A HISTÓRIA ORAL COMO CONHECIMENTO APLICADO NA PESQUISA EM GEOGRAFIA CULTURAL Gustavo Henrique de Abreu Silva1 Josimone Maria Batista Martins2 RESUMO: Este artigo tem como escopo demonstrar algumas possíveis ligações entre geografia cultural e história oral, apontando que a história oral pode ser utilizada pelos geógrafos culturais no desenvolvimento de suas pesquisas. Considerando que o espaço é um constructo social – e que todo constructo social tem inegavelmente aspectos culturais – para a decodificação das espacialidades precisamos, inegavelmente, trabalhar com pessoas. E trabalhar com pessoas implica em reconhecermos a importância epistemológica dos aspectos subjetivos do ser humano, tais como: os sentimentos, os simbolismos, as crenças, as representações, coisas que vão ser externalizadas através da linguagem. Daí há relevância da utilização da história oral na geografia cultural. Palavras chaves: geografia cultural, história oral, cultura. A GEOGRAFIA CULTURAL A geografia cultural para muitos autores é entendida como uma espécie de subcampo da geografia, como a geografia agrária ou geografia política. Contudo existem autores que defendem que todos os fatos geográficos possuem, de uma forma ou de outra, uma contribuição cultural. Isso leva esses geógrafos a preferirem falar em abordagem, ou perspectiva cultural na geografia, e não em geografia cultural. (Claval, 2002: 147). Acontece que o termo “geografia cultural” ganhou popularidade principalmente com os trabalhos de Carl Sauer e seus discípulos, ganhando força inicialmente na denominada Escola de Berkeley e, logo, se espalhando por diversas universidades. (Corrêa e Rosendahl, 2003: 10). Assim, hoje, por exemplo, é difícil não usarmos o termo “geografia cultural” devido a sua popularidade e, principalmente, pelo fato de já se ter um relativo entendimento da importância epistemológica da cultura na análise geográfica. O entendimento do que vem a ser a geografia cultural se inicia tanto por uma análise histórica do que “hoje” é chamado de “geografia cultural”, quanto pelo estudo do conceito de “cultura”. A geografia cultural de Carl Sauer era uma geografia que analisava a cultura sob seu aspecto mais material, eram os chamados – artefatos culturais. Estudavam-se os campos, as moradias, os animais utilizados, os instrumentos de trabalho. Focalizava principalmente as sociedades “tradicionais”, dando pouca ênfase as sociedades urbano-industriais. 1. 2. Mestrando em geografia da Universidade Federal de Rondônia; Graduanda em geografia da Universidade Federal de Rondônia. A partir da década de 1970 a geografia cultural passa por um processo de renovação, esse processo se faz principalmente no contexto da valorização da “cultura”. Os geógrafos culturais passam a se preocupar não só com os aspectos considerados “materiais” da cultura. Mas também com seus aspectos mais subjetivos e simbólicos, isso se deve, principalmente, a um melhor entendimento do conceito de cultura. Cultura não é um conceito de fácil definição, ele pode ter diversas acepções e usos. Algumas das maneiras de utilização da palavra cultura seriam: 1) É muito comum a utilização da palavra cultura num sentido artístico, ou seja, em determinadas acepções o termo cultura estaria imediatamente ligado a questões artísticas; 2) Outra utilização muito comum é a sua assimilação com erudição. A pessoa que tem cultura seria uma pessoa estudada, pessoa que fala mais de um idioma, ou, uma pessoa com uma boa formação intelectual; 3) A cultura sendo vista de uma forma mais ampla, como um conjunto de saberes que são transmitidos como herança, acontecendo de forma mais complexa, envolvendo os valores, as crenças, as normas de conduta, a linguagem, os símbolos e toda uma rede de relacionamentos numa espécie de transmissão e formatação social. De acordo com Cosgrove: “(...) no uso contemporâneo, ‘cultura’ serve para unir os aspectos fundamentais do ser social (...)” (1983: 104). Assim, o conceito de cultura dentro da geografia cultural é utilizado de forma mais abrangente, Paul Claval esclarece que: A cultura é a soma dos comportamentos, dos saberes, das técnicas, dos conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas e, em uma outra escala, pelo conjunto dos grupos de que fazem parte. A cultura é herança transmitida de uma geração a outra. (...) Os membros de uma civilização compartilham códigos de comunicação. Seus hábitos cotidianos são similares. Eles têm em comum um estoque de técnicas de produção e de procedimentos de regulação social que asseguram a sobrevivência e a reprodução do grupo. Eles aderem aos mesmos valores, justificados por