trabalho é o precursor. Existem diversos artigos e teses sobre temas relacionados à Alemanha, tais como nazismo, fascismo, racismo, comunismo, Guerra Fria, etc. Mas, especificamente sobre Geopolítica, este é o primeiro Trabalho de Graduação Individual escrito sobre a Geopolítica da Alemanha, desde a sua formação no Estado Bismarckiano, até o período Pós-reunificação. Utilizamos para este trabalho, sobretudo, artigos científicos sobre política, história e geografia alemãs. Foram utilizadas diversas fontes eletrônicas, como a Wikipedia e o Google Imagens, sobretudo na aquisição das figuras e dos mapas temáticos relacionados ao assunto. Diante da certeza do crescente interesse pela Geopolítica por parte dos estudantes de Geografia, temos a esperança de que este trabalho venha a contribuir para o aprendizado e o aprofundamento do tema e as questões relacionadas ao mesmo. 7 CAP. 1 – A FORMAÇÃO DO ESTADO E DA NAÇÃO A TRADIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO TRIBAL A história da Alemanha é a história de uma longa caminhada de uma nação até a formação de um Estado. Germânia é a denominação não só geográfica como também histórica que os romanos deram ao território situado entre os rios Reno, Elba e Danúbio, povoado ao norte pelas tribos dos saxões e dos frísios, a oeste pelos francos, ao centro pelos turíngios e ao sul pelos suábios, alemães e bávaros. Esse sistema de organização tribal refletiu-se até hoje na configuração territorial dos estados que constituem a República Federal da Alemanha. O rei dos francos, Carlos Magno, reuniu os povos alemães num grande reino unido sob o signo da Cristandade. No ano 800, ao ser coroado imperador pelo Papa, Carlos Magno tornou-se sucessor dos imperadores romanos ocidentais num novo império situado no norte dos Alpes. Este imenso império foi dividido entre os sucessores de Carlos Magno num franco ocidental, hoje a França, e num franco oriental, a atual Alemanha, do qual surgiu um aglomerado sob o domínio de Otto I, o Grande (936 – 976), denominado como o Sacro Império Romano Germânico. Este deu aos povos da Europa Central uma estrutura homogênea. Seu apogeu durou até cerca de 1250. DIVISÃO E GUERRA RELIGIOSA No final da Idade Média, era de divisões territoriais, a influência individual dos príncipes passou a aumentar consideravelmente, principalmente nas cidades livres do império que tinham um governo soberano e estavam subordinadas apenas ao imperador. Essa também foi a era dos burgueses e das corporações de comércio, dos comerciantes independentes e dos banqueiros. As ligas comerciais – como a Hanseática – tinham às vezes mais poder que os próprios reis. Essas forças tão diversificadas deram origem a uma herança muito rica em bens 8 culturais como as catedrais repletas de obras de arte, conventos, palácios e construções burguesas. As guerras religiosas marcaram os séculos XVI e XVII. Em 1517 as teses de Martinho Lutero deram início à Reforma Protestante, que provocou uma cisão religiosa na Alemanha, expressa no Princípio da Paz de Augusburgo “cuius régio, eius religio”, segundo o qual a religião do soberano determinava a do povo. Em conseqüência disso, no Norte e no Centro da Alemanha predominam até hoje os protestantes, enquanto que no Leste e no Sul os católicos são maioria. Essa cisão religiosa, juntamente com as tensões sociais e econômicas, provocou, finalmente, a Guerra dos Trinta Anos1 em 1618. A guerra não conseguiu que a cisão religiosa fosse superada, pelo contrário, ela transformou o Império num joguete nas mãos das potências vizinhas. Da Paz de Vestfália, em 1648, resultou num Sacro Império Romano Germânico dividido em 350 estados independentes. 1 A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) foi uma série de conflitos religiosos e políticos ocorridos especialmente na Alemanha, nos quais rivalidades entre católicos e protestantes e assuntos constitucionais germânicos foram gradualmente transformados em uma luta européia. Apesar de os conflitos religiosos serem a causa direta do conflito, ele envolveu um grande esforço político da Suécia e da França para procurar diminuir a força da dinastia dos Habsburgos, que governavam a Áustria. A guerra causou sérios problemas econômicos e demográficos na Europa Central. As conseqüências de longo prazo da guerra foram, além da emergência da França como o poder terrestre dominante na Europa, a formação das repúblicas da Holanda e da Suíça e a contínua fragmentação da Alemanha, pois tornou cerca de 350 estados alemães quase que independentes do imperador, atrasando a sua unificação em mais de dois séculos. 9 Fig 4 – A Guerra dos Trinta Anos Fonte: Wikipedia “Mesmo considerando a extensão e a selvageria da Guerra dos Trinta Anos, não houve nenhuma transformação dramática na estrutura política do SIRG. O número de unidades territoriais permaneceu inauterado, em torno de 350, e a Dieta Imperial ainda compreendia as tradicionais três câmaras, com os procedimentos de votação em questões religiosas envolvendo o Corpus Catholicorum e o Corpus Evangelicorum. Por outro lado, o acordo reconheceu uma antiga tendência que a luta só fizera acelerar, ou seja, a descentralização da autoridade imperial e a crescente autonomia dos Estados. Os tratados conferiam aos príncipes a Landeshoheit – soberania, em alemão. Tal poder lhes possibilitava assinar tratados com potências estrangeiras, desde que eles não fossem dirigidos contra o Imperador. Entre 1648 e sua dissolução em 1806, o Império nunca mais funcionou como unidade política. Em vez disso, o futuro permaneceu a um seleto número de Estados individuais.” (LEE, pg 75) 10 A Alemanha necessitou de um século para se recuperar das conseqüências catastróficas da guerra. A liberdade que os príncipes e as Cidades Livres tinham para fazer pactos com outras nações estrangeiras, e o absolutismo dos senhores feudais condenaram o Império como um todo à impotência. Mas, por outro lado, como já acontecera no final da Idade Média, esse tempo de fraqueza do poder central possibilitou o surgimento de uma época de grande desenvolvimento cultural. Após a tradução da Bíblia, no início do século XVI, por Lutero, e sua divulgação graças à invenção da imprensa por Gutemberg, vieram dar aos alemães uma linguagem escrita com grande força de expressão. A filosofia, a literatura, a arquitetura e a música tiveram um impulso extraordinário. A Paz de Vestfália foi decisiva para a configuração territorial, não só dos estados alemães, como também de todo o continente europeu. Além disso, fincou as bases de um equilíbrio geopolítico europeu como nunca antes havia ocorrido. Para A. Toynbee, a Paz de Vestfália “pôs fim a um período de fanatismo religioso, dando início a uma era que estava livre da tirania ideológica e duraria 150 anos – até que a próxima onda de fanatismo, sob o rótulo do nacionalismo, fosse desencadeada pela Revolução Francesa. O efeito imediato do tratado foi reduzir o mal da guerra a um mínimo nunca igualado pela história ocidental antes ou depois” (in LEE, pg 85) Já para Will Durant, “a transição para uma ordem mais racional, que iria produzir, no século das luzes, uma revolução intelectual tão importante quanto a Renascença, pôs fim ao reinado da teologia sobre a mente européia e deixou um caminho atravancado, mas trafegável, para as experiências da razão”. (op. cit) O fato é que, após 1648, houve uma mudança nas alianças baseadas em ideologias para aquelas articuladas por motivos dinásticos. Ainda que não tenha eliminado totalmente as guerras, estabeleceu, ao menos, regras mais civilizadas para os conflitos (LEE, 85) 11 O principal prejudicado com a Paz de Vestfália foi a Alemanha, ou melhor, a tentativa de unificação dos estados alemães numa centralidade política. O princípio do Landeshoheit deu a cada príncipe a possibilidade de alianças com outros estados e com outras potências, o que reforçou o acirramento entre os principados, enfraquecendo a idéia de união. A unificação alemã, assim, foi atrasada em dois séculos e meio. A Paz de Vestfália superou a noção de universalismo, dando lugar à noções como razão de estado e balanço de poder, que se tornaram instrumentos decisivos para a formulação e implementação da política internacional. O sistema de Vestfália instituiu a primazia do Estado como ator da política mundial. Mas, apesar de todo o enfraquecimento geopolítico da região e da fragmentação, o sistema de Vestfália acabou possibilitando o surgimento de uma potência alemã, além da Áustria, dentro do Império: Brandemburgo. “Frederico Guilherme consolidou cuidadosamente os ganhos de Brandemburgo, ao mesmo tempo que estabelecia o absolutismo de sua dinastia, os Hohenzollern – assegurando-se da obediência incondicional dos nobres em troca de ter-lhes dado maiores poderes sobre os camponeses. Num espaço de trinta anos, Brandemburgo estaria desafiando a posição da Suécia na Alemanha setentrional; em mais de um século, a Prússia se tornaria a mais eficiente potência militar da Europa e, sob Frederico, o Grande, seria capaz de enfrentar sozinha as forças combinadas da Áustria, da França e da Rússia na Guerra dos Sete Anos em 1763” 2 O fato é que, do final da Idade Média até o início do século XIX, a Alemanha não se constituiu num Estado centralizado e não consolidou nenhuma postura geopolítica aos moldes do mesmo. O que ocorreu foram pequenas alianças entre os estados alemães entre si ou com outras potências. Aos poucos foi sendo despertado a consciência nacional e as noções de territorialidade. “Os fatores militares – ou melhor, os fatores geoestratégicos – ajudaram a fixar os limites territoriais desses novos estados-nações, enquanto as guerras freqüentes criavam a consciência nacional, pelo 2 LEE, S.J. “A Guerra dos Trinta Anos”. São Paulo: Ática, s/d. pg 76. 12 menos de uma maneira negativa, segunda a qual os ingleses aprenderam a odiar os espanhóis, os suecos a odiar os dinamarqueses e os rebeldes holandeses a odiar seus antigos senhores Habsburgos”3 Minada pela fragmentação, a consciência nacional alemã tardou em desenvolver-se, pelo menos durante o período de vigência do sistema de Vestfália. Só começou a ganhar maior vigor após a consolidação do estado prussiano. O ABSOLUTISMO A exemplo da França, os estados territoriais quase soberanos adotaram o absolutismo como forma de governo. O Absolutismo concedia ao soberano poderes ilimitados e permitia a instalação de estruturas administrativas rígidas, a introdução de uma economia financeira organizada e a formação de exércitos permanentes. A política econômica rebustecia economicamente os estados absolutistas. Estados como a Baviera, Brandemburgo (a Prússia mais tarde), Saxônia e Hannover tornaram-se, assim, centros de poder independentes. A Áustria, que contivera a agressão dos turcos e havia incorporado a Hungria e parte das regiões balcânicas, até então sob o domínio turco, tornou-se uma grande potência. No século XVIII, ela ganhou um grande rival, a Prússia, que se transformou em potência militar de primeira ordem durante o reinado de Frederico, o Grande (1740 –1786). 3 KENNEDY, P. “Ascensão e Queda das Grandes Potências”. Rio de Janeiro: Campus, 2000. pg 75. 13 A ASCENSÃO DA PRÚSSIA A partir da metade do século XVII, a Prússia passou a exercer uma influência cada vez maior no cenário político europeu. Sob o domínio do príncipe Frederico Guilherme de Brandemburgo, a Prússia tornou-se o estado mais poderoso do norte da Alemanha, e no reinado de Frederico, o Grande, uma potência européia que provou ser capaz de enfrentar na Guerra dos Sete Anos a coligação da França, Rússia e Áustria, em 1783, o que veio a dar origem ao dualismo entre a Casa dos Habsburgos e os prussianos dentro do Império. Desde então, a Prússia passou a formar, juntamente com Grã-Bretanha, França, Áustria e Rússia, o núcleo das potências européias. Em 1789 deflagra-se a Revolução Francesa. Sob pressão da burguesia, foi eliminada a ordem social feudal que existia desde os primórdios da Idade Média; a separação dos poderes e o respeito dos direitos humanos deviam assegurar a liberdade e a igualdade de todos os cidadãos. A tentativa da Prússia e da Áustria, no sentido de intervir com as armas nos acontecimentos do país vizinha – a França -, fracassou, provocando uma contra-ofensiva das tropas revolucionárias. Este acontecimento evidencia já uma postura geopolítica alemã, que irá se concretizar após a consolidação do Estado Prussiano e da Unificação Nacional. Fig 5 – Crescimento da Prússia 1600 - 1795 Fonte: Wikipedia 14 Após a intervenção de Napoleão, houve uma reorganização dos estados alemães. Em lugar de muitos estados pequenos, surgiram estados de porte médio, superando o antiquado desmembramento territorial do Império. Assim, o domínio napoleônico provocou amplas reformas no estado e na sociedade. Em 1813, a Prússia aliada à Rússia, numa aliança já fundamentada na Geopolítica, deu início à Guerra de libertação que trouxe, em 1814, a derrota de Napoleão. Sendo considerada mais como um ato de libertação dos povos, essa vitória teve um grande significado para a formação de uma nova Alemanha. A partir de então, os estados alemães viram-se diante da exigência da nação em se unificar para formar um único estado alemão, estabelecendo assim, as bases para uma união futura e para a construção de um domínio territorial e geopolítico comum. A Prússia e a Áustria saíram fortalecidas da vitória sobre as tropas de Napoleão. O CONGRESSO DE VIENA Em 1814, após a derrota de Napoleão, as potências vitoriosas realizaram na capital do Império Austríaco uma conferência internacional, conhecida como Congresso de Viena. Essa conferência foi concluída em 1815, após a derrota de Napoleão em Waterloo, atual Bélgica, e representou uma reação as idéias liberais e nacionalistas difundidas pela Revolução Francesa. Seu principal objetivo foi o de restabelecer a situação existente antes da Grande Revolução, isto é, a restauração do Antigo Regime. “Nas diversas sessões realizadas pelos congressistas as decisões mais importantes foram tomadas pelo Comitê dos Quatro, formado pela Inglaterra, Áustria, Prússia e Rússia. Entre os participantes do Congresso de Viena estavam os mais destacados representantes do conservadorismo europeu: Alexandre I da Rússia; lorde Castlereagh da Inglaterra; Talleyrand da França; Hardenberg da Prússia, e o príncipe Matternich, chanceler da Áustria e que foi a figura dominante do Congresso”4 4 MELLO & COSTA, “História Moderna e Contemporânea” S.Paulo: Scipione, 1993. pg 132. 