TERMO DIDÁTICA - Princípios de Termodinâmica dos Materiais (em elaboração, não imprima...) N.C. Heck Porto Alegre 2013 Termodinâmica para processos da siderurgia N.C Heck – NTCm / UFRGS Para minha esposa Rosaura e filhos: Rodrigo, Guilherme e Vicente Copyright © Nestor Cezar Heck Os direitos sobre os textos e figuras – exceto onde mencionada a fonte – contidos neste material são reservados ao seu autor. Esta é uma edição eletrônica não-comercial, que não pode ser distribuída, compartilhada, vendida nem comercializada em hipótese nenhuma, nem utilizada para quaisquer outros fins que envolvam ou não interesse monetário sem o consentimento por escrito do autor. ii Termodinâmica para processos da siderurgia N.C Heck – NTCm / UFRGS Sumário Parte I PRINCÍPIOS E DEFINIÇÕES 1. Introdução 2. Características da termodinâmica empírica (contrário de teórica), [os perigos da observação] macroscópica (contrário de microscópica) sem geometria (adimensional) sem a variável tempo (atemporal), [O estado ‘inicial’ e o ‘final’] 3. Definições básicas sistema & subsistema; fronteira (flexível, rígida, diatérmica e adiabática), [com geometria?]; vizinhança (importância ao interagir com o sistema); universo; tipos de sistemas (aberto, fechado e isolado) fase (homogênea; capaz de criar uma interface), [conceito complexo (!); real & virtual (!); uma única gasosa; variável composição é fundamental] tipos de fases ((i) composto estequiométrico ou substância, e (ii) solução ou mistura; [de fato todas as fases são misturas; paradoxo: Cu e Ni: uma única ou duas fases?; mineral A num canto, mineral B no outro; fases têm nomes genéricos: óxido de Al; químicos: alumina (mono, tri-hidratada...) ou mineralógicos: goetita] Parte II ESTADO, PROCESSOS E CLASSES DE FENÔMENOS 4. Propriedades da matéria (matéria virtual & matéria do universo material; intensivas & extensivas, em função de T, P e X) [tópico não-explicado em muitos livros; ciclo de carnot: propriedades da fase gasosa não têm importância no rendimento da máquina(!)] 5. Estado e processo (sistema em equilíbrio ou fora dele: NH3 @ 1000ºC; ‘nós’ - um sistema em não-equilíbrio) 6. Equação de estado dos gases ideais (fora dos valores da equação: não-equilíbrio), [a descoberta do ‘mol’, como nasceram as Leis, a origem da EdE por Clapeyron, e, na equação: a idéia precursora das escalas da T absoluta] 7. Classes de fenômenos I – processos, II – transformações físicas, III – transformações químicas. 8. Reversibilidade e irreversibilidade (ou espontaneidade) Parte III PROCESSOS (Classe I de fenômenos) i) Sistema gasoso 9. Processos reversíveis (com T, P ou V constante, em sistemas fechados (equilíbrio)) 10. Trabalho mecânico, w (em função de dV ou dP) iii Termodinâmica para processos da siderurgia N.C Heck – NTCm / UFRGS 11. Calor, q, variação das funções energia interna, ∆U, e de entalpia ∆H; (nasce com Clausius ‘em busca do calor’, ver casos: isocórico isobárico e isotérmico) 12. Capacidade térmica, C; (Cp, Cv); [capacidade térmica é extensiva, ‘calor’ específico é intensivo] 13. Processo adiabático e ciclo de Carnot [cuidado com Joule-Thompson] 14. Variação da função entropia, ∆S 15. Reversibilidade e irreversibilidade 16. Variação da função energia de Gibbs, ∆G; (origem de G) 17. Valor das funções termodinâmicas (em função de T e P (S, H, G)) Atividade de um gás Fugacidade Excesso ii) Sistema monofásico contendo apenas matéria condensada 18. Propriedades da matéria condensada em função da T e P 20. Variações (não-isotérmicas) de propriedades 21. Equilíbrio termodinâmico em sistemas monofásicos Parte IV TRANSFORMAÇÕES FÍSICAS (Classe II de fenômenos) 22. Variação isotérmica de propriedades 23. Critério de irreversibilidade / espontaneidade 24. Critérios de estabilidade (equilíbrio) 25. Equilíbrio termodinâmico em sistemas polifásicos (sistema unário) 26. Aplicação da ‘Regra das fases de Gibbs’ 27. Aplicação da equação de Clausius-Clapeyron Parte V TRANSFORMAÇÕES QUÍMICAS (Classe III de fenômenos) 28. A variável composição (ni, fração molar, componentes, posicionamento de compostos na variável X) 29. Equilíbrio termodinâmico em sistemas polifásicos (compostos: além do sistema unário) 30. A fase mistura (e solução) propriedades em função de X (G, Gex.) propriedades molares parciais potencial químico atividade de um constituinte, mudança de referência solução ideal ou Raoultiana, solução Henriana, coeficiente de atividade relações entre sistemas com componentes diversos 31. Dedução da ‘Regra das fases de Gibbs’ (sem fases misturas) 32. Equilíbrio termodinâmico em sistemas contendo compostos e fases do tipo mistura 33. Atividade de fases em relação ao estado de equilíbrio i) Reações estequiométricas 34. Reações estequiométricas (estado inicial e o estado final, casos: reagentes → produtos e ‘virtuais’, coordenada de reação), [reações químicas (!)] iv Termodinâmica para processos da siderurgia N.C Heck – NTCm / UFRGS 35. Variação de propriedades em reações 36. Estado de equilíbrio (critérios de espontaneidade: ∆G e ∆SU,) 37. Quociente de reação (Q) 38. Constante de equilíbrio (K) 39. Atividades e coeficientes de atividade (Raoultiana, Henriana e solução 1%) 40. Diagramas de Ellingham 41. Equação de van’t Hoff 42. Reações contendo fases do tipo mistura (mudança de referência, múltiplos solutos) ii) Diagramas de energia de Gibbs 43. Uso de diagramas para representar reações estequiométricas homogêneas (decomposição da amônia) heterogêneas (decomposição do CaCO3, teor de oxigênio dissolvido em metais) Legenda: ( ) = explicação, tópicos; [ ] = ressalva, contraditório, extraordinário v Termodinâmica para processos da siderurgia N.C Heck – NTCm / UFRGS 0 Uma palavra inicial... Dentre os nomes notáveis que deram o impulso inicial ao que se conhece hoje como termodinâmica clássica, se destacam os de Nicolas Léonard Sadi Carnot (1796-1832), Rudolf Julius Emanuel Clausius (1822-1888) e de Josiah Willard Gibbs (1839-1903). O primeiro deles está relacionado ao rendimento das máquinas térmicas – fato que, anos mais tarde, permitiria que Clausius encontrasse a propriedade que ele denominou de entropia. Esta fase do conhecimento bem que foi relacionada com a dinâmica (das máquinas) e com o calor (assim: termodinâmica!). Já Gibbs viu neste tipo de análise uma ferramenta muito poderosa, capaz de auxiliar na compreensão da química (daí o segundo nome pelo qual nós a conhecemos: termoquímica!). E foi com o estudo do equilíbrio entre as fases que ele deixou aberta a porta que dá para a termodinâmica dos metais (termodinâmica metalúrgica) que, mais tarde, passou a abranger os materiais em geral (termodinâmica dos materiais). Por seu trabalho, ele teve seu nome eternizado na propriedade energia de Gibbs – que permite a determinação do estado de