Academia Nacional de Medicina Fundada em 1829 Diretoria 2015 - 2017 Presidente Francisco J. B. Sampaio 1º Vice-Presidente José Galvão Alves 2º Vice-Presidente Rubens Belfort Júnior Secretário Geral Antonio Egídio Nardi 1º Secretário Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro 2º Secretário Cláudio Cardoso de Castro Tesoureiro Omar Lupi da Rosa Santos 1º Tesoureiro Sérgio Paulo Bydlowski Orador Carlos Antonio Mascia Gottschall Diretor de Biblioteca Orlando Marques Vieira Diretor de Arquivo Omar da Rosa Santos Diretor de Museu José Luiz Gomes do Amaral Presidente da Secção de Medicina Sérgio Augusto Pereira Novis Presidente da Secção de Cirurgia José de Jesus Peixoto Camargo Presidente da Secção de Ciências Aplicadas à Medicina Carlos Alberto Mandarim-de-Lacerda Anais da Academia Nacional de Medicina ISSN: 0001.3838 A revista Anais da Academia Nacional de Medicina é a publicação oficial da Academia Nacional de Medicina, sendo o periódico mais antigo do país, com circulação regular desde 1830. Os Anais da ANM têm por objetivo publicar as atividades da Academia Nacional de Medicina, além de artigos que elevem a cultura e o padrão da prática médica em quaisquer áreas do conhecimento médico-científico. Todos os artigos enviados são submetidos a processo de revisão por pares antes do aceite final pelo Editor. Os Anais da ANM são editados e publicados pela Editora da Academia Nacional de Medicina, estão disponíveis on-line e são publicados 4 vezes por ano, com eventuais números extras. PRODUÇÃO EDITORIAL Fotocomposição e Editoração MG Consultoria e Editoração Ltda. Editora Técnica Carla Braga Mano Gallo, BSc, PhD A versão eletrônica desta revista, com o conteúdo completo, pode ser acessada on-line no site http://www.anm.org.br Endereço: Av. General Justo, 365, 8° andar, Centro, Rio de Janeiro, RJ Tel.: (21) 3970-8150, E-mail: [email protected] Impressão: Gráfica Athalaia Ltda. Os Anais da Academia Nacional de Medicina são impressos em papel que atende aos requisitos de ANSI/NISO Z39, 48-1992 (Permanência de Papel). Impresso em papel livre de ácido. Informações Importantes As matérias assinadas, bem como suas respectivas fotos e seu conteúdo científico, são de inteira responsabilidade dos autores, não refletindo necessariamente a posição da Academia Nacional de Medicina. A Medicina é uma ciência que avança rapidamente e de modo constante, portanto, uma verificação independente do diagnóstico e uso de drogas deve ser feita. A Academia Nacional de Medicina não se responsabiliza por quaisquer danos pessoais causados pelo uso de produtos, novas ideias e dosagem de medicamentos propostos nos manuscritos publicados. As matérias publicadas neste periódico são propriedade permanente da Academia Nacional de Medicina e não podem ser reproduzidas por nenhum modo ou meio, em parte ou totalmente, sem autorização prévia por escrito. Anais da Academia Nacional de Medicina Conselho Editorial Editor-Chefe Acadêmico José Galvão Alves Editores de Área Acadêmico Sérgio Augusto Pereira Novis Acadêmico José de Jesus Peixoto Camargo Acadêmico Carlos A. Mandarim-de-Lacerda Conselho Editorial Acadêmico Aderbal Sabrá Acadêmico Alcino Lázaro da Silva Acadêmico Aníbal Gil Lopes Acadêmico Carlos Alberto Basílio de Oliveira Acadêmico Carlos Giesta Acadêmico Fabio Biscegli Jatene Acadêmico Gilberto Schwartsmann Acadêmico Jorge Alberto Costa e Silva Acadêmico José Gomes Temporão Acadêmico José Manoel Jansen Acadêmico Manassés Claudino Fonteles Acadêmico Mario Barreto Correa Lima Acadêmico Miguel Carlos Riella Acadêmico Octavio Pires Vaz Acadêmico Orlando Marques Vieira Acadêmico Paulo Niemeyer Filho Acadêmico Raul Cutait Acadêmico Ricardo Lopes da Cruz Acadêmico Rui Haddad Acadêmico Ruy Garcia Marques Acadêmico Samir Rasslan Acadêmico Walter Araújo Zin ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3), 2017 EDITORIAL Os “Anais da Academia Nacional de Medicina”, idealizados e publicados pela primeira vez em 1831, correspondem ao mais antigo periódico de comunicação científico-cultural de nosso país e tem buscado ao longo dos anos traduzir a evolução acadêmica e fatos históricos da Medicina Brasileira. Honra-me, novamente, estar à frente da editoria de tão importante boletim da nossa grandiosa Academia. Selecionamos artigos e autores de reconhecida cultura médica e científica para representar nossa Instituição de maneira a demonstrar sua importância e grandiosidade. Acadêmico José Galvão Alves Director-Chefe Anais da Academia Nacional de Medicina ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3), 2017 ÍNDICE 9 Discurso Comemorativo dos 187 Anos da Academia Nacional de Medicina 15 Análise Comparativa cntre os Acessos Transmaxilares Aberto e Endoscopicamente Assistido à Órbita: Estudo em Cadáveres 29 A Interleucina 28-B (Il28-B) como Fator Preditor de Resposta Virológica Sustentada (Rvs) em Pacientes Coinfectados Pelos Vírus da Hepatite C (Hcv) e da Imunodeficiência Humana (Hiv) Submetidos à Terapia com Peginterferon Alfa E Ribavirina 44 Aspectos Históricos do Transtorno Bipolar 60 Time Multidisciplinar, Sala de Cirurgia Híbrida e Processosde Qualidade e Segurança para o Tratamento Transcateter do Aparelho Valvar Mitral: Incorporando Tecnologia e Conhecimento com Responsabilidade 69 Telemedicina e as Perspectivas de uma Realidade Próxima em Educação, Assistência e Pesquisa 80 Origens dos Percalços da Ciência No Brasil 87 O Celeuma dos Médicos Cubanos 91 Academia Nacional de Medicina Propósito dos Médicos Cubanos Relatório 96 As Belas Adormecidas da Eletrocardiografia 104 Instruções para os Autores DISCURSO COMEMORATIVO DOS 187 ANOS DA ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Orador: Acad. Carlos Antonio Mascia Gottschall Cento e oitenta e sete anos esta Ingressar na Academia Nacionoite. Do alto desse tempo su- nal de Medicina é a maior honra perposto descortina-se um cami- a que um médico pode aspirar, nho glorioso. Nele materializa-se porquebaseia-seemeleiçãopor o ideal dos cinco visionários que pares. Sem outro interesse que criaram a mais antiga entidade não o de fazer justiça, é o mécultural a funcionar continuada- todo mais válido, pois falso líder mente na América Latina: uma pode enganar todos, menos os saga única a construir percursos pares.Aexigênciadesóseraddeafirmaçãoesuperação.Como mitido com pelo menos 15 anos a mais alta corte da Medicina no de formado garante veterania nosso país, a Academia Nacional que confere maturidade e prude Medicina ilumina caminhos dênciaàentidade,alémdefiltrar desde sua fundação. Passando condutas incompatíveis com seus por todos os estágios e todas as objetivos. épocas, pode afirmar-se que a medicina brasileira se fez pere- Não é e não deve ser fácil grinando à Academia Nacional de ingressar na Academia Nacional Medicina. de Medicina. Como muitas vezes ocorre, depois de vários chama Determinaatradição,mais mentos eleitorais inefetivos, quóquetradição,exaltaçãodesenti- runsnãocompletadoserejeições mentos, saudar os novos Acadê- a alguns candidatos, vivemos o micos e lembrar os que partiram júbilodedizer“sejambenvindos” no período. a dois novos acadêmicos entre o 9 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 9-14, 2017. último aniversário da Academia e retivos associativos, culminando este. como Presidente Eleito da União Internacional de Biofísica para o Carlos Eduardo Brandão triênio 2017-2020. Como ProfesMello, sucede Affonso Berardi- sor Associado da UFRJ, tem sua nelli Tarantino na Cadeira No. linha de pesquisa centrada na 10, patrono Pedro Francisco da área de Biofísica Celular e BioCosta Alvarenga, Secção de Me- logia Molecular. Tem cargo de dicina. Vosso currículo irretocá- diretor no CNPq. Sua produção vel que tanto valoriza o ingresso cientifica é intensa, constituída nesta Academia pode ser exalta- de 118 artigos científicos publido pontualmente por 35 anos de cados em revistas internacionais vida médica e acadêmica, cinco indexadas, além de livros e capíteses (especialização, mestrado, tulos de livros. Vossa Senhoria é doutorado e duas de livre-docên- certamente um ícone na área da cia), todas aprovadas com distin- pesquisa científica. ção e louvor, prêmios, menções honrosas, trabalhos publicados e Aos que ingressam: homenagens, o que ressalta a in- É essencial a disponibilidaserção de vosso nome no quadro de para exercer esta ou aquela de excelência da gastroenterolo- função na Academia. Mas mais do gia e hepatologia do nosso país. que estar Acadêmico é ser acadêmico. Nada supera o ser. Ter ou Marcelo Marcos Morales su- estar são atributos secundários. cede Gilberto Mendes de Oliveira Acima de tudo, ser acadêmico Castro na Cadeira 93, patrono é reafirmar condutas modelares Belisário Augusto Pena, secção consagradas. Não fora assim não de Ciências Aplicadas. Depois de seria o Plenário a maior força e a pós-doutorado na John Hopkins maior voz desta casa, superando University School of Medicine em qualquer personalismo. A verda2003, exerceu vários cargos uni- deira disponibilidade acadêmica versitários de destaque na área não exalta o próprio eu mas ande Biofísica na UFRJ, principal- tes atende a chamamento pelos mente em Pós-Graduação, e di- pares. Não nos leva a pertencer 10 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 9-14, 2017. a grupos, nega alinhamentos automáticos, não cultiva antagonismos e usa como templo de ação interesses da comunidade a que pertencemos, e não os pessoais. da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entre outros muitos