Artigo 01 Julho 2011 PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE MERCADO DE TRABALHO A percepção geral é que o mercado de trabalho brasileiro está pressionado e que, portanto, teria forte influência sobre salários e preços. Não discordamos na essência dessa percepção, mas procuramos qualificar alguns pontos. Argumentamos que é difícil determinar o grau de pressão do mercado de trabalho brasileiro e que, ademais, testes empíricos não sustentam a tese de repasses expressivos de salários para os preços. É possível que a falta de evidências empíricas se deva simplesmente à economia brasileira que, há muito, não registra um mercado de trabalho tão aquecido. De qualquer maneira, nosso ponto principal é que o mercado de trabalho é uma variável defasada do ciclo econômico e que, assim, o que irá determinar repasses maiores ou menores da inflação será o nível de atividade econômica (e as perspectivas de crescimento). Já o aumento programado do salário mínimo é mais preocupante, notadamente por seus impactos fiscais. 1. Qual o Efeito da Queda do Desemprego sobre a Variação Real dos Salários? Os dados do mercado de trabalho no Brasil apresentam significativas quebras estruturais. Primeiramente, houve uma mudança metodológica na série divulgada pelo IBGE e a série disponível não é muito longa. Existe a possibilidade de interpolar a série nova com a antiga, mas o Plano Real representou uma quebra estrutural para o mercado de trabalho, no sentido de que, no período inflacionário, o mercado de trabalho tendia a se ajustar mais rapidamente via custo real dos salários (ou seja, via inflação) e menos via desemprego. Segundo, desde que a série nova está disponível, verifica-se apenas uma parte do ciclo, qual seja, verifica-se apenas a queda da taxa de desemprego. Dessa maneira, é muito difícil calcular com algum grau de confiança qualquer nível da taxa de desemprego de equilíbrio. Apesar disso, a seguir buscamos verificar a pressão do mercado de trabalho sobre a economia, mais notadamente sobre salários, por meio do cálculo da NAWRU (NonAccelerating Wage Rate of Unemployment). Essa métrica é construída para mensurar a pressão do mercado de trabalho sobre salários e, como pode ser observado no Gráfico 1, apresenta comportamento cadente ao longo de todo o período. De fato, estaríamos num ponto hoje em que o mercado de trabalho não estaria exercendo pressão sobre os salários, o que parece estar de acordo com a análise a seguir sobre nossas expectativas para a evolução do rendimento médio real em 2011. O risco é de que estaríamos muito próximos de atingir um ponto onde haveria pressão de salários: note que a NAWRU não leva em consideração possíveis não linearidades na relação entre desemprego e salários, ou seja, é possível que quando o nível de desemprego de equilíbrio seja atingido (ou rompido) os salários cresçam exponencialmente. Gráfico 1: NAWRU Dessazonalizada e Suavizada (filtro H-P), 2002-2011 13,00% 12,00% 11,00% 10,00% 9,00% 8,00% 7,00% 6,00% 5,95% fev/11 out/10 fev/10 jun/10 out/09 fev/09 jun/09 jun/08 out/08 fev/08 jun/07 out/07 fev/07 jun/06 out/06 fev/06 jun/05 out/05 fev/05 jun/04 out/04 fev/04 out/03 fev/03 jun/03 out/02 jun/02 5,00% Fonte de Dados: IBGE 2. Qual a Expectativa de Crescimento dos Salários Reais em 2011? De 2005 a 2011, a variação média acumulada em 12 meses do rendimento médio real (habitual) foi de 3,2%. Em 2010, o rendimento médio real apresentou variação próxima a 6% no ano fechado (dezembro de 2010 em relação a dezembro de 2009) mas, desde finais do ano passado, a variação acumulada em 12 meses do rendimento vem apresentando uma trajetória de queda, encontrando-se, hoje, abaixo da média histórica. Em parte, essa queda do rendimento médio real