15 As decisões do Congresso de Viena, firmadas até 1815, restabeleciam o equilíbrio de forças entre as potências européias através de uma política de compensações territoriais. A Inglaterra consolidou sua supremacia naval retendo as possessões conquistadas no além-mar durante a guerra contra a França napoleônica, entre as quais a ilha de Malta, o Ceilão (atual Sri Lanka) e a colônia do Cabo na África do Sul. A Áustria cedeu a Holanda para a Bélgica, mas recebeu em troca parte da Polônia e as regiões da Lombardia e Veneza, que lhe asseguraram a supremacia na Itália. A Prússia dobrou sua extensão territorial, incorporando parte da Polônia, a Finlândia e a Bessarábia (atual Moldávia). A França, mesmo derrotada, preservou a sua integridade territorial voltando às fronteiras de 1792. A Alemanha e a Itália permaneceram divididas e submetidas à hegemonia austríaca. A Santa Aliança, como ficou conhecido o pacto militar firmado entre as grandes potências européias no Congresso de Viena, teve como objetivo a repressão aos movimentos liberais que colocassem em risco a política de restauração, o princípio de legitimidade e o equilíbrio europeu. “O apogeu dessa instituição foi marcado por intervenções militares, que esmagaram os movimentos liberais ou nacionalistas ocorridos em alguns países da Europa. Em 1819, por exemplo, a Santa Aliança reprimiu os nacionalistas que lutavam pela unificação da Alemanha”. 5 A ZOLLVEREIN E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO PRUSSIANO Em 1818 a Prússia aboliu os limites aduaneiros interiores, surgindo assim a Federação Aduaneira Prussiana. Em decorrência desse acontecimento, em 1º de Janeiro de 1834 surgiu a Federação Aduaneira Alemã (Zollverein), acontecimento este de maior significação na marcha pela unificação nacional. A Zollverein compreendia todos os estados alemães, exceto a Áustria e os estados do noroeste: Hannover, Brunswick, Oldemburgo e as cidades da Hansa 5 MELLO & COSTA, op. Cit. 16 (liga Hanseática). Brunswick aderiu a Zollverein em 1844; Hannover em 1851; e Oldemburgo em 1852. Somente os grandes portos de Hamburgo e Bremen permaneceram fora, até mesmo depois da fundação do Império e constituem-se, até hoje, como cidades livres hanseáticas, não estando submetidas políticoadministrativamente a nenhum estado. A Zollverein foi um triunfo para a Prússia, uma vez que a Áustria fora excluída da mesma, e do desenvolvimento comercial e industrial que obtivera. Assim, criaram-se as premissas fundamentais do grande desenvolvimento do sistema econômico alemão a partir de 1850. Assim, na primeira metade do século XIX, a Prússia era a menor das grandes potências, em desvantagem geográfica, obscurecida por vizinhos poderosos, preocupada por problemas internos e intergermânico e incapaz de representar um papel mais amplo nas questões internacionais. Somente após 1850 é que a expansão econômica ocorreu no solo prussiano, mais depressa do que praticamente em qualquer outro lugar da Europa. Isso ocorreu, segundo Paul Kennedy “ ...ao seu sistema educacional, que desde o primário até as universidades, não era inferior a nenhum outro sistema da Europa; ao seu sistema administrativo razoavelmente eficiente, e ao seu exército e seu formidável comando, que foram certamente os primeiros a estudar reformas tanto na tática como na estratégia, em especial nas implicações militares das ferrovias e dos fuzis”6 6 KENNEDY, P. Op.cit. pg 161 17 CAP 2 – A ERA BISMARCKIANA Em 1861, assume o reinado da Prússia Guilherme I. Sua primeira iniciativa foi nomear Otto von Bismarck para o cargo de primeiro-ministro, com a intenção que o mesmo conseguisse resolver a questão da disputa entre a coroa e o parlamento. A burguesia estava impaciente por unir os estados alemães sob a direção da Prússia, de longe o estado mais eficiente e não somente do ponto de vista militar. O primeiro intento de fundar um Império Alemão (a Constituição de 1849), não chegou a se concretizar por causa da recusa de Guilherme IV – antecessor de Guilherme I – de assumir a coroa imperial. A monarquia prussiana, apoiada na força social da aristocracia e nos Junkers, unicamente podia presidir o Império se se lograsse uma constituição liberal; mas o rei da Prússia preferia ser monarca absoluto dos prussianos a ser imperador constitucional de todos os alemães. A unidade nacional alemã seria, pois, obra da burguesia industrial e expressão da vitória da classe média sobre as antigas classes reacionárias prussianas. Na Prússia havia um setor político, representado por Bismarck, que coincidia com os liberais no tocante à unificação. Porém, esse grupo levou muito tempo para ganhar a coroa e os Junkers para os seus planos, e se ao final triunfou a idéia da unidade, este feito deveu-se à crescente influência dos capitalistas. A unificação alemã só seria possível com a colaboração da Áustria, fato geopolítico evidente; e esta não aceitaria semelhante supremacia alemã. Um estado germânico unificado representaria a derrocada austríaca no cenário geopolítico da Europa Central. A Áustria pesava consideravelmente na Confederação Alemã e sua influência nos estados do sul era poderosa. Eliminar a Áustria como elemento ativo da política alemã era a principal reivindicação dos expansionistas alemães, não somente dos prussianos, mas do liberalismo alemão como um todo. Este descontentamento em relação à influência austríaca marca o início de uma postura geopolítica verdadeiramente alemã, colocando os interesses nacionais em confronto com a influência da potência externa que mais interferia na 18 política alemã e que não gostaria, nem de longe, de ver consolidado um estado forte e unificado. A GUERRA AUTRO-PRUSSIANA DE 1866 A Áustria e a Prússia disputavam o controle de Schleswig e Holstein com a Dinamarca. Com a violação da autonomia das províncias estabelecida pelo Protocolo de Londres (1852), a Dinamarca provocou a reação prussiana. Bismarck achava que se houvesse a separação dos ducados, os mesmos deveriam anexarse à Prússia. Como conseqüência, a Áustria achava que o melhor seria que os ducados permanecessem ligados à coroa dinamarquesa, pretendendo assim frustrar os planos de Bismarck. Porém, ambos, Áustria e Prússia acabaram enviando um ultimato à Dinamarca, que recusou, acreditando que a França e a Inglaterra ficariam do seu lado, o que não ocorreu. As tropas germânicas invadiram os ducados sem encontrar resistência. Em 30 de Janeiro de 1864, a Dinamarca cedeu à Áustria e à Prússia os ducados em litígio. A Áustria pretendia que os ducados se mantivessem separados da Prússia e governados pelo duque de Augustemburgo (Oliveira, pg 238). Bismarck não aceitou e resolveu usar a força, mas antes consultou Napoleão III, que disse que via com bons olhos a expansão prussiana, numa clara manifestação de retórica e astúcia política. A Áustria também buscava apoio francês, que tratava de impedir que a Itália ficasse ao lado da Prússia. A Áustria prometeu Veneza aos franceses, que apoiaram aos austríacos no desmembramento prussiano, em caso de vitória. Quando a guerra estourou, a Prússia estava praticamente isolada dentro da Alemanha; contava somente com a aliança de alguns pequenos estados alemães. Os demais seguiram à Áustria. Porém, a Itália acabou adotando a causa da Prússia, frustrando Napoleão III. Em 3 de Julho de 1866, os prussianos derrotaram os austríacos em Koniggrätz, na Bohemia. Tentando sair com algum ganho do fracasso diplomático, Napoleão III tentou fazer um acordo com Bismarck no qual a França anexaria Luxemburgo e Bélgica sem a interferência prussiana, mas não obteve êxito. 19 A paz entre a Áustria e a Prússia foi firmada em 23 de Agosto de 1866. A Prússia incorporou a Hannover, o norte do Hesse, Nassau e Frankfurt. Os estados do sul permaneceram independentes, mas aceitaram construir uma aliança defensiva com a Prússia. Dessa maneira a Baviera, Württemberg e Baden entravam de vez na nova Confederação dos Estados do Norte dirigida pela Prússia (Oliveira, 1995) Com o surgimento do parlamento da Confederação do Norte, novas forças políticas surgiram. Destaca-se o Partido Nacional Liberal, que iria representar os interesses da industria pesada. Era um partido imperialista, tendo como filosofia a expansão do Reich e o pangermanismo7. Dessa forma, começava a tomar forma o estado que, alguns anos mais tarde iria modificar totalmente o equilíbrio de poder na Europa. Contudo, a futura Alemanha precisava de uma estrutura econômica forte e capaz de impulsionar o expansionismo germânico e o movimento unificador nacional. Esse processo ficou conhecido como via prussiana. A VIA PRUSSIANA Vários foram os motivos que forçaram os industriais e comerciantes alemães a aceitar na política a pauta reacionária da Prússia; mas a causa principal desse fenômeno temos que buscar no rapidíssimo e tardio desenvolvimento da revolução industrial alemã. O capitalismo alemão tinha como premissa necessária a união nacional para a incrementação da expansão industrial e para a disputa de mercados e colônias no exterior. Esse processo – unidade nacional, expansão comercial, evolução industrial, imperialismo -, que durou na Inglaterra três séculos, se consumou na Alemanha em setenta anos. O capitalismo alemão, impaciente por conquistar os mercados mundiais e por possuir matérias primas em abundância, escolheu o caminho mais 7 Movimento que defendia a unidade dos povos germânicos na Europa Central. 20 curto para a unificação nacional, mesmo tendo menor poder político que a aristocracia. Quando emergiu a unidade alemã, o mundo já estava quase todo repartido entre as potências européias, e a esse fato atribuiu-se a notória precipitação, filha da agressiva ambição da burguesia, com que se realizou a unidade nacional. 8 A única condição, se não expressa e contratual, tácita e subentendida, que os liberais alemães puseram para aceitar a supremacia da Prússia foi que a mesma colocasse a idéia da unidade nacional como princípio político inalienável . A Prússia não era imperialista, mas possuía uma tradição militarista muito forte. Assim, as armas prussianas postas a serviço do imperialismo burguês prometiam rápidas conquistas exteriores. A vitória da Prússia sobre a Áustria fez de Bismarck o político das classes médias. Cinco anos depois, na vitória da Guerra Franco-Prussiana, a burguesia já aceitava com delírio o militarismo prussiano. Fig 6 – Otto von Bismarck Fonte: Google imagens 8 OLIVEIRA, A.R. “Historia Social y Politica de Alemania” México: FCE,1995. op. cit. 21 A GUERRA FRANCO-PRUSSIANA E A FUNDAÇÃO DO REICH MODERNO Com o oferecimento do trono espanhol ao príncipe alemão Leopoldo de Hohenzollern, a França de Napoleão III sentiu-se diretamente ameaçada por um suposto “imperialismo alemão”. Exigiu que Guilherme I fizesse a renúncia de Leopoldo em público, o que desagradou profundamente a Bismarck, que afrontou a França. Em 15 de Julho de 1870, Napoleão III declarava guerra à Prússia. A França não tinha aliados e estava disposta a manter em isolamento uma potência jovem como a Prússia e militarmente superior. Bismarck sempre pareceu seguro da vitória de seu exército, porque o exército prussiano, organizado magistralmente por Albrecht von Roon e posto a prova por Helmuth von Moltke na guerra com a Áustria, com uma oficialidade e um Estado Maior que eram a “nata” da sociedade, iria enfrentar um exército francês sem experiência guerreira e tropas não tão bem disciplinadas. Desde o princípio da guerra os alemães haviam tomado a ofensiva e invadido a França. O exército francês estava dividido em dois blocos: um na Alsácia e outro na Lorena. Um duplo ataque do exército alemão, em 6 de Agosto, resultou em vitória germânica. Os alemães, então concentraram-se na batalha de Grovelotte. Em Sedan, Napoleão III e seu exército sofreram uma grande derrota, a qual teve como conseqüência a rendição