Marcelle Alfinito e Paula Campos - PUC-Rio

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Departamento de Psicologia
PARENTALIDADE CONTEMPORÂNEA E A DEMANDA DE PSICOTERAPIA DE
FAMÍLIA
Alunas: Marcelle Alfinito e Paula Campos – PIBIC/CNPq
Orientadora: Terezinha Féres-Carneiro
Introdução
O paradigma familiar foi amplamente remodelado na Constituição de 1988, calcandose em premissas como: comunhão de vida consolidada na afetividade e não no poder marital
ou paternal; igualdade de direitos e de deveres entre os cônjuges; liberdade de constituição, de
desenvolvimento e de extinção de entidades familiares; igualdade dos filhos de origem
biológica e socioafetiva; garantia de dignidade das pessoas que integram a família, incluindo
crianças, adolescentes e idosos [1].
Face às múltiplas configurações familiares apresentadas no panorama social
contemporâneo, torna-se cada vez mais importante desenvolver pesquisas que aprofundem a
compreensão sobre as questões relacionadas ao exercício da parentalidade nestes diversos
arranjos familiares. Na clínica social com famílias, observa-se a precariedade no exercício da
parentalidade nas famílias que buscam psicoterapia, sobretudo, o frágil exercício da
paternidade e a pouca presença dos pais [2]. A parentalidade é produto do parentesco
biológico e do tornar-se pai e mãe. Esta concepção de parentalidade oferece uma
compreensão para as configurações familiares contemporâneas, que apresentam um novo
desafio para os profissionais que atuam, sobretudo, nos campos da Psicologia, do Direito e da
Educação.
Segundo Roudinesco [3], a família contemporânea se assemelha a uma rede fraterna,
não hierarquizada, na qual o exercício da autoridade vai-se tornar cada vez mais problemático
à medida que aumentam as separações e as recomposições familiares. O início de uma
psicoterapia é um momento delicado que exige um sensível manejo por parte do
psicoterapeuta. A construção de uma demanda familiar torna-se fundamental para o
estabelecimento do tratamento, tendo em vista que cada membro vem à primeira entrevista
com objetivos e motivações próprias. Demanda, na psicologia clínica, é uma noção
pragmática utilizada pelos psicoterapeutas ao se referirem ao fator motivacional da procura
pelo tratamento.
Para que o processo psicoterapêutico seja iniciado, é preciso estar claro para a família
a importância de sua realização. Muitas vezes, os membros da família não sabem definir suas
expectativas em relação ao tratamento, e o discurso coletivo apresenta-se confuso. Cabe ao
psicoterapeuta a função de auxiliar a família a perceber sua demanda no transcorrer das
entrevistas, durante as quais se realiza uma reflexão sobre os objetivos da consulta,
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procurando aproximar as demandas individuais de cada membro, a fim de que se crie uma
demanda familiar conjunta [4].
Na primeira entrevista é preciso estabelecer um contato empático entre o
psicoterapeuta e os integrantes da família, basicamente porque o primeiro encontro, tanto com
a família como com um paciente individual, desperta angústia e ansiedade, talvez pela
dificuldade de expor conflitos a um estranho. De acordo com Mannoni [5], esta ansiedade e
angústia emergem não apenas pelo fato de o psicoterapeuta ser a pessoa a quem a família
recorre, após tentativas fracassadas e ilusões perdidas, mas também por ser aquele que
"denunciará" seus aspectos disfuncionais.
Stierlin, Rücker-Embden, Wetzel e Wirsching [6] afirmam que o trabalho empático do
psicoterapeuta depende, principalmente, de sua capacidade de alcançar uma visão do
conjunto, do sistema e de saber mantê-la ao longo do tratamento. É preciso haver não só uma
visão, mas também uma escuta do conjunto, do sistema. Os autores ressaltam que, na terapia
de família, os aspectos individuais não devem ser desvalorizados, eles devem ser respeitados
como tais, porém, encontram-se contidos no sistema familiar.
A família não consegue perceber os processos circulares patológicos, na medida em
que se trata de mecanismos inconscientes, ou parcialmente inconscientes, cabendo ao
psicoterapeuta de família acentuá-los e trabalhá-los. Talvez esta seja uma das tarefas mais
difíceis do psicoterapeuta, pois, muitas vezes, a família vem ao consultório com a estrutura
muito fragilizada e fragmentada, dificultando criar uma demanda familiar conjunta.