reflete o maior nível inflacionário no início de 2011. Entretanto, a partir do modelo econométrico apresentado na edição anterior da Carta Mensal Modal (basicamente um B-VAR simples contendo as seguintes variáveis: rendimento médio real habitual, PIB, inflação, população ocupada e população economicamente ativa), projetamos que o rendimento médio real habitual aponta para uma trajetória bem mais benigna: variação positiva de 2,6% em 2011 (note que aqui também não consideramos possíveis não lineraridades da formação de nível salarial). Essa variação ficaria abaixo do crescimento do PIB em 2011, e abaixo da variação histórica da série (não estamos comparando a variação dos salários à produtividade, algo que faremos numa edição futura de nossa Carta Econômica Modal). Gráfico 2: Rendimento Médio Real Habitual Acumulado em 12 Meses, 2005-2011 7,00% Variação Média do Rendimento Médio Real em 12 meses 6,00% 5,00% 4,00% 3,8% 3,00% 2,6% 2,00% 1,00% 2005Q1 2005Q2 2005Q3 2005Q4 2006Q1 2006Q2 2006Q3 2006Q4 2007Q1 2007Q2 2007Q3 2007Q4 2008Q1 2008Q2 2008Q3 2008Q4 2009Q1 2009Q2 2009Q3 2009Q4 2010Q1 2010Q2 2010Q3 2010Q4 2011Q1 2011Q2 2011Q3 2011Q4 0,00% -1,00% Fonte de Dados: IBGE 3. O Elevado Crescimento Nominal dos Salários preocupa? Apesar de nossas estimativas apontarem para uma trajetória bem comportada do rendimento médio real ao longo de 2011, a variação nominal será bastante elevada, em vista da alta inflação acumulada em 12 meses. De fato, as negociações salariais em 2011 têm acendido a luz amarela por conta de variações nominais, às vezes, próximas a 10%. Há ainda a preocupação adicional com os dissídios salariais no segundo semestre, notadamente no mês de setembro. Contudo, não se observa nenhuma sazonalidade no mês de setembro que dê suporte a tais preocupações: testes simples de sazonalidade não encontraram nenhuma sazonalidade na série em nível ou na variação ano a ano e apenas uma fraca sazonalidade no mês de fevereiro na série da diferença dos logaritmos do rendimento médio real habitual. De qualquer maneira, os dissídios de setembro podem ser importantes caso sirvam de “farol” para aumentos mais generalizados dos salários na economia brasileira. Ressalte-se ainda que as variações nominais elevadas dos rendimentos médios reais não são bons indicadores de pressão inflacionária, já que, no nosso entendimento, a variação em termos reais causa aceleração ou desaceleração da inflação, dependendo se a variação dos rendimentos médios reais foi acima ou abaixo dos ganhos de produtividade. A recomposição dos salários em relação à inflação passada é quase ponto de partida para as discussões salariais, tendendo a perpetuar uma pressão inflacionária já latente na economia (ou seja, aumentando a inércia inflacionária). Já os ganhos reais são determinados pela atividade econômica e pela expectativa com relação à atividade econômica nos meses vindouros. Seguindo um choque positivo de demanda, a inflação pode aumentar como resultado de uma tentativa por parte dos trabalhadores em manter (ou aumentar) seus salários reais e como resultado das firmas buscando manter (ou aumentar) seus mark-ups. Nesse ambiente, pode-se criar uma espiral inflacionária salários-preços que duraria até o crescimento voltar a seu nível de equilíbrio. Como acreditamos que a economia está atualmente se acomodando, não haveria espaço para essa espiral inflacionária e a pressão de salários nominais simplesmente aumentaria a taxa de sacrifício em se diminuir a taxa de inflação. Dessa forma, o foco do mercado tem que estar sobre o nível de atividade econômica corrente e sobre a expectativa dos empresários e consumidores com relação ao futuro e não sobre o mercado de trabalho, até porque o mercado de trabalho não é