Monografia - Humanas UFPR

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
MARIA EUGENIA TROMBINI
O PROJETO DE RECONSTRUÇÃO PÓS-CONFLITO DA ONU E A VERSÃO DA PAZ
DEMOCRÁTICA NO HAITI EM TIMOR LESTE E SERRA LEOA
CURITIBA
2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
MARIA EUGENIA TROMBINI
O PROJETO DE RECONSTRUÇÃO PÓS-CONFLITO DA ONU E A VERSÃO DA PAZ
DEMOCRÁTICA NO HAITI EM TIMOR LESTE E SERRA LEOA
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em
Ciências Sociais, Setor de Ciências Humanas, Letras e
Artes, Universidade Federal do Paraná, para conclusão
do curso e obtenção do grau de Bacharel em Ciência
Política.
Orientador: Profº. Dr. Alexsandro Eugenio Pereira
CURITIBA
2014
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é discutir a teoria da paz democrática aplicada às
operações de paz a partir de três estudos de caso. A hipótese da correspondência entre
democratização e ausência de violência no pós conflito será investigada no Haiti, em
Serra Leoa e no Timor Leste, tomando como lapso temporal o período entre 2000 e
2012. A análise dos dados será feita em duas etapas, uma qualitativa e outra
quantitativa, tomando como fonte o banco de dados Polity IV e os direitos à integridade
física do CIRI. Os resultados obtidos confirmam a relação entre paz e democracia em
Serra Leoa e no Haiti. No Timor-Leste há relação verificada na análise subjetiva, porém
limitações nos dados não permitem inferir a correspondência entre as variáveis.
Palavras-Chave: Peacebuilding, Democratização, Haiti, Timor Leste, Serra Leoa
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 7
1.1. ANÁLISE COMPARATIVA ............................................................................................. 9
1.2. METODOLOGIA ....................................................................................................... 15
2. A TRANSIÇÃO PARA A DEMOCRACIA E A PAZ ................................................. 18
2.1. DEMOCRACIA E DEMOCRATIZAÇÃO ......................................................................... 18
2.2. PARTICIPAÇÃO DOS ATORES: A ADERÊNCIA DA ELITE POLÍTICA COMO REQUISITO ........ 20
3. AS FUNDAÇÕES INSTITUCIONAIS E O CONFLITO ............................................ 24
3.1. FRACASSO ESTATAL: O DESENVOLVIMENTO COMO PRÉ-REQUISITO? .......................... 24
3.2. DO PODER À AUTORIDADE: LEGITIMIDADE DAS INSTITUIÇÕES..................................... 26
3.3. ACCOUNTABILITY COMO FREIO À CONFUSÃO ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO .............. 28
4. AS OPERAÇÕES DE PAZ DA ONU ....................................................................... 31
4.1. PEACEKEEPING COMO INSTRUMENTO DA MANUTENÇÃO DA PAZ E SEGURANÇA
INTERNACIONAL ............................................................................................................. 31
4.2. GALTUNG E A PAZ “DE BAIXO PARA CIMA“ ................................................................ 32
4.3. OPERAÇÕES DE PAZ PÓS-VESTFALIANAS: A RECONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA .............. 34
4.4. BRAHIMI REPORT: A IMPOSIÇÃO DA PAZ VIA CAPÍTULO VII DA CARTA DA ONU ........... 36
5. DEBILIDADES DA PAZ LIBERAL .......................................................................... 38
5.1. DEMOCRATIZAÇÃO E RECORRÊNCIA DE GUERRA ...................................................... 38
5.2. REVISIONISTAS E O MODELO HÍBRIDO LOCAL-LIBERAL ............................................... 40
5.3. CONTRATO SOCIAL................................................................................................ 42
6. HAITI ........................................................................................................................ 45
6.1. CONTEXTO HISTÓRICO .......................................................................................... 45
6.2. CRISE DE LEGITIMIDADE ........................................................................................ 48
6.3. MINUSTAH ........................................................................................................ 52
6.4. O TERREMOTO, O CÓLERA E O VOTO ....................................................................... 56
7. SERRA-LEOA ......................................................................................................... 60
7.1. CONTEXTO HISTÓRICO .......................................................................................... 60
7.2. GUERRA CIVIL....................................................................................................... 62
7.3. UNAMSIL ........................................................................................................... 64
7.4. A TRAJETÓRIA DEMOCRÁTICA E A POLARIZAÇÃO ...................................................... 71
8. TIMOR LESTE ......................................................................................................... 76
8.1. CONTEXTO HISTÓRICO .......................................................................................... 76
8.2. ADMINISTRAÇÃO ONUSIANA ................................................................................... 77
8.3. RDTL .................................................................................................................. 80
8.4. A PERSISTÊNCIA DAS CAUSAS ORGINÁRIAS E A CRISE ............................................... 84
9. RESULTADOS ........................................................................................................ 92
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 99
LISTA DE SIGLAS
AFRC -
Armed Forces Revolutionary Council
AMP -
Aliança para Maioria Parlamentar
APODETI -
Associação Popular Democrática do Timor
APC -
All People’s Congress
ASDT -
Associação Social Democrata Timorense
CEP -
Conselho Eleitoral Provisório
CEN -
Conselho Eleitoral Nacional
CI -
Comunidade internacional
CIRI-
Cingranelli-Richards Human Rights Data Project
CNE -
Conselho Nacional Eleitoral
CNRT -
Conselho Nacional de Resistência Timorense
CNRT’ -
Congresso Nacional da Reconstrução Timorense
CSNU -
Conselho de Segurança das Nações Unidas
DDR -
Disarmament, demobilization and reintegration
DPKO -
Department of Peacekeeping Operations
ECOMOG -
Economic Community of West African States Monitoring Group
ECOWAS -
Economic Community of West African States
EO -
Executive Outcomes
FAH -
Forças Armadas Haitianas
FALINTIL -
Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor Leste
F-FDTL -
Forças de Defesa de Timor Leste
FRETILIN -
Frente Revolucionária de Timor Leste Independente
ICG -
International Crisis Group
INTERFET -
International Force in East Timor
LURD -
Liberians United for Reconciliation and Democracy
MICIVIH -
Mission Civile Internationale en Haïti
MIPONUH -
United Nations Civilian Police Mission in Haiti
MICAH -
International Civilian Support Mission in Haiti
MINUSTAH -
Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti
OEA -
Organização dos Estados Americanos
ONU -
Organização das Nações Unidas
OTAN -
Organização do Tratado do Atlântico Norte
PBC -
Peacebuilding Commission
PIRI -
Physical Integrity Rights Index
PNH -
Polícia Nacional Haitiana
PNTL -
Polícia Nacional de Timor-Leste
PNUD -
Programa de Desenvolvimentos das Nações Unidas
RDTL -
República Democrática de Timor-Leste
SLPP -
Partido do Povo de Serra Leoa
SGNU -
Secretário-Geral das Nações Unidas
UDT -
União Democrática Timorense
UNAMSIL -
United Nations Mission in Sierra Leone
UNAMET -
United Nations Mission in East Timor
UNEF -
United Nations Emergency Front
UNIOSIL -
UN Integrated Office in Sierra Leone
UNIPSIL -
United Nations Integrated Peacebuilding Office in Sierra Leone
UNMIH -
United Nations Mission in Haiti
UNMISET -
United Nations Mission of Support in East Timor
UNMIT -
UN Integrated Mission in Timor-Leste
UNOMSIL -
UN Mission of Observers in Sierra Leone
UNOTIL -
United Nations Office in East Timor
UNSMIH -
United Nations Support Mission in Haiti
UNTAET -
United Nations Transitional Administration in East Timor
UNTMIH -
United Nations Transition Mission in Haiti
WGI -
World Governance Indicator
8
1. INTRODUÇÃO
O tema da presente pesquisa é a saída de conflitos civis, marcados pela
violência intraestatal, e a implantação de segurança a longo prazo, também entendida
como paz durável. A partir da redefinição das operações de paz, o pacote proposto
pelos atores internacionais a fim de solucionar os assuntos domésticos passou a incluir
o princípio democrático como norma. Desse modo, a atuação do Conselho de
Segurança na proteção da segurança internacional aplicou o conceito de peacebuilding
tencionando reduzir as fragilidades estatais nos conflitos internos. O problema teórico
que se apresenta é identificar como a democracia vem sendo apresentada no modelo
“onusiano” de construção da paz a partir de uma análise de estudos de caso.
Considerando que o progresso do conflito para a paz não é linear, como se deslocar da
incapacidade estatal para um nível maior de institucionalização do Estado capaz de
promover estabilidade política e garantir segurança a longo prazo?
O interesse de pesquisar tal tema se dá em virtude da demanda de analistas da
área por esclarecimentos que contribuam para o tema da paz liberal. (BESLEY, 2009,
THOMS, 2010, PEVEHOUSE, 2002) Sabendo-se que o objeto dessa investigação é
recente e sofreu alterações após o fim da Segunda Guerra, e à medida que as Nações
Unidas estabelecem o mandato de uma nova missão, é relevante olhar para o atual
modelo empregado e suas implicações. A justificativa se funda na ordem intelectual,
enquanto tentativa de investigar as fundações institucionais necessárias para uma
democratização pós-conflito bem sucedida, articulando a agenda de peacebuilding com
aquela de democratização. (CALL, 2003, p.236) Também há justificativa de ordem
subjetiva, em razão de a pesquisadora conviver com duas perspectivas, por vezes
complementares e por outras antagônicas: uma do âmbito jurídico e outra do da ciência
política. Pretendo contribuir na intersecção entre as duas lógicas explicativas, trazendo
a centralidade do Estado e a genealogia das instituições para onde faltarem, sem
negligenciar
o
potencial
reformador
das
políticas
trazidas
pela
comunidade
internacional, portanto posteriores ao conflito.
A opção pela análise comparativa, englobando experiências de três casos
distintos, justifica-se à luz da lacuna na literatura de comparações entre políticas de
7
construção da paz. O tema conta com pesquisas de casos individuais, porém faltam
estudos estruturados de comparações cross-case capazes de oferecer conclusões
genéricas e relevantes em termos de políticas de transição. (THOMS, 2010, p.7) Além
disso, estudos circunscritos a países de uma mesma região, apesar de controlarem
certas variáveis relevantes para o processo de democratização, tem aplicabilidade
reduzida às demais regiões.1
O objetivo da presente pesquisa é investigar em que medida as operações de
peacebuilding implementam a democracia e qual o efeito disso na estabilidade política.
Compreender se a paz democrática da retórica do peacebuilding promove a paz em
concreto e evita a retomada da violência. Especificamente, responder em que medida a
promoção/estímulo à democracia contribui para a estabilidade politica em Timor Leste,
Haiti e Serra Leoa?
A hipótese a ser testada é que a democracia promove estabilidade política. Os
períodos de ausência de violência devem coincidir com aqueles de diminuição no
caráter autocrático do regime. Quanto mais inclusivas forem as reformas implantadas,
mais sucesso terá a democracia. Se as elites políticas e a população perceberem como
legítimas as decisões, então a paz se sustentará. Sendo a natureza das reformas
voltada à participação, ou seja “de baixo para cima” (RICHMOND, 2010, p.20, CALL,
2003, p.239) o processo de paz terá melhores resultados. Espera-se que a operação
que dê maior autonomia aos locais, criando ownership e flexibilizando a paz liberal terá
resultados positivos. Em contrapartida, medidas deliberadas pela elite dominante e
impostas à população tenderão a mitigar a democratização. Caso o modelo
democrático liberal seja forçado pelos agentes internacionais, (RICHMOND, 2010,
CALL, 2003, TADJBAKHSH, 2010, BELLAMY, 2004, PUREZA, 2011) reforçando o
pressuposto da corrupção e inibindo o aumento da capacidade estatal, a paz tenderá a
não se sustentar após a saída dos mesmos. O principal motivo para tanto é que os
atores domésticos que sofreram as consequências da guerra civil merecem ser ouvidos
se o projeto democrático pretende ser eficaz; ou seja, a legitimidade do contrato social
depende de como a população percebe as instituições.
1
THOMS, 2010, p. 8. Os autores apresentam como exemplo o caso Latino Americano que conta com
vários estudos sobre transição de autoritarismo para democracia, porém a aplicabilidade dos resultados é
limitada para casos de conflito armado interno tais quais Serra Leoa e Uganda.
8
1.1. ANÁLISE COMPARATIVA
O presente trabalho vai investigar a estabilidade política em sua relação com a
democracia a partir de uma análise comparativa entre operações de paz. Os casos
selecionados são: Serra Leoa, Timor Leste e Haiti, três cenários nos quais o mandato
das operações de paz estabelecido pelo CSNU foi enquadrado no Capítulo VII da Carta
das Nações Unidas.2 Apesar do período analisado contemplar uma pluralidade de
operações em cada país, a referência ao Capítulo VII diz respeito à UNAMSIL, United
Nations Mission in Sierra Leone, nos termos do mandato estabelecido pela Resolução
1289 de 2000, a UNTAET, United Nations Transitional Administration in East Timor,
estabelecida pela Resolução 1272 de 1999 e a UNMIH3, United Nations Mission in Haiti,
Resolução 940 de 19944 e, posteriormente, a MINUSTAH, Missão das Nações Unidas
para a Estabilização no Haiti, Resolução 1542 de 2004. Inclusive, a razão de operações
estabelecidas fora do Capítulo VII se deve à tentativa de aplicar medidas pacíficas, e só
então, na hipótese de não lograrem êxito, recorrer ao instrumento que independe do
consentimento do país de destino. Esse foi o caso da UNAMET em Timor Leste, da
MICIVIH no Haiti e da UNOMSIL em Serra Leoa.5
A atuação da comunidade internacional nos três casos envolveu o
fortalecimento das instituições e a realização de eleições contou com o auxílio das
Nações Unidas. Tratam-se de três casos de operações multidimensionais, da terceira
geração, segundo a classificação de Oliver Richmond. (RICHMOND, 2010, p.22)
Virginia Fortna define como missão multidimensional aquela que suplementa forças de
peacekeeping tradicional com um componente civil para monitorar eleições, treinar e
monitorar a polícia, monitorar os direitos humanos e, por vezes, administrar
2
"Ações relativas aos tratados de paz, rupturas da paz e atos de agressão": As decisões inspiradas nos
dispositivos do Capítulo VII se distinguem das demais decisões do CSNU por não requererem o
consentimento da parte às quais se aplicam (PATRIOTA, p.25)
3
É a Resolução 867 de 23 de setembro de 1993 que aprova as recomendações do SGNU para o
estabelecimento de uma Missão das Nações Unidas no Haiti (UNMIH), porém sem fazer referência ao
Capítulo VII
4
As referências ao Capítulo VII vinham sendo feitas desde antes, por exemplo na Resolução 875 de
outubro de 1993, mas é a Resolução 940 que menciona “todos os meios necessários” para restaurar a
legitimidade
institucional no país.
5
Também a UNAMSIL entre outubro de 1999 e janeiro de 2000, portanto antes da Resolução 1289, tinha
mandato de peacekeeping tradicional.
9
temporariamente o país. (FORTNA, 2004, p.270) No Haiti, ainda que a atuação
internacional tenha-se iniciado em 1993, as eleições de 2000 foram particularmente
importantes e o próprio governo convidou a mediação da OEA e da ONU. A crise de
legitimidade iniciada após essas eleições é fundamental na explicação da instabilidade
dos anos seguintes e da pressão que o presidente Aristide sofreu, culminando nos
eventos de 2004 e na criação da MINUSTAH. No que toca a UNTAET, seu mandato
visava preparar Timor Leste para a independência. Por isso a missão é encarregada de
realizar eleições parlamentares e presidenciais, que ocorrem em 2002. Após o Acordo
de Paz de Lomé, a UNAMSIL foi estabelecida para assegurar sua observação e
oferecer apoio para as eleições, que ocorreram em 2002. Ainda sobre o processo
eleitoral, o voto é facultativo nos três países.
A Orientação da ONU sobre Peacebuilding refere-se à retomada da violência
após as missões onusianas nos casos timorense e haitiano para justificar a emergência
de operações multidimensionais e a necessidade de estratégias de retirada bem
planejadas para evitar o retorno do conflito e estabelecer as fundações da paz
sustentável.6 Apesar de Serra Leoa não ter sido mencionada nesse ponto específico,
também lá a primeira missão da ONU, a UNOMSIL, teve de ser evacuada após
retomada da violência em 1999.7 Desse modo, justifica-se a escolha desses três casos
paradigmáticos na tentativa de investigar a relação entre estabilidade política e o
modelo de democracia promovido pelas operações multidimensionais.
Cumpre destacar que o mandato das operações e sua execução reflete uma
percepção
ventilada pela
CI,
a de que
os países receptores de missão
multidimensional, em particular os aqui selecionados, eram terra nullius8 antes da
chegada da ajuda onusiana. Assim, as operações seriam dirigidas a Estados vazios
com o objetivo de state-building em sentido literal, ignorando a ossatura estatal anterior
ao início da crise. Em paralelo a isso, as operações de peacebuilding em contextos
6
UNITED NATIONS, “UN Peacebuilding: An Orientation”, Peacebuilding Support Office, Setembro 2010,
p.45
7
UNITED NATIONS, UNOMSIL, Background, Department of Public Information, 2000. Disponível em:
http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/past/unomsil/UnomsilB.htm Acesso em 13/11/2014
8
Terra nullius era a doutrina aplicada quando os ingleses chegaram na Australia e consideraram o
terreno vazio, para que a terra fosse apropriada pela Coroa. Tal argumento anulava os direitos que os
povos locais poderiam invocar sobre a posse da terra. (TIDWELL, 2004, p.58)
10
recém saídos da violência como os selecionados parecem atribuir pouca importância à
disputa por poder entre as elites políticas que ocorre no interior do Estado ainda mal
formado. A saber: o Haiti teve a primeira experiência democrática em 1991 com Aristide
e em seguida, em 1993, a OEA e a ONU passaram a intervir; o Estado timorense foi
inaugurado com ajuda da ONU e as divisões políticas ressurgiriam no pósindependência sob a forma de conflito. Em Serra Leoa apesar da criação da UNAMSIL
a violência foi retomada em 2000 em reação do RUF contra Foday Sankoh. (KEEN,
2005, p.265) Em todos os três casos, o comprometimento dos atores à paz é
questionável e merece ser investigado. O que sugere um distanciamento entre o
discurso segundo o qual as origens do conflito político são adereçadas pelas operações
de peacebuilding, e a maneira que elas são levadas à cabo.
Ainda sobre a seleção dos casos, o Haiti é conhecido como “cemitério de
projetos” e apontado como exemplo de fracasso do modelo das operações de
construção da paz pós-conflito. (CAREY, 2010, p. 235, CALL, 2008, p. 173) Sobre os
outros dois países escolhidos, Alex Bellamy sugere que apesar do estudo da RAND,
think tank responsável pelas políticas de defesa norte-americanas9, considerar o Timor
Leste e Serra Leoa exemplos de operações da ONU bem sucedidas, uma análise mais
rigorosa poderá classifica-las como fracassos. (BELLAMY, 2010, p.195) Também Cook
e Call mencionam os três casos como exemplos de países que receberam operações
de peacekeeping entre 1988 e 2002 e eram classificados como regime autoritário em
2002. (CALL, 2003, p.234) Ainda, o índice de fragilidade estatal, antigo índice de estado
falido, considera todos os três países com valores preocupantes em 2012.10 Sendo o
máximo de fragilidade 120, o Haiti apareceu em 7º lugar com 104.9, seguido pelo Timor
Leste em 27º com 92.7 e por último Serra Leoa em 31º com 90.4.11 Por essa razão uma
análise da versão da paz liberal implementada nos três países pode acrescentar ao
debate.
Outro
ponto
que
aproxima
os
casos
selecionados
é
o
índice
de
9
Para mais informações consultar ABELLA, Alex, Soldiers of Reason: The Rand Corporation and the
Rise of the American Empire, Harcourt, Orlando,
10
MARSHALL, Monty, COLE, Benjamin, State-Fragility Index and Matrix 2013, Center for Systemic Peace
11
2012 The Fund for Peace, Washington, Disponível em: http://ffp.statesindex.org/rankings-2012-sortable
Acesso em 24/11/2014
11
desenvolvimento humano, elaborado pelo Programa de Desenvolvimentos das Nações
Unidas no início da década de 1990 baseado em três variáveis: renda, expectativa de
vida e realização educacional. A literatura reputa o IDH como um indicador mais preciso
do desenvolvimento do que o PIB per capita. (LIJPHART, 2003, p.80) Sabendo-se que
o desenvolvimento está fortemente relacionado a experiência democrática, como será
discutido pelos autores da Economia Política a seguir, é preciso controlar essa variável
para que a análise comparativa possa ser realizada. No ano de 2000, data a partir da
qual a estabilidade política será avaliada, os três países apresentavam índices de
desenvolvimento humano baixo nos termos do PNUD, ou seja, próximos de 0.403
(Timor Leste 0.465, Haiti 0.433 e Serra Leoa 0.297) Em 2012 o ranking era diferente, o
Timor Leste aparecia com 0.616 em 129o, o Haiti com 0.469 em 168o, e Serra Leoa com
0.368 em 184o, sendo 0.484 o critério para o países menos desenvolvidos. Ainda que
Timor Leste esteja com IDH médio (próximo de 0.612), os três países apresentam
índices abaixo da média mundial, de 0,700 em 2012.12
Outro ponto de convergência é a parcela da população abaixo dos 15 anos. No
ano de 2000, prazo inicial para a construção da paz na presente investigação, Timor
Leste tinha 50% de sua população abaixo dos 15 anos, Serra Leoa tinha 43% e o Haiti
40%.13 Tal fator é relevante pois populações jovens são mais afetadas pelo
analfabetismo e desemprego, sendo facilmente recrutadas por grupos rebeldes.
(FEARON, 2001, p.84) O sucesso de grupos armados tende a persistir no pós-conflito a
menos que o Estado seja capaz de oferecer aos jovens, em particular, algo diferente da
guerra. Assim, o número de jovens representa um “dividendo demográfico” que pode
aumentar a força de trabalho do país e auxiliar na transição, mas quando mal
aproveitado compromete o processo de construção da paz. (UNITED NATIONS
POPULATION FUND, 2010, p.49)
Por fim, um último ponto que merece destaque é que os países selecionados
são ex-colônias, nos quais a participação ativa de seus ex-colonizadores nas operações
12
UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, Human Development Reports, Table 2: Human
Development Index trends, 1980-2013. Disponível em: http://hdr.undp.org/en/content/table-2-humandevelopment-index-trends-1980-2013 Acesso em 12/10/14
13
Em 2012, ao final do marco aqui estabelecido, os dados eram os seguintes: Timor-Leste - 46% da
população entre 0 e 14 anos; Serra Leoa - 42%; e Haiti – 35%.
12
de paz é um padrão- Portugal no Timor Leste, França no Haiti e Reino Unido em Serra
Leoa.
A escolha de Serra Leoa (UNAMSIL) se explica pois o fracasso estatal na
região africana guarda relação com a reverberação que os conflitos internos tem nos
vizinhos. (TULL, 2008, p.110) A natureza de extrapolar fronteiras (cross-border) das
milícias, como entre Liberia e Serra Leoa, torna as guerras civis ameaças regionais.
Também, porque em seu auge a UNAMSIL foi a maior missão de peacekeeping já
coordenada pela ONU14 e a operação mais cara, custando aproximadamente U$700
milhões por ano.(KEEN, 2005, p.272) As seguintes missões ocorreram em Serra Leoa:
QUADRO 1 - OPERAÇÕES DE PAZ EM SERRA LEOA
Missão
Resolução
Duração
UNOMSIL
S/RES/1181
Julho 1998- Janeiro 1999
UNAMSIL
S/RES/1270
Outubro 1999 a Dezembro 2005
UNIOSIL
S/RES/1620
Janeiro de 2006- Setembro 2008
UNIPSIL
S/RES/1829
Agosto 2008-Março 2014
FONTE: Elaboração Própria com Base nos Dados da Onu
O Haiti, por situar-se na América Latina, foi eleito como exemplo de fracasso
estatal que vem até hoje sofrendo as consequências de uma independência precipitada
e pouco reconhecida. (SEITENFUS, 2014, p.38) Único estado frágil da região, o caso
haitiano foi considerado sui generis para evitar ingerência internacional em assuntos
domésticos. Aquilo que o Brasil tentou aplicar sob o nome de “doutrina 6 e meio”, o
enquadramento do mandato da MINUSTAH entre o Capítulo VI e VII da Carta da ONU
reflete uma possível mudança de paradigma na diplomacia solidária, assim discutida
por Antonio Patriota.
A primeira missão da ONU instalada no país foi em 1993, a sequência de
operações é a seguinte:
QUADRO 2 - OPERAÇÕES DE PAZ NO HAITI
14
ADH Genève, Sierra Leone, Rule of Law in Armed Conflict, Disponível em: http://www.genevaacademy.ch/RULAC/peace_operations.php?id_state=200 Acesso em 20/09/2014
13
Missão
Resolução
Duração
MICIVIH
A/RES/47/20
Fevereiro 1993- Março 2000
UNMIH
S/RES/867
Setembro 1993-Junho 1996
UNSMIH
S/RES/1063
Julho 1996-Junho 1997
UNTMIH
S/RES/1123
Agosto a Novembro 1997
MIPONUH
S/RES/1141
Dezembro 1997- Março 2000
MICAH
A/54/193
Março 2000-Fevereiro 2001
MINUSTAH
S/RES/1542
Junho 2004- Maio 2014
FONTE: Elaboração Própria com Base nos Dados da Onu
Finalmente, o Timor Leste é exemplo no qual o mandato das Nações Unidas
visava à construção de um novo Estado, e, por isso, assumiu autoridade sobre o
território, encarregando-se de sua administração.15 Sua peculiaridade reside no fato de
que o grupo beligerante, os indonésios, desocupou totalmente a região, depositando
nas mãos das Nações Unidas o projeto de state-building. Nas palavras de Richmond, o
tipo de paz implementado no Timor Leste situa-se entre as formulações ortodoxa e a
conservadora. (RICHMOND, 2007, p.4) Parte da literatura considera a formação do
Estado timorense como sucesso,16 mas esse posicionamento não é unânime. As
seguintes missões ocorreram em Timor Leste:
QUADRO 3 - OPERAÇÕES DE PAZ EM TIMOR LESTE
Missão
Resolução
Duração
UNAMET
S/RES/1246
Junho- Outubro 1999
INTERFET
S/RES/1264
Setembro 1999-
UNTAET
S/RES/1272
Outubro 1999- Maio 2002
UNMISET
S/RES/1410
Maio 2002- Maio 2005
UNOTIL
S/RES/1599
Maio 2005- Agosto 2006
UNMIT
S/RES/1704
Agosto 2006-Dezembro 2012
FONTE: Elaboração Própria com Base nos Dados da Onu
15
UNTAET: responsável pela ‘…overall responsibility for the administration of East Timor and was
empowered to exercise legislative and executive authority, including the administration of justice.”
(RES1272/1999)
16
ADH Genève, East Timor, Rule of Law in Armed Conflict, Disponível em: http://www.genevaacademy.ch/RULAC/peace_operations.php?id_state=200 Acesso em 17/09/14
14
1.2. METODOLOGIA
A análise comparada da relação entre ausência de violência e democratização
em cenários pós-conflito no período de 2000 a 2012 será promovida a partir da ótica da
teoria da paz liberal.