Uma das especificidades das entrevistas preliminares com famílias é a necessidade de
atenção às suas regras, mitos e segredos, reconhecendo a força homeostática, cuja função é
estabilizar a dinâmica familiar. É importante a presença de todos os membros da família, até
mesmo das crianças, para que se possa observar a função de cada um. No final do processo de
avaliação, o clínico deve elaborar uma hipótese sobre a função do sintoma na configuração da
trama familiar, para que um trabalho psicoterapêutico seja delineado. Todavia, esta hipótese
deverá ser sempre questionada e revisada. Deve-se estabelecer um acordo com a família,
envolvendo as expectativas, as metas e a dinâmica das sessões. O objetivo do contrato é
conscientizar a família de que há um problema familiar comum, que afeta todos os seus
integrantes, e de como o processo psicoterapêutico poderá ajudá-los [7] [8].
A dinâmica do grupo familiar, assim como a entrevista inicial com a família e o
diagnóstico, é concebida, neste projeto, a partir das abordagens psicanalíticas e sistêmicas,
dado que consideramos que a articulação entre tais perspectivas é mais pertinente para a
eficácia de um tratamento familiar. Vários autores postulam que os enfoques sistêmicos e
psicanalíticos se complementam na clínica de família e casal [8] [9] [10] [11] [12]. Propomos,
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assim, na clínica de família, uma tríplice chave de leitura que considere o intrapsíquico, o
interacional e o social [13].
A demanda familiar compartilhada envolve as fantasias compartilhadas no espaço
psíquico familiar, conceituado por Kaës [14]. Ao colocar em movimento a queixa sintomática
inicial, abre-se um espaço no discurso para que os conteúdos da interfantasmatização possam
advir. Eiguer [4] ressalta que o tipo de posicionamento familiar, diante do sofrimento
conjunto, dará uma tonalidade específica ao trabalho realizado nas entrevistas preliminares. O
manejo do psicoterapeuta, ao trabalhar a demanda compartilhada, dependerá da singularidade
de cada grupo. As famílias em que os membros reconhecem e se responsabilizam pelo
sofrimento conjunto se diferenciam das que recorrem à negação e à cisão para enfrentar o
mesmo. O sentimento de responsabilidade na família é, portanto, um indicador de qualidade
da saúde psíquica familiar.
Muitas famílias, por sentirem-se frágeis emocionalmente, desenvolvem defesas tão
intensas que resistem ao trabalho de enunciação das fantasias, até mesmo de se
responsabilizarem pelo sofrimento do grupo. Lemaire [10] formula que a mobilização de
defesas muito rígidas para a sobrevivência do grupo acontece devido ao receio conjunto de
que haja um colapso. Assim, a criação, ou não, da demanda familiar compartilhada, no
período de entrevistas, é significativa para a formulação do diagnóstico e do prognóstico
familiar, pois corresponderia à disponibilidade interna do grupo para elaborar e transformar
seus conflitos.
O questionamento sobre a capacidade de uma família para construir a
demanda compartilhada precisa ser constante no período de avaliação, pois este é um fator
determinante para o manejo do caso.
Eiguer [15] compara as intervenções do psicoterapeuta, nesta etapa inicial, às
intervenções de um diplomata. Este último lida com conflitos irredutíveis entre nações,
buscando promover acordos que não deixam nenhuma das partes totalmente satisfeitas. Mas,
apesar da insatisfação, no final da negociação existe uma sensação de conformidade, posto
que nenhuma alcançou o “pedido inicial” individual.
Em um primeiro momento, pode-se pensar ser ilusório obter um acordo comum do
grupo como objetivo de tratamento. Porém, a elucidação da demanda familiar compartilhada
está longe de definir-se como a construção de um acordo comum. Refere-se à enunciação de
questões profundas, e que retroalimentam a dinâmica familiar. Uma parcial insatisfação com
o tratamento existirá, porque como na negociação diplomática, não será atendido o pedido de
somente aliviar a angústia, sem elaborar o que adoece.
As intervenções iniciais do
psicoterapeuta visam à realização de uma transformação da posição de vítima da família, para
uma posição de implicação.
