RESENHA O trabalho docente voluntário: a experiência da UFSC, de Maria Izabel da Silva. Florianópolis, Editora da UFSC, 2010 , 152 p., ISBN 978-85-328-0372-6. Numa época de profundas transformações no mundo do trabalho e de expressivas polêmicas questionando a centralidade da categoria Trabalho, são muitas as questões colocadas pelo texto de Maria Izabel da Silva, em O trabalho docente voluntário: a experiência da UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina. Entre os objetivos que norteiam o trabalhador, encontra-se anunciado o foco central: “... O trabalhado docente voluntário na UFSC é uma das várias formas de expressão do trabalhado na sociedade contemporânea. Em que medida, portanto, ele expressa ou não uma dimensão da centralidade do trabalhado na sociedade humana?” (p. 14-15). De início, Maria Izabel percorre a história do trabalhador voluntário apresentando reflexões que guardam afinidades expressas com o pensamento dos autores Corullon e Medeiros Filho, abordando as raízes muito antigas e profundas do voluntariado no Brasil, o qual é movido por sentimentos de compaixão, solidariedade e indignação. No que tange a terceira mola propulsora do voluntariado, a indignação, a autora faz um recorte extremamente interessante colocando que tal sentimento, estava diretamente relacionado às más condições de moradia, saúde, cultura e educação e canalizavam-se, enquanto manifestação da sociedade civil, através da expressão da militância política, pois se vivia num contexto no qual o Estado tinha um papel muito mais central do que hoje. Em seguida, põe-se a problematizar o terceiro setor, dialogando com Carlos Montaño numa perspectiva crítica e de totalidade, pois, tal termo pretensamente justificado pelos apologistas ao liberalismo, pressupõe a realidade social esfacelada nas instâncias: sociedade cível, mercado e Estado. Desta forma, apresenta tal temática “... sob a égide da barbárie neoliberal como importante instrumento de legitimação da classe burguesa dominante sobre a sociedade civil...” (p. 42), considerando o chamado terceiro setor como puramente ideológico e mistificador da (des)responsabilização do Estado no enfrentamento às mazelas da sociedade capitalista. Posicionando-se sobre o Estado e a reestruturação universitária enfrenta polêmicas desencadeadas pela perspectiva neoliberal da (contra)reforma do Estado, o qual é visto como ineficiente, único responsável pelo déficit público e ineficaz e, ancorada em Chauí e em seus próprios trabalhos, anteriormente publicados, desbanca Bresser Pereira com maestria, contrapondo que o alvo na busca da redução dos gastos públicos tem sido as políticas sociais públicas. Ao tecer “Breves considerações sobre a criação das universidades publicas”, a autora remonta ao século XII à atualidade concluindo, juntamente com Chauí, Trindade e Montaño, ser a educação uma mera mercadoria, ou seja, está subjugada aos interesses do capital. Finalizando o Capítulo I com uma ampla exposição sobre a UFSC, desde seu histórico à sua estrutura organizacional, englobando os centros de ensino e sua infraestrutura, o corpo docente, os discentes, os técnicos administrativos, pós-graduação, entre tantas outras vertentes, a autora relaciona aqui o trabalhado docente voluntário, instituído pela Lei 9.608 de 18/2/98, não por acaso num contexto neoliberal, mostrando o crescimento do mesmo, ressaltando as condições precárias de trabalho e a ausência de investimentos em recursos humanos, situação não diferente das demais universidades brasileiras. No Capítulo II, Maria Izabel da Silva faz uma análise pormenorizada da pesquisa empírica, abordando o percurso metodológico, explicitando os sujeitos da pesquisa, perfil dos mesmos e concluindo esta parte da obra com a interpretação dos dados coletados, evidenciando a discriminação social vivenciada pelos entrevistados na UFSC, os quais em parte atribuem a própria expressão estigmatizada “voluntário”. Na p. 72, a autora “reportando-se a Marx (1966, p. 248) quando afirma que “A pólvora continua sendo pólvora, indiferentemente, que seja utilizada para ferir um homem quer para curar suas feridas”. Nessa perspectiva entendemos que apenas substituir expressão “voluntário” por “sênior”, “colaborador”, “associado” ou outra do gênero não resolve a questão da estigmatização do termo, é apenas a troca de etiquetas, pois essas expressões por si não dizem nada, são puras abstrações, o que as difere são os significados que lhes são atribuídos, de acordo com os