um bom previsor do ciclo econômico brasileiro. Como a economia está se desacelerando e a expectativa dos empresários está cadente, esperamos que as negociações salariais sejam cada vez mais duras, resultando em menores aumentos reais no segundo semestre. Assim, a projeção de crescimento nominal dos salários em 2011 acende a luz amarela apenas com relação ao aumento da taxa de sacrifício, já que o consequente aumento da inércia inflacionária eleva o custo em se trazer a inflação de volta para a meta. Ainda que seja preocupante, já mostramos em artigos anteriores da Carta Econômica Modal que a inércia inflacionária tende a ser positivamente correlacionada com o nível da inflação acumulada em 12 meses, ou seja, sempre que a inflação se acelera, os agentes procuram se proteger, aumentando as demandas por recomposições de preços. Da mesma maneira, uma queda rápida da inflação faz com que recomposições de preços sejam menos frequentes, verificando-se uma queda da inércia quase que exponencial. 4. Qual o Efeito do Aumento do Salário Mínimo sobre o Nível de Salários da Economia? Até agora nos concentramos apenas em 2011, argumentando que a preocupação exagerada com relação ao mercado de trabalho e seus impactos sobre os salários e a inflação não parece tão justificável (afinal temos um cenário de desaceleração econômica). É preciso, porém, analisar um horizonte um pouco mais longo, já que o aumento de salário mínimo contratado para 2012, da ordem de 14%, tem tirado o sono do mercado. Mas qual seria o efeito das elevações do salário mínimo sobre os salários gerais da economia? A teoria econômica aponta que a imposição de um salário mínimo não teria efeitos práticos caso o nível fosse determinado num patamar abaixo do salário de equilíbrio em competição perfeita. Entretanto, caso o salário mínimo fosse determinado acima do salário de equilíbrio, haveria um excesso de oferta de trabalho, já que postos de trabalho (sobretudo, daqueles empregados de baixa qualificação) seriam destruídos. O efeito líquido seria um menor bemestar social da economia em questão e a economia estaria num ponto mais ineficiente. No entanto, tal resultado somente se mantém sob suposições muito restritivas e não muito realistas: é necessário supor que os trabalhadores são homogêneos, que não há assimetria de informação e que o mercado de trabalho é altamente competitivo. Vejamos cada uma dessas suposições em detalhe. Primeiramente, supondo-se heterogeneidade entre os trabalhadores, é possível que elevações do salário mínimo possam aumentar o crescimento econômico, gerando, assim, maior bem-estar geral na economia. Num modelo de crescimento endógeno, o aumento do salário mínimo poderia induzir o desemprego entre os trabalhadores menos qualificados, o que os levaria a investir em capital humano (educação). Segundo, num modelo com assimetria de informação (por exemplo, empregadores conseguem verificar o esforço do trabalhador de forma apenas imperfeita), a imposição de um salário mínimo diminui o incentivo de os trabalhadores trapacearem seus patrões, possibilitando seus patrões usarem seus recursos de monitoramento da força de trabalho de forma mais produtiva. Terceiro, supondo-se que os empregadores possuam poder de barganha no mercado de trabalho (ou seja, no limite teríamos uma situação de monopsônio), a introdução de um salário mínimo entre o equilíbrio monopsônico e competitivo geraria aumento do emprego e, por conseguinte, do bem-estar social da economia. Claramente, ao se relaxarem algumas suposições restritivas, abre-se a possibilidade de um papel mais positivo para o salário mínimo como instrumento de aumento do bem-estar social da economia. Contudo, o efeito empírico da introdução (ou mesmo de um