em 2 de Setembro de 1870. Feito prisioneiro, Napoleão III foi levado a uma entrevista humilhante com Guilherme I. Com a derrota e a prisão de Napoleão III todos pensavam que tudo estava acabado. Mas Bismarck, alertado por setores imperialistas não se deteve. Reuniuse com os partidos Progressista e Nacional Liberal e propôs a anexação da Alsácia e da Lorena por parte da Alemanha. Hoje sabe-se que esta anexação foi obra da burguesia industrial. “A anexação pela Alemanha da Alsácia e da Lorena foi imposta pela grande burguesia industrial renana decidida a não desperdiçar a ocasião de alargar novas fontes de matéria-prima e combustível, além de importante reforço das fundições Forges de Lorraine”.9 9 OLIVEIRA, op. cit. 22 Uma das conseqüências da Guerra Franco-Prussiana, foi a consumação da unidade alemã. A grande vitória do Norte e do Sul unidos despertaria na Alemanha um desmesurado entusiasmo e o sentimento de que devia se dar de forma solene e permanente aquela fecunda união militar. Os governos do sul da Alemanha firmaram convênios com a Prússia em virtude dos quais ingressavam na Confederação dos Estados do Norte. Essa união receberia o nome de Império Alemão e sua cabeça, o rei da Prússia, levaria o título de imperador da Alemanha. A constituição e a legislação prussianas, então, se estenderam a todo o Império. “Terminada a guerra com a França, a Alemanha sabia que havia plantado a semente de uma nova guerra. Mas, enquanto Bismarck governou, tratou de evitá-la. Transferiu a indenização de guerra para investimentos no exército, com o intuito de criar o maior exército da Europa”.10 Fig 7 – A Expansão da Prússia (1807 – 1871) Fonte: Wikipedia 10 OLIVEIRA, op. cit. 23 De acordo com Paul Kennedy11, a unificação alemã deveu-se, principalmente, a três aspectos militares que permitiram a Alemanha derrotar seus oponentes tanto na Guerra Franco-Prussiana quanto na Guerra Austro-Prussiana: a organização eficaz do exército, o transporte maciço por ferrovias e a superioridade armamentista. “A vitória da Prússia-Alemanha foi, claramente, uma vitória de seu sistema militar. Atrás dos avassaladores avanços da coluna alemã e a orquestração controlada do Estado-Maior estava uma nação muito melhor equipada e preparada para as condições de guerra moderna do que qualquer outra na Europa”12 A Alemanha, em 1870, já possuía a maior quilometragem de linhas ferroviárias do continente. A revolução industrial alemã estava criando um número maior de empresas de grande porte, como o conglomerado Krupp de aço e armamentos, que davam ao Estado prussiano-alemão sua força tanto industrial como militar. De uma economia livre-cambista, tornou-se uma economia protecionista, fomentando ainda mais os investimentos. De importadora de trigo, a Alemanha passou a exportar o produto (Oliveira, op.cit.). BISMARCK E A REALPOLITIK Pode-se dizer que realpolitik bismarckiana tem início no oferecimento do trono espanhol ao príncipe Leopoldo de Hohenzollern, pois, num golpe diplomático, Bismarck cercava a França territorialmente com inimigos hostis. O chanceler alemão tinha consciência da necessidade da união da Alemanha para formar uma potência forte e da importância das alianças com as demais potências para conseguir sobressair-se nas questões geopolíticas do continente europeu. O imperialismo e o expansionismo comercial e territorial eram 11 12 KENNEDY, P. Op. Cit. KENNEDY, P. op. cit. 24 princípios agendados na ótica de Bismarck, o que ficou claro na vitória da Guerra Franco-Prussiana. Porém, Bismarck não era uma louco, possuía um apurado realismo político. Esse fato ficou evidente quando o chanceler impediu o general Moltke de marchar sobre Viena após a vitória da Guerra Austro-Prussiana, pois isso poderia desencadear uma reação continental contra a Prússia. Bismarck sabia muito bem quando parar. Seu senso realista aplicado à geopolítica ficou conhecido como realpolitik. A realpolitik logrou mais sucesso na união da Alemanha do que a democracia parlamentar. Bismarck tinha consciência disso e, usando a realpolitik mais uma vez, arquitetou a Guerra Franco-Prussiana visando a união dos estados do Sul contra a França. No final, a Prússia venceu a guerra e fundou as bases de uma Alemanha unificada. O equilíbrio de poder europeu, após a Guerra Franco-Prussiana fora rompido. Bismarck criara no centro do continente um império com o exército mais poderoso do mundo. Nas palavras de Benjamin Disraeli, 1º ministro britânico na época: “A guerra representa a revolução alemã, um acontecimento político mais importante que a Revolução Francesa do século passado. Não há tradição diplomática que não tenha sido arrasada. O equilíbrio de poder foi inteiramente destruído.” (ROSE, pg 30) O mundo passava a olhar com desconfiança para a Alemanha após a vitória sobre a França. Todos a viam, agora, como um império agressor e perigoso conduzido por um líder astuto e que sabia como ninguém se posicionar no jogo diplomático continental. A realpolitik de Bismarck foi decisiva na política externa alemã depois de 1871. O chanceler buscou fortalecer a estabilidade na Europa e preservar a paz no continente, uma vez que um conflito a essa altura seria desastroso. Estabeleceu boas relações com todas as outras potências européias garantindo que as mesmas não se aliassem com a França. 25 Em 1873, Bismarck cria a Liga dos Três Imperadores, composta por Rússia, Áustria e Alemanha. Assim, estava estabelecida uma aliança em caso de ataque da França contra a Alemanha o que preocupava também aos ingleses. “Disraeli, primeiro-ministro inglês, viu a Liga dos Três Imperadores como uma ameaça à paz européia, principalmente por causa da participação da Rússia, arquiinimiga dos ingleses”13 A QUESTÃO BALCÂNICA No final do século XIX várias nacionalidades desafiavam o então decadente Império Otomano. Sérvios, montenegrinos, romenos, búlgaros, macedônios e gregos lutavam por independência. A Rússia e a Áustria já procuravam, então, uma maneira de intervir na região como forma de aumentar suas influências. A Rússia via a crise balcânica como uma forma de alcançar a sua saída para o mar Mediterrâneo, o que preocupava e muito ingleses e franceses, detentores do canal de Suez. A Alemanha, a princípio, não tinha interesses nos Bálcãs, mas não gostaria de ver seus aliados lutando pela região, o que poderia gerar uma cisão na aliança construída recentemente e prejudicar os planos e interesses alemães. Assim, a realpolitik alemã mais uma vez entrou em cena e o estado germânico conclamou seus aliados a dividirem os Bálcãs em duas áreas de influência. “Em abril de 1877, a Rússia entrou em guerra com o Império Otomano. As tropas do czar Alexandre II libertaram a Romênia e a Bulgária e , em Janeiro de 1878, tinham alcançado as cercanias de Constantinopla. Muito alarmado, o primeiro-ministro inglês Disraeli enviou a frota inglesa para deter os russos em Dardanelos, o estreito que separa o continente europeu da Turquia. Em 3 de Março, o Império Otomano foi forçado pelos russos a assinar o Tratado de San Stefano, que ampliava o território da Bulgária, expandindo suas fronteiras até o mar Egeu. A Bulgária era um estado-tampão da Rússia e o czar conseguira realmente conquistar 13 ROSE. J.R. “Bismarck”. São Paulo: Abril Cultural, 1987. 26 uma saída para o Mediterrâneo, ambicionada desde a Guerra da Criméia” (ROSE, pg 72). Diante deste avanço geoestratégico russo, Bismarck rompe o Tratado dos Três Imperadores como forma de por um fim às ambições dos russos. Surge, então, o “medo” de uma aliança entre a França e a Rússia e um possível ataque contra a Alemanha em duas frentes. Em 1879, é assinado o Tratado Renovado, uma aliança entre a Alemanha e a Áustria cuja finalidade era o comprometimento de ajuda mútua em caso de um ataque da Rússia. Em 1882 é firmada a Tríplice Aliança entre Alemanha, Áustria e Itália. A França não deixou por menos e assinou um tratado com a Rússia visando uma aliança militar em caso de ataque alemão. A Alemanha estava cercada por inimigos à leste e a oeste. “Os objetivos de Bismarck eram, principalmente, a curto prazo e defensivos, acalmar aliados nervosos em Viena, Roma e Bucareste; manter a França isolada diplomaticamente, preparar posições para um “retrocesso” caso os russos invadissem os Bálcãs. Mas a verdade é que Bismarck havia assumido compromissos que, mesmo não sendo de natureza pública, fez com que tanto a França como a Rússia se preocupassem com seu isolamento e suspeitassem que o grande intrigante em Berlim tinha formado uma coalizão formidável para esmagá-los em caso de guerra”14 A essência da estratégia diplomática de Bismarck se baseava no jogo de atirar uma nação contra a outra. Promovendo medos e rivalidades mútuas entre as várias potências européias, trouxe-as para os braços da Alemanha e foi capaz de preservar o equilíbrio de poder que possibilitou à Alemanha permanecer como a nação mais forte do continente. As aspirações da França, de recuperar a Alsácia e a Lorena, e da Rússia, de expandir-se na Europa Oriental, eram contidas principalmente pelo medo da Alemanha. Porém, a tendência de uma aliança franco-russa contra a Alemanha 14 KENNEDY, op. cit. 27 era inevitável. Em 1894 a Tríplice Aliança da Alemanha, Áustria e Itália tinha sido equilibrada pela aliança franco-russa, um compromisso político e militar nos moldes da Tríplice Aliança, o que, mais tarde, iria dividir a Europa em dois campos rivais: a Tríplice Entente (Inglaterra, França e Rússia) e a Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria e Itália), tendo como conseqüência a Primeira Guerra Mundial. O LEGADO DE BISMARCK Pode-se atribuir à figura de Bismarck a responsabilidade pela consolidação do estado e da nação alemã. Sua realpolitik construiu pragmaticamente os meios para tal feito. Por meio de alianças e ameaças, Bismarck sempre manteve seu objetivo: construir a Grande Alemanha. Entretanto, a obsessão de Bismarck não o tornava um líder impetuoso. Bismarck sabia muito bem das fraquezas de seu país, sobretudo se a França e a Rússia se unissem, pois o país ficaria “cercado” geograficamente. Por isso, sempre jogou diplomaticamente com as potências e estabeleceu alianças, mantendo como orientação primordial o equilíbrio das forças na Europa. Ele sabia que uma afronta direta da Alemanha a alguma potência poderia levar a uma guerra sem precedentes na história humana e destruiria a construção de seu país. Mas Bismarck, infelizmente, não pode continuar dirigindo os rumos germânicos. Com a morte de Guilherme I, assume seu filho Guilherme II, forte opositor de Bismarck. Institui diversas reformas sociais e ganha o apoio popular, jogando o povo contra o chanceler. Em 1890, Bismarck perde a maioria do Reichtag, o que o tornou uma liderança pífia. No mesmo ano, após insistência de Guilherme II, Bismarck renuncia ao cargo de chanceler, encerrando uma era de conquistas para a Alemanha. “Ao contrário do velho mestre, Guilherme II entendia pouco de realpolitik e não sabia quando parar. Construiu uma esquadra poderosa e confrontou-se com as outras potências na África em busca de colônias. Em 1907, acabou conseguindo levar a Inglaterra, a França e a Rússia a uma aliança. Bismarck sempre conquistara seus adversários dividindo-os e jogando-os uns contra os outros. 28 Enquando foi chanceler, Bismarck cuidou para que não se criasse um equilíbrio de poder instável. Para tanto, trabalhou afastando os aliados da França. Embora Bismarck importunasse a Inglaterra, não a provocou a ponto de fazê-la voltar-se contra a Alemanha e astutamente prendeu as outras potências européias numa rede de tratados que garantiriam a paz. Em 1871 e 1914 não ocorreu guerra importante na Europa, e Bismarck merece boa parte do crédito por este longo intervalo de paz” 15 Guilherme II, ao contrário de Bismarck, não calculava suas ações. Converteu a Alemanha da noite para o dia em potência colonial. Em 1894 adquiriu Camarões, o sudoeste da África (atual Namíbia), a África Oriental (atual Tanzânia) e parte da Nova Guiné. Em 1899 adquiriu as ilhas Marianas, o arquipélago das Carolinas e o de Palau, Samoa e a Polinésia. Esse imperialismo bateu de frente sobretudo com a Inglaterra, a maior potência da época e que, até agora, mantivera-se neutra em relação à Alemanha. Mas, diante de tal avanço, os ingleses começaram a articular uma reação ao pretensioso o kaiser Guilherme II. A Primeira Guerra Mundial apontava no horizonte. Bismarck previu tudo isso antes de morrer dizendo que se as coisas assim continuassem, a ruína aconteceria daqui a vinte anos16. A 1ª GUERRA MUNDIAL Com o desenrolar da 1ª Guerra Mundial, a Alemanha passa de maior potência industrial da Europa, com o mais bem treinado exército do mundo, para ser a mais frágil das potências nos anos 20. Juntamente com a Alemanha, a 1ª Guerra destruiu e amputou o Império Habsburgo (Austro-Húngaro). Espalhado pelo continente europeu do norte da Itália à Galícia, agia como fulcro central do equilíbrio europeu, contendo as ambições francesas na Europa ocidental e na Itália, preservando o status quo na Alemanha contra os “nacionalistas” da Grande Alemanha e os expansionistas prussianos, e colocando uma barreira à penetração russa nos Bálcãs. 