títulos expressivos foi Professor Adjunto do Instituto de Biofísica da UFRJ (1983 a 1986) e Professor Titular do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho. Homem de agradável convívio, sabia separar o rigorismo da pesquisa científica com a descontração de uma boa conversa. Membro das mais importantes associações científicas nacionais e internacionais, dedicou-se intensamente ao ensino, tendo sido chefe de departamento (por quatro mandatos), coordenador de pós-graduação, vice-diretor e diretor do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho. Em 1997, tornou-se reitor da Universidade Estácio de Sá. Em 1998, recebeu da Presidência da República, o título de Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico. Faleceu em 05 de agosto de 2015. Unindo continuidade e saudade há o fato de todos servirmos à Academia, e quanto mais tempo, melhor. Sobre envelhecer, assim se expressou Jorge Luiz Borges: A velhice (tal é o nome que outros lhe dão), pode ser nosso tempo de ventura. O animal morreu ou quase morreu. Restam o homem e a alma. O maior registro, o registro irreversível, refere-se a quatro homens incomuns que nos deixaram fisicamente neste período, mas cujo exemplo nos acompanhará sempre: O passamento de Gilberto Mendes de Oliveira Castro desfalcou cedo esta Academia. Sucedeu em 1995 Eduardo Valente Simões, Cadeira 43, patrono Belisário Augusto Pena, Secção de Ciências Aplicadas. Doutorou-se pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1968) e fez pós-doutorado pela Columbia University (1970). Professor Titular e Diretor Helcio Alvarenga ocupou a Cadeira 49, sucedendo Antonio Rodrigues de Mello em 1986, patrono Enjolras Vampré, Secção de Medicina. Graduou-se em medicina pela antiga Universidade do Brasil (atual UFRJ) em 1951. Es11 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 9-14, 2017. pecializou-se em neurologia clinica no Hôpital de la Salpêtriere (1966), onde lecionou Charcot e concluiu doutorado em medicina pela UFRJ, em 1974. Atuou principalmente nos seguintes temas: neurologia, demência, esclerose múltipla, Parkinson e neuro óptico mielite. Foi professor titular emérito de neurologia da Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e foi professor titular de neurologia da UFRJ por 35 anos (1961-1995), no Instituto de Neurologia Deolindo Couto, onde por dez anos dirigiu a Instituição. Professor titular concursado de neurologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) em 1984, implantou nesta Universidade a disciplina de Neurologia e a especialização em Neurologia. Sua ultima atuação foi como professor permanente da Pós-Graduação dessa Universidade. Membro desta Academia por 29 anos, a Neurologia deve-lhe reconhecimento perene. Faleceu em 29 de agosto de 2015. primeiro encontro. Sucedeu João Peregrino da Rocha Fagundes em 1981, patrono Érico Marinho da Gama Coelho, Secção de Medicina. Franzino e modesto, seu baixo tom de voz parecia feito para não humilhar o interlocutor, tantas as considerações a emanarem de sua cultura médica, histórica, filosófica: leitor voraz, tradutor bissexto e observador do ser humano. Oriundo de uma família de médicos elegeu a Clínica seu interesse maior na Medicina. Professor universitário na melhor acepção da palavra e apaixonado pela Policlínica Central do Rio de Janeiro, dedicou sua vida a ela, elevando a gastroenterologia a artífice de sua arte médica nos mais altos patamares universitários, profissionais e sociais. Repudiou sempre a troca da alma pelo engodo, insistindo no direito à crítica e à dúvida contra a ditadura dos consensos. Sem recusar o progresso beneficente, encampou “a voz que hoje denuncia a transformação do médico em apenas um agente, cuja imprescindibilidade não é a de pensar bem mas a de acionar máquinas A figura de Júlio Studart de cada vez mais complexas e mais Moraes me impressionou desde o dispendiosas. Engrandeceu esta 12 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 9-14, 2017. Academia vindo a suas sessões mesmo em cadeira de rodas nos últimos tempos, até 1915, ano de sua morte. Reservado, dele poderia dizer-se como José Bonifácio disse de si: Sou melhor do que pareço e sei mais do que mostro. Mas ao escrever mostrava demais e oferecia as delícias do texto primoroso, num estilo a lembrar Machado de Assis, como pode ser comprovado pela leitura de seu “Diários de Consultório”. dicou sua vida à Universidade. Como homem inserido no contexto, publicou os livros Temas de Educação Médica (1980), Idéias e idéias (1983), A implantação do Hospital Universitário da UFRJ (1990), Testemunhos de Uma Vida a Serviço (2007), Memórias Afetivas (2008), Depoimento de Um Médico Humanista (2009), Evocações (2009). Como educador médico foi figura constante no Conselho Federal de Educação por anos e anos e muitas de suas sugestões vigem até hoje, abordando assuntos, entre outros, como história da educação médica, formação médica, educação permanente, estrutura departamental, ensino de graduação e pós-graduação, reformas curriculares, relação da universidade com hospitais, ensino médico e sociedade, concursos universitários, ou seja, tudo que pudesse relacionar-se com educação médica e seus desdobramentos, deixando uma contribuição perene. O baiano Clementino Fraga Filho, antecessor Waldemar Berardinelli, patrono Manoel Victorino Pereira, tomou posse da Cadeira 19 em 1958, Secção de Medicina, engrandecendo-a por 58 anos, até 2016, quando deixou este mundo. Sua figura nobre, elegante e cortês, a fala suave e convincente personificava imagem e espírito do que imaginamos ser um Acadêmico, sempre presente na primeira filas das sessões da Academia. Também gastroenterologista clínico, abriu caminhos não só na especialidade mas ainda mais no campo da Educação Médica. Nesse atributo deu seu nome a um prestigiado Hospital e de- Na saga perpetrada por esses quatro Acadêmicos revela-se muito do precioso legado com que a Academia Nacional de Me13 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 9-14, 2017. dicina tem contemplado a inteligência médica brasileira, tão mal tratada em outras áreas, mas de certa forma redimida pela excelência da medicina que pratica. tagonizar tais comportamentos a Academia obtém selecionando seus membros por rígido padrão de conduta científica, cultural, profissional e ética. A Academia Nacional de Medicina não é uma entidade neutra. Estará sempre do lado da dignidade e da decência. Infelizmente o cenário atual do Brasil tem se mostrado antípoda desses ideais. Temos assistido a criminosa desconstrução deste país por seita de delinqüentes encastelados no poder, repudiados pela imensa maioria da população, mas vergonhosamente agarrados ao espólio, mentindo para os informados, enganando os ignorantes e ameaçando os honestos, com a arrogância e a petulância dos que não reconhecem leis e intimidam os fracos, e com o cinismo que confunde os incautos, mas que, na maioria silenciosa, só fazem fortalecer a convicção da necessária punição a tantos crimes. É claro que o cinismo, a roubalheira, a deseducação, tudo isso reflete-se sobre a saúde, porque uma sociedade doente gera cidadãos doentes. Credibilidade para an- Cento e oitenta e sete anos esta noite. Não é um número redondo, mas sendo o último, torna-se capital, por testemunhar chegarmos até aqui e apontar a continuidade da jornada. Mais do que do nosso passado, as recordações são a chave do nosso futuro. Mas mais do que viver de júbilo, a Academia precisa ser vigilante interna e externamente, pois, como já afirmou renomado cientista “uma ilha de excelência corre perigo porque a entropia trabalha para igualá-la ao ambiente mediano que a rodeia”. Afortunadamente, reportando-nos aos novos Acadêmicos e aos Acadêmicos falecidos, cujos exemplos continuarão por sempre inspiradores, podemos permanecer serenos, de vez que unir tradição com inovação é e tem sido o caminho trilhado por esta augusta entidade que faz parte de nossas vidas e que tanto nos oferece e nos orgulha. 14 ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS ACESSOS TRANSMAXILARES ABERTO E ENDOSCOPICAMENTE ASSISTIDO À ÓRBITA: ESTUDO EM CADÁVERES COMPARATIVE ANALYSIS BETWEEN THE OPEN AND ACCESS TRANSMAXILARES ENDOSCOPICALLY ASSISTED THE ORBIT: STUDY ON BODY Rafael Pereira Vaitsman 1 Paulo Roberto Ferreira Louzada Júnior 2 Stênio Karlos Alvim Fiorelli 3 Rossano Kepler Alvim Fiorelli 4 Pietro novellino5 Maria Helena de Araujo-Melo6 1 Neurocirurgião do Hospital Municipal Souza Aguiar 2 Professor Adjunto de Anatomia da UFRJ 3 Professor Assistente de Técnica Operatória da UNIRIO 4 Professor Titular, Chefe do Departamento de Cirurgia e Coordenador do Programa de Pós-graduação em Medicina da UNIRIO 5 Professor Titular Emérito do Departamento de Cirurgia da UNIRIO 6 Professora Associada de Otorrinolaringologista da UNIRIO RESUMO A escolha do acesso cirúrgico às lesões orbitárias é influenciada por sua localização anatômica. Diferentemente dos acessos medial, superior e lateral, as descrições do acesso inferior, através do seio maxilar, são recentes e escassas na Os objetivos deste estudo são comparar os acessos transmaxilares aberto e endoscopicamente assistido à órbita, e descrever suas características e nuances anatômicas principais. Material e métodos: os acessos aberto e endoscopicamente assistido foram realizados bilateralmente em 16 cadáveres sem anormalidades craniofaciais aparentes. Após incisão sublabial, realizaram-se em sequência: osteotomia da parede anterior do seio maxilar, identificação