aumento do salário mínimo) passa a ser dependente de tantos fatores que não há um consenso a priori de qual deveria ser seu efeito sobre o mercado de trabalho e sobre a economia em geral. De forma empírica, aumentos do salário mínimo têm dois efeitos principais: efeito preço e efeito farol. O salário mínimo é o preço do fator trabalho de baixa qualificação do setor formal (efeito-preço). Assim, elevações do salário mínimo representam aumento de custos das empresas desse setor. Por um lado, aumentos do salário mínimo levam a uma substituição de emprego de baixa qualidade pelo de maior qualidade, afinal a desigualdade dos rendimentos diminui com o aumento do mínimo e mais pessoas passam a receber o mínimo. No conjunto daqueles que recebem o mínimo, os empregadores buscariam a mão de obra de maior qualidade, engendrando um possível deslocamento de mão de obra de pior qualidade para a informalidade ou mesmo para o desemprego. Por outro lado, o aumento do salário mínimo aumenta a atratividade do emprego no setor formal. Dessa maneira, o impacto do salário mínimo sobre o desemprego, a informalidade e a taxa de participação acaba sendo ambíguo. O salário mínimo é um numerário, isto é, o salário mínimo é indexador formal ou informal de diversos outros preços na economia (efeito-farol). Em particular, o salário mínimo sinaliza a tendência salarial no setor informal também. Dessa forma, o mínimo pode provocar mudanças significativas no nível salarial do setor informal e, consequentemente, no nível de emprego desse setor, levando a possíveis realocações da mão de obra intersetorialmente. Em suma, a literatura econômica aponta que aumentos do salário mínimo comprimem a distribuição de salários gerais da economia, reduzindo a desigualdade na distribuição de salários daqueles que permanecem ocupados. Tais aumentos elevam também a probabilidade de os trabalhadores transitarem do emprego formal para o informal. Em menor medida, trabalhos empíricos sugerem que aumentos do salário mínimo geram uma maior probabilidade de elevação do desemprego/inatividade. 5. O Choque de Salário Mínimo em 2012 mudaria a Trajetória Benigna dos Rendimentos Médios Reais Habituais? Os recentes aumentos reais do salário mínimo têm-se mostrado claramente acima do crescimento do nível geral de preços da economia. O Gráfico 3 mostra que o salário mínimo (em termos reais) responde hoje por uma parcela bem maior do rendimento médio real habitual da economia brasileira, sugerindo que ele tenha ficado mais efetivo como limite ao preço de mercado do mercado de trabalho (mesmo com a estabilização na ponta). Gráfico 3: Salário Mínimo Real/Rendimento Médio Real Habitual, 2003-2011 38% 36% 34% 32% 30% 28% 26% 24% 22% 2003.02 2003.05 2003.08 2003.11 2004.02 2004.05 2004.08 2004.11 2005.02 2005.05 2005.08 2005.11 2006.02 2006.05 2006.08 2006.11 2007.02 2007.05 2007.08 2007.11 2008.02 2008.05 2008.08 2008.11 2009.02 2009.05 2009.08 2009.11 2010.02 2010.05 2010.08 2010.11 2011.02 20% Fonte de Dados: IBGE Entretanto, o simples aumento dessa proporção não prova que o salário mínimo tenha ficado mais relevante como numerário do mercado de trabalho. Esse ponto fica claro quando regredimos o rendimento médio real habitual contra o salário mínimo numa janela móvel de 24 meses durante o período de 2004 a 20111. Pelo Gráfico 4, percebe-se que não só o salário mínimo real nunca teve impacto muito relevante sobre o nível geral de salários da economia brasileira, como nos últimos períodos ele apresentou relação inversa, o que não faz muito sentido. Dessa forma, o exercício econométrico simples sugere que não deveríamos esperar aumento significativo do rendimento médio real habitual como consequência do aumento do salário mínimo de 