15 16 ROSE, J.R. op. cit. ROSE, J.R. op. cit. 29 Geopoliticamente, pode-se colocar como causas imediatas do conflito as seguintes circunstâncias: 1.O medo do Império Austro-Húngaro da expansão da Sérvia, reino pequeno, mas ativo, intrigante e ambicioso; que, segundo Viena, estava minando os fundamentos da dupla monarquia, estimulado pela Rússia; 2.a intenção alemã de dominar os Bálcãs e ampliar seu poderio até Bagdá, governar o mercado universal e possuir a frota de guerra mais poderosa do mundo; 3.o sonho da Rússia de se apoderar de Constantinopla e dominar os estreitos e conseguir alcançar o Mediterrâneo; 4.o espírito de revanche da França, que não perdoava a Alemanha pela derrota de 1871, nem tampouco pela anexação da Alsácia e da Lorena; 5.o temor britânico de que a Alemanha expulsasse a Inglaterra dos mercados mundiais e, sobretudo, o rápido desenvolvimento da potência naval germânica. “Como as outras potências, a Alemanha não duvidava da sua vitória, para a qual se preparou com muita precisão, traçando os planos de sua dominação futura na Europa. A Alemanha aspirava, uma vez ganha a guerra, levantar um Império alemão baseado na Europa Central. Seria um sistema de dominação política e econômica direta e indireta. Anexariam-se territórios em suas fronteiras orientais e ocidentais. A Europa Central seria uma entidade econômica dirigida pela Alemanha. Criariam-se estados clientes, que seriam como postos avançados do Reich”. A dominação da Europa Central pela Alemanha não se limitaria a união da Alemanha com o Império Austro-Húngaro; incluiria partes consideráveis da Europa Ocidental, Oriental e Meridional. Bélgica, Polônia, Finlândia, Romênia, Ucrânia e toda a região do Báltico até a Estônia seriam estados clientes, tampões, estreitamente ligados ao novo Reich na política, no militarismo, na cultura e na economia. O desfecho da guerra, porém, adiou esse projeto, pelo menos por mais de 80 anos, até a reunificação do pós Guerra Fria. A Alemanha perdera a guerra e a condição de potência. O desenho geopolítico do continente havia mudado; o então 30 presente Império Áustro-Húngaro fora mutilado e seu herdeiro mais legítimo, a Áustria, tornara-se apenas um pequeno país encravado nos Alpes. Novos países foram criados ou tornaram-se independentes: Polônia, Tchecoslováquia, Iugoslávia, Hungria. O mundo assistia, também, a supremacia econômica, financeira, política e militar dos Estados Unidos e, em breve, ao nascimento da União Soviética, que instituiu junto com os americanos a bipolaridade mundial por quase 70 anos. No Tratado de Versalhes, a idéia dominante foi a de destruir a Alemanha enquanto grande potência. Haveria de ser eliminado dessa nação todo vestígio de força militar e quebrar, sobretudo, a economia alemã. A Alemanha perdeu 6 milhões de habitantes e consideráveis quantidades de matéria-prima. Perdeu suas colônias na África, na Ásia e na Oceania. A França recuperou a Alsácia e a Lorena, responsável por 75% do minério de ferro produzido na Alemanha. O país, após a 1ª Guerra, estava em retalhos: a monarquia havia caído e no lugar surgira a pitoresca e inoperante República de Weimar, as indenizações levaram a população à miséria, as forças armadas já não mais existiam e os diversos setores da sociedade degladiavam-se pelo país. Os anos 20 representaram a miséria germânica. Mas este cenário não tardaria a mudar, pois começou nesse período a formação de um movimento que iria novamente colocar a Alemanha no topo do mundo, como uma potência, e iria abalar todo o planeta com sua força: o Nacional-Socialismo. 31 CAP 3 – A ALEMANHA NAZISTA Como já observamos, o Tratado de Versalhes amputou todos os tentáculos do Império Alemão. Não somente acabou com as posses coloniais da Alemanha, como também destruiu o império enquanto forma de governo, aniquilando a monarquia e instituindo, à força, um regime republicano “democrático”. A então República de Weimar encontrava-se totalmente falida e sem perspectivas de melhora, envolta por vultuosas indenizações que devia aos aliados e sem nenhuma força econômica ou militar que pudesse alavancar o país. Na década de 1920, a Alemanha parecia, de longe, a mais fraca e conturbada das grandes potências descontentes com os acordos territoriais e econômicos do pós-guerra. Acorrentada às especulações militares do Tratado de Versalhes, limitada estrategicamente pela transferência das regiões de fronteira para a França e a Polônia, agitada internamente pela inflação, tensões de classe e a correspondente volatividade e confusão do eleitorado e dos partidos, a Alemanha não dispunha de liberdade de ação nos assuntos externos e nem nos internos. A inflação alcançou dimensões até então desconhecidas no mundo. Registraram-se cinco tentativas de golpe de estado17. O povo passou fome, não somente porque as potências vitoriosas prolongaram o embargo depois do armistício, mas porque as mesmas se apropriaram de todo o gado e dos meios de transporte. Diante de tal calamidade, a Alemanha não consegue assumir os compromissos financeiros com as potências vencedoras e começa a não pagar em dia as indenizações. “A França acusa os alemães de não cumprir os compromissos e, em 1920, ocupa a cidade de Frankfurt. Em 1921 ocupa militarmente três lugares do Ruhr. E, em Janeiro de 1923, com um exército de 60 mil homens, ocupa toda a região industrial” 18 17 18 OLIVEIRA, A.R. op. cit. pg. 338. OLIVEIRA, A.R. Op. cit. 32 A invasão francesa causa um impacto na população. O proletariado começa a resistir aos invasores. Os franceses, num desses episódios, abriram fogo contra os operários das fábricas Krupp, matando treze pessoas. A cada dia aumentavam os atos contra as forças de ocupação. Essa ocupação do Ruhr acabou dificultando ainda mais as exportações, irritando ainda mais os alemães. Irritou também a Inglaterra, que via com preocupação o avanço francês. Isso acelerou o fim do Tratado de Versalhes, que somente poderia ser imposto se os aliados permanecessem unidos. Portanto, a invasão francesa acabou modificando os quadros geopolíticos europeu e alemão, uma vez que desestabilizou a aliança que mantinha a Alemanha encurralada. Para que a Alemanha não parasse definitivamente de pagar suas dívidas, os aliados resolveram fomentar o desenvolvimento da grande indústria alemã, esperando assim receber parte das dívidas e explorar o quanto pudessem da máquina industrial alemã. Foi elaborado então o Plano Dawes. Esse plano consistia em um empréstimo de 5 bilhões de dólares com o objetivo de reerguer a grande indústria alemã. A Alemanha tomou empréstimos de várias nações, reconstruiu sua indústria e acabou montando uma formidável máquina produtiva, superior em qualidade e potencial a que tinha em 1913. Esse desenvolvimento acabou, mais tarde, sendo a base do 3º Reich. A idéia de reconstruir a Alemanha acabou se tornando o maior dos erros das potências vencedoras. O NACIONAL-SOCIALISMO O ambiente social e político que a Alemanha vivenciava nos anos 20 era extremamente favorável ao desenvolvimento de um regime fascista, cujas características eram o autoritarismo e o forte apelo populista. O fascismo era uma espécie de contra-revolução própria de uma nação proletarizada, cuja classe média havia sido expropriada pela inflação, pelos impostos e pelo desajuste da guerra e cuja grande burguesia se sentia seriamente ameaçada. 33 Esta forma de política ocorreu não somente na Alemanha, mas também na Itália. Mas a diferença fundamental entre o fascismo italiano e o fascismo alemão – também chamado de nazismo – era a origem de cada um. O fascismo italiano recebeu seu principal impulso prático da burguesia industrial, que estava em conflito com o exército, que não sentia simpatias por sua organização paramilitar demagógica que poderia sufocar sua posição no Estado. O exército italiano integrou-se ao fascismo quando os industriais já o haviam feito, e jamais chegou a identificar-se completamente com esse movimento. Já na Alemanha, o verdadeiro fundador do nazismo foi o exército, o Reichwehr. A grande indústria deu o respaldo a Hitler muito mais tarde, quando o nazismo já havia adquirido força incontestável. Na Alemanha, o Tratado de Versalhes aniquilou toda a organização militar; já na Itália, o mesmo tratado impôs uma derrota para os grandes capitalistas, não para o exército. É essa a grande diferença entre o fascismo italiano e alemão. A RECUPERAÇÃO ECONÔMICA Com o Plano Dawes e a injeção de capital estrangeiro na economia alemã, começa a recuperação econômica. No final de 1924, a Alemanha começa a entrar na normalidade. Os franceses haviam se retirado do Ruhr e a grande industria começava a se adaptar às produções dos tempos de paz. A nação germânica começava a se recuperar. Empréstimos eram concedidos a curto prazo. Em 1929, a Alemanha possuía a indústria mais moderna do mundo. Essa indústria, por si só, estava em condições de abastecer de produtos manufaturados uma parte considerável do globo. Mas o mercado interno alemão não podia sustentar as formidáveis empresas alemãs e, com a crise de 1929, os mercados externos não tinham condições de importar seus produtos. A catástrofe foi inevitável. Seis milhões de empregos deixaram de existir e a Alemanha voltou a ser um país de mendigos. A inflação destruiu a classe média, assim como a possibilidade de uma república democrática ou uma monarquia parlamentar. 34 Diante de tal circunstância a única forma de governo que obteria sucesso seria uma regime totalitário. O NASCIMENTO DA REVISTA DE GEOPOLÍTICA Foi no ambiente de crise e recuperação econômica e política alemã que surgiu, em 1924, a Revista de Geopolítica (Zeitschrift für Geopolitik – ZfG). Essa publicação tornou-se logo uma referência entre os pesquisadores que se dedicavam ao tema Geopolítica no período antecedente à 2ª Guerra Mundial e, também, um instrumento de propaganda do expansionismo alemão. Na República de Weimar, prevaleceu a Lebensphilosophie como norte intelectual, ainda que não se tratasse de um sistema ou escola de pensamento, tendo como característica fundamental a negação do universalismo abstrato, do cosmopolitismo uniformizador e do raciocínio mecanicista atribuídos ao positivismo e ao materialismo das correntes científicas vigentes. Os geopolíticos do período acabaram adotando essa visão como fundamento filosófico de suas pesquisas. “Na leitura que os geopolíticos fizeram dos conceitos geográficos, passando pela fundamentação na Lebensphilosophie, predominou uma argumentação baseada em faculdades que não seriam admissíveis para um positivista, tais como a intuição, o sentimento, a sensibilidade, elementos presentes no debate da Landschaft (paisagem), desde Humboldt. Nas mãos dos geopolíticos, esses conceitos foram reelaborados para justificar a política nazista que se impôs após os anos 30”. 19 Dessa forma, os geopolíticos estabeleceram vínculos entre conceitos de povo e espaço que surgiram a partir de uma série de mitos, tais como o da germanidade (deutschtum) ou do sangue e solo (blut und boden), resultantes da ligação íntima entre raça e espaço, fomentando uma forma de racismo, aceito como científico na Alemanha nazista. 19 SILVA, A.R. “A Geopolítica Alemã na Rep. De Weimar” Rio Claro: UNESP, 2003. pg 5 35 Outro mito que teve forte influência nos geopolíticos foi o da centralidade, a partir do qual foi elaborado o conceito de Mitteleuropa (Europa Central), que aglutinou o amplo espectro de reivindicações expansionistas, sob alegações absolutamente subjetivas, vinculadas à idéia de destino, harmonia, unidade, totalidade, essência, arte, emoção, alma, ritmo, dentre outros comuns nos ensaios da Revista de Geopolítica20. A Revista de Geopolítica teve como líder e principal orientador o general e geógrafo alemão Karl Haushofer, chefe do Instituto Geopolítico de Munique e responsável pela elaboração da Geopolitik nazista. Mas a revista também recebia colaborações de diversos intelectuais como, por exemplo, historiadores, geógrafos, políticos e jornalistas. Além disso, a Revista de Geopolítica possuía uma farta lista de assinantes. De acordo com Altiva Barbosa da Silva, de uma lista de mil assinantes constantes no arquivo de Haushofer, um quarto residia no exterior, o que nos mostra o interesse e a repercussão desse periódico fora da Alemanha. A revista era lida em diversos países, tanto no Japão quanto nos países anglo-saxões. Uma das maiores contribuições da Revista de Geopolítica foi a cartografia geopolítica, considerada como um dos instrumentos pedagógicos mais importantes para a efetivação do ideário geopolítico alemão. Os mapas expressavam tanto o desejo expansionista, a supremacia racial ariana, a predominância lingüística do alemão na Europa Central. Outro conceito que a Revista de Geopolítica ajudou a difundir foi o do Espaço Vital (Lebensraum), que consistia na conquista de terras do leste europeu para o estado alemão. Hitler não teve outra finalidade que a de conquistar vastos territórios no leste da Alemanha e colonizá-los sem piedade, como na antiga Ordem Teutônica21. Seu instinto político lhe dizia que o racismo e o pangermanismo não bastavam para atrair as multidões, daí seu apelo ao expansionismo territorial. 