equilíbrio termodinâmico entre as fases. A termodinâmica está, hoje, consorciada com o ramo da Ciência que se dedica ao estudo dos fenômenos de transporte, na esperança de que, desta síntese – fortemente assistida pela computação –, seja possível diminuir ainda mais a distância entre as previsões e os resultados dos processos que idealizamos. N.C. Heck Porto Alegre, outubro de 2007 vi TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais Parte I PRINCÍPIOS E DEFINIÇÕES 1 TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 10 2 Introdução 1.1 Para o que serve a termoquímica? Qual é o princípio de funcionamento de um refrigerador? Qual será a temperatura final da água de um copo com um cubo de gelo dentro? Pode uma chapa de aço – como, por exemplo, a lataria de um automóvel – em uma certa condição atmosférica? Qual a temperatura máxima obtida na combustão do gás liquefeito de petróleo – combustível comumente usado nos fogões de uso doméstico – com ar? Como é possível a obtenção de cobre a partir dos minérios sulfetados de cobre? É possível se eliminar o carbono do aço líquido, pela adição de oxigênio, sem oxidar o cromo dissolvido no aço? O conhecimento teórico, desenvolvido ao longo de muitos anos, capaz de dar resposta a estas e a muitas outras perguntas similares, acabou por dar origem ao ramo da Ciência que se denomina termodinâmica clássica, termodinâmica química ou termoquímica. 1.2 Principal objetivo O objetivo mais importante da termoquímica talvez seja a determinação da ‘situação’ – estritamente, do estado – na qual mais nenhuma modificação macroscópica seja percebida. A este estado denominamos estado de equilíbrio termodinâmico. O ‘estado de equilíbrio’ – uma expressão sintética – é a situação limite para a qual um sistema tende, de forma espontânea, a partir de uma determinada situação inicial. Se essa tendência não existe, é porque o estado inicial já é o próprio estado de equilíbrio. Barreiras de natureza cinética frequentemente impedem que este estado seja alcançado; assim, o estado que for efetivamente alcançado – mais estável, mas, diferente do estado de equilíbrio termodinâmico – é chamado de estado de equilíbrio metaestável. A utilização de muitos fenômenos naturais que envolvem a combinação de energia e matéria para o nosso progresso material depende – direta ou indiretamente – do conhecimento deste estado. 1.3 Princípio do ‘duplo ponto de vista’ Na análise que precede a solução de alguns ‘problemas’ como, por exemplo, daqueles relacionados à produção ou ao tratamento dos materiais, costuma-se empregar quase que inadvertidamente uma abordagem que se caracteriza basicamente pelo uso de dois pontos de vista distintos, que correspondem a duas grandes áreas do conhecimento. Resumidamente, o primeiro deles toma em consideração a geometria do local onde o fenômeno acontece e a taxa 1 de transferência (ou corrente) de propriedades muito importantes, tais como a massa e o calor. O segundo trata, fundamentalmente, dos potenciais capazes de produzir tais correntes. Este sistema, criado sem nenhuma intenção ou pré-concepção, é o produto de um processo evolutivo de observação e reflexão, que precede a ação. Convencionou-se chamá-lo aqui de ‘princípio do duplo ponto de vista’. 1 Quociente que quantifica o valor de uma determinada propriedade que é transferido por unidade de tempo. TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 3 À primeira dessas áreas da Ciência chamamos de fenômenos de transporte e, à segunda, de termodinâmica. A solução do ‘problema’ sob análise mencionado inicialmente, contudo, apresenta um desafio final extraordinário, muito além das dificuldades encontradas em cada uma das áreas individualmente: a capacidade de ‘fundir’ as respostas parciais num esquema lógico e efetivo, capaz de resolver a questão. TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 20 4 Características da termodinâmica A termodinâmica é empírica. Isso significa, que a termoquímica é o fruto da observação, da experimentação, da medição. Dê o antônimo de empírico e explique-o. Dê exemplos de outras áreas da Ciência ou Engenharia que têm essa abordagem. O que isso tem a ver com as quatro ‘leis da termodinâmica’? Quais os perigos que a ‘observação’ apresenta? Dessa observação não resultará uma resposta capaz de explicar o porquê do comportamento da matéria, mas sim um conhecimento capaz de descrever e prever o desenlace de tal comportamento. A termodinâmica observa o universo de forma macroscópica. Isso significa que, na termoquímica, não se distingue as ‘partículas’ que compõem a matéria, admitindo-a como um continuum. Dê exemplos de outras áreas da Ciência ou Engenharia que têm essa abordagem. A temperatura e a pressão são duas variáveis macroscópicas e não existem numa abordagem microscópica. Não existe na termodinâmica a variável tempo. Embora complexa, é interessante a idéia ou noção de que o tempo ‘já tenha decorrido totalmente’. Como se deve entender o uso os termos ‘inicial’ e ‘final’ – frequentemente utilizados na termodinâmica? Pense no uso da variável tempo na área Fenômenos de Transporte. Não existe na termodinâmica a noção de espaço. Pense no uso da geometria na área Fenômenos de Transporte. Pense na necessidade de adaptar o sistema a um volume de controle real. TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 30 5 Definições básicas A termodinâmica permite o estudo do mundo material com o foco no que se convencionou denominar sistema termodinâmico. Para que se possa distinguir o sistema daquilo que o cerca, define-se uma fronteira – real ou imaginária – entre ele e a sua vizinhança; assim, o universo é composto pelo sistema mais a sua vizinhança. A fronteira – que algumas vezes se confunde com as paredes de um reator ou outra entidade física, outras vezes é totalmente imaginária – pode ser permeável à energia e à matéria, ou não. Sistemas com fronteiras impermeáveis à matéria são ditos fechados; impermeáveis a ‘tudo’ (matéria e energia) são chamados isolados. No caso contrário, são ditos abertos. Somente duas formas de energia podem ter passagem através da fronteira: o calor e o trabalho. Fronteiras impermeáveis ao calor são ditas adiabáticas. No caso inverso, são denominadas diatérmicas. Com relação à organização da matéria contida no sistema, pode-se dizer que, nele, apenas fases coexistem. E, enquanto a grande maioria dos sistemas é multifásica, também podem existir sistemas monofásicos. Por fase entende-se uma porção homogênea da matéria, capaz de ‘criar’ uma interface com a fase vizinha. Somente a fase possui propriedades termodinâmicas tais como: massa, volume, etc. Como será visto adiante, isso tem implicações nas propriedades do sistema. Pode-se diferenciar entre dois tipos de fases: aquele de composição