do complexo neurovascular no assoalho orbitário/teto do seio maxilar, mucosectomia maxilar superior, abertura da periórbita, ressecção de gordura orbitária e visualização das estruturas anatômicas de interesse. Resultados: as médias das áreas de osteotomia maxilar e orbitária fo15 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 15-28, 2017. ram, respectivamente, 2,99cm2 e 3,2cm2 no acesso aberto e 2,61cm2 e 2,31cm2 no acesso endoscopicamente assistido. A técnica endoscópica possibilitou a visualização de mais estruturas, sob melhores ângulos de dissecção em relação à técnica aberta. Conclusão: os dois acessos propiciaram visualização satisfatória das principais estruturas anatômicas localizadas junto ao assoalho orbitário na amostra estudada, com vantagem para a técnica endoscópica quando comparada à técnica aberta sob baixa magnificação óptica. Palavras-chave: Órbita, Endoscopia, Procedimentos minimamente invasivos ABSTRACT The choice of surgical approach to orbital lesions is influenced by their anatomical location. Unlike medial, top and side access, the descriptions of the lower access through the maxillary sinus, are recent and scarce in the literature. The objectives of this study are to compare the open transmaxilares access and endoscopically assisted the orbit, and describe their characteristics and main anatomical nuances. Methods: the open access and endoscopically assisted were performed bilaterally in 16 cadavers with no apparent craniofacial abnormalities. After sublabial incision performed in sequence: osteotomy of the anterior wall of the maxillary sinus, neurovascular complex identification in orbital floor / ceiling of the maxillary sinus mucosal resection upper jaw, opening the periorbital tissue, resection of orbital fat and visualization of anatomical structures of interest. Results: the average of the areas of maxillary osteotomy and orbital were respectively 2,99cm2 and 3,2cm2 in open access and 2,61cm2 and 2,31cm2 in endoscopically assisted access. The endoscopic technique enabled the visualization of more structures under best dissection angles to the open technique. Conclusion: the two have provided satisfactory viewing access of the main anatomical structures located near the orbital floor in the sample, to the advantage of the endoscopic technique when compared to the open technique in low optical magnification. Key words: Orbit, Endoscopy, Minimally invasive procedures 16 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 15-28, 2017. INTRODUÇÃO dispensar incisão cutânea, (2) a menor agressão tissular, (3) campo cirúrgico relativamente superficial, (4) dispensar a realização de craniotomia, (5) menor quantidade e eloquência dos elementos anatômicos situados em seu trajeto, (6) menor tempo de internação hospitalar, e (7) melhor resultado estético4. Já as vias superior e lateral, quando utilizadas no acesso à região orbitária inferior, requerem retração e∕ou dissecção de estruturas neurais e vasculares (4,5,8), com possibilidade de complicações (4). As principais limitações do acesso superior são a necessidade de retração do lobo frontal e osteotomia do teto orbitário (5,8), com risco de lesão cerebral, além de isquemia e edema cerebral decorrentes de tração do parênquima e compressão vascular. Para acesso à porção inferior do cone orbitário é necessária, adicionalmente, abertura da periórbita e afastamento das delicadas estruturas protegidas pela gordura orbitária, como os nervos óptico, oculomotor, troclear e abducente, artéria oftálmica, musculatura ocular extrínseca e outras estru- A topografia da lesão a ser abordada é um dos fatores determinantes da escolha do acesso cirúrgico às lesões intraorbitárias (1-3). Os acessos cirúrgicos à órbita, classicamente, utilizam as vias transcranianas (acessos superior e lateral), transconjuntival (acesso anterior) ou transetmoidal (acesso medial) (3-5). Apesar da localização anatômica do seio maxilar, imediatamente caudal à órbita6, as descrições de acessos à órbita pela via inferior (transmaxilar) são escassas na literatura. Tais acessos, portanto, necessitam de adequadas documentação e padronização do ponto de vista da anatomia cirúrgica, indicações, limitações, complicações e seguimento a longo prazo (4,7). O acesso transmaxilar é uma via extradural (2,4) que pode servir como opção segura e menos invasiva aos acessos transcranianos à órbita, com menor morbidade e melhores resultados estético e funcional no acesso a grande variedade de lesões orbitárias inferiores (4). As principais vantagens são: (1) 17 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 15-28, 2017. turas (5,8), também com risco de lesões. Complicações relacionadas à craniotomia também podem ocorrer. A visualização do assoalho da órbita com o auxílio endoscópico foi obtida com facilidade por Saunders et al desde a sua primeira utilização. Portanto, o uso do endoscópio pode ser de grande utilidade ao cirurgião, tornando possível e segura a ressecção de diversos tipos de lesões (9,10). Gönul et al. (4), em 2003, realizaram 24 abordagens transmaxilares abertas em 12 cadáveres, obtendo adequada visualização das regiões inferiomedial e inferolateral da órbita, além da porção inferior do nervo óptico, com o uso do microscópio. Segundo os autores, a descrição anatômica da órbita do ponto de vista inferior, através do seio maxilar, era uma lacuna na literatura (4). Também em 2003, Selçuklu et al. (11) utilizaram a microscopia no acesso transmaxilar para ressecção de um cisto hidático localizado no assoalho orbitário (8). Em 2013, Schulteiss et al. (3) estudaram a viabilidade do uso do endos- cópio no acesso transmaxilar, propondo referências anatômicas, avaliando a visualização da cavidade orbitária e discutindo possíveis complicações. O auxílio endoscópico permite à via transmaxilar visualizar adequadamente o assoalho orbitário (7,9,11). Segundo Chastain et al. (6), a contigüidade anatômica entre a órbita e as cavidades nasal e paranasais favorece as abordagens endoscópicas. O Objetivo do presente trabalho é descrever a comparação dos acessos transmaxilares aberto e endoscopicamente assistido à órbita, suas características e nuances anatômicas principais. MÉTODO TÉCNICA DE DISSECÇÃO Foram utilizados bilateralmente, 8 cadáveres adultos de ambos os sexos, sem anormalidades craniofaciais aparentes, fixados em formol a 10% e glicerina. Cinco cadáveres (62,5%) eram do sexo masculino e três (37,5%) do sexo feminino, totalizando 16 dissecções (10 abertas e 6 endoscopicamente assisti18 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 15-28, 2017. das). O trabalho de dissecção foi realizado no Instituto de Ciências Biomédicas do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nos acessos abertos a magnificação óptica foi obtida com o uso de lupa binocular Heine C 2.3x de alta resolução e a iluminação, com fotóforo Heine SL 350 6V/10W (Heine Optotechnik, Herrsching, Alemanha). As imagens foram capturadas com a câmera Sony Cyber-shot DSC-P150 7.2MP (Sony Corporation, Tóquio, Japão), utilizada e sua resolução máxima e acoplada a uma das lentes da lupa de alta resolução (Figura-1A). Nos acessos endoscopicamente assistidos, utilizou-se óptica de 25° Richard Wolf (Ri- chard Wolf GmbH, Knittlingen, Alemanha), acoplada ao dispositivo de iluminação portátil LED e a câmera Optice Pró HD 2 11MP, utilizada em sua resolução máxima, com tela destacável de LCD BacPac de 2 polegadas (GoPro – Woodman Labs Inc, Half Moon Bay, EUA). (Figura-1B). Nos procedimentos abertos e endoscópicos foram utilizados instrumentos cirúrgicos nasossinusais Richard Wolf (Richard Wolf GmbH, Knittlingen, Alemanha) (Figura-1C). A visualização das estruturas anatômicas foi classificada em (1) fácil, quando as mesmas se apresentaram espontaneamente ou foram prontamente identificadas com a sequência da dissecção, (2) difícil, quando re- Figura 1. Instrumental utilizado nos procedimentos aberto (A e C) e endoscopicamente assistido (B e C). 19 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 15-28, 2017. RESULTADOS quiseram tração ou ressecção de outras estruturas para serem visualizadas, ou (3) não realizada. Os conceitos de largura e altura para a maxilotomia se referem, respectivamente, às distâncias laterolateral e craniocaudal em milímetros. Já para a orbitotomia, referem-se às distâncias laterolateral e anteroposterior, respectivamente, também em milímetros. A técnica de dissecção foi dividida em duas fases: (1) fase maxilar e (2) fase orbitária. A fase maxilar iniciou-se com os procedimentos de acesso à cavidade do seio maxilar. A partir da identificação do complexo neurovascular no teto do seio maxilar/ assoalho orbitário, diferenciaram as técnicas aberta e endoscopicamente assistida. A fase orbitária compreendeu a etapa inicial e três possibilidades de visualização das estruturas em relação ao nervo óptico: as rotas medial, lateral e central. Durante a realização dos acessos aberto e endoscopicamente assistido, procurou-se avaliar criticamente e comparar as dificuldades na visualização das principais estruturas de interesse. Nos cadáveres submetidos ao acesso aberto, 4 (75%) eram do sexo masculino e 1 (25%) era do sexo feminino. Nos acessos endoscopicamente assistidos, 1 cadáver (33,3%) era do sexo masculino e 2 (66,6%) eram do sexo feminino. Todos os cadáveres foram submetidos ao mesmo tipo de acesso bilateralmente. Todos os procedimentos de acesso ao seio maxilar foram classificados como fáceis (Figura-2). Na fase orbitária, as estruturas cuja identificação foi possível em todas as dissecções foram as mesmas com a utilização das técnicas aberta e endoscopicamente assistida, porem em relação a porção inferior do nervo óptico, em todos os casos o acesso endoscopicamente assistido sua visualização foi mais satisfatória e com menor necessidade de retração tecidual em relação à técnica aberta (Figura-3 e 4). Na Tabela-I estão representados a extensão e áreas estimadas das ressecções ósseas nos acessos abertos e na tabela II nos endoscopicamente assistidos. 