uma filosofia, uma ideologia ou uma religião compartilhadas. (2001: 63). Assim, a perspectiva cultural na geografia abre um leque de diversas possibilidades de estudo sobre o ser humano. Possibilidades estas, antes negligenciadas pela visão exclusiva da racionalidade rígida, da lógica instrumental, ou dizendo de outra maneira, das correntes positivistas dentro da geografia. Contudo o ser humano não se constitui somente pelo racional, pelo cartesiano. No ser humano também residem as emoções, as subjetividades. UM POUCO SOBRE HISTÓRIA ORAL Estaremos trabalhando, principalmente, com a história oral desenvolvida por José Carlos Sebe Bom Meihy. De acordo com Sebe: Pode-se, em nível material, considerar que a história oral consiste em gravações premeditadas de narrativas pessoais, feitas diretamente de pessoa a pessoa, em fitas ou vídeo, tudo prescrito por um projeto que detalhe os procedimentos. (...) O projeto prevê: planejamento da condução das gravações; transcrição; conferência da fita com o texto; autorização para o uso; arquivamento e, sempre que possível, publicação dos resultados, que devem, em primeiro lugar, voltar ao grupo que gerou as entrevistas. (...) Atualmente, a história oral já se constitui em parte integrante do debate sobre a função do conhecimento social (...). (2005: 17-19). Como todo conhecimento a História Oral também passa por processos de evolução. A história oral que inicialmente se apresenta como um locus multidisciplinar com o tempo vai se apresentando como um conhecimento autônomo e radical (Meihy, 2003: 31-41), exigindo cada vez mais uma postura teórica diferenciada e geradora de um tipo de leitura e interpretação totalmente novas. Sebe publicou cinco versões do chamado “Manual de História Oral” (Meihy, 1996, 1998, 2000, 2002, 2005) dentro dessa perspectiva se apresenta a preocupação de esclarecer como essa linha de história oral “compreendia as relações entre Memória e História; Oralidade e Escrita; Identidade. É um momento interessante porque vai indicar que o conjunto desses conceitos, idéias e preocupações poderiam conferir-lhe um status diferenciado (...)” (Barbosa, 2006: 32). Assim a história oral vai desenvolvendo um corpo teórico próprio, o que trás a certeza de que a história oral nos moldes de Sebe, Alberto Lins Caldas e outros autores já não pode mais ser pensada como uma mera prática de registros, arquivamento ou similares. Os conceitos vão sendo aperfeiçoados, formando, conseqüentemente, um embasamento teórico cada vez mais consistente. Apesar de existirem algumas divergências entre autores que trabalham a história oral, existem também muitos pontos em comum “A idéia de que a história oral pressupõe um projeto e que o uso da entrevista vai além do registro documental é ponto pacífico entre os pesquisadores que pensam a história oral como um conhecimento que vai além da técnica de captação de entrevistas.” (Ibid, 35). Ou seja, a história oral não é uma simples entrevista, ela precisa de um projeto, ela precisa de uma reflexão, ela precisa de uma preparação para a sua realização. A pesquisa é o encontro com o novo, e a história oral busca preparar o pesquisador para esse encontro. Essa preparação acontece através de um respeito que se dá ao entrevistado, o qual Sebe vai chamar de “colaborador” justamente valorizando este indivíduo não como um mero “objeto de pesquisa” mas como um ser humano que precisa e deve ser valorizado, respeitado e ouvido. Esse respeito, esse caráter ético está presente em todos os momentos do trabalho de história oral, a transformação da entrevista em texto também perpassa por esses cuidados. De acordo com Fabíola Holanda Barbosa: “Essa transformação exige sensibilidade do oralista em relação ao que o colaborador quer comunicar, e mediar essa comunicação, sem apagar as marcas da oralidade e as características identificadoras da fala do colaborador.” (2006: 44). Assim a história oral se torna uma experiência compartilhada, a entrevista acontece como um diálogo, um espaço “aberto ao aconchego, á confidência e ao respeito” (Meihy, 1996: 55). E é interessante observar que este relacionamento que se cria, que se estabelece entre o oralista e o entrevistado ou “colaborador”, essa afinidade é que vai permitir que muitas coisas que não seriam ditas numa entrevista formal sejam ditas. Através desse elo oralista/colaborador as coisas, ou a própria narrativa, podem fluir mais espontaneamente possibilitando o que é o grande objetivo de qualquer pesquisa, o encontro com o novo e a sua interpretação. Assim, na história oral, realmente comprometida, se foge do perigo de se projetar no outro o seu próprio