O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 O C a n te i r o Cultura, Maçonaria e Ação Social Informativo Cultural para Maçons Editorial O Canteiro.....página 2 Liberdade de Pensamento Irmão Raimundo Rodrigues.....página 4 Um Esbarrão - Editora Martin Claret O Canteiro.....página 5 Jesus, Maçom Irmão José Castellani.....página 6 Lilith. Um Texto Fundador da Mulher na Maçonaria Irmão Frederico Guilherme Costa.....página 14 Um Destaque - Rito Brasileiro em Santa Catarina O Canteiro e o Irmão Wagner Sandoval Barbosa.....página 16 O Mestre Instalado no Rito Escocês Antigo e Aceito – Invenção? Irmão Marcelo Abuchaim Fattore.....página 17 As Armadilhas da Perfeição Irmão Jurandy Cordeiro de Souza Júnior.....página 19 Fundação Hermon O Canteiro e o Irmão Luiz Lunardelli.....página 21 Outro Esbarrão - Editoras HUCITEC e UNESP O Canteiro.....página 23 Boa Leitura O Canteiro.....página 24 1 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 Editorial Da Terra de José Bonifácio O trabalho cultural requer muito esforço e perseverança para que dê "frutos", mas talvez seja interessante, como primeiro passo para bem entender a importância deste trabalho, considerarmos o conceito de cultura. No âmbito deste "projeto", podemos aceitar cultura como o conjunto das características humanas que não são inatas e que são criadas, preservadas ou aprimoradas via comunicação e cooperação entre indivíduos que vivem em sociedade. Neste ponto, talvez uma analogia com um jardim ou um pomar seja aceitável, uma vez que para colhermos ou apreciarmos algo nestes recantos, temos que manter as condições necessárias ao desenvolvimento das plantas (temos que cultivar). A Maçonaria, com a Construção Social que propõem aos seus iniciados, talvez possa ajudar muito, transposta a idéia do jardim para a sociedade e para a cultura que a desenvolve. Antes, entretanto, é preciso promover o desenvolvimento e manter o nível cultural em seu seio, para que não ocorra algo tão triste e tão contraditório como a influência dos maus costumes "externos" nas Lojas, quando as Lojas deveriam influenciar, com bons costumes "internos" e com os frutos do trabalho maçônico, a Sociedade. Não pretendemos indicar que a Maçonaria não esteja, atualmente, em boas condições culturais, mas sim que a sua ação na sociedade não vem sendo suficiente para enfrentar as desigualdades cada vez mais avassaladoras, acarretadas pela confusão das lideranças político-econômicas acerca dos desenvolvimentos econômico, tecnológico e humano (social). E a "ação" dos Maçons, aqui, não é referida como simplesmente filantropia. A idéia deste informativo digital, O Canteiro, nasceu justamente do entendimento de que precisamos multiplicar os efeitos de nossa atuação. Assim, a proposta foi de reunir um verdadeiro time de colaboradores, alguns dos escritores e obreiros mais conhecidos do Brasil, juntamente com "novas vozes", para tentar levar aos mais distantes lugares o estímulo à Ação Social, fundamentada nos princípios que nos são tão caros: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Isso como resultado de discussões nascidas das leituras de material "rico" e do desenvolvimento cultural maçônico que delas deve nascer, nos impelindo, sem parar, no processo cíclico e progressivo de tese-antítese-síntese, sendo cada nova síntese a base para um novo desenvolvimento. O Canteiro não tem compromisso com qualquer sistema "obediencial" e, por isso, é um veículo para todos os maçons, sejam eles praticantes do Rito Escocês Antigo e Aceito, do Rito Moderno, do Rito de York (Emulation), do Rito Adonhiramita, do 2 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 Rito Brasileiro ou do Rito de Schroeder. Entretanto, fica assumido o compromisso de jamais divulgarmos material que tenha fundo estritamente comercial, político-partidário, que ataque lideranças maçônicas ou que atente contra os nossos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Enfim, não pretendemos divulgar material que escape à abrangência do que se pode entender por Cultura, Maçonaria ou Ação Social. A proposta, enfim, é de um "canteiro para nossa obra", onde pretendemos facilitar a troca de informações, a preparação de nossas "ferramentas" e a discussão de novas idéias, sempre no sentido de estimular as ações que visem o bem social, a "Construção Social", que é nossa meta comum. Agradecemos especialmente aos colaboradores e donos desta idéia, alguns Eternos Aprendizes que, mesmo sem os nomes citados, sabem que nada, aqui, seria possível sem eles. Dedicamos este pequeno esforço a todos os Maçons que honram seus aventais. Gostaríamos, também, de fazer uma menção carinhosa a todos os integrantes das listas maçônicas de discussão (dialética), em especial os Irmãos das listas: U.F.G., Cavaleiros da Luz, Rito Moderno, Acácia, Atalaia, Solidariedade, Grandes Lojas, Maçonaria-ES e CCCPM. Mens Agitat Molens *** Você pode enviar comentários e seus trabalhos para O Canteiro, usando o endereço eletrônico: [email protected]. *** 3 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 Liberdade de Pensamento Irmão Raimundo Rodrigues Quando dizemos que a Maçonaria é uma Escola do filosofar, fazemo-lo porque entre nós se exige estudo, pesquisa, meditação. No entanto, não tememos afirmar que nossa Ordem é fundamentalmente filosófica, uma vez que ela tem por mira alcançar um ideal superior. A beleza do filosofar maçônico está no estudo comparativo dos sistemas filosóficos que a história nos proporciona. A Maçonaria não se prende a uma escola ou a um determinado sistema, porque se tal o fizesse estaria tirando a liberdade de pensamento de seus membros, obrigando-os a seguir um único e mesmo caminho. Haveria, então, é de supor-se, uma verdadeira lavagem cerebral; se tal ocorresse mais cedo ou mais tarde, nossa Ordem ou se desvirtuaria ou desapareceria. O Maçom tem inteira liberdade de interpretação, pois o símbolo permite exegese variada e, muitas vezes, desigual. Se houvera uma uniformidade obrigatória de interpretação, isto seria um verdadeiro atentado contra um dos sagrados postulados que ela prega: liberdade. Portanto, é impossível, maçonicamente, alguém pretender fixar determinada corrente ideológica. A preocupação maçônica pelo ser, pelo conhecer, pelo alcançar a verdade, exige análises, debates, troca de idéias e, sobretudo, respeito ao pensamento alheio. O esoterismo se sobrepõe ao exoterismo, porque os problemas interiores merecem maior atenção que os exteriores. O Maçom deve conscientizar-se de que tem um compromisso consigo mesmo, com o seu pensar, com o que fazer de sua vida maçônica. Ele não pode prescindir de si próprio, não pode prescindir de seus direitos e, sobretudo, de seus deveres, porque se o fizera estaria negando-se como ser, como homem, como Maçom. Não podemos escapar da grande verdade de que o saber humano, mormente o saber filosófico - vem do homem, pelo homem e para o homem. 