valores pessoais, isto é, as relações sociais específicas nas quais estão inseridas”. De acordo com os resultados obtidos na pesquisa, fica evidenciado a confirmação da importância do significado especial do trabalhado para esses docentes, mesmo com toda a precariedade, já mencionada, das atuais condições de trabalho naquela Universidade. Vale ressaltar ainda que os sujeitos da pesquisa têm consciência da referida precarização, aliada ainda a uma discriminação pelos próprios colegas professores. É importante salientar que sendo essa força de trabalho qualificada, tais professores, provavelmente, não teriam dificuldades de inserção em instituições particulares de ensino e que os mesmos têm plena consciência de que são explorados, entretanto, conforme conclui a autora “... permanecem na UFSC”. Para avançar nessa análise, Maria Izabel da Silva discute, no Capítulo III a categoria trabalho em seus vários significados históricos, discernindo o trabalho categoria ontológica protoforma do ser social do trabalho assalariado típico do capitalismo. Na busca da compreensão do porque os docentes continuam seu trabalho voluntariamente na UFSC, a autora nos brinda com uma reflexão, fundamentada teoricamente em Georg Lukács e Ricardo Antunes, resgatando a categoria trabalho na ontologia do ser social, partindo da teoria marxiana, “... que concebe o trabalho como processo no qual participam homem e natureza e em que a ação do homem sobre a natureza resulta em mudanças nele próprio...” (p. 75). Lukács encontra em Marx o fundamento que confere centralidade ao trabalho, sendo essa uma peculiaridade da centralidade do trabalho. Retoma também a discussão do trabalhador assalariado no modo de produção capitalista onde “... o trabalho converte-se em meio de sobrevivência, bem como a força de trabalho “livre” torna-se uma mercadoria, com vistas à produção de outras mercadorias, esse sistema coisifica as pessoas, convertendo-as em instrumentos para serem manipulados, subjugados e degradados”. (p. 88). Conversando com Ricardo Antunes, o texto sequencia-se na perspectiva marxista, onde o trabalho é concebido “... como instância de realização do ser social e condição para sua existência e humanização, destacando seu caráter ontológico e centralidade social como protoforma do ser social e da práxis social...” (p. 89). Entretanto, no sistema capitalista, o trabalho é submetido ao capital, o que deveria ser finalidade básica do ser humano, torna-se maldoso e desonrado. Considerando o processo de trabalho somente enquanto meio de subsistência, a força de trabalho passa a ser mero produto que pode ser trocado por outros produtos assim, “... o trabalho gera o antagonismo da riqueza-miséria, da acumulaçãoprivação e do possuidor-possuído”. (p. 89). A comprovação da importância da pesquisa apresentada neste texto demonstra a dimensão da relevância do trabalho na vida desses sujeitos, ainda que seguindo a lógica do trabalhado assalariado, e comprova a simbologia do mesmo na vida desses professores, compreendendo que suas constituições enquanto seres sociais perpassam por esta formação como indivíduos, assim, a centralidade do trabalho em suas vidas reflete suas próprias identidades e, desta forma, não pode ser aceito a possibilidade da inexistência do mesmo. Por outro lado, destaca a centralidade do trabalho assalariado para a produção e reprodução do capital, não há capitalismo sem trabalho assalariado e tampouco sem trabalhadores a serem subjugados e explorados. A obra de Maria Izabel da Silva ao optar pela tradição ontológica de Marx e Lukács traz à tona discussões significativas para se pensar o tema trabalho, frisando uma direção crítica significativa imprescindível na contenção do conservadorismo assim como no âmago do Serviço Social enquanto profissão. Por fim, pelo exposto, pensamos ter destacado alguns dos principais méritos de O trabalho docente voluntário: a experiência da UFSC que aborda o tema proposto com profundidade, mas revestindo-o com muita leveza e indo direto ao ponto, sem delongas. Autora da resenha: Marília Nogueira Neves - Especialista em Políticas de serviço Social Instituições de vinculações: 1. Assistente Social no Núcleo de Acompanhamento de pessoal, da Diretoria de recursos Humanos da Prefeitura de Uberlândia; 2. Professora do Curso de Serviço Social da Faculdade Católica de Uberlândia; 3. Mestranda em Serviço Social pela PUC Goiás. Endereço: Rua das Primaveras, 145 - B. 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