fixa – as substâncias ‘puras’ e os compostos químicos – e aquele de composição variável – ou misturas. Quando é possível distinguir-se um solvente, na mistura, fala-se em solução. Os solutos, em quaisquer dos tipos de mistura, são denominados constituintes. Genericamente, usa-se o termo espécies químicas para designar compostos químicos. Por outro lado espécies atômicas são usadas para designar os elementos químicos, na termodinâmica. Os valores finitos da massa, do volume, da temperatura e da pressão – entre muitos outros parâmetros – definem o estado de um sistema. De modo inverso, pode se pensar que essas propriedades ficam determinadas quando o estado é conhecido, e são, por isso, denominadas funções de estado de um sistema. Pode-se empregar, também, o nome variáveis de estado. TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais Parte II ESTADO, PROCESSOS E CLASSES DE FENÔMENOS 6 TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 4 7 Propriedades da matéria A matéria e a termodinâmica Associa-se à matéria de um corpo1 propriedades ‘comuns’ tais como a massa (que, sob a ação de um campo gravitacional, é percebida na forma de uma força – o peso) e o volume – se ela for gasosa (fluido compressível), o volume será uma função da pressão e da temperatura. O embasamento teórico daquilo que se conhece por termoquímica, contudo, só pode ser utilizado em problemas reais quando as propriedades da ‘matéria macroscópica’ 2 que constitui o universo são conhecidas – uma respeitável tarefa experimental. Soma-se a esse empecilho o fato que muitas delas não são constantes, mas se modificam em função de variáveis comuns, tais como a temperatura e a pressão; assim, as propriedades da matéria devem ser conhecidas como funções dessas variáveis. A uma determinada temperatura e uma pressão constantes, a própria matéria pode ser tomada como variável. Assim, por exemplo, entre o carbono e o cromo pode-se imaginar um eixo da composição onde os compostos: Cr3C2, Cr7C3, Cr23C6 mais a própria grafita e o cromo metálico podem ser posicionados. Essa nova disposição obviamente não representa necessidade de novas medidas de propriedades, apenas a reorganização de dado já conhecidos. Contudo, misturas e soluções como uma liga entre o cobre e o níquel, por exemplo, apresentam uma situação totalmente diferente, onde a matéria pode variar sua composição de forma contínua – ao menos em certos trechos. É especialmente nestes casos que a variável composição se torna importante e esclarecedora. Aqui as propriedades já não são mais uma mera reorganização de valores conhecidos, e a necessidade de novas determinações torna-se evidente – fato que reconduz às dificuldades experimentais já expostas. Sumarizando, a necessidade do conhecimento das propriedades da matéria interpõe um problema extraordinário para a aplicação prática da termodinâmica, que raramente tem o merecido destaque. E, se é verdade que o embasamento teórico pode fornecer um esteio para que a influência das citadas variáveis sobre as propriedades da matéria possa ser prevista – fato que minimiza o esforço experimental da sua obtenção – também é verdade que essas previsões raramente são definitivas, necessitando de comprovação prática e eventual correção – ao menos em alguns pontos importantes. 1 Mais adiante serão introduzidos os conceitos de fase e sistema. Por ‘matéria macroscópica’ entende-se um número ‘incontável’ de átomos ou moléculas. Pode-se associar essa matéria ao conceito de continuum, que ignora o fato que a matéria é constituída por partículas. 2 TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 5 8 Estado e processo 5.1 O que é estado? Os valores finitos da massa, do volume, da temperatura e da pressão – entre muitos outros parâmetros – definem o estado de um sistema. De modo inverso, pode se pensar que essas propriedades ficam determinadas quando o estado é conhecido, e são, por isso, denominadas funções de estado de um sistema. Pode-se empregar, também, o nome variáveis de estado. As funções de estado se dividem em extensivas e intensivas. Aquelas do primeiro tipo aumentam (ou diminuem) o seu valor, acompanhando o aumento (ou diminuição) do ‘tamanho’ do sistema. Assim, alterando-se a fronteira do sistema de modo que o ‘novo’ sistema tenha o dobro da massa do sistema ‘antigo’, o volume é multiplicado por dois (outras variáveis mantidas constantes). Já a temperatura não se altera e, por isso, ela é um exemplo de variável intensiva – ou ‘puntual’, insensível ao tamanho do sistema. Por outro lado, uma variável extensiva pode dar origem à outra, intensiva, derivada da primeira. Assim, o quociente entre o volume e o número de mols de um sistema (duas variáveis extensivas) é um exemplo de variável intensiva, conhecida por volume molar. O valor de uma propriedade extensiva do sistema é igual ao resultado do somatório do valor desta propriedade em cada uma das fases que o compõem; ou, se o sistema é monofásico, ao valor da propriedade nesta única fase. Já o valor de uma propriedade intensiva do sistema é único, constante, em qualquer fase do sistema1. 5.2 O que é processo? Pode-se ‘descrever’ o estado de um sistema termodinâmico num sistema de eixos coordenados. Assim, por exemplo, o estado de um sistema gasoso pode ser descrito parcialmente pelos valores das variáveis P, V e T num sistema de eixos cartesianos. O sistema pode ‘passar’ de um estado inicial até outro, final. O ‘caminho’ – a sucessão de estados intermediários – pode ser seguido no diagrama citado, e é denominado processo. A diferença entre o valor final e o inicial de uma determinada propriedade de estado é chamada de variação da propriedade. Quando, após passar por vários estados, o sistema retorna ao estado inicial, diz-se que o sistema sofreu um ciclo. Num ciclo, a variação de qualquer das variáveis de estado é necessariamente igual ao valor zero. Num processo, o sistema pode trocar energia – sob as formas calor e trabalho – com a vizinhança. Calor e trabalho são ditas variável de processo, pois, ao final de um ciclo, nem sempre o calor ou o trabalho líquido (igual ao somatório algébrico da propriedade de interesse ao longo do ciclo) é igual a zero. Estes valores dependem exclusivamente do caminho seguido pelo sistema (no diagrama) entre os estados inicial e final. Um sistema não pode armazenar nem calor, nem trabalho, somente ‘energia’. 