4 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 Devemos ter sempre diante dos olhos esta verdade: a Maçonaria proporciona aos seus membros os meios necessários para que adquiram o saber. Infeliz do Maçom que disto não se aperceber. É necessário, no entanto, que tenhamos a melhor boa vontade em assimilarmos tudo aquilo que ela põe ao nosso dispor não só para adquirirmos o saber, mas também para alcançarmos aquele Grau de educação maçônica que nos projetará como verdadeiros e autênticos Maçons. RODRIGUES, Raimundo. A Filosofia da Maçonaria Simbólica Vol. 1,Londrina : A Trolha, 1999, pp.20-1. *** Um Esbarrão - Editora Martin Claret O Canteiro A editora Martin Claret vem oferecendo uma coleção muito interessante: "A Obra-Prima de Cada Autor". São mais de 80 títulos, em formato "de bolso", com obras de autores consagrados de todos os tempos, romancistas, filósofos, sociólogos etc. Mas o que justifica o destaque aqui não é apenas a variedade de títulos oferecidos. Com exceção de quatro volumes, que custam cerca de R$ 14,00 (os especiais), cada um custa R$ 7,00. Isso é uma maravilha! Trata-se, de fato, de um projeto que pode popularizar a leitura mais "consistente", o que nos dá uma esperança animadora. A editora Martin Claret está de parabéns pela iniciativa. No apresentação da obra da coleção, a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de Max Weber, há um texto de Sílvio L. Sant'anna, que julgamos interessante citar: Nos recentes lançamentos da Coleção "A Obra-prima de Cada Autor" temos oferecido ao público obras de referência das Ciências Humanas, com o objetivo de atender simultaneamente a um público específico de estudiosos, bem como disponibilizar ao grande público reflexões geralmente restritas a poucos iniciados. Foi o que fez Lutero com a Bíblia, tirando-a do convento e levandoa para a casa do crente, possibilitando sua livre interpretação. Nossa filosofia editorial, se inspira na "Cruzada da Boa Imprensa", conduzida pelo professor Huberto Rohden, e na revolução do livro propugnada por Monteiro Lobato. Podemos resumi-la com a seguinte profissão de fé do editor: "Nós acreditamos na função do livro". *** 5 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 Jesus, Maçom Irmão José Castellani A imaginação “Emanuel foi o nome dado a Jesus ao vir ao mundo. Era um menino possuidor de alta inteligência, Q.I. bastante alto. Na ordem maçônica dos essênios só era permitido iniciar candidatos com idade mínima de dezessete anos: Emanuel, com doze anos de idade, procurou ingressar na Ordem Maçônica, mas como não era permitida Iniciação com aquela idade, os padres essênios levaram-no para educa-lo numa escola na Alexandria. Quando completou dezessete anos, Emanuel foi iniciado na Ordem Maçônica dos essênios. Os Maçons receberam nomes simbólicos em suas Iniciações, Elevações e Exaltações a depender do Ritual utilizado pela Loja. Emanuel, em sua Iniciação, recebeu o nome simbólico de Jesus que quer dizer JUSTO, e na Exaltação recebeu o nome simbólico de CRISTO, que significa PERFEITO. Até a idade de dezessete anos só era conhecido pelo seu nome profano, Emanuel. A Exaltação de Jesus ou seu ingresso no terceiro Grau, da Ordem Maçônica dos essênios ocorreu no dia vinte e cinco de dezembro do ano trinta. Os Reis Magos também eram maçons. Os seus nomes simbólicos eram: Gaspar, Melchior e Baltazar. Gaspar era Rei da Índia, Melchior, Rei do Egito, Baltazar, Rei da Babilônia. Eles estiveram presentes às solenidades de Exaltação de Emanuel. Emanuel nasceu em vinte e três de dezembro do ano um. Os Reis Magos não estiveram presentes no nascimento de Emanuel e sim em sua Exaltação na Ordem Maçônica. Jesus foi um grande maçom. Tudo foi tão JUSTO E PERFEITO com Jesus Cristo, que tornou-se muito mais conhecido na história da humanidade pelos seus nomes simbólicos --- Jesus, Cristo --- do que pelo seu nome profano, Emanuel. A Iniciação na Maçonaria dá-se no primeiro Grau, a Elevação no segundo Grau e a Exaltação no terceiro Grau. Já sabemos que no primeiro Grau, Emanuel recebeu o nome simbólico de Jesus e de Cristo no terceiro. O segundo Grau era também conhecido como o Grau de profeta. Nesse Grau Jesus recebeu o nome simbólico de Issa”. (os grifos são meus) “Jesus foi nosso Irmão, iniciado numa Loja essênia”. * O primeiro texto está inserido no certificado de presença de uma Loja brasileira, sem que conste o nome de qualquer autor, ou bibliografia. O segundo texto fez parte de uma palestra feita por um antigo maçom. Asas à imaginação! 6 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 A realidade histórica Dificilmente são vistas tantas informações sem qualquer compromisso com a verdade histórica, que vive apenas de fatos e não de especulações. Alguns tópicos merecem uma análise mais profunda: 1. “Emanuel foi o nome dado a Jesus ao vir ao mundo. Era um menino possuidor de alta inteligência. Q.I. bastante alto”. Comentário: Inicialmente, cabe perguntar como é que se media o Q.I. há 2000 anos, já que essa prática é recente, do século XX. Em segundo lugar, é necessário esclarecer que Emanuel - que, realmente, significa Deus conosco - foi o título pelo qual o profeta Isaías chamou o Messias que viria, como se pode constatar em Isaías, 7 – 14 e em 8-8 e em Mateus 1 – 23: O nome do Messias, na realidade, era mesmo Jesus, forma latina da palavra hebraica Ieshua, que significa Salvador. E existiram, na História hebraica, outros homens com esse nome: um Jesus, sumo sacerdote, depois do exílio na Babilônia (538 a.C.); um Jesus, chamado o Justo, louvado por Saulo (S. Paulo) como auxiliar no reino de Deus: e um Jesus, filho de Sirac, autor do Eclesiastes. 