14% contratado para 2012. Gráfico 4: Coeficiente do Salário Mínimo Real (Var. 12M) na Equação do Rendimento Médio Real acum. em 12M (controlado por 1 defasagem do próprio sal. mín. real acum. 12 meses e pelo desemprego), 2004-2011 0,2 0,2 0,1 0,1 0,0 -0,1 -0,1 -0,2 2009.03-2011.03 2009.01-2011.01 2008.11-2010.11 2008.09-2010.09 2008.07-2010.07 2008.05-2010.05 2008.03-2010.03 2008.01-2010.01 2007.11-2009.11 2007.09-2009.09 2007.07-2009.07 2007.05-2009.05 2007.03-2009.03 2007.01-2009.01 2006.11-2008.11 2006.09-2008.09 2006.07-2008.07 2006.05-2008.05 2006.03-2008.03 2006.01-2008.01 2005.11-2007.11 2005.09-2007.09 2005.07-2007.07 2005.05-2007.05 2005.03-2007.03 2005.01-2007.01 2004.11-2006.11 2004.09-2006.09 2004.07-2006.07 2004.05-2006.05 -0,2 Fonte de Dados: IBGE e Ministério do Trabalho 6. Qual o Impacto Econômico do Aumento do Mínimo em 2012? O fato de não encontrarmos associação significativa entre variações do salário mínimo e variações do rendimento médio real habitual não implica, contudo, que aumentos do salário mínimo são neutros do ponto de vista econômico. Há, ao menos, um canal relevante pelo qual o salário mínimo impactará o desempenho econômico da economia brasileira em 2012: 1 Observamos um padrão de queda da importância do salário mínimo real na determinação do rendimento médio real em todas as especificações testadas. Para tanto, utilizamos diferentes combinações e defasagens das seguintes variáveis: desemprego, rendimento médio real habitual, salário mínimo real (deflacionado pelo INPC/IBGE), taxa de desocupação (IBGE) e hiato do PIB (calculado por uma aproximação do método da função de produção, utilizando-se o nível de utilização da capacidade instalada e a taxa de desocupação). as contas fiscais. De acordo com a Tabela 1, o aumento projetado de 14% do salário mínimo em 2012 geraria um impacto fiscal de R$26,4 bilhões. Nossas estimativas, no entanto, apontam para um impacto fiscal da ordem de R$31 bilhões2. Tabela 1: Sensibilidade das Contas Fiscais a Aumentos do Salário Mínimo Fonte de Dados: Ministério da Fazenda O aumento do salário mínimo em 2012 representará uma transferência de renda para: a) aqueles que continuarão empregados e que recebiam menos do que o novo patamar do mínimo e; b) aposentados e pensionistas em geral. Assim, haverá uma transferência de renda dentro das contas fiscais na direção dos inativos, que são exatamente aqueles que possuem a maior propensão a consumir. Esse ponto é particularmente relevante já que, tudo o mais constante, deveríamos esperar um aumento da demanda agregada. 7. Qual é o Impacto Inflacionário Esperado como Consequência do Aumento do Salário Mínimo? Argumentamos anteriormente que o aumento do salário mínimo acarreta um impacto fiscal que pode gerar um aumento da demanda agregada. Esse aumento da atividade econômica, via aumento do consumo, pode gerar pressões inflacionárias. Entretanto, há um canal de transmissão do salário mínimo para os preços que gera preocupação maior para o mercado, qual seja, o efeito do aumento do salário mínimo sobre o IPCA Serviços. O IPCA serviços é composto por diversos itens como aluguel, condomínio, “consertos e manutenção”, estacionamento, costureira, empregada doméstica, “manicure e pedicure”, barbeiro etc. Esses itens se referem a rubricas do IPCA cujas variações estão diretamente 2 Os cálculos não estão divulgados nesse trabalho, mas podem ser obtidos por requisição à equipe econômica Modal. O resultado geral é obtido por meio de regressões simples da diferença do logaritmo das principais rubricas da despesa contra a diferença do logaritmo do salário mínimo (resultado muito similar pode ser encontrado regredindo-se as variáveis em nível). No momento, estamos trabalhando num