20 21 SILVA, A.B. op. cit. OLIVEIRA, A.R. op. cit. 36 “O dever da política externa de um estado nacionalista é assegurar a existência da raça incluída no Estado, estabelecendo uma proporção natural entre o número e o crescimento da população, de um lado, e, de outro lado, a extensão e a qualidade do solo... Chamo de proporção natural a possibilidade do Estado de assegurar a alimentação a um povo no seu próprio solo. Somente um suficiente espaço na terra é que assegura a um povo a liberdade de existência”.22 O espaço vital germânico, para Hitler, não consistia apenas em assegurar a alimentação, mas tinha forte inclinação militar e territorial. “Quando um povo tem assegurada a sua alimentação pela extensão de seu território, é ainda necessário considerar a garantia do próprio solo. Esta reside na força política do Estado, que, por sua vez, é determinada por pontos de vista militares e geográficos”23. Na visão hitlerista, o aumento do tamanho do território era uma condição imprescindível para a transformação da Alemanha numa potência. “Em uma época em que aos poucos o mundo é dividido entre alguns Estados, dos quais uns quase abraçam continentes, não se pode falar em potência mundial de menos de 500 mil Km2 ” 24 Entretanto, Hitler considerava a aquisições de colônias fora de propósito, uma vez que o tamanho da Alemanha permaneceria inalterado. Para o Führer, a questão central era aumentar a Alemanha para os alemães. Colônias acabariam por “misturar” o povo alemão com outras raças, o que na visão racista do nazismo era inaceitável. Colônias apenas fariam com que a Alemanha dominasse outros povos, não aumentando a união territorial alemã. Aumentando o território nacional, aumentar-se-iam a unidade nacional. “A aquisição de colônias não resolve essa questão... não há solução fora da conquista de território para a colonização que 22 HITLER, A. “Minha Luta” São Paulo: Centauro, s/d. HITLER, op. cit. 24 HITLER, op. cit. 23 37 aumente a extensão territorial da mãe-pátria e, com isso, não só mantenha os colonizadores em contato íntimo com o seu país de origem como também assegure as vantagens de uma unidade perfeita.” 25 HITLER NO PODER Em 1933 Hitler chega ao poder e começa a por em prática o seu projeto, declara como único partido legal na Alemanha o partido nazista e volta a instituir o serviço militar obrigatório declarando, então, que a Alemanha não vivia mais sobre o Tratado de Versalhes. A guerra era para o nazismo um fim em si mesmo, não importando que outras nações como a Inglaterra e os Estados Unidos fossem militarmente superiores. Na realidade, o que importava para os nazistas era produzir o caos no mundo, humilhar os franceses, perturbar os ingleses. Enfim, acabar com a paz. A grande diferença da Alemanha de Guilherme II para a Alemanha de Hitler, era que para o imperador a guerra era um meio e para o Führer um fim em si mesmo. Para os nazistas, sair-se mal na guerra não criaria uma situação pior da que a Alemanha vivia até então. Segundo a tese nazista, a Alemanha nada tinha a perder, salvo seus grilhões26. Hitler era muito diferente de seus antepassados frederickianos e bismarckianos, em seus esquemas fantásticos de poder mundial e sua indiferença final por todos os obstáculos que se opunham a eles. Impelido tanto por essas ambições maníacas, a longo prazo, Hitler, como os japoneses estava obrigado a modificar a ordem internacional o mais depressa possível. Para tanto, o Führer começa a querer costurar as primeiras alianças, no intuito de por em prática seus planos. Na segunda metade de 1935, o cenário criado pelas grandes potências começa a desintegrar-se sem que Hitler tivesse levantado um dedo. As diferentes visões anglo-americanas do “problema de segurança” já se revelavam no constrangimento britânico ante a renovação dos elos franceses com a União 25 26 HITLER, A. op. cit. OLIVEIRA, A.R. op.cit. 38 Soviética de um lado, e o desânimo francês ante o acordo naval anglo-germânico de Junho de 1935 de outro. Ambas decisões foram tomadas unilateralmente para proporcionar mais alguma segurança. A França queria trazer a União Soviética para o equilíbrio europeu, a Grã-Bretanha estava ansiosa para harmonizar suas necessidades navais nas águas européias e no Extremo Oriente, mas cada uma dessas medidas pareceu ao outro representar um sinal errôneo para Berlim. NOVAS ALIANÇAS Em 1935 o ministro de negócios estrangeiros britânico, Sir John Simon e Mr. Anthony Eden visitaram o Führer em Berlim, e o mesmo os revelou que a Alemanha já era mais forte no ar que o Império Britânico. Simon e Eden ficaram estupefados. Eden seguiu viagem à Moscou para falar com Stálin. Este, porém, não se surpreendeu com a magnitude do rearmamento alemão. Ouve, então, uma “reaproximação “ entre a Grã-Bretanha e a União Soviética. Os ultraconservadores britânicos, entretanto, não simpatizaram com essa “reaproximação”. A França também tratou de firmar uma aliança com a URSS (o pacto Franco-Soviético) tomando uma precaução caso o exército alemão avançasse até o Reno. Mas esse pacto despertou certa desconfiança nos ingleses. Em 7 de Março de 1936, o exército alemão ocupou a zona desmilitarizada do Reno, sem que nenhuma potência tomasse alguma represália militar. A força do exército alemão e o poder do estado nazista cresciam a cada dia. Em Julho de 1936, Hitler e Mussolini iniciaram uma agressão contra a Espanha tirando deste acontecimento a experiência militar que lhes faltava. Uma aliança com a Inglaterra permanecia crucial nos pensamentos de Hitler. “Hitler sempre temeu a guerra contra a Inglaterra. Tratou de ganhar a confiança de Londres para a sua política de dominação européia. Sua fórmula era: para nós a terra; para a Inglaterra o mar. Mas esta ambiciosa aspiração nazista estava em conflito com a política tradicional inglesa e era inteiramente contraria aos interesses britânicos. Hitler, que dava a questão racial uma 39 importância que não era concebida pelos ingleses, não achava impossível um diálogo com Londres baseado na partilha do mundo entre os alemães e os anglo-saxões. Muitos conservadores britânicos nutriam a fé de Hitler de aniquilar a França e roubar territórios da Rússia.” 27 A principal dificuldade para uma entente anglo-alemã consistia na política de Hitler em relação à França. Hitler queria ter a Inglaterra como aliada numa guerra com os demais países europeus. Em troca da proteção alemã contra o bolchevismo, Hitler pedia à Inglaterra que abandonasse a França. Hitler e seu ministro de relações exteriores Joachim vom Ribbentrop acreditavam que se apresentassem a agressão alemã como uma cruzada contra o comunismo, a Inglaterra não se oporia à conquista do continente europeu. No outono de 1937, Hitler recebeu a visita de Lord Halifax e se tornou público que o diplomata britânico fora comunicar ao Führer o desejo do governo britânico de firmar um pacto do Oeste a fim de garantir o status quo nesta parte da Europa. O caminho para o Leste, pelo que concernia a Inglaterra, estava livre para Hitler. Com a esperança de dirigir o expansionismo germânico para o Leste, a França firmou o pacto franco-alemão, assinado em 6 de Dezembro de 1938, em Paris, por Ribbentrop e George Bonnet. Assim, tanto a França quanto a Inglaterra trataram de firmar acordos no sentido de afastar a possibilidade de um ataque alemão, empurrando-os para o Leste e garantindo um tempo maior para uma possível reação futura. Em 1938, no mês de março, a Alemanha toma a capital austríaca, Viena. Em Setembro caiu a Tchecoslováquia e, em março de 1939, a Espanha fora conquistada pelas tropas franquistas apoiadas por Hitler e Mussolini. 27 OLIVEIRA, A.R. op. cit. 40 O PACTO MOLOTOV-RIBBENTROP Em 1939, um pouco antes de começar a Segunda Guerra Mundial, Ribbentrop toma um avião com destino a Moscou onde iria formar um pacto com Molotov, ministro das relações exteriores da União Soviética. Este pacto ficaria conhecido como Pacto Molotov-Ribbentrop ou Pacto Germano-Soviético de NãoAgressão. Em 25 de Agosto foi firmado o pacto. O mesmo ressaltava que a Europa Oriental ficaria dividida em esferas de influência, russa e alemã. A Polônia seria dividida entre ambos. A URSS pretendia, ao assinar o pacto, apaziguar por um tempo a Alemanha. Mal preparada para a guerra, a URSS temia ter de lutar em duas frentes, caso o Japão invadisse seu território. Isso levou Stálin a fazer o acordo com Hitler. A Alemanha, por sua vez, também se livraria de uma guerra em duas frentes. A invasão da França era a grande obsessão nazista e, depois da ocupação da Polônia, antiga aliada da França, o exército nazista se voltaria à Oeste para o grande objetivo. O inimigo número um da Alemanha, tanto para o Führer, quanto para o exército, os grandes industriais e os Junkers, era a França. A invasão da França era a única que poderia unir o povo alemão totalmente28. E, finalmente, em Junho de 1940, a nação francesa fora derrotada. Hitler entrou em Paris como conquistador. A grande ambição de sua vida fora cabalmente cumprida. Porém, nem Hitler nem Ribbentrop perdiam a esperança de que os ingleses viessem a negociar a paz, agora que a Alemanha dominava boa parte do continente. Confirmava-se, assim, que a Alemanha não poderia derrotar a Inglaterra militarmente, a vitória teria de ser política. Hitler havia começado a guerra sem poder naval suficiente, enquanto que a frota inglesa era a maior e a mais poderosa do mundo. Os nazistas depositaram suas esperanças na guerra submarina e na força aérea (Luftwaffe). Em 1941, a Alemanha começou os ataques aéreos à Inglaterra, mas antes do final daquele ano a campanha já havia fracassado. A Royal Air Force imprimiu 28 OLIVEIRA, A.R. op. cit. 41 uma resistência que a Luftwaffe não esperava, tornando os ataques diurnos impossíveis e fazendo com que os bombardeios alemães se concentrassem à noite, o que dificultava os alvos militares. “Com a impossibilidade de derrotar a Inglaterra militarmente, os nazistas buscam uma alternativa diplomática. Em Maio de 1941, Rudolf Hess vai secretamente à Escócia buscar uma possível negociação de paz com os ingleses, mas era tarde” 29 Diante do fracasso de um acordo com os ingleses, Hitler volta-se para os Bálcãs e a Grécia a fim de garantir a posição geopolítica da região para a Alemanha nazista antes que os ingleses o fizessem e garantir, no futuro, o sucesso da “Operação Barbarossa” (a invasão da URSS, com a qual Hitler tinha um pacto desde1939). Em 6 de Abril de 1941, os exércitos alemães e italianos invadem a Iugoslávia pela Áustria, pela Ístria e pela Albânia. Os primeiros aeroportos são bombardeados. Diante da blitzkrieg30, a Iugoslávia, sem preparação, mergulha no caos. Em Zagreb, capital da Croácia, a entrada dos alemães foi saudada pela população em festa. Nesse mesmo dia, em Zagreb, o coronel Slavko Kvaternik proclama um Estado independente na Croácia com o apoio do governo fantoche empossado pelos nazistas. Essa atitude seria relembrada quase 50 anos depois, na época do desmembramento da Iugoslávia e da proclamação da independência da Croácia e de outras nações pelos nacionalistas croatas e, mais uma vez, receberam o apoio e o reconhecimento do Estado alemão. Coincidência ou geopolítica? A rendição incondicional da Iugoslávia foi assinada no QG alemão em Belgrado em 17 de abril, 11 dias depois do início da invasão. Com a região balcânica sob seu domínio, Hitler decide por em prática seu plano mais ousado, a invasão da URSS. “O governo nazista acreditava que assim que o exército alemão penetrasse as fronteiras russas, o apoio aliado que se havia negado se concretizaria, o que não ocorreu. Muito pelo contrário, a 29 30 OLIVEIRA, A.R. op. cit. Guerra relâmpago, em alemão. 42 Inglaterra avisou Stálin várias vezes que Hitler o atacaria, mas o líder soviético achava que se tratava de provocação”31 No dia 22 de junho de 1941 a Alemanha nazista invadiu a União Soviética. Winston Churchill, líder britânico, declarou pelo rádio que daquele momento em diante a Inglaterra tornara-se aliada da URSS. O exército alemão chegou às portas de Moscou sem maiores problemas. O exército vermelho carecia de logística e de equipamento à altura para impor uma forte resistência. Além disso, dominava a idéia de que o exército vermelho usaria de contra-ataque contra qualquer invasor, o que transferia as preocupações e os cuidados da defesa para a retaguarda. Stálin tinha o maior dos interesses em manter o pacto Molotov-Ribbentrop e, por isso, descuidou de sua defesa. Acreditou sinceramente que Hitler não iria atacá-lo. Esta fatídica decisão alemã de invadir a URSS modificou todas as dimensões do conflito. Estrategicamente, isso significou que a Alemanha tinha de lutar agora em duas frentes, o que acarretou um problema muito grande para a Luftwaffe, que teve seus esquadrões dispersos entre o Oeste, o Leste e o Mediterrâneo. Além disso, a forte resistência em Moscou e em Stalingrado por parte dos soviéticos, fez com que os nazistas recuassem e perdessem boa parte de seus contingentes. As baixas alemãs chegaram a 1.250.000 homens. Essa ofensiva colocou o grosso do exército alemão na URSS, deixando desguarnecida a frente ocidental. As tropas alemãs estavam espalhadas pelo continente. Enquanto isso, tropas aliadas se rearmavam na Grã-Bretanha e preparavam a contra-ofensiva. A simples extensão geográfica e as exigências logísticas de uma campanha a centenas de quilômetros no interior da Rússia acabaram com a maior vantagem do Wehrmacht32: sua capacidade de lançar ataques fulminantes dentro de espaços limitados (blitzkrieg), de modo a superar o inimigo antes que suas reservas acabassem e sua máquina de guerra diminuísse de ritmo33. 