2. “Na ordem maçônica dos essênios só era permitido iniciar candidatos com idade mínima de dezessete anos; Emanuel, com doze anos, procurou ingressar na Ordem Maçônica, mas como não era permitida iniciação naquela idade, os padres essênios levaram-no para educá-lo numa escola de Alexandria: quando completou dezessete anos, Emanuel foi iniciado na Ordem Maçônica dos essênios”. Comentário: A maçonaria, mesmo que os místicos fantasistas e sem base histórica desejem o contrário, é uma ordem que surgiu na Idade Média. Não havia, portanto, maçonaria no início do Universo, na Pré-História, no Parque dos Dinossauros, no Paraíso, ou no início da era atual. Falar, portanto, em “ordem maçônica dos essênios”, é absoluta heresia histórica. Além de tudo, os essênios foram bem conhecidos, historicamente, graças a Flávio Josefo e Filon, historiadores contemporâneos de Jesus, os quais nos dão conta de que eles - que nem são citados no Evangelho - formavam uma comunidade de homens e mulheres, que levavam uma vida austera, praticavam o celibato e tinham os seus bens em comum. Nada, historicamente, autoriza a afirmação de que eles 7 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 possuíam ritos iniciáticos para a sua seita, simplesmente contemplativa, e muito menos de que havia uma idade mínima - 17 anos - para a “iniciação”. De onde foi tirado isso? Existe, sim, a iniciação religiosa do menino e da menina judia - o bar-mitsvá e o bat-mitsvá, respectivamente - aos 13 anos de idade. Os hebreus e - a partir do exílio na Babilônia - judeus, tinham de maneira geral, os seus sacerdotes, da tribo dos Levitas, os quais oficiavam os serviços do templo de Jerusalém. Mas os essênios, que não participavam dos serviços litúrgicos do templo, não possuíam sacerdotes (muito menos “padres”, que são sacerdotes católicos), segundo os historiadores, já citados, da época. A afirmação de que Jesus foi levado, para ser educado numa escola de Alexandria, é altamente temerária, por incidir em improbabilidades. Em primeiro lugar, Alexandria foi fundada pelo macedônio Alexandre Magno, em 332 a.C., no Mediterrâneo, a 206 quilômetros do Cairo, e disputava, com Roma, o título de maior cidade do mundo, sendo um grande centro da cultura grega. Mas a Judéia era província romana, o que tornava, portanto, muito mais lógico e racional que alguém, de lá saindo, fosse estudar em Roma e não na Alexandria grega. Em segundo lugar, muitos levantam dúvidas sobre a existência real de Jesus, que teria nascido no ano 749 de Roma, ou ano 4 antes da era atual. Porém, a sua existência histórica é amplamente aceita pela comunidade científica, por comparação do contexto político, religioso e social de sua vida com os documentos e as informações arqueológicas. Embora Flávio Josefo e os historiadores romanos Tácito e Suetônio não o mencionem, suas descrições dos locais, dos costumes e das pessoas da época confirmam os dados dos evangelhos, escritos por contemporâneos de Jesus. Existe, todavia, uma fase oculta em sua vida, a qual não é abordada nem por esses contemporâneos, por ser absolutamente desconhecida. Seu nascimento e infância são descritos nos evangelhos, principalmente no de Lucas, terminando no regresso da família a Nazaré, depois da fuga para o Egito. O período da vida oculta de Jesus compreende os anos passados em Nazaré, após o retorno do Egito, e, dele, os evangelistas apenas abordam o episódio da peregrinação a Jerusalém - ao templo - quando ele tinha doze anos de idade. Depois disso, só há registro de sua vida pública, cerca de vinte anos depois, quando ele iniciou a sua pregação e a divulgação de suas idéias, como se pode ver no Evangelho segundo Mateus. 8 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 É exatamente esse período, por não ter nenhum relato - por isso é chamado de “vida oculta” - que é altamente explorado pelos fantasistas, cujas elucubrações não têm nenhum compromisso com a realidade. Assim, segundo alguns, Jesus teria estado no Tibete; ou, segundo outros, na Índia, onde, entre budistas, teria o nome de Jesse; ou, ainda, no Egito, ou......, ou......... . e até numa escola em Alexandria e na “ordem maçônica dos essênios”!!! 3. “Emanuel, em sua iniciação, recebeu o nome simbólico de Jesus, que quer dizer Justo, e, na Exaltação, recebeu o nome simbólico de Cristo, que quer dizer Perfeito”. Comentário: Como já foi visto, Ieshua (Jesus) significa “Salvador”, ou “Deus é o seu auxílio”. Existiu um outro Jesus, que foi cognominado “o Justo” - não que o nome significasse “Justo” - mas não se devem misturar alhos com bugalhos.Já a palavra Cristo é originária do grego “Khristos”, que é a tradução do termo hebraico “Meshiakh”, que significa “Messias”, ou “Ungido”. Não tem nada de “justo e Perfeito”. Parece que o texto do certificado quer ligar Jesus a essa expressão, que era típica dos canteiros - operários que esquadrejavam a pedra de cantaria - medievais e que chegou à moderna maçonaria. Entre os canteiros, um Zelador, ou Vigilante, media a horizontalidade da pedra, com o nível, enquanto o outro media a sua verticalidade com o prumo, anunciando, depois, ao proprietário (ou o master): “tudo está justo e perfeito”; isso era feito no início e no fim dos trabalhos, para surpreender possíveis sabotagens do trabalho, coisa comum, diante da rivalidade das organizações profissionais de canteiros, que eram muito requisitados e considerados, já que, da perfeita forma cúbica das pedras, dependia a estabilidade das construções. 