modelo mais completo que leva em consideração a relação entre as diversas rubricas fiscais que são impactadas pelo aumento do salário mínimo. O cálculo é subestimado pois é feito em cima dos valores em 12 meses referentes ao mês de abril de 2011. O mais correto seria projetar as contas até o final de 2011 e aí sim calcular o impacto fiscal do aumento do salário mínimo. ligadas ao IGP-M ou ao nível de salários da economia (já que são, em geral, serviços intensivos em mão de obra). A preocupação do mercado se refere ao fato de que aumentos do salário mínimo refletir-se-iam em aumentos dos custos dos serviços e, por conseguinte, em aumento de preços no grupo IPCA Serviços. Entretanto, os modelos abaixo sugerem que variações do salário mínimo (tanto nominal, quanto real) não têm efeito estatisticamente significativo sobre a variação 12 meses do IPCA Serviços, controlando-se para a variação em 12 meses do IGP-M e para a inércia. Os resultados não são muito robustos para o rendimento médio real, mas, em outras especificações, não se encontrou tampouco a relação positiva entre salário mínimo e IPCA Serviços. Tabela 2: Pass-Through de Salários para o IPCA Serviços, 2004-20113 eq1 C IPCA_SERV_12M(-1) IGPM12M SAL_NOM_12M(-1) eq2 eq3 0,000 0,000 -0,002 92% 88% 24% 1,003 1,003 1,009 0% 0% 0% 0,012 0,010 0,016 4% 9% 0% -0,005 - - -0,006 - 31% SAL_REAL_12M(-1) - 23% RMRH_12M(-1) - - 0,019 5% R-squared Adjusted R-squared 0,95 0,95 0,95 0,95 0,96 0,95 8. Desoneração da Folha de Pagamentos: qual o impacto esperado? O governo tem proposto uma desoneração da folha de pagamentos. Espera-se que essa desoneração tenha impactos relevantes sobre o mercado de trabalho, mas qual seria esse impacto? Primeiramente, é importante notar que o salário que define o nível de emprego em equilíbrio não é dado pelo salário efetivamente recebido pelo trabalhador, mas sim pelo salário bruto pago pelo empregador. Isso porque a oferta de trabalho (sobretudo, da mão de 3 As equações não apresentam correlação serial dos resíduos, tal como medido pelo teste LM de BreuschGodfrey. obra masculina) é fixa no curto prazo, de forma que o nível de equilíbrio do mercado de trabalho é determinado mais pelas condições de demanda por mão de obra do que pelas condições de oferta. Nesse aspecto, reduções de impostos na folha de pagamentos tendem a deslocar a curva de demanda por mão de obra para a direita, implicando (num mundo em que a demanda por trabalho é menos elástica do que a oferta de trabalho) maior ganho para os trabalhadores do que para os empregadores. Assim, o efeito líquido seria um maior repasse para os salários efetivamente recebidos pelos trabalhadores e maior nível de emprego, sem nenhum custo adicional para os empregadores (que, inclusive, tenderiam a se beneficiar também). Esse efeito benigno no mercado de trabalho seria particularmente interessante para os trabalhadores com baixíssima qualificação, cujos salários de equilíbrio fossem localizados abaixo do salário mínimo. Nesse caso, a desoneração da folha de pagamento traduzir-se-ia diretamente em aumento do emprego, como pode ser observado na figura abaixo (o nível de emprego no mercado de baixa qualificação se moveria de E para E’). Figura 1: Desoneração de Impostos sobre a Folha de Pagamentos de Trabalhadores com Baixa Qualificação Demanda por Trabalho E E’ Salário Mínimo Oferta de Trabalho Pós-Desoneração Oferta de Trabalho Inicial Dessa forma, caso a desoneração de impostos ocorresse ao longo de um processo de desaceleração econômica, poderíamos vislumbrar um cenário em que a economia desacelera, mas o nível de emprego sobe (ou cai mais lentamente) e os salários aumentam (ou caem mais lentamente). Entretanto, caso a desaceleração não ocorra e/ou seja muito lenta, uma desoneração da folha de pagamentos poderia ser inflacionária4. 