A estabilidade política será mensurada a partir do índice de integridade física
(Physical Integrity Rights Index) compilado pelo Cingranelli-Richards Human Rights
Data Project, que leva o nome dos pesquisadores que coordenam o banco de dados,
David L. Cingranelli and David L. Richards. Entende-se por índice “o valor agregado
final de todo um procedimento de cálculo onde se utilizam, inclusive, indicadores como
variáveis. (SICHE, 2010, p.139) No PIRI, o valor agregado considera tortura,
assassinatos, desaparecimento forçado e prisões políticas. O direito à integridade física
são as atribuições garantidas aos indivíduos pelo direito internacional de estarem livres
de ofensa física e coerção por seus governos. (CINGRANELLI, 1999, p.407) Os dados
encerram em 2011, portanto para obter o valor correspondente ao ano de 2012 o
número do ano anterior foi repetido. Em relação aos países selecionados, há omissão
dos dados para o Timor Leste em 2000 e 2002. Serra Leoa está incompleto em 2000 e
2009. Já os valores de PIRI para o Haiti estão completos no período em tela.
Outro indicador da estabilidade política e ausência de violência é aquele do
Banco Mundial (World Governance Indicators), que estabelece um valor agregado
tomando por base fontes de dados individuais, tais quais o CIRI. Como o valor
apresentado difere daquele do PIRI, uma segunda análise da relação entre
democratização e ausência de violência será feita para controlar eventuais
divergências. A vantagem dos dados de estabilidade política apresentados no WGI é o
valor do ano de 2000 para o Timor Leste e Serra Leoa, diferente do PIRI. Em
contrapartida, os dados de 2001 não vêm contemplados nos indicadores de
governança, e o método para suprir a ausência desses foi o mesmo referido no
tratamento da fonte acima.
Já a democracia será observada conforme o índice Polity IV, em particular o
Polity2, a medida mais usada para avaliar o regime politico de um país. (PLUMPER,
15
2010, p.208) Tal índice é obtido da subtração do quão autocrático um governo é pelo
quão democrático, variando de +10 (altamente democrático) a -10 (altamente
autocrático). Será considerado democrático o país que apresentar Polity entre 6 e 9,
sendo 10 democracia plena.17 As incompletudes desse banco de dados são menos
significativas: para o Timor Leste os dados do Polity começam em 2002, portanto
ausentes os valores de 2000 e 2001. Em contrapartida, os dados de Haiti e Serra Leoa
estão completos
Em um primeiro momento serão consideradas reformas sobre a transição do
regime e eventuais episódios de violência ocorridos no curso do período. O método
aplicado será histórico-bibliográfico. Essa primeira etapa, de teor qualitativo, pretende
contribuir à discussão subjetiva, das consequências da construção da paz no dia-a-dia
dos atores. Posteriormente, a análise objetiva da correspondência ou não entre as
variáveis nos casos selecionados será acompanhada da comparação entre os
resultados de cada país.
O lapso temporal escolhido para a presente pesquisa é entre 2000 e 2012, haja
vista o mandato de duas operações principais (UNAMSIL em Serra Leoa e UNTAET no
Timor Leste) ter iniciado no final de 1999, sofrendo assim influência da reformulação do
peacebuilding e das disposições do Brahimi report. No caso do Haiti, 2000 foi ano de
eleições que elegeram Aristide e a participação da comunidade internacional, apesar de
datar de momento anterior, permaneceu desde então e aumentou com o
estabelecimento da MINUSTAH em 2004. Reconhecendo que a democracia é
processo, o espaço de tempo para avaliar mudanças no regime tem de ser
suficientemente longo para permitir que as alterações sejam implantadas e
suficientemente curto para atribuir a democratização às reformas impostas de fora.
(DOWNES, 2013, p.105)
O marco de cinco anos é um teste crítico aos cenários pós-conflito, pois há
registro que a metade dos países saídos da guerra retomam a violência nesse prazo.
(COLLIER 2008, apud WYROD, 2008, p.70) A probabilidade de retomada de guerra
civil diminui em função do tempo, a saber: quanto mais tempo a paz se mantiver depois
de findo o conflito menos provável será que a violência retorne, ceteris paribus.
17
Para acesso a legenda consultar: http://www.systemicpeace.org/polity/polity4.htm
16
(QUINN, 2005, p.23) Por isso, a opção por lapso temporal maior que dez anos, a fim de
capturar de que maneira o processo de transição se deu. Sobre o término do prazo, em
31 de dezembro de 2012 foi encerrado o mandato da UNMIT, e o Timor Leste foi
deixado ao seu próprio governo. Ainda que a UNIPSIL e a MINUSTAH tenham
permanecido até 2014, o prazo final aqui investigado é o fim do último mandato da
última operação em qualquer dos três países, portanto 2012.
17
2. A TRANSIÇÃO PARA A DEMOCRACIA E A PAZ
2.1.
DEMOCRACIA E DEMOCRATIZAÇÃO
A definição oferecida por Robert Dahl de democracia é “um sistema político que
tenha, como uma de suas características, a qualidade de ser inteiramente, ou quase
inteiramente, responsivo a todos os seus cidadãos.” (DAHL, 1997, p.25) Em sua obra,
sugere que apesar de, na prática, a democracia não corresponder aos seus ideais, ela
permanece sendo a alternativa mais desejável que qualquer alternativa viável a ela.
Entre seus benefícios está o de impedir o governo de autocratas e seus desmandos,
assegurar os direitos fundamentais dos cidadãos e promover igualdade política. Outra
vantagem dessa forma de governar um Estado seria o fato de que o governo da lei
estabelece menor grau de intervenção arbitrária do governo e dos políticos. (DAHL,
2001, p.72) De acordo com o autor instituições que protejam oportunidades e direitos
democráticos essenciais são necessárias “não simplesmente na qualidade de condição
logicamente necessária, mas de condição empiricamente necessária para a democracia
existir.” (DAHL, 2001, p.63) Ao estabelecer que as democracias representativas não
guerreiam entre si, Dahl também apresenta a busca pela paz como mais uma
consequência positiva desse tipo de regime.
Em “Poliarquia”, ao tratar das condições para a democratização, o mesmo autor
menciona a contestação pública e o direito de participação, sublinhando a dificuldade
de encontrarmos tipos puros no mundo real, como sintetiza na seguinte passagem:
as poliarquias são regimes que foram substancialmente popularizados e
liberalizados, isto é, fortemente inclusivos e amplamente abertos à contestação
pública. (DAHL, 1997, p.31)
Nesse elogio, o autor sugere que graças às condições acima, maior a dificuldade do
governo lançar mão do uso da coerção física; ao passo que em regimes hegemônicos e
mistos o risco de coerção maciça é significativo. Em paralelo a isso, ao especular sobre
a interação recíproca entre o tipo de regime e fatores comportamentais, culturais e
atitudinais, Dahl apresenta uma alternativa ao tratamento destes como variáveis
intervenientes, contribuição relevante para quem pretende fazer uma análise partindo
da premissa de que as instituições importam. (DAHL, 1997, p.48)
18
Przeworski lança mão de uma definição minimalista segundo a qual
“democracia é o sistema no qual os partidos perdem as eleições” (PRZEWORSKI,
1991, p.10). Ou seja, será democrático o regime que realizar eleições, desde que a
oposição tenha alguma chance de vencer e tomar posse. Em “O que mantém as
democracias?” (1996) Przeworski et al. rebatem a suposição de que tais regimes seriam
produzidos pelo desenvolvimento de ditaduras, demonstrando, a partir dos resultados
empíricos, que as transições para a democracia ocorrem aleatoriamente em relação ao
nível de desenvolvimento, pois nenhuma delas pode ser prevista tendo em vista apenas
o nível de desenvolvimento econômico do país. A respeito da experiência anterior com
democracia, os autores argumentam: “se um país teve um regime democrático (note-se
o tempo pretérito) ele é um veterano não apenas da democracia mas da subversão
bem sucedida da democracia.” Ou seja, o aprendizado político seria uma faca de dois
gumes: apesar de amparar a tarefa da consolidação em tradições do passado, também
apresenta lições aprendidas pelas forças antidemocráticas. (PRZEWORSKI, 1996,
p.11), tornando-se elemento potencialmente perigoso.
Samuel Huntington considera que um sistema político do século vinte será
democrático na medida em que os decisores mais poderosos forem selecionados
através de eleições justas, honestas e periódicas, nas quais os candidatos competem
livremente pelos votos e em que virtualmente toda a população adulta tem direito ao
sufrágio. (HUNTINGTON, 1991, p.7) O autor reconhece que a definição de democracia
em termos de eleições é uma definição mínima. Apesar de mencionar a questão de
superar a dicotomia entre democrático e autoritário, por meio de uma gradação que
diferencie as democracias e não-democracias entre si, opta pela versão dicotômica,
pois seu objeto de estudo são as transições. Em relação à mudança de regime,
estabelece o conceito de democratização com três elementos: 1) fim de um regime
autoritário; 2) instalação de um regime democrático; e 3) consolidação do regime
democrático. (HUNTINGTON, 1991, p.35) O critério do two-turnover test considera a
democracia consolidada caso o partido ou grupo que assume o poder na primeira
eleição pós-transição perde uma eleição subsequente e entrega o poder aos
vencedores destas, e se os vencedores posteriormente o transferem pacificamente aos
vencedores de eleições seguintes. (HUNTINGTON, 1991, p.267)
19
De acordo com Charles Tilly para definirmos democracia as abordagens mais
pertinentes são aquelas que identificam um conjunto mínimo de processos os quais
precisam estar continuamente presentes para que uma situação possa ser considerada
democrática. Em sua definição, os processos necessários para a promoção da
democratização são: 1) a integração das redes de confiança interpessoal nos
processos políticos públicos; 2) o isolamento dos processos políticos públicos em
relação às desigualdades categóricas; e 3) a redução dos centros autônomos de poder
coercitivo. Para além desses elementos o autor aponta que tanto uma capacidade do
Estado extremamente alta quanto uma capacidade extremamente baixa inibem a
democracia, pressuposto que reflete a preocupação dos avaliadores da Freedom
House de estabelecer um meio-termo entre elas. Assim como outros institucionalistas,
Tilly reforça a relevância das trajetórias dos regimes nas perspectivas em relação à
democracia bem como ao caráter da democracia se a ela o regime chegar. Outro fator
que identifica é a velocidade com que a desdemocratização se dá historicamente,
sobrevindo muito mais rápido que a democratização anterior ou subsequente. (TILLY,
2013, p. 30-53)
2.2.
PARTICIPAÇÃO DOS ATORES: A ADERÊNCIA DA ELITE POLÍTICA COMO
REQUISITO
Como elucida José Alvaro Moisés, os processos de transição são tarefas de
engenharia institucional, cuja dificuldade é fruto da competição entre diferentes visões
de mundo sobre como o conflito deve se processar. Sobre a ação política e a
autorização de uma opção social em detrimento de outra, lembra: “O consenso
normativo é sempre um consenso sobre normas, regras de procedimento e valores
compartilhados pelos diferentes grupos que formam a sociedade.” (MOISÉS, 1988,
p.50) Portanto, os processos de transição política decorrem da interação mútua entre
mudança nas instituições e mudança na cultura política, reconhecendo que uma sem a
outra tem baixa capacidade de reforma. Ainda segundo o autor, a transitologia que
mobiliza a atuação de atores estratégicos baseia-se nas teorias da escolha racional, na
maximização dos interesses do grupo ao qual pertencem. (MOISÉS,1989 ,p.89, apud,
20
QUINALHA, 2013, p.56)
As três condições, assinaladas por Tilly, capazes de produzir entre os cidadãos
e o Estado as relações amplas, igualitárias, vinculantes e protegidas que constituem a
democracia, surtem efeito quando em conjunto.(TILLY, 2013, p.110) Especialmente o
terceiro elemento, a redução dos centros autônomos de poder coercitivo, merece ser
considerado tendo em vista a participação dos atores no processo de democratização.
Na hipótese de luta armada pelo controle do governo, os atores aqui referidos podem
ser tanto a elite política quanto o grupo rebelde, que ao desertarem reduzem as
chances de êxito do jogo democrático. Aliás, a respeito da rápida desdemocratização, o
próprio autor sugere que seria resultado não da insatisfação popular, mas da defecção
da própria elite, de modo a manter ou restaurar seu poder em face de uma ameaça à
sua segurança e aos seus ganhos. (TILLY, 2013, p.164-167)
Stepan e Linz (1999) em “A Transição e Consolidação da Democracia” trazem
contribuições ao tema, discutindo as tarefas que os diferentes países têm de enfrentar
ao iniciar a luta para tornarem-se democracias consolidadas. Entendem que a
democracia
acontece
quando
as
dimensões
comportamentais,
atitudinais
e
constitucionais apresentam tal forma de regime como “o único jogo disponível” na
sociedade.18 Desse modo, quando:
1) em termos comportamentais: nenhum ator nacional de importância
significativa, quer social, econômica, política ou institucional, despenda recursos
consideráveis na tentativa de atingir seus objetivos por intermédio da criação de
um regime não democrático
2) em termos de atitudes: a maioria da opinião pública mantém a crença de que
os procedimentos e as instituições democráticas são a forma mais adequada
para o governo da vida coletiva, e quando o apoio a alternativas contrárias ao
sistema é bastante pequeno, ou mais ou menos isolado das forças pródemocráticas
3) em termos constitucionais: tanto as forças governamentais quanto as nãogovernamentais em todo o território do estado, sujeitam-se e habituam-se à
resolução de conflitos dentro de leis, procedimentos e instituições específicas,
sancionadas pelo novo processo democrático. (LINZ, 1999, p.24)
Ou seja, se todos os atores na comunidade política habituam-se ao fato de que os
conflitos serão resolvidos de acordo com as normas estabelecidas e que as violações
dessas normas provavelmente serão ineficazes e sairão caro, então há democracia. No
18
Atribuem a Giuseppe di Palma a expressão “the only game in town” p. 274
21
que toca à participação dos atores, Stepan e Linz identificam as elites políticas como
um possível obstáculo à consolidação da democracia dada sua ambivalência quanto às
instituições democráticas. Além disso, alertam para um problema típico dos períodos de
transição, que se verifica quando: “Os detentores do poder não-democrático
argumentam que algumas mudanças liberalizantes introduzidas por eles são, em si,
suficientes para a democracia.” Ao analisar a consolidação da democracia, os autores
sugerem:
A questão principal, para a democracia, é que uma crise de governo seja
resolvida de forma razoavelmente rápida, antes que se transforme numa “crise
do regime”, para que uma nova coalizão política se forme visando tentar de
novo combinar a eficácia das políticas com a legitimidade democrática. (LINZ,
1999, p.207)
Tal detalhe é relevante pois distingue entre “crise de governo”, à qual todo regime
democrático está sujeito, e sua evolução, a crise do regime, esta sim, efetivamente um
risco à consolidação da democracia.
Cook e Call condenam a negligência da literatura de peacebuilding no que se
refere à tensão entre os interesses da elite e aqueles da população enquanto as
reformas estatais vão sendo introduzidas no pós-conflito. (CALL, 2003, p.237) Os
autores consideram que os especialistas em democratização são menos propensos a
fazer o mesmo, apesar de muitas de suas prescrições presumirem que proteção aos
direitos humanos, aos interesses da elite, participação em massa e Estado democrático
de direito possam conviver sem afetar negativamente um ao outro. 19 Proponentes de
uma definição de peacebuiding enquanto “esforços para transformar relações sociais
potencialmente violentas em relações e resultados pacificos e sustentáveis.”, procuram
enfatizar tanto a paz positiva quanto a negativa e contemplar “a elite e a não-elite”. A
partir dessa matriz, pretendem superar a ineficácia que decorre da implementação de
modelos externos que negligenciam as instituições locais preexistentes. Como agenda
de pesquisa sugerem maior articulação, para benefício de ambos, entre estudos de
processos conduzidos pelas elites, e aqueles focados em peacebuilding no nível local,
conduzidos pela comunidade. (CALL, 2003, 240-241)
Esse diagnóstico é determinante para a análise do grau de dificuldade do
19
Em nota de rodapé citam Linz e Stepan, Przeworski e Paris como exceções.
22
projeto de paz, que será tanto maior quanto os atores ficarem excluídos da decisão
sobre as regras de funcionamento da democracia. Para que tenha maiores chances de
sucesso, o pacto terá de permitir o convívio entre as forças políticas no novo regime,
equilibrando interesses antagônicos. Enquanto o custo da obediência às regras
democráticas for maior do que os ganhos garantidos no emprego da violência, a paz
não será duradoura e a democratização falhará.
23
3. AS FUNDAÇÕES INSTITUCIONAIS E O CONFLITO
3.1.
FRACASSO ESTATAL: O DESENVOLVIMENTO COMO PRÉ-REQUISITO?
Paul Collier em “Political Economy of State Failure” relaciona o fracasso estatal
com a incapacidade de oferecer segurança e accountability, bens públicos
determinantes para o desenvolvimento. Da perspectiva do cidadão, falta de capacidade
institucional e intenção perniciosa (dos governantes) gerariam fracasso em termos de
bem-estar. A novidade do trabalho é a interconexão estabelecida entre os dois
elementos. Três circunstâncias seriam determinantes na análise de Collier: 1) O
tamanho das colônias, em particular na África, dificulta o fornecimento eficiente de
segurança e accountability; 2) A diversidade étnica como fator que compromete a
cooperação; 3) A disponibilidade (ou não) de recursos naturais.20 O autor menciona o
problema das táticas ilícitas empregadas nas eleições e a vantagem que tal mecanismo
confere aos lideres de “estados falidos”, desestimulando o investimento nas instituições.
Como solução, sugere que a ajuda externa com segurança seja condicionada a
eleições livres e justas, assim a ameaça de coup d´état faria os governantes abdicarem
de táticas ilícitas. Para ilustrar, usa as intervenções militares empregadas para
reinstalar governos legitimamente eleitos, bem vindas em Serra Leoa e no Haiti.
(COLLIER, 2009, p.234) O argumento ventilado é que na ausência de um Estado
eficiente, o desenvolvimento econômico é frustrado, e o risco de rebelião aumenta em
resposta à estagnação econômica. Isso se daria pois enquanto a guerra internacional
dura em média seis meses, a guerra civil dura entre 7 e 15 anos. (COLLIER, 2009,
p.222) Ao longo de um periodo tão longo, tanto a economia quanto as instituições do
Estado sofrem as consequências, diminuindo a capacidade estatal de oferecer serviços
públicos.
Em 1958, Lipset investigou os determinantes sociais capazes de dar suporte à
democracia, sugerindo como resposta o desenvolvimento econômico e a legitimidade
política.(LIPSET, 1958) De acordo com sua pesquisa, o nível de renda de uma nação
afetaria a receptividade ou não às normas políticas democráticas. Um dos exemplos
20
Para Besley et Persson (2008) a disponibilidade de recursos naturais serve como incentivo para a
tomada do governo por aumentar os ganhos dos rebeldes e favorecer a insurgência
24
referidos como próprio dos países pobres é o nepotismo, que impede a formação de
uma burocracia, da qual depende o Estado moderno.
Na tentativa de confirmar através de pesquisa empírica o ratio “promover a
democracia para evitar conflito interno”, Collier e Rohner em “Development, Democracy
and Conflict” (2008) partem da premissa de que a democracia tem, a priori, efeitos
líquidos (net effects) ambíguos. Os autores testam a hipótese de que tornar o governo
mais responsivo evitaria a oposição violenta da parte dos cidadãos, o dito
“accountability effect”, questionando o desempenho de tais mecanismos no que diz
respeito à manutenção da segurança.21 Partindo da premissa de que em países nos
quais a renda é baixa os payoffs da via violenta são maiores do que os bônus da
democracia, apontam a pilhagem “loot-seeking” como motivação predominante dos
rebeldes, justificando sua resistência aos mecanismos de accountability. Desse modo,
confirmam nos resultados a relação entre desenvolvimento e democracia22,
submetendo a potencialidade do accountability a uma renda mínima, que seria de
aproximadamente U$2,750 per capita. Por reconhecerem na accountability uma das
formas de melhorar a eficiência dos gastos públicos, não descartam a democracia como
alternativa, apenas consideram que nos países com renda baixa tal regime deve ser
complementado por um componente de fortalecimento da segurança, sob pena de
aumentar a inclinação à violência política. (COLLIER, 2008, p.534) O trabalho de Quinn
et al. Também confirma a hipótese de que o bem-estar econômico, a partir do PIB per
capita, é capaz de prevenir a probabilidade de rebelião, associando a paz ao
desenvolvimento econômico. (QUINN, 2005, p.25)
Parece razoável afirmar que o desenvolvimento econômico não é condição
suficiente para a democratização, mas componente necessário para incrementar a
eficiência estatal. A gestão dos recursos tem de permitir a identificação do Estado com
a capacidade de oferecer serviços públicos aos cidadãos. No entanto, essa tarefa
torna-se difícil na conjuntura do pós guerra civil, quando as consequências para o
21
Apresentam como exemplo o caso de Saddam e Stalin que conseguiram manter a segurança apesar
de (e possivelmente em razão de) não serem constrangidos por mecanismos de accountability. (p. 531)
22
Nesse trabalho democracia é tratada como uma variável dummy com base no dataset Polity IV, o
critério aplicado é igual ou acima de 6 para configurar democracia, o que torna os resultados coerentes
com a classificação do próprio Polity.
25
Estado são perniciosas e o modus operandi dos doadores internacionais não contribuiu
para mitiga-las. Mas nem o desenvolvimento nem o aumento na capacidade estatal são
suficientes, sendo necessária uma justificação que vincule os cidadãos às instituições
para que o regime se distancie do autoritarismo.
3.2.
DO PODER À AUTORIDADE: LEGITIMIDADE DAS INSTITUIÇÕES
Lipset, ao falar sobre a legitimidade, seu segundo requisito para a democracia,
define-a como capacidade de um determinado sistema político engendrar e manter a
crença nas instituições políticas como as mais apropriadas para aquela sociedade. Um
determinado grau de legitimidade interessa pois permite que o sistema democrático
atravesse crises. Ele explica as crises de legitimidade como momentos de mudança
estrutural, sendo que à nova estrutura social estabelecida caberá manter as
expectativas dos “maiores grupos” (entendidos aqui como elite política) durante um
período longo o bastante para se estabelecerem. (LIPSET, 1985, p.87) Isso aproveita
aos contextos das operações de paz, onde soluções que atravessem a via local,
emanadas do governo eleito, tenderão a ser mais legítimas e bem-sucedidas que as
medidas impostas pelos internacionais, de fora para dentro.
Ainda quanto a inclusividade, Dahl elogia o governo que promove a participação
da população por intermédio do voto; porém, a insistência na regra da maioria, por si
só, não é suficiente para o processo democrático. Sendo necessária uma justificação
capaz de tornar o processo correto e lícito para a população, ou seja, legitimidade.
(DAHL, 1997, p. 28)
Giovanni Sartori explica a transformação do poder (vis coactiva) em autoridade
(vis directiva), a substituição dos “detentores do poder” pelos “detentores da
autoridade”, como o objetivo principal da democracia. A capacidade de mandar fazer,
autoridade, será tanto mais eficaz quanto a aderência for espontânea, e não imposta.
Trata-se, então, de uma questão de legitimidade. Nesse binômio repousam os regimes
políticos, sujeitos a solaparem ou a tornarem-se autoritários se a legitimidade se perder.
O autor recorre à distinção entre ter autoridade e ser autoritário, a primeira fundamento
26
para a democracia e a última para “o que a democracia não é”. (SARTORI, 1994, p.253257)
Stepan e Linz insistem na noção de estatalidade à qual o governo
democrático moderno está vinculado, ao submeter um regime democrático moderno
consolidado à existência de um Estado, já que sem ele não pode haver cidadania, e
sem cidadania não pode haver democracia. (LINZ,1999, p.47) O critério constitucional,
segundo o qual tanto as forças governamentais quanto as não governamentais
sujeitam-se à resolução de conflitos dentro de leis, aplica-se também aos cidadãos. O
consenso nas democracias garante a exigência de obediência, e reforça a necessária
legitimidade da qual o governo deve gozar.
Caso os governantes se coloquem à margem da lei, a consolidação da
democracia não estará completa. No limite, entre os tipos de governos não
democráticos, o sultanismo figura como o poder personificado no governante, sendo a
administração sua ferramenta pessoal, portanto a fusão do poder pessoal e público.
Nesse tipo de regime patrimonialista, o caminho democrático seria virtualmente
impossível sem monitoramento e garantias externas. Linz e
Stepan chegam a
mencionar como melhor perspectiva para a transição democrática o levante
revolucionário por líderes inspirados pelo ideal democrático “que contem com o apoio
internacional, que determinem uma data para as eleições e que permitam a livre
competição pelo poder”. O que aparece como um elogio às operações de paz cujo
mandato contemple a realização de eleições na hipótese de regime anterior sultanista.
A ressalva apresentada é que apesar da exigência da realização de eleições para a
transição, a consolidação democrática requer muito mais do que eleições e mercados.
(LINZ, 1999, p.82-83)
Na literatura específica sobre peacebuilding, a importância da legitimidade é
reforçada. Melissa Lebonte sugere que “onde percepções de legitimidade institucional
forem altas, o potencial para a longevidade institucional é bom.” (LEBONTE, 2003,
p.271) Em igual medida o Manual do Banco Mundial de Suporte ao state-building refere
às duas ferramentas citadas, recomendando a análise de determinada instituição em
27
três dimensões: a) autoridade; b) capacidade; e c) legitimidade.23
3.3.
ACCOUNTABILITY COMO FREIO À CONFUSÃO ENTRE O PÚBLICO E O
PRIVADO
A centralidade da separação liberal e republicana entre o público e o privado,
entende-se pela falta dela nas autocracias. Quando ausente, governantes consideramse desobrigados a obedecer à lei, ao mesmo tempo que invocam o discurso do bem
comum da população. O’Donnel em “Accountability Horizontal e Novas Poliarquias”,
critica os governantes de legibus solutus que ignoram o republicanismo a favor de
vantagens pessoais, referindo-se a
regimes neopatrimonialistas,
quando
não
sultanistas.24 O autor destaca que muitos regimes emergiram, no entanto, poucos
tornaram-se poliarquias, apesar de alguns terem realizado eleições para “dar um ar de
legitimidade a seus governantes”, registrando a influência forte da tradição democrática
e alinhando-se aos autores precedentes.25 Para entender a que se referem os
componentes liberais e republicanos, precisa:
Todos os cidadãos tem direitos iguais de participar na tomada de decisões
coletivas dentro do quadro institucional existente; uma declaração democrática
à qual se acrescenta o preceito republicano de que ninguém, inclusive aqueles
que governam, deve estar acima da lei; e a salvaguarda liberal de que certas
liberdades e garantias não devem ser infringidas. (O’DONNEL, 1997, p.30)
Nesse sentido, a separação entre público e privado justifica a demanda por
mecanismos capazes de pressionar os governantes, tornando-os responsivos aos
cidadãos. É por esse motivo que o Banco Mundial apresenta como estratégia para
aperfeiçoar a legitimidade política dos “estados frágeis” o apoio à medidas de
accountability e integridade.
23
THE WORLD BANK GROUP, Guidance for Supporting State- Building in Fragile and Conflict-Affected
States: A Tool-Kit,
Public
Sector and
Governance Group, 2012.
Disponível em:
http://siteresources.worldbank.org/PUBLICSECTORANDGOVERNANCE/Resources/2857411343934891414/8787489-1347032641376/SBATGuidance.pdf Acesso em 30/11/14
24
O´Donnel remete a Weber e Linz em Totalitarian and Authoritarian Regimes ao mencionar o sultanismo
(p. 39)
25
O autor se refere aquelas democracias políticas ou poliarquias que “mesmo tendo realizado eleições,
não satisfazem as condições de competição livre e justa estipulada pela poliarquia.” (p. 27)
28
De acordo com O’Donnel, são dois os vértices da accountability: vertical e
horizontal. O canal principal da primeira são as eleições, processo com o qual a própria
ideia de democracia nos tempos modernos passou a ser identificada. Já a segunda
define-se pela supervisão que agências estatais exercem das ações de outros agentes
ou agências de Estado a fim de evitar práticas delituosas. (O’DONNEL, 1997, p.40)
Entre os mecanismos de accountability horizontal pontuados no estudo estão: “ações
realizadas individualmente ou por algum tipo de ação organizada e ou coletiva, com
referência àqueles que ocupam posições em instituições do Estado, eleitos ou não.”