eu, para que a pesquisa não caia na falácia de ser um estudo de si mesmo, um estudo do próprio espectro do pesquisador projetado no entrevistado. LIGAÇÕES ENTRE GEOGRAFIA CULTURAL E HISTÓRIA ORAL Os diferentes olhares A geografia, durante muito tempo trabalhou, exclusivamente, sob o ponto de vista do homem branco, adulto, europeu, do sexo masculino. “Os geógrafos do início do século XX de bom grado falavam do homem. Na verdade, tratavam dos adultos masculinos do grupo social dominante.” (Claval, 2000: 61). Contudo, a geografia cultural trás novas perspectivas sobre essas questões. Para se trabalhar com a perspectiva cultural em geografia uma das coisas que se tornam imprescindíveis é o respeito às culturas. Mas o que quer dizer respeito às culturas? Respeito às culturas quer dizer que cada um de nós tem uma visão de mundo, tem um entendimento do que vem ser a vida, e tudo isso foi construído dentro de uma configuração ampla e complexa, envolvendo conhecimentos e hábitos herdados através da: família, nacionalidade, grupos sociais ao qual se faz parte, crenças, ideologias e tantas outras coisas. Na verdade é toda uma interrelação sócio-cultural que, paulatinamente, vai contribuir com a visão de mundo que cada um de nós têm. Isso quer dizer que: o que é “verdade” para mim, não é, necessariamente, “verdade” para o outro e vice-versa. Se tratando da pesquisa, como o pesquisador poderá entender uma comunidade, ou, um grupo social se ele não entender os seus motivos, as suas crenças, as suas aspirações, os seus anseios? Assim, se torna necessário o pesquisador se despir ao máximo de preconceitos, e procurar entender da melhor maneira possível o “olhar de mundo” que tem o “outro”, ou, o olhar do grupo ao qual está estudando. Dessa forma a geografia cultural, justamente por considerar a cultura, abre espaço para esses olhares, antes desconsiderados. Como a mulher entende e vivencia o seu espaço? Os negros? As crianças? Os idosos? Os portadores de necessidades especiais? Essas são questões que a geografia cultural trás à tona e que a história oral pode contribuir. Sobre a história oral de acordo com Sebe “movimentos de minorias culturais e discriminadas têm encontrado espaço para abrigar suas palavras, dando sentido social às experiências vividas (...) É matéria essencial da história oral a humanização das percepções (...)” (2005: 44-45). O espaço, dentro da visão geográfica, é um constructo social. Nós não podemos estudar o espaço sem estudar o ser humano que é quem realiza essa ação social, os seres humanos são os atores das espacialidades. “Ao se falar de industrialização, quase sempre esquece-se dos operários; ao analisar-se a agricultura, não se vê o agricultor; ao falar-se de partidos políticos, não se contempla o militante. Por isso a história oral busca reinserir o indivíduo no contexto.” (Sebe, 2005: 83). Nesses contextos, podemos afirmar que história oral é inegavelmente um bom suporte para a inserção do indivíduo dentro do cenário social. Os geógrafos culturais, sem dúvida, podem utiliza-la para mergulhar no ser social, decodificando-o através de suas narrativas, através do contato dialógico que se estabelece com o entrevistado tornado “colaborador”. Esse contato mútuo, íntimo extrapola os simples olhares de pesquisador/objeto e concomitantemente abre espaço à externalização das subjetividades. O respeito as diferenças culturais está no cerne da geografia cultural, os geógrafos culturais têm, por excelência, o dever de se esforçar ao máximo para respeitar as diversas práticas culturais. Só assim, o pesquisador poderá – utilizando o espaço como base – investigar como os traços culturais influenciam nas construções das espacialidades, ou, nas relações sociais. De acordo com Alberto Lins Caldas “(...) não o contraditório como irrespondível ou algo a ser sanado, mas como uma das condições básicas para a compreensão dos nossos tipos de sociedades e maneiras de ser (...)” (1999: 70). Dentro dessa visão o “outro” deixa de ser o estigmatizado “diferente”, “estranho” e passa a ser alguém com quem podemos aprender algo de novo. Dentro desse foco a pesquisa se clarifica, pois atingi o seu verdadeiro significado – o encontro com o novo. Identidade A questão da “identidade” antes ignorada pelos geógrafos, hoje encontra papel de destaque em muitas pesquisas. (Claval, 2000). A identidade é construída a partir da interiorização de uma tradição, são afinidades que são estabelecidas transmitindo às pessoas que as vivenciam sentimento de pertencer a determinados grupos sociais. A identidade pode basear-se na “idéia de uma descendência comum, de uma história assumida