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Campinas entroncamento ferroviário
Antonio Henrique Felice Anunziata
Volume 1
Número 5
Janeiro 2003
O município de Campinas a partir da segunda metade do século
XIX passava por profundas transformações urbanas financiadas por um
capital que se originara nos cafezais. A necessidade de armazenar e
transportar o produto de uma maneira mais adequada desta região até o
porto de Santos, fez com que a própria cidade, então "capital agrícola",
criasse o seu "pólo de tecnologia" ferroviário.
A primeira ferrovia fundada na Província de São Paulo foi a São
Paulo Railway Company Ltd em 1860, com capital investido pelos ingleses
depois de terem acordado com Irineu Evangelista de Souza a montagem de
tal companhia, porém, como os interesses ingleses eram outros, o
empresariado brasileiro foi afastado do feitoi.
A S.P.R. não desejou continuar a estrada até a cidade de Rio Claro,
passando por Campinas, conforme a concessão realizada pela Província de
São Paulo, mas sim finalizando - a na cidade de Jundiaí. Os ingleses
desistiram de terminar a ferrovia de acordo com a concessão, porque era
muito mais lucrativo cobrar pelo tráfego em sua ferrovia, já que haviam
resolvido os problemas geográficos de ultrapassar a Serra do Japi e a Serra
do Mar, pois qualquer companhia que fosse criada, teria que passar neste
funil ferroviário, pagando deste modo às tarifas impostas pelos ingleses.
A produção cafeeira estava cada vez mais distante de Campinas,
chegando às regiões de Mogi-Mirim, Rio Claro, São Carlos, o que tornaria,
em breve espaço de tempo, tecnicamente inviável o transporte, pois os
muares já estavam sobrecarregados e a cidade não mais comportava
tamanho movimento do conjunto de mulas, a estrutura de hospedagem era
ineficiente para tantas tropas, os estábulos insuficientes para os animais,
havia a falta de alimentos para os viajantes e a própria infra-estrutura para
este sistema de transporte esgotado ao limite.2
Desse modo em 28 de novembro de 1868, é fundada, em uma
reunião na Câmara Municipal de Campinas, pelos grandes cafeicultores da
região e pelo Presidente da Província Saldanha Marinho, a "Companhia
Paulista de Estradas de Ferro de Campinas a Jundiaí", que faria a ligação
entre estas duas cidades, o que amenizou o problema da distribuição do
café, mas não solucionou o problema do transporte, pois os cafezais já
estavam sendo plantados cada vez mais longe, em direção à região de
Ribeirão Preto3.
Na data 30 de março de 1872 é criada a "Companhia Mogyana de
Estradas de Ferro", que acompanhou a "marcha" do café no sentido norte e
nordeste da Província de São Paulo, chegando primeiramente a Mogi-Mirim
com ramal para Amparo. Vimos que no Município em um prazo de cinco
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anos foram criadas duas das maiores ferrovias paulistas, a C.P.E.F. e a
C.M.E.F..4
Os Distritos de Arraial de Sousas e de Joaquim Egídio eram de alta
produção cafeeira, mas havia uma grande dificuldade em transportar os
grãos pela região, por ser geograficamente íngreme. Os cafeicultores
daquelas fazendas, pedem à "Companhia Paulista" a concessão para a
construção de uma pequena estrada de ferro naquela área, que era de
domínio desta ferrovia.
A "Paulista" faz a concessão e, deste modo, em 1889 é fundada a
"Companhia do Ramal Férreo Campineiro", iniciando-se em uma plataforma
ao lado da "Companhia Mogyana" na Estação da "Companhia Paulista" no
centro da cidade, indo até o monte das Cabras (Fazenda Laranjal) e no
Distrito Joaquim Egídio abria-se um ramal para a Fazenda Lacerda.5
No final do império, Campinas tinha duas grandes ferrovias, a
"Paulista" e a "Mogyana", e ainda uma ferrovia local, o "Ramal Férreo".
Estas estradas estavam ligadas diretamente à produção cafeeira. O
interesse para a criação da "Companhia Carril Agrícola Funilense" não era
diretamente ligado com a produção do café, mas sim com a colonização de
terras por imigrantes, que poderiam transformar uma região desabitada
como a do Funil, atualmente corresponde às cidades de Cosmópolis e
Arthur Nogueira, em uma grande área produtora de café.
A idéia da construção da "Companhia Carril Agrícola Funilense"
surgira ainda no Império, mas somente na República é que se concretiza a
sua fundação em 22 de setembro de 1890.