31 OLIVEIRA, A.R. op.cit. O exército alemão. 33 KENNEDY, P. op. cit. pg 239. 32 43 A essa altura, os aliados começaram a fazer diversas incursões ao território alemão. No primeiro semestre de 1942, cidades como Colônia (Köln) e Hamburgo foram bombardeadas e devastadas. Em 12 de Agosto de 1942, Churchill reuniu-se com Stálin em Moscou para avisá-lo que os aliados ainda não tinham condições de abrir uma frente ocidental contra os nazistas, mas que já estavam preparando uma forte ofensiva no norte da África, então sob domínio nazista. A partir de então, os domínios nazistas começaram a diminuir, as derrotas se sucederam. Em 11 de Maio de 1943 os alemães são definitivamente derrotados no Norte da África; em agosto de 1943 os aliados conquistam a Sicília e Mussolini é derrubado. Na Iugoslávia, o Marechal Tito organiza uma verdadeira guerrilha de defesa contando com o suporte logístico dos aliados e incrementos do exército vermelho. Em 1944 os alemães já estavam derrotados no Leste Europeu e boa parte de suas cidades já estavam destruídas. A 6 de Junho de 1944 os aliados desembarcam na Normandia. Em 1º de Maio de 1945 os soviéticos tomam Berlim. E, no dia 7 de Maio de 1945, os alemães assinam a rendição incondicional. Fig 8 – Área máxima do domínio nazista na Europa 44 A CONFERÊNCIA DE YALTA E A DESTRUIÇÃO GEOPOLÍTICA ALEMÃ Um pouco antes do final da Segunda Guerra Mundial, entre os dias 4 e 11 de fevereiro de 1945, foi realizada a Conferência de Yalta, no balneário de mesmo nome situado na região da Criméia, na União Soviética, às margens do Mar Negro; com a participação de Churchill, Roosevelt e Stálin. Os principais assuntos tratados foram: a ocupação da Alemanha, reparações, países liberados, a Polônia e a construção da ONU. Ficou decidido que a Polônia receberia os territórios alemães até o rio Oder e que a Alemanha seria dividida em zonas de ocupação. Outra decisão importante foi a transformação dos países da Europa oriental em área de influência da URSS. Além dessas medidas, foi firmado o propósito da destruição geopolítica alemã. Na resolução da Conferência de Yalta, entre outras coisas, ficou estabelecido o segunte: “É nosso inflexível propósito destruir o militarismo e o nazismo alemão e assegurar que a Alemanha nunca mais volte a perturbar a paz mundial. Estamos decididos a desarmar e licenciar a todas as forças armadas alemãs; a destruir para sempre o Estado Maior Alemão, que repetidas vezes conseguiu ressuscitar o militarismo alemão; a eliminar e/ou controlar qualquer indústria alemã que possa ser empregada na produção militar alemã ...” Em Julho de 1945, após a derrota alemã, os aliados reuniram-se para uma nova conferência em Potsdam, subúrbio de Berlim. Dos “três grandes” apenas Stalin participou dessa conferência, pois Churchill perdera a eleição e Roosevelt havia falecido pouco antes. Na Conferência de Potsdam, ficou estipulado que a Alemanha pagaria 20 bilhões de dólares de indenizações aos aliados. Foi decidido ainda reduzir a produção de aço, transferir a maior parte das fábricas para os aliados e promover o julgamento dos líderes nazistas no Tribunal de Nuremberg. Finalmente, a Conferência de Potsdam confirmou a divisão da Alemanha em quatro zonas de ocupação onde cada aliado ficaria responsável pelo domínio de uma. 45 O Estado alemão fora retalhado tanto em seus aspectos territoriais, quanto nos geopolíticos. Mas, sua postura geopolítica revelava ao mundo que esta teoria poderia desequilibrar o equilíbrio mundial. O general Haushofer e seu Instituto de Munique produziram um material totalmente voltado e pensado para o expansionismo alemão e para a consolidação de seu espaço estratégico. Seus mapas, cartas geográficas, estatísticas e informações foram, desde o início, amplamente utilizados pelo regime nazista. Segundo Mello34, muitos acreditavam que Haushofer era o grande guru de Hitler, mas se compararmos as idéias do Führer com os escritos de Haushofer perceberemos que ambos possuíam visões diferentes e mesmo antagônicas em política externa. Para Haushofer, o estabelecimento de uma aliança com a Rússia era a chave para vencer a GrãBretanha e por a Europa sob a suserania de uma Grande Alemanha. Essa idéia era baseada nas idéias geopolíticas de Mackinder, que acreditava que uma coalizão russo-germânica engendraria as condições necessárias para o desenvolvimento de um poder anfíbio continental-oceânico capaz de arrebatar ds potências insulares a preponderância mundial. “Haushofer via na Rússia bolchevista o aliado geopolítico natural, que serviria de ponte ou elo de ligação entre a Alemanha e os povos asiáticos da região indo-pacífica, cujo inimigo comum eram o colonialismo e o poder marítimo britânicos. Portanto, eram os imperativos geopolíticos da posição ocupada pelos alemães no centro da Europa e pelos russos no heartland da Eurásia – e não as divergências ideológicas entre nazismo e bolchevismo – que deveriam nortear a política da Alemanha em relação à Rússia”35 O general Haushofer opunha-se a uma guerra contra a Rússia, pois sabia ser quase impossível conquistar um Estado-pivô de dimensões continentais que tinha à sua retaguarda os imensos recursos e os grandes espaços do heartland eurasiano. Entretanto, a invasão da URSS reverteu o quadro de guerra na Europa e o sonho de Haushofer da organização de um bloco transcontinental eurasiático; demonstrou, também, de maneira inequívoca, que Hitler desconhecia as idéias de 34 35 MELLO, L.I.A. “Quem tem medo da Geopolítica”. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1999. MELLO, L.I.A. op. cit. 46 Mackinder e não tinha nenhuma concepção geopolítica coerente da política de poder alemão. Seus desejos eram o de destruir a França e colonizar a Europa oriental, sem prejuízos à coexistência com o Império Britânico. O Pacto Molotov-Ribbentrop, pareceu aos olhos de Haushofer, confirmar sua tese da aliança continental, mas esse episódio fora apenas uma estratégia de Hitler para ganhar tempo no Leste. O Führer pautava-se mais pelas suas idéias expostas no Mein Kampf 36do que na cientificidade geopolítica. “Para Haushofer, a aliança com a URSS era fundamental; para o Führer a aliança com a Inglaterra é que garantiria sua existência.”37 Entretanto, a Inglaterra jamais aceitou a germanização do continente. Para Mello (1999), uma Europa germanizada era incompatível com a secular política britânica de poder que – desde a Paz de Vestfália, passando pelas guerras da Revolução e do Império, até a 1ª Guerra Mundial – tornou-se fiadora do equilíbrio europeu e, conseqüentemente, inimiga jurada de qualquer potência aspirante à hegemonia continental, fosse ela a França, a Rússia ou a Alemanha. Essa postura britânica era muito coerente com sua concepção geopolítica e Haushofer percebeu isso desde o início, ao contrário de Hitler. Haushofer concebia uma constelação anti-britânica de poder, com seu eixo no heartland russo-soviético e seus pontos terminais alemão e japonês ligados entre si por uma rede de transporte terrestre. Seu objetivo era isolar e aniquilar geopoliticamente a Inglaterra. O desenrolar da guerra comprovou a debilidade geopolítica das posturas adotadas pelo Führer. Porém, se o mesmo tivesse adotado os princípios elaborados por Haushofer com base em Mackinder, o desfecho da guerra seria outro e a história mundial teria tomado outro rumo. Pode-se afirmar que Mackinder influenciou a geopolitik de Haushofer; mas não se pode dizer o mesmo de Haushofer em relação à Hitler. A ideologia no lugar da cientificidade fez com que a Alemanha fosse derrotada. 36 37 “Minha Luta”, livro escrito por Hitler durante sua prisão nos anos 20. MELLO, L.I.A. op. cit. pg 88. 47 Fig 9 – As perdas territoriais alemãs e as zonas de ocupação estrangeira Fonte: Wikipedia 48 CAP. 4 – A DIVISÃO NACIONAL A GUERRA FRIA Após a Conferência de Potsdam, as potências vitoriosas dividiram o território alemão em zonas de ocupação, de onde pretendiam tirar suas reparações de guerra. A Alemanha, agora, tornara-se uma espécie de “escudo” geopolítico das grandes potências. Em 1947, numa reunião em Moscou, representantes das quatro potências responsáveis pela Alemanha tentaram estabelecer um acordo para a reunificação do país. Porém, a divergência entre russos e ocidentais no tocante à estrutura socioeconômica que a Alemanha deveria seguir tornou-se um inconveniente sério e insuperável. Depois dessa reunião de Moscou, ficou claro para os países ocidentais que com os russos não seria possível chegar a um acordo de unificação da Alemanha. Os russos, por sua vez, pensavam a mesma coisa dos ocidentais. Em 1948, os Estados Unidos declararam que a Conferência de Potsdam já não tinha mais sentido e propôs aos seus aliados, França e Inglaterra, a unificação política da Alemanha ocidental e sua incorporação na economia de mercado européia. Em setembro de 1948, Konrad Adenauer foi eleito pelo Parlamento, em Bonn, como presidente. Em 23 de maio de 1949 entrou em vigor a Lei Fundamental da República Federal Alemã, firmando legalmente a constituição de um novo estado. Esta lei adotava o critério dos ocidentais de que a Alemanha deveria organizar-se politicamente em uma federação de Estados, com a delegação de certos poderes ao governo central. Juntamente com a Lei Fundamental, foi elaborado o Estatuto de Ocupação. Este documento reservava aos aliados poderes em relação ao desarme e a desmilitarização, o controle dos acordos para o Ruhr; a abolição dos cartéis industriais; as reparações pendentes; as relações exteriores, incluindo o controle do comércio e o intercâmbio exterior; a proteção e a segurança para as forças aliadas no território alemão; o cumprimento da Lei Fundamental e as 49 constituições dos Länders38. Desse modo, foi outorgada a soberania interna à RFA, mas não a externa, que permanecia sob controle aliado. Em 5 de outubro de 1949 a parte oriental, sob domínio soviético, passou a se chamar República Democrática Alemã (RDA). Assim, antes do final da década de 40, a Alemanha fora dividida definitivamente em dois países: a Alemanha Ocidental (RFA) e a Alemanha Oriental (RDA). A Alemanha Ocidental (RFA), entretanto, legitimou-se, desde que foi fundada, não apenas devido ao fato de que se formara democraticamente, com base em eleições livres, mas sobretudo porque também representava um projeto de desenvolvimento, prosperidade e reconstrução do destino nacional, o que correspondia às aspirações e ao grau de consciência de seu povo. A Alemanha Oriental (RDA), ao contrário, nunca representou a idéia de reconstrução do destino nacional. Desde a sua criação, sob a zona soviética, a URSS concorreu prática e decisivamente para a sua divisão. Stálin jamais pretendeu reconstruir a Alemanha, mas sim destruí-la como potência industrial. Fig 10 – As zonas de ocupação estrangeira Fonte: Google imagens 38 Estados federados da Alemanha. 