1 Há que mencionar, aqui, a figura do subsistema – recurso algumas vezes utilizado para representar estados iniciais afastados do equilíbrio, em sistemas de baixa complexidade. TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 6 9 Equação de estado dos gases ideais 6.1 A equação de Clapeyron Num sistema de C componentes (ver adiante), os valores de todas as variáveis de estado podem ser determinados caso os valores de apenas algumas delas forem conhecidos. De acordo com os ensinamentos de Gibbs, o número máximo de variáveis que se necessita conhecer é igual a: C+2 . Assim, num sistema gasoso simples, de um único componente, o número máximo de variáveis que se necessita conhecer é igual a três. Quatro variáveis desse sistema: a temperatura absoluta, T, a pressão, P, o volume, V, e o número de mols, n, estão relacionadas entre si por meio de uma regra empírica, conhecida pelo nome de equação de estado dos gases ideais – também chamada de equação de Clapeyron: PV = n RT . R, a constante de proporcionalidade, é chamada de constante universal dos gases. Um gás real não obedece a essa regra incondicionalmente; por isso, dá-se o nome de gás ideal ao que a segue sem restrições. 6.2 História da equação de estado dos gases ideais Cientistas, a partir de meados do século XVII, começaram a estudar um sistema simples, constituído apenas pela fase gasosa. As propriedades observadas neste sistema – tais como: a pressão, P, a temperatura, T, o volume, V, e a massa –, por força das circunstâncias, também eram ‘simples’ – passíveis de medição com o uso de instrumentos de baixa complexidade. A matéria, contida no sistema, ao longo destes estudos, revelou uma faceta que ainda era completamente desconhecida. Com o passar do tempo, algumas relações entre as propriedades do sistema foram descobertas e hoje são conhecidas por leis 1 – dentre elas, a mais antiga é a ‘lei de Boyle’ ou ‘de Boyle-Mariotte’ 2: P V = cte. A uma temperatura fixa, o valor da ‘constante’ é uma função da massa de um dado gás; contudo, volumes idênticos de diferentes gases – logo, massas diferentes como, por 1 Uma lei é o fruto da observação experimental e descreve um comportamento de forma muito condensada. Robert Boyle estabeleceu, em 1662, a lei da compressibilidade de um gás: “o volume de um gás é inversamente proporcional à pressão que recebe”. Em 1667, Edme Mariotte complementou a lei de Boyle ao especificar “sob uma temperatura constante”. 2 10 TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais exemplo, 4 gramas de hidrogênio e 128 gramas de oxigênio – apresentam como resultado uma constante única. Aos olhos dos cientistas da época isso comprovou que os volumes destes gases de massas distintas tinham ‘algo’ em comum, que era, de fato, um fator mais relevante do que suas próprias massas. Amedeo Avogadro, em 1811, estudando as idéias de Joseph-Louis Gay-Lussac sobre reações químicas entre substâncias gasosas, reconheceu a chave deste comportamento. Com a lei volumétrica1, de 1808, Gay-Lussac havia providenciado um método lógico de medição de pesos atômicos, contudo, o autor não percebeu a profundidade do seu achado, pois levou seus estudos adiante em outra direção. Avogadro, ao contrário, se fixou justamente neste fenômeno e acabou por introduzir na Ciência o conceito de mol. O número de mols – ou de partículas – era, então, a propriedade que volumes iguais de gases de massas diferentes tinham em comum. Ele foi capaz inclusive de distinguir diferentes tipos de partículas utilizando os termos molécule intégrante (a molécula de um composto gasoso), molécule constituante (a molécula de um gás elementar) e molécule élémentaire (a espécie monoatômica gasosa). Assim, o volume de um gás, V, (mantidas constantes a pressão e a temperatura) é diretamente proporcional ao número de mols, n, nele contido: V = cte. n Portanto, sob a mesma temperatura e pressão, volumes iguais de gases diferentes contêm o mesmo número de mols. Entre a primeira e a segunda destas descobertas, uma relação muito importante entre as variáveis do sistema foi feita, em 1787, pelo físico francês Jacques Charles. Ele percebeu que o volume de um gás, sob pressão constante, varia numa proporção direta com a temperatura – fato hoje conhecido como ‘lei de Charles’2: V = cte. T Este comportamento foi quantificado por volta de 1808 por Gay-Lussac como sendo 1/267 do volume original do gás por grau Celcius. Matematicamente, a ‘lei de Charles / Gay-Lussac’ pode ser descrita por (ver Figura 6.1): V V = o t + Vo 267 sob uma pressão constante, Po; t é a temperatura em graus Celcius. Alterando-se a variável temperatura, de t para (267 + t), elimina-se o coeficiente linear e a equação se modifica para (Figura 6.2): Vo (t + 267 ) V = to + 267 1 (6.1) A ‘lei volumétrica’ diz que “nas mesmas condições de temperatura e pressão, os volumes dos gases participantes de uma reação têm entre si uma relação de números inteiros e pequenos”; assim, nitrogênio e oxigênio podem reagir nas proporções volumétricas de 1:1 ou 1:2, dependendo do produto, se NO ou NO2. 2 Gay-Lussac, na verdade, redescobriu a lei, mas, ao verificar que ela tinha sido descrita por Charles em uma publicação um tanto obscura, divulgou o trabalho dando a autoria a ele. 11 TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais Fig. 6.1. Volume de um sistema gasoso ideal como uma função da temperatura t [ºC], para uma pressão constante Fig. 6.2. Volume de um sistema gasoso ideal como uma função de (t + 267), onde t [ºC] é a temperatura, para uma pressão constante Por meio da lei de Boyle / Mariotte pode-se escrever: P V = Po Vo (6.2) Em 1834, o físico francês Benoît-Pierre-Émile Clapeyron combinou de uma forma notável a lei de Charles / Gay-Lussac com a lei de Boyle / Mariotte produzindo uma equação única, que se tornou conhecida como lei dos gases ideais; a equação original de Claypeyron (para um sistema monomolar) tem este formato: PV P V = o o (t + 267 ) to + 267 Como os valores das variáveis do estado inicial (denotado pelo subscrito ‘o’) são fixos, Clapeyron sugeriu a seguinte simplificação: TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 12 Po Vo =R to + 267 Assim, com R – a constante universal dos gases –, para um sistema multimolar, a equação passou a ser: P V = n R (t + 267 ) . Modernamente, com a temperatura T dada numa escala absoluta, PV = n RT . A constante R e as ‘constantes’ das leis Seis relações simples entre as variáveis P, V, n e T podem ser escritas para os gases ideais (algumas são as conhecidas leis); matematicamente, contudo, elas podem ser expressas por apenas dois tipos de relações: a ⋅ b = cte. ou a / b = cte. Tomando-se um sistema gasoso particular pode-se determinar os valores das seis constantes. Do produto inteligente destas seis constantes obtém-se outra, única, sejam quais forem os seis valores utilizados – daí o nome ‘constante universal dos gases ideais’, R. Clapeyron usa, em 1857, o termo ‘gás ideal’ para o gás que se comporta em conformidade com esta equação – mas faz referência a Regnault ao falar sobre quem o teria usado pela primeira vez. Os gases ‘comuns’ a uma temperatura ‘elevada’ e uma pressão ‘baixa’ se comportam idealmente. A escala absoluta da temperatura Um importante corolário desta equação é a inferência da existência da temperatura absoluta. Isto, de fato, acabou sendo proposto, não por Clapeyron, mas por William Thomson – mais conhecido pelo título de Barão de Kelvin – em 1848, tendo por base dados experimentais de Henri Victor Regnault. 