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Por meio deste espaço, o grupo começa a compreender que a ação de cada membro
produz um efeito no conjunto, entrando na lógica da circularidade para gerar o sentimento de
responsabilidade compartilhada. Para entrar em psicoterapia é preciso que o sujeito se perceba
implicado no problema e na queixa e que, ao questionar seu sofrimento e sintoma, reconheçase envolvido no tratamento. Ou seja, o compromisso do paciente com a psicoterapia ocorre
quando ele se implica naquilo de que se queixa, sentindo-se participante da situação
desencadeadora de seu conflito interno [16] [2].
Cabe ao psicoterapeuta ajudar o paciente a transformar o pedido de ajuda em demanda
de tratamento. Para Rocha [17], o reconhecimento do sofrimento leva o sujeito a buscar ajuda
e desejar mudança. No entanto, este desejo é ambivalente e a psicoterapia pode ser vivenciada
como uma ameaça. O sentimento de ameaça acontece porque a mudança psíquica pode ser
ameaçadora, posto que o sintoma é a "solução" que o psiquismo encontrou para sobreviver ao
conflito psíquico. Trata-se, portanto, neste período de avaliação, de elucidar a "queixa" e
possibilitar que se construa a demanda. A partir da reflexão sobre a prática clínica, tanto
individualmente quanto com famílias, podemos concluir que é preciso haver esta passagem da
queixa à demanda, para que tanto o paciente individual quanto a família se comprometam
com o tratamento.
Não é tarefa fácil construir a demanda conjunta, até porque, na maioria das vezes, a
família vem com a queixa direcionada a um membro do grupo, depositando nele a patologia
da trama, pois não consegue discernir que o sintoma apresentado por um membro denuncia os
conflitos familiares. Mannoni [5] afirma que o psicoterapeuta irá ajudar a família a articular
sua demanda, constituindo-a em palavras, a partir da história familiar de origem, e decifrará a
mensagem do sintoma. Para que o tratamento aconteça, é preciso que o psicoterapeuta
acredite na possibilidade de se firmar um contrato entre ele e a família que o procura, e que
aposte na capacidade reflexiva desta, oferecendo condições necessárias para que seja capaz de
formular sua demanda conjunta [18]
Consideramos o eixo central do início de um tratamento a investigação sobre os
conteúdos interpsíquicos latentes que estão subjacentes aos conteúdos manifestos. Dentro
desta perspectiva, Ocampo, Arzeno e Piccolo [19] enfatizam que o trabalho de compreensão
sobre o motivo da consulta é um pilar para uma avaliação diagnóstica eficiente. Discriminam
o motivo da consulta em dois níveis diferentes. O primeiro é o motivo manifesto,
correspondente à motivação familiar em nível consciente, muitas vezes centrada no sintoma
ou no sujeito-sintoma. Comparamos o termo desenvolvido pelas autoras à queixa inicial,
aquilo que é primeiramente mencionado no discurso familiar, por estar mais próximo à
consciência e ser menos ansiógeno.
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O segundo conceito desenvolvido pelas autoras é o motivo latente, cujo significado
permanece inconsciente em princípio, devido à intensa ansiedade que provoca. Por isso,
necessita ser esclarecido, para que as fantasias e as defesas possam ser trabalhadas em seus
sentidos mais profundos. Fazemos aqui um paralelo entre o motivo latente com o termo
demanda, por ser um termo mais comumente utilizado pelos clínicos ao se referirem ao desejo
para a busca de ajuda.
Objetivo
Este trabalho teve como objetivo geral investigar como se constitui a demanda por
psicoterapia de família nas configurações familiares da atualidade e sua relação com o
exercício da parentalidade. Buscamos uma articulação dos resultados obtidos na pesquisa a
partir de uma ótica multidisciplinar, fundamentada na literatura revisada dos campos da
sociologia, da antropologia, da psicologia social, da psicologia do desenvolvimento e da
terapia de família em suas vertentes sistêmica e psicanalítica.
Metodologia
Para atingirmos os objetivos propostos, desenvolvemos este projeto utilizando uma
metodologia clínico-qualitativa [4], centrada no período de avaliação das famílias atendidas
pelas equipes de Psicoterapia de Família e Casal no SPA da PUC-Rio.
Participaram do estudo 16 famílias pertencentes aos segmentos médios, médio-baixos e
baixos de múltiplas configurações da população carioca. Para a obtenção dos dados clínicos,
foram utilizados os relatórios das entrevistas preliminares, em número aproximado de seis
entrevistas com cada família.