Porém com argumento de realizar, através da ferrovia, uma
colonização da região com imigrantes, funda-se esta estrada de ferro em 22
de setembro de 1890, e conforme os planos de seus idealizadores, ela
poderia transformar no futuro a área em uma grande produtora de café.6
A última grande ferrovia a se instalar em Campinas foi a "Estrada de
Ferro Sorocabana" em 1914, devido à necessidade de realizar as conexões
de mercadorias com a "Paulista" e "Mogyana", cuja importância esta
ferrovia conhecia, pois o despacho da "Sorocabana" em São Paulo para o
interior vinha destas duas estradas, daí então a criação de um ramal de
mesmo nome que partia da Estação de Francisco Quirino da linha Sorocaba
/Jundiaí. 7
Este conjunto após a sua conclusão nos anos 20 do século XX,
chegou a ser um dos maiores entroncamentos ferroviários das Américas,
pois todas estas estradas se intercambiavam entre si, mesmo tendo bitolas
(distância entre trilhos) diferentes. Existiam quatro estações: Campinas da
"Companhia Paulista" ; Guanabara da "Companhia Mogyana" ; Campinas/
Bonfim da "Sorocabana" e Carlos Botelho da "Funilense". A única que não
possuía estação própria era o "Ramal Férreo" que sempre utilizou a estação
da C.P.E.F. 8
Os pátios eram imensos mesmo levando em consideração aqueles
aos dias atuais. A C.P.E.F tinha as suas oficinas de locomotivas na cidade
de Jundiaí e as oficinas de carros e vagões em Rio Claro, em Campinas
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ficava o prédio da administração geral. No seu pátio havia cerca de 31
linhas férreas, mais os edifícios de armazéns de café, armazéns de
mercadorias, a estação, o depósito de locomotivas elétricas e o edifício da
baldeação.9
Todo o conjunto da C.M.E.F. localizava-se em Campinas totalizando
perto de 80 linhas férreas, mais as oficinas de carros/ vagões e locomotivas,
depósito de veículos, administração, rotunda (virador de locomotiva),
lenheiro, fundição, marcenaria, carpintaria, pintura, baldeação, enfim todo o
complexo fabril ferroviário, junto à área da C.P.E.F. na Vila Industrial. Na
Guanabara havia em torno de 25 linhas, o campo do Mogyana Esporte
Clube, vila dos ferroviários, armazéns de café, armazéns de mercadorias
secos e molhados, balança, departamento de engenharia e lavagem.10
A E.F.S. mantinha provavelmente 15 linhas férreas, mais um
depósito de locomotivas, armazéns de café e armazéns gerais, estação
sendo, a única ferrovia em Campinas a ter um triângulo de inversão
(utilizado pra virar a composição ferroviária toda, não só a locomotiva). Na
"Funilense" havia os armazéns e a administração, no mesmo prédio da
estação, que foi construído em conjunto com a Prefeitura Municipal de
Campinas, que necessitava de um mercado municipal maior.11
O "Ramal Férreo" era só uma ferrovia interna dentro do município,
utilizava a infra-estrutura da "Paulista" ou "Mogyana" para a manutenção do
seu material rodante (locomotivas, carros e vagões). Dentro deste complexo
fabril, as ferrovias não tinham só a função de transportar pessoas ou
mercadorias, mas a dinâmica de um mundo capitalista produtivo , pois
qualquer tipo de equipamento necessário para uma estrada de ferro poder
existir e funcionar se encontrava aqui, desde a fundição das peças até o
mais simples reparo.
Seria raro encontrar todos os equipamentos necessários e tão
diversificados em uma única localidade. Não é que em outras cidades não
houvesse equipamentos ferroviários, podemos citar dois exemplos:
Sorocaba tinha as oficinas de carros / vagões e locomotivas mas a
administração e os depósitos da E.F.S eram em São Paulo; a "Paulista" era
desmembrado entre Rio Claro, Jundiaí e Campinas , os equipamentos eram
dispersos ao longo das ferrovias. De um modo geral, Campinas centralizou
este conjunto com ferrovias diferentes num só entroncamento ferroviário.
As ferrovias montaram dentro do município um sistema de
distribuição interno, caracterizando uma estrela, onde no sentido de leste
para oeste passava a "Companhia Paulista", ao sul a "Sorocabana", ao
norte "Mogyana", a nordeste o "Ramal Férreo", e a Noroeste a "Funilense".
Mas, a partir da década de 60 e 70 do século XX esta estrutura vai sendo
desmantelada, pois uma nova lógica passa a ordenar o setor de transportes
no país
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10
Companhia Mogyana de Estradas de Ferro –Departamento da Linha – Linha tronco – KM 2,737 Guanabara planta
do pátio Set.1957 – propriedade do autor .
11
Planta No. 3505 Class-D.01-CS-182- desenhado por - desenhado por Reinaldo B Gravina São Paulo 25 de Março de
1963, levantamento em 1961- propriedade do autor .
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