Com base nesse conceito, identifica a deficiência de accountability horizontal nas
poliarquias em que se opera uma oposição entre as regras formalmente prescritas e a
prática (pays legal VS. pays réel): “A fragilidade de accountability horizontal significa
que os componentes liberais e republicanos de muitas novas poliarquias são frágeis.”
(O’DONNEL, 1997, p.28-30)
Baseando-se no argumento da accountability, Carothers contesta a tese de
sequenciar o processo de democratização à construção de capacidade estatal,
desmistificando
a
crença
no
melhor
desempenho
dos
governos
autocratas
comparativamente às democracias fracas. O autor reconhece entre os sintomas das
democracias jovens o funcionamento subótimo das eleições como mecanismo eficaz na
criação de accountability e de legitimidade, recorrentemente menores do que o
esperado pelos proponentes desse regime. Porém, ainda assim, maiores do que nas
autocracias.(CAROTHERS, 2007, p.21) Apesar de tais limitações, argumenta a favor da
alternância no poder, cujo efeito é romper com a concentração nas mãos de um único
grupo e favorecer o rule of law. O fluxo de responsividade entre cidadãos e o Estado
criado pelas eleições, mesmo se imperfeito, submete os administradores à lei e seus
atos à publicidade. É provável que graças à realização das mesmas um desempenho
estatal bom seja objeto de preocupação dos governantes, visando a manutenção do
poder pela via dos votos. Tal efeito não se consegue se a autocracia perdurar. Portanto,
apesar de seus defeitos, as eleições ainda promovem resultados melhores do que a
ausência delas, sob o argumento da
“democratização gradual” caro aos governos
autoritários. (CAROTHERS, 2007, p.18-26) Um estudo de 800 eleiçoões em 97 países
confirma que a população usa dessa oportunidade para remover líderes com
29
desempenho ruim, sempre que possível. (International IDEA and Kofi Annan
Foundation, 2012, apud LEKVALL, 2013, p.46) Veremos no caso de Serra Leoa, Haiti e
Timor Leste as consequências das eleições na aderência ou não ao projeto
democrático, e se o argumento aludido pelos autores se confirma.
Em que pese a importância das eleições em termos de accountability, outros
mecanismos de fiscalização se fazem necessários para a transição democrática bem
sucedida. Por isso, eleições são condição necessária na consolidação da democracia,
mas não suficiente. Apesar das críticas tecidas, a realização de pleitos tem papel
fundamental na construção de legitimidade em dada comunidade política. Por isso, é de
suma importância no caso das operações de peacebuilding, nas quais, a menos que os
esforços na administração do mandato tenham a legitimidade em vista, a paz autosustentável não será alcançada e a dependência externa não cessará.
30
4. AS OPERAÇÕES DE PAZ DA ONU
4.1.
PEACEKEEPING COMO INSTRUMENTO DA MANUTENÇÃO DA PAZ E
SEGURANÇA INTERNACIONAL
Durante o período compreendido entre 1945 a 1990 a divisão do mundo em
esferas de influência fez com que a URSS se retirasse do CSNU permitindo que em
1950 fosse autorizada uma intervenção norte-americana no conflito das Coréias.
(S/RES/84) Mesmo se a invenção do ‘peacekeeping’ não seja atribuída exatamente a
esse momento histórico, Bellamy et al. (2004) argumentam que esta iniciativa já
demonstrava a capacidade da ONU em organizar operações de paz. 26 Posteriormente,
em resposta à Crise de Suez de 1956, mesmo com o CSNU travado a Assembleia
Geral determinou que fosse designada a primeira missão armada de manutenção da
paz, a UNEF. (GOMES, 2009, p.290) Por não se enquadrar no Capítulo VII da Carta da
ONU, a operação dependeu do consentimento do país destinatário, o Egito, a quem foi
assegurado que sua soberania seria respeitada. Outro ponto de preocupação foi o
período de permanência das forças estrangeiras, sendo que o Secretário Geral das
Nações Unidas (SGNU) estabeleceu que as Forças deveriam oferecer uma garantia de
retirada, além de reiterar a sujeição da permanência das mesmas ao consentimento do
Egito.27 Um dos requisitos do mandato da UNEF era não submeter o país a qualquer
tipo de controle externo. A operação teria, portanto, caráter neutro, evitando se envolver
nas questões domésticas além de não poder recorrer ao uso da força, com exceção de
caso de legítima defesa. (PARIS, 2003, p.449) O terceiro evento significante no período
assinalado foi o ano de 1960 com a operação da ONU no Congo, na qual as tropas
foram enviadas para restaurar a lei e a ordem e promover estabilidade econômica e
política – aquilo que se convencionou chamar de operação de paz. (DOBBINS, 2005,
apud, GOMES, 2009, p.290) Fundavam-se, conforme as palavras do então SGNU Dag
Hammerskjöld, na neutralidade, renúncia ao uso da força, imparcialidade e não
26
Peacekeeping é uma subcategoria de operação de paz, a categoria genérica. Ao longo do presente
trabalho o termo “operação” e “missão” serão usados indistintamente. No entanto, em virtude do caráter
militar do segundo eles não se confundem, conforme ensina Kenkel (2013). O nome United Nations
Department of Peacekeeping Operation é, segundo ele, um anacronismo e não deve prejudicar a opção
pelo termo “operação de paz” que se refere ao empreendimento mais inclusivo.
27
First United Nations Emergency force UNEF (November 1956 - June 1967), Department of Public
Information, United Nations, 2003
31
interferência nos assuntos internos do país hospedeiro.28 Nesse sentido, uma definição
que explica o escopo das operações de peacekeeping, proposta por Marrack Goulding,
é a seguinte:
Operações das Nações Unidas em campo nas quais efetivos internacionais,
civis e/ou militares, são enviados com o consentimento das partes e sob o
comando das Nações Unidas para auxiliar a controlar e resolver atual ou
potencial conflito internacional ou interno que tem uma dimensão internacional
clara. (GOULDING, 1993, p.4)
Destacam-se os requisitos do consentimento das partes e do caráter internacional do
conflito na definição apresentada, aspectos essenciais nessa primeira geração de
teorias sobre a paz e o conflito segundo a classificação proposta por Oliver Richmond.
Trata-se de uma abordagem influenciada pelo realismo político e pela crença de que o
conflito seria biológico, privilegiando soluções que perpassavam a estrutura
estadocentrista das Relações Internacionais, resultando na construção de uma paz
restrita. (RICHMOND, 2010, p.17)
4.2.
GALTUNG E A PAZ “DE BAIXO PARA CIMA“
Atribui-se à Johan Galtung a origem do termo “peacebuilding” em seu ensaio
“Three Approaches to Peace: Peacekeeping, Peacemaking and Peacebuilding”29, no
qual advoga pela criação de estruturas capazes de promover a paz sustentável,
adereçando as causas principais “root causes” do conflito.30 De acordo com o autor, a
paz como “ausência de violência” teria inspiração na medicina, onde a saúde é vista
como a ausência de doença; não obstante, tal definição negativa teria dado margem ao
surgimento de outra, gêmea, a de paz positiva, que na metáfora corresponde à
construção de um corpo saudável, capaz de resistir às doenças. (GALTUNG, 1985,
p.145) Com efeito, Galtung identifica dois discursos opostos sobre como lidar com a
28
ÅHLÉN, David, Dag Hammerskjöld achievements, Government Offices in Sweden. Disponível em:
http://www.government.se/sb/d/15110/a/174768 Acesso em 29/11/14
29
Ver UNITED NATIONS, UN Peacebuilding: An Orientation, Peacebuilding Support Office, Setembro
2010, p.45
30
UNITED NATIONS PEACEBUILDING SUPPORT OFFICE, Peacebuilding & The United Nations, What
is peacebuilding? Disponível em: http://www.un.org/en/peacebuilding/pbso/pbun.shtml Acesso em
12/11/14
32
violência: o da segurança e o da paz. (GALTUNG, 2004, p.1) No primeiro paradigma
estariam presentes quatro componentes, apresentados a seguir:
Discurso da Paz
Discurso da Segurança
1) uma parte potente e mal intencionada
1) um conflito, que ainda não foi resolvido;
2) um perigo claro de violência, real ou
potencial
3) força, para derrotar ou deter a parte
má; produzindo
2) perigo de violência para solucionar o
conflito
3) transformação do conflito,
empática/criativa/não-violenta; produzindo
4) segurança, a melhor abordagem para
“paz”.
4) paz, a melhor abordagem para
“segurança”
O próprio autor reconhece que a abordagem da paz é melhor, porém a da
segurança é, por vezes, necessária. Invocam-se vantagens como a legitimidade que o
paradigma que visa transformação proporciona, além de adereçar as causas originárias
do conflito, evitando que a violência se reproduza.
Os estudiosos da paz procuram identificar as condições para que se promovam
ambos aspectos da paz, o primeiro ligado ao conflito propriamente dito e o segundo à
justiça social, por acreditarem poder contribuir melhor sem priorizar nem um nem outro,
igualmente importantes. (GALTUNG, p.1969, p.180) Desse modo, paz durável não se
confunde com a inexistência de conflito. (ANNAN, 2001, p.2) mas quando os conflitos
naturais à sociedade podem ser resolvidos pacificamente, através de vias legais.
A tentativa de entender as causas originárias do conflito, pressupondo tratar-se
não mais de fenômeno biológico mas social e psicológico, é própria da segunda
geração das teorias identificadas por Richmond. Como solução, a construção da paz
positiva, capaz de lidar com a repressão das necessidades humanas que deu origem
ao conflito em um primeiro momento. Nessa segunda classificação opera-se um
deslocamento da ênfase no Estado para incluir atores da sociedade civil, que seriam
agentes da paz de baixo para cima (bottom-up). A engenharia social, política e
econômica da qual os interventores devem se ocupar a fim de remover as condições
que criam a violência que essa teoria pressupõe é o fundamento da construção da paz
liberal, conforme sugere o autor. (RICHMOND, 2010, p.20)
33
4.3.
OPERAÇÕES DE PAZ PÓS-VESTFALIANAS: A RECONSTRUÇÃO
DEMOCRÁTICA
Oficialmente, foi no relatório do então SGNU, Boutros Boutros-Ghali, Agenda
pela Paz, que o peacebuilding foi apresentado como uma ferramenta capaz de
responder
à
natureza
dinâmica
dos
conflitos
contemporâneos.
(A/47/277) A
Peacebuilding Orientation menciona como razões para esse conceito de paz revisitado
o fracasso de acordos de paz nos anos 90, como em Angola, a retomada da violência,
tal qual no Haiti, e as guerras prolongadas, à exemplo do Sudão.31
Na análise de Bellamy et al. essa nova espécie de operações de paz seria a
pós-Vestfaliana, que se caracterizaria pela crença dos líderes ocidentais de que o
liberalismo e a democracia trariam a mesma prosperidade e paz para as áreas de
instabilidade que trouxeram para seus países. (BELLAMY, 2004, p.4) Trata-se de um
modelo datado, do final da Guerra Fria e da vitória do modelo liberal capitalista estadounidense. (LEKVALL, 2013; PARIS, 2003; BELLAMY, 2004) Nas palavras de BoutrousGhali, cujo mandato coincidiu com a adaptação da ONU ao mundo pós Guerra Fria, a
accountability e a legitimidade próprios à democracia reaparecem :
A accountability e a transparência de governos democráticos aos seus
cidadãos, os quais, compreensivelmente, podem estar altamente preocupados
com a guerra já que são quem terá de suportar seus riscos e encargos (...) A
legitimidade conferida aos governos democraticamente eleitos impõe o respeito
às pessoas de outros estados democráticos e nutre expectativas de
negociação, compromisso, e respeito ao Estado de direito. (A/51/761).
Ou seja, nessa redefinição, os tratados de paz passaram a ser implementados,
abrangendo questões mais amplas, deslocando-se, pois, do objetivo anterior de se
restringir ao monitoramento de acordos de paz já existentes. Assim, o novo escopo das
operações de paz passa a incluir a proteção e disseminação do modelo de governança
liberal e democrático, abraçando um projeto mais ambicioso. Outra distinção das
operações do modelo Vestfaliano, agora estados com guerra civil em andamento
poderiam recebê-las, como foi o caso da Somália e da Bósnia. Remonta dessa época a
origem do termo peacebuilding, ou construção da paz, que traduz uma evolução do
31
UNITED NATIONS, UN Peacebuilding: An Orientation, Peacebuilding Support Office, Setembro 2010,
p.45
34
peacekeeping e reflete a institucionalização da paz. Para Alex Bellamy (2004),
peacebuilding é um gênero do qual state-building, estabelecimento do Estado de direito,
democratização e reconstrução econômica são espécies. (BELLAMY, 2004, apud,
GOMES, 2009, p.313) Sendo state-building, segundo a definição da DAC, International
Network on Conflict and Fragility (INCAF), um processo endógeno para melhorar a
capacidade, as instituições e a legitimidade do Estado a partir da interação entre o
Estado e a sociedade. (PARIS, 2003, p. 450)
Nessa reformulação do escopo das operações de paz vieram: a necessidade de
convocar eleições, garantir liberdades civis e estabelecer um liberalismo de mercado,
traduzidas nas políticas das agências de assistência, tais quais USAID, FMI, Banco
Mundial, que condicionam o financiamento às reformas supracitadas. (PARIS, 2003,
p.447) Marina Ottaway chama tal empreendimento de “modelo de reconstrução
democrática”. Segundo diagnostica, seus proponentes se preocupam mais em coincidir
o prazo das eleições com a estratégia de saída às pressas, em detrimento de
considerar o tempo necessário para a realização de eleições bem-sucedidas.
(OTTAWAY, 2003, p.314)
Tal modelo de reconstrução amplamente aceito está imbuído no termo
“consenso peacebuilding” proposto por Richmond. O autor aponta a evolução rápida do
peacekeeping multidimensional para statebuilding como resultado da pretensão dos
agentes internacionais em contribuir na democratização de estados falindo e falidos. Ou
seja, o caráter multidimensional entende-se pela intervenção no desenvolvimento,
direitos humanos, reforma econômica e política, tornando a atividade do peacebuiding
parte da governança global. A principal limitação dessa terceira geração é seu projeto
de construção da paz insistir na via de cima para baixo, cujo efeito é reificar a violência
estrutural, reforçando a paz dos vencedores. De maneira análoga, a insistência “dos
doadores de alimentar uma engenharia de fora para dentro, presume a existência da
paz universal, e ignora as especificidades do país que a recebe”, possibilitando a
ingerência da comunidade internacional. (RICHMOND, 2010, p.22-25)
35
4.4.
BRAHIMI REPORT: A IMPOSIÇÃO DA PAZ VIA CAPÍTULO VII DA CARTA
DA ONU
Em 2000 um Painel sobre as Operações de Paz foi dirigido por Lakhdar
Brahimi, antigo Ministro das Relações Exteriores da Argélia, com o intuito de rever as
operações de peacekeeping. Dele se originou o Brahimi Report, que define
“peacebuilding” como: “atividades adotadas no final do conflito para reagrupar as
fundações da paz e oferecer as ferramentas para construir, nessas fundações, algo
além da mera ausência da guerra” (A/55/305, S/2000/809), retomando a definição de
paz sustentável discutida por Galtung.
Posteriormente, em 2001, o então SGNU Kofi Annan firmou os termos do
término das operações de paz enfatizando a importância de atingir uma paz durável e
um desenvolvimento sustentável: “construindo instituições e atitudes políticas, sociais e
econômicas que irão prevenir os conflitos”. (S/2001/394) O nome do documento “No
exit without strategy” revela a preocupação com a dependência que os países
destinatários de operações vinham criando em relação aos agentes internacionais.
Como solução, sugere perguntas a serem respondidas pelos agentes do peacebuilding
antes da decisão definitiva pela retirada.
A mesma preocupação em diminuir as chances de recorrência da guerra no
pós-conflito motivou a criação da Comissão de Consolidação da Paz das Nações
Unidas (PBC) durante o World Summit de 2005. O documento procurou sanar defeitos
das operações, sugerindo o uso de forças de peacekeeping robustas o suficiente para
representar uma ameaça aos beligerantes impedindo-os de descumprir tratados de paz
já assinados. Além disso, recomendava ao CSNU que não enviasse uma missão a
menos que tivesse os meios para alcançar seus objetivos. O mandato da PBC destacase nos seguintes pontos: (a) oferecer estratégias para a consolidação da paz pósconflito; (b) ressaltar os esforços de desenvolvimento institucional necessários à
superação dos conflito; e (c) incrementar a coordenação dos atores relevantes dentro e
fora da ONU. Em paralelo a isso, foi criada uma divisão internacional de policiais civis
(CivPol) vindos de 80 países participantes. (BELLAMY, 2010, p.202)
O atual presidente da PBC, Antonio Patriota, discorre sobre a maior atenção
36
dedicada às manifestações de instabilidade no interior dos Estados a partir do novo
paradigma da segurança coletiva. (PATRIOTA, 2010, p.8) Sugere que as ferramentas
coercitivas do sistema de enforcement, o núcleo do Capítulo VII da Carta das Nações
Unidas, sejam submetidas a maior disciplina. Para tanto, insiste no caráter excepcional
das medidas para restabelecer a paz dispostas no artigo 42, as quais devem ser
aplicadas como última ratio, após tentativa via embargo e/ou sanções econômicas.
Conforme discutido, essas duas alternativas representam enfoques opostos para a
retomada da paz: o do isolamento e o da intervenção, sendo ambos incompatíveis com
o princípio de não intervenção32, pois independem do consentimento do Estado a que
se destinam. Por esse motivo, a regulação do uso da força faz-se necessária,
consoante o comentário do ora presidente da Corte Internacional de Justiça, Mohamed
Bedjaoui:
a tarefa é submeter o uso da força a uma disciplina cada vez mais rigorosa,
para confirmar e desenvolver as regras que fortalecem o justo recurso a ela,
eliminar as práticas que a levam a se perder, e dotar esse recurso do respeito e
reconhecimento que ele necessariamente desperta quando funciona para
fundar a ordem em cima de justiça. (BEDJAOUI, 1994, p.6, apud, PATRIOTA,
2010, p.193)
Ou seja, é preciso limitar o uso da força para evitar seu mau uso e subsequente
descrédito. Para que tenha sucesso, a coerção tem de fundar a ordem em cima de
justiça, portanto não pode prescindir de uma estratégia de pacificação política Nesse
sentido, o uso da força tem de ser submetido à “uma concepção autenticamente
multilateralizada da segurança coletiva”, para que o empreendimento dos agentes
internacionais não se restrinja, na prática, ao imediatismo. (PATRIOTA, 2010, p.187193)
A dificuldade do elemento militar nas missões onusianas deriva de sua
legitimidade a fortiori, em descompasso com o processo longo e não necessariamente
linear que é a construção da paz pós-conflito. Após seis décadas de operações de paz
da ONU, o modelo de intervenção de atores internacionais na realidade doméstica dos
32
Artigo 2.7 :"Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em
assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os membros a
submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta, este princípio, porém, não
prejudicará a aplicação de medidas coercitivas constantes do Capítulo VII".
37
países que ainda estão em guerra ou recém saídos dela tem sido objeto de críticas e
estudo a seguir expostos.
5. DEBILIDADES DA PAZ LIBERAL
5.1.
DEMOCRATIZAÇÃO E RECORRÊNCIA DE GUERRA
A propensão dos países recém saídos de guerras civis a retomarem a violência
é um dos fundamentos da crítica ao modelo de reconstrução democrática. Quinn et al.
(2005) pesquisaram os determinantes da recorrência de guerra civil, partindo dos
Correlates of War entre 1944 e 1997. Encontraram que mesmo quando presentes bemestar econômico e democracia, países no pós guerra estão fortemente condicionados a
retomarem a violência. Os resultados demonstram que a democracia não afetou a
recorrência de guerra civil, talvez porque o universo dos países estudados apresentava
baixa democratização se comparada com o resto do mundo, então as diferenças entre
eles não foram significantes o bastante. Os autores identificam duas pré-condições para
que o conflito se reinicie: 1) a ‘dupla soberania’ (dual sovereignty), entendida como a
aparição de duas coalizões com propostas alternativas de controle do governo; e 2) a
crença de um dos combatentes ou de ambos que a retomada do conflito armado é
preferível à paz. (QUINN, 2005, p.7) Com base na primeira condição entende-se a
hipótese de que as transições negociadas são mais propensas à violência renovada do
que os conflitos que encerram com vitória militar, já que na primeira delas tanto os
rebeldes quanto o governo retém sua capacidade organizacional de retomar a guerra.
(CALL, 2008, p. 187) Um fator capaz de desmobilizar os protagonistas dissolvendo a
“dupla soberania” seria o mecanismo de power-sharing nas negociações, que dialoga
com o estudo de Tilly em relação à dissolução dos centros de poder autônomos.
(QUINN, 2005, p.10-24) Os resultados encontrados na pesquisa confirmam que a
presença de operações de peacekeeping em casos de transição negociada é uma
variável capaz de minimizar as chances de retorno à violência. Nesse tipo de transição,
tais agentes servem para garantir a segurança das negociações firmadas, evitando que
uma das partes descumpra o combinado e retome as violações.
Outro discussão sobre a mesma temática é a de Cook e Call em “On
Democratization and Peacebuilding”. No artigo os autores apresentam o seguinte dado:
38
dos 18 países que receberam operações de peacekeeping com componente de
construção de instituições entre 1988 e 2002, treze (72%) foram classificados como
alguma forma de regime autoritário em 2002. (CALL, 2003, p.234) Rebatendo a
presunção de que peacebuilding e democratização andam necessariamente juntos e
que as transições são lineares. Entre os 18 países estão Haiti, Serra Leoa e Timor
Leste.
Besley e Persson, baseados no dataset Polity IV, reiteram o ceticismo no que
se refere aos efeitos da democratização na prevenção do conflito. Os resultados
obtidos mostram 37% de democracias entre os países que sofreram guerra civil, contra
49% na amostra dos países que não sofreram, portanto uma diferença pequena. É
importante frisar que os autores tratam democracia como uma variável dummy,
considerando regimes com valores de Polity2 acima de zero como democráticos.
(BESLEY, 2008, p.18) Não obstante, de acordo com a legenda estabelecida no Polity,
democracias seriam aquelas entre 6 e 9, sendo 10 considerado democracia plena e 1-5
anocracia aberta.33 A relevância das instituições democráticas parece importar no
seguinte dado sobre a presença de “checks and balances”: 12% nos países que
atravessaram guerras civis contra 31% nos que não tiveram incidência, reforçando a
necessidade de reformas institucionais para evitar o retorno da violência.
Mansfield e Snyder (2005) indicam os perigos de uma democratização
precipitada (hasty democratization) ao sustentar que os efeitos, a curto prazo, de uma
transição democrática frequentemente dão origem a guerra ao contrário de paz. Os
autores introduzem uma nova variável ao Polity III: concentração central de autoridade
estatal, para dizer que uma combinação de aspectos de transição incompleta para a
democracia e instituições centrais fracas é o que torna a guerra provável. Demonstram
que tentativas de transição sem instituições de public accountability estão fadadas a
recorrência de violência nacionalista, uma vez que as elites cujos privilégios estão
ameaçados encontram nessa ideologia um apelo tremendo. Chegam a afirmar que
“Estados em vias de democratização são altamente inclinados a guerra” objeto de
críticas a pesquisa e ao método pelo qual os resultados foram encontrados.
(MANSFIELD, 2005, p.2-37)
33
Consultar legenda Polity IV em http://www.systemicpeace.org/polity/polity4.htm
39
Tanto a participação da elite quanto a importância de mecanismos de
accountability
na
democratização,
anteriormente
apresentadas,
ressurgem
na
discussão sobre a durabilidade da paz. Tal constatação mostra o quão próximas as
duas áreas do conhecimento estão, recomendando estudos em que ambas se
articulem.
5.2.
REVISIONISTAS E O MODELO HÍBRIDO LOCAL-LIBERAL
Com um empreendimento amplo e pretencioso, a tarefa adiante das Nações
Unidas é complexa e sofre críticas à luz de casos concretos. Um dos principais pontos
criticados é a exclusão da população local e a incapacidade de considerar suas
particularidades no projeto de peacebuilding. Então, parece razoável adaptar o conceito
de Galtung tendo em vista as críticas às operações onusianas. Uma alternativa seria a
paz-auto-sustentável (RICHMOND, 2010, FORTNA, 2004), pois se o projeto diz
respeito à construção de Estados, então não basta que a paz perdure durante a
presença dos agentes internacionais, mas cumpre objetivar a sustentabilidade da paz
pelos nacionais. Isso é confirmado pela literatura que se ocupa do fim das intervenções,
matéria do documento “No Exit without Strategy”, no qual a análise da persistência das
políticas em caso de retirada é um dos critérios que possibilitaria o encerramento de
uma dada missão. (S/2001/394)
Ottaway descarta a opção pelo modelo maximalista de “reconstrução
democrática”, propondo sua substituição por um mais modesto e realista com objetivos
possíveis. São duas as alternativas discutidas em “Promoting Democracy after Conflict:
The Difficult Choices”. A primeira delas é uma versão atenuada do presente modelo,
que se reflete na resposta à seguinte indagação: Que tipo de sistema político
minimamente aceitável pode desenvolver nesse país, baseado na atual distribuição de
poder, nas forças contrabalanceadoras que podem surgir com algum incentivo e ajuda,
e no nível de apoio externo- político e financeiro- que pode ser mobilizado para esse
país em particular?” A segunda é mais drástica: abandonar a abordagem da engenharia
social, esperar e assistir quais sistemas políticos vão sendo criados pelos envolvidos na
40
tentativa de entendê-los para, só então, oferecer-lhes suporte. Essa última solução
seria “aceitar que existem comunidades - ou, talvez mais precisamente territórios - onde
a comunidade internacional não pode reconstruir um Estado moderno, quanto menos
um Estado moderno que seja minimamente democrático.” (OTTAWAY, 2003, p.321)
Como exposto no título do artigo, para que a democracia no pós-conflito tenha objetivos
possíveis é necessário fazer escolhas difíceis, e menos generalizantes.
Oliver Richmond fala em um projeto de peacebuilding de quarta geração,
marcado pelo hibridismo e apropriação de práticas locais como mecanismo de
superação da paz hegemônica para a paz do cotidiano, emancipatória, fundamentada
na autonomia. O argumento defendido é que a paz liberal, espécie de paz virtual, mais
coerente vista de fora para dentro do que de dentro para fora, construiria “Estados
sombra“, com carcaça mas sem conteúdo. (RICHMOND, 2010, p.28) Pureza, em “O
Desafio Crítico dos Estudos para a Paz” critica a “canonização da paz liberal como
resposta única para a conversão das periferias turbulentas” ao propor a descolonização
radical dos estudos para a paz e a construção de uma paz cultural. (PUREZA, 2011,
p.19) A abordagem “híbrido local-liberal” defendida por Richmond opera favorecendo o
protagonismo dos atores na determinação da sua paz ao equilibrá-lo com a construção
da paz liberal. (PUREZA, 2011, p.31) Assim, os críticos promovem um rompimento com
visão hard da paz democrática, em um revisionismo que questiona a paz única e
universal defendida por seus predecessores, propondo “pós-colonizar a paz˜ (BLANCO,
2010) Autores como Herman Schmid (1968), que conversa com Richmond, denunciam
o “reducionismo dos conflitos” associado à visão negativa dos conflitos em sua
pretensão de torna-los administráveis, passíveis de uma solução. Em consequência, a
ONU vem reconsiderando certos posicionamentos, haja vista os documentos “A more
secure world: our responsability” (2004) e “In larger freedom” (2005).