4 Conforme ressaltado por Ulyssea e Reis (2006), a desoneração da folha de pagamentos acarreta uma queda significativa no grau de informalidade e contribui para aumentos dos níveis de emprego e de rendimentos. 9. Qual é a Taxa de Desemprego de Equilíbrio no Brasil? A partir de todos os pontos levantados até aqui, ficamos com a questão de qual é a taxa de desemprego de equilíbrio no Brasil, ou NAIRU. A ideia é que existiria um nível de emprego máximo que seria neutro do ponto de vista inflacionário. Conforme ressaltado anteriormente, existem fortes evidências de que o Brasil passa por uma mudança estrutural, não tendo atingido ainda o ponto de equilíbrio de sua economia. O gráfico 5 é um bom exemplo disso. Ele traz a variação da taxa de desemprego mês a mês de 2006 até maio de 2011. Gráfico 5: Taxa de Desemprego no Brasil, 2006-2011 11,0 10,0 9,0 % 8,0 7,0 6,0 5,0 jan fev mar 2011 abr 2010 mai jun 2009 jul ago 2008 set out 2007 nov dez 2006 Fonte de Dados: IBGE Como podemos perceber, ano após ano, a taxa de desemprego mostrou trajetória cadente, apresentando a taxa de desemprego média e final inferiores ao ano imediatamente anterior. Vale ressaltar que esse tipo de movimento ocorre, pelo menos, desde 2003. Isso dá indícios de que a queda na taxa de desemprego brasileira é um movimento que começou há bastante tempo e continua até hoje. Existe, é claro, um limite. A relação entre os fundamentos macroeconômicos de oferta e demanda e uma taxa de inflação compatível com a meta de 4,5% em algum momento atingirá um equilíbrio estável, cujo um dos subprodutos será uma taxa de desemprego natural fixa. A discussão, porém, orbita em saber se esse equilíbrio já foi atingido e, se sim, qual seria ele. Por um lado, o Gráfico 5 nos dá um bom indício de que esse equilíbrio estável ainda não foi alcançado. Se a taxa de desemprego observada cai consecutivamente por tantos anos seguidos, é de se imaginar que a taxa natural venha caindo também, pois, no período analisado, temos anos em que a inflação ficou tanto acima, quanto abaixo do centro da meta. Gráfico 6: Desemprego e NAIRU, 2001-2011 14,2 13,2 DESEMPREGO NAIRU DINÂMICA 12,2 Desemprego Dessaz. 11,2 10,7 10,2 9,2 8,8 8,2 7,2 7,2 6,2 2001M10 2002M01 2002M04 2002M07 2002M10 2003M01 2003M04 2003M07 2003M10 2004M01 2004M04 2004M07 2004M10 2005M01 2005M04 2005M07 2005M10 2006M01 2006M04 2006M07 2006M10 2007M01 2007M04 2007M07 2007M10 2008M01 2008M04 2008M07 2008M10 2009M01 2009M04 2009M07 2009M10 2010M01 2010M04 2010M07 2010M10 2011M01 2011M04 5,2 Fonte de Dados: IBGE O Gráfico 6 nos ajuda a ilustrar esse ponto. Nele, temos o desemprego medido pelo IBGE, o desemprego dessazonalizado e duas medidas de NAIRU mais utilizadas pelo mercado. Uma estática, que seria uma espécie de média ponderada da taxa de desemprego no período, e uma dinâmica, que permite variação mais frequente da NAIRU. Como podemos ver, nas duas medidas, a NAIRU cai forte e consistentemente no período analisado, chegando próximo a 7% na ponta da série (por essas métricas, teríamos então um mercado de trabalho apertado). O mais interessante é notar que, por vezes, há grandes divergências entre as duas metodologias utilizadas. Em determinados momentos, a taxa de desemprego estaria abaixo de uma das NAIRUs calculadas e acima da outra. Caso estivéssemos em um ambiente de NAIRU estacionária, as duas metodologias deveriam sempre indicar números próximos, fato que não ocorre e é evidência adicional de que a mesma está em constante mudança. Isso nos dá indícios de que estimações da NAIRU para o Brasil não são confiáveis, pois a relação entre taxa de desemprego e outras variáveis macroeconômicas está em constante e rápida mudança. Além disso, outros fatores específicos do mercado de trabalho brasileiro, que serão discutidos com mais profundidade abaixo, tornam pouco recomendável o uso da taxa de desemprego como principal indicador do nível de aquecimento do mercado de trabalho nacional, ao contrário do que se observa em economias mais amadurecidas. 