20 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 15-28, 2017. Figura 2. Fase maxilar. A: lado direito. Retração cranial do lábio superior e exposição da mucosa sublabial. B a F: lado esquerdo. B: incisão sublabial e maxilotomia. C: exposição do forame e nervo infraorbitário e seus ramos em meio à estrutura óssea da maxila. 1: óstio nasal. D: maxilotomia preservando os ramos do nervo infraorbitário. 2: mucosa da parede anterior do seio maxilar. E e F: extensão da maxilotomia 23 x 21mm. 21 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 15-28, 2017. Figura 3. Fase orbitária (acesso aberto à direita). A: vista inferior do músculo reto inferior direito em posição anatômica. B: secção e rebatimento inferoposterior do músculo reto inferior. 1: limite lateral da maxilotomia. 2: limite lateral da orbitotomia. 3: músculo reto lateral. 4: músculo reto inferior. 5: ramo da divisão inferior do nervo oculomotor para os músculos reto medial e oblíquo inferior. 6: músculo reto lateral. Figura 4. Fase orbitária (acesso endoscopicamente assistido à esquerdo). A: ressecção de gordura orbitária e dissecção inicial do músculo reto inferior. B: visualização do músculo reto inferior e ramo da divisão inferior do nervo oculomotor para os músculos reto medial e oblíquo inferior. C: rota medial - retração lateral do músculo reto inferior. D: rota lateral -retração medial do músculo reto inferior. E: visualização das porções inferior do nervo óptico e posteroinferior do globo ocular. F: visualização aproximada da porção inferior do nervo óptico na topografia da penetração da artéria central da retina em sua bainha. 22 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 15-28, 2017. Tabela I. Extensão e áreas estimadas das ressecções ósseas nos acessos abertos. Maxilotomia Cadáver Sexo 1 2 3 4 5 M M M F M Orbitotomia Lado Largura* Altura* Área** Largura* Altura* Área** D 16 14 2,24 15 23 3,45 E 20 21 4,2 16 25 4 D 14 17 2,38 10 23 2,3 E 19 20 3,8 10 21 2,1 D 20 18 3,6 10 20 2 E 18 16 2,88 12 20 2,4 D 15 14 2,1 12 17 2,04 E 17 15 2,55 13 15 1,95 D 20 15 3 16 20 3,2 E 20 16 3,2 15 18 2,7 Área média 2,99 2,61 M: masculino. F: feminino. D: direito. E: esquerdo.*mm. **cm2. Tabela II. Extensão e áreas estimadas das ressecções ósseas nos acessos endoscopicamente assistidos Maxilotomia Cadáver Sexo Lado 6 7 8 F M F Orbitotomia Largura* Altura* Área** Largura* Altura* Área** D 23 21 4,83 14 14 1,96 E 19 16 3,04 14 24 3,36 D 19 17 3,23 12 16 1,92 E 19 16 3,04 12 17 2,04 D 14 17 2,38 12 16 1,92 E 16 17 2,72 15 18 2,7 Área média 3,2 M: masculino. F: feminino. D: direito. E: esquerdo. *mm. **cm2. 23 2,31 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 15-28, 2017. Tabela III. Valores mínimos e máximos de largura, altura e área da orbitotomia nos acessos aberto e endoscópico. Largura* Altura* Área** Máx_aberto 16 25 4 Máx_endosc 15 24 3,36 Mín_aberto 10 15 1,95 Mín_endosc 12 14 1,92 Méd_aberto 12,9 20,2 2,61 Méd_endosc 13,1 17,5 2,31 Máx_aberto: valor máximo para o acesso aberto. Máx_endosc: valor máximo para o acesso endoscópico. Mín_aberto: valor mínimo para o acesso aberto. Mín_endosc: valor mínimo para o acesso endoscópico. Méd_aberto: valor médio para o acesso aberto. Méd_endosc: valor médio para o acesso endoscópico. *mm. **cm2. cópio no interior do seio maxilar (maior “liberdade cirúrgica”) facilitou a obtenção de melhores ângulos de dissecção (“ângulos de ataque”), com visualização mais aproximada e detalhada das estruturas anatômicas em relação ao acesso aberto com baixa magnificação óptica. Fatores que podem ter contribuído para estes achados foram: a configuração do instrumental endoscópico utilizado, que dispensou a utilização de cabos e fios, facilitando a sua movimentação; a melhor iluminação em relação à técnica aberta (3,6); e o fato de o seio maxilar ser a mais volumosa das cavidades paranasais6. Por analogia Na Tabela-III estão representados os valores mínimos e máximos de largura, altura e área da orbitotomia nos acessos aberto e endoscópico, baseados nos dados das Tabelas-I e II. DISCUSSÃO Na presente série, a técnica endoscópica não possibilitou a realização de orbitotomias mais extensas nem a visualização de estruturas adicionais em relação à técnica aberta. Em média, as orbitotomias nos acessos endoscópicos foram 11,37% menores que nos acessos abertos. Entretanto, a livre movimentação do endos24 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 15-28, 2017. aos achados de Wilson et al. (12) onde a “liberdade cirúrgica” nos acessos sublabiais transmaxilares à fossa pterigopalatina é limitada pela extensão da maxilotomia, acreditamos que estas observações também possam se aplicam ao acesso transmaxilar à órbita, com a adição de dois fatores: a extensão da orbitotomia e os ângulos formados entre as áreas da maxilotomia e da orbitotomia nos diversos planos ortogonais. Estes fatores devem ser avaliados em estudos futuros. As principais complicações do acesso ao seio maxilar por via anterior são: hematoma e edema facial, usualmente de resolução espontânea (4,7); parestesia no território inervado pelo ramo infraorbitário do nervo maxilar(2,4,9-10,12), decorrente de tração, lesão térmica (pelo bisturi elétrico) ou secção (podendo ser reconstruído neste caso(5)); infecção, pela abertura da cavidade paranasal potencialmente contaminada (4,9); lesão de alvéolos dentários e fístula oromaxilar (12). Na série de Eisig (apud Caubi, 2008) (13), um entre nove pacientes submetidos a osteotomia maxilar em duas peças para acesso à base do crânio apresentou perda de dois dentes e parte do osso alveolar. Na presente série a única complicação encontrada foi um caso de lesão da raiz do dente canino. Tal complicação, in vivo, pode ser evitada com o planejamento da localização e extensão da maxilotomia na radiografia ou tomografia computadorizada pré-operatórias. Quanto à fase orbitária, há risco de lesões neurais e vasculares intraorbitárias por tração durante a ressecção de processos expansivos (4,9); cegueira(10,11) por lesão do nervo óptico nas dissecções posteriores, próximo ao canal óptico (4,9); diplopia e enoftalmia (10,11), devido à ressecção óssea e à redução do conteúdo de gordura orbitária (10). Na série de DeMonte et al. (14), a ressecção do assoalho orbitário, principalmente quando maior que dois terços de extensão, foi altamente preditiva de complicações orbitárias pós-operatórias em pacientes submetidos a ressecção de tumores anteriores e anterolaterais da base do crânio. A lesão do músculo reto inferior na presen25 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 15-28, 2017. te série poderia ter sido evitada através da leve e cuidadosa e tração da periórbita durante sua abertura, afastando-a das estruturas internas e reduzindo o risco de lesões acidentais. A dissecção das delicadas estruturas envolvidas pela gordura orbitária é manobra não recomendada in vivo (15). Neste ponto, acreditamos que a melhor visualização proporcionada pelo endoscópio pode reduzir a manipulação cirúrgica, principalmente em meio à gordura orbitária, reduzindo o tracionamento das estruturas anatômicas e, consequentemente, o risco de lesões. Concordamos também com a observação de Kennerdel et al (apud Karaki) (2) de que esta via deve ser indicada para o acesso às lesões intra e extraconais em contato direto com o seio maxilar. Portanto, a fim de evitar complicações, recomendamos criteriosa seleção dos pacientes a serem submetidos ao acesso à órbita por via transmaxilar endoscopicamente assistida, dando preferência àqueles com lesões alvo não infiltrativas, que não exijam dissecção em meio à gor- dura e localizadas próximo ao assoalho orbitário. As características próprias à dissecção de cadáveres, como a ausência de sangramentos, a diferença de consistência dos tecidos em relação ao indivíduo vivo e a impossibilidade de avaliação de outras complicações em longo prazo, são fatores limitantes deste estudo. A utilização do microscópio cirúrgico poderia ter proporcionado melhor iluminação e magnificação óptica nos acessos abertos. Da mesma forma, a percepção de melhor visualização das estruturas intraorbitárias com o endoscópio pode se dever às dificuldades encontradas na iluminação do campo cirúrgico na técnica aberta. CONCLUSÕES 1. A técnica endoscópica, apesar de mais custosa e da curva de aprendizado mais longa, não possibilitou a visualização de estruturas adicionais nem a realização de orbitotomias mais extensas em relação à técnica aberta com baixa magnificação óptica no acesso transmaxilar à órbita neste grupo de cadáveres. 26 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 15-28, 2017. 2. A maior liberdade cirúrgica e a consequente obtenção de ângulos de dissecção mais favoráveis proporcionaram a percepção de que a visualização das estruturas anatômicas foi mais aproximada e detalhada com o auxílio da técnica endoscópica em relação ao acesso aberto com baixa magnificação óptica nas dissecções realizadas. 