Aspectos Ecodopplercardiográficos na Doença de Chagas

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Artigo de Revisão
Aspectos Ecodopplercardiográficos na Doença de Chagas
Echodopplercardiographic Findings in Chagas’s Disease
Roberto Pereira1
RESUMO
Como em outras doenças, o ecodopplercardiograma trouxe um grande número de informações na investigação da doença de Chagas,
tornando-se um dos exames complementares mais importantes na investigação dos pacientes chagásicos. Dilatação de cavidades,
alterações segmentares da contratilidade (encontradas em até 74% dos casos) e lesões apicais do ventrículo esquerdo podem ser
facilmente identificadas. Trombos intracavitários são achados frequentes, podendo ser responsáveis por fenômenos tromboembólicos.
Disfunções valvulares são detectadas, geralmente associadas às dilatações das cavidades ventriculares. A função sistólica e diastólica
também pode ser avaliada, sendo utilizados diversos índices de desempenho ventricular. Aspecto inusitado tem sido observado por
nós na forma dilatada, por imagens sugestivas de trabeculações endocárdicas. Em zonas endêmicas, podem ser detectadas associações
com outras doenças cardíacas.
Descritores: Ecocardiografia, Cardiomiopatia Chagásica, Doença de Chagas
SUMMARY
Similarly to what has happened, concerning other illnesses, Echodopplercardiography has become one of the most important tools for
the evaluation of patients with Chagas’s Disease and it has contributed with a great deal of important information for the investigation
of this disease. Dilatation of cardiac chambers, changes in segmentary contractility (a finding present in up to 74% of patients)
and apical lesions of the Left Ventricle may be easily identified. Intracavitary thrombi are a frequent finding and these may be
responsible for the thromboembolic phenomena. Valve malfunction are detected, usually associated to ventricular dilatation. The
systolic function, as well as the diastolic function, may be evaluated, and several ventricular performance indexes may be used. An
unusual finding has been observed by us in the dilated form of Chagas’s disease, consisting of endocardial trabeculations. In endemic
regions, associations with other cardiac diseases may be detected.
Descriptors: Echocardiography; Chagas Cardiomyopathy; Chagas Disease
Como em outras doenças, o ecodopplercardiograma trouxe um grande número de informações na
investigação da doença de Chagas, tanto anatômicas como funcionais. Em decorrência dessa quantidade e qualidade de informações, tornou-se um
dos exames complementares mais importantes na
investigação dos pacientes chagásicos. Por conta de
achados, até então insuspeitados por exames não invasivos, como alterações da contratilidade segmentar do ventrículo esquerdo1,2, chegou-se inclusive
Instituição
Pronto Socorro Cardiológico de Pernambuco (PROCAPE) da
Universidade de Pernambuco. Hospital Universitário Oswaldo
Cruz – Universidade de Pernambuco. Recife-PE
Correspondencia
Roberto Pereira
Rua Setúbal nº 1548 – Ap. 701 – Boa Viagem
51130-010- Recife-PE
Telefone: 55-81-2121-5252
[email protected]
Recebido em: 26/11/2010 - Aceito em: 15/03/2011
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a questionar conceitos preestabelecidos como, por
exemplo, o de forma indeterminada, já que pacientes assim classificados têm, às vezes, demonstrado
alterações funcionais.
A dilatação de cavidades é uma das manifestações mais frequentes. Acometendo, principalmente,
o ventrículo esquerdo, é geralmente difusa, embora
ocasionalmente mais acentuada em uma das paredes ventriculares. Pode ou não vir acompanhada de
alterações funcionais nos casos leves, sendo sempre
1- Médico Cardiologista e Ecocardiografista. Chefe da Divisão de Métodos Diagnósticos do Pronto
Socorro Cardiológico de Pernambuco da Universidade de Pernambuco. Médico Cardiologista
e Ecocardiografista. Chefe do Setor de Ecocardiografia do Unicordis - Urgências Cardiológicas.
Recife-PE
ISSN 1984 - 3038
Rev bras ecocardiogr imagem cardiovasc. 2011;24(3):84-88
Pereira R. Aspectos ecodopplercardiográficos
na doença de chagas
acompanhada dessas alterações nas grandes dilatações. Pode ainda comprometer o átrio esquerdo e as
cavidades direitas (Figuras 1, 2 e 3).
Figura 1: Imagem paraesternal eixo longo. Ventrículo esquerdo
dilatado e esférico
As alterações segmentares, mais bem identificadas ao exame ecocardiográfico do que pela cineangioventrículografia3,4, são encontradas com uma
incidência de até 74% dos casos. Acometem, principalmente, a parede posterior do ventrículo esquerdo, sendo o septo interventricular e as paredes anterior e lateral, deste ventrículo, comprometidos com
menos frequência5-8. Essas modificações contráteis
podem ser indistinguíveis das encontradas na cardiopatia isquêmica (Figuras 4 e 5).