13 TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 7 Classes de fenômenos 7.1 Classes de fenômenos estudados com a termodinâmica clássica Os fenômenos da natureza passíveis de estudo pela termoquímica podem ser classificados didaticamente em três grandes grupos. processos (sem transformações); (processos com) transformações físicas; e, (processos com) transformações químicas. Conforme salientado, esta divisão é de natureza essencialmente didática. Dentro desta ótica, processos são modificações simples do sistema. Já as transformações físicas têm moderada complexidade. Com estas duas classes de fenômenos as transformações podem ser descritas fazendo-se uso apenas das variáveis temperatura e pressão. Por último estão as transformações químicas; elas apresentam o grau máximo de complexidade, pois, além das variáveis já citadas, também fazem uso da variável composição. 7.2 Sistemas para três classes de fenômenos Com o objetivo de sistematizar o estudo das três classes de fenômenos e de facilitar a sua compreensão, pode-se fazer-se uso de sistemas apropriados correspondentes. Exemplos de fenômenos dos três grupos são (Tabela 7-1): compressão isotérmica do gás nitrogênio; condensação do vapor d’água; e, calcinação do carbonato de cálcio. No primeiro caso, o sistema ideal é composto por apenas um componente (monocomponente ou unário) e é monofásico (contém apenas a fase gasosa). No segundo, o sistema ainda é do tipo unário, porém, polifásico (duas fases estão presentes: água líquida e gasosa). Para o último, o sistema ideal é multicomponente e multifásico (fases: CaO, CaCO3 e a gasosa). Tabela 7-1. Classes de fenômenos e exemplos de sistemas Fenômeno Compressão isotérmica do gás hidrogênio Estado inicial Estado final Denominação N2(g), P1, T1 Condensação da água H2O(g) Calcinação do carbonato de cálcio CaCO3 N2(g), P2, T1 Processo H2O(l) Tr. física CaO, CO2(g) Tr. química TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 8 14 Reversibilidade e irreversibilidade Fenômenos reversíveis e irreversíveis Os fenômenos das três classes podem ocorrer de forma reversível ou irreversível. Quando o ‘caminho’ pode ser substituído por uma sucessão de estados de equilíbrio, ele é dito reversível, no caso contrário, é dito irreversível (ou espontâneo). No caso reversível – como o nome sugere – pode-se ‘voltar sobre os próprios passos’, ou seja, fazer a reversão completa do ‘caminho’ já trilhado. Também é possível ‘parar’ em um ponto qualquer do ‘trajeto’, graças ao fato de que ele é formado por estados em equilíbrio termodinâmico. No caso irreversível há um componente caótico, pois não é possível prever qual caminho o fenômeno seguirá – nem quando ele irá acontecer (muito embora o tempo como variável não pertença à Termodinâmica). Os fenômenos irreversíveis – ou espontâneos – são muito importantes. Por um lado, eles permitem a obtenção de materiais que desejamos, por outro, produzem a destruição destes mesmos materiais em compostos indesejáveis. TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais Parte III PROCESSOS (Classe I de fenômenos) i) Sistema gasoso 15 TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 9 16 Processos reversíveis 9.1 Processos reversíveis em sistemas fechados Como o trabalho e o calor não são propriedades de estado, mas de processo, o conhecimento do ‘caminho’ que o sistema ‘percorre’ para chegar ao estado final possui um grande significado. É fundamental, no estudo dos processos, a natureza da fronteira: se flexível, rígida, diatérmica ou adiabática. Os processos em princípio podem ser totalmente aleatórios, mas, de especial importância para a termodinâmica são os processos reversíveis em sistemas fechados. Quatro tipos de processos reversíveis existem: isobárico; isotérmico; isocórico (ou isovolumétrico); e, adiabático. Eles serão estudados a seguir. 9.2 Processo isobárico, sistema com fronteira flexível e diatérmica Um sistema gasoso ideal, fechado, com fronteira flexível e condutora de calor, está em contato com a vizinhança à temperatura T1 e pressão P1. Este sistema pode sofrer a influência da temperatura e da pressão da vizinhança. Caso apenas a temperatura da vizinhança venha a se modificar, de T1 para T2, será observada experimentalmente uma variação do volume e da temperatura do sistema, conforme o exemplo de processo isobárico da Figura 9-1. Por causa da flexibilidade da fronteira, a pressão do sistema se manterá constante e igual à da vizinhança (processo isobárico). Assim, da relação entre o estado final e o estado inicial, pode-se escrever: V2 T2 = . V1 T1 9.3 Processo isotérmico, sistema com fronteira flexível e diatérmica Um sistema gasoso ideal, fechado, com fronteira flexível e condutora de calor, está em contato com a vizinhança à temperatura T1 e pressão P1. Este sistema pode sofrer a influência da temperatura e da pressão da vizinhança. Caso apenas a pressão da vizinhança venha a se modificar, de P1 para P2, será observada experimentalmente uma variação do volume e da pressão do sistema, conforme o processo isotérmico da Figura 9-1. Por causa da diatermicidade da fronteira, a temperatura do sistema se manterá TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 17 constante e igual à da vizinhança (processo isotérmico). Assim, da relação entre o estado final e o estado inicial, pode-se escrever: V2 P1 = . V1 P2 9.4 Processo isocórico, sistema com fronteira rígida e diatérmica Um sistema gasoso ideal, fechado, com fronteira rígida e condutora de calor, está em contato com a vizinhança à temperatura T2 e pressão P1. Este sistema só pode sofrer a influência da temperatura da vizinhança. Caso a temperatura da vizinhança venha a se modificar, de T2 para T1, será observada experimentalmente uma alteração da temperatura e da pressão do sistema, conforme o processo isocórico (ou isovolumétrico) da Figura 9-1. Fig. 9-1. Processos reversíveis isocórico, isobárico e isotérmico de um sistema contendo n mols de um gás ideal Por causa da rigidez da fronteira, o volume do sistema será constante (processo isocórico ou isovolumétrico). Assim, da relação entre o estado final e o estado inicial, pode-se escrever: P2 T2 = . P1 T1 9.5 Processo adiabático, com fronteira flexível e adiabática Um terceiro e último caso interessante existe: aquele em que o sistema mencionado tem a fronteira flexível e não-condutora de calor. Este sistema só pode sofrer a influência da