Outro crítico da ideologia da paz liberal é Michael Pugh em “Political Economy
of Peacebuilding”, no qual sugere caminhos para romper com a tradição ortodoxa
aplicada às operações de paz da ONU. A proposta que vincula a paz ao liberalismo
defendida pelos desenvolvimentistas entende o desenvolvimento como capaz de
libertar as sociedades das "armadilhas de conflito". (COLLIER, 2003, apud, PUGH,
2005, p.24) Não obstante, o fracasso do modelo de transformação econômica em áreas
41
de conflito como Serra Leoa e Iraque fez com que a paz liberal fosse reavaliada a partir
de uma análise crítica. (PUGH, 2005, p.26) O autor registra a patologização da
população dos países recém-saídos do conflito como resultado do peacebuilding , que
por sua vez, propõe como solução a “governança terapêutica”, modalidade de
tratamento psicossocial dos estados falidos. (PUGH, 2005, p.34) Para uma teoria crítica
do peacebuilding internacional o autor insiste na indagação: para quem é o
peacebuilding e a quais propósitos serve? Alternativamente à paz liberal ortodoxa,
sugere uma ênfase maior em projetos que evitem subjugar as populações e passem a
emancipá-las.
A renovação dos mandatos das operações de paz nos casos selecionados,
bem como a substituição de uma por outra tendo em vista episódios de instabilidade
política sugere “o quão frágil a construção da paz pós-conflito e a construção do Estado
liberal são e o quão insustentável até mesmo a segurança básica é sem peacekeeping
internacional e uma força de polícia.” (RICHMOND, 2007, p.3) Os autores criticam o
projeto da paz liberal, intervencionista e cosmopolita, referindo a Timor Leste, Haiti e
Serra Leoa na compilação de artigos editada por Richmond “Advances in
Peacebuilding: critical developments and approaches”.
5.3.
CONTRATO SOCIAL
Alternativamente ao universalismo implícito da paz democrática, a noção de um
contrato social é que deve ser priorizada para evitar “Estados sombra.” Ao sintonizar o
projeto de peacebuilding e as tradições existentes, anteriores ao conflito e à
intervenção, o conteúdo do Estado abrangerá elementos comportamentais e
institucionais, potencializando o processo de construção da paz.
Em 2006, Roland Paris teceu uma crítica aos estudiosos contemporâneos da
paz liberal que ao invés de iniciar suas pesquisas na hipótese de não-governo, do
prisma enfatizado pelos contratualistas, isolam características de Estados já
constituídos e exploram a relação entre tais características e a incidência de conflito.
(PARIS, 2006, p.431) Segundo o autor é necessário resgatar o Leviatã de T. Hobbes
42
para tentar explicar a emergência de conflito intraestatal e sua ligação com a eficácia
das instituições a partir da ótica do Estado. Ou seja, encoraja a produção de pesquisa
acerca das fundações institucionais necessárias para uma democratização pós-conflito
bem sucedida. De maneira análoga, Agné (2010) cita os contratualistas para referir que
não importa o quão democrático o processo decisório possa ser em dada comunidade,
seus resultados serão determinados pela decisão anterior e inescapável que definiu a
comunidade no primeiro momento. (AGNÉ, 2010, p.383)34
Já Tull e Englebert (2008) apontam falhas nos esforços de reconstrução
financiados externamente para explicar suas conquistas limitadas na região Africana.
São três as presunções falaciosas que sugerem como justificativa para o fracasso dos
esforços de reconstrução até então realizados: 1) a ideia de que as instituições estatais
ocidentais podem ser transferidas para a África; 2) a crença em um entendimento
comum de fracasso e reconstrução entre os doadores e as autoridades africanas; e 3) a
certeza de que os doadores são capazes de reconstruir os Estados africanos.
(ANDERSON, 2004, apud TULL, 2008, p.111) Segundo os autores, a primeira
presunção se confirma a partir da quase inexistência de Estados na acepção moderna
no continente africano: trata-se de “Estados que são falidos antes de serem formados”
(TULL, 2008, p.112), portanto não há que se falar em “reestruturação”, “reconstrução”,
“reestabelecimento” pois implicam existência de instituições públicas efetivas
aguardando para serem ressuscitadas. Denomina-se “universalismo implícito”
essa
pretensão da comunidade internacional. A segunda se entende vis-à-vis uma má leitura
feita pelos doadores, que negligencia o fato de que reconstrução, para as elites locais,
significa a continuação da guerra e competição por recursos usando novos meios. Eles
são, como anteriormente discutido, freqüentemente hostis a construção de instituições
públicas fortes.
Finalmente,
o
problema
de
objetivos
ambiciosos
pode
ser
compreendido haja vista sua incompatibilidade com os meios financeiros, militares e
simbólicos oferecidos. Os autores reconhecem a possibilidade das sociedades
africanas se recuperaram. No entanto, para ter sucesso é necessário encorajar esforços
34
Ressalta argumentos como o de Tocqueville no qual a máquina democrática é algo inexplicável,
mantida pelos “hábitos do coração” e, portanto incapaz de ser traduzida em uma cartilha, para
argumentar que o momento de fundação da democracia é um paradoxo- tanto em novos Estados quanto
em novas constituições de Estados já existentes
43
dos nativos por meio de um processo de barganha entre as forças sociais e
governamentais. Para eles só assim seria possível resolver a questão dos Estados
falidos na África.
Para essa corrente de contratualistas, a legitimidade não pode ser comprada,
deve ser conquistada. (MENKHAUS, 2014) Portanto os esforços de construção da paz
devem se concentrar não só no aumento da capacidade estatal, mas na criação de
confiança, na inclusividade e no diálogo com os locais. Ao final da violência, além das
instituições existentes sofrerem colapso a população encontra-se fragilizada, por isso a
transição terá maiores chances de sucesso se for gradual, aos moldes de um contrato
social.
Pensar a construção da paz pós-conflito a partir da ótica do Estado resgata
um pressuposto da democracia discutido pelos transitólogos, a saber: a concordância
sobre a estatalidade. (LINZ, 1999, p.47) Para que o projeto de transição tenha maiores
chances de lograr efeito, parece razoável submetê-lo à necessária justificação capaz de
tornar o processo correto e lícito para a população. Nos casos a seguir investigados em
que os agentes internacionais aplicaram o conjunto de presunções falaciosas
baseando-se na crença de uma paz única e universal (RICHMOND, 2010, p.22) a
abordagem do contrato social foi negligenciada. Em consequência disso, é possível
antecipar que decisões marcadas pela ingerência externa, as quais anulem os atores
locais, darão margem à retomada da violência, justificando a deserção dos excluídos.
Os estudos de caso discutidos a seguir pretendem desenvolver a temática.
44
6. HAITI
6.1.
CONTEXTO HISTÓRICO
O Haiti é a terceira maior ilha caribenha, com 27,750 quilômetros quadrados de
área, e população de 10.317.461 habitantes. É uma das nações mais pobres do
continente americano. A prática do vodu, um “equívoco religioso”, integra a cultura
haitiana, na qual a religião é a única “estrutura generalizada e de total eficácia”.
(SEITENFUS, 2013, p.55) A língua oficial é o kreyòl, versão adaptada do francês com
influência de dialetos africanos. Nas palavras de Samuel Huntington, o Haiti é um
“vizinho indesejado” nas Américas. Suas características étnicas, culturais e linguísticas
provocam repulsão e medo, distanciando-o tanto da América Latina como do Caribe
anglófono e da América do Norte.35
No final do século XVI, em 1697, a Ilha de Hispaniola, descoberta e nomeada
por Cristóvão Colombo, foi dividida entre os espanhóis e franceses que vinham
disputando o território. O tratado Ryswick atribuiu aos primeiros a parte da ilha que é a
atual República Dominicana e aos últimos a parte ocidental, renomeada de Saint
Domingue. Na administração francesa, a ilha funcionou como entreposto comercial
entre a América e a Europa, que graças à produção de açúcar tornou-se a mais
próspera das colônias francesas no século XVIII, conhecida como “Pérola das Antilhas”.
(MARQUES, 2002, p. 140)
Nesse período, a população haitiana era constituída de 60.000 brancos e
465.000 escravos, divisão que culminou na primeira revolta negra em Santo Domingo
em 1791, quando escravos abandonaram as plantações, destruindo engenhos e
agredindo os brancos proprietários. (MARQUES, 2002, p. 140) Sob a influência das
ideias iluministas e do pensamento anti-escravista da Revolução Francesa, Toussaint
Louverture ganhou ascendência em 1794 e protagonizou a revolução dos “jacobinos
negros”. (GORENDER, 2004, p.300) Em 1801, sob o comando do general Leclerc,
enviado por Bonaparte, a luta armada teve início. Apesar da captura de Toussaint em
1802 e seu envio para morrer na França, a batalha prosseguiu e acabou com vitória dos
haitianos em 18 de novembro de 1803 na batalha de Vertières, a primeira derrota de
35
O autor, em Clash of Civilizations (1996), chama o Haiti de “lone country”
45
colonizadores por um povo não-branco, mesmo se a historiografia não a reconheça
enquanto tal. (SEITENFUS, 2013, p. 33) Quando a metrópole francesa perdeu a
colônia, nasceu o Haiti, a primeira república de negros do mundo. Não obstante, dois
séculos transcorreram até que o processo de independência se concluísse, sendo que
para Ricardo Seitenfus “O Haiti não terminou ainda de pagar o tributo pela ousadia de
1804”.
Apesar do voto universal ter sido introduzido em 1957, a eleição de 22 de
outubro foi marcada por fraudes e pela onipresença das Forças Armadas. Até então
não havia tradição democrática, podendo votar todos “exceto as mulheres, os
criminosos, os idiotas e as pessoas em condição servil”, excluindo 97% da população.
Graças à utilização de tinta lavável para identificar os que já haviam votado, juntamente
da compra de votos e da montagem de currais eleitorais, a elite política continuou
monopolizando o destino político do país. (SEITENFUS, 2013, p. 67) Em 1957, François
Duvalier, o Papa Doc, chegou ao poder e organizou sua milícia privada, os Tonton
Macoutes, instituindo uma república hereditária no Haiti. A Era Duvalier, um governo
classificado como Sultanista nos termos de Weber, (LINZ, 1999) prosseguiu nas mãos
de Baby Doc quando do falecimento de seu pai em 1971. Na década de 80 foi fundado
o movimento Lavalas, (Lavalas significando “A avalanche” em kreyòl) cuja base católica
mobilizou-se contra o regime militar. Finalmente, em 1986 os militares forçaram Baby
Doc a abandonar o poder, encarregando-se da reforma política.
A tarefa diante do Haiti era complexa: passar de um modelo que excluía a
imensa maioria da população do jogo político para um modelo que a incluísse.
(SEITENFUS, 2013, p.66) Uma nova Constituição foi adotada em 1987, e as eleições
vieram em seguida. Com a ajuda da OEA e da ONU, o pleito de 1990 deu vitória a Jean
Bertrand Aristide, um padre influenciado pela Teologia da Libertação do movimento
Lavalas, com a maioria expressiva de 67% do eleitorado, ficando o segundo colocado
com 14%. (PATRIOTA, 2010, p.120). Não obstante, em janeiro de 1991, Roger
Lafontant, ministro de Duvalier, declarou nula a eleição, empreendendo um golpe de
Estado. Apesar da estabilidade política ser tênue, em 7 de fevereiro o país assistiu a
primeira experiência democrática se concretizar com a posse de Aristide, apelidado de
Titid pelo povo. Seu discurso ao tomar posse enfatizava que:
46
A ruptura de hoje é a mesma que ocorreu no início do século. A mudança política
de 1804 desembocou numa colonização maquiada. Com a segunda
independência, precisamos realizar uma revolução social, pondo fim à confusão
entre o Estado e os interesses da oligarquia. Para o povo explorado só houve a
independência formal. (ARISTIDE apud SEITENFUS, 1994, p.42)
Por isso, seu discurso era fundamentado em um esquerdismo religioso, distante
portanto daquele dos tradicionais detentores do poder no país. É importante notar que
ao assumir o governo, Titid deparou-se com indicadores sociais catastróficos e um
Estado em ruínas: a dívida externa alcançava 747 milhões de dólares, a produção
agrícola e o produto nacional bruto vinham decrescendo, ao passo que a população
crescia exponencialmente. Aristide governou apoiado pelas pressões das ruas, e seu
governo foi marcado pela tensão entre o Executivo e o Legislativo. No entanto, a
democracia não criou raízes, pois em 30 de setembro um novo golpe militar coordenado
por Raul Cédras destituiu Aristide. (SEITENFUS, 1994, p.40-42) Conforme antecipado,
a transição de um regime sultanista para a democracia é sensível e por vezes exige
ajuda externa (LINZ, 1999, p.82), nesse caso a comunidade internacional atendeu ao
pedido e procurou reempossar o presidente eleito.
Em que pese a pressão exercida pela OEA, um desfecho pacífico que
assegurasse o retorno do presidente eleito não foi conseguido, já que o governo
golpista descumpriu todos os acordos de paz que firmou. Em resposta à isso, o
Presidente Aristide e o sistema interamericano foram levados à conclusão de que as
sanções regionais eram insuficientes. A universalização do conflito ocorreu por
intermédio da ONU em junho de 1993, ao opor embargos ao Haiti, e prosseguiu em
setembro com o estabelecimento da Missão das Nações Unidas no Haiti (UNMIH) pela
resolução 867. Cumpre mencionar que a insistência no caráter sui generis do caso
haitiano no CSNU visava evitar precedente de interferência em questões de política
interna. (PATRIOTA, 2010, p.120-127)
Frustradas essas tentativas, em julho de 1994 a resolução 940 delegou à força
multinacional o recurso a “todos os meios necessários” para restaurar a legitimidade
institucional no país e facilitar a partida da liderança militar. A decisão de setembro de
1994 inaugurava importante precedente ao prever pela primeira vez na história da
organização o uso da força contra país americano. Suas medidas surtiram efeitos
47
quando, em 15 de outubro, Aristide retornou e a resolução 948 determinou a suspensão
das sanções, encerrando a primeira inserção da situação do Haiti sob o Capítulo VII da
Carta da ONU. (PATRIOTA, 2010, p.120-127)
Ricardo Seitenfus entende que a solução encontrada em 1994 não foi nem via
OEA nem ONU, mas um acordo bilateral entre as partes, militares e governo legítimo,
sendo que a comunidade internacional, em particular os EUA, desempenhou papel
determinante na intermediação. (SEITENFUS, 2013, p.126) De fato, fatores externos
como a vitória do Partido Democrata nos Estados Unidos permitiram o retorno de
Aristide em 1994 numa operação militar definida como “invasão consentida”. 36 Não
obstante, a intervenção militar justificou-se, em grande medida, graças ao seu propósito
de restaurar o cargo da presidência ao candidato democraticamente eleito. (COLLIER,
2009, p.234)
No ano de 1995 Aristide extinguiu, por decreto, as Forças Armadas do Haiti
(FAH), substituindo-as pela Polícia Nacional Haitiana (PNH). Em 1996, nas segundas
eleições presidenciais, a vedação constitucional impedia Aristide de permanecer no
poder. René Préval, primeiro-ministro entre fevereiro e outubro de 1991 durante a breve
experiência democrática, foi eleito o sucessor de Titid com 51,15% dos votos. As
eleições presidenciais de fevereiro de 1996 marcaram a primeira transição política
ocorrida entre dois presidentes eleitos. (SEITENFUS, 2013, p.130)
6.2.
CRISE DE LEGITIMIDADE
As eleições legislativas e municipais de maio de 2000 foram observadas pela
OEA, que se encarregou do registro de eleitores, e constatou um importante nível de
participação e ausência de violência no dia da votação. Entretanto, o Conselho Eleitoral
Permanente (CEP), adotou um método de tabulação de votos que excluía
aproximadamente 1,2 milhão de eleitores, infringindo a regra básica de um voto a cada
eleitor e desfavorecendo os partidos de oposição não filiados ao Lavalas. Além disso,
Manus, presidente da CEP admitiu que na noite anterior às eleições, pessoas, entre
elas policiais, substituíram urnas vazias por urnas cheias de votos para os candidatos
36
19 setembro 1994: operação Uphold Democracy
48
do Lavalas. Lembrando Paul Collier, o apelo às táticas ilícitas nas eleições e a
vantagem que tal mecanismo confere tem como resultado desestimular o investimento
nas instituições. (COLLIER, 2009) A reação dos oposicionistas foi exigir que a votação
fosse anulada; a da OEA foi decidir não observar o segundo turno das eleições
municipais que não tiveram as falhas sanadas. Tendo se tornado uma disputa política,
o pleito de maio de 2000 comprometeu a consolidação democrática e desembocou no
boicote às eleições presidenciais no mesmo ano e na crise de legitimidade
subsequente. (SEITENFUS, 2013, p.87-88) Segundo a definição minima de Przeworski
(1996), o Haiti não pode ser considerado democrático pois em 2000 a oposição não
teve nenhuma chance de vencer e, menos ainda, tomar posse. As eleições seviram
meramente para “dar um ar de legitimidade a seus governantes”, mas o regime
permaneceu autocrático, marcado por uma oposição entre as regras formalmente
prescritas e a prática (pays legal VS. pays réel). (O’DONNEL, 1997)
Ao terminar seu mandato presidencial, Préval foi o segundo chefe de Estado
haitiano a deixar o poder por consequência do término do mandato e não por golpe
militar ou morte. Após ter rompido com seu antigo partido político, o Organisation
Politique Lavalas- OPL e fundado o Fanmi Lavalas (Família Lavalas), Aristide se elegeu
presidente em 2000. As eleições presidenciais tiverem a participação de 66% do
eleitorado. Desse universo, Aristide obteve 71,8% dos votos, os candidatos de oposição
somaram 6,5% e brancos, nulos e abstenções alcançaram 21,7%, haja vista o boicote
promovido pelos partidos de oposição. Com o objetivo de tentar substituir o presidente
eleito, a Convergência Democrática indica que o opositor, Gérard Gourgue, é o
presidente do Haiti apesar da vitória acachapante. (SEITENFUS, 2013, p.91) Além
dessa, outras manifestações dos derrotados nas urnas consideraram o novo governo
ilegítimo, contestando a vitória do presidente. Tais reações deram origem a uma crise
de legitimidade iniciada nas eleições municipais de maio de 2000 que perduraria até
2004 conforme será detalhado na sequência.
No ano de 2000, a ausência de violência (PIRI=5) em cenário de autocracia
(Polity2= -2) é um ponto de partida que merece destaque por dizer respeito à cultura
política haitiana: somente governos autoritários conseguem manter a estabilidade
49
política.37 Essa tendência inicial representada abaixo mostra uma correspondência
entre autocracia e ausência de violência no ano de 2000 e 2001, contrariando a ideia de
paz democrática.
GRÁFICO 1.1 - DEMOCRATIZAÇÃO E ESTABILIDADE POLÍTICA NO
HAITI 2000-2012
Haiti
6
5
3
2
PIRI
1
Polity2
0
-1
-2
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Polity2/PIRI
4
-3
FONTE: CINGRANELLI, David, RICHARDS, David, CIRI Human
Rights Dataset 2014 e MARSHALL, Monty, GURR, Ted, Polity IV
Project: Political Regime Characteristics and Transitions, 1800-2013
O pleito de maio de 2000 comprometeu a consolidação democrática e
desembocou no boicote às eleições presidenciais no mesmo ano e na crise de
legitimidade subsequente. Outra razão para os traços de autocracia no regime é que
Aristide sofreu, no segundo mandato, da “maldição do Palácio Nacional”38,
organizando a violência com milícias paralelas, integradas inclusive por crianças, e
perdendo apoio das forças que o conduziram ao poder. A comunidade internacional
estava entre as forças que retiraram o apoio ao segundo governo do ex-padre,
consoante a declaração de Paul Farmer, enviado especial de Bill Clinton ao Haiti, ao
Congresso americano:
37
Segundo Seitenfus, a estabilidade “é alcançada somente quando o regime é ditatorial, pois diante do
emaranhado confuso que caracteriza a política haitiana – resultante de uma ruptura e não de um pacto- o
poder somente pode impor-se sendo absoluto” (SEITENFUS, 2013, p.68)
38
Termo proposto em SEITENFUS, Ricardo, Análise de Conjuntura Observatório Político Sul-Americano,
n.
8,
2009.
Entrevista.
Disponível
em:
http://www.seitenfus.com.br/arquivos/65_analises_AC_n_8_ago_2009.pdf Acesso em 20/10/14
50
bloquear ajuda bilateral e multilateral ao Haiti, em objeção às políticas e visões
de Jean-Bertrand-Aristide […] cortar a assistência ao desenvolvimento e aos
serviços básicos tirou o oxigênio do governo, que era a intenção todo o tempo:
39
desalojar a administração de Aristide
A administração de Aristide hipotecava o desenvolvimento democrático, e o país
conservava traços de autocracia; então, a OEA criou um comissão especial sobre o
Haiti. Apesar dos esforços na busca por uma solução pacífica, a oposição insistia em
desfazer-se do presidente que confundiu autoridade do regime com regime autoritário.
(SARTORI, 1994, p.253). Na segunda metade de 2001, a crise política converteu-se em
violenta. Para agravar, o presidente Aristide proferiu um discurso que acabou por incitar
a violência entre os membros do Fanmi Lavalas, mobilizando o povo contra o “veneno
que mata a democracia”, dando margem à vingança generalizada. (SEITENFUS, 2013,
p.97-99) Isso explica a queda no respeito aos direitos de integridade física no ano de
2001. O regime era autocrático conforme demonstra o polity em -2, classificado como
autoritarismo competitivo de acordo com Diamond (2002).
Em 2002, o país estava caminhando para a anarquia. (SEITENFUS, 2013, p.99)
Apesar da retórica em prol do interesse popular, Aristide considerava-se um governante
de legibus solutus, desobrigado a obedecer a lei em favor de vantagens pessoais.
(O’DONNEL, 1997) Não houve movimento no sentido de democratização, e o regime
permaneceu tão autocrático quanto no ano anterior, já que para a democracia existir
não bastam instituições na qualidade de condição logicamente necessária, mas de
condição empiricamente necessária. (DAHL, 2001, p.63). O resultado da polarização
entre apoiadores e opositores de Aristide foi o aumento da violência em 2002. Tal
aumento é confirmado pelo PIRI em curva descendente, tendência repetida no WGI.
Em 2003, manifestações populares por um projeto republicano articuladas pelos
estudantes da universidade pública reuniram mais de 100 mil pessoas. (CHARLES,
2004, p.212) Um segundo grupo da sociedade civil que pressionou pela saída de
Aristide foi o G-184, financiado pelo empresário haitiano-americano Andre Apaid. A
terceira força de oposição era a Convergência Democrática, que agregava partidos de
39
WEISBROT, Mark, U.S. Government Still Not Ready for Democracy in Haiti, Huffington Post: The Blog.
Disponível em: http://www.huffingtonpost.com/mark-weisbrot/us-government-still-not-r_b_1342584.html
Acesso em 21/09/14
51
oposição sob a liderança do intelectual ex-exilado Gérard-Pierre Charles. A quarta
compunha-se de ex-militares sob o commando de Guy Philippe, das antigas FAHextintas por Aristide em 1995- que reunem-se na República Dominicana e ingressam no
país buscando revanche. A PNH, penalizada pela falta de organização e equipamento,
foi incapaz de conter a campanha militar, que nas palavras de Seitenfus transocrreu
como um “passeio”. (SEITENFUS, 2013, p.98-101) A violência contra os simpatizantes
do Fanmi Lavalas e a persistência da instabilidade no ano de 2003 justifica o aumento
da violência em relação ao ano anterior, e o PIRI ter chegado a marca 2.
Em 2004, ano do bicentenário da Independência, a crise constitucional
desembocou na queda de Aristide em 28 de fevereiro. Afastado do cargo e exilado na
República Centro-Africana, o presidente teria renunciado em documento formal redigido
em kreyòl no qual afirmava: “Por isto, se esta noite minha demissão evitar um banho de
sangue, eu aceito partir com a esperança que haverá vida e não morte.” (SEITENFUS,
2013, p.85) Contudo, haja vista a pressão exercida pelos americanos e franceses
contra o presidente e sua declaração de ter sofrido golpe, as circunstâncias de sua
saída admitem múltiplas interpretações. Horas depois da partida de Aristide, Boniface
Alexandre presta juramento como presidente provisório em cerimônia na qual estiveram
presentes os embaixadores dos Estados Unidos e da França. (SEITENFUS, 2013,
p.147) O regime atravessa um período de transição, registrado pela variável Polity, por
isso o aumento de -2 para 0.40 O indicador de violência do PIRI não demonstra
alteração, porém o WGI registra queda nesse ano.
6.3.
MINUSTAH
O CSNU decidiu pela criação de uma Missão de Estabilização do Haiti em
junho de 2004, recorrendo ao uso da força para fazê-lo. Rescucitando o conceito de
“população em perigo” e a ameaça à segurança da região que a antiga “Pérola das
Antilhas” representava para os vizinhos, o mandato da MINUSTAH é enquadrado sob o
Capítulo VII. (S/RES/1542) Entre as justificativas para a intervenção estava que o
Estado haitiano era a expressão de uma oligarquia esclerosada (de militares,
40
O zero do Polit2 aqui representado corresponde ao -88 do Polity, que codifica as transições
52
empresários e políticos), deficiente de legitimidade e representação real dos cidadãos.
(CHARLES, 2004, p. 212) Seu funcionamento era débil, repousando sobre a base da
pilhagem, comprometendo a entrega de serviços públicos aos cidadãos, um dos traços
dos estados falidos. (COLLIER, 2009, p.237) Ademais, as eleições eram incapazes de
operar como mecanismo eficaz de accountability ou legitimidade, (CAROTHERS, 2007)
impedindo os conceitos ocidentais de representatividade e democracia de ingressarem
na cultura política haitiana. Isso bastou para que os estrangeiros os introjetassem à
força, enxergando na cruzada democrática a solução para o imbróglio haitiano.
(SEITENFUS, 2013, p.152)
Em 2005 o crime organizado, em particular a onda de sequestros, sugeria um
descompasso entre a proposta da operação de paz e a realidade da crise haitiana. Uma
conquista do contingente militar brasileiro ao aplicar a doutrina 6 e meio foi a
pacificação do bairro Bel-Air, até então considerado perigoso. Uma segunda incursão
no mês de julho foi programada pela Minustah, a fim de capturar o líder Dread Wilmé,
responsável pelas gangues de Cité Soleil. A ação terminou em tragédia, pois além da
morte do líder, 50 civis foram vitimados.41 Sobretudo, os prejuízos gerados pela
estratégia
dos
internacionais,
principalmente
aos
mais
pobres,
indica
o
descomprometimento da operação em construir a paz emancipatória tal qual
preconizada por Richmond. A continuação da onda de sequestros em Porto Príncipe é
um segundo elemento que atesta a dificuldade do peacebuilding em melhorar a vida
dos sujeitos diretamente afetados pelo conflito. Tal perspectiva é confirmada pelo
apelido de “Turistah” que a operação recebeu dos locais.42 No caso da Minustah, a
análise de seus resultados parece revelar a quem serve o peacebuilding. (PUGH, 2005,
p.38) Há indícios de aumento na estabilidade em 2005 pelo WGI, mas tal tendência
deve ser atenuada, pois o PIRI não demonstra diminuição da violência.
No que toca à democratização, as eleições estavam originalmente previstas
no cronograma do CEP para outubro/novembro de 2005. Contudo, a nova legislação
eleitoral só foi aprovada em fevereiro, sendo que em abril iniciou-se o registro dos
eleitores. Eram 870,000 pessoas registradas em agosto, o correspondentes a 1/5 da
41
Segundo a organização Médicos Sem Fronteiras, apud SEITENFUS, 2013, p.162
CARRANCA, Adriana, Minustah ou Turistah?, Estadão, 30 de marco de 2010. Disponível em:
http://internacional.estadao.com.br/blogs/adriana-carranca/minustah-ou-turistah/ Acesso em 23/11/14
42
53
população, porém as identidades não tinham sido entregues.43 Em razão dos atrasos,
as eleições que colocariam fim ao governo provisório de Latortue, imposto de fora para
dentro, foram marcadas para Fevereiro de 2006. Tais avanços dão feição menos
autocrática ao regime, conforme atesta o aumento no Polity2 no ano de 2005.