50 A evolução dos acontecimentos na zona soviética refletiu, em larga medida, a percepção da URSS segundo a qual o mundo se dividira econômica, político e ideologicamente, em dois blocos antagônicos e rivais. Quando a RDA se constituiu, encontrava-se extremamente debilitada, pois perdera metade da capacidade industrial que possuía em 1936, havendo o Exército Vermelho removido para a URSS dois terços das indústrias químicas e metalúrgicas, bem como um quarto de outras indústrias básicas e de bens de consumo. Mesmo as fábricas em funcionamento continuaram a produzir para o pagamento das reparações, sem previsão de fim. Enquanto a RFA recebia quantias vultuosas do Plano Marshall para a sua reconstrução, a RDA vivia ainda sob o peso das reparações. A RDA sempre fora uma barganha de Stálin contra o Ocidente. O rápido crescimento econômico da RFA causou preocupação no líder soviético. A Alemanha Ocidental (RFA) tratou logo de estabelecer relações diplomáticas em todos os países do ocidente e formou a CECA (Comunidade Européia do Carvão e do Aço) que se tornaria o embrião da atual União Européia. Seu rearmamento e sua possível adesão à Comunidade de Defesa Européia fez com que Stálin propusesse às potências ocidentais a reunificação da Alemanha, mediante o compromisso de neutralidade e da retirada das tropas estrangeiras de seu território. Porém, a Guerra Fria estava no seu clímax e os Estados Unidos preferiram uma Alemanha rearmada, ainda que dividida, a uma Alemanha reunificada e neutra, pois assim as linhas de defesa da Europa ocidental deslocar-se-iam para as costas do Oceano Atlântico. Havia o temor de que Stalin desencadeasse um conflito na Europa. Depois da morte de Stálin, em 1953, as conversações com as potências ocidentais sobre a unificação da Alemanha continuaram, entretanto, sem que alcançassem qualquer resultado. A URSS não tinha dúvida de que uma Alemanha unificada, ainda que neutra, ficaria sob a mais completa influência do Ocidente. Do lado ocidental também havia o temor de que a URSS mantivesse sua influência na 51 Alemanha unida e neutra. O impasse cristalizou-se diante do irredutível conflito de interesses de ambos os blocos. Em maio de 1955 a Alemanha Ocidental (RFA) ingressou na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), situação que foi contrabalanceada pela criação do Pacto de Varsóvia pelo bloco comunista e respectivo ingresso da Alemanha Oriental (RDA) no mesmo. No mesmo ano de 1955, a URSS assinou com os Estados Unidos um Tratado de Estado, que restaurou a soberania da Áustria, conservando-a neutra e sob condição de que esta jamais voltasse à unirse com a Alemanha. A URSS também voltou a ter relações diplomáticas com a RFA. Nos anos 70, com o abrandamento das tensões provocadas pela Guerra Fria – período da chamada coexistência pacífica – a inserção da Alemanha na política mundial conhece significativas mudanças. Traduzindo os princípios da política de distenção para a realidade alemã, o chanceler Willy Brandt formulava as bases da Ostpolitik, a política de reconhecimento mútuo e aproximação diplomática, econômica e cultural entre os dois estados alemães. Sem negar a Lei Fundamental de Bonn, a Ostpolitik transferia para o terreno dos princípios e para um futuro indeterminado a idéia da reunificação da Alemanha afastando-a da esfera da política prática. Abriram-se, assim, os caminhos para o reconhecimento mútuo dos dois estados. Em março de 1970, os representantes das duas Alemanhas sentaram-se numa mesa de negociações pela primeira vez. Em agosto, a Alemanha Ocidental (RFA) assinou com a União Soviética um tratado de não-agressão. Em novembro de 1972, a rede de tratados anteriores desembocou na assinatura do tratado básico de igualdade nas relações entre os dois estados alemães, o que implicava no reconhecimento diplomático mútuo. Como conseqüência, os dois estados trocaram embaixadores e ingressaram na ONU. Em 1974, a Alemanha Oriental estabeleceu relações diplomáticas com os Estados Unidos. Esta solução alemã foi conseqüência da distensão da geopolítica européia, que legitimou as fronteiras territoriais, os regimes políticos, os blocos estratégicos 52 e as zonas de influência no espaço europeu, abrandando o radicalismo ideológico e a disputa entre os dois blocos, o comunista e o capitalista. A QUESTÃO DE BERLIM A cidade de Berlim fora dividida como o restante do país. A parte ocidental, capitalista e ocupada pelos países do Ocidente; a parte oriental, comunista e ocupada pela URSS. Localizada a pouco mais de 170 Km da fronteira ocidental, Berlim tornou-se um enclave hostil ao comunismo e uma bandeira ocidental e capitalista na zona soviética. A cidade possuía um imenso valor político para as potências ocidentais, além de ser um centro de espionagem. O setor ocidental de Berlim possuía cerca de 2.200.000 habitantes, enquanto que o setor oriental possuía 1.200.000 habitantes. Estações de rádio e tv transmitiam de Berlim Ocidental uma programação anticomunista, visando convencer a população do lado oriental a abandonar a zona. Em 1953, uma revolta popular estourou do lado oriental estimulada pela rádio do lado capitalista. Tropas soviéticas trataram logo de dissolver o conflito e decretaram estado de sitio. Dessa data em diante, o governo soviético começou a adotar uma outra postura em relação ao lado ocidental. Assim, em 1961, foi construído o Muro de Berlim, bloqueando o fluxo de pessoas e de mão-de-obra qualificada para o lado ocidental e reafirmando a divisão do país e da capital. Este muro tornou-se símbolo da divisão que a Guerra Fria gerou no mundo. O MILAGRE ECONÔMICO (WIRTSCHAFTWUNDER) A recuperação econômica da Alemanha Ocidental (RFA) se iniciou em 1948 devido a reforma monetária e financeira patrocinada pelos aliados ocidentais. A combinação entre liberalismo econômico e responsabilidade social 53 permitiu o rápido desenvolvimento econômico não só do Estado como também da população em geral. O Estado assumiu a responsabilidade de salvaguardar continuamente a competência da economia. Essa “economia de mercado social” justificava-se a cada dia pela melhora no nível de vida das massas e pelo reajuste do processo econômico às políticas sociais do momento. De acordo com Oliveira (1995), essa prosperidade alemã tem três bases fundamentais: a boa direção técnica da economia, a persistente ajuda financeira dos Estados Unidos, e a extraordinária produtividade do povo. Também podemos destacar como fator do desenvolvimento econômico da RFA a conjuntura econômica da Europa, cuja economia vinha recebendo desde o final da década de 40 um vigoroso estímulo de um imenso mercado em potencial, ávido de absorver toda a produção até então imaginada, pois a destruição de bens na guerra alcançou dimensões jamais conhecidas até então. Em 1950 veio a Guerra da Coréia – com seu grande impulso à expansão industrial – e os Estados Unidos começaram a rearmar-se em grande escala. A Europa começa a empreender seu próprio rearmamento, em parte, por conta dos EUA, preocupados evidentemente com o avanço da influência da União Soviética. Tudo isso somado ao fato de que os alemães tinham que destinar uma porcentagem ínfima de seu orçamento para os setores de defesa, fizeram com que o milagre econômico ganhasse vigor a cada dia. A ajuda financeira dos Estados Unidos à RFA continuaria ininterruptamente por um período posterior a 196239. Isso atesta que os Estados Unidos continuaram ajudando a Alemanha Ocidental (RFA) mesmo depois desta nação ter alcançado o bem-estar. O crescimento da economia da RFA e a consolidação do capitalismo eram questões de vital importância para a estratégia americana na Europa ocidental. A RFA continuou crescendo, sobretudo no setor industrial. “No ramo do aço, a Alemanha Ocidental converteu-se na nação européia de maior produção, somente superada no ocidente pelos Estados Unidos (90 milhões de toneladas/ano). Em 1958, antes da 39 OLIVEIRA, A.R. op. cit. 54 anexação do Sarre, a RFA produziu 22 milhões de toneladas. Em 1960, com a anexação do Sarre, a produção saltou para 34 milhões”.40 A RFA tornou-se um modelo de Estado totalmente diferente de sua história até então. Com suas estruturas militares congeladas e sua ação geopolítica “em coma”, a Alemanha encontrou uma fenda para se sobressair, a econômica. Seu poder e sua influência perante o mundo passavam agora pela expansão e pelo sucesso de suas empresas que, de certa forma, levantavam dignamente pelo mundo a bandeira alemã com todo o seu simbolismo de força e competência, além da qualidade indiscutível. De acordo com Celso Lafer, este modelo de Estado gerou o conceito de trading state, ou seja, de um estado eminentemente comercial, preocupado em gerar divisas e difundir seus investimentos pelo mundo. “No pós-Segunda Guerra Mundial, a RFA redefiniu a sua identidade internacional e, à semelhança do Japão – e em grande parte pelas mesmas razões – tornou-se um paradigma de trading state, logrando uma legitimada proeminência internacional por meio de sua atuação no campo econômico. A ação da RFA como trading state era perceptível tanto no âmbito europeu como nas projeções alemãs de caráter global”.41 Se a RFA teve algum papel geopolítico próprio foi o de se considerar como o Estado alemão por excelência, legitimado por eleições livres e defensor da cultura germânica. Decorrente disso, a reunificação alemã era uma questão e um objetivo imprescindível para a RFA, que repudiava a idéia da existência de dois estados alemães e do regime adotado pela RDA. Esta situação permaneceria praticamente inalterada até o final da década de 80 e a crise econômico-política da URSS e no bloco comunista de uma forma geral, o que acabou levando à simbólica queda do muro de Berlim e a posterior unificação alemã. Em 1985 Gorbatchev assume o poder na URSS e dá início as suas reformas modernizadoras pautadas na Perestroika e na Glasnost. Isso afetou 40 41 OLIVEIRA, A.R. op. Cit. LAFER, C. “Brasil-Alemanha no novo cenário internacional” São Paulo: Paz e Terra, 1995. 55 profundamente o poder dos estados do bloco comunista. Manifestações começaram a ganhar força na RDA reivindicando maiores liberdades individuais. A distensão entre URSS e EUA ganhou força e, com a progressiva e cada vez mais intensa retirada dos mísseis interbalísticos da Europa, o totalitarismo dos estados começa a ruir. Na RDA, embora os dirigentes permanecessem inflexíveis à nova tendência, os pedidos de entrada na RFA aumentaram drasticamente. A população buscava, de qualquer modo, fugir para o lado ocidental. A situação da RDA complica-se consideravelmente em setembro de 1989 quando a Hungria decidiu abrir suas fronteiras para que os habitantes da RDA, através de seu território, pudessem chegar à Áustria e conseqüentemente à Alemanha Ocidental (RFA). No dia 9 de novembro de 1989, o Muro de Berlim foi aberto. Milhares de pessoas passam livremente para o lado ocidental. A RDA perdia seu sentido a cada dia. A situação geopolítica do momento não era nada favorável à RDA. A Polônia e a Hungria obedeciam cada vez menos o comando de Moscou. Na Romênia, a queda do líder Ceaucescu era iminente. Eleições começaram a acontecer por toda a parte. Depois de diversas manifestações em diversas cidades, e a perda do controle por parte do politburo da RDA sobre a população, o governo acaba cedendo e estabelece a realização de eleições livres. Em março de 1990 foram realizadas, pela primeira vez, eleições livres na RDA. Em 1º de Julho de 1990 é declarada a união econômica, monetária e social com a RFA. Finalmente, em 31 de Agosto de 1990, é assinado o Tratado de Unificação. A adesão da RDA à RFA deu-se, segundo o artigo 23 da Lei Fundamental, no dia 3 de Outubro de 1990. Esse dia passou a ser a data oficial da Unificação Alemã. A RDA deixara de existir depois de 41 anos de existência, encerrando um dos períodos mais conturbados da geopolítica mundial. 56 CAP 5 – O PERÍODO PÓS-REUNIFICAÇÃO Com a unificação alemã, foi assinado o Tratado Dois Mais Quatro entre URSS, Estados Unidos, França e Reino Unido, bem como os representantes dos dois estados alemães. Nesse tratado, foi confirmada a formação da Alemanha unida, composta por territórios da RDA, da RFA e de Berlim. As fronteiras externas da Alemanha foram reconhecidas como definitivas. A Alemanha recuperava assim a plena soberania sobre seus assuntos nacionais e exteriores, que havia perdido, 45 anos antes, após a derrocada nazista. A Alemanha agora possuía um novo papel na Europa e no mundo, assumindo seu destino histórico, econômico e geopolítico. De agora em diante o estado alemão poderia repensar seu projeto de se tornar uma potência, não nos moldes nazistas, mas, sobretudo no campo econômico, tornando-se “locomotiva” da União Européia. O auto-conceito que a Alemanha tinha de si mesma após a reunificação foi muito bem resumida nas palavras do então presidente Richard von Weizsäcker: “Servir a paz no mundo numa Europa unificada”.42 Entretanto, sua postura geopolítica tenderia cada vez mais para os países do Leste europeu, ampliando o domínio da OTAN no continente. Segundo Helmut Kohl, então chanceler alemão, a OTAN era “a aliança que nos garantiu a paz e a liberdade durante tantos decênios, podia confiar na nossa solidariedade.”43 Enquanto vigorou a Guerra Fria, o estado alemão esteve dividido. Agora, unido, assumia seu lugar, mesmo ainda não sendo uma potência militar, mas convicta de sua participação e de sua defesa dos princípios da OTAN e da economia de mercado. A reunificação implicou na seguinte modificação geopolítica: da posição marginal que a Alemanha ocupou durante a guerra fria, passou agora a ser uma potência média na Europa Centro-Ocidental. Sua economia, após a reunificação, cresceu 10%; sua população aumentou 20% e seu território cresceu 30%44. 42 In: “Perfil da Alemanha”. Op. cit. 44 PFETSCH, F.R. “A Política Exterior da Alemanha após a Reunificação” Rev. Brás. Pol. Intern. nº 40. 