4. “A exaltação de Jesus, ou seu ingresso no terceiro grau, da Ordem maçônica dos essênios ocorreu no dia 25 de dezembro do ano trinta”. Comentário: Alguém deve ter visto a ata dessa sessão de Exaltação! E por que falar de ano trinta, se o calendário atual estava longe de ser inventado? Por que não 3791 da era hebraica, já que os essênios eram judeus, como Jesus? Fantasia, imaginação e mistificação! Seria bom que o desconhecido redator do texto conhecesse um pouco da História maçônica, para saber que o terceiro grau só foi 9 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 introduzido no século XVIII e o segundo, no século XVII. E para saber que só se afirma alguma coisa à luz de documentos, ou de bibliografia fidedigna e não “sonhando”. Seria interessante conhecer, também, a situação políticoreligiosa da época de Jesus: Desde a reconstrução do templo de Jerusalém, após o exílio na Babilônia - 586 a 538 a.C. - por Zorobabel, a vida religiosa em torno dele sempre foi muito intensa e vibrante, com a finalidade de preservar a pureza e a autenticidade das tradições hebraicas, constantemente ameaçadas pelos invasores. Existiam, todavia divergências teológicas e rivalidades políticas, que iriam originar três seitas, ou, na realidade, verdadeiros partidos de política religiosa: a dos saduceus, a dos fariseus e a dos essênios. Os saduceus compunham o partido sacerdotal e dos poderosos, baseando toda a sua atividade na fidelidade intransigente aos texto da Torá - os cinco primeiros livros bíblicos : Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio - e lutando pela supremacia do povo eleito e pela grandeza espiritual do templo. Para os saduceus, somente as disposições legais e as crenças explícitas na Torá é que determinavam o rumo da fé de Israel. Daí a sua extrema severidade nas leis penais e o fato de não aceitarem interpretações e especulações sobre o texto da lei, que teria sido recebida por Moisés, no monte Horeb, no Sinai. Por isso, eram adversários dos fariseus, que defendiam princípios não formulados, explicitamente, na Torá. Aferrados ao templo, os saduceus desapareceriam junto com ele, quando da destruição de Jerusalém, no ano 70 da era atual (3830 da era hebraica), pelas tropas romanas do imperador Tito, no dia 9 do mês av. Os fariseus (do hebraico: perushin = separados), cuja importância havia crescido a partir do século II a.C., admitiam, além da tradição escrita da Torá, uma extensa tradição oral, que, segundo eles, autorizava, aos doutores da Lei, a interpretação do texto e a adaptação dele às diversas circunstâncias concretas da História. Compondo uma ordem religiosa, contemplativa e docente, os fariseus definiram as estruturas básicas do judaísmo, as quais iriam ser, em larga escala, absorvidas pelo cristianismo: a justiça de Deus e a liberdade do homem; a imortalidade pessoal: o julgamento após a morte; o paraíso, o purgatório e o inferno; a ressurreição dos mortos; o reinado de glória. Tais conceitos doutrinários seriam levados, ao cristianismo, por Saulo canonizado como São Paulo - que se proclamava “fariseu, filho de fariseus”. 10 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 No primeiro século antes da era cristã, o movimento farisaico dividia-se em duas facções rivais: a de Shamai, rigorosa e intransigente na interpretação da Torá - a ala extremista dos zelotes, que inspirou a revolta contra Roma era dessa facção - e a de Hilel, o Velho, mais moderada. Quando o templo foi definitivamente destruído, foi a corrente de Hilel que manteve a unidade doutrinária do farisaísmo e que, por meio dele, proporcionou a sobrevivência do judaísmo. Com o conhecimento, que se possui, sobre a doutrina farisaica e sobre o aproveitamento desta pela Igreja, não se compreende o grosseiro conceito que se faz dos fariseus, o juízo pejorativo, geralmente injusto e que não considera a função fundamental que eles exerceram na vida religiosa judaica e, por extensão, na de toda a humanidade, através do aproveitamento de sua doutrina por outras religiões. O conceito pejorativo, que deles se faz, deve-se, fundamentalmente, à interpretação clerical dos Evangelhos, a qual os rotula como fanáticos e hipócritas, em geral, embora fanáticos e hipócritas existam em qualquer grupo religioso, ou seita. Os essênios, embora sua atividade fosse descrita por Flávio Josefo e Filon, tornaram-se mais conhecidos a partir da descoberta dos manuscritos de Cumrán, ou manuscritos do Mar Morto. Eles formavam comunidades que praticavam um monaquismo, através do qual homens e mulheres, provindos de diversas regiões de Israel, agrupavam-se, para uma vida consagrada ao ideal de uma vida religiosa de isolamento, contemplação e silêncio. O ingresso na comunidade implicava o voto de viver, de acordo com os preceitos da Torá, uma existência de oração, pobreza, obediência e pureza, através da submissão à vontade de Deus. Isolados e quase enquistados, não participavam das atividades do templo, tendo pouca influência na vida religiosa judaica, embora alguns de seus hábitos, exclusivamente religiosos, tivessem sido aproveitados, chegando até à Igreja : preces e estudos em comum, preparando a alma para a eternidade; ressurreição dos mortos; purificação pela água; e a comunhão da confraria no vinho e no pão consagrados, origem da eucaristia. A comunidade dos essênios também iria desaparecer com a derrocada nacional, após a destruição de Jerusalém e do terceiro templo. 5. “Emanuel nasceu a 23 de dezembro do ano um”. Comentário: Eureka! Fez-se a luz! Ninguém, até hoje, sabia a data exata do nascimento de Jesus, nem mesmo os mais profundos 11 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 estudiosos da História e da Arqueologia. Agora já se sabe, graças à sábia informação contida nesse folheto! Sabe-se - ou seria melhor dizer “sabia-se”? - que a data de 25 de dezembro, para o nascimento de Jesus, é completamente fictícia e foi baseada no mitraismo persa, adotado pelos romanos. Como a noite de 24 para 25 de dezembro é a mais longa - e, geralmente, a mais fria - do ano, no hemisfério Norte, os adoradores do deus Mitra (o Sol), realizavam uma cerimônia , “Natalis Invicti Solis” (Nascimento do Sol Vitorioso), onde, durante a longa e fria noite, eram realizados cultos propiciatórios, pela volta da luz do Sol e do calor. O cristianismo, aproveitando essa cerimônia mitraica e assimilando Jesus à luz do mundo, fixou essa data, como se fosse a do nascimento de Jesus, já que não se sabe nem o dia e nem o ano em que isso ocorreu. Ou melhor, não se sabia!!!! 