Sobretudo o ano de 2006, data da transição para o governo legitimamente
eleito, renovou as esperanças na democracia e eventual contenção da crise no Haiti.
Inclusive, o partido de René Préval, antigo presidente da República quando successor
de Aristide, levava o nome Lespwa, esperança em kreyòl. A participação no pleito de 7
de fevereiro dobrou a media histórica, com 63% dos inscritos comparecendo para votar
em eleições tranquilas, com incidentes isolados de violência. (S/2006/592) Préval
obteve 48,76% do total dos votos, ao passo que o candidato do Lavalas conseguiu
0,68%. Apesar do resultado ser insuficiente para decidir a eleição no primeiro turno,
manifestantes denunciaram uma suposta fraude que tentaria impedir a vitória de Préval
desde logo. (SEITENFUS, 2013, p.185)
Em reflexo dos protestos, o CEP decide lançar mão da “cláusula belga”,
segundo a qual os votos brancos são distribuídos na porcentagem de cada candidato.
Com isso, Préval foi eleito presidente com 51,15% dos votos.44 Cabe mencionar o
comentário de Celso Amorim para rebater as críticas à decisão controvertida: “as
eleições no Haiti não ocorrem como na Suíça” (SEITENFUS, 2013, p.186) que respeita
a real vontade dos locais e favorece o ownership (TADJBAKHSH, 2010, p.129). O
polity2 em 5, anocracia aberta, confirma a boa notícia da eleição de Préval para a
transição haitiana. Sobre a diminuição da violência, a retomada do patamar anterior à
crise foi uma conquista. Assim, desde o estabelecimento da Minustah o aumento no
caráter democrático do regime é acompanhado de melhora nos indicadores de
segurança. A relação entre o regime e a estabilidade política segundo o banco de
dados dos indicadores de governança confirma tal correspondência a partir de 2005 e
2006.
43
INTERNATIONAL CRISIS GROUP, Latin America/Caribbean Briefing N°8, Can Haiti Hold Elections in
2005? Disponível em: http://www.crisisgroup.org/en/regions/latin-america-caribbean/haiti/b008-can-haitihold-elections-in-2005.aspx Acesso em 14/11/14
44
MARRA, Ana Paula, Agência Brasil, Itamaraty elogia decisão de proclamar René Préval como novo
presidente do Haiti, Disponível em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2006-02-16/itamaratyelogia-decisao-de-proclamar-rene-preval-como-novo-presidente-do-haiti Acesso em 13/11/14
54
GRÁFICO 1.2 - DEMOCRATIZAÇÃO E ESTABILIDADE POLÍTICA NO
HAITI 2000-2012
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
-0,1
-0,2
-0,3
Polity2
WGI
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Polity2/WGI
Haiti
FONTE: KAUFMANN, Daniel, KRAAY, Aart, MASTRUZZI, Massimo,
Worldwide Governance Indicators 1996–2013 e MARSHALL, Monty,
GURR, Ted, Polity IV Project: Political Regime Characteristics and
Transitions, 1800-2013
A despeito do progresso no sentido da construção da paz liberal, a ação dos
grupos armados na capital continuou representando uma ameaça ao processo de paz
no Haiti. Após fracassados esforços de negociar o desarmamento com as gangues em
Porto Príncipe, Préval pediu ajuda à ONU em 2007. Nesse ano o Polity2 se manteve
em 5. O mesmo se deu com a ausência de violência, a despeito do aumento nos
efetivos da PNH de 5,700 para 7,000, ainda aquém da meta de 15,000. 45
Em abril de 2008, protestos contra o alto custo da comida ocorreram e pelo
menos 5 civis e um peacekeeper foram mortos. Os senadores oposicionistas aprovaram
um pedido pela remoção do primeiro ministro Jacques-Édouard Alexis do cargo,
responsabilizando-o pela crise.46 Além disso, no mesmo ano uma onda de tempestades
tropicais matou 700 pessoas e Préval fez um pedido à CI que não se esquecesse do
45
FREEDOM
HOUSE,
Freedom
in
the
World
2008,
Haiti.
Disponível
em:
http://freedomhouse.org/report/freedom-world/2008/haiti#.VFbMDdTF800 Acesso em: 24/10/2014
46
DELVA, Joseph, LONEY, Jim, Haiti's government falls after food riots, Reuters, 12 April 2008.
Disponível em: http://www.reuters.com/article/2008/04/13/us-haiti-idUSN1228245020080413 Acesso em
22/11/14
55
Haiti.47 O regime não sofreu mudanças em relação ao ano anterior, permanecendo
como anocracia aberta. A violência mensurada pelo PIRI e WGI também se manteve.
As eleições parlamentares para o Senado em 2009 foram objeto de impasse,
vez que os candidatos do partido Lavalas não tiveram suas candidaturas aceitas pelo
CEP e o próprio CEP teve sua composição questionada. Mais uma vez, pouca ou
nenhuma chance de vencer foi dada à oposição, infringindo a definição mínima de
democracia. (HUNTINGTON, 1991, PRZEWORSKI, 1996). Por conseguinte, tanto a
accountability vertical quanto a legitimidade do pleito foram mitigadas. Assim, não
houve crescimento em direção à democracia em 2009, e o Polity2 se manteve em 5.
Em relação ao ano anterior, o PIRI permaneceu em 6 e o WGI também não oscilou. No
entanto, Seitenfus afirma que após 5 anos da presença da Minustah, “apesar de frágil,
houve um extraordinário incremento da segurança pública com a redução sensível da
incidência de sequestros.” (SEITENFUS, 2013, p.187)
6.4.
O TERREMOTO, O CÓLERA E O VOTO
O terremoto de janeiro de 2010, que fez 200 mil mortos e arrasou 80% das
construções da capital,48 responde em parte pela queda no Polity2, indicando colapso
da autoridade central nesse ano. A segunda razão atribui-se ao surto de cólera que
recaiu sobre 30% do povo haitiano após o sismo, graças ao contingente de capacetes
azuis vindo do Nepal. (SEITENFUS, 2013, p.310) Ambos motivos concorreram para a
queda também do PIRI relativamente ao ano anterior. Segundo registros, o presidente
Préval teria ficado prostrado após o ocorrido, concorrendo para a inoperância
governamental no período que a população mais precisava de acesso aos serviços
básicos:
Por um lado a falta de transparência, de efetividade e a pouca governabilidade
do país, e por outro o fato de que a comunidade internacional sustenta
financeiramente o Estado haitiano resultaram em desconfianças mútuas,
47
MENDEL, Gideon, 'We are going to disappear one day', The Guardian: Global Development. Disponível
em: http://www.theguardian.com/world/2008/nov/08/haiti-hurricanes Acesso em 27/08/2014
48
FREEDOM
HOUSE,
Freedom
in
the
World
2011,
Haiti.
Disponível
em:
http://freedomhouse.org/report/freedom-world/2011/haiti#.VFbSXtTF800 Acesso em 14/09/2014
56
críticas veladas, ressentimentos
(SEITENFUS, p.326)
incontidos
e oposições
intransigentes.
Essa conjuntura tornou as eleições presidenciais de novembro de 2010 motivo de crise
e disputa entre os atores locais e os internacionais. As dificuldades incluíam: a) o
registro dos eleitores e a retirada dos mortos da lista dos votantes a fim de mensurar a
participação nas eleições e inferir a legitimidade dos eleitos; b) a substituição das
cédulas de identidade nos casos de extravio; e c) a própria infraestrutura necessária
para a realização das atividades do CEP e das eleições.49
Apesar dos desafios, as eleições de 28 de novembro transcorreram
normalmente, com somente 4% das seções afetadas por manifestações e ou problemas
técnicos. Com a participação de apenas 22,7% do eleitorado no primeiro turno,
Mirlande Manigat teve 31,37% dos votos, seguida por Jude Célestin com 22,48% e
Michel Martelly com 21,87%. Porém, o desfecho das eleições já havia sido definido pela
CI, reforçando a tese do pleito enquanto combustível politico na ilha caribenha.
Seitenfus, então representande da OEA na Haiti denunciou a tentativa de remover
Préval da presidência às vésperas das eleições para “fazer tábula rasa do sistema
politico haitiano” e “tornar possível o advento de uma nova classe política”. Tal iniciativa
teria sido proposta por Edmund Mulet, o representante do SGNU, cujo candidato era
Martelly, a quem teria prometido “fazer presidente da República”. (SEITENFUS, 2013,
p.369-381)
No início de 2011, com o objetivo de descartar Célestin, o sucessor de Préval,
do segundo turno de modo aparentemente legal e em conformidade com a Lei Eleitoral
haitiana, a Missão de Observação da OEA foi transformada em Missão de Recontagem.
Após aplicar uma metodologia que descartava 38.541 votos de Célestin, deixando-o
com 21,9%, a recontagem propos um segundo turno entre Manigat, com 31,6% e
Martelly, 22,2%. (SEITENFUS, 2013, p.424) Em repúdio aos escândalos patrocinados
pela CI, no primeiro segundo turno da história do Haiti, as abstenções atingiram 77,6%,
e Martelly, “herdeiro do duvalierismo, coveiro da democracia e aspirações populares”,
49
INTERNATIONAL CRISIS GROUP, Latin America/Caribbean Report N°35, Haiti: The Stakes of the
Post-Quake Elections, 27 October 2010. Disponível em: http://www.crisisgroup.org/en/regions/latinamerica-caribbean/haiti/035-haiti-the-stakes-of-the-post-quake-elections.aspx Acesso em 25/11/14
57
foi eleito com apenas 15,2% dos votos válidos. (SEITENFUS, 2013, p.363) A promessa
de Mulet foi cumprida.
A ingerência dos internacionais e o “imperialismo eleitoral” deu causa ao
período de interregno que fez o regime relativamente democrático despencar. O
seguinte comentário ilustra o fracasso completo desse modelo de pseudo-democracia
importado e imposto à força no Haiti:
O Representante da União Europeia e o Embaixador dos Estados Unidos
dispõem de um enorme poder de decisão sobre o que acontece no Haiti. São
eles que dizem se teremos ou não eleições. E pouco importa a vontade do povo
haitiano. São eles que decidem eftivamente, fraude ou não, qualquer que seja o
índice de participaçào, se o resultado deve ser aceito ou não. (TROUILLOT,
2013, apud SEITENFUS, 2013, p.370)
A transparência e legitimidade do governo, conseguidas por meio de mecanismos de
accountability e tão elogiadas no âmbito do discurso do peacebuilding, foram
suspensas pelos próprios agentes que pretendiam ensiná-las. O pressuposto
democrático da concordância sobre a estatalidade (LINZ, 1999, p.47) sofreu afronta na
versão de “reconstrução democrática” adotada pela Minustah. A assistência prestada
pelos internacionais fez um desserviço aos haitianos, violando as condições de
competição livre e justa necessárias às eleições.(O’DONNEL, 1997) Tendo fracassado
no plano vertical, associado ao processo eleitoral, a versão de democracia aplicada ao
Haiti em 2010 e 2011 comprometeu o processo de paz e anulou a vontade da
população. A participação dos eleitores relativamente alta em 2000, diminuiu em 2006 e
caiu mais ainda em 201150, reiterando a desconfiança crescente dos haitianos em
relação ao governo. Isso comprova que o Haiti não é palco de uma guerra civil, mas de
um conflito doméstico de baixa intensidade que vem desde 1986, no cerne do qual está
a temática eleitoral. Apesar da experiência anterior com a democracia, as lições
aprendidas pelas forças antidemocráticas funcionaram na política haitiana tal qual a
faca de dois gomes referida por Przeworski. (PRZEWORSKI, 1996, p.11)
Ademais, a estratégia de resistir à reconstrução nacional conduzida pelas
autoridades haitianas torna ainda mais difícil reforçar a capacidade do Estado, pois
emana de fora para dentro e não de dentro para fora, como a abordagem do contrato
50
IDEA, Voter turnout data for Haiti. Disponível em: http://www.idea.int/vt/countryview.cfm?id=99 Acesso
em 22/11/14
58
social ensina que deveria. À trajetória haitiana é possível aplicar o comentário de Tull e
Englebert sobre os países africanos: “Estados falidos antes de serem formados” (TULL,
2008, p.112), pois trata-se de ”um quase-Estado” (SEITENFUS, 2013, p.445). A
prestação da maior parte dos serviços públicos pelas ONGs e pelo setor privado
impede o aumento na capacidade institucional do Estado haitiano. (COLLIER, 2009,
p.237) Em que pese o país ser, proporcionalmente ao número de habitantes, o que
mais recebe ajuda externa, enquanto a gestão não atravessar as instituições
domésticas, a identificação do Estado como prestador de serviços não ocorrerá. Sem
isso, a paz-auto-sustentável fica no plano das ideias e a dependência crônica segue
comprometendo ainda mais a situação.
59
7. SERRA-LEOA
7.1.
CONTEXTO HISTÓRICO
Serra Leoa é um país da África Ocidental com território de 71.740 quilômetros
quadrados delimitados a norte pela Guiné, ao sudeste pela Libéria e a sul e oeste pelo
Oceano Atlântico. Com regiões montanhosas ao Norte e ao Leste, nelas se dá a
extração de diamantes, principal atividade econômica do país. A população de
3.786.000 indivíduos se divide em duas etnias principais: Mendes, ao sul, e Temnes, ao
norte. No equador religioso da África, a composição religiosa em Serra Leoa é 60%
muçulmanos, 10% católicos, e 30% tradições africanas, porém não desempenha papel
central na identidade étnica nem nas afiliações políticas. Inclusive, a tolerância entre as
duas religiões se verifica no número de conversões e casamentos inter-religiosos que
levou ao uso do termo “CrisMus”, cristão-muçulmano.51
Freetown, a província da liberdade e atual capital, deve seu nome aos eventos
de 1787, quando os britânicos ajudaram 400 escravos libertos dos Estados Unidos,
Nova Scotia (atualmente, parte do Canadá) e Grã-Bretanha a ir para Serra Leoa. Em
1807, ao abolir o tráfico de escravos, a Grã Bretanha assume a responsabilidade pelo
território usando-o como base para a campanha contra os navios negreiros. Em
consequência disso, outros grupos de escravos libertos mudaram para a região e
optaram por permanecer em Freetown, entre eles africanos de todas as partes do
continente, que ao retornarem eram chamados de Krio. (TAYLOR, 2014, p.132)
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a administração do protetorado foi
percebida como inadequada, e o auto-governo baseado no sufrágio universal acabou
sendo introduzido em 1951. Dez anos depois, no dia 27 de abril de 1961, Serra Leoa
tornou-se independente, e Sir Milton Margai,
do Partido do Povo de Serra Leoa
(SLPP), seu primeiro-ministro. A opção, pactuada em reunião em Londres
anteriormente naquele ano, foi pelo parlamentarismo integrado à Comunidade Britânica
de Nações (Commonwealth). Foram agendadas para o ano seguinte as primeiras
51
THE ECONOMIST, All things happily to all men: Sierra Leone bucks a west African trend by celebrating
its religious tolerance, 31 de maio de 2014. Disponível em: http://www.economist.com/news/middle-eastand-africa/21603015-sierra-leone-bucks-west-african-trend-celebrating-its-religious-tolerance-all Acesso
em 11/08/2014
60
eleições
pós-independência,
e
o
SLPP
foi
desafiado
pelo
recém
Partido do Congresso de Todo o Povo (APC - All People”s Congress Party).
formado
52
A base
de ambos partidos sempre se distinguiu em linhas regionais: o primeiro ao sul com
Cristãos da etnia Mende, o segundo ao norte com Muçulmanos Temnes. (DENNEY,
2009) Em eleições consideradas justas e livres, Sir Margai foi reeleito presidente no ano
de 1962, colocando a estrutura do setor público em Serra Leoa entre as melhores da
África durante os anos 60. (WYROD, 2008, p.72)
Em 1964, Sir Margai morre e a polarização em Serra Leoa começa a aumentar.
Nas eleições parlamentares de 1967, o APC vence a maioria dos votos, primeiro caso
de um partido de oposição derrotar partido da situação via eleições na Africa
Subsaariana, correspondendo ao primeiro turnover de Huntington. Entretanto, uma
década de instabilidade seguiu com golpes e contragolpes que conduziram Siaka
Stevens, do APC, ao poder em 1968. Apesar de ter feito campanha sob a plataforma
socialista, a tendência autoritária do líder restou clara ao assumir, e seu governo foi
marcado pela a promoção de violência estatal para eliminar a dissidência. (TAYLOR,
2014, p.22) Os traços do regime hegemônico baseado na coerção acirraram após a
autorização de um governo de um único partido em 1978, sob a presidência de
Stevens. (WYROD, 2008, p.72)
Durante o governo autoritário o presidente tornou o comércio de diamantes uma
questão política e encorajou, tacitamente, a prática da exploração ilegal. As receitas
obtidas do produto mais valioso da região eram repassadas a Stevens e a seus
comparsas, à exemplo de regimes políticos que monopolizam o comércio do diamante,
definidos pelo termo “gemocracia”.53 A distribuição dos recursos obedecia aos
interesses do partido, e não aos da nação, comprometendo a legitimidade estatal. Do
fracasso total das instituições compreende-se o início da guerra civil de 1991.
(NDUMBE, 2001, p.93) Ao se aposentar em 1985, Stevens deixou um “Estado sombra”,
marcado pelo patrimonialismo e ineficiência econômica, nas mãos de seu sucessor, o
comandante do Exército Joseph Momoh. (WYROD, 2008, p.72) A continuidade do
governo do APC significou a persistência do favorecimento dos interesses da oligarquia
52
O All People’s Congress foi fundado em 1957 por ex-membros do SLPP (GOLDMAN, p. 460)
GOLDMAN menciona o termo gemocracy atribuindo-o a JALLOH, “The May 25, 1997 Coup and the
Bur- den of Democratic Survival in Sierra Leone”, L’Afrique Politique 5 (1999).
53
61
em detrimento ao desenvolvimento nacional. Em consequência disso, a maioria vivia de
agricultura de subsistência e as condições sociais intensificaram as práticas dos
rebeldes. Graças ao crescente antagonismo entre o APC e o SLPP, o Exército foi
dividido e a “política das forças armadas” proliferada. Posto de outro modo, o apoio a
alternativas contrárias ao sistema passou a ser maior e menos isolado do que aquele
às forças pró-democráticas, (LINZ, 1999, p.) favorecendo a emergência de centros
autônomos de poder (TILLY, 2013). Nem a decisão de restaurar o multipartidarismo foi
capaz de deter a primeira invasão no leste do país ocorrida em 23 de março de 1991.
(NDUMBE, 2001, p.94)
7.2.
GUERRA CIVIL
A dissidência de Serra Leoa, ao lado de tropas leais a Charles Taylor e
mercenários de Burkina Faso deram início a guerra civil, e invocaram a tirania dos
líderes eleitos e a corrupção como justificativa para o uso da força. (WYROD, 2008,
p,72) As incursões através da fronteira eram promovidas pelo Fronte Revolucionário
Unido (RUF), sob a liderança de Foday Sankoh. Oficialmente, tinham por objetivo retirar
o APC do poder, julgando tratar-se de um governo corrupto tribal e sem legitimidade
popular. Suas práticas terrorizavam civis visando demonstrar o fracasso do governo
nacional na proteção de seus cidadãos. Não obstante, os reais interesses dos rebeldes
parecem ter sido: a) retaliar a participação de Serra Leoa no ECOMOG- contrária aos
interesses de Taylor na Liberia, e b) tomar posse da reserva de diamantes do país
vizinho, portanto mais oportunistas do que o discurso democrático sugeria. (NDUMBE,
2001, p.94) A relação estabelecida por Besley et Persson (2008) entre a disponibilidade
de recursos naturais e a insurgência é uma das razões da guerra civil em Serra Leoa,
onde os diamantes serviram como incentivo para a tomada do governo pelos rebeldes.
Tendo em vista a insatisfação generalizada com o governo, o RUF teve
facilidade de recrutar tanto civis quanto militares e deles obter apoio. Destacam-se dois
atores em particular: os jovens- desempregados e analfabetos (FEARON, 2001, p.84) -;
e os membros do Exército: 'sobels'- soldados de dia e rebeldes à noite. (VINCENT,
2012, p. 10) Após uma tentativa frustrada de solicitar o auxílio dos britânicos, Momoh
62
abandona o poder em abril 1992, temendo sofrer golpe dos militares. O Capitão
Stresser, que o substituiu no cargo, pediu assistência externa a uma força privada de
segurança baseada na África do Sul (EO), que favoreceu uma das milícias locais, os
Kamajors, alternativamente às forças governamentais, vistas como corruptas e
incompetentes. (NDUBE, 2001, p.95)
No início de 1996 o RUF tinha sofrido baixas e consentiu em negociações com
o governo. As eleições, as primeiras multipartidárias em 23 anos, foram agendadas
para o mesmo ano. Apesar das práticas dos rebeldes de amputar os braços dos
eleitores para evitar que votassem, Ahmed Tejan Kabbah, do SLPP, foi eleito com 59%
dos votos. A condução de eleições relativamente justas e livres em meio a guerra civil
pode ser entendida como um pequeno milagre, atribuindo importância ao exercício do
direito ao voto entre os serra leonenses. Em novembro de 1996, o Acordo de Abidjan
entre Kabbah e RUF, e a retirada da EO permitiram que se estabelecesse um governo
de unidade nacional. Apesar das altas expectativas, o clima de desconfiança resultante
da indecisão de Kabbah sobre os militares deu margem ao golpe de 1997 que significou
o “colapso das instituições, estruturas e operação do governo” (NDUMBE, 2001, p.9596). Ao destituir Kabbah, Johnny Paul Koroma assumiu o poder e estabeleceu o
Conselho Revolucionário das Forças Armadas (Armed Forces Revolutionary CouncilAFRC) presidido por ele e vice-presidido por Foday Sankoh. (GOLDMAN, 2005, p.462)
A tentativa de um cessar-fogo em outubro de 1997, promovida pela ECOWAS
em Conakry, Guiné, não teve o resultado esperado pois a junta o ignorou. (NDUMBE,
2001, p.98) Foi a ECOMOG, com o auxílio das tropas nigerianas, que em março de
1998 conseguiu o retorno de Kabbah ao poder. (GOLDMAN, 2005, p.463) Não
satisfeitos, os rebeldes do AFRC e RUF retomaram as técnicas de guerrilha, levando o
CSNU a estabelecer a Missão de Observadores em Serra Leoa (UNOMSIL) em 13 de
julho de 1998. O retorno da violência com ataques à Freetown no final daquele ano
obrigou a missão a evacuar seu pessoal em janeiro de 1999. (NDUMBE, 2001, p.97)
Tal caso de peacekeeping é considerado um fracasso pois não cumpre o requisito
mínimo da paz negativa. (CALL, 2008, 179)
Tendo chegado a um impasse, a opção por negociação de power-sharing entre
Kabbah e o RUF, intermediado por atores internacionais, foi privilegiada no Acordo de
63
Lomé, ratificado em julho de 1999. O acordo determinava um governo de unidade
nacional sob Kabbah, sendo que um cargo na recém criada Comissão para a Gestão
de Recursos Minerais seria dado a Foday Sankoh e as eleições ficariam marcadas para
2002. (GOLDMAN, 2005, p. 463)
7.3.
UNAMSIL
Com o intuito de monitorar o cessar-fogo, auxiliar no desarmamento,
desmobilização e reintegração dos combatentes, e oferecer apoio para as eleições, o
CSNU estabeleceu a Missão das Nações Unidas em Serra Leoa (UNAMSIL) em
outubro de 1999 por sua resolução 1270. A missão tinha um mandato misto, com
elementos de peacekeeping tradicional combinados a tarefas de peacebuilding, nos
termos do Relatório Brahimi. (GOLDMAN, 2005, p. 477) Apesar da resolução 1289 do
CSNU em 7 de fevereiro de 2000 ter aumentado o caráter de peace enforcement, a
operação sofria de falta de recursos e pessoal mal-treinado. Em razão dessas
fragilidades, foi alvo de ataques recorrentes. Quando 500 peacekeepers foram
sequestrados em maio de 2000 pelo RUF, a impotência da operação ficou clara e a
demanda por um mandato enquadrado no Capitulo VII da Carta da ONU aumentou.
(KEEN, 2005, p.272)
Ocorre que uma vez estabelecido o governo de transição em Lomé, Sankoh
não demonstrou real interesse no exercício do poder via instituições. A despeito de
suas reclamações sobre obstáculos da administração de Kabbah para evitar a
participação do RUF no governo, Sankoh envolveu-se no tráfico de diamantes,
acreditando estar à margem do direito. (GOLDMAN, 2005, p.464) Outro indício de que o
RUF não pretendia respeitar o acordo era sua insistência na luta armada, rejeitando o
jogo democrático da via das eleições como alternativa. Desse modo, o novo desafio
tornou-se conseguir que o RUF recobrasse o apoio ao cessar fogo estabelecido em
Lomé. Tal cenário confirma o argumento da maior probabilidade de recorrência de
guerra nas transições negociadas, quando os rebeldes (RUF) retém sua capacidade
organizacional de retomar a guerra, o fenômeno da “dupla soberania”. (QUINN, 2005)
64
O conjunto dos fatores formais - infraestrutura deficitária- e materiaisdescomprometimento do RUF com a paz - indicava o fracasso da manutenção do
cessar-fogo. Inclusive, Goldman sugere que a UNAMSIL reflete a dificuldade, registrada
no Brahimi Report, no que se refere ao envio de missões mal-equipadas para contextos
nos quais os combatentes não estão interessados em respeitar a paz. Uma explicação
potencial para o descrédito da operação reside na conjuntura internacional, em
particular na participação da OTAN na intervenção no Kosovo em 1999 que consumia
as atenções e os recursos do CSNU. (GOLDMAN, 2005, p. 482)
A despeito das negociações em Lomé e do retorno de Kabbah ao poder em
1998, o descumprimento do acordo de paz e a defecção de uma das partes impediu
que a democracia se tornasse o único jogo disponível em Serra Leoa. (TILLY, 2013,
LINZ, 1999) Em razão disso, o Polity2 em 2000 registra colapso da autoridade central,
portanto ano de interregno, e o WGI estabilidade política baixa, em razão da
persistência da guerra.54
GRÁFICO 2.1 - DEMOCRATIZAÇÃO E ESTABILIDADE POLÍTICA
EM SERRA-LEOA 2000-2012
1
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Polity2
WGI
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Polity2/WGI
Sierra Leone
FONTE: KAUFMANN, Daniel, KRAAY, Aart, MASTRUZZI, Massimo,
Worldwide Governance Indicators 1996–2013 e MARSHALL, Monty,
GURR, Ted, Polity IV Project: Political Regime Characteristics and
Transitions, 1800-2013
54
Em razão da ausência de valor para o PIRI em 2000, nesse ano a medida do WGI é a que vale; em
contrapartida, em 2001 não há dado no WGI, portanto o valor do PIRI é que deve ser considerado
65
No entanto, ao longo do ano de 2000 uma mudança na postura dos atores
envolvidos passou a indicar maiores chances de sucesso em Serra Leoa. A primeira
delas foi a intervenção do Reino Unido tornando possível a derrota do RUF na ofensiva
de maio. (GOLDMAN, 2005, p.464) A segunda, também decisiva na cessação da
violência, ocorreu em agosto do mesmo ano, com a resolução 1313 na qual o CSNU
solicitou a UNAMSIL que respondesse de maneira robusta a qualquer ato hostil
praticado pelo RUF. (S/RES/1313) As duas reformulações deram início a um novo
período de maior êxito do peacebuilding em Serra Leoa.
