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ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA
Comitê Memória e Devires em Linguagens de Dança – Junho/2015
O PROCESSO CRIATIVO DE “LANDA” E AS RELAÇÕES COM A
ANCESTRALIDADE FEMININA
Camila Matzenauer dos Santos (UFSM)i
RESUMO: Em “O processo criativo de ‘Landa’ e as relações com a ancestralidade
feminina”, a autora busca expor, de modo sensível, o processo de criação do solo de
dança contemporânea “Landa”, que integra a pesquisa de iniciação científica “Dança
e Teatro: o corpo em cena”, a qual faz parte do projeto de pesquisa e extensão
"Abordagens somáticas do movimento na criação em dança", orientado pela
professora Heloisa Gravina. Esta escrita, integrada à prática, tem como objetivo
descrever a metodologia desenvolvida pela pesquisadora e intérprete-criadora para
abordar o tema da sua ancestralidade feminina, de modo a explorar a potência e a
poética da memória ao longo dos laboratórios de criação do processo e,
consequentemente, em sua composição coreográfica, buscando articular técnicas e
métodos oriundos da Educação Somática ao referencial bibliográfico que inclui
autores de diferentes áreas, embasando e ampliando as possibilidades e caminhos
para o desenvolvimento da pesquisa.
PALAVRAS CHAVE: Ancestralidade. Memória. Feminino. Dança contemporânea.
LANDA'S CREATIVE PROCESS AND THE RELATIONS WITH
FEMININE ANCESTRY
ABSTRACT: In “Landa's Creative Process and the relations with feminine ancestry",
the author explains, in a sensitive way, the process of creating the contemporary solo
dance, that integrates research and extension project "Somatic approaches in
creating dance", oriented by Heloísa Gravina. This writing, integrated with practice,
aims to describe the methodology developed by the researcher and artist-creator to
address the issue of their ancestry feminine, in order to exploit the power and poetics
of memory through the process of creating lab and, consequently, in its
choreography, seeking to articulate techniques and methods derived from Somatic
Education to the bibliographic reference that includes authors from different areas
and can provide input and expanding the possibilities and avenues for the
development of research.
KEY WORDS: Ancestry. Memory. Feminine. Contemporary dance.
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O nascer para a pesquisa com Landa
O processo de criação do solo de dança contemporânea “Landa” iniciou-se
durante uma improvisação orientada pela professora Adriana Dalforno em uma aula
de Dramaturgia do Movimento, disciplina do curso de Artes Cênicas da UFSM, da
qual pude participar algumas vezes como ouvinte. Em meio ao processo de criação,
o corpo lembra a família, a infância, os cabelos brancos, os olhos azuis e a água. Foi
uma experimentação muito intensa, através da qual pude, pela primeira vez, entrar
em contato com minha ancestralidade feminina na dança.
Toda essa descoberta inicial foi descrita em um diário de registro, em forma
de texto, poemas e desenhos. A escrita integrada a prática desencadeou mais
lembranças minhas e fez-me ter o desejo de seguir a diante esta investigação, que
passou a integrar meu projeto de iniciação científica “Dança e Teatro: o corpo em
cena”, orientado por Heloísa Gravina, cujo objetivo é investigar as relações entre as
linguagens da dança e do teatro, de modo a explorar o potencial criativo da
intersecção entre as duas linguagens.
Justificativa
O solo “Landa”, trata-se de um trabalho sensível e delicado por permitir-me
rememorar as mulheres de minha família, dando visibilidade e protagonismo às
mulheres, a partir de um processo meu de autoconhecimento. Por reconhecer a
ancestralidade feminina como um campo fértil para a pesquisa e desenvolvimento
de um processo criativo em dança, compreendi que deveria seguir explorando essa
temática mais afundo, e que, portanto, dedicaria um tempo maior a esta
investigação, desenvolvendo uma metodologia que valorizasse minhas memórias e
as mulheres sobre quem danço, apropriando-me de técnicas de abordagem
somática como um suporte para meu processo de criação, de modo a potencializar e
valorizar a delicadeza deste trabalho.
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Abordagem metodológica
O processo de criação do solo de dança contemporânea “Landa” foi um
mergulho em memórias pessoais minhas: para desenvolvê-lo e aprofundar-me na
investigação sobre minha ancestralidade feminina, passei a realizar laboratórios de
criação semanalmente, trabalhando na maioria do tempo sozinha, sem direções
externas, explorando simultaneamente a sinestesia: os cheiros das minhas
lembranças, as cores, estampas, texturas, os sons; fazendo também o uso de
canções que estas mulheres gosta(va)m e cantarola(va)m. Métodos oriundos da
Educação Somática, como o sistema Laban-Bartenieff e a técnica Klauss Vianna,
deram embasamento ao trabalho, servindo de estímulo para criar a partir desta
temática, articulando-se com o referencial bibliográfico da pesquisa. Ao longo deste
processo, minhas experiências foram registradas em um diário, o qual tem
funcionado como instrumento de reflexão através das diferentes temporalidades da
pesquisa.
Objetivo geral
Explorar a potência de minha ancestralidade feminina no desenvolvimento de
um processo criativo em dança a partir de um mergulho em memórias pessoais.
Objetivos específicos
•
Valorizar a temática do feminino na Dança
•
Desenvolver uma metodologia própria de criação a partir de técnicas de
abordagem somática
•
Explorar o potencial da ancestralidade feminina na criação em Dança
Dançando cinco gerações de mulheres
Se você sente interesse por essas contradições divinas, sente interesse pelo
arquétipo misterioso e irresistível da mulher sábia, do qual a avó é uma
representação simbólica. O arquétipo da mulher sábia pertence a mulheres
de todas as idades e se manifesta sob formas e aspectos singulares na vida
de cada mulher. Falar da imagem profunda da grande avó como um dos
principais aspectos do arquétipo da mulher sábia não é falar de alguma idade
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cronológica ou de algum estágio na vida das mulheres. A grande
perspicácia, a grande capacidade de premonição, a grande paz,
expansividade, sensualidade, a grande criatividade, argúcia e coragem para
o aprendizado, ou seja, ser sábia não chega de repente perfeitamente
formada e se amolda como uma capa sobre os ombros de uma mulher de
determinada idade. (ESTÉS, 2007, p.10)
Rememorar o modo como as mulheres de minha família se movem, e por
conseguinte, movem-me. Pensar o corpo da mulher velha, da jovem, da mãe e da
menina. Bisavós, avós, mãe, sobrinha e outras tantas mulheres que abrigo em mim.
Questionar-me: quais as características físicas e emocionais dessas mulheres?
Quais eu também possuo? Que aprendizados eu tive com elas? Que ensinamento
eu passei a diante?
Interessei-me muito pela questão da ancestralidade feminina, sobretudo pela
beleza e força com que esse tema surgiu em mim. Fui em busca de leituras que me
inspirassem no trabalho, e minha orientadora Heloísa Gravina indicou os livros
“Ciranda das mulheres sábias”, e ‘Mulheres que Correm com Lobos”, ambos de
Clarissa Pinkola Estés. Leituras sensíveis que trazem questões muito parecidas com
as que motivam meu processo de criação. “Ser jovem enquanto velha e velha
enquanto jovem”, me levando a a pensar em quantas mulheres habitam em mim,
pensar que eu também as habito. Eu danço cinco gerações de mulheres da minha
família, danço também aquelas que eu não conheci. O corpo é memória... A
memória se faz na carne.
Escolhi como trilha para o solo a música “Areia e Pampa”, composta por meu
irmão, Davi Matzenauer dos Santos, que por se tratar de uma música escrita por
alguém da minha família foi um grande estímulo ao longo do meu processo criativo.
Além disso, a composição inspira-se em memórias pessoais muito antigas do meu
irmão e tem relação com a região sul do Rio Grande do Sul, onde muitas das
mulheres da minha família viveram.
Ao longo de um semestre de laboratórios de criação, o solo foi exibido
publicamente em diferentes situações e momentos do processo criativo: nas
primeiras vezes, de forma mais experimental e, nas últimas, já com um formato mais
definido e estruturado. Tive a oportunidade de mostrá-lo em sala de aula, em palco
de teatro e ao livre, em praças. Cada uma das apresentações teve suas
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peculiaridades e intensidades, sobretudo por valorizar o momento presente e o que
ele trazia para meu corpo, para minha dança, que compreendo de modo fluido.
Considerações acerca do percurso
Em face do que foi exposto ao longo desta escrita e de minha experiência
enquanto artista-pesquisadora, acredito que a pesquisa iniciada possui grande
potencial de exploração e, portanto, sigo dando continuidade a ela: desde o início do
processo de criação do solo até o presente momento tenho me aprofundado ainda
mais na questão da ancestralidade feminina, amparando-me em leituras que
abordem o tema, pois entendo que com maior embasamento, somado a metodologia
que venho desenvolvendo, a pesquisa tomará outra qualidade teórico-prática para
responder a questão: como memória e ancestralidade emergem da experiência
corporal e podem se configurar como processo criativo em dança que vai, afinal,
gerar formas estéticas?”
Este trabalho é, sobretudo, um processo de autoconhecimento, um mergulho
nas memórias pessoais. Reconhecer-me, aprofundar-me em minhas raízes. Um
trabalho de valorização do feminino na dança que dá visibilidade e protagonismo às
mulheres, que transborda a força e a beleza que é saber quem é, o que e quem
abriga em si.
Referências
ESTÉS, Clarissa Pinkola. A Ciranda das Mulheres Sábias: ser jovem enquanto
velha e velha enquanto jovem. Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com lobos. Rio de Janeiro. Rocco,
1993
FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal Dança Teatro: Repetição e
transformação. São Paulo: Hucitec, 2000
GREINER, Christine. O que pode (ser) um processo? CARTOGRAFIA: rumos Itaú
cultural DANÇA 2009-2010. São Paulo, 2010.
VIANNA, Klauss. A Dança. Summues, 2005
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SANTOS, Inaicyra Falcão dos. Corpo e Ancestralidade – uma proposta pluricultural
de dança-arte-educação. Editora: TERCEIRA MARGEM Ano: 2006
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Camila Matzenauer dos Santos é acadêmica do sexto semestre do curso de Dança
Bacharelado da Universidade Federal de Santa Maria – RS e integra o projeto de Pesquisa e
Extensão "Abordagens somáticas do movimento na criação em dança", no qual desenvolve o projeto
de iniciação científica “Dança e Teatro: O Corpo em Cena”. Atua como professora de ballet desde
2012 e é intérprete-criadora e diretora da Atemporânea Cia de Dança. [email protected]
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