6. “Gaspar era rei da Índia; Melchior, rei do Egito; Baltazar, rei da Babilônia”. Comentário: Nada prova que os três personagens eram, realmente, reis, embora sejam tidos, popularmente, como tal. As Escrituras, em momento algum, fornecem informações suficientes para que se possa estabelecer qual é o país de cada um, destacando, apenas, que eram do Oriente. Até o número dos “reis magos” é motivo de controvérsia, pois já se falou em 3, 4, 5, 6 e até 12! O número de três se deveu à tradição, segundo a qual eles se apresentavam como representantes das três raças: branca, negra e amarela. Os nomes pelos quais ficaram conhecidos também são duvidosos, pois resultam de uma tradição tardia e não da época em que os fatos teriam acontecido. E é mais provável que tais personagens fossem meros viajantes, com conhecimentos de ciências naturais e de astrologia. Quem disse que eles eram, respectivamente, reis da Índia, do Egito e da Babilônia? Da Babilônia, seria impossível! Depois do domínio persa, iniciado com Ciro, o Grande, em 539 a.C., a Babilônia conheceu o período helenístico, quando entrou em decadência, desaparecendo antes do início da era cristã. O termo “babilônia” surge, no Novo Testamento, apenas de forma metafórica, para designar a Roma pagã, ou o próprio mundo. Como Baltazar poderia ser rei de um Estado desaparecido? E como Melchior poderia ser rei do Egito, se o Egito, desde 30 a.C., era província romana? E nem se fale da Índia, que, na época, estava tão dividida, que nem se poderia falar em um governo único. Conclusão: “invenção”! 12 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 7. “O segundo grau era também conhecido como o grau de profeta. Nesse grau, Jesus recebeu o nome simbólico de Issa”. Comentário: Abstraindo essa história fantástica de segundo grau, sem qualquer comprovação - o segundo grau, na maçonaria, surgiria no final do século XVII - a própria explicação sobre esse nome, a mais aceita, é, também, mera especulação: “Issa” teria sido o nome de Jesus, quando de sua permanência nos claustros do Tibete. Isso, obviamente, é mera suposição, embora Raul Silva, um místico sem bagagem histórica, em seu antigo livro “Maçonaria Simbólica” - da editora ocultista Pensamento - diga que “um nosso irmão russo, de nome Nicktowysk, compulsando esses documentos da antiguidade, neles encontrou a permanência de Jesus, durante anos, no convento do Tibete, sendo ali conhecido com o nome de profeta Issa”. Só que ninguém sabe quem é Nicktowysk e tais “documentos” nunca foram exibidos, o que leva à conclusão de que se trata de mais uma farsa. Mais uma! Acrescente-se, porém, que, para o Islã - a religião fundada por Mohammed ibn Abdallah (Maomé), no século VI da era atual - Adão foi o primeiro profeta e Jesus, um dos profetas mais perfeitos. Daí a origem desse título, que nada tem a ver com o Tibete e nem com uma eventual e fantástica “maçonaria dos essênios”. 8. “Os Reis Magos também eram maçons”. Comentário: SEM COMENTÁRIOS!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Do livro, em preparo, “Manias e Crendices, em nome da Maçonaria”. *** 13 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 Lilith. Um Texto Fundador da Mulher na Maçonaria Irmão Frederico Guilherme Costa A maçonaria, como todos sabem, procura suas origens em mitos fundadores de origens longínquas na corte de Salomão. São contribuições lendárias que estão ligadas aos grandes mitos da criação. O nome “Lilith” tem uma filiação semítica e indo-européia. A palavra suméria “lil” significa “vento”, “ar” e “tempestade”. Lilith foi inicialmente associada às forças hostis da natureza, parte de um grupo de três demônios, um masculino e duas femininas: Lilu, Lilithu e Ardat Lili, esta última sendo a companheira do portador da luz. 1 Lilith também está sempre associada a uma mulher lasciva, sedutora e de rara beleza. Com seus longos cabelos negros mostra-se altamente sensual e destrutiva. Muito provavelmente os judeus a conheceram no cativeiro da Babilônia. Lilith é mencionada no Antigo Testamento, Livro dos Profetas, Isaías 34/14: “lá também descansará Lilith, achará um pouso para si em companhia dos gatos selvagens, das hienas, dos sátiros da víbora e dos abutres”. Para transportar Lilith para a modernidade, entendida como estilo, costume de vida ou organização social que emergiu na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência2 , vou chamar a atenção para os dois relatos da criação do homem e da mulher nos capítulos I e II do Gênesis de onde foi extraído o mito reatualizado de Lilith. Modernamente ela é considerada a primeira mulher que ousou pronunciar o nome inefável que lhe deu as asas por meio das quais fugiu do Éden, abandonando o seu companheiro, com quem não se entendia. Apesar de perseguida por três anjos – Sinou, Sinsinoi e Samengelof – recusou-se a deixar sua nova morada no mar vermelho e a sua fuga transformou-se em expulsão. Tornou-se, posteriormente à criação da segunda mulher – Eva – , não mais criada do barro, mas de uma costela, uma rival vingativa para fazer o mal aos descendentes de Adão e Eva. Esta a razão de diversos textos judaicos associarem Lilith aos demônios com asas e formas humanas, inclusive na Cabala, onde vemos Lilith unir-se a Sammael. 14 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 Interessa neste estudo mostrar a Lilith transformada na mulher libertada e revoltada na afirmação dos seus direitos, na busca da igualdade em relação ao homem. Uma mulher rejeitada pela sociedade dos homens e que está sempre buscando o seu reconhecimento, ainda que para isso tenha que fazer “mal” aos homens. Em diversas formas de sociabilidades, e entre elas, fundamentalmente, a maçonaria, ela, a “mulher”, está excluída sob o argumento de que, por sua própria essência, arrastaria os homens para o infortúnio. É o próprio Pierre Brunel3 que nos lembra certas associações de Lilith com a Rainha de Sabá na aparência falsamente luminosa. Cumulando com seus dons, o homem, se deixa prender por seus atrativos, ela o orienta para uma procura que o isola dos outros e o arrasta para um caminho que segue em sentido contrário à vida. Portanto, o mito de Lilith, assim como a mulher moderna na maçonaria, tem por objetivo afastá-la dos homens, por ser perigosa e destrutiva, apesar de certos homens estarem dispostos a visitá-lo no seu exílio. Assim, Lilith pode vir a representar possíveis respostas para a mulher excluída em determinadas sociabilidades centradas simbolicamente nos mitos fundadores de origens longínquas que não têm nada a ver com o