3. Recomenda-se criteriosa seleção dos pacientes a serem submetidos ao acesso à órbita por via transmaxilar, dando preferência àqueles cujas lesões alvo não tenham carcterísticas infiltrativas, não exijam dissecção em meio à gordura orbitária, e se localizem em topografia próxima ao assoalho orbitário. 4. Estudos radiológicos e anatômicos com mensuração objetiva da liberdade cirúrgica e dos ângulos de dissecção obtidos são necessários nos acessos transmaxilares aberto e endoscopicamente assistido à órbita. orbital tumors. Neurosurg Focus 2001 May; 10(5):E1. 2. Karaki M, Kobayashi R, Mori N. Removal of an orbital apex hemangioma using an endoscopic transethmoidal approach: technical note. Neurosurgery 2006 Jul; 59(1 Suppl 1):ONSE159-60; discussion ONSE159-60. 3. Schultheiss S, Petridis AK, El Habony R, Maurer P, Scholz M. The transmaxillary endoscopic approach to the orbit. Acta Neurochir (Wien) 2013 Jan; 155: 87-97. 4. Gönül E, Erdogan E, Düz B, Timurkaynak E. Transmaxillary approach to the orbit: an anatomic study. Neurosurgery 2003 Oct; 53(4):935-41; discussion 941-2. 5. Rhoton Jr AL. The orbit. Neurosurgery 2002 Oct; 51(Suppl 1):S303-34. 6. Chastain JB, Sindwani R. Anatomy of the orbit, lacrimal apparatus, and lateral nasal wall. Otolaryngol Clin North Am 2006 Oct; 39(5):855-64, v-vi. 7. D´Alessandro GS, Magela G, Alonso N. Combination of transconjuctival and transantral endoscopic approach in the repair of orbital floor fractures. Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2009 Apr; 12(2):78-84. 8. HOUSEPIAN EM. Optic gliomas. In: Rengachary SS; Wilkins RH (Ed). 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Surgical Freedom and Angle of Attack of Endereço para correspondência: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA – PPGMED Rua Mariz e Barros, 775 – Tijuca – Rio de Janeiro – RJ – Brasil CEP 22270-004 Email: [email protected] 28 outcome following A INTERLEUCINA 28-B (IL28-B) COMO FATOR PREDITOR DE RESPOSTA VIROLÓGICA SUSTENTADA (RVS) EM PACIENTES COINFECTADOS PELOS VÍRUS DA HEPATITE C (HCV) E DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA (HIV) SUBMETIDOS À TERAPIA COM PEGINTERFERON ALFA E RIBAVIRINA Lígia Monnerat Hoelz 1, Marcia Maria Amendola-Pires 2 , Bruna C. Bertol 3, Paulo H. C. de França 3 & Carlos Eduardo Brandão-Mello 4 1 Médica do Ambulatório de Gastroenterologia e Doenças do Fígado do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG). Mestre em Medicina - Mestrado em HIV/AIDS/Hepatites Virais - Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro - UNIRIO 2 Médica do Ambulatório de Gastroenterologia e Doenças do Fígado do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG). Mestre em Medicina - Gastroenterologia -Faculdade de Medicina Universidade Federal doRio de Janeiro - UFRJ 3 Laboratorio de Biologia Molecular, Departamento de Medicina, Universidade da Região de Joinville, Univille, Joinville, Brasil 4 Professor Titular do Departamento de Clínica Médica da Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Chefe do Ambulatório de Gastroenterologia e Doenças do Fígado do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG). Membro Titular da Academia Nacional de Medicina entre os usuários de drogas injetáveis (1,2). Existem evidências de que a coinfecção teria um impacto negativo na história natural da infecção pelo HCV resultando em maiores títulos de HCV-RNA e evolução mais acelerada para cirrose e insuficiência do órgão (3-6). À medida que melhorou, em muito, a sobrevida e o prog- INTRODUÇÃO Infecção pelo HCV é uma das principais causas de hepatite crônica, cirrose e carcinoma hepatocelular e é a principal causa de transplante hepático em países desenvolvidos. HCV e HIV dividem rotas similares de transmissão, sendo a coinfecção fenômeno comum, principalmente, 29 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 29-43, 2017. nóstico dos pacientes infectados pelo HIV, devido à introdução da terapia antirretroviral de alta atividade (HAART), a doença hepática crônica tornou-se cada vez mais prevalente e causa importante de morbidade e mortalidade nos coinfectados HIV/HCV (79). No Brasil, a terapia padrão vigente para tratamento da hepatite crônica pelo HCV nos pacientes coinfectados HIV/HCV até passado recente ainda era a combinação de Peginterferon alfa e Ribavirina. No entanto, as taxas de RVS (carga viral do HCV indetectável 6 meses após o término do tratamento) global eram muito baixas variando de 27%-40% (10-13). Novas terapias com os agentes antivirais diretos (DAAs) para o tratamento do HCV com ou sem interferon têm apresentado resultados promissores, porém só muito recentemente foram disponibilizados para uso no Brasil nesses pacientes. Algumas características poderiam influenciar esse resultado. O genótipo do HCV tem sido demonstrado como o fator preditivo mais fortemente rela- cionado à resposta terapêutica. Em pacientes infectados com genótipo 1 e 4, as taxas de RVS variam entre 40%-50%, enquanto que naqueles que albergam o genótipo 2 e 3 essas taxas são superiores, chegando a alcançar 75% (14-17). Fatores inerentes ao hospedeiro como idade, sexo, raça, grau de fibrose hepática e massa corporal também têm sido associados a essa resposta (18-19). Outras causas poderiam justificar esses resultados tão baixos, como imunodeficiência associada ao HIV, potenciais interações medicamentosas com HAART, predominância de efeitos colaterais mais graves e baixa aderência à terapia (11-13). Quatro estudos de avaliação genômica demonstraram associação entre os polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) localizados próximo ao gene da IL28-B como um fator fortemente associado à RVS no tratamento do HCV com Peginterferon e Ribavirina (20-23). Nos coinfectados, essa associação também foi demonstrada (24,25). A IL28-B codifica o INF-λ3 e há evidências de que este afete a resposta imune adaptativa. 30 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 29-43, 2017. Além disso, as moléculas de IFN-λ inibem a replicação do HCV in vitro, e ensaios com essas moléculas em pacientes infectados por esse virus têm demonstrado resultados promissores que sugerem uma ligação entre variantes da IL28B e o resultado do tratamento do HCV (26-28). Dois SNPs (rs12979860 e rs8099917), especificamente, foram apresentados como mais intimamente relacionados ao clareamento do HCV. O atual estudo também demonstrou essa associação, sendo que aqueles pacientes portadores do genótipo CC (rs12979860) ou TT (rs8099917) da IL28-B apresentaram maior chance de obtenção de RVS. Diante de fatores que possam influenciar o resultado terapêutico, vê-se benefício em identificá-los para assim aumentar as chances de sucesso. Por isso, esse estudo teve como objetivo principal determinar a taxa de RVS e os fatores preditivos do alcance da mesma, mostrando a experiência do serviço de Hepatologia do HUGG do Rio de Janeiro, Brasil, no tratamento de pacientes coinfectados HIV/HCV submetidos à terapia com Peginterferon-alfa e Ribavirina. MÉTODOS Desenho e seleção dos pacientes Estudo retrospectivo, observacional de uma coorte de 89 pacientes acompanhados na Unidade de Doenças de Fígado do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG) no período compreendido entre junho/2005 e dezembro/2012 que foram submetidos à terapia com Peginterferon e Ribavirina. O banco de dados teve sua confecção baseada na coleta de informações contidas nos prontuários médicos dos pacientes, sendo estas inseridas em programa informatizado. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição e todos os pacientes forneceram o termo de Consentimento Livre Esclarecido assinado antes do início do tratamento. Os pacientes foram tratados conforme o guideline do Ministério da Saúde do Brasil 31 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 29-43, 2017. (2011), sendo submetidos, portanto, ao seguinte esquema terapêutico: Peginterferon alfa-2a 180mcg semanal via subcutânea ou Peginterferon alfa-2b 1,5mcg/ kg semanal via subcutânea, associado a Ribavirina na dose de 1000mg/dia via oral para aqueles com peso corporal até 75Kg e 1250mg/dia para aqueles com mais de 75Kg por intervalo de 48 semanas para todos os pacientes independente do genótipo do HCV. Foi considerada como regra de parada a detectabilidade do HCV-RNA na semana 24 de tratamento em que pacientes, nessa situação, tiveram o tratamento interrompido por terem apresentado falha virológica. Após o término do tratamento, os pacientes foram acompanhados por mais 24 semanas (follow-up). síveis fatores preditivos de alcance de RVS. Incluíram-se, entre as variáveis laboratoriais, testes sorológicos e virológicos para detecção de ambos os vírus através da pesquisa de anticorpos por técnica de EIE de terceira geração e da detecção do RNA por técnica de PCR. Extração genômica dos SNPs da IL28-B foi realizada através de amostras de sangue coletadas por digito punção e armazenadas em FTA Elute Micro Cards © (Whatman, Kent, Reino Unido) no Laboratório de Biologia Molecular da UNIVILLE, em Joinville. As variáveis foram subdivididas em categóricas (composta por características que podem ser classificadas) e contínuas (composta por características mensuráveis) para, então, serem estudadas em relação à sua frequência e associação com RVS. Assim, variáveis categóricas incluíram cor (branca x não branca); sexo (masculino x feminino); idade (≥40 anos vs<40 anos); genótipo do HCV (1 vs não-1); fibrose hepática (cirrótico [F4] vs