em conjunto ou de um espaço com o qual o grupo assume elos (...)” (Claval, 2001: 179). No sentido dos elos, das ligações que o grupo assume com um determinado espaço, é interessante observar a forte dialética existente entre identidade e território. Ao nascermos em um determinado lugar, por muitas vezes, formamos elos de ligação com aquele lugar. A tão falada “terra natal”, o “berço aonde fui nascido”. Ao mesmo tempo em que podemos sentir “este é o meu país”, podemos falar: eu sou deste país. Essa escala pode variar: bairro, cidade, estado, país... Quantas e quantas vezes encontramos camisas com os dizeres “orgulho de ser nordestino”, ou carros com bandeiras de outros estados adesivadas, os exemplos seriam inúmeros. Ter uma identidade faz parte do sentimento humano. Claval nos dá um exemplo interessante “Porque somos agricultores, soldados ou operários, porque utilizamos habilidades parecidas e porque lidamos com os mesmos problemas, descobrimos que formamos um corpo.” ( 1992: 174). Este corpo abordado por Claval é uma analogia, um corpo é formado por cada um de seus membros, de seus órgãos e cada um deles têm a sua respectiva função. Descobrir que formamos um corpo, significa descobrir que pertencemos a um determinado grupo, é uma identificação que se estabelece. Em história oral, a identidade será um dos elementos norteadores para a escolha do grupo social a ser pesquisado. “Situações que levem a suposição de fatores identitários se constituem em comunidades de destino.” (Sebe, 2005: 71). Comunidade de destino é um conceito desenvolvido por Sebe para facilitar ao pesquisador a escolha dos atores sociais ou “colaboradores” que virão a participar do trabalho de história oral. De acordo com Sebe comunidade de destino é o “motivo central que identifica a reunião de pessoas com algumas características afins.” (Ibid, 206). Por exemplo: ribeirinhos, soldados da borracha, professores... Dentro desse aspecto podemos também ampliar ou reduzir a escala: professores; professores de geografia; professores de geografia do ensino médio; professores de geografia do ensino médio em Rondônia ou professores de geografia do ensino médio em Porto Velho. As possibilidades são múltiplas, o que é realmente relevante é a sensibilidade e o comprometimento do pesquisador. Assim, a valorização do conceito de identidade dentro do arcabouço da geografia cultural encontra respaldo na história oral a qual se apresenta como um conhecimento capaz de pesquisar a problemática das identidades. Atualmente, por diversos motivos, são comuns os conflitos envolvendo choques de identidades. Sobre esse ponto de acordo com Sebe: A análise dos processos de reorganização de identidades ou identificação em face das culturas de origem apresenta-se como um desafio. A história oral se mostra como mecanismo interessante para esses estudos, pois permite a intimidade e a particularização dos processos de aceitação ou recusa dos valores “novos”. (Ibid, 87). Pelo fato da história oral possibilitar um diálogo mais aberto e humano com o “colaborador” ela potencializa a espontaneidade do discurso. Proporcionando uma relação mais aberta, ela tem a capacidade de revelar traços íntimos das identidades explicando os motivos da aceitação ou rejeição de novos valores. O singular e o coletivo Uma das críticas feitas à história oral se basearia no fato de que: como a história oral que trabalha com indivíduo(os) poderia diagnosticar questões de grupos sociais? As respostas para essas questões não são tão complicadas. Estudando as questões culturais constatamos que o indivíduo, ou, os indivíduos não se formam isoladamente. Cada ser humano reflete o grupo social do qual participa. O indivíduo não é uma abstração, ele não surgiu do nada, ele faz parte de todo um processo de constituição, ele participa de redes de relacionamentos que implicam também em redes simbólicas prenhes de significados. “As histórias pessoais ganham alcance social na medida da inscrição de cada pessoa nos grupos mais amplos que lhe servem de contexto. (...) A história oral é sempre social.” (Ibid, 42). Cada depoimento em história oral terá o seu valor autônomo, mas convêm ficar claro que toda memória individual se justifica através dos aspectos sociais e culturais e o que interessa à história oral, ou, à geografia cultural é a análise social. Na verdade cada indivíduo é uma ponte com o “mundo”, mundo este não só as formas físicas, mas todo o contexto de relações sociais. Podemos dizer que cada indivíduo é um constructo e um construtor social. Não estamos com esta abordagem querendo negar a potencialidade de outras formas de pesquisa nas