43 57 Em termos militares, permanece a renúncia às armas atômicas, biológicas e químicas, a limitação do contingente das forças armadas e a ausência de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. A QUESTÃO DA EUROPA ORIENTAL (OSTPOLITIK) A Europa Oriental deverá continuar sendo uma prioridade na política externa alemã, uma vez que é dessa região que a questão da insegurança sobre a União Européia e a RFA surge com maior vigor. A Ostpolitik permanecerá importante em razão da incerteza com relação à evolução dos acontecimentos na política russa assim como nos estados da CEI (Comunidade dos Estados Independentes). Além da questão política, a Europa Oriental é a maior responsável pela balança comercial alemã, superando inclusive o comércio com os Estados Unidos. Mas, a Alemanha também é a principal responsável pela ampliação da União Européia para o Leste, e isso, não é apenas uma questão de dinheiro e de economia, mas também um desafio de dimensões históricas, que poderá ter importância decisiva para o equilíbrio na Europa do século XXI, uma vez que essa ampliação assenta-se no fortalecimento dos sistemas democráticos e na defesa de uma economia de mercado, fatores que poderão de alguma forma incomodar os planos geoestratégicos de Moscou e gerar uma nova disputa ideológica e geopolítica no continente. Segundo Frank R. Pfetsch, a reação russa à expansão da União Européia poderia se traduzir como uma nova ameaça à paz alemã e poderia se manifestar de quatro formas. Primeiro, a Rússia poderia tornar-se uma ditadura nacionalista e assumir novamente uma política imperial sobre os países vizinhos. Segundo, a Rússia poderia adotar abertamente a doutrina Kosyrev e, em nome da proteção das minorias russas nos países vizinhos, intervir política e militarmente nesses países. Terceiro, a Rússia poderia estabelecer uma política de alianças com os países de afinidade cultural, atraindo países da Europa Central, Báltico e Ásia Central para a sua esfera de influência. Por último, poderia haver um 58 “desmembramento” da zona de influência russa em nome de outras afinidades culturais, onde a Ásia Central ficaria cada vez mais próxima da Turquia e do Irã, os Bálticos da Escandinávia e a Europa Oriental da OTAN e da União Européia. Não é de nenhum interesse para a República Federal Alemã o desenlace de possíveis crises na Rússia e com a Rússia, uma vez que essas seriam desastrosas para a própria Alemanha. A política externa alemã no pós-reunificação define-se em quatro opções45. A primeira opção é a orientação geopolítica que objetiva a organização, juntamente com a Rússia, da Europa Oriental. Essas relações levariam a uma delimitação da área de influência compreendida ao longo da linha FinlândiaBáltico-Polônia-Eslováquia-Hungria-Romênia-Bulgária. A segunda opção para a política externa alemã decorre do aprofundamento e da concretização do Tratado de Maastricht, o que se traduziria numa espécie de Europa Carolíngea, tendo como países centrais a Alemanha, a França e o Benelux, e como objetivos os “Estados Unidos da Europa”. Essa opção propiciaria a Alemanha a possibilidade de não ser colocada numa posição intermediária, uma vez que a mesma seria locomotiva dessa confederação. A terceira opção consiste justamente na ampliação da UE a partir do ingresso de países escandinavos e da Europa Oriental. Ver-se-á que, no presente momento, ela se apresenta como a melhor opção para os interesses econômicos, políticos e de segurança para a Alemanha unificada. A quarta opção seria o alinhamento com os Estados Unidos e seria apoiada principalmente pelos membros da OTAN e pelos partidários da globalização, mas afetaria significativamente as relações com a Rússia. A oferta de Clinton de um “special relationship” entre os Estados Unidos e a Alemanha decorre da concepção de um intergovernamentalismo europeu tendo a Alemanha como líder. Essa aliança com os Estados Unidos levaria à futura estrutura do sistema de segurança comum, incluindo a Europa Oriental e tendo como objetivo a contenção geopolítica da Rússia. 45 PFETSCH, F.R. op. cit. 59 As quatro opções de redirecionamento da política externa alemã que acabamos de mencionar são posturas que, teoricamente, poderiam ser o direcionamento do Estado alemão no tocante à política externa. Entretanto, as correntes políticas que norteiam os partidos alemães possuem interpretações distintas. Os grupos de direita, majoritariamente nacionalistas, defendem o “Primado da Nação” e uma postura de maior engajamento caracterizada pelo “afastamento” dos Estados Unidos e pelo reconhecimento do anti-americanismo. A esquerda alemã defende que a nova Alemanha, reunificada, permaneça com seu discreto papel militar e abstenha-se de demonstrar qualquer presença nos cenários bélicos internacionais, permanecendo neutra geopoliticamente. Para um centro liberal amplo, ao qual pertence a maioria dos cientistas políticos alemães, defendem, igualmente, a continuidade da evolução da política externa da Alemanha e enfatizam a crescente interdependência, pretendendo atribuir maior peso à Europa unida no contexto político mundial. A RFA deveria continuar sendo um estado mercantil civil, democrático, cooperativo e internacional. A nova Alemanha não deve fixar-se nem esquecer o poder, e, em nenhuma hipótese, significar o nascimento de um novo super-poder alemão46. Assim, os interesses da política externa alemã situariam-se na prevenção da guerra, no ordenamento do comércio mundial livre, na estabilidade da integração européia, na possibilidade de participação dos atores sociais, no estabelecimento de estruturas parlamentares democráticas, na diminuição do desequilíbrio entre os estados industrializados e os países em desenvolvimento, no desaparecimento de falsas projeções sobre a imagem da Alemanha, bem como na política de integração com o Ocidente. A atual análise geopolítica não pode deixar de mencionar que, após a reunificação, a Alemanha tornou-se uma potência média no centro da Europa e ocupa a posição estratégica mais delicada do continente, justamente na fronteira entre a “Europa rica” e a “Europa pobre”. A Alemanha vê-se diante da condução de uma Europa confederada, unida e que depende muito de seu sucesso. A 46 PFETSCH, F.R. op. cit, pg 188. 60 ampliação da União Européia certamente colocará a Alemanha no centro de uma possível desgaste com a Rússia – que certamente não pretende perder sua influência no Leste europeu -, o que exigirá uma habilidade diplomática muito bem elaborada por parte do Estado germânico. Fica a questão de que se, com o passar do tempo, a Alemanha terá de escolher entre a aliança ocidental (OTAN, EUA e União Européia) ou uma postura geopolítica independente, assumindo um papel mais imperativo no jogo geopolítico europeu, o que poderá acarretar uma possível aliança com a Rússia e o ressurgimento de um novo estado alemão armado. O que não podemos enxergar é a RFA conduzindo a União Européia e em harmonia total com a Rússia. Entretanto, levando-se em consideração o momento presente e a defesa dos interesses atuais que fazem parte da realidade econômico-política alemã, é bem mais provável que a RFA mantenha-se conduzindo a União Européia economicamente e defendendo a economia de mercado e seguindo o modelo do trading state ao invés de, em nome de um ressurgimento de uma possível nova potência, aliar-se com a Rússia e afastar-se das principais potências ocidentais. 61 CONCLUSÃO O território alemão nasceu de um amontoado de micro-principados herdados do Sacro Império Romano Germânico e que adquiriram forma e funções diferenciadas, sendo uns mais progressistas, e outros menos; uns católicos e outros protestantes. Esse complexo conglomerado de principados acabou refletindo na atual configuração dos estados alemães e foi usado geopoliticamente pelas demais potências européias ao longo da história como forma de dominar a nação germânica. Com a Paz de Vestfália – e em nome do equilíbrio europeu – a unificação alemã foi adiada por quase dois séculos e meio. A fragmentação territorial foi a maneira encontrada para por freio na consolidação do Estado alemão e no desenvolvimento de sua força geopolítica, quer na época da Vestfália quer no pósSegunda Guerra. Em nome da “paz” européia a fragmentação territorial alemã foi a maneira encontrada pelas potências, mantendo a Alemanha num segundo plano e submetida a outros estados. O estado alemão nasceu como vassalo dos outros estados europeus e só começou a ganhar alguma força após a ascensão da Prússia como principal estado germânico. Após a Revolução Francesa, a Prússia e a Áustria tentaram montar uma coalizão contra os revolucionários, demonstrando assim o que chamamos de primeira postura geopolítica do estado alemão, buscando uma aliança com outro estado na tentativa de equilibrar as forças com um estado soberano e mais forte. A segundo manifestação geopolítica ocorreu na guerra de libertação napoleônica, onde a Prússia aliou-se à Rússia derrotando as tropas de Napoleão. Não seria possível vencer Napoleão sem esta coalizão de um lado e a Inglaterra de outro. A Rússia sem a Prússia ficaria estrategicamente confinada na Europa Oriental enquanto que a Prússia sem a Rússia não teria um espaço de recuo amplo nem força humana suficiente para fazer frente aos franceses, além de ter de batalhar em seu próprio solo. O território germânico, nesse sentido, foi de fundamental importância. 62 Na era Bismarck, a geopolítica alemã ganha suas fundações mais sólidas. O chanceler alemão tinha como objetivo a unificação nacional e o expansionismo germânico, ganhando apoio dos grandes capitalistas em ascensão, uma vez que o capitalismo alemão estava em uma fase de grande crescimento. A Áustria e a França fizeram de tudo para impedir a formação de uma Alemanha unificada, pois sabiam que um estado forte e de consideráveis dimensões no centro da Europa modificaria por completo o equilíbrio geoestratégico do continente. Em decorrência disso, dois conflitos foram travados: a Guerra Austro-Prussiana e a Guerra Franco-Prussiana, mas os alemães saíram vitoriosos de ambos os conflitos e a unificação alemã concretizou-se. Bismarck, com seu grande talento diplomático de jogar um inimigo contra o outro e sair sempre ileso das disputas e intrigas, assim como sua realpolitik, conseguiram assegurar uma estabilidade na Alemanha que permitiu a unificação do país e o desenvolvimento industrial e econômico, fazendo do Estado germânico a maior potência militar, econômica, científica e industrial da Europa. Após a unificação, todas as outras potências tiveram que passar a considerar a Alemanha como uma forte aliada ou uma forte inimiga. Se antes os pequenos principados serviam apenas de joguete geopolítico, agora a Alemanha era o peso maior a ser considerado na política externa européia. Isso é tão verdade que, após a renúncia de Bismarck no governo de Guilherme II, a Alemanha entra em choque com as demais potências na disputa por colônias na Ásia e na África. A postura imperialista e de força de Guilherme II, acabou tendo como conseqüência a 1ª Guerra Mundial e uma aliança anti-germânica da Rússia, da França e da Inglaterra, deixando o estado alemão cercado geopoliticamente e o levando à derrota. As potências vencedoras trataram de assegurar que o Estado alemão não voltasse a ter força suficiente para desequilibrar novamente o continente. A Alemanha, então, foi totalmente desestruturada interna e externamente, levando o país ao caos. Esse caos teve como conseqüência direta o surgimento do nazismo, que prometia vingança aos que incutiram a miséria no povo alemão. 63 O nazismo adotou claramente posturas geopolíticas expansionistas, mas Hitler não tinha muito claro os imperativos geopolíticos que norteavam o continente naquele momento. Desenvolveu uma campanha de conquista do Leste e acabou invadindo a URSS, contrariando Haushofer, que via na aliança com os bolcheviques a grande chance de domínio total da Alemanha no continente europeu. Hitler acabou levando seus adversários a fazer um cerco ao território alemão, como na Primeira Guerra Mundial. O Führer perdeu a chance de mudar a história do conflito se tivesse tido uma visão geográfica mais pragmática e menos ideológica. Como decorrência de sua política exterior, a Alemanha novamente perdeu a guerra, só que desta vez com conseqüências bem mais catastróficas do que da outra vez. O país fora dividido e anulado geopoliticamente, numa decisão clara dos vencedores de extirpar definitivamente qualquer possibilidade de ressurgimento de uma força germânica no centro do continente. O cerco, novamente, se deu no Leste, com a URSS, e no Oeste, com os aliados (França, Inglaterra e EUA). Com a desmembramento da URSS e a reunificação nacional alemã, a Alemanha tem novamente a chance de se reestruturar enquanto potência, uma vez que ela já é uma potência no âmbito econômico, científico e tecnológico, sendo a principal responsável pela implementação do Euro e da União Européia. Mas, para isso, será inevitável a formação de um novo Estado Maior Alemão e a definição de sua política externa. A Alemanha vive o dilema entre continuar sendo um trading state, renunciando às armas, e tornar-se novamente uma força imperativa no continente, o que poderá gerar novas alianças e reestruturações no seio da Europa e do mundo. Acreditamos que, momentaneamente, o trading state continue sendo o norte do estado alemão. A defesa dos princípios da OTAN devem continuar por enquanto e o alinhamento com os Estados Unidos não deverá sofrer nenhuma alteração momentânea. Porém, com o desenrolar de novas circunstâncias históricas, poderemos assistir a uma possível crise da União Européia, fazendo ressurgir velhos fantasmas nacionais e a uma possível distenção por parte da 64 Alemanha. Será que assistiremos, um dia, a formação de um possível eixo BerlimMoscou, segundo a teoria geopolítica de Mackinder? Bom, isso só o tempo nos mostrará e isso seria um tema para futuros estudos mais aprofundados. 65 BIBLIOGRAFIA ANDERSON, Perry. “Sob o signo do provisório” in: Pol. Externa, vol 4 nº 3. São Paulo: Paz e Terra, 1995. ASH, Timothy Garton. “Polônia neo-pagã” in: Pol. Externa, vol 4 nº 4. São Paulo: Paz e Terra, 1996. 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