não cirrótico); carga vi- Variáveis analisadas Variáveis demográficas, epidemiológicas, clínicas, laboratoriais, incluindo aquelas inerentes ao HCV e HIV, assim como, ao hospedeiro foram analisadas na intenção de se identificar pos32 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 29-43, 2017. ral do HCV (alta [≥800.000 células/mm³] vs baixa [<800.000]); carga viral do HIV (detectada vs indetectada); contagem de linfócitos TCD4 (≥500 células/mm³vs<500); genótipo da IL28B (CC rs12979860 ou TT rs8099917 vs não-CC rs12979860 e não-TT rs8099917), ALT (≥41UI/L vs<41), GGT (≥60UI/L vs<60), uso de HAART (virgem x não virgem), tratamento prévio para o HCV com interferon convencional e ribavirina (virgem x não-virgem). Variáveis contínuas incluíram contagem de hematócrito, leucócitos e plaquetas pré-tratamento. log da carga viral basal, Resposta virológica completa (RVC) - HCV-RNA indetectável ao final do tratamento, Resposta virológica sustentada (RVS) -HCV-RNA indetectável 6 meses (24 semanas) após o término do tratamento, Recidivante (RR) - ressurgimento do HCV-RNA após o término do tratamento, Não respondedor (NR) - HCV-RNA detectado ao final do tratamento na 48ª semana; falha virológica (HCV-RNA detectado na 24ª semana de tratamento) e falha não virológica (interrupções do tratamento por eventos adversos e abandonos). Análise Estatística Análise da Eficácia Foram incluídos pacientes que tivessem recebidos ao menos uma dose de cada medicação, sendo considerados para efeito de análise de resultados e eficácia os seguintes critérios: Resposta virológica rápida (RVR) - HCV-RNA indetectável na 4ª semana de tratamento, Resposta virológica precoce (RVP) - HCV-RNA indetectável na 12ª semana de tratamento ou queda ≥ 2 A principal análise estatística realizada avaliou a frequência e as variáveis associadas à RVS utilizando-se modelo de regressão logística univariada e multivariada. A significância da associação para as variáveis categóricas foi obtida pelo teste do Quiquadrado (c2) e para variáveis contínuas, o teste Student t. Intervalo de confiança (IC95%) foi utilizado na avaliação dos resultados das respostas virológi33 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 29-43, 2017. cas. O nível de significância adotado para todas as análises foi de 5%. Para análise multivariada foi adotado critério de seleção de variáveis com p valor <0,20. Para realização de todos os cálculos estatísticos, foi utilizado software SPSS versão 17.0 para Windows. 50 anos, sendo 76% do sexo masculino. Setenta e cinco (75%) albergavam o genótipo 1 do HCV e dos 77 pacientes que tiveram sua carga viral quantificada, a maioria (57%) apresentava-a alta (>800.000 UI/ml). Dos 63 pacientes que realizaram biópsia hepática, 19% foram consideraRESULTADOS dos cirróticos (F4) de acordo com a classificação de Metavir. População do estudo A infecção pelo HIV encontrava-se estável com média de Oitenta e nove (89) pa- linfócitos T CD4 de 640 células/ cientes foram envolvidos no es- mm³. Genótipo da IL28-B foi setudo, com mediana de idade de quenciado em 43 pacientes, inTabela 1 - Características baseline dos pacientes. Sexo Masculino (%) 76,4 Raça Branca (%) 68,5 Mediana de idade em anos 50 Mediana CD4 (células/mm³) ± DP* 562±295 HCV-RNA ≥800.000UI/ml (%)** 57,3 Gen HCV 1 (%) 75,3 Fibrose F4 (%)***19,1 Tratamento prévio para o HCV (%) 25,8 Genótipo da IL28B CC ou TT (%)**** 30,3 *Disponível para 83 pacientes **Disponível para 77 pacientes ***Disponível para 63 pacientes ****Disponível para 43 pacientes 34 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 29-43, 2017. dependente do genótipo do HCV, sendo que 27 (30,3%) apresentavam genótipo CC rs12979860 ou TT rs8099917. Resposta virológica Resposta Virológica Sustentada (RVS) foi encontrada em 36% (IC 95%: 36,5%-46,3%) dos pacientes. Cinquenta e oito (65,2%) pacientes completaram as 48 semanas de tratamento. Dentre aqueles que não completaram, 2 (2,2%) abandonaram o tratamento antes da semana 12, e em 4 (4,6%), este foi interrompido por eventos adversos que impediram sua continuidade, sendo 3 deles por toxicidade hematológica e 1 por diagnóstico de depressão. Esses 6 pacientes foram considerados não respondedores por terem apresentado falha não virológica. Em 25 (28%) pacientes, o tratamento foi suspenso na semana 24, configurando falha virológica (HCV-RNA detectado), sendo considerados também como não respondedores. Quarenta e três (48%) pacientes apresentaram HCV-RNA indetectável ao final do tratamento (semana 48) apresentando, portanto, RVC. RVR e RVP foram encontradas em 20% e 29% dos 69 e 59 pacientes que tiveram essas análises realizadas, respectivamente. Onze (12%) pacientes recidivaram o HCV durante o follow-up de 24 semanas. Tabela 2 - Resposta Virológica (n=89) Resposta virológica N % IC95% Sustentada (RVS) 32 36.0 26,5% - 46,3% Recidivante (RR) 11 12.4 6,7% - 20,5% Não respondedor (NR) 46 51.7 41,3% - 61,9% Total89 100.0 Nota: IC95% = Intervalo de Confiança de 95% 35 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 29-43, 2017. Fatores preditivos de tratamento para o HCV apresentou tendência à significância estatística para obtenção dessa resposta (p=0,099). Análise univariada Em relação ao genótipo da IL28-B, observou-se que, dentre os 27 pacientes com genotipagem CC (rs12979860) ou TT (rs8099917) 51,9% apresentaram RVS e dentre aqueles 16 com genótipo CT/TT (rs12979860) ou GT/GG (rs8099917) apenas 6,3% apresentaram essa resposta (p=0,010). A associação das principais variáveis analisadas em relação à RVS está apresentada na tabela 3. Média de idade e gênero não foram associados à RVS, o mesmo ocorrendo com as variáveis laboratoriais como os testes de função hepática. Dentre as variáveis expostas relacionadas ao HCV, apenas o genótipo foi associado estatisticamente à RVS. Indivíduos com genótipo diferente de 1 apresentariam maior probabilidade de alcance dessa resposta, assim 63,6% desses obtiveram RVS em oposição a 26,9% daqueles infectados pelo genótipo 1 (p=0,002). Variáveis relacionadas ao HIV não tiveram relação com RVS, assim carga viral do HIV e status imunológico pré-tratamento não foram determinantes para obtenção de RVS. Da mesma forma, carga viral inicial do HCV e grau de fibrose não apresentaram associação com RVS. A condição virgem Dados sobre variáveis relacionadas diretamente ao tratamento (RVR e RVP) foram avaliados quando disponíveis. Assim, 14 (78%) dos 18 pacientes que alcançaram RVR obtiveram também RVS inferindo valor preditivo positivo de quase 80%, sendo esse um dado motivacional de continuidade à terapia, mesmo diante de suas adversidades. Por outro lado, dentre os 33 pacientes que não alcançaram RVP, apenas 1 (3%) obteve RVS, inferindo um valor preditivo negativo de 97% de falha terapêutica. 36 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 29-43, 2017. Tabela 3 - Associação das variáveis baseline com RVS Características Frequências RVS N % Risco relativo Sexo Masculino 68 76.4% 36.8% 1.11 Feminino 21 23.6% 33.3% 1 Idade (anos) Menor que 40 38 42.7% 39.5% 1.19 40 ou mais 51 57.3% 33.3% 1 Cor Branca 61 68.5% 37.7% 1.17 Não branca 28 31.5% 32.1% 1 Genótipo HCV 1 67 75.3% 26.9% 1 Não 1 22 24.7% 63,6% 2.36 Carga viral HCV inicial (UI/ ml) Menor que 800.000 26 29.2% 46.2% 1.39 800.000 ou mais 51 57.3% 33.3% 1 Sem informação /Não medido 12 13.5% 25.0% 0.75 Genótipo Interleucina 28b CC(rs12979860) ou TT (rs8099917) 27 30,3% 51.9% 8.24 CT/TT (rs12979860) e GT/GG (rs8099917) 16 18.0% 6.3% 1 Sem informação/ Não medido 46 51,7% 37.0% 5.87 Grau de fibrose Não Cirrótico 51 81.0% 35.3% 1.41 Cirrótico (F4) 12 19.0% 25.0% 1 ALT (UI/L) Menor que 41 20 22.5% 30.0% 1 41 ou mais 59 66.3% 39.0% 1.30 Sem informação/ Não medido 10 11.2% 30.0% 1.00 GGT (UI/L) Menor que 60 14 15.7% 28.6% 1 60 ou mais 62 69.7% 37.1% 1.30 Sem informação/ Não medido 13 14.6% 38.5% 1.35 Previamente tratado HCV Não 66 74.2% 40.9% 1.88 Sim 23 25.8% 21.7% 1 Carga viral HIV inicial (UI/ ml) Não detectável 59 67.0% 35.6% 1 Detectável 29 33.0% 37.9% 1.06 CD4 inicial (Células/mm³) Menor que 500 28 31.5% 32.1% 1 500 ou mais 55 61.8% 38.2% 1.19 Sem informação/ Não medido 6 6.7% 33.3% 1.04 37 P-valor teste c2 0.775 0.550 0.612 0.002 0.377 0.010 0.496 0.706 0.818 0.099 0.830 0.855 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 29-43, 2017. Análise multivariada A tabela 4 mostra o modelo logístico final multivariado. Assim, albergar genótipo do HCV diferente de 1 (p=0,002) e genótipo da IL28-B CC (rs12979860) ou TT (rs8099917) (p=0,050), assim como, ser virgem de tratamento para o HCV (p=0,024) foram associados independentemente à RVS. infecção crônica do HCV com Peginterferon-alfa e Ribavirina alcançou taxas de RVS de 36%, sendo esta concordante com aquelas evidenciadas nos principais ensaios clínicos realizados em países desenvolvidos e também em estudos nacionais (27%44%) [29-33]. Entre os indivíduos com o genótipo mais prevalente nessa população, o genótipo 1, as taxas de resposta virológica (RVS) foram ainda menores com 26,9%. Entre os portadores dos genótipos 2 e 3, número maior de indivíduos (60%) alcançaram essa mesma resposta virológica. Essas proporções também foram DISCUSSÃO Nessa população de indivíduos coinfectados HIV/HCV de um serviço de saúde pública do Rio de Janeiro, o tratamento da Tabela 4 - Fatores Preditivos de RVS Fatores associados Modelo logístico Multivariado ORaj*p-valor Genótipo HCV Não 1 Previamente Tratado HCV Não 9.39 0.002 5.68 0.024 Genótipo IL28b 0.050 CC(12979860) ou TT (8099917) 10.78 0.035 Não CC(12979860) e Não TT (8099917) 1 Sem informação/Não medido 4.14 0.201 *ORaj = Odds Ratio ajustado 38 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 29-43, 2017. bastante similares àquelas apresentadas pelos ensaios clínicos citados. Contagem basal de linfócitos T CD4 +, cargas virais do HCV e do HIV e fibrose hepática não foram considerados estatisticamente como preditores de RVS em oposição ao encontrado nos grandes estudos de registro [2931,34-37]. Títulos elevados de linfócitos T CD4 (mediana de 562 células/mm³) e a baixa frequência de pacientes cirróticos (19%) nessa coorte poderiam explicar esses resultados conflitantes. O polimorfismo genético da IL28-B foi associado estatisticamente à RVS nessa coorte de pacientes, em que a presença dos alelos CC da IL28-B SNP (rs12979860) ou dos alelos TT da IL28-B SNP (rs8099917) foram os que mais fortemente se associaram à resposta terapêutica (p=0,010), como também foi demonstrado em outros estudos [38,39,40]. Uma limitação encontrada nesse trabalho que pode ter levado a resultados pouco satisfatórios seria o fato de ser um estudo retrospectivo, não randomizado, de vida real apresentan- do as dificuldades sabidamente inerentes a esse delineamento. A questão da logística da distribuição das medicações peginterferon e ribavirina pelas secretarias estaduais e municipais que sofre eventualmente, interrupções indesejáveis assim como problemas na distribuição e armazenamento, além da superlotação dos centros de referência e as dificuldades na adesão e na compreensão da aplicação do interferon por parcela considerável da clientela alvo são outros fatores que podem ser elencados como empecilhos a melhor RVS. Diante das modestas taxas de RVS com a terapia até pouco tempo atrás vigente no Brasil para tratamento da hepatite C nos coinfectados com o HIV, o conhecimento dos fatores preditivos que pudessem potencialmente influenciar na resposta terapêutica é de fundamental importância. O polimorfismo da IL28-B foi identificado como um desses fatores e esse estudo pôde comprovar, mais uma vez, não só sua influência, como a de outras características virais e do hospedeiro no resultado terapêutico com 39 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 29-43, 2017. o emprego combinado de Peginterferon-alfa e Ribavirina nos coinfectados HIV/HCV, estimando, assim, as possíveis chances de sucesso e auxiliando na decisão de se iniciar o tratamento. O futuro do tratamento e manejo da hepatite crônica C nos coinfectados pelo HIV parece ser bastante promissor com a introdução dos novos agentes antivirais diretos, capazes de proporcionar taxas de resposta virológica sustentada superiores a 95%. human immunodeficiency virus infection on the course of hepatitis C virus infection: A meta-analysis. Clin Infect Dis. 33: 562–569. 4. Daar ES, Lynn H, Donfield S, Gomperts E, Hilgartner MW, et al. 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Pelo contrário, uma das características de doença é exatamente a ausência de mudanças transitórias do humor, uma falta de sintonia com as situações do ambiente, prevalecendo sempre um determinado padrão, tristeza ou alegria. Os pacientes com depressão ou mania relatam que seu humor vital - deprimido ou eufórico - não mais depende de seu controle: são de qualidade diferente daquelas situações normais, pertencem a uma outra categoria de sentimentos. Tanto assim que deprimidos conseguem “sentir” tristeza e apontam, com precisão as diferenças existentes entre tristeza e depressão. Alguns pa- INTRODUÇÃO Os sintomas psiquiátricos promovem de modo dominante alterações no relacionamento do homem com o mundo e isto é observado através de alterações em seu comportamento e/ ou pensamento. Isso torna o transtorno mental diferente de outras enfermidades médicas em que o sofrimento do corpo constitui o aspecto predominante. Nos transtornos psiquiátricos, os aspectos fundamentais são o sofrimento subjetivo e as alterações do comportamento. Historicamente, o transtorno mental foi sempre preocupação não só de médicos como de filósofos, escritores, curandeiros e religiosos. Normalmente, o humor varia muito em indivíduos não-padecentes de transtornos específicos: sensações de alegria, de prazer, tristeza, indiferença, 44 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 44-59, 2017. cientes maníacos expressam que seu estado é uma forma de “depressão agitada” que sua aparente e exuberante euforia não está sob seu controle e que, em seu âmago, estão “experimentando” uma vivência depressiva. A confusão que cerca a palavra “depressão” é que ela serve para descrever ao mesmo tempo uma alteração de humor, uma síndrome e um transtorno específico. Já com a palavra “mania” clinicamente “euforia patológica” - é de origem grega e significa “loucura”, mas é muito confundida com o significado que o senso comum em língua portuguesa empresta à palavra: um hábito ou um maneirismo. Pacientes deprimidos apresentam perda de interesse (mesmo para consigo, negligenciando cuidados pessoais), diminuição de energia, sentimentos de culpa, idéias suicidas, dificuldade de concentração, alterações de apetite e de sono, desinteresse sexual e diminuição de funções cognitivas. Pacientes maníacos, por sua vez, tem elevação de humor, apresentam-se expansivos, com elevada auto-estima, resistência ao cansaço físico, aceleração do curso do pensamento, fuga de idéias, hiper-sexualidade e irritabilidade. Estas alterações de humor podem ocorrer isoladamente (episódios ou fases), em sucessão (recorrência), persistentemente (crônica), ou se apresentarem misturadas, causando as mais variadas flutuações afetivas nos indivíduos. Estima-se que um adulto desenvolvendo transtorno bipolar I aos 20 anos de idade perca efetivamente (hospitalização, repouso, licenças e incapacitação) 9 anos de vida, 12 anos de saúde normal e 14 de trabalho. Para a Organização Mundial de Saúde, o transtorno que mais causou limitação no mundo foi a depressão, transtorno bipolar foi a sexta maior. Nos EUA o valor atual do custo ao longo da vida com transtorno bipolar iniciado em 1998 foi estimado em 24 bilhões de dólares. Os prejuízos psicossociais são incalculáveis. Os episódios depressivos causam maior prejuízo no trabalho, nas relações familiares e nas experiências pessoais. As mulheres têm proporcionalmen45 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 44-59, 2017. te mais episódios depressivos, ciclagem rápida e episódios mistos que os homens com transtorno bipolar. Isso pode sugerir um curso mais pernicioso e crônico nas mulheres. A presença de sintomas inter-críticos leva a humor instável, que pode desencadear ou preceder uma recorrência. Existe uma alta taxa de solteiros e divorciados, e 60 % dos bipolares exibem atividade social diminuída. 53% dos cônjuges sadios disseram que não teriam se casado com o seu parceiro com transtorno bipolar e 47% que não teriam filhos se soubessem que o transtorno poderia ocorrer. Uma Breve História No início das civilizações era característica a ideia popular que o sobrenatural causava os transtornos mentais. Em torno de 2.700 a.C., na Mesopotâmia, as síndromes clínicas foram descritas pela primeira vez e entre elas constava a Insanidade, a qual seria causada pelo demônio Idta. O conceito de um transtorno afetivo é muito antigo. Os gregos antes da Era Clássica acreditavam que os indivíduos com transtorno mental estivessem possuídos pelas deusas Mania e Lissa. A pa- lavra mania pode ser encontrada nos textos gregos com o significado de loucura, demência, insensatez, ou ainda significando um élan inspirador. As descrições de depressão, então denominada de melancolia, e de mania, uma euforia patológica, datam da Antiguidade. Os termos “mania” e “melancolia”, foram muito utilizados pelos Gregos e, ainda hoje, correspondem aproximadamente a seus conceitos originais (Marneros, 2001). Embora mais abrangentes e imprecisos do que os conceitos atuais, lembram as descrições do que hoje se chama doença bipolar (Marneros, 1999). A palavra mania aparece na Ilíada de Homero onde é descrita a fúria de Aquiles contra Agamenon. Outras descrições de depressão e mania aparecem no épico, por exemplo, a descrição da depressão de Belerofontes e as flutuações de humor de Ájax que resultaram em seu suicídio. O pensamento grego do século V a.C., em plena Era Clássica, foi o primeiro a elaborar um conceito de causas naturais para os diversos eventos do nosso mundo, inclusive para os transtornos psiquiátricos. O exemplo 46 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 44-59, 2017. dessa época foi a Escola de Hipócrates. Ele procurou uma relação entre distúrbios do cérebro e transtornos mentais em vez de atribuí-los aos deuses ou demônios. Antecipou uma base neuro-humoral para o temperamento e os transtornos mentais relacionando-os com diversas formas de líquidos corporais descritos por Empódocles – as biles. O termo melancolia, oriundo da palavra grega que significa bile negra, é expressivo desse período da medicina grega. Segundo Hipócrates de Cós (460-377 a.C.), haveria quatro humores corporais: sangue, bílis amarela, bílis negra e fleuma. Esses humores resultavam da combinação de quatro qualidades básicas da natureza: calor, frio, umidade e aridez. As pessoas seriam classificadas de acordo com quatro temperamentos correspondentes: sanguíneo, colérico, melancólico e fleumático. A melancolia – depressão – seria o resultado do acúmulo de bílis negra secretada pelo fígado. O