racional. Trata-se do arrebatamento do Ser em contraposição ao Não Ser. O único caminho que pode ser transitado. É possível que surjam aporias4 a este ensaio. Entretanto, já ensinava Aristóteles que existe uma interessante ligação entre a lógica e a metafísica. O que procurei fazer foi convidar os meus ouvintes para verem as coisas de um outro modo, mas sempre cauteloso com os conceitos e com a linguagem. Lilith é o desejo libertado: a contestadora. Ela representa a mãe das excluídas. Ela é o prazer, o desejo, logo, o perigo, a transgressão, a culpa e o medo. Ela não pode participar do centro, da Ágora. Ela deve ser excluída do espaço da produtividade. Enfim, ela deve viver no exílio que escolheu porque corrompeu os valores da dominação masculina e ousou dizer que foi feita do mesmo pó e não admitir a submissão. Esta é Lilith! Notas: 1. Remeto o interessado ao excelente trabalho de Pierre Brunel (organização), Dicionário de Mitos Literários, Brasília: Editora UNB/ José Olympio Editora, 1997, pp. 582/85. 15 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 2. Anthony Giddens, As Conseqüências da Modernidade, São Paulo: Edusp, 1991, p11. 3. Pierre Brunel, op. , cit., p. 584. 4. Estou me referindo a eventuais conflitos entre opiniões, contrárias e igualmente concludentes, em atenção às questões aqui expostas. *** Um Destaque - Rito Brasileiro em Santa Catarina Irmão Wagner Sandoval Barbosa Em Florianópolis, Santa Catarina, no dia 19 de novembro de l980, nasceu a 1º Loja do Rito Brasileiro, em Orientes, com o nome de A∴ ∴R∴ ∴L∴ ∴S∴ ∴ União Brasileira II, 2085. Assim chegava o Rito Brasileiro no sul do país. No dia 19 de novembro de 2001, foram comemorados os 21 anos da Loja, com festividades promovidas por seus obreiros e pelos Irmãos das demais Lojas do Rito Brasileiro de Santa Catarina. Participaram os Irmãos Walmor Backes, Grão Mestre Estadual, e Nei Inocêncio dos Santos, Grande Primaz do Rito Brasileiro. Houve apresentação da Orquestra Sinfônica de Santa Catarina e foi lançada oficialmente a homepage da Loja União Brasileira: http://planeta.terra.com.br/arte/comarella. Hoje, existem 13 Lojas do Rito Brasileiro em Santa Catarina, três Ilustres Capítulos (Florianópolis, Balneário Camboriú e Joinville) e um Conselho Kadosh. O Canteiro recomenda, para melhor conhecer o Rito Brasileiro, a obra: Rito Brasileiro de Maçons Antigos, Livres e Aceitos, do Irmão Mário Name (A Trolha, 1992). *** 16 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 O Mestre Instalado no Rito Escocês Antigo e Aceito – Invenção? Irmão Marcelo Abuchaim Fattore Após a cisão no Grande Oriente do Brasil, em 1927, e a criação das Grandes Lojas Estaduais uma das conseqüências mais contundentes foi o “azulamento” do Rito Escocês Antigo e Aceito, visto que, por motivos que não cabem discutir neste trabalho, o R∴E∴A∴A∴ praticado nas Grandes Lojas foi, em boa parte, desvirtuado e aproximado do Rito Inglês – York ou, ainda, Emulation. Esse “azulamento” não se restringiu à cor dos aventais e uma das práticas introduzidas no Rito, foi a instalação dos Mestres eleitos para presidir a Loja, prática até então exclusiva do Rito de York. Tanto que o Grande Oriente do Brasil resistiu a essa prática até 1968, quando “o Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, Álvaro Palmeira, mandou imprimir um ritual de Instalação, padrão para todos os Ritos, e decalcado, indisfarçavelmente, nos Rituais utilizados pelas Grandes Lojas Estaduais.” (Castellani – Manual do Mestre Instalado, pg. 12). Em virtude disso freqüentemente nos deparamos com questionamentos quanto à condição de “Mestre Instalado”, visto que, considerando o anteriormente exposto, essa condição é estranha, não só ao REAA, mas a todos os demais Ritos, que não o Rito de York. Entretanto, mesmo no Rito de York essa prática não era unanimidade entre as Lojas Inglesas, conforme nos ilustra o Irmão Nevile B. Cryer em seu trabalho “A parte do Mestre: uma reapresentação”, traduzido pelo Irmão Gilson da Silveira Pinto e publicado no livro Pérolas Maçônicas – Volume III, Ed. A Trolha, quando afirma: “um segundo fator é aquele conquanto entre os modernos, da assim chamada 'Instalação', não se tornou uma característica regular de Lojas (Craft) Operativas particulares, até a última parte do século 18, e é bastante esclarecido pelos antigos como um passo essencial para o que eles consideravam ser o verdadeiro 'coração e medula da franco-maçonaria'.” Então nos parece claro, pelo até aqui analisado, que a “Instalação” não é uma prática inerente e nata da Maçonaria Operativa, tendo surgido e se consolidado ao longo do primeiro século da Maçonaria Moderna. 17 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 Assim como o Grau de Mestre, a lenda Hirâmica e outras tantas práticas, foi (a Instalação) introduzida gradualmente nos seios das Lojas Inglesas, tal qual o foi, posteriormente, introduzida nos demais Ritos praticados no Brasil. Entretanto, o que queremos demonstrar, efetivamente, é que a condição de Ex-Venerável ou Mestre Instalado, com ou sem cerimônia de instalação e posse, sempre existiu, inclusive e principalmente nos primórdios da Maçonaria Moderna. Podemos comprovar através do mesmo trabalho de Nevile, onde diz: "...A contribuição mais importante nas nossas transações para esta parte da minha tese é o trabalho feito pelo Irm.'