Com a alteração no mandato da operação, as mudanças no terreno seguiram.
Há registro de um maior esforço na conquista da confiança dos atores envolvidos na
guerra, o que Keen chama de “construção de pontes”. Seu novo comandante a partir de
novembro de 2000, Daniel Opande, viajou pelo país e auxiliou na desconstrução da
imagem da UNAMSIL como uma ameaça, aumentando sua credibilidade e a segurança
a ela atribuida pelos locais. (KEEN, 2005, p.272) A fala de um ex-combatente do RUF
confirma a quebra do paradigma:
Assim que alteraram a estrutura de comando da UNAMSIL, a situação mudou.
Eles tentaram entender a situação do terreno. O RUF está cooperando por
completo com eles. (KEEN, 2005, p.272)
Esse comentário indica a conexão entre dois pontos interdependentes: a construção da
paz e a construção de confiança interpessoal (TILLY, 2013, p. 30). Sem a adesão das
partes engajadas no conflito ao jogo democrático, o “consenso normativo” entre os
diferentes grupos que formam a sociedade inviabiliza essa opção. (MOISÉS, 1988,
p.50) A criação de confiança no pós-conflito entre a população e as novas instituições é
fundamental, porém insuficiente. (MENKHAUS, 2014) É preciso que os grupos
engajados no conflito confiem no projeto de transição pacífica e naqueles que o
conduzem, sob pena de dele desertarem.
Entre as razões que auxiliaram no enfraquecimento do RUF está o
convencimento de que a guerra por Freetown era impossível de vencer e o controle do
comércio de diamantes por intermédio de resoluções da ONU. Principalmente, a
captura de Foday Sankoh no final de 2000 e sua substituição por Issa Sesay, que era
“genuinamente pela paz”, diferente de seu antecessor, revelou a vontade dos rebeldes
66
de contribuir ao processo de paz. (KEEN, 2005, p.271-273) De fato, no Acordo de
Cessar-fogo de Abuja, na cidade de mesmo nome na Nigéria, Sesay, na condição de
representante do RUF, reafirmou o comprometimento ao Acordo de Paz de Lomé.
Nessa oportunidade, o potencial do mecanismo de power-sharing na dissolução da
“dupla soberania” – ora ineficaz na negociação anterior – foi reiterado. (QUINN, 2005,
p.10) A postura de Sesay e uma eventual fadiga dos combatentes contribuíram para o
sucesso da engenharia institucional desenhada em Abuja. Entre as provisões do
Acordo, o governo teria de controlar os Kamajors e remover os impedimentos à
transformação do RUF em um partido politico. (BAH, 2013, p.16-17)
Cumpre mencionar que a insistência dos rebeldes na continuidade da Guerra
também pode ser explicada se o RUF, mais do que um movimento, for entendido como
um ambiente no qual diversos grupos conseguiam se safar com violações.55 Inclusive, o
registro da Comissão da Verdade e Reconciliação aponta que 59,2% das violações
atribuem-se ao RUF e as demais a outros grupos.56 O principal argumento para a
rejeição ao processo de paz parece ser a incapacidade da operação de oferecer algo
novo, diferente do combate. A partir do momento que o desarmamento e a reintegração
receberam maiores investimentos e a presença de tropas da ONU aumentou no
terrreno, os rebeldes passaram a levar a sério a transição e a confiar na operação.
(KEEN, 2005, p. 272) O diagnóstico mudou pois aos locais foi dada maior participação,
aumentando a percepção de que seus interesses vinham sendo contemplados no
projeto de paz.
Em 2001 uma segunda reunião revisou o Acordo de Abuja e aumentou os
esforços no DDR. Ao final desse ano, 75.000 ex-combatentes tinham sido desarmados
e o RUF organizado como um partido politico. (BAH, 2013, p.17) Para diminuir a
interferência da Libéria no conflito, um embargo de armas e sanções internacionais
foram mobilizados, bem como a proibição à saída de Charles Taylor do país.
(S/RES/1343) Também, em setembro o Parlamento decidiu pela postergação do Estado
de emergência, em efeito desde o retorno de Kabbah, por outros seis meses. (KEEN,
2005, p.283) Goldman destaca que o componente civil da UNAMSIL melhorou a
55
“The RUF is not as much a movement as an environment.” KEEN, 2005, p. 267
9.8%- AFRC, 6.7% ao Sierra Leone Army (SLA), 5.9% ao Civil Defence Forces (CDF), e 0.7% ao
ECOMOG. BAH, op. cit, p.3
56
67
infraestrutura do país e ajudou a criar boa vontade entre a população; assumindo um
papel de mediação, preponderantemente, ao invés de condução. (GOLDMAN, 2005,
p.485) Conforme discutido, a legitimidade deve ser conquistada, portanto a opção por
reformas inclusivas, assim percebida pelos locais, é importante na construção da paz
sustentável. (MENKHAUS, 2014) Essa combinação de esforços se comprova na
melhora tanto no Polity2 quanto na ausência de violência em 2001. Na classificação
proposta por Larry Diamond, Serra Leoa ao final de 2001 é um regime ambíguo.
(DIAMOND, 2002, p.31)
Em janeiro de 2002 a ”normalidade” retornava a Serra Leoa em consequência
da conclusão do desarmamento e do retorno dos refugiados.(GOLDMAN, 2005, p.465)
Kabbah declarou o fim do estado de emergência no mês março, sinalizando que a
guerra estava encerrada.57 Do universo de 5,2 milhões, estima-se que a guerra tenha
deixado 70.000 mortos e metade da população desabrigada. (HUMAN RIGHTS
WATCH, 2005) Ao longo de um periodo tão longo – de 1991 a 2002 – tanto a economia
quanto as instituições do Estado sofreram as consequências da Guerra civil (COLLIER,
2009, p.222) Se a falência estatal for definida pelo fracasso das instituições públicas de
oferecer bens políticos positivos aos cidadãos em uma escala provável de comprometer
a legitimidade e existência do Estado ele próprio, Serra Leoa pós-guerra pode ser
considerado um estado falido. (GOLDMAN, 2005, p.465) Portanto, nos anos
imediatamente após o fim do conflito o apoio internacional era fundamental para evitar
os riscos de rebelião renovada em resposta à baixa capacidade estatal.
Duas grandes conquistas em 2002 foram o Ato Eleitoral estabelecendo uma
Comissão Eleitoral Nacional nova e independente, e a realização de eleições
consideradas justas e livres. Em maio, com o apoio da ONU, ocorreu o primeiro pleito
eleitoral pós-conflito em Serra Leoa. O sucesso do partido dominante de encerrar a
guerra foi retribuído com votos que tornaram Ahmed Tejan Kabbah novamente
presidente. (WYROD, 2008, p.74) A maioria do SLPP se deu tanto no Executivo quanto
no Parlamento; em contrapartida, a asa política do RUF não conseguiu nenhum
assento. Oportunizar a participação do grupo rebelde na política demonstra que nem
57
FREEDOM HOUSE, Freedom in the World 2003, Sierra Leone. Disponível em:
http://www.freedomhouse.org/report/freedom-world/2003/sierra-leone#.VFJvi9TF800 Acesso em 26/10/14
68
sempre é necessário remover as a violência, pois a sociedade por ela mesma dá conta
de escolher o projeto de transição que julga ser melhor. As tropas britânicas foram
evacuadas em julho desse ano, após terem permanecido dois anos na ex-colônia. Já a
UNAMSIL
ao
final
de
2002
contava
com
17,455
peacekeepers,
custando
aproximadamente US$700 milhões ao ano. (KEEN, 2005, p.272-283) Em 2002, a
transição democrática avançou e o Polity2 subiu de 2, no ano anterior, para 5. Também
a violência foi minimizada, sendo que o respeito aos direitos de integridade física
alcançou o máximo de 8. A tendência das duas variáveis sugere correspondência entre
democracia e estabilidade política no pós-conflito em Serra-Leoa; ou seja, redução da
violência à medida que o regime torna-se democrático.
No entanto, a situação não se manteve em 2003. Com o estabelecimento da
Corte Especial de Serra Leoa para apurar os crimes cometidos durante a guerra, foram
indiciados 12 pessoas, entre eles Foday Sankoh- que morreu em julho aguardando o
julgamento - e Charles Taylor. Ansiosos para declarar a missão um sucesso, o CSNU
planejava a retirada da operaçãoo de paz, desconsiderando os alertas sobre o perigo
do vácuo de segurança que a saída da UNAMSIL poderia causar. Foi assim no dia
seguinte ao indiciamento de Taylor, com o ataque do grupo de rebeldes LURD (contra
quem Taylor vinha lutando desde que foi eleito presidente da Liberia em 1997) à
Monrovia, capital da Liberia. O ICG tentou persuadir os agentes internacionais a
considerarem os eventos na Liberia antes de determinar o passo e a extensão
geográfica da retirada, denunciando o desempenho complacente do governo e a
dependência de doadores cuja interação ignorava a realidade da população. 58 Aqui, é
possível verificar a manifestação do paradigma da segurança como melhor abordagem
para a “paz”, distante do ideal da paz positiva de Galtung e mais ainda da paz
emancipatória de Richmond.
Além dessas, outra ameaça ao processo de paz em 2003 advinha da
dificuldade de reintegração dos ex-combatentes desempregados graças à falta de
recursos do DDR, planejado para 33.000 combatentes, porém surpreendido com
72.000. Há indícios de que muitos esperavam a retomada da guerra após retirada da
58
INTERNATIONAL CRISIS GROUP, Sierra Leone: The State of Security and Governance, Africa Report
N°67, 2 Sep 2003, Disponível em: http://www.crisisgroup.org/en/regions/africa/west-africa/sierraleone/067-sierra-leone-the-state-of-security-and-governance.aspx Acesso em 10/09/14
69
UNAMSIL, um alerta para a não-sustentabilidade da paz à esse momento. (KEEN,
2005, p.287-288) Apesar do Alto Comissário de Direitos Humanos da ONU ter
declarado em novembro a diminuição da violência59, graficamente o PIRI caiu de 8 para
5 em comparação com o ano anterior. Em contrapartida, o regime manteve a tendência
do ano anterior, de anocracia aberta (Polity2= 5).
Em maio de 2004 ocorreram eleições locais que deram ao APC o controle ao
norte de Freetown.
Em setembro, no juízo da CI a situação da segurança tinha
melhorado de tal forma que a responsabilidade pela segurança de todo o território foi
transferida para o governo. Em outubro a Comissão de Verdade e Justiça divulgou seu
relatório final (GOLDMAN, 2005, p.486-490) Nesse ano, as Nações Unidas divulgaram
documento referindo-se a UNAMSIL como uma história de sucesso.60 O ICG, no
entanto, manifestou a preocupação com a dependência externa e o tratamento da
construção da paz tal qual uma lista de itens, recomendando um comprometimento a
longo prazo, ao DPKO e ao Reino Unido.61 No registro dos indicadores houve
diminuição da violência em relação a 2003 e o PIRI chegou a 6. O regime se manteve
estável, como anocracia aberta.
Em maio de 2005, Christiana Thorpe, líder da sociedade civil, assumiu a
presidência do Conselho Eleitoral Nacional (CEN), aumentando a credibilidade da
instituição. (WYROD, 2008, p.74). Ao final desse ano, em 31 de dezembro, o mandato
da UNAMSIL expirou e suas últimas tropas, dentre as 17,300 mil, foram evacuadas e
tiveram suas atribuições repassadas aos locais. Os efeitos da saída são melhor
apreendidos nos anos seguintes, mas de acordo com o Polity a estabilidade do regime
se manteve. Já a ausência de violência diminuiu no PIRI, mas não no WGI. Ainda
assim, Kofi Annan, em abril, alertou para a persistência dos problemas que deram
causa ao conflito, mencionando os jovens como atores importantes na construção de
uma paz que se pretenda durável, resgatando a discussão de Fearon (HANLON, 2005,
59
FREEDOM HOUSE, Freedom in the World 2003, Sierra Leone. Disponível em:
http://www.freedomhouse.org/report/freedom-world/2003/sierra-leone#.VFJvi9TF800
60
UNITED NATIONS PEACE OPERATIONS, UNAMSIL: A success story in UN peacekeeping, Year in
Review, 2004. Disponível em: http://www.un.org/en/peacekeeping/publications/yir/2004/ch3.htm Acesso
em 15/09/2014
61
INTERNATIONAL CRISIS GROUP, Africa Report N°87, Liberia and Sierra Leone: Rebuilding Failed
States, 8 Dec 2004. Disponível em: http://www.crisisgroup.org/en/regions/africa/west-africa/sierraleone/087-liberia-and-sierra-leone-rebuilding-failed-states.aspx Acesso em 25/11/14
70
p.11) Um dado interessante sobre esse ano é o survey do IRCBP sobre como a guerra
afetou o modo de trabalhar em conjunto dentro das comunidades, no qual 60% dos
entrevistados disseram que os impactos foram positivos. Esse ponto indica o aumento
na mobilização política nas comunidades afetadas pela violência, reconhecendo um
potencial transformador na guerra. (BELLOWS, 2006, p. 398)
No início de 2006, em janeiro, o CSNU estabeleceu o UNIOSIL, voltado à
consolidação da paz em Serra Leoa. Em abril, Charles Margai rompeu com o SLPP e
formou um novo partido, o People’s Movement for Democratic Change (PMDC). Tal
novidade ofereceu uma terceira opção na política dominada pelo binômio APC e SLPP
e incrementou a democracia partidária. Tanto o PIRI quanto o Polity se mantiveram no
mesmo nível do ano anterior.
7.4.
A TRAJETÓRIA DEMOCRÁTICA E A POLARIZAÇÃO
Em 2007 ocorreram as primeiras eleições democráticas sem presença
internacional, marcando a transição pós-conflito entre governos civis. A derrota do
partido dominante (SLPP) em favor da oposição (APC) sinalizou a rejeição do modo
que Kabbah vinha administrando a paz, negligenciando os problemas de corrupção e
pobreza que deram origem ao conflito. (WYROD, p.70) Ernest Bai Koroma venceu no
segundo turno com 54,6% dos votos contra 45,4% de Solomon Berewa, vitória que
corresponde ao primeiro turnover nos termos de Huntington. Apesar da estação da
chuva e do temor de baixo comparecimento, 2/3 dos eleitores registrados compareceu
ao pleito marcado por divisões regionais. A CEN contribuiu ao sucesso das eleições
que foram consideradas justas e livres pela comunidade internacional (FREEDOM
HOUSE) A realização do pleito contribuiu à transição: de acordo com o Polity, o regime
em Serra Leoa tornou-se democrático nesse ano (Polity2 ≥ 6) e houve melhora no
respeito aos direitos à integridade física segundo o PIRI. Episódios de violência em
resposta à vitória de Koroma foram minimizados quando o candidato derrotado
compareceu à cerimônia de posse do presidente eleito em 17 de setembro. (WYROD,
2008, p.77) Tal gesto parece indicar um esforço das elites políticas em apresentar o
71
regime democrático como “o único jogo disponível” na sociedade, combinando
dimensões comportamentais, atitudinais e constitucionais nesse sentido. (LINZ, 1999)
No ano seguinte (2008) foram realizadas eleições locais que repetiram a
tendência de divisão regional entre o SLPP, ao sul, e o APC, ao norte e oeste – os 13
distritos foram divididos em 6 para um partido e 7 para o outro. (FREEDOM HOUSE,
2008) No mês de setembro, Koroma estabeleceu uma nova Comissão Anti-Corrupção,
substituindo o ato de 2000 que deu origem à primeira versão do órgão. Em outubro, os
70 funcionários da UNIPSIL, estabelecida em agosto pelo CSNU, começaram a operar,
visando a consolidação política, a construção de instituições democráticas e a
promoção dos direitos humanos. (S/RES/ 1829)
Tanto o Polity quanto o PIRI se
mantiveram nesse ano.
No mês de março de 2009 a polarização entre os principais partidos se
converteu em violência entre simpatizantes do APC e o SLPP na capital. O crédito pela
conciliação foi do representante da UNIPSIL, Michael von der Schulenburg, que
pressionou as lideranças dos dois partidos a assinarem um “Joint Communiqué”
comprometendo-se a prevenir disputas políticas. O resultado foi a visita do presidente
Koroma à sede da oposição, oportunidade na qual proferiu discurso sobre a não
violência. Além disso, uma coalizão entre jovens de ambos partidos reuniou esforços
em torno do debate conjunto, em detrimento das acusações mútuas e da postura
combativa adotada até então. (DENNEY, 2009) A contestação pública e o direito de
participação são condições da Poliarquia, segundo Dahl, por isso a atitude dos jovens é
relevante para a democracia. Em setembro, o mandato da UNIPSIL foi renovado por
mais um ano. (S/RES/1886) Os dados sobre o regime se mantiveram no mesmo
patamar do ano anterior, e a violência praticada não foi registrada pelo PIRI ou WGI, os
quais se mantiveram estáveis.
Segundo a Anistia Internacional, 2010 deu lugar ao ressurgimento de políticas
de identidade e ao acirramento da polarização em linhas adversariais: APC X SLPP.62
O governo anunciou o plano de uma investigação sobre os crimes cometidos pela junta
militar em 1992; não obstante, a iniciativa foi criticada pela sociedade civil e pelos
62
ANISTIA
INTERNACIONAL,
Annual
Report
http://www.amnesty.org/en/region/sierra-leone/report-2011
2011,
Serra
Leoa.
Disponível
em:
72
agentes da UNIPSIL por incitar a intolerância entre os partidos, e o governo, mesmo
contrariado, silenciou. (FREEDOM HOUSE, 2011) Em decorrência disso, as relações
entre Schulenburg e Koroma foram se deteriorando.63 No mês de setembro, a ONU
levantou as últimas sanções contra Serra Leoa que estavam em efeito desde 1997,
mantendo o peacekeeping apenas para observar as próximas eleições. Não houve
alteração no regime e o Polity se manteve estável. Porém, a queda do PIRI em um
ponto no ano de 2010 sugere aumento da violência em relação ao ano anterior.
GRÁFICO 2.2 - DEMOCRATIZAÇÃO E ESTABILIDADE POLÍTICA
EM SERRA-LEOA 2000-2012
9
8
7
6
5
4
3
2
1
0
PIRI
Polity2
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Polity2/PIRI
Sierra Leone
FONTE: CINGRANELLI, David, RICHARDS, David, CIRI Human
Rights Dataset 2014 e MARSHALL, Monty, GURR, Ted, Polity IV
Project: Political Regime Characteristics and Transitions, 18002013
Em julho de 2011, Julius Maada Bio, herdeiro do passado autoritário de Serra
Leoa, tornou-se o líder do SLPP. Popular entre os jovens e os militares, Maada Bio foi
vítima de um ataque na cidade de Bo em setembro no qual membros do APC atiraram
pedras contra o presidenciável. Em represália, prédios do APC foram atacados,
demonstrando a distância entre o discurso de unidade do communiqué de 2009 e o
desafio da construção da paz na prática. (FREEDOM HOUSE, 2011) Na sequência da
onda de violência, o mandato da UNIPSIL foi renovado por mais um ano. (S/RES/2005)
63
SECURITY COUNCIL REPORT, March 2012 Monthly Forecast: Sierra Leone, Disponível em:
http://www.securitycouncilreport.org/monthlyforecast/201203/lookup_c_glKWLeMTIsG_b_7996429.php?p
rint=true Acesso em 18/10/14
73
Em dezembro, o representante permanente de Serra Leoa na ONU, Shekou M. Touray,
apresentou uma solicitação formal do presidente Koroma a Ban Ki-moon de que
Schulenberg fosse substituído.64 A principal acusação contre ele era de favorecimento
da oposição, e como o APC se recusou a negociar caso a substituição não fosse feita,
o pedido foi atendido. Ao ceder à solicitação do país receptor da operação, a CI acolheu
a vontade do governo legitimamente eleito, distanciando-se da ingerência praticada no
Haiti no mesmo período. No ano de 2011 o regime não sofreu alterações, mantendo-se
democrático segundo o critério do Polity. Já o PIRI retomou a marca 6, melhora também
registrada pelo WGI comparativamente ao ano anterior. A solução rápida é um sinal de
recuperação importante para a transição bem sucedida, pois previne que uma nova
coalizão política se forme visando tentar combinar a eficácia das políticas com a
legitimidade democrática. (LINZ, 1999, p.207)
Em 2012 os esforços se concentraram na realização das eleições presidenciais
e parlamentares de novembro. É importante destacar que essas foram as primeiras
eleições nas quais a maior parte do orçamento era oriundo de Serra Leoa, e não de
doações.
Outra
novidade
foi
a
simultaneidade
das
eleições
presidenciais,
parlamentares e dos conselhos locais, que até então ocorriam em datas distintas. De
janeiro até março, o CEN foi responsável pelo registro dos eleitores e a implantação do
sistema biométrico. Foram registrados 2,692,635 serra leonenses para escolherem
seus candidatos. Em janeiro ocorreu um episódio de violência partidária em eleições
parciais em Freetown no qual a polícia teve de intervir, sendo que no mês seguinte o
SLPP acusou o partido da situação de armar e mobilizar ex-combatentes para
atrapalhar as eleições. Em maio, todos os partidos assinaram um acordo
comprometendo-se com eleições justas, livres e pacíficas. Chegada a data, as eleições
transcorreram normalmente e a participação dos serra-leonenses foi em torno de
88%.65 Koroma, candidato à reeleição, obteve 58.7% dos votos, e Bio 37.4%. O APC
manteve a maioria nas eleições parlamentares, ampliando o número de assentos, ao
64
NEW AFRICAN MAGAZINE, Politics, Sierra Leone: The Shape Of Things To Come? 01 de Abril de
2012. Disponível em: http://newafricanmagazine.com/sierra-leone-the-shape-of-things-to-come/ Acesso
em 30/09/2014
65
IDEA,
Voter
turnout
data
for
Sierra
Leone.
Disponível
em:
http://www.idea.int/vt/countryview.cfm?CountryCode=SL Acesso em 23/11/14
74
passo que o SLPP não aumentou nem diminuiu sua representatividade. Inicialmente, o
SLPP se recusou a aceitar os resultados, alegando irregularidades no processo
eleitoral. No entanto, Bio e Koroma emitiram uma declaração em dezembro
reconhecendo a vitória do APC, descartando a opção pelo boicote do SLPP. A
importância da tomada de posse dos eleitos e anuência dos derrotados é requisito da
transição democrática, anteriormente discutido por Przeworski e Huntington. Ainda
assim, o banco de dados Polity não registrou melhora no regime em 2012. A violência
registrada pelo WGI também se manteve estável em relação a 2011.
A alternância do poder entre SLPP e APC em 2007 e a aquiescência com o
resultado eleitoral em 2012 pelos derrotados tornam Serra Leoa uma democracia na
definição de Przeworski. (PRZEWORSKI, 1991, p.10) Ainda que a definição seja
mínima, o alto comparecimento às eleições de 2002, 2007 e 2012 é outro indício que
confirma a receptividade dos serra-leonses à transição. No curso do período 20002012, a democratização registrada pelo Polity foi expressiva, sendo que os momentos
de melhora coincidiram com as eleições (2002, 2007). A transição do regime é
acompanhada de incremento na segurança, haja vista a tendência do PIRI e WGI
próxima do Polity2. Segundo Goldman, o desafio pós-conflito em Serra Leoa era
redefinir de maneira positiva a relação entre o governo e os governados a fim de
assegurar a legitimidade das novas instituições estatais. (GOLDMAN, p.466) Ao final da
guerra civil, a ossatura do Estado estava para ser construída, inoportuno se falar em
reconstrução. Porém, as elites políticas já atuavam no país, administrando os recursos
naturais em benefício próprio. Negligenciar tal conjuntura poderia comprometer o
processo de paz, favorecendo a insurgência. Pode-se dizer que o desafio do consenso
normativo foi alcançado pois nem a guerra em 1996, nem a estação da chuva em 2007
impediram a realização de processo eleitoral relativamente justo e livre. A versão
híbrida da construção da paz articulada entre os internacionais e locais permite afirmar:
˜Serra Leoa demonstra como os problemas africanos podem ser solucionados por
soluções predominantemente africanas.”66
66
frase popularizada após genocídio em Ruanda quando muitos africanos concordaram que o melhor
seria resolver seus próprios problemas, sem depender do mundo Ocidental e da Onu (GOLDMAN, p.459)
75
8. TIMOR LESTE
8.1.
CONTEXTO HISTÓRICO
Com
pouco
mais
de
um
milhão
de
habitantes
e
compreendendo
aproximadamente 14,600 quilometros quadrados de território, Timor Leste é uma
pequena ilha montanhosa que alcançou a independência em 2002. Ainda em 2010 a
maioria da população, cerca de 70.4%, vivia nas zonas rurais.67 Trata-se de uma
população jovem, na qual pessoas abaixo de 15 anos representavam 46% do total em
2012.68 A ilha do Timor está dividida em duas partes: a República da Indonésia, situada
ao Oeste, cuja capital é Kupang, e a República Democrática de Timor Leste, ao Leste,
cuja capital é Dili.
Enquanto colônia portuguesa, a partir da metade do século 16, poucos
investimentos em infraestrutura foram realizados. Em 1941, a ilha tornou-se um
microcosmo da segunda Guerra, tendo sido invadida por tropas japonesas e austroholandesas. Encerrada a guerra, a administraçãoo portuguesa foi restaurada em 1945.
Entre 1962 e 1973 a Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu o direito à autodeterminação do Timor Leste e de outras colônias portuguesas. No entanto, somente
após a Revolução democrática de 1975 em Portugal tal direito foi reconhecido pela
metrópole, e com ele a autorização de partidos políticos. Surgiram a União Democrática
Timorense (UDT), a Associação Social Democrata Timorense (ASDT) – que meses
depois, torna-se FRETILIN – e a Associação Popular Democrática do Timor
(APODETI), cujo objetivo era a integração autônoma com a Indonésia. Em 20 de agosto
de 1975 foram criadas as FALINTIL (Forças Armadas de Libertação de Timor-Leste)
enquando um braço militar do FRETILIN.
Em 28 de novembro de 1975, o FRETILIN proclamou unilateralmente a
independência do território com relação a Portugal. Em seguida, Portugal reconheceu
perante a ONU a incapacidade de levar a bom termo os conflitos no Timor, sendo que
ao dia 30 do mesmo mês ocorreu a Declaração de Balibó ou “Proclamação da
67
GOVERNO DO TIMOR-LESTE, Resultados do Censos 2010: crescimento populacional de Timor-Leste
é mais lento do que esperado, 22 de outubro de 2010. Disponível em: http://timorleste.gov.tl/?p=4144&n=1 Acesso em: 12/08/2014
68
THE WORLD BANK, Data, Population ages 0-14 (% of total), Timor Leste. Disponível em:
http://data.worldbank.org/indicator Acesso em 22/12/14
76
Integração”, na qual partidos contrários à FRETILIN, em particular a UDT, solicitaram a
integração do território à Indonésia. Em meio a instabilidade, em dezembro de 1975,
por meio da Operação Komodo, inicia-se a segunda fase da história do Timor-Leste: a
ocupação indonésia.
Durante esse período, que durou entre 1975 e 1999, os vizinhos da Indonésia
tornaram-se sua 27ª província, denominada Timor Timur. Operou-se a javanização do
Timor português, sendo a homogeneização lingüística uma das políticas fundamentais.