Resultados parciais
Selecionamos, para apresentação neste Relatório, dois dos 16 casos de famílias
estudadas nesta investigação.
Família Lopes
Configuração familiar: Os pais, mãe de 43 anos e pai de 46 anos, são recasados e
possuem filhos de relações anteriores; possuem apenas uma filha de 6 anos fruto do
casamento entre eles.
A mãe pede ajuda psicoterapêutica, pois queixa-se de que nem ela nem o marido
sabem se relacionar com a filha. Localizam a dificuldade na grande diferença geracional entre
eles e a filha, desencadeando muitas brigas em diversas situações da rotina familiar.
Posteriormente, fica claro o quanto é difícil para os pais se verem como adultos e ocuparem
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de fato um lugar diferente na cadeia geracional; talvez isso dê sentido à intolerância dos
mesmos face à diferença entre as gerações, assim como entre o eu e o não-eu no nível latente.
Conforme ocorre o avanço das entrevistas preliminares, é possível para o casal
verbalizar conflitos conjugais, cujo alvo apontado pela mãe é a preferência do marido pela
“primeira” família. Mãe e filha apresentam uma relação fusionada, representada pelo fato de
dormirem juntas no mesmo quarto, enquanto o pai dorme em outro quarto. A mãe menciona
ter constantes vivências de rejeição ligadas à sua família de origem, pois lhe fora cobrado
cuidar de seus sete irmãos, de modo que a sua mãe nunca lhe dava atenção. É interessante
notar que em sua primeira gestação ela se afastou da filha, deixando-a para ser criada com a
avó materna e os tios “privilegiados”. Repete com a filha, assim, a rejeição que vivera na
relação com a sua própria mãe. A filha de seis anos, no desenrolar das entrevistas, vai se
apresentando irritada e hostil para falar sobre os assuntos abordados no setting. A mãe ressalta
que gostaria de tirá-la do lugar de centro das atenções.
Percebemos o quanto a mãe tem anseios primitivos que se repetem em sua relação
conjugal, como a vivência de rejeição e de descuido, vivida com sua própria mãe e seus
irmãos na família de origem. Estas ansiedades acabam sendo atualizadas na relação do marido
com sua primeira família. Ela demanda ser atendida por ele em seus anseios de lactante, como
receber atenção para sentir-se existindo e sendo cuidada. A filha caçula parece ficar no lugar
da criança que a mãe não pôde ser; assim, a relação das duas se configura,
predominantemente, como uma relação mãe-bebê, na qual há uma recusa à separação.
Consequentemente, o marido não pode ocupar seu lugar, tampouco há o reconhecimento de
sua participação no casal parental. A mãe pontua que deverá não fazer da sua filha caçula o
centro das atenções; consideramos que neste momento, inconscientemente, ela menciona que
deverá não fazer de seus aspectos infantis o centro de seu padrão relacional.
Família Resende
Configuração familiar: Família casada composta por mãe de 40 anos e pai de 60 anos,
atualmente desempregado, e filho de 7 anos.
O casal procurou tratamento, porque vivia uma crise conjugal, localizando o início da
mesma após o nascimento do filho. Eles sofriam por terem dificuldades em se comunicar, não
conseguindo escutar um ao outro e se ferindo nas várias tentativas que resultavam em
desqualificações mútuas. O casal parece tentar encontrar justificativas para suas dificuldades
relacionais, capazes de explicar o sofrimento e o desencontro que estavam vivendo. Alegam,
por exemplo, que o pai tem Síndrome de Asperger (diagnóstico não comprovado pelas
psicoterapeutas), contribuindo para o prejuízo da relação conjugal. Contudo, fica evidenciado
que não é possível terem uma parceria cuja vivência implica na diferenciação e no
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reconhecimento da autonomia do outro. Com a entrada do terceiro, o filho, a imposição desta
realidade foi violenta para o casal indiscriminado que vive pouca gratificação conjugal e
desloca o investimento libidinal para a função parental. Falam amorosamente do filho, e o pai,
em razão do desemprego, estava tendo o “privilégio” de acompanhar mais o crescimento do
filho.
Este fato desencadeava uma vivência emocional de ressentimento na mãe já que
estava trabalhando, ou seja, ficava como a terceira excluída do par. O ódio desta mãe pelo
“privilégio” do marido parece ter sua origem no ódio primitivo do bebê de ser excluído, pois
existe uma relação entre a mãe e o pai da qual ele necessariamente não irá participar. Esse
afeto primitivo parece impedir a mãe de reconhecer a existência de relações familiares que,
para existirem, irão propiciar exclusões: o subsistema conjugal, o subsistema fraterno, o
subsistema formado por um dos pais com seu filho. Podemos compreender, assim, porque a
chegada do filho foi perturbadora para o casal.
Pudemos constatar, nas famílias estudadas, o quanto a troca verbal se encontra
desgastada e se mostra ineficaz para a solução de problemas. Este modo comunicacional
indica falhas na constituição de um aparelho pensante, uma das funções primárias de
maternagem, via pela qual os aspectos não representados são inscritos no campo simbólico.
Essa troca verbal, que vem com uma roupagem agressiva encarnada especialmente nas brigas,
se mostra mais como uma atuação da família de seus aspectos ainda não representados. Ou
seja, percebemos que eles fazem muito “barulho”, ruídos, tais como os gritos de um bebê,
sedentos por uma busca de comunicação e sentido[20]. Vimos com muita clareza essa busca,
sobretudo, na família Resende, nas justificativas infundadas do casal para o prejuízo da
relação conjugal.
Nesse sentido, entendemos que as queixas referentes à presença de brigas e à
incompetência de se relacionar sinalizam o sofrimento diante da precariedade de chamarem o
outro para uma troca emocional e autêntica. A briga aparece, então, como um agir na relação
que comunica o desejo de convocar o outro a estar junto. Vale ressaltar que a palavra
“convocar” se origina do latim convocare, cujo significado é “chamar junto”, de com (junto)
mais vocare (chamar, voz). Levando isso em consideração, entendemos que as brigas acabam
sendo descritas pelas famílias como uma tentativa de convocar o outro a entrar em contato e,
quem sabe, poder modificar-se. Contudo, apesar de denunciarem o anseio primitivo de
chamar alguém para ter voz, realçam o aniquilamento da voz do outro.
Identificamos o quanto para os pais a identidade adulta não está integrada,
dificultando que ocupem um lugar diferente do lugar de filho na cadeia geracional. Os aspectos
infantis dos pais acabam repercutindo intensamente nos seus padrões relacionais não
contribuindo para que se impliquem na relação de maneira madura. Entendemos que se
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implicar na relação de maneira madura corresponde à vivência integrada de lidar com a
frustração, com a condição da interdependência nas relações e com as limitações de todo ser
humano.
Nas famílias estudadas parece predominar o mecanismo defensivo infantil de
rechaço às diferenças. Recusa-se a diferença geracional, a assimetria de lugares, e a
independência do sujeito, elementos inexoráveis em uma relação parento-filial estruturante.
Como resultado, encontramos o esvaziamento da função parental e da disponibilidade interna
dos pais de serem o aparelho pensante. É importante ressaltar a necessidade de serem
identificados nas entrevistas preliminares com famílias esses estados primitivos a fim de que
sejam, ao longo do tratamento, trabalhados.
Nesse sentido, ressaltamos a importância de a família resgatar modos de
comunicação primitivos, anteriores à linguagem verbal, por meio dos quais os membros
possam interagir de maneira mais sutil e delicada. Concebemos, assim, que as queixas
secundárias a propósito das falhas de comunicação entre os membros das famílias estudadas
apontam para uma demanda primária por um verdadeiro contato psíquico e por uma
capacidade de pensar em relação. Desse modo, consideramos que, quando o mal-entendido na
comunicação pode ser compreendido pela família, novos modos comunicacionais podem ser
resgatados e instaurados, engendrando, por sua vez, formas inéditas de estar em relação.
Considerações finais
Nas famílias estudadas, predominou o mecanismo defensivo infantil de rechaço às
diferenças. Recusa-se a diferença geracional e a independência do sujeito, elementos
fundamentais para uma relação parento-filial estruturante. Foi observado o esvaziamento da
função parental e da disponibilidade interna dos pais como aparelho pensante. É importante
ressaltar a necessidade de serem identificados, nas entrevistas preliminares com famílias,
esses estados primitivos a fim de que sejam, ao longo do tratamento, trabalhados.
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