. Norman B. Spencer (premiado com o Prize Essay) sobre "A Cerimônia de Instalação" (AQC 72). No curso do seu argumento e nos comentários que se seguiram, diversos fatores significantes são esclarecidos. O primeiro é que na ocasião da Constituição de 1723, e portanto presumivelmente em um período anterior àquela data, existiu no mínimo na ocasião de formação de uma nova Loja, alguma cerimônia especial, com um Sinal ou Sinais, Palavra e Toque, que era somente para ser comunicado para um Maçom, que era para assumir a posição de 'Mestre encarregado de uma Loja de Companheiros'". Ainda a Constituição de Anderson em pelos menos dois artigos reconhece a figura do ex-Mestre de Loja: no Artigo IV e no artigo 02 dos Regulamentos Gerais, quando trata, no primeiro, dos requisitos para assumir o cargo de Grande Vigilante (“... nem Grande Vigilante antes de ter sido Mestre de Loja...”) e no segundo, quando estabelece a substituição do Mestre de Loja impedido para o cargo (“... não se algum Irmão que tenha sido Mestre desta Loja anteriormente estiver presente; pois neste caso a autoridade do Mestre ausente reverte para o último (grifo nosso) Mestre presente...”). Tendo sido o título de Mestre, posteriormente, transformado em Grau – pois até então, em Loja de Companheiros, só era Mestre o eleito para o cargo – a condição de Mestre Instalado vem resgatar a necessária diferenciação daqueles Maçons que foram em seu momento eleitos para dirigir uma Loja, tendo, portanto experiência e autoridade suficientes para assim serem distingüidos. Entende-se que ante a deterioração das relações humanas e o declínio moral da sociedade, a própria Maçonaria sofre o reflexo e tem preparado mal seus integrantes, o que faz com que se duvide, em alguns casos, da autoridade de um determinado elemento, unicamente pela condição que ostenta, o que não ocorria nos tempos imemoriais, mas daí a dizer que a condição de Instalado ou ex-Venerável foi inventada, já é outra história. 18 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 As Armadilhas da Perfeição Irmão Jurandy Cordeiro de Souza Júnior A perfeição impõe ao homem o controle total sobre a vida, não abrindo espaço à experiência, à pesquisa e à livre criação. Ao negar-lhe qualquer possibilidade de erro, este homem está se impedindo de aceitar a si mesmo e de buscar o seu conhecimento interior. O conceito de perfeição, que a cultura ocidental considera como sinônimo de valor máximo em todas as ordens, foi exaltado por certa expressão histórica do cristianismo como o mais sagrado dos imperativos para o gênero humano: ser perfeito como Deus é perfeito. Os que vivem tomados por esta dinâmica acusam uma sensação constante de inadequação, sentindo-se malfeitas e incapazes de aceitar os próprios erros. Vivem na presença de um juiz implacável. Descobrem-se desprovidos de espontaneidade, necessitando funcionar com a precisão de um relógio suíço, vivendo em função de normas, programas e certezas, como se tudo fosse um laboratório. A perfeição exige seres frios emocionalmente, que se nutrem de desestima, de sentimentos de culpa e de remorso todas as vezes que cometem um erro ou insucesso. Seus atos tem a necessidade de ser aprovados pelo juiz interior e pelos outros. O ideal de perfeição exerce um controle sobre a nossa realidade, não havendo espaço para a espontaneidade, impedindo a pesquisa, sondagens ou experiências e aventuras. Aceitar as próprias limitações é aceitar a si mesmo, daquilo que se é realmente, sem alienar-se de nada nem do passado nem do presente. Quem é dominado pela idéia de ser perfeito funciona com uma espécie de "repelente", mas ao repelir-se quando erra, está errando porque se rejeita. A perfeição predispõe a pessoa a tratar com antipatia tudo o que é imperfeito, sendo muita baixa a sua tolerância com o que se afasta do perfeito. Para ser feliz, o homem deve aceitar-se tal como é. Nenhum outro animal, exceto o homem, dá-se ao desprezo devido às próprias imperfeições. O conceito que temos de perfeição nos faz elaborar conceitos, emoções e comportamento de tal modo que poderemos ser vítima de uma psicologia da perfeição, exigindo que o nosso sistema mental trabalhe de forma indefectível e infalível, admitindo que o erro e o insucesso são inimigos da vida. 19 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 Mas é sabido que o erro é a matéria-prima da vida, podendo surgir numerosos recursos, e oferece a oportunidade de limar as asperezas de nossa conduta em relação a nós mesmos e aos outros. O verdadeiro sucesso está em tirar proveito de nossas fraquezas, fazer um uso construtivo de nossos erros. A perfeição caracteriza-se pelo excesso, na ansiedade de ir cada vez mais para cima, sobressair-se, de estar por cima. Se mudarmos o modo de pensar poderemos alterar a nossa relação com este fardo de imperfeições que carregamos. Conhecer nosso limite poderá consequentemente orientar o sistema mental de tal modo que as reações emocionais e comportamentais em relação a nós mesmos, aos outros e à vida em geral, se torne um exercício constante de adaptação à realidade, proporcionando mudanças com qualidade. Não temos como não cometer erros, não ter defeitos, podemos porém aprender a servir-nos deles. O sistema mental coloca-se na condição de aceitar os próprios defeitos. A perspectiva produz representações internas aptas à aceitação de si. A perspectiva do limite reorienta a pessoa para aquilo que ela realmente é. Nessa reorientação não sofremos uma limitação, ao contrário, aceitamos nossa própria realidade limite. Nesse caso, aceitamos algo essencial: o próprio eu. *** Baseado no primeiro capítulo do livro: Respeita o teus Limites - Fundamentos Filosóficos da Terapia da Imperfeição, de Ricardo Peter (São Paulo, Paulus, 1999). *** 20 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 Fundação Hermon O Canteiro e Irmão Luiz Lunardelli. Em Santa Catarina, a Fundação Hermon, entidade sem fins lucrativos, mantida por um grupo de mais de 150 Lojas Maçônicas de diversas cidades, vem fazendo um trabalho digno de destaque. Abaixo, as finalidades da Fundação, definidas em seu estatuto, que foi aprovado em 21 de abril de 2001: Art. 3º 21 de 24 A HERMON tem por finalidade: I criar, instalar e manter estabelecimentos de ensino de educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e de educação profissional de nível técnico, além de ensino superior; II criar instalar e manter centros de pesquisas e extensão, nas áreas da educação, saúde, assistência social, turismo e ecologia, informática e prestação de serviços; III criar, instalar e manter centros especializados de formação profissionalizante, voltados ao ensino, à ocupação e à integração de crianças e adolescentes socialmente carentes; IV proporcionar integral desenvolvimento a seu corpo discente, habilitando-o ao pleno ajustamento ao meio social, com ênfase aos valores morais, ao civismo, à família, à justiça, à liberdade, à igualdade e à fraternidade, sem distinção de raça, cor, credo ou condição econômica e social; V instalar e explorar orgãos de comunicação social, dentre os quais jornais, revistas, emissoras de radiodifusão de sons e imagens (rádio e televisão), exclusivamente com fins educativos e culturais; VI instalar e manter centros de desenvolvimento esportivo, social e cultural que ensejem plena integração aos corpos discente e docente, funcionários, familiares e comunidade em geral; VII estimular a criação de cooperativas de crédito e de consumo entre seus funcionários e membros das Lojas Instituidoras; VIII instalar, explorar e manter alojamentos, pousadas ou hotéis e seus respectivos restaurantes ou cozinhas industriais, visando ao atendimento e à hospedagem de atletas, discentes, docentes e membros da coletividade; O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 Art. 4º IX instalar e manter empresas provedoras de Internet, criação, desenvolvimento ou manutenção de “software” com finalidades educativas e como maneira de ampliar e aprimorar o ensino; X instalar e manter creches, ambulatórios médicos e odontológicos, enfermarias e hospitais, para atendimento de seus projetos e programas assistenciais; XI promover estágios e excursões de caráter científico e cultural; XII patrocinar o intercâmbio com outros centros culturais e científicos; §1º Toda e qualquer modalidade de ensino, saúde e assistência social a ser mantida pela HERMON dependerá de autorização dos órgãos competentes. §2º A HERMON, para a consecução de suas finalidades, poderá: I firmar convênios ou contratos de qualquer natureza, inclusive de comodato ou de cessão de uso, com órgãos e entidades públicas ou privadas, tanto para as áreas de interesse pedagógicoeducacional, saúde e assistência social como para as de gestão financeira e administrativa; II estabelecer relações com outras congêneres e organizações econômicas, bem como promover trabalhos e pesquisas de caráter cultural e científico; A HERMON organizar-se-á em tantas unidades ou departamentos quantos sejam necessários para o atendimento de suas finalidades estatutárias, em qualquer ponto do território nacional, todos regidos por Regulamentos Internos específicos. O nosso Irmão Luiz Lunardelli, Presidente da Fundação, ao trocar mensagens com a redação de O Canteiro, informou que a primeira unidade, o Centro de Educação Infantil Hermon, será inaugurada no próximo dia 2 de dezembro, em Palhoça, município da região metropolitana de Florianópolis. Além disso, o Irmão Lunardelli informou que há contrato recente, assinado com um grande banco, para um projeto de alfabetização de adultos em 50 municípios do estado. Conheça mais sobre a Fundação Hermon no endereço: www.fundacaohermon.cjb.net 22 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 Outro Esbarrão - Editoras HUCITEC e UNESP O Canteiro As duas editoras, Hucitec e UNESP, de São Paulo, ofereceram uma coleção muito interessante, chamada Paidéia, organizada pelo professor Paulo de Salles Oliveira, da Universidade de São Paulo. No trabalho de abertura do primeiro volume, "Caminhos da Construção da Pesquisa em Ciências Humanas", encontramos algo que gostaríamos de dividir, como maneira de recomendar a leitura do trabalho completo. Escreveu o professor Paulo, dando seqüência a um desenvolvimento sobre a importância do método na condução das pesquisas, logo depois de citar a professora Marilena Chauí: [...] A mesma autora nos lembra, retomando os gregos antigos, que pensar é promover um passeio da alma.1 Como aqui se trata de estudar diferentes propostas teórico-metodológicas, fundamentando-se na leitura, intelecção, discussão e elaboração de associações possíveis, dialogando com autores consagrados, ler é o passo inicial. "Ler" - prossegue ela, em outra formulação - "é aprender a pensar na esteira deixada pelo pensamento do outro. Ler é retomar a reflexão de outrem como matéria-prima para o trabalho de nossa própria reflexão." 2. Supõe ultrapassar muitas práticas enviesadas, tais como: ler de modo exterior, sem se importar em distinguir as peculiaridades do texto em si; ler pinçando o que interessa, segundo a conveniência do (muito descuidado) leitor; ler de maneira fragmentária, sem recompor o encadeamento das idéias pelas quais um autor constrói seu pensar; ler um texto usando lentes e referenciais estranhos ao autor que o concebeu. Longe disso, ler implica identificar os significados que o autor confere às questões estudadas. A boa colheita na leitura, explica Alfredo Bosi, está em distinguir e escolher adequadamente os sentidos originalmente propostos. "A palavra que eu leio (lego: colho) na sua ingrata renitência sobre a página do livro desafia-me como a pergunta da Esfinge: a resposta pode variar ao infinito, mas o enigma é sempre o mesmo: o que eu quero dizer? Ler é colher tudo quanto vem escrito. Mas, interpretar é eleger (ex-legere: escolher), na messe de possibilidades semânticas, apenas aquelas que se movem no encalço da questão crucial: o que o texto quer dizer? [...]" 3 Afinal, o que é Paidéia, o nome dado à coleção? Na nota editoral, no mesmo primeiro volume, a professora Yara Maria de Carvalho explica: 23 de 24 O Canteiro, Ano I - no. 1 - novembro de 2001 O conceito de Paidéia que define e caracteriza a coleção é de origem grega. Para os antigos gregos todas as formas de expressão humana - filosofia, poesia, ginástica, música, retórica, pintura, escultura, artes e ciências - aspiravam, no plano dos princípios, formar e cultivar o Homem. Formação integral é o sentido de Paidéia. Encerramos a recomendação por aqui... Notas: 1. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo : Ática, 1994, p. 151. 2. CHAUÍ, Marilena. Os Trabalhos da Memória. In. BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade, "Lembranças de Velhos", 3ª edição, São Paulo : Companhia das Letras, 1994, p. 21. 3. BOSI, Alfredo. "A Interpretação da Obra Literária". In Céu, Inferno. Ensaios sobre crítica literária e ideologia. São Paulo : Ática, 1988, pp. 274-5. *** Boa Leitura O Canteiro Em cada número, estaremos indicando duas obras maçônicas e de interesse geral, no sentido de manter a coerência da proposta de Cultura, Maçonaria e Ação Social. A Revolução dos Bichos George Orwell Globo - 2000 (Animal Farm, de 1962) Antimaçonaria e os Movimentos Fundamentalistas do Fim do Século XX Irmão Descartes de Souza Teixeira GLESP - 1999 24 de 24