82 Anais Semana de Geografia. Volume 1, Número 1. Ponta Grossa: UEPG, 2015. ISSN 2317-9759 PORTO AMAZONAS (PR): A MEMÓRIA DA EXTINTA HIDROVIA DO RIO IGUAÇU GUIMARÃES, Simone Koniski MONASTIRSKY, Leonel Brizolla SILVA, Ana Claudia da Introdução A implantação da hidrovia do rio Iguaçu entre o final do século XIX e início do século XX, trouxe avanços e desenvolvimento às cidades situadas em suas margens, inclusive algumas que surgiram em função dela. A conexão da hidrovia com a ferrovia na região do Paraná Tradicional propiciou a integração de cidades como Porto Vitória, União da Vitória, Paula Freitas, Paulo Frontim, São Mateus do Sul, São João do Triunfo, Antônio Olinto, Palmeira, Porto Amazonas, Lapa, Balsa Nova, Araucária, Curitiba, Piraquara, Morretes e Paranaguá (Figura 1). Este complexo ferroviário/hidroviário paranaense possibilitava o escoamento da produção madeireira e de erva-mate da região para exportação, fomentando a economia local e estadual (BACH, 2006). Figura 1- Localização de Porto Amazonas no Complexo Exportador do Paraná Tradicional XXII Semana de Geografia, IV Semana e Jornada Científica De Geografia do Ensino a Distância da UEPG, XVI Jornada Científica da Geografia e IX Encontro do Saber Escolar e Conhecimento Geográfico. “Concepções Geográficas: Rompendo Barreiras Disciplinares” 83 Anais Semana de Geografia. Volume 1, Número 1. Ponta Grossa: UEPG, 2015. ISSN 2317-9759 Além de propiciar o desenvolvimento social e econômico da região, a hidrovia foi o cenário da rotina de muitas pessoas e diversas histórias foram vividas sob as margens do rio Iguaçu. Contudo, o desenvolvimento das estradas foi maior e mais incentivado pelo Poder Público do que o transporte fluvial. As hidrovias perderam em eficiência e o escoamento da produção acabou se tornando preferencialmente rodoviário. Esse fator levou a extinção da hidrovia do rio Iguaçu e esta passou a comportar apenas embarcações menores dos que as que costumavam navegar no rio Iguaçu, antes a maioria dos vapores "levava 800 sacas de erva-mate e rebocava duas lanchas com 300 sacas cada uma. O transporte de madeira era assim distribuído: 200 dúzias de tábuas no vapor, e nas lanchas 100 dúzias cada uma." (MÜLLER, 1997, p. 9). A hidrovia entrou em declínio e foi extinta, porém, algumas de suas histórias ainda permanecem presentes na memória dos que a vivenciaram. De acordo com Marilena Chauí, "A memória é uma atualização do passado ou a presentificação do passado e é também registro do presente para que permaneça como lembrança" (CHAUÍ, 2000, p. 161), além disso, através dos relatos memoriais é possível conhecer e entender mais sobre a cultura dos indivíduos que vivenciaram determinado fato histórico, sendo este conhecimento de grande importância para se entender também o presente, pois está intimamente ligado com o passado. Em Porto Amazonas (PR), ainda é possível ouvir os relatos sobre a história da extinta hidrovia do rio Iguaçu diretamente de alguns indivíduos que a vivenciaram, sendo algumas de suas falas transcritas nesta comunicação. Objetivos O presente trabalho pretende destacar memórias e histórias contadas por moradores de Porto Amazonas (PR) que protagonizaram a história da extinta hidrovia do rio Iguaçu e que têm interesse em manter essa memória viva. Metodologia Os relatos apresentados foram obtidos através de entrevistas realizadas em Porto Amazonas no dia 18 de setembro de 2015, em conjunto com outras coletas de dados realizadas na mesma data pelos integrantes do projeto de pesquisa Atlas Eletrônico do antigo complexo ferroviário/hidroviário do Paraná Tradicional, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. As entrevistas foram realizadas com dois moradores da cidade, sendo um extrabalhador do Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis (DNPVN), e outro o irmão de um apreciador do Rio Iguaçu que participou do resgate dos resquícios do Vapor Tibagy, um dos poucos vapores ainda existentes. As duas entrevistas foram gravadas com auxílio de gravador digital e posteriormente foram transcritas para que se pudesse realizar a análise qualitativa das informações apontadas. Resultados e Discussões A memória e a história são conceitos relacionados, entretanto, possuem significados diferentes “A memória, por seus laços afetivos e de pertencimento, é aberta e em permanente modificação e liga-se à repetição e à tradição, sacralizando o vivido do grupo social” (MONASTIRSKY, 2009, p. 326), enquanto a história representa o passado. Nesse sentido, XXII Semana de Geografia, IV Semana e Jornada Científica De Geografia do Ensino a Distância da UEPG, XVI Jornada Científica da Geografia e IX Encontro do Saber Escolar e Conhecimento Geográfico. “Concepções Geográficas: Rompendo Barreiras Disciplinares” 84 Anais Semana de Geografia. Volume 1, Número 1. Ponta Grossa: UEPG, 2015. ISSN 2317-9759 quando um indivíduo é levado a relembrar de fatos do passado para transmiti-los, seu relato será composto por acontecimentos e sentimentos, que se associam. Os relatos obtidos demonstram a vontade de manter viva as memórias e as histórias da hidrovia e da ferrovia, pois, a conjunção desses dois modais de transporte possibilitou que Porto Amazonas vivenciasse o auge da movimentação econômica naquela época. Havia uma grande oferta de trabalho e os jovens logo começavam a trabalhar como é possível perceber nas falas dos dois entrevistados: "eles eram moleques no tempo dos vapores, então iam até a beira do rio para ajudar a descarregar os vapores." (Raul Scarante, 2015). ... eu trabalhei quando era guri puxando madeira, porque antigamente os pais não deixavam os filhos ficarem sem serviço, eles davam serviço pra guri porque guri incomoda, ainda mais aqui cheio de rio, represa, guri incomoda então davam serviço pra gente. Tinha bastante serviço aqui, vinha muita gente trabalhar, um lugar de muito serviço. (Otávio de Melo , 2015). Na imagem a seguir destacamos o acervo de fotos do rio Iguaçu organizado e de autoria do irmão de um dos entrevistados (Fotografia 1). Fotografia 1 - Acervo particular de fotos do rio Iguaçu Autor: BATISTA, Martha R.S. (2015). Com a desativação da hidrovia e posteriormente da ferrovia, a oferta de trabalho foi reduzida e muitos trabalhadores tiveram que ir para Curitiba para procurar trabalho, outros, como aqueles que trabalhavam no DNPVN, foram transferidos para outras localidades "eu trabalhei ali até 71, ai em 1971 eu fui removido pra Paranaguá, dai já tinha caído o movimento do rio, e eu fui pra Paranaguá, trabalhei por 9 anos" (Otávio de Melo, 2015). XXII Semana de Geografia, IV Semana e Jornada Científica De Geografia do Ensino a Distância da UEPG, XVI Jornada Científica da Geografia e IX Encontro do Saber Escolar e Conhecimento Geográfico. “Concepções Geográficas: Rompendo Barreiras Disciplinares” 85 Anais Semana de Geografia. Volume 1, Número 1. Ponta Grossa: UEPG, 2015. ISSN 2317-9759 Dentre as histórias contadas é perceptível a saudade daquela rotina vivenciada e a tristeza de ter se perdido toda uma fonte de movimentação e trabalho: "então o pessoal vinha, descia do Vapor e pegava o trem para Curitiba, Ponta Grossa ou norte do Paraná, então era aqui que tinha o trem para eles virem, tinha tudo isso, daí acabou a embarcação, acabou... tiraram até o trem de nós". (Raul Scarante, 2015). Durante a entrevista, quando perguntado a respeito da existência de museus em Porto Amazonas, um dos entrevistados se emocionou ao lembrar de sua experiência em São Mateus do Sul na Casa da Memória Padre Bauer, "Em São Mateus tem, você conheceu o de São Mateus? Chorei lá!!" (Otávio de Melo, 2015), e lamenta o fato de Porto Amazonas não possuir um espaço assim, onde essa memória possa ser preservada. O patrimônio presente na cidade, segundo ele, são as fotografias que restaram e uma réplica do vapor de sua autoria (Fotografia 2). Fotografia 2 - Réplica de Vapor Autor: BATISTA, Martha R. S., 2015. Em outro trecho, a saudade sentida se refere ao som dos apitos do trem e do vapor "eu lembro e tenho saudade, eu lembro que escutava o apito do trem e do vapor, e o povo conhecia os apitos dos vapores todos" (Otávio de Melo, 2015). Atualmente são poucas as pessoas que vivenciaram a hidrovia e que mantêm suas histórias e memórias vivas, também são poucas as ações de preservação do patrimônio cultural dessa época. O Vapor Tibagi, importante suporte de memória que foi retirado do rio pela população foi remontado, mas não recebeu nenhum tipo de restauração ou medida de XXII Semana de Geografia, IV Semana e Jornada Científica De Geografia do Ensino a Distância da UEPG, XVI Jornada Científica da Geografia e IX Encontro do Saber Escolar e Conhecimento Geográfico. “Concepções Geográficas: Rompendo Barreiras Disciplinares” 86 Anais Semana de Geografia. Volume 1, Número 1. Ponta Grossa: UEPG, 2015. ISSN 2317-9759 proteção. Tem sido apenas mantido nas margens do rio sem ter nenhuma função a não ser a de contemplação. Além disso, "A memória é o que confere sentido ao passado como diferente do presente (mas fazendo ou podendo fazer parte dele) e do futuro (mas podendo permitir esperálo e compreendê-lo)" (CHAUÍ, 2000, p. 164), ou seja, na medida em que os suportes materiais de memória perdem seu vínculo com as histórias e com as memórias, ou que estas deixam de ser contadas por aqueles que as vivenciaram, ou por aqueles que as ouviram e que continuam a transmiti-las, a sociedade como um todo perde, pois, o sentido de se manter esses suporte é esquecido com o passar do tempo. Ao contrário, se as histórias e memórias forem transmitidas e relacionadas aos resquícios materiais a que elas se referem, o ambiente em que essa troca se realiza será enriquecido, podendo ser valorizado pelas futuras gerações, atraindo cada vez mais olhares, despertando o interesse das pessoas em geral. Considerações Finais A hidrovia do rio Iguaçu proporcionou o desenvolvimento social e econômico das cidades localizadas ao longo das suas margens, sendo cenário da rotina de muitas pessoas, no qual diversas histórias foram vividas. Com o desenvolvimento das rodovias e da consequente perda de eficiência do transporte fluvial o escoamento da produção passou a ser realizado através das rodovias levando a hidrovia a extinção. O município de Porto Amazonas (PR) ainda possui alguns resquícios dessa época. Dentre esses resquícios, algumas de suas histórias ainda permanecem presentes na memória daqueles que a vivenciaram. Alguns trechos desses relatos foram transcritos nesta comunicação, entretanto, não basta que apenas pesquisadores se interessem pelas histórias e pelas memórias contadas por essas pessoas, é necessário que as mesmas sejam transmitidas continuamente às novas gerações evitando assim a perda total desse patrimônio cultural. Referencias BACH, Arnaldo Monteiro. Vapores. 22. ed. Ponta Grossa: UEPG, 2006. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000. 567 p. MONASTIRSKY, Leonel Brizolla. Espaço Urbano: memória social e patrimônio Cultural. Ponta Grossa: Terr@ Plural, 2009, p. 323-334. MÜLLER, Jucilda Boscardin. História de Porto Amazonas. Curitiba: Ed. do Autor, 1997. 127 p. XXII Semana de Geografia, IV Semana e Jornada Científica De Geografia do Ensino a Distância da UEPG, XVI Jornada Científica da Geografia e IX Encontro do Saber Escolar e Conhecimento Geográfico. “Concepções Geográficas: Rompendo Barreiras Disciplinares”