pressão da vizinhança. TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 18 Fig. 9-2. Processo adiabático de um sistema contendo n mols de um gás ideal Caso a pressão da vizinhança venha a se modificar, de P1 para P2, será observada experimentalmente uma alteração da pressão, do volume e da temperatura do sistema. Por causa da flexibilidade da parede, a pressão do sistema ao longo do processo será idêntica à da vizinhança, modificando-se de P1 para P2; contudo, como a fronteira é adiabática, a temperatura do sistema não será igual à temperatura da vizinhança, Figura 9-2. Por causa das alterações simultâneas do volume e da temperatura do sistema, causadas pela modificação da pressão na vizinhança, uma relação entre o estado final e o inicial não pode ser feita utilizando-se apenas da equação de estado para os gases ideais. Por causa da sua importância e complexidade, este caso será estudado posteriormente. TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 10 19 Trabalho mecânico, w 10.1 Transferência de energia sob a forma de trabalho Conforme foi mencionado na introdução, o calor e o trabalho – duas formas de energia – são capazes de atravessar a fronteira do sistema fechado. O trabalho é considerado uma interação macroscópica entre o sistema e a vizinhança. Há muitos tipos de trabalho: elétrico, magnético, mecânico, etc.; o mais importante, neste texto, é o trabalho mecânico, determinado por meio da seguinte equação: w = F ⋅d , onde F é a força aplicada sobre um objeto e d é o seu deslocamento. Na termodinâmica, estuda-se o trabalho mecânico com o auxílio de um pequeno cilindro dotado de um pistão (sem massa, que se movimenta sem atrito dentro do cilindro) contendo um gás ideal com pressão idêntica à externa (não necessariamente constante), da vizinhança, Figura 10-1. Fig. 10-1. Cilindro dotado de um pistão, contendo n mols de um gás ideal Nesse caso, a pressão externa sobre o pistão será dada por Pext . = F , A (onde A é a área do pistão). Caso o pistão sofra um deslocamento d, pelo aumento da força F, o trabalho resultante será determinado da seguinte maneira: w = Pext . ⋅ A ⋅ d . Observando-se o cilindro com o pistão é fácil perceber que ∆V = A ⋅ d , 20 TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais ou seja, w = Pext . ⋅ ∆V . E, em termos infinitesimais, δ w = Pext .dV . (10.1) Sobre a diferença entre as notações d e δ A diferença entre uma pequena quantidade (ou quantidade elementar) de calor – ou de trabalho –, δ, e uma variação infinitesimal, d, de uma função de estado como, por exemplo, a energia interna, pode ser entendida com o auxílio das seguintes integrações (entre os estados ‘1’ e ‘2’): 2 ∫ δ w = ∑δ w = w 1 e ∫ 2 1 dV = ∆V = V2 − V1 . Observando-se a Equação (10.1), nota-se facilmente que modificações no volume do sistema implicam em trabalho sendo realizado pela vizinhança sobre o sistema (ou viceversa). Nem sempre isso é o resultado da aplicação de uma força, pois pode ser o resultado da transferência de calor. Calor pode estar envolvido no processo mesmo que não haja modificação da temperatura do sistema. Como o trabalho não é uma propriedade de estado, mas de processo, a consideração do ‘caminho’ que o sistema ‘percorre’ para chegar ao estado final é grande relevância. Com o estudo da transferência de energia sob a forma de trabalho justifica-se plenamente a necessidade de se especificar precisamente o tipo de fronteira do sistema. Assim, por exemplo, a simples variação da pressão da vizinhança levará um sistema com uma fronteira flexível e diatérmica a um estado final completamente diverso daquele sistema com uma fronteira flexível e adiabática – com reflexos no valor do trabalho realizado ou pelo sistema ou pela vizinhança. Convenção de sinais para w No presente trabalho, o trabalho será considerado positivo quando o sistema realizá-lo sobre a vizinhança. No sentido contrário, seu valor será negativo. Para o estudo do trabalho envolvido nas alterações que se processam na vizinhança, e que influenciam o estado do sistema, o mesmo sistema gasoso simples já utilizado será novamente considerado. É importante ressaltar que todas as alterações mencionadas na seqüência devem ser do tipo reversível, sob pena das conclusões não serem aplicáveis. 21 TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 10.2 Processo isobárico, sistema com fronteira flexível e diatérmica Um sistema gasoso ideal, fechado, com fronteira flexível e condutora de calor, está em contato com a vizinhança à temperatura T1 e pressão P1. Este sistema pode sofrer a influência da temperatura e da pressão da vizinhança. Caso apenas a temperatura da vizinhança venha a ser modificada, de T1 para T2, será observada experimentalmente uma variação do volume e da temperatura do sistema. Fig. 10-2. Num processo isobárico, a área hachurada é igual ao trabalho Por causa da flexibilidade da fronteira, a pressão do sistema será idêntica à da vizinhança e constante ao longo do processo (isobárico). Assim, da integração da Equação (10.1) entre os estados ‘1’ e ‘2’ resulta (Figura 10-2): w = Pext . cte. ⋅ (V2 − V1 ) = Pext . cte. ⋅ ∆V . (10.2) 10.3 Processo isotérmico, sistema com fronteira flexível e diatérmica Um sistema gasoso ideal, fechado, com fronteira flexível e condutora de calor, está em contato com a vizinhança à temperatura T1 e pressão P1. Este sistema pode sofrer a influência da temperatura e da pressão da vizinhança. Caso a modificação seja na pressão da vizinhança, de P1 para P2, será observada experimentalmente uma alteração da pressão e do volume do sistema. Por causa da condução do calor através da fronteira, a temperatura do sistema será idêntica à da vizinhança, e constante ao longo do processo (isotérmico). Nesse caso, como houve uma modificação na pressão, deve-se buscar uma expressão para Pext. como uma função de V. Por causa da simplicidade, aquela provinda da equação de estado dos gases ideais é a mais utilizada. Substituindo-a na Equação (10.1), obtém-se: dV . V Se esta expressão for integrada entre os estados ‘1’ e ‘2’, resultará em (Figura 10-3): δ w = nRT 22 TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais V w = nRT ln 2 . V1 (10.3) Fig. 10-3. Num processo isotérmico, a área hachurada é igual ao trabalho 10.4 Trabalho mecânico em um sistema com fronteira flexível e adiabática Um segundo e último caso interessante é aquele em que o sistema fechado tem as fronteira flexível e não-condutora de calor. Este sistema pode sofrer apenas a influência da pressão da vizinhança. Caso a pressão da vizinhança venha a ser modificada, de P1 para P2, será observada experimentalmente uma alteração da pressão, do volume e da temperatura do sistema. Por causa da flexibilidade da fronteira, a pressão do sistema será idêntica à da