Com os indonésios, a promoção do desenvolvimento por meio de investimentos em
infraestrutura e subsídios para a agricultura foi muito maior do que aquela dos
portugueses. (ENGEL, 2011, p.9) Não obstante, o Estado indonésio praticou um
genocídio contra seus vizinhos enquanto as Falintil, organizadas sob a liderança de
Xanana Gusmão, recorriam a técnicas de guerrilha para lutar contra a ocupação. Em
1987 opera-se o divórcio entre FRETILIN e Falintil que terá implicações no Timor pósconflito. (ICG, 2006) O estopim para o movimento de solidariedade internacional em
relação ao Timor ocorreu em novembro de 1991 com o Massacre de Santa Cruz,
desencadeando um “efeito CNN”. (PUREZA, 2001, p.11) Tais eventos culminaram na
renúncia do General Suharto em 1998 cedendo às manifestações e pressão
generalizada. Em 5 de maio de 1999, Indonésia e Portugal assinaram um acordo
visando a transição para a independência timorense sob os auspícios da ONU. A opção
acordada foi de realizar um referendo a fim de mensurar o apoio popular pela
autonomia do Timor. O resultado do referendo de 30 de agosto foram 78,5% dos votos
pela independência, porém a autonomia conquistada teve um alto custo conforme será
discutido abaixo.
8.2.
ADMINISTRAÇÃO ONUSIANA
Como havia sido alertado, o resultado da consulta popular desagradou aos
grupos pró-integração, em particular o Exército indonésio e milícias a ele próximas. A
UNAMET, força militar internacional que criou as condições para a realização do
referendo, vinha sofrendo ameaças da milícia e reconheceu estar ciente que as
consequências do referendo poderiam ser violentas. (STANKOVITCH, 2000, p.24) De
77
fato, após a divulgação do resultado a favor da independência, a UNAMET, que já vinha
sofrendo da falta de recursos, não conseguiu conter as represálias naquilo que ficou
conhecido como “Setembro Negro”. (PUREZA et al., 2009, p. 288) O objetivo dos paramilitares pró-integração era destruir a infraestrutura até então existente e despovoar o
Timor Leste. (DUNN, p.350, apud RICHMOND, p.6) Estima-se que 1,400 pessoas
foram mortas, centenas estupradas, e 500.000 deslocadas de suas casas (ICTJ e
UNTAET). Ao final, as milícias destruíram 70% da infraestrutura então existente.
(GOVERNMENT OF TIMOR-LESTE, 2003, p.12) Nesse ponto, críticos com Roland
Paris apontam uma insistência da comunidade internacional na liberalização precipitada
ao introduzir a democracia em um ambiente volátil e perigoso, sugerindo que a ONU
nunca se recuperou desse contratempo.(PARIS, 2004) Os perigos da democratização
precipitada e os efeitos a curto prazo da transição foram alertados por Snyder e
Mansfield (2005) conforme referido no item (5.1) Em consequência da crise, a UNAMET
foi evacuada, tendo apenas uma pequena parte do contingente permanecido.
A solução encontrada para conter a violência pós referendo e viabilizar o
retorno da UNAMET foi o envio da INTERFET, sob o comando australiano, em
setembro de 1999. Nesse momento, a ONU destituiu a polícia indonésia da função de
proteger a porção leste da ilha, repassando-a à força armada internacional. Trata-se de
uma operação que combinava elemento de peacekeeping tradicional com peace
enforcement, já que as forças militares afastavam-se da função meramente
observadora desempenhada pela missão predecessora.69 Ao assumir o funcionamento
dos serviços básicos à população, a UNAMET obteve sucesso pois “ofereceu
administração interina, assistência humanitária urgente e ganhou os corações e as
mentes dos timorenses ao afastar o Exército e as milícias indonésios.” (DUNN, 2003,
p.367, apud RICHMOND, 2007, p.7) É possível estabelecer um paralelo entre a
percepção dos locais recepcionando o recurso ao uso da força nessa oportunidade, e
no Haiti quando do retorno de Aristide. A resposta repousa na legitimidade popular, a
justificação capaz de tornar o processo correto e lícito para a população, (DAHL, 1997,
p. 28) presente no referendo pela independência e na eleição democrática de Aristide.
69
BELLAMY, Alex, WILLIAMS, “INTERFET Case Study,” Polity. 2010, Disponível
https://www.polity.co.uk/up2/casestudy/INTERFET_case_study.pdf Acesso em 17/10/14
em:
78
Recobrada a estabilidade, o CSNU estabeleceu em outubro de 1999 a United
Nations Transitional Administration in East Timor (UNTAET) com o intuito de administrar
o Timor Leste em sua transição para a independência. (S/RES/1272) Seu mandato,
enquadrado sob o Capítulo VII da Carta da ONU, previa uma operação
multidimensional com objetivos amplos desde “estabelecer uma administração efetiva”
até “assistir ao estabelecimento de condições para o desenvolvimento sustentável. 70
Em suma, gozava de soberania para administrar temporariamente o território, com
autoridade legislativa, executiva e judiciária, por isso, em termos coloniais, era
administração direta, não indireta. (SUHRKE, 2001, p.6) Para tanto, ficava encarregada
de auxiliar os timorenses nas seguintes tarefas: formular a constituição, organizar o
sistema de justiça, e realizar eleições parlamentares e presidenciais. Nesse sentido, a
UNTAET foi um experimento único em matéria de administração transicional, sendo a
mais compreensiva operação do tipo coordenada pela ONU pois não competia com
nenhuma outra autoridade. (SUHRKE, 2001, p.1) Uma segunda novidade introduzida
pela UNTAET foi a administração distrital, visando descentralizar a autoridade política
para melhorar as vidas dos cidadãos ordinários, nos moldes do que havia ocorrido no
Kosovo e em Cambodia. Na teoria, tal modelo era promissor por proporcionar maior
agência aos atores locais, porém a “janela de oportunidade para o sucesso” foi mal
aproveitada quando a demanda pela centralização em Dili venceu e as estruturas locais
foram desperdiçadas. (CHOPRA, 2002, p.985-988)
Dissolvida em maio de 2002, a UNTAET fez das eleições para a Assembleia
Constituinte de 2001 sua estratégia de saída. (CHOPRA, 2002, p.994) Conforme relata
Engel, o Conselho Nacional de Resistência Timorense (CNRT)71 representado por seu
Presidente, Xanana Gusmão, era favorável a um modelo de transição gradual para a
independência, que durasse cerca de dez anos. Porém, a CI tinha pressa e ansiava por
resultados para divulgar. (ENGEL, 2011, p.4) Essa postura confirma que os
proponentes do modelo de reconstrução democrática se preocupam mais em coincidir o
prazo das eleições com a estratégia de saída às pressas, em detrimento de considerar
o tempo necessário para a realização de eleições bem-sucedidas. (OTTAWAY, 2003,
70
UNITED NATIONS, UNTAET, Background, Department of Public Information, 2002. Disponível em:
http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/past/etimor/UntaetB.htm Acesso em 30/08/2014
71
SUHRKE se refere o CNRT como o “guarda-chuva das forças pró-independência”.
79
p.314) A tentativa inicial de favorecer a participação local foi considerada secundária na
prática, e em março de 2001 somente algumas dentre as 13 Administrações Distritais
eram timorenses. (SUHRKE, 2001, p.13) Em preparação para as eleições de 2001, a
UNTAET foi responsável pelo registro de 742,461 pessoas em um período de 3 meses.
Tal número correspondia a praticamente a totalidade da população timorense
(excluindo refugiados) segundo os dados oferecidos pelo DPKO.72
Somente após a questão das Falintil ter se tornado incontornável é que a
UNTAET decidiu por sua dissolução e criação das Forças de Defesa de Timor-Leste (FFDTL) no início de 2001. (GORJÃO, 2004, p. 1057) Apenas 650 dos 1500 membros
das F-FDTL eram ex-Falintil, decisão cujas consequências reverberam no pós-conflito
timorense. (ICG, 2006) A UNTAET também foi responsável pela criação da Polícia
Nacional de Timor-Leste (PNTL). Em agosto do mesmo ano 91% do eleitorado
compareceu às urnas para decidir quem os representaria na Assembleia Constituinte.
(PARIS, 2004, p.219) Nelas, o FRETILIN obteve 57% dos votos e garantiu 55 dos 88
assentos, refletindo larga vitória eleitoral. Isso permitiu a aprovação de uma
“Constituição Fretilin”, da qual emanava a subordinação do Presidente ao governo,
formulação que prejudicou a separação dos poderes traduzida pelo checks and
balances. Uma segunda provisão da Consetituição decidia pela transformação da
Assembleia Constituinte em Assembleia Nacional, descartando a necessidade de uma
segunda eleição. O resultado foi um Parlamento ilegítimo, comprometendo o processo
democrático e alimentando o ressentimento nos partidos que não o FRETILIN.
(RICHMOND, 2007, p.10) Em razão da omissão dos valores de 2000 e 2001 no banco
de dados Polity, a análise da democratização não pode ser operacionalizada usando
essa fonte. Como parâmetro, pode-se recorrer ao estudo de Larry Diamond, no qual o
regime em Timor Leste ao final de 2001 foi classificado como autoritarismo competitivo.
(DIAMONS, 2002, p.31)
8.3.
RDTL
72
UNITED NATIONS TRANSITIONAL ADMINISTRATION IN EAST TIMOR, UNTAET’S 25 Major
Achievements, April 2002
80
Na sequência, as eleições presidenciais ocorreram em 14 de abril de 2002 e
foram consideradas livres, justas e pacíficas pela ONU. Xanana Gusmão, do Partido
Democrático, foi o primeiro presidente eleito no Timor-Leste. No entanto, o primeiro
ministro Mari Alkatiri, do FRETILIN, “monopolizou o poder político e estagnou o
governo”, usando da Constituição para dificultar, ao lado de sua base aliada, a
governabilidade de Gusmão. (RICHMOND, 2007, p. 11) Eleito o presidente, a República
Democrática do Timor-Leste foi restaurada em 20 de maio de 2002 e dissolvida a
UNTAET.73 Para Richmond, a administração pública timorense teria que começar do
início em razão da lacuna existente entre as instituições, e entre a experiência daqueles
operando-as. No entanto, a UNTAET durou menos de três anos. (RICHMOND, 2007,
p.5) Ao nascer, dois aspectos normalmente ausentes nas missões de paz estavam
presentes em Timor Leste, a saber: a) o poder beligerante- Indonésia- tinha evacuado
por completo; e b) um único interlocutor com quem negociar- o CNRT. (RICHMOND,
2007, p.7) Tais condições deveriam ter conduzido a um resultado de sucesso; não
obstante, Chopra, líder da administração distrital da UNTAET até 2000, afirma “ainda
assim deu errado”. Conforme o relato da RENATIL, grupo opositor às conquistas da
UNTAET divulgadas às vésperas do fim do mandato: “Timor Leste será deixado pelas
Nações Unidas em um estado muito mais pobre do que o que a ONU havia prometido
ao país em seu mandato.” (CHOPRA, 2002, p. 999) Ressaltando a necessidade de um
diálogo popular sobre a ineficiência da autoridade governamental e o conflito entre dois
projetos: o ideal onusiano e o ideal local. Suhrke considera as dificuldades encontradas
resultado da contradição que a UNTAET sofreu, desde o início, entre sua estruturabaseada em técnicas de peacekeeping – e seu mandato, preparar os timorenses para a
independência- portanto state-building. (SUHRKE, 2001, p.1) De todo modo, nota-se a
insistência na via de cima para baixo, que acaba por reificar a violência estrutural e
reforçar a paz dos vencedores. (RICHMOND, 2010, p.25)
Uma segunda operação, a UNMISET, foi estabelecida em maio de 2002 para
dar suporte aos primeiros anos do Estado timorense. Seu mandato, prevendo
componentes militar, policial e civil, pretendia substituir o protagonismo da operação
anterior por um simples auxílio ao processo de autoconstrução levado a cabo pelos
73
“restaurado” e não criado pois em 28 de novembro de 1975 houve a proclamação unilateral
81
timorenses. (SILVA, 2012, p.49) Segundo o Polity, em 2002, o regime timorense era
democrático (Polity2=6), e a não variação em relação aos dois anos anteriores deve ser
compreendida com cautela em razão da ausência dos dados. No que se refere à
violência, em dezembro de 2002 houve um incidente em Dili no qual a polícia atirou
contra 18 manifestantes, matando dois deles e deixando outros 26 feridos. 74 Ainda
assim o WGI não foi alterado, e a estabilidade política verificada desde 2000 se
manteve.
GRÁFICO 3.1 - DEMOCRATIZAÇÃO E ESTABILIDADE POLÍTICA
EM TIMOR LESTE 2000-2012
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Polity2
WGI
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Polity/WGI
Timor-Leste
FONTE: KAUFMANN, Daniel, KRAAY, Aart, MASTRUZZI, Massimo,
Worldwide Governance Indicators 1996–2013 e MARSHALL, Monty,
GURR, Ted, Polity IV Project: Political Regime Characteristics and
Transitions, 1800-2013
A alta estabilidade política apresentada nos primeiros anos do gráfico parece não se
confirmar nos registros históricos, demonstrando uma limitação do banco de dados
consultado. Inobstante, o episódio do confronto entre os civis e a polícia em Dili no ano
de 2002 prevalece em detrimento dos dados numéricos pois ressalta a dificuldade de
se incorporar a vontade coletiva e os efeitos colaterais da estratégia da paz liberal
executada no Timor Leste. Ainda assim, o representante do SGNU Jean-Christian Cady
afirmou em 2002: “na história caótica das operações de peacekeeping da ONU, onde
74
ARAÚJO, Marito et al, Joint Statement of Civil Society Organizations in Timor Lorosa'e, “Never sacrifice
people
for
certain
political
ambition”,
Dezembro
2002,
Disponível
em:
http://www.etan.org/et2002c/december/01-7/07civsoc.htm Acesso em 11/10/14
82
os resultados nem sempre correspondem aos esforços da CI, o Timor-Leste figura
como um sucesso inequívoco.” (apud GOLDSTONE, 2004, p.83)
Em 2003, no aniversário da independência, ocorreu a Reunião de Timor-Leste
com os Parceiros do Desenvolvimento (RTLPD), promovida pelo governo e pelo seção
do Banco Mundial local. Nessa oportunidade, Alkatiri declarou:
Assumimos a direção deste país com pouca experiência de governação. A
agravar, como Estado, estava vazio de memória e carente de competências, de
disciplina, e de vida e cultura institucionais (ALKATIRI, apud SILVA, 2012, p.80)
aludindo à tese do terra nullius em termos de Administração Pública. (CHOPRA, 2002,
p.981) Kelly da Silva, antropóloga cuja pesquisa etnográfica foi realizada no terreno,
compara a reunião com uma arena de disputa, sublinhando a demanda do governo aos
doadores por maior autonomia na gestão dos recursos. (SILVA, 2012, p.80) Um ano
após a independência, cerca de 80% das despesas públicas eram pagas com recursos
dos doadores.(SILVA, 2012, p.81) A dependência de assistência externa do jovem
Estado timorense e a falta de auto-governo justificam o emprego do termo “Estado
fantasma”. (BLANCO, 2010, p.187) A metáfora é próxima daquela de “Estados sombra“,
com carcaça mas sem conteúdo. (RICHMOND, 2010, p.28) Sobre a estabilidade
política, em janeiro e fevereiro desse ano, forças anti-timorenses e pró-milicia
conduziram ataques na região próxima da fronteira com a Indonésia.75 A violência
aumentou em relação ao patamar que se encontrava desde 2000, com queda no WGI e
no índice PIRI. Não houveram alterações no regime registradas pelos dados do Polity.
Em abril de 2004, Kofi Annan recomendou a manutenção da UNMISET por
mais um ano. O CSNU consentiu, porém ressaltou que essa seria a última postergação.
No final do ano, as relações entre os timorenses e seus vizinhos indonésios tomaram
um novo rumo. Os países iniciaram diálogo que continuou até fevereiro de 2005 e
possibilitou a criação de uma Comissão da Verdade para apurar as violações aos
direitos humanos cometidas em 1999 bem como outros acordos bilaterais. (GORJÃO,
2008, p.1-5) De acordo com o PIRI a violência foi minimizada retornando ao nível
75
UNITED NATIONS, Press Release, Recent Violence, Rise In Armed Groups Threaten Success In
Timor-Leste, Peacekeeping Under-Secretary-General Tells Security Council, 10 de março de 2003.
Disponível em: http://www.un.org/press/en/2003/sc7683.doc.htm Acesso em 13/11/14
83
observado entre 2000 e 2002. A classificação do regime segundo o Polity2 não sofreu
alterações nesse ano.
Entre dezembro de 2004 e setembro de 2005 foram realizadas eleições locais
em 442 aldeias (sucos). A função dos líderes eleitos nesse nível é mobilizar e informar
os membros das comunidades, tarefa particularmente importante nas regiões inóspitas.
Nessas eleições o monitoramento costuma ser menor, e a violência eleitoral registrada
também. Uma provável razão para tanto é a dificuldade dos observadores externos de
controlar a autoridade exercida pelos líderes comunitários, que pode servir como meio
de intimidação.76 Apesar da declaração do CSNU de 2004, em 2005 a renovação do
mandato da UNMISET voltou ao debate. Em resposta ao pedido do primeiro ministro
Alkatiri de janeiro, Annan recomendou ao CSNU a manutenção da presença da ONU
em Timor Leste. A UNOTIL foi estabelecida no mês de abril, com a intenção de
permanecer até maio de 2006.
Outro ponto importante é que entre 2005 e 2006 o governo deixou de gastar 1/4
de seu orçamento, demonstrando estar mais preocupado em manter a centralização do
que em melhorar a prestação de serviços. (CURTAIN, 2006, p.9) Da perspectiva do
cidadão, falta de capacidade institucional e intenção perniciosa dos governantes gerarm
fracasso em termos de bem-estar e aumentam a possibilidade de recorrência da guerra,
antecipando os eventos do ano seguinte. (COLLIER, 2009, p.234) A violência medida
pelo PIRI e WGI aumentou em 2005 comparativamente ao ano anterior, ao passo que a
estabilidade do regime se manteve.
8.4.
A PERSISTÊNCIA DAS CAUSAS ORGINÁRIAS E A CRISE
Desde 2001 o FRETILIN “transformou democracia em ditadura ao se
estabelecer como o único mandatário do poder político”, e as consequências de tal
favorecimento, ratificado pela UNTAET (CHOPRA, 2002, p.996), ressurgiram na crise
de 2006. (RICHMOND, 2007, p. 11) Foi a disputa por poder político entre as lideranças
76
TIMOR LESTE ARMED VIOLENCE ASSESSMENT, Electoral violence in Timor-Leste: mapping
incidents and responses, 2009. Disponível em: http://www.genevadeclaration.org/fileadmin/docs/focuscountries/Issue_Brief_3_-_Electoral_violence_in_Timor-Leste.pdf Acesso em 26/11/14
84
das frentes da resistência à ocupação indonésia –Gusmão e Alkatiri- que desestabilizou
o Estado timorense. A UNTAET, encarregada da construção do país ab initio,
negligenciou as elites locais pré-existentes, para as quais mudar significou continuar a
competir pelos mesmos recursos, apenas usando novos meios. (TULL, 2008)
O recurso à violência 4 anos após a restauração da RDTL justificou-se à luz de
antigas feridas não curadas. A destruição de propriedade, por exemplo, apareceu como
reação à má distribuição das terras. (ROTBERG, 2010, p.398) Assim, uma
multiplicidade de causas ocasionou a violência em Dilli na primeira metade de 2006.
Sobre os agentes internacionais, a preocupação de Gorjão com a retirada precipitada
das tropas da UNMISET criar um vácuo de segurança provou-se acertada. (GORJÃO,
2008, p.1) Outro ponto foi o acirramento das divisões regionais entre Lorosae (nascer
do sol em Tetum) e Loromonu (pôr do sol), traduzido no mote “Leste vs. Oeste” dos
protestos subsequentes. (CURTAIN, 2006, p,12) Tal divisão teria sido alimentada pelos
líderes comunitários ao não rebaterem os rumores de que a origem dos problemas
estava nas diferenças regionais. (CURTAIN, 2006, p.5) Além disso, a percepção da
corrupção vinha aumentando, e com ela o descontentamento da população com o
governo do FRETILIN.77 Finalmente, e sobretudo, a causa motriz do início dos protestos
se deve aos cerca de 600 militares liderados por Gastão Salsinha protestando contra a
discriminação, o recrutamento e as medidas disciplinares aplicadas nas F-FDTL. Após
frustradas tentativas de negociação e aumento nas deserções, os “peticionários” foram
dispensados por Taur Matan Ruak – chefe das Forças Armadas – com o apoio de
Alkatiri, porém contra a vontade de Gusmão. (ICG, 2006) Inconformados, organizaramse exigindo a saída do primeiro ministro do poder, demanda recebida com simpatia pelo
público timorense, também insatisfeito. A crise no setor de segurança dialoga com a
incapacidade da polícia (PNTL) na manutenção da ordem, que comprometeu ainda
mais a situação, levando 148,000 pessoas a abandonarem suas casas. (CURTAIN,
2006, p.13) Estima-se que 38 pessoas foram mortas nos incidentes. (ANISTIA
INTERNACIONAL, 2008) Em junho, Alkatiri cedeu à pressões abandonando o cargo de
77
UNITED NATIONS OFFICE IN TIMOR-LESTE, Strengthening Accountability and Transparency in
Timor-Leste,
Dili,
2006.
Disponível
em:
http://siteresources.worldbank.org/INTTIMORLESTE/Resources/Report_of_the_Alkatiri_Initiative_Review
_Mission.pdf Acesso em 26/11/14
85
primeiro ministro. José Ramos Horta, vencedor do Nobel da paz, assumiu em seu lugar.
O aumento na violência em 2006 foi registrado pelo WGI, mas não pelo PIRI.
GRÁFICO 3.2 - DEMOCRATIZAÇÃO E ESTABILIDADE POLÍTICA
EM TIMOR LESTE 2000-2012
Timor-Leste
8
Polity2/PIRI
7
6
5
4
Polity2
3
PIRI
2
1
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
0
FONTE: CINGRANELLI, David, RICHARDS, David, CIRI Human
Rights Dataset 2014 e MARSHALL, Monty, GURR, Ted, Polity IV
Project: Political Regime Characteristics and Transitions, 1800-2013
Nesse ano o Polity2 subiu para 7, sugerindo que o regime tornou-se mais democrático
do que vinha sendo desde a independência. No entanto, cumpre mencionar que o
relatório do Polity considera iniciado em 2006 um período de faccionismo em Timor
graças à polarização regional e política. (POLITY IV- Country Report 2010, Timor-Leste)
A crise nacional de 2006 fez com que lideranças timorenses – Ramos Horta,
Alkatiri, Gusmão – solicitassem nova missão da ONU. (S/2006/651) Em resposta à
solicitação, a UNMIT foi estabelecida em agosto, planejada para permanecer até 2012.
(S/RES/1704) Na gestão do pós-crise foram ofertados cargos políticos e compensação
monetária aos culpados, minimizando o rule of law no país graças ao sentimento de
que os políticos estavam à margem da lei. (MOLNAR, p.141) A estratégia aplicada foi
anti-democrática, já que a substituição dos “detentores do poder” pelos “detentores da
autoridade” figura entre os objetivos principais da democracia. (SARTORI, 1994, p.253)
Uma segunda consequência da sensação de impunidade foi violar o preceito
republicano de que ninguém deve estar acima da lei. (O’DONNEL, 1997, p.30). O
SGNU, em relatório de agosto, reconheceu que os eventos de abril foram os
86
precursores da crise política, humanitária e securitária de dimensões maiores com
graves consequências ao jovem estado timorense. (S/2006/628) A preocupação
crescente da CI após a crise tem de ser compreendida à luz da transformação
vertiginosa do Timor Oriental de um caso exitoso em um projeto onusiano em declive.
(PUREZA et al., 2009, p.291) É interessante notar que nos anos subsequentes a 2006,
em razão da instabilidade pós-independência, começam os discursos de Timor Leste
enquanto um “estado falido” (MOLNER, p.154)
A incapacidade de adereçar as causas originárias dos protestos levaram à
continuação da crise no ano eleitoral. Em 2007, meses antes das eleições, Xanana
Gusmão fundou o Partido Congresso Nacional para a Reconstrução Timorense
(CNRT), com a mesma sigla do Conselho Nacional de Resistência Timorense. Com o
auxílio do monitoramento de 85 organizações, dentre as quais 56 timorenses, e da
polícia da ONU, o dia da votação transcorreu pacificamente, sendo que a Comissão
Nacional Eleitoral (CNE) recebeu apenas 5 queixas de violência.78 A despeito da ajuda
internacional, essas foram as primeiras eleições nacionais conduzidas pelo governo
Timorense, regidas pelas leis locais.79 Cerca de 81% do eleitorado compareceu às
urnas em 9 de abril para escolher o presidente. Sem maioria no primeiro turno, as
eleições presidenciais foram decididas em maio. Ramos Horta, concorrendo como
candidato independente, foi eleito com 69% dos votos, contra 31% de Lu-Olu, candidato
do FRETILIN. Em julho foi a vez das eleições para o Parlamento, nas quais o CNRT’
conseguiu 18 assentos, contra 21 do FRETILIN. A fim de obter a maioria dos assentos,
o CNRT’ formou uma coalizão com partidos menores, a Aliança para Maioria
Parlamentar (AMP), e decidiu sobre a composição do governo (HOLLEKIM, 2007, p.13)
Diante disso, Gusmão foi nomeado primeiro ministro pelo presidente eleito em agosto.
Após a divulgação dos resultados, Alkatiri e o FREITLIN consideram o governo
inconstitucional, ilegal e ilegítimo, iniciando uma onda de protestos. No entanto,
78
TIMOR LESTE ARMED VIOLENCE ASSESSMENT, Electoral violence in Timor-Leste: mapping
incidents and responses, 2009. Disponível em: http://www.genevadeclaration.org/fileadmin/docs/focuscountries/Issue_Brief_3_-_Electoral_violence_in_Timor-Leste.pdf Acesso em 26/11/14
79
INTERNATIONAL CRISIS GROUP, Timor-Leste’s Parliamentary Elections, Asia Briefing N°6512 Jun
2007. Disponível em: http://www.crisisgroup.org/en/regions/asia/south-east-asia/timor-leste/B065-timorlestes-parliamentary-elections.aspx Acesso em: 20/08/2014
87
posteriormente declararam aceitar os resultados “com dignidade”, participando
ativamente no Parlamento.80
O resultado de ambas eleições demonstrou a rejeição ao modo que o FRETILIN
vinha conduzindo o país, confirmando as demandas veiculadas nos protestos de 2006.
A alternância do poder e a aquiescência do partido derrotado foram uma conquista para
a democracia, se aplicados os critérios de Huntington e Przeworski. A preponderância
dos timorenses na condução das eleições também sugere maior autonomia em relação
aos doadores. De acordo com o Polity, o regime em Timor se manteve democrático,
repetindo o 7 do ano passado. Tanto o PIRI quanto o WGI registraram aumento na
violência nesse ano, indicando a dificuldade do Estado timorense em manter a
estabilidade em ano de eleição e eventual não correspondência entre democratização e
ausência da violência. Além dessa, outra possível explicação para a queda na
estabilidade política é que os efeitos da crise de 2006 tenham sido registrados pelas
fontes consultadas apenas no ano subsequente, portanto 2007.
No início de 2008, em fevereiro, Alfredo Reinado liderou ataques contra o
presidente Ramos-Horta e o primeiro ministro Gusmão. No confronto com a polícia,
Reinado, quem coordenou os protestos dos peticionários a partir de maio de 2006
tornando-se um herói entre os críticos à elite política desde então, foi morto.
Anteriormente, o governo de Ramos-Horta tinha feito tentativas de dialogar para
persuadi-lo a abandonar as armas, porém o líder recusou-se a menos que os 600
combatentes dispensados por Alkatiri fossem reintegrados ao Exército e as tropas
estrangeiras deixassem o país.81 O fracasso na redução desse centro autônomo de
poder coercitivo permitiu a retomada da violência, prejudicando o processo
democrático. (TILLY, 2013) Em decorrência do ataque, foi declarado estado de
emergência até que a situação no Timor-Oriental se normalizasse. Apesar da maior
autonomia da condução das eleições, a segurança ainda dependia em grande medida
dos agentes internacionais. Tanto que em resposta ao pedido do presidente, o mandato
80
THE ECONOMIST, Timor-Leste's fresh start, 11 de maio de 2007. Disponível em:
http://www.economist.com/node/9171315?zid=306&ah=1b164dbd43b0cb27ba0d4c3b12a5e227 Acesso
em 15/11/14
81
THE
ECONOMIST,
Dawn
raids,
14
de
fevereiro
de
2008.