áreas das ciências humanas, mas simplesmente queremos demonstrar que a história oral também se apresenta como uma alternativa viável à pesquisa na área. E clarificar que ela não se resume a um estudo isolado de um indivíduo, mas que através deste, ou, desses indivíduos podemos – fazendo as pontes de forma correta – diagnosticar problemas e apontar possíveis soluções dentro dos contextos sociais. A comunicação A cultura dos grupos sociais é incrivelmente variada, de região à região, de país à país os hábitos mudam. Os seres humanos diferem tanto no aspecto corporal quanto no aspecto psicológico. As organizações no seio de cada família são – muitas vezes – diferentes. As diversidades de situações produzem infinidades de conflitos e enfrentamentos ao ser social. No entanto existe uma capacidade que é intrínseca e essencial ao ser humano: a capacidade de se comunicar. De acordo com Claval “É por meio dos processos de comunicação que a cultura dos seres humanos se edifica.” (2002: 72). A cultura perpassa pelos processos da comunicação. A linguagem é essencial nos processos de transmissão da cultura. Assim a abordagem cultural na geografia é, antes de tudo, uma abordagem voltada à decodificação dos processos de comunicação. Sem comunicação não há entendimento, sem comunicação não há aprendizado, sem comunicação não há cultura. É através da comunicação que se edificam os valores, as crenças, as ideologias. A comunicação – que pode acontecer de diversas formas – vai se manifestar em sua forma mais explícita na “linguagem”. Contudo, a linguagem possui também uma dimensão simbólica, é a partir desse eixo que se estabelece uma das grandes diferenças do que hoje se entende por geografia cultural. Como foi dito acima, a geografia cultural inicialmente se preocupava com os aspectos materiais da manifestação humana no espaço. Mas na busca de decodificação da relação dialética ser humano/meio se torna preciso mergulhar no íntimo do ser humano, descobrir os seus motivos, os seus anseios, os seus porquês. Nessa busca adentramos no universo subjetivo, no universo das percepções, no universo simbólico. Essa comunicação é prenhe de simbolismos, e os indivíduos precisam encontrar pontos em comum para estabelecer suas formas de entendimento. “(...) o fato de os parceiros se encontrarem, se falarem e tentarem achar um terreno de entendimento comum os faz existir socialmente.” (Claval, 2002: 75). Essa comunicação vai se realizar através das relações sociais e concomitantemente ela está intrínseca aos processos de construção do espaço. A comunicação é intrínseca ao ser humano e está no âmago dos processos culturais. Nesse sentido a geografia cultural e a história oral se encontram, ambas reconhecendo a importância da valorizam dos estudos relativos aos processos de comunicação. CONCLUSÃO No espaço vivido, nas nossas relações cotidianas, no âmago, no íntimo de cada um de nós, sabemos que o ser humano e que a sua realização mais plena – a vida, não é, e não tem possibilidades de ser simplesmente racional. Não podemos estudar as espacialidade, de maneira verdadeiramente aprofundada, se considerarmos apenas o viés objetivo. Neste sentido, procuramos neste pequeno trabalho demonstrar, mesmo que de forma muito sucinta, que tanto a geografia cultural quanto a história oral abrem espaço para estudar esses aspectos mais subjetivos do ser humano, os seus símbolos, as suas representações os seus sentimentos. Utilizamos para isso a apresentação de alguns conceitos utilizados tanto em história oral como na geografia cultural, tais como: identidade, comunicação e cultura. Consideramos que o tema apresentado merece mais reflexões, mas esperamos com este trabalho fortalecer a relevância de se pesquisar o ser humano na sua plenitude, dando oportunidade de voz aos diversos atores sociais antes marginalizados. A partir tanto da geografia cultural, quanto da história oral, podemos ter a oportunidade de ouvir as vozes do sagrado, do poético, do folclórico, as vozes do sentimento e da razão, as vozes do ser humano em sua plenitude. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, Fabíola Holanda. Experiência e memória: a palavra contada e a palavra cantada de um nordestino na Amazônia. São Paulo: USP, 2006. (tese de doutorado). CALDAS, Alberto Lins. Oralidade, texto e história: para ler a história oral. São Paulo: Loyola, 1999. CLAVAL, Paul. “Campo e perspectivas da geografia cultural”. In CORRÊA, Roberto Lobato e ROSENDAHL, Zeny (orgs.) Geografia cultural: um século (3). Rio de Janeiro: EdUERJ, 2002 [1992]. ______. A geografia cultural. 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