vizinhança, mas, como a fronteira é adiabática, a temperatura do sistema não será igual à temperatura da vizinhança. Se os valores da pressão externa forem conhecidos como uma função qualquer do volume – por mais complexa que essa relação possa ser – o valor do trabalho mecânico sempre poderá ser obtido a partir da sua integração (mesmo que numérica) em função do volume. Contudo, por causa da alteração simultânea do volume e da temperatura do sistema, uma relação entre a pressão e o volume não pode ser construída fazendo-se uso apenas da equação de estado para os gases ideais. Por causa da complexidade e importância, este caso também será estudado posteriormente. TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 11 23 Calor, q, variação de energia interna, ∆U, e de entalpia, ∆H 11.1 A transferência de energia sob a forma de calor O calor 1 é a segunda (e derradeira) forma de energia capaz de ser transferida através da fronteira do sistema fechado – nesse caso, necessariamente diatérmica. O calor é considerado uma interação microscópica entre o sistema e a vizinhança. Ao contrário das muitas formas de trabalho, o calor é único. A força motriz para a transferência de calor está centrada na existência de uma diferença de temperatura 2 entre o sistema e a sua vizinhança. Sabe-se, experimentalmente, que o calor se transfere dos corpos de maior temperatura para os de menor temperatura – fato conhecido por lei zero da termodinâmica 3. Convenção de sinais para q No presente trabalho, quando o calor se transfere da vizinhança para o sistema, seu valor será considerado positivo; no sentido contrário, seu valor será negativo. Para o estudo do calor envolvido nas alterações que se processam na vizinhança, e que influenciam o estado do sistema, o mesmo sistema gasoso simples será novamente considerado. É importante ressaltar que todas as alterações mencionadas na seqüência devem ser do tipo reversível, sob pena das conclusões não serem aplicáveis. 11.2 Variação de energia interna O calor se revela, na comparação com o trabalho, como uma entidade muito complexa. Veja-se, por exemplo, o seguinte experimento: comprimindo-se (ou expandindo-se) isotermicamente um sistema gasoso (fechado, com fronteira flexível e condutora de calor, em contato com a vizinhança à temperatura T1 e pressão P1) de V1 até V2, observa-se como resultado a surpreendente emissão (ou absorção) de calor para a (ou da) vizinhança4. Clausius, envolvendo-se com a questão do calor relacionado a um processo qualquer, conseguiu – não sem grandes complicações – determiná-lo, em 1850, com uma equação diferencial de grande complexidade. A seguinte versão já é o produto de uma análise feita por ele sobre o seu trabalho inicial: 1 Embora o calor tenha a sua ‘origem’ na termodinâmica, o estudo da sua taxa de transferência é um dos três grandes temas dos fenômenos de transporte. 2 A temperatura é uma medida macroscópica da energia cinética das moléculas do gás (fenômeno microscópico, que transcende a termodinâmica clássica). 3 Uma lei é o fruto da observação da natureza e descreve um comportamento de forma muito condensada. 4 Clapeyron já informa, em 1834, que esta quantia de calor é independente do tipo de gás utilizado. 24 TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 1 J δq = dU + p dV ; o termo (1/J) faria a ‘conversão das unidades do trabalho mecânico em unidades de calor’ e revela o ponto na linha do tempo em que as unidades do trabalho e do calor eram distintas. Enquanto o trabalho era conhecido, a função U – em que pese ser corretamente reconhecida como função de estado – ainda era desconhecida. Clausius interpretou-a como trabalho interno (ou calor sensível); somente em 1865 ele passou a chamá-la ‘energia’ – mas nunca adotou os termos ‘energia intrínseca’ (de Thompson) ou ‘energia interna’ (de Helmholz), denominação pela qual ela é modernamente conhecida1. A equação utilizada hoje em dia dispensa o termo (1/J): δq = dU + p dV ou q = ∆U + w . A equação seguinte é uma das expressões da primeira lei da termodinâmica: ∆U = q − w . (11.1) A energia interna de um sistema gasoso ideal é fundamentalmente uma função da temperatura. 11.3 Variação de entalpia A entalpia é definida com o auxílio da energia interna, como H ≡ U + PV . Assim, a variação de entalpia de um sistema é igual à ∆H = ∆U + ∆( PV ) e ∆( PV ) = P2V2 − P1V1 . No caso da pressão ser constante, ∆( PV ) = P(V2 − V1 ) = P∆V e ∆H = ∆U + P∆V (11.2) A equação (11.1) permite escrever: q = ∆U + P∆V . (11.3) Então, por semelhança entre (11.2) e (11.3), temos, à pressão constante, que 1 Great physicists: the life and times of leading physicists from Galileo to Hawking, W.H. Cropper, Oxford 25 TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais ∆H = q . (11.4) 11.4 Processo isotérmico, sistema com fronteira flexível e diatérmica Um sistema gasoso ideal, fechado, com fronteira flexível e condutora de calor, está em contato com a vizinhança à temperatura T1 e pressão P1. Este sistema pode sofrer a influência da temperatura e da pressão da vizinhança. Caso apenas a pressão da vizinhança venha a ser modificada, de P1 para P2, será observada experimentalmente uma alteração do volume e da temperatura do sistema. Por causa da condutividade térmica da fronteira, a temperatura do sistema se manterá constante. Nota-se, experimentalmente, que, para manter a temperatura do sistema num valor constante, calor deve ser adicionado ou subtraído dele. Como não há variação na temperatura1, ∆U = 0 . Com isto, q=w . Esta equação fornece a base para a determinação da quantidade de calor absorvida ou expelida por um sistema com fronteira flexível e diatérmica, que executa um processo isotérmico (ver trabalho mecânico num processo isotérmico). 11.5 Processo isocórico, sistema com fronteira rígida e diatérmica Um sistema gasoso ideal, fechado, com fronteira rígida e condutora de calor, está em contato com a vizinhança à temperatura T1 e pressão P1. Este sistema pode sofrer apenas a influência da temperatura da vizinhança. Caso a temperatura da vizinhança venha a se modificada, de T1 para T2, será observada experimentalmente uma alteração do volume e da pressão do sistema. A quantia de calor que deve ser adicionada ou subtraída do sistema para que ele atingida a temperatura T2 pode ser medida experimentalmente. Experimentos revelaram que esta quantia, quando o sistema está sob volume constante, é diferente de quando ele está sob pressão constante. No caso do processo isocórico ou isovolumétrico, a variação da energia interna será dada por: ∆U = q . 11.6 Processo isobárico, sistema com fronteira flexível e diatérmica Um sistema gasoso fechado, com fronteira flexível e condutora de calor, está em contato com a vizinhança à temperatura T1 e pressão P1. Este sistema pode sofrer a influência da temperatura e da pressão da vizinhança. 1 A energia cinética das moléculas do gás permanece constante se a temperatura do gás não variar durante o processo. Como a energia cinética é a única forma de energia que um sistema constituído por um gás ideal pode conter, então, numa expansão ou compressão isotérmica não haverá variação na energia interna. 26 TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais Caso apenas a temperatura da vizinhança venha a ser modificada, de T1 para T2, será observada experimentalmente uma alteração do volume e da temperatura do sistema. Por causa da flexibilidade da fronteira, a pressão do sistema se manterá constante. No caso do processo isobárico, a variação da energia interna será dada por: ∆U = q − w . (11.1) 11.7 Processo adiabático, sistema com fronteira flexível e adiabática Um sistema gasoso fechado, com fronteira flexível e adiabática, à temperatura T1, está em contato com a vizinhança à temperatura T1 e pressão P1. Este sistema pode sofrer apenas a influência da pressão da vizinhança. Caso a pressão da vizinhança venha a ser modificada, de P1 para P2, será observada experimentalmente uma alteração do volume e da temperatura do sistema. No caso do processo adiabático, a variação da energia interna será dada por ∆U = w . 27 TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 12 Capacidade térmica, C 12.1 Capacidade térmica a volume constante Para um sistema sob volume constante, o quociente entre o valor do calor trocado e a variação da temperatura é denominado capacidade térmica a volume constante, Cv: q δq = = cte. = Cv ∆T dT (12.1) Infelizmente, o valor de Cv não é constante para todo o intervalo de temperaturas sendo, portanto, uma função dela. O calor trocado, então, pode ser determinado com q = ∫ Cv dT . (12.2) Como a fronteira do sistema neste caso é rígida, o valor do trabalho mecânico será nulo; portanto, ∆U = q e ∆U = ∫ Cv dT . (12.3) Relação entre U e cv para os gases ideais A equação (11.1) pode ser escrita em termos infinitesimais. dU = δq − p dV , Como o calor é fornecido sob volume constante, dU δq = = Cv . dT V dT V O quociente entre o valor do calor trocado pela variação da temperatura e número de mols do sistema é denominado calor específico molar 1, frequentemente, apenas calor específico, cv: 1 Um caso equivalente é aquele onde a matéria do sistema é dada em unidades de massa. 28 TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais q = cte. = cv ; n ∆T assim, o calor específico é uma variável do tipo intensiva. 12.2 Capacidade térmica à pressão constante Para um sistema sob pressão constante, o quociente entre o valor do calor trocado e a variação da temperatura é denominado capacidade térmica a pressão constante, Cp: q δq = = Cp . ∆T dT Da mesma forma, o valor de Cp também não é constante para todo o intervalo de temperaturas sendo, portanto, uma função dela. O calor trocado pode ser determinado com q = ∫ C p dT . (12.4) Por comparação com a Equação (11.4), fica claro que ∆H = ∫ C p dT . (12.5) Esta equação é a base para balanços de calor efetuados sob pressão constante – uma situação muito comum neste tipo de cálculo. Relação entre H e cp para os gases ideais A equação (11.2) pode ser escrita em termos infinitesimais. dH = δq + p dV , Como o calor é fornecido sob pressão constante, dH δq = = Cp . dT p dT p Convenção para o uso de ∆ Alguns autores usam a grafia para diferenciar entre o valor de uma variação de entalpia (ou de outras funções de estado) que transcorre sob uma isoterma, do caso onde a 29 TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais variação ocorre em função da temperatura, adotando a seguinte convenção: ∆H quando a variação da entalpia se dá de forma isotérmica, e, H12 quando se dá em função da temperatura, desde T1 até T2 . A última expressão é dita ‘incremento de entalpia’. Para um sistema monofásico contendo n mols da fase, com calor específico molar cp, q = n ∫ c p dT , (12.6) e, com cp (aproximadamente) constante, a equação (12.6) transforma-se na conhecida expressão: q = n c p ∆T . Relação entre cp e cv para os gases ideais A equação (3.1) pode ser escrita em termos infinitesimais. Substituindo-se nela a expressão (2.1), obtém-se: dU = δq − Pext . ⋅ dV ou, para um sistema unimolar, cv dT = δq − Pext . ⋅ dV . Dividindo-se todos os membros da equação por dT, à pressão constante, fica: δq dV cv = − Pext.const . ⋅ dT P dT P ou, dV cv = c p − Pext .const . ⋅ . dT P Derivando-se a equação de estado dos gases ideais (também para um sistema contendo um mol de gás) em relação à T, obtém-se a expressão R dV = dT P P 30 TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais que, ao ser substituída na equação anterior, dará como resultado uma expressão relacionando cp e cv: cv = c p − R ou c p − cv = R 12.3 Expressão de cp como uma função da temperatura Para grandes intervalos de temperatura, o calor específico raramente é uma constante. Assim, para facilitar cálculos, seu valor em função da temperatura é dado por um polinômio. Com base na experiência e no trabalho de Kubaschewski, ficou acordado o uso de uma expressão única: c p = a + bT + cT 2 + d . T2 (12.7) Com isso, para cada uma das espécies químicas do sistema, ‘apenas’ os valores a, b, c e d necessitam ser registrados. Infelizmente, contudo, nem mesmo esta função é capaz de representar adequadamente o valor do calor específico num intervalo muito grande de temperaturas. Para sanar isto, usase dividir o intervalo original em faixas menores; isso feito ajusta-se o valor do cp para cada uma delas, por meio de uma equação idêntica àquela mostrada. Ao final, tem-se um conjunto de valores a, b, c e d – um para cada uma das seções do intervalo original de temperaturas. Lembrete: integração de cp em função da temperatura Conforme foi visto, a quantidade de calor que atravessa a fronteira de um sistema unimolar durante um processo isobárico é igual à integral da função cp em T. Se a função cp (T) for aquela sugerida em (12.7): c p = a + bT + cT 2 + d , T2 a integral indefinida será igual à: ∫ c p dT = aT + b T2 T3 d +c − . 2 3 T Da integração entre dois estados ‘1’ e ‘2’ resulta: ∫ 2 1 c p dT = a(T2 − T1 ) + b (T 2 2 ) ( ) − T12 T 3 − T13 +c 2 −d 2 3 1 1 − . T2 T1 TERMODIDÁTICA – Princípios de termodinâmica dos materiais 31 Infelizmente, esta função não é capaz de representar adequadamente o valor do calor específico num intervalo muito grande de temperaturas. Para sanar isto, usa-se dividir o intervalo original em faixas menores; isso feito, ajusta-se o valor do cp para cada uma delas, por meio de uma equação idêntica àquela mostrada. Ao final, tem-se um conjunto de valores a, b, c e d – um para cada uma das seções do intervalo original de temperaturas.