funcionamento da personalidade atingia nível ótimo ao ser alcançada a CRASIS, ou seja, a interação perfeita das forças internas e externas. O conflito en- tre essas forças, denominado DISCRASIA, indicava a existência de excessivo humor corporal. As descrições de síndromes do humor – depressão e mania (humor eufórico) – são antigas como a própria história da Medicina, mas os conceitos de “afeto” e “humor” só apareceram no século XVIII. Descrições com o Rei Saul no Antigo Testamento e do suicídio de Ájax na Ilíada de Homero atestam a existência da melancolia na civilização greco-romana. Essa família de sintomas subjetivos relacionados ao humor, alterações de comportamento e sintomas ansiosos caracteriza um grupo de transtornos denominados “transtornos afetivos”, tanto para a síndrome depressiva como para a maníaca. Com o passar do tempo, o pensamento grego começou a estabelecer distinções entre SOMA e PSIQUE, entre a razão e a realidade. Em “A República”, Platão divide a alma humana em apetite, razão e têmpera, o que podemos comparar à divisão psicanalítica de Sigmund Freud em id, ego e superego. Os historiadores demarcam em diferentes períodos e escolas 47 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 44-59, 2017. as primeiras associações de alterações de humor depressivo e humor eufórico (mania) em uma mesma patologia. No século I a.C., Asclepíades, em Roma, rejeitou a doutrina dos fluidos vitais e descreveu a frenite como uma febre acompanhada de excitação mental, e a mania (à época, sinônimo de loucura) como uma excitação mental sem febre. Ainda diferenciou ilusões de alucinações e prescreveu tratamento em salas iluminadas para pacientes com ilusões. Araeteus da Capadócia (150 DC), médico de Roma no século II, antecipou o psiquiatra alemão Emil Kraepelin do final do século XIX ao classificar os transtornos mentais a partir do prognóstico. Areteu também considerou a depressão como o resultado da bílis negra e descreveu os sintomas da síndrome depressiva. Foi o primeiro a claramente caracterizar as fases depressivas e eufóricas como pertencentes a uma mesma doença. Araeteus é o mais proeminente representante dos chamados “Ecléticos”, aqueles que acolhiam, em sua prática, condutas e conceitos de diferentes escolas (Angst, 1986; Marneros 2001). Araeteus celebrizou-se pelas descrições minuciosas, principalmente da mania e da melancolia. Galeno (130-200 d.C.) estudou as funções do sistema nervoso e considerava os transtornos mentais como doenças cerebrais. Apoiou as idéias de Hipócrates em relação ao acúmulo de bílis negra. Além de outras idéias clínicas, o pensamento romano contribuiu com os aspectos médico-legais, através de seu código “CORPUS JURIS CIVILIS”. O pensamento fantástico e sobrenatural voltou a prevalecer deste período até o final da Idade Média. A depressão na Idade Média foi muito associada a influências mágicas ou diabólicas. INCUBUS era o demônio que atacava moças castas e SUCCUBUS o demônio feminino que molestava os homens. O exorcismo de pessoas supostamente possuídas por intrusos perigosos, muitas vezes incluindo os pacientes com transtornos mentais, tornou-se uma prática frequente na Idade Média. Apesar disto, não podemos apenas condenar a Idade Média, 48 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 44-59, 2017. porque este período foi também onde ocorreram desenvolvimentos de escolas médicas voltadas, embora ainda timidamente, ao estudo dos transtornos mentais, como a Escola Médica de Salerno na Itália. O médico bizantino Alexandre de Tralles (525-605) descreveu pela primeira vez a enfermidade circular do humor. Constantino, o Africano (10201087), foi o fundador do primeiro centro exclusivamente médico, voltado para a formação de novos médicos e descreveu os sintomas da depressão, estudando hipóteses em relação ao prognóstico. No século XV começaram a surgir diversos tratados sobre bruxaria. O ponto mais alto na adesão aos dogmas da feitiçaria foi alcançado em 1484, quando o Papa Inocêncio VIII editou bula que visava remover qualquer hesitação possível na perseguição dos acusados. Seguiu-se à publicação do “Martelo das Bruxas” (MALLEUS MALEFICARUM) por dois freis dominicanos, Sprenger e Kramer. Esse livro é um verdadeiro manual de psicopatologia. Ensinava como diagnosticar as feiticeiras através de estigmas - sinais e sintomas que reconhecemos, hoje, comuns em histeria, esquizofrenia, mania, depressão etc. Esse livro constituiu-se em guia para os juizes dos tribunais da Inquisição. Johannes Weyer (15151588) em seu livro “De Praestigiis Daemonum” já se opunha ao erro dessas crenças, acentuando que muitas “feiticeiras” eram pessoas com transtornos mentais e deveriam ser tratadas por médicos e não por padres ou monges. No século XVII foi publicado na Inglaterra o livro Anatomia da Melancolia de Robert Burton (1621) onde o autor descreve a tristeza e a mágoa como os principais sintomas que acompanhavam a melancolia, ao lado de obsessões, delírios, comportamento suicida e queixas hipocondríacas. Esse livro é um marco na descrição dos transtornos de humor sem influência religiosa. O século XVII representa o período de transição, da dependência irracional das antigas crenças à especificação e aplicação de critérios metodológicos científicos. A Psiquiatria começou a entrar nos círculos culturais e científicos da época; a visão 49 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 44-59, 2017. médica volta-se para o paciente com transtorno mental. O século XVIII marca a dominância de critérios racionais e científicos na psiquiatria. Na França, Philippe Pinel (1745-1826) conseguiu uma verdadeira revolução na teoria e prática de tratamento dos enfermos mentais, retirando-os da condição de acorrentados nas prisões em que viviam. O gesto de Pinel, médico encarregado do Hospital de Bicêtre em Paris, libertando os pacientes das correntes em plena Revolução Francesa, simboliza a libertação do paciente com transtorno mental pela ciência, que agora se encarregará de seu cuidado e tratamento. Philippe Pinel além de analisar e classificar os transtornos mentais demonstrou que devemos respeitar o insano como indivíduo. Concebia a insanidade como distúrbio do autocontrole e da identidade, pelo que preferia denominar “alienação”. Em relação ao transtorno bipolar, Pinel salientou a importância do seguimento do quadro clínico por um longo período para melhor caracterizar a doença. No final do século XVIII, Esquirol (1772-1830) reconhe- ceu o transtorno afetivo como uma forma distinta de transtorno mental e o denominou de lypemanie (Berrios e Porte, 1999). Preferiu o termo lypemanie porque julgou o termo “melancolia” leigo e com vários significados. A lypemanie era caracterizada pela perda, inibição, redução e o declínio mental, uma forma de distúrbio das emoções. Ocorre aí a transformação de uma visão de comprometimento psíquico global (“folie général”) para uma forma de comprometimento psíquico parcial (“folie partiel”). A palavra depressão, do latim deprimere – “pressionar para baixo” – durante o século XIX conseguiu se destacar do termo melancolia e fixar-se como o termo médico para a síndrome que a denominamos atualmente. Segundo Berrios (1988), a palavra depressão foi derivada da cardiologia onde se referia à “redução de função”. Começou na psiquiatria como “depressão mental”; pouco depois, o adjetivo mental foi abandonado. Em 1773, foi aberto o primeiro asilo psiquiátrico nos Estados Unidos, em Williamsburg, seguindo o modelo fundado em 50 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 44-59, 2017. 1752 na Escócia (“The Retreat”). No Brasil, no período colonial (1500-1822) os pacientes com transtorno mental não tinham qualquer assistência, inclusive mesmo os que se achavam internados nas “Casas de Misericórdia” permaneciam isolados, sendo alojados nos porões ou quartos fortes. A prática psiquiátrica sistematizada, inspirada no pensamento francês, só surgiu com a fundação do Hospício Pedro II em 1852, denominado à época o “mais belo edifício da América do Sul” destinado a ser um acontecimento para eternizar “o fausto dia da sagração e coroação do jovem Imperador” cuja maioridade fora decretada. Situado na Praia da Saudade no Rio de Janeiro, hoje Avenida Pasteur, onde atualmente é o Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O século XIX foi caracterizado pela procura de substrato cerebral para os transtornos psicóticos e por uma série de tentativas de classificações dos transtornos psiquiátricos. Um psiquiatra que marcou este período foi Benedict Augustin Morel (1809-1873). Nascido em Viena, mas trabalhando na França, este alienista francês desenvolveu a Teoria da Degeneração. Esta teoria apresentava-se com o apoio do mito cristão do pecado original. Nesta teoria, os transtornos mentais começariam em qualquer momento como resultado de uma causa ambiental (ex. alcoolismo), com o passar de gerações o transtorno se tornaria hereditário (por meio de um mecanismo lamarckiano) e passaria de geração a geração, ficando mais grave cada vez até o paciente perder totalmente suas capacidades intelectivas e reprodutiva. Morel cunhou o termo Demência Precoce para o estágio final dessa evolução dramática. A noção de transtorno mental nos séculos XVII e XVIII estava diretamente relacionada às idéias de distúrbio e perda da razão e deterioração cognitiva. A existência de uma doença que prejudicasse somente a esfera afetiva era inconcebível na noção racionalista de transtorno mental durante o Renascimento. