A guerra na Líbia é parte de uma nova corrida imperialista que se

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Há agora uma nova corrida imperialista nos países da África
José Luís Fiori
Por Eleonora de Lucena
A guerra na Líbia é parte de uma nova corrida imperialista que se aprofundará, diz José
Luis Fiori, coordenador da pós-graduação em economia política internacional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
.
“Não é improvável que as potências, envolvidas na disputa pelos recursos estratégicos,
voltem a pensar na conquista e dominação colonial de alguns dos atuais países
africanos”, diz ele.
Nesta entrevista, Fiori fala também sobre o poder dos EUA, que ele enxerga vivendo uma
crise de crescimento.
Folha – Como o sr. analisa a guerra na Líbia?
José Luís Fiori – É evidente que não se trata de uma discussão sobre o direito à vida
dos líbios, os direitos humanos, a democracia. Nesta, como em todas as demais
intervenções de europeus e dos EUA, jamais se esclarece a questão central de quem tem
o direito de julgar e arbitrar a existência ou não de desrespeito aos direitos humanos em
algum país em particular.
As potências do “diretório militar” jamais intervêm contra um país ou governante aliado,
por mais autoritário e antidemocrático que ele seja. Do ponto de vista das relações entre
Estados, os direitos humanos são sempre esgrimidos e utilizados como instrumento de
legitimação das decisões geopolíticas das grandes potências.
A guerra é sobre o petróleo?
O que está em jogo na Líbia não é apenas petróleo. Nem tudo no mundo da luta de
poder entre as grandes e médias potências tem a ver com economia. Neste caso está em
jogo o controle de uma região fronteiriça da Europa, parte importante do Império
Romano e território privilegiado do alterego civilizatório da “cristandade”.
Foi onde começou o colonialismo europeu, no século 15 e, depois, no século 19. Estamos
assistindo a uma nova corrida imperialista na África, e não é impossível que se volte a
cogitar alguma forma renovada de colonialismo.
Como explicar essa corrida imperialista?
A África não é simples nem homogênea, com seus 53 Estados e quase 800 milhões de
habitantes. O atual sistema estatal africano foi criado pelas potências coloniais europeias
e só se manteve, até 1991, graças à Guerra Fria.
Após a Guerra Fria e o fracasso da intervenção norte-americana na Somália (em 1993),
os EUA redefiniram sua estratégia para o continente, propondo globalização e
democracia. Até o fim do século 20, a preocupação dos EUA com a África se restringiu à
disputa das regiões petrolíferas e ao controle das forças islâmicas e dos terroristas do
Chifre da África.
Mas deverá ocorrer uma mudança radical do comportamento norte-americano e europeu,
graças à invasão econômica da China, Rússia, Índia e Brasil. A África será de novo um
ponto central da nova corrida imperialista, que deverá se aprofundar na próxima década.
Não é improvável que as potências, envolvidas na disputa pelos recursos estratégicos,
voltem a pensar na possibilidade de conquista e dominação colonial de alguns dos atuais
países africanos que foram criados pelos próprios colonialistas europeus.
Os Estados Unidos estão ameaçados de perder poder no Oriente Médio?
Não vejo este risco. Pelo contrário. São os mesmos de sempre que estão redistribuindo
as cartas e manipulando as divisões internas dentro dos governos e dos envolvidos nas
rebeliões. Quando houver risco real, reprimirão como fizeram no Bahrein. Sempre que
possível através de terceiros.
Para o sr. não há perda da hegemonia americana?
Os Estados Unidos estão enfrentando os problemas, contradições e incertezas produzidas
pela sua mudança de status -de potência hegemônica do mundo capitalista (até a década
de 1980), para potência imperial. Poderia até se chamar de uma crise de crescimento e
não uma crise terminal.
Os EUA devem mudar sua forma de administrar o seu poder global. O jogo será este: de
um lado, os EUA atuando como cabeça de império, distanciando-se e só intervindo em
última instância; de outro, as demais potências regionais tentando escapar do cerco
americano.
Não há limites para esse poder americano?
É óbvio que esse novo poder imperial não é absoluto nem será eterno. Esse novo tipo de
império não exclui a possibilidade de derrotas ou fracassos militares localizados dos EUA.
Pelo contrário: é a própria expansão vitoriosa dos EUA -e não o seu declínio- que vai
promovendo os conflitos e as guerras. Do ponto de vista estritamente militar, o essencial
para os EUA é impedir alguma potência regional de ameaçar sua supremacia naval em
qualquer lugar do mundo.
A China não é uma ameaça?
A nova engenharia econômica mundial transformou a China numa economia com poder
de gravitação quase igual ao dos EUA. Isso intensifica a competição capitalista na África
e na América do Sul. Mas é certo que a simples ultrapassagem econômica dos EUA não
transformará automaticamente a China em líder do sistema mundial.
Quais as consequências políticas do dinamismo chinês?
O mais provável é que a China se restrinja à luta pela hegemonia regional, mantendo-se
fiel à sua estratégia de não provocar nem aceitar confrontos fora dessa sua zona de
influência. Mas, em algum momento futuro, terá que combinar a sua nova centralidade
com algum tipo de projeção do seu poder político e militar para fora da sua própria
região imediata. Há que se considerar que a China tem uma posição geopolítica
desfavorável, com um território amplo e cercado e uma fronteira marítima muito
extensa. E não conta ainda com um poder naval capaz de se impor ao controle
americano do Pacífico Sul.
A crise financeira recente não expôs fragilidades dos EUA?
O dólar flexível e a desregulação dos mercados financeiros transferiu para os EUA um
poder monetário e financeiro sem precedentes.
Isso simplesmente porque, segundo as novas regras que não foram consagradas por
nenhum tipo de acordo internacional, os EUA passaram a arbitrar simultaneamente o
valor da sua moeda, que é nacional e internacional a um só tempo.
Arbitram também o valor dos seus títulos da dívida, que absorvem a poupança de todo o
mundo e servem de âncora para o próprio sistema liderado pelo dólar. Os EUA podem
redefinir a cada momento o valor das suas próprias dívidas, sem que seus credores
possam reclamar sem sair perdendo.
As crises se repetirão, mas elas não são necessariamente um sinal de fragilidade e, às
vezes, podem ser até um sinal de poder e o início de um novo ciclo expansivo. As crises
não deverão alterar a hierarquia econômica internacional, enquanto o governo e os
capitais americanos puderem repassar os seus custos para as demais potências
econômicas do sistema.
Como o sr. observa a posição europeia nesse jogo de poder?
A União Europeia está cada vez mais fraca e dividida sobre como conduzir seus assuntos
internos. Não dispõe de um poder central unificado e homogêneo. A Alemanha
reunificada se transformou na maior potência demográfica e econômica do continente e
passou a ter uma política externa mais autônoma, centrada nos interesses nacionais. É
uma estratégia que recoloca a Alemanha no epicentro da luta pela hegemonia dentro da
Europa, ofusca o papel da França e desafia o americanismo da Grã-Bretanha.
As crises capitalistas têm muitas vezes desaguado em guerras de grandes
proporções. O sr. enxerga essa possibilidade?
Acho que devem se multiplicar os conflitos localizados dentro do sistema mundial,
envolvendo sempre os EUA, de uma forma ou outra. Mas não vejo no horizonte a
possibilidade de uma grande guerra hegemônica do tipo das duas grandes guerras
mundiais do século 20.
José Luís Fiori é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ e editor do livro
"O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações” (Editora Boitempo, 2007). Esta
entrevista foi publicada no jornal Folha de São Paulo no dia 4 de abril de 2011
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