Figura 4: Ventrículo esquerdo em modo M, com hipocontratilidade mais acentuada na parede posterior
Figura 2: Imagem apical 4 câmaras, apresentando
ecogenicidade espontânea em ventrículo esquerdo dilatado
Figura 5: Ventrículo esquerdo em modo M, com hipocontratilidade difusa e acinesia anteroseptal
Figura 3: Ventrículo esquerdo em modo M, dilatado e com hipocontratilidade difusa
A região apical do ventrículo esquerdo pode ser
atingida, apresentando hipocinesia ou, caracteristicamente, dilatação aneurismática, muitas vezes em
dedo de luva ou mamilares.
Trombos intracavitários são achados frequentes, quase sempre associados a áreas hipocinéticas
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de formas dilatadas, podendo ser responsáveis por
fenômenos tromboembólicos (Figura 6).
Figura 7: Fluxo transmitral em via de entrada do ventrículo esquerdo,
demonstrando padrão restritivo de disfunção diastólica desta câmara
Figura 6: Presença de grande trombo apical no ventrículo esquerdo
Figura 8: Doppler tissular do anel mitral, revelando disfunção diastólica do ventrículo esquerdo
Disfunções valvulares são facilmente detectadas
pelo ecodopplercardiograma e são associadas às dilatações das cavidades ventriculares. O tamanho das
cavidades atriais guarda maior relação com a disfunção ventricular respectiva do que com a regurgitação
valvular, sendo esta geralmente leve ou moderada.
A disfunção sistólica é avaliada pelo modo M ou
bidimensional, sendo este último de melhor acurácia quando existem alterações regionais da contratilidade. Utiliza-se, geralmente a fração de ejeção e a
fração de encurtamento sistólico para avaliar, quantitativamente, a função sistólica do ventrículo esquerdo, mas outros índices são também utilizados,
como a dp/dt, velocidade de encurtamento circunferencial8,9 etc. A avaliação da função do ventrículo
direito é menos acurada.
A disfunção diastólica do ventrículo esquerdo é
avaliada pelo padrão de fluxo transmitral (Figura 7) e
também por técnicas de Doppler tissular (Figura 8),
incluindo strain e strain rate, e ainda por justaposição
dos modos M e Color no fluxo de via de entrada do
ventrículo esquerdo. O índice de performance miocárdica (Índice de Tei) tem sido utilizado para avaliar
a função ventricular global, esquerda ou direita.
A análise funcional, principalmente da função
diastólica, tem mostrado alterações em formas anteriormente consideradas indeterminadas, havendo
mudança no conceito atual dessa forma da doença
chagásica. Inicialmente, as alterações ocorrem no
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relaxamento ventricular, mas, com a evolução da
disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, podem
advir formas restritivas, associadas então a disfunções sistólicas severas deste ventrículo10,11. Os índices da função do ventrículo esquerdo aferidos pela
ecocardiografia têm boa correlação com o prognóstico da doença chagásica12.
Temos observado em pacientes chagásicos, com
forma dilatada, a presença de imagens ecocardiográficas sugestivas de acentuadas trabeculações endocárdicas no ventrículo esquerdo, dificilmente vistas em
pacientes não chagásicos. Essas imagens são muito
características, às vezes, simulando miocárdio não
compactado, mas apresentando relação de até 6:1
entre as trabeculações e a espessura do miocárdio
normal13 (Figuras 9 a 15).
Pereira R. Aspectos ecodopplercardiográficos
na doença de chagas
Figura 9: Imagem paraesternal eixo longo, mostrando trabeculações
Figura 12: Corte transverso, algo tangencial, evidenciando melhor
Figura 10: Corte transverso apresentando imagens de trabeculações
Figura 13: Corte transverso tangencial, revelando trabeculações en-
Figura 11: Corte apical apresentando imagens de trabeculações
Figura 14: Corte apical tangencial, revelando trabeculações endo-
no septo interventricular, passíveis de ser confundidas com abscessos
endocárdicas no ventrículo esquerdo
endocárdicas do ventrículo esquerdo
as trabeculações endocárdicas no ventrículo esquerdo
docárdicas no ventrículo esquerdo
cárdicas no ventrículo esquerdo
AD: átrio direito; AE: átrio esquerdo; VD: ventrículo direito; VE:
ventrículo esquerdo
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Figura 15: Imagem 5 câmaras, evidenciando trabeculações endocárdicas mais acentuadas na região apical do ventrículo
4.
5.
6.
7.
Em zonas endêmicas podem ser detectadas associações de outras doenças cardíacas, como lesões
valvulares reumáticas, por exemplo, com a cardiopatia chagásica.
8.
9.
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