10. Há Fatores Positivos no Longo Prazo? Apesar de, no curto prazo, o mercado de trabalho enfrentar desafios importantes, que são fonte de preocupação e podem gerar stress sobre o mercado, ao olharmos para o longo prazo, vemos pelo menos um fator de alívio. Abaixo temos o gráfico com a PIA (população em idade ativa) e PEA (população economicamente ativa). A primeira é composta pelas pessoas acima de 10 anos de idade e a segunda trata-se das pessoas com mais de 10 anos de idade que estão empregadas ou ativamente procurando emprego sendo, portanto, a PEA um subconjunto da PIA. Gráfico 7: PIA e PEA, 2003-2011 57,5% PEA/PIA 57,0% 56,5% 56,0% 55,5% jan/11 set/10 mai/10 jan/10 set/09 mai/09 jan/09 set/08 mai/08 jan/08 set/07 mai/07 jan/07 set/06 jan/06 mai/06 set/05 mai/05 jan/05 set/04 mai/04 jan/04 set/03 mai/03 jan/03 55,0% Fonte de Dados: IBGE A razão entre PEA e PIA é a chamada taxa de participação, que está ilustrada no Gráfico 8. Como podemos ver pela linha de tendência traçada no gráfico, essa taxa cresceu lentamente no período analisado, permanecendo ainda em patamar muito baixo. Atualmente essa taxa está em torno de 57%, proporção considerada pequena, se comparada com economias mais desenvolvidas, cuja taxa de participação gira em torno de 65%. Por que a taxa de participação brasileira seria tão baixa? Uma das razões se refere à pirâmide etária brasileira estar passando por um momento bastante favorável. A população em idade ativa é grande e bastante jovem (de acordo com dados do censo, são aproximadamente 160 milhões de brasileiros com 10 ou mais anos de idade, dos quais aproximadamente 20% têm entre 10 e 19 anos). Isso indica que uma parcela da população que está em idade ativa, mas não faz parte da PEA, está provavelmente se dedicando aos estudos. Além disso, ainda de acordo com o censo, existem aproximadamente 29 milhões de brasileiros com menos de 10 anos, ou seja, que ainda estariam para entrar na PIA. Desse modo, temos ainda boas perspectivas de crescimento da PIA para os anos vindouros. Conforme a população brasileira for envelhecendo, provavelmente, veremos um aumento na taxa de participação da população, com mais pessoas entrando na PEA e, consequentemente, aumentando a oferta de trabalho disponível na economia, aliviando eventuais pressões que possam existir sobre o mercado de trabalho. Ademais, as pessoas que ingressarão na PEA terão mais anos de estudo (por pior que seja a qualidade do ensino hoje) e tenderão a melhorar a qualidade da força de trabalho brasileira. REFERÊNCIAS: BLANCHARD, O. “The Wage Price Spiral”. NBER Working Paper, n. 1771. Cambridge. Dez. 1985. BOADWAY, R. e CUFF, K. “A Minimum Wage can be Welfare-Improving and Employment Enhancing”, Queen’s Economics Department Working Paper, No. 980, 1999. CORSEUIL, C. H. e CARNEIRO, F.G. “Os Impactos do Salário Mínimo sobre Emprego e Salários no Brasil: Evidências a partir de dados Longitudinais e Séries Temporais”. Texto para Discussão, n. 849. Rio de Janeiro: IPEA. Dez. 2001. FOGUEL, M. N. “Uma Avaliação dos Efeitos do Salário Mínimo sobre o Mercado de Trabalho no Brasil”. Texto para Discussão, n. 564. Rio de Janeiro: IPEA. Jun. 1998. NERI, M., GONZAGA, G. e CAMARGO, J. M. “Efeitos Informais do Salário Mínimo e Pobreza”. Texto para Discussão, n. 724. Rio de Janeiro: IPEA. Mai. 2000. 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Fev. 2007.