Disponível
em:
http://www.economist.com/node/10696227?zid=306&ah=1b164dbd43b0cb27ba0d4c3b12a5e227 Acesso
em 4/11/14
88
da UNMIT foi postergado por mais um ano para ajudar o país a superar as causas da
crise iniciada em 2006. (S/RES/1802) Ao final de abril, os seguidores de Reinado
tinham sido capturados, viabilizando o fim do estado de emergência e a inibição do
poder coercitivo autônomo fora do Estado. (TILLY, 2013, p.151) Nesse ano o ICG
declarou, pertinentemente, que os problemas associados ao setor de segurança eram a
causa e o sintoma do impasse político em Timor. Apesar do incidente do início do ano,
a violência mensurada pelo PIRI e WGI diminuiu, retornando ao patamar anterior à crise
de 2006.
Em fevereiro de 2009 o CSNU estendeu o mandato da UNMIT por mais um
ano. (S/RES/1867). No mês de agosto, Maternus Bere, líder de milícia indiciado por
crimes contra a humanidade, foi preso pela PNTL. Ao final do mês, oficiais ordenaram
ilegalmente a soltura de Bere, provocando reações contra a impunidade em todo o país,
exigindo que a justiça não fosse sacrificada pelos interesses da diplomacia. 82 A
ausência de mecanismos de accountability em relação aos atos do Exército e da
polícia, bem como a insistência em não apurar as violações cometidas ao longo de 10
anos, continuaram sendo objeto de denúncia dos observadores e da sociedade civil em
2009. (ANISTIA INTERNACIONAL, 2009) A incapacidade de adereça-las teve como
efeito reproduzir as condições originárias do conflito, afastando-se da proposta do
paradigma da paz galtungiano. Nesse ano um novo Código Penal entrou em vigor, no
qual as provisões do Estatuto de Roma foram adotadas. (ANISTIA INTERNACIONAL,
2011) Também, repetiram-se as eleições nas aldeias (sucos). Houve diminuição de um
ponto no respeito aos direitos da integridade física comparativamente ao ano anterior.
Já o regime permaneceu com a mesma avaliação que vinha apresentando desde 2006,
confirmando a necessidade de maior responsividade para a democracia tornar-se
consolidada. (O’DONNEL, 1997)
Em outubro de 2010 foi realizada uma conferência do Diálogo de Consenso
Nacional para a Verdade, Justiça e Reconciliação. Duas leis visando a implementação
de um programa de reparações nacionais e a criação de um “Instituto da Memória”
foram apresentados à consulta pública; no entanto, o Parlamento adiou por duas vezes
82
LA’O HAMUTUK, Maternus Bere arrested by PNTL, then released to Indonesia by Timor-Leste political
leaders,
13
November
2009.
Disponível
em:
http://www.laohamutuk.org/Justice/99/bere/09MaternusBere.htm Acesso em 24/11/14
89
o debate das mesmas. (ANISTIA INTERNACIONAL, 2011) Em 2010 o PIRI voltou ao
nível de 2008, recuperando a queda do ano anterior. O Polity, manteve-se em 7.
Em 2011 iniciaram-se discussões entre o governo e a ONU para que a retirada
da UNMIT permitisse uma transição entre peacekeeping e segurança sustentável.83 A
estratégia foi elaborada no “Plano Conjunto de Transição”. Em junho foi aprovada uma
emenda à legislação eleitoral determinando a obrigatoriedade de que um a cada três
candidatos fosse mulher, um avanço na temática de gênero. A estabilidade do regime e
a ausência de violência mantiveram-se no mesmo nível de 2010.
As eleições de 2012 são descritas como as primeiras eleições ocorridas em
condições estáveis no Timor Leste. Nesse ano parece ter ocorrido um consenso entre
as elites políticas de que a condução de eleições pacíficas era necessária para o
rompimento da dependência externa e a retirada da ONU. (EU, 2012, p.15) Nas
eleições presidenciais, ocorridas em abril, “Lu-Olu” do FRETILIN obteve 38,8% dos
votos contra 61,2% de Taur Matan Ruak, ex-chefe das Forças Armadas que competiu
como candidato independente mas contava com o apoio do CNRT’. Em julho foi a vez
das eleições para o Parlamento, nas quais o CNRT’, conseguiu 30 assentos, contra 25
do FRETILIN, rompendo a maioria do partido até então hegemônico na RDTL pósindependência.84 Essa transformação indica o primeiro turnover tal qual proposto por
Samuel Huntington, e o abandono ao projeto de construção da paz elaborado
imediatamente após encerrado o conflito, segundo decisões da UNTAET. Ao final de
dezembro foi encerrado o mandato da UNMIT. Em 2012, ano em que conclui-se a
análise da construção da paz, o Polity se manteve em 7. O PIRI não foi registrado,
porém o WGI demonstra que a violência se manteve no nível dos dois anos
precedentes.
Recentemente, 15 anos após o referendo pela independência timorense,
Ramos-Horta declarou:
83
LA’O HAMUTUK, The UNMIT mission in Timor-Leste: August 2006 - 20 December 2012. Disponível
em: http://www.laohamutuk.org/reports/UN/06UNMITcreation.html
84
EVERETT, Silas, Will Timor-Leste’s Elections Result in a Grand Coalition?, Asia Foundation. Disponível
em: http://asiafoundation.org/in-asia/2012/07/11/will-timor-lestes-elections-result-in-a-grand-coalition/
90
Ninguém deve ter ilusões de que podemos consolidar a paz, transformar vidas
de violência e pobreza extrema em paz duradoura, paz como cultura, como
85
estilo de vida, e livre das amarras da pobreza em uma única geração.
O comentário resgata a discussão do paradigma da paz de Galtung e o consenso
normativo preconizado por Moisés, sem o qual a transição não se consolida.
As críticas apresentadas indicam a necessidade de rediscussão do modelo de
paz implantado em Timor Leste e, em particular, a dificuldade de tornar o Estado
timorense auto-sustentável e sua provável relação com a democratização apressada.
“O descompasso entre atores nacionais e internacionais tornou impossível o consenso
em torno de um projeto de state-building que ambos pudessem implementar.” (ENGEL,
2011, p.8) Há indícios de que a explicação encontra-se no fracasso de incluir
timorenses no processo político (Timorização) e de prestar contas à eles, aumentando o
power-sharing entre locais e internacionais.
85
GILLES, Shannon, East Timor yearns for real independence 15 years after the UN referendum, The
World Age, 15 de julho de 2014. Disponível em: http://www.theage.com.au/world/east-timor-yearns-forreal-independence-15-years-after-the-un-referendum-20140715-zt9to.html
91
9. RESULTADOS
Sobre a transição para a democracia, considerada a partir do índice Polity2, a
operação em Serra Leoa foi a que teve maior êxito. Quando o Reino Unido interveio em
2000, a guerra civil persistia e o governo sob a liderança de Kabbah, reinstalado em
1998, era frágil e dependia do contingente internacional. Isso justifica o 0, que nesse
caso equivale à anarquia ou interregno.86 A tendência de democratização nesse país
verifica-se durante todo o período analisado, sem que tenham ocorrido quedas no
regime politico em direção à autocracia ao longo dos 13 anos. Na classificação
convencionada pela literatura, valores de Polity2 superiores a 6 são considerados
democracias liberais. (DRURY, 2008, p.13) Por isso, no ano de 2007 o processo de
democratização em Serra Leoa conquistou o objetivo inerente à paz liberal.
GRÁFICO 4 – DEMOCRATIZAÇÃO DOS REGIMES EM HAITI, TIMOR
LESTE E SERRA LEOA DE 2000 A 2012
8
7
6
5
4
3
2
1
0
-1
-2
-3
Haiti
Timor-Leste
Serra Leoa
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Polity2
Democracia 2000-2012
FONTE: MARSHALL, Monty, GURR, Ted, Polity IV Project: Political Regime
Characteristics
and Transitions, 1800-2013, Center for Systemic Peace.
86
Aqui o zero do Polity2 deve ser lido em conjunto com o Polity, que em 2000 é -77. Foi para facilitar o
tratamento dos dados que o Polity foi convertido em Polity2, transformando -66: interrupção, -77:
interregno e -88: transição em valores dentro da série -10 a +10
92
O Timor Leste já iniciou o período classificado como democracia liberal, e a
mudança em um regime um ponto mais democrático ocorreu em 2006. A ausência de
alterações no sentido da autocracia ao longo dos anos também sugere a estabilidade
do regime. Porém, a progressão foi limitada, com melhora de um ponto ao longo dos 13
anos estudados. No curso desse período, a transição poderia ter sido mais acentuada,
aproximando o regime timorense de uma democracia consolidada – assim considerada
caso o 7 tivesse sido ultrapassado. A ausência de valores do Polity em 2000 e 2001
não permite avaliar a situação do regime ab initio. Uma segunda limitação que se deve
mencionar é a incapacidade dos dados de apreender a crise de 2006, na qual as
consequências do projeto de paz da UNTAET e o favorecimento ao FRETILIN vieram à
baila justificando a retomada da violência.
A situação política do Haiti foi a que sofreu maior variação no período
observado. Entre 2000-2003 o regime tinha traços de autocracia, com Polity2 igual a -2.
Em decorrência da crise constitucional iniciada com a queda de Aristide em 2004, o
regime passou por um ano de transição.87 A partir de então, durante a MINUSTAH,
caminhou no sentido da democracia, tendo atingido o 5, anocracia aberta, em 2006.
Porém, a estabilidade durou quatro anos e terminou em 2010, ano do terremoto e da
crise eleitoral, quando se iniciou um período de interregno, o qual permaneceu até
2012. Os dados do Haiti no período observado indicam que a atuação da ONU em
matéria de implementação da democracia foi um fracasso.
O apoio do peacebuilding internacional no preparo e na realização de eleições
se mostrou positivo em todos os casos, prevenindo episódios de violência e facilitando
o registro dos eleitores. Tais garantias cumpriram papel fundamental na inclusividade e
participação dos eleitores. Porém, o critério não deve ser a ajuda nela própria, mas
quando a assistência prestada não mais for necessária: “somente a morte de uma
Missão de Paz comprova sua utilidade e pertinência.” (SEITENFUS, 2013, p.453). As
eleições de 2012 em Serra Leoa e no Timor Leste foram conduzidas pelas próprias
autoridades e o mérito da ajuda externa prestada nos pleitos anteriores explica, em
parte, o sucesso da autonomia nesses. Já não se pode dizer o mesmo sobre o Haiti,
onde 75% do financiamento das eleições ainda provém do exterior. (SEITENFUS, 2013,
87
O -2 de 2004 no gráfico tem de ser lido em conjunto com o Polity que indica ano de transição
93
p.75) A dependência faz com que as financiadoras atuem intensamente no embate
eleitoral, chegando a influenciar seu resultado como o fizeram nas eleições
presidenciais de 2010/11. Trata-se de um exemplo daquilo que se deve evitar: o
autoritarismo eleitoral e a escolha pela continuação da dependência dos doadores.
Nesse caso, ainda que o registro dos eleitores tenha sido um sucesso e a jornada
eleitoral tranquila, as autoridades internacionais foram responsáveis pelo resultado que
ignorou a vontade popular e desrespeitou as instituições nacionais.
Se aplicado o critério de Przeworski e Huntington, no qual o regime aproxima-se
de uma democracia se a oposição tem chances de vencer e assumir, a população
passa a ter um mecanismo de retirada do poder de líderes cujo projeto é incompatível
com a vontade popular. A realização de eleições democráticas pode acirrar divisões e
favorecer a polarização; no entanto, entender que a democracia é o regime em que
partidos políticos perdem é inerente ao consenso normativo desse regime.
(PRZEWORSKI, 1997) Estando os eleitos comprometidos com a resolução dos conflitos
pelas vias legais, segundo a percepção da população, tal consenso tende a ser
facilitado. A eleição de Préval no Haiti (2006), de Koroma em Serra Leoa (2007) e de
Ramos-Horta no Timor Leste (2007) confirma a opção por projetos de transição
legitimamente comprometidos com a paz. Mesmo que Ramos-Horta tenha enfrentado a
crise Alfredo Reinado, Koroma tenha atravessado a polarização violenta entre SLPP e
APC e Préval tenha paralisado seu governo após o terremoto, o jogo democrático
sobreviveu às suas presidências. A hipótese da correspondência entre democratização
e redução da violência se confirma, pois no mesmo ano ou no ano seguinte às referidas
eleições, o respeito aos direitos da integridade física melhoram nos três países.
Em relação à ausência de violência, o índice de integridade física mostra três
tendências ao longo do período. Em Serra Leoa, a violência não aumentou do patamar
de 2000 durante os 13 anos avaliados, tendo alcançado o mínimo possível na escala
em 2002 (PIRI=8). Entre altas e baixas, ao final do prazo em 2012 a estabilidade era
maior do que aquela do início por dois pontos. Já em Timor Leste a estabilidade política
estava perto do máximo em 2000 e, apesar das variações para pior ao longo dos anos
investigados, em 2012 o mesmo valor do início do lapso se manteve. Isso significa que
não houve melhora na redução da violência, apesar da presença da ONU. A crise no
94
setor de segurança não foi apreendida pelas fontes observadas, porém a relação entre
o embate político e a violência foi demonstrada na discussão subjetiva.
Em termos de ausência de violência, o Haiti oscilou para pior entre o início e o
término do prazo, sugerindo o desempenho ruim do peacebuilding internacional alí. Tal
resultado deve ser entendido tendo em vista suas limitações. Diferentemente dos dois
países anteriores, o Haiti não recebeu operação de paz no início do prazo, e 2000 se
refere ao ano no qual Aristide foi democraticamente eleito. Assim, uma interpretação
mais razoável atribui a queda nos direitos à integridade física entre 2000 e 2004 aos
atores locais. Já a melhora nos anos posteriores à crise (2004-2006), quando do envio
da MINUSTAH, é resultado da interação entre agentes nacionais e internacionais,
sendo que os últimos se sobrepõem aos primeiros em episódios como o embate
eleitoral de 2010/11. Em relação a 2004, a estabilidade de 2012 demonstrou melhora,
autorizando afirmar um efeito positivo da operação no incremento da segurança, porém
sem recobrar a estabilidade política anterior a 2000.
GRÁFICO 5 – RESPEITO AOS DIREITOS DE INTEGRIDADE FÍSICA
EM HAITI, TIMOR LESTE E SERRA LEOA DE 2000 A 2012
9
8
7
6
5
4
3
2
1
0
Haiti
Timor-Leste
Serra Leoa
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Physical Integrity CIRI
PIRI 2000-2012
FONTE: CINGRANELLI, David, RICHARDS, David, CIRI Human Rights
Dataset 2014.
A correspondência entre estabilidade política e democratização é maior em Serra Leoa
e no Haiti. No primeiro, os períodos de redução da violência são acompanhados de
95
maior democratização no regime. No Haiti, a transição para um regime mais
democrático iniciou em 2004 e foi seguida por uma melhora na estabilidade política em
2006. Quando da crise de 2010 e piora do regime, a violência segundo o PIRI
aumentou, confirmando a relação entre as variáveis. Em Timor Leste as limitações dos
dados no início do prazo não permitem inferir a correspondência entre as variáveis,
ainda que exista relação.
O critério de sucesso para os agentes internacionais é, como indicado pelos
críticos, diverso daquele das populações locais. Os 50 civis vitimados na pacificação em
Cité Soleil atestam a distância entre as prioridades dos internacionais e as da
população no caso haitiano, comprovada em uma pesquisa recente na qual apenas
10,9% da opinião pública haitiana confia e respeita (n)a Minustah. (SEITENFUS, 2013,
p.453) Diferentemente, a alteração no mandato da UNAMSIL e a postura do
comandante Opande em Serra Leoa funcionou como uma medida bem sucedida,
aumentando a confiança entre os agentes internacionais e locais. Mas a confiança, de
regra, não é o principal critério da CI para aferir o sucesso de operações de paz. Sobre
a diferença na avaliação dos resultados do peacebuilding, Paul Wolfowitz, presidente
do Banco Mundial que visitou o Timor Leste em abril de 2006 e considerou um exemplo
de recuperação pós-conflito serve de exemplo. (CURTAIN, p.3) Meses depois, em
agosto, os timorenses assistiram à violência renovada.
Os episódios de retomada da violência no Haiti (2010/11) e em Timor (2006/7)
guardam relação com a criação de “Estados sombra” e a má gestão, ou não gestão,
das causas originárias do conflito. Por mais tentador que seja culpar o terremoto e o
cólera pela crise de 2010, os relatos demonstram que a CI foi a principal responsável
pela “febre eleitoral”, distanciando-se do princípio democrático para aderir ao
autoritarismo. Os dilemas políticos antecedem o desafio de segurança e a estratégia
usada transformou o Haiti em um “protetorado de fato sob a tutela das Nações Unidas”,
sem resolver a materialidade do Estado, que se tornou mera ficção jurídica.
(SEITENFUS, 2013, p.446) Ainda sobre a disputa entre internacionais e as elites, o
estabelecimento da UNMIT, em resposta à solicitação dos líderes timorenses pós-crise,
foi positivo. Contudo, atender irrestritamente a tais pedidos pode trazer consequências
negativas, então o alcance das decisões deve ser projetado a longo prazo. Essa
96
reflexão não foi priorizada quando a UNTAET consentiu com a formulação da
Constituição FRETILIN. Não havendo favorecimento ao partido, eventualmente a crise
política de 2006 poderia ter sido evitada, afastando a necessidade de nova missão.
Garantir a segurança no pós-conflito quando as autoridades nacionais,
legítimas para tanto, não conseguem fazê-lo justifica-se temporariamente; mas o uso da
força não pode ser irrestrito, ou o fundamento da segurança coletiva se perde.
(PATRIOTA, 2010) Insistir na via da imposição anula a possibilidade de auto-governo
dos estados destinatários das operações, diminuindo as chances de aumento na
capacidade estatal e na entrega de serviços públicos aos cidadãos pelos reais titulares
dessa obrigação. Diferente do exemplo do Haiti, o acolhimento ao pedido de remoção
de Schulenberg em Serra Leoa é um exemplo de aquiescência que delimita os limites
da atuação internacional tal como deveria. São as autoridades e os locais que devem
protagonizar o processo de reconstrução nacional, não os burocratas internacionais.
Já a pressa da CI em encerrar as missões e declará-las um sucesso após a
realização de eleições dá margem a episódios violência renovada, comprometendo a
construção da paz auto-sustentável. A unilateralidade da decisão de encerrar a
UNTAET e declará-la um sucesso em menos de três anos é um exemplo. Pouco
importou se o CNRT já havia manifestado sua preferência por um modelo de transição
gradual para a independência, que durasse cerca de dez anos. Também o fracasso da
UNAMET na prevenção às represálias contra o referendo ora indicam falta de
infraestrutura ora de planejamento. Caso a conjuntura tivesse sido melhor apreendida,
o mandato teria sido mais robusto ou o pleito teria sido postergado para apaziguar os
ânimos dos adeptos à unificação. Em Serra Leoa, a saída da UNOMSIL deixando um
vácuo de segurança em 1999, e o sequestro de 500 peacekeepers no ano seguinte,
reforçam a desconsideração dos atores envolvidos, recomendando um diagnóstico
mais cauteloso nas decisões do mandato de cada operação. O processo de diálogo e
barganha com os atores não pode limitar-se ao momento da chegada da missão,
devendo ser contínuo sob pena da paz não subsistir após a partida dos internacionais.
Se as missões de peacebuilding pretendem estabelecer a paz durável, o caráter
multidimensional deve ser respeitado empiricamente. Excusar-se de tratar o problema
da distribuição de terras no Timor – fonte de conflito em razão do passado português e
97
indonésio somado ao tamanho do território – teria conduzido à violência em 2006
segundo Fiona Rotberg (2010). No caso do Haiti, o projeto internacional de construção
da paz também foi omisso no que se refere aos conflitos por terra, tendo passado a
contemplar um plano de habitação somente após provocado pelo terremoto.88 Tais
circunstâncias tem de ser contempladas no projeto de paz, sob pena de emergirem
posteriormente na forma de violência. A importância do DDR em Serra Leoa é outro
caso cujo sucesso vinculava a aderência ou não dos rebeldes à transição. Negligencialo teria levado os combatentes a crer que a retomada do conflito armado era preferível
à paz, como ocorreu após o Acordo de Lomé. (QUINN, 2005, p.7)
Tratar a construção da paz como um empreendimento que se completa caso
uma lista de itens seja preenchida provou-se um equívoco. A reforma institucional, por
si só, não da conta de introjetar o consenso normativo. Aderir ao jogo democrático
perpassa a agência dos atores, aos quais compete legitimar ou não as instituições
criadas. Assim, a transição do regime depende das escolhas da elite e da aderência da
população, ainda que a única ferramenta da qual disponha nos anos imediatamente
após o conflito seja o voto. Se o boicote é um instrumento de contestação das regras do
jogo mobilizado pela elite política, o comparecimento também o é para o povo. A médio
prazo, realizar eleições competitivas submete os governantes ao critério constitucional,
e em última instância permite que os conflitos sejam resolvidos pela via legal,
diminuindo o recurso à violência. O risco da desdemocratização existe, mas espera-se
que a trajetória do país pós-conflito permita o desenvolvimento de mecanismos de
accountability horizontal, no âmbito institucional, e de uma cultura política democrática,
no âmbito comportamental. A teoria da paz liberal tem razão ao vincular a segurança ao
tipo de regime, mas a forma, a velocidade e o grau nem sempre são aqueles que a CI
determina em sua cartilha. Tampouco os interlocutores elegidos para a condução do
processo garantem a durabilidade da paz, por isso o hibridismo ora referido é uma
estratégia a ser incorporada ao peacebuilding. A democracia é, sim, preferível às
demais alternativas inclusive no pós conflito, porém enquanto esse sistema não
responder às necessidades das pessoas, sua ineficácia justificará a insurgência.
88
CARRANCA, Adriana, Minustah ou Turistah?, Estadão, 30 de marco de 2010. Disponível em:
http://internacional.estadao.com.br/blogs/adriana-carranca/minustah-ou-turistah/ Acesso em 23/11/14
98
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Democratização não é um processo linear e depende dos atores envolvidos, do
desenho da operação, da cultura política do país a que se destinam e das estruturas
anteriores ao conflito. A segurança, por sua vez, nem sempre combina com instituições
democráticas recém criadas e pode depender de assistência externa nos anos
imediatamente após o conflito. Entre os regimes em transição para a democracia, as
variações de aumento na violência associam-se à conjuntura política, justificando o
tratamento simultâneo concedido a uma e outra. Como a transição depende da
democracia tornar-se o único jogo possível na sociedade, quando as novas estruturas
não mantiveram as expectativas da elite política durante um período longo o bastante
para se estabelecerem a violência será retomada. (LIPSET, 1985, p.87)
Encontrar o equilíbrio tênue entre um componente militar capaz de suprir as
deficiências do setor de segurança do país, porém sem prevenir que tal setor se
desenvolva autonomamente deve ser objetivado pelas operações – do desenho do
mandato até sua execução. Decisões cujo efeito é prevenir o aumento na capacidade
estatal devem ser combatidas pois em todos os três casos analisados, a legitimidade
estatal no início do prazo não estava fortemente relacionada à prestação de serviços
críticos e apoio aos cidadãos. Serra Leoa e o Haiti antes de 2000 tiveram governos
autocráticos que usaram a máquina pública em benefício próprio, contrariando o
preceito republicano conforme enunciado por O’Donnel. A disputa entre as elites
políticas obedecia o modelo “o vencedor leva tudo”, verificado pelos sucessivos golpes
em Serra Leoa entre 1967-1978 e no Haiti em 1956, com 5 ditadores em menos de 10
meses. Os regimes de um único partido dos Duvalier no Haiti (1957-1986), de Stevens
em Serra Leoa (1978-1985) e a ocupação indonésia no Timor (1975-1998) justificam a
relação negativa entre governados e governantes. O desafio pós-conflito foi redefinir,
quando não criar, legitimidade entre a população e as novas instituições. Apesar de
novas, a novidade deve ser relativizada, pois inserem-se em um cenário já existente, e
não tábula rasa como os internacionais parecem preferir. Reconhecer as práticas
tradicionais, a estrutura anterior no terreno da maneira que a UNTAET originalmente
tentou com as administraçoes distritais é uma boa estratégia para o sucesso da
99
reconstrução. No entanto, o ethos daqueles que conduzem o processo decide por
determinadas práticas em detrimento de outras: a lógica da adequação à cultura global,
nos termos de Roland Paris (2009). A exigência de obediência depende de um
consenso sobre as regras, sob pena de reproduzir a lógica da dominação e do
autoritarismo anteriores. Mais ainda, caso as reformas não sejam consideradas
legítimas, aumenta o risco de que “uma nova coalizão política se forme visando tentar
de novo combinar a eficácia das políticas com a legitimidade democrática.” (LINZ, 1999,
p.207)
Entender o envio de determinada operação segundo a ótica do terra nullius
tende a ignorar os jogos de poder anteriores ao conflito e inerentes a ele. Ao aplicar um
critério objetivo e universal, os agentes internacionais consideram cumprida a missão
quando seus objetivos tenham sido preenchidos, a despeito da opinião dos locais.
Porém, o sucesso da operação em termos de auto-governo depende do aumento da
capacidade de agência dos envolvidos. Aceitar e incentivar o protagonismo dos locais
não equivale a favorecer apenas as elites, reproduzindo a lógica do poder anterior e
alimentando o ressentimento da população. Essa queixa foi apresentada no caso do
Timor pela RENATIL, rebatendo as supostas conquistas da UNTAET. Também o ICG
denunciou a interação entre governo e doadores em Serra Leoa por ignorar a realidade
da população. É preciso reconhecer, por exemplo, que a inadaptabilidade à democracia
não provém do povo haitiano, mas da elite que não se submete às regras do jogo
democrático. (SEITENFUS, 2013, p.445) Permitir que o relacionamento internacional
com o Haiti tenha como interlocutores apenas a elite, e que a imensa maioria,
historicamente excluída, continue negligenciada é mais grave do que abandoná-las ao
próprio destino. Nesse caso parece mais razoável seguir a recomendação de Ottaway:
“aceitar que existem comunidades onde a CI não pode reconstruir um Estado moderno,
quanto menos um Estado moderno que seja minimamente democrático.” (OTTAWAY,
2003, p.321) Ao menos se abstendo de intervir, a mera hipótese de remoção do
presidente – quer Aristide quer Préval – não será tentada, e a crise de poder segue seu
curso nas mãos dos nacionais. Enquanto as potências não respeitarem as regras
democráticas em suas relações externas a opção drástica enunciada por Ottaway
parece preferível à ingerência.
100
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115
ANEXOS
TABELA 1. RESPEITO AOS DIREITOS DE INTEGRIDADE FÍSICA (CIRI)
Número na
Desaparecimento
Morte
Prisão
Tortura
0
Nenhum
Nenhum
Nenhum
Nenhum
1
Parcial
Nenhum
Nenhum
Nenhum
2
Parcial
Parcial
Nenhum
Nenhum
3
Total
Parcial
Nenhum
Nenhum
4
Total
Parcial
Nenhum
Parcial
5
Total
Parcial
Parcial
Parcial
6
Total
Total
Parcial
Parcial
7
Total
Total
Total
Parcial
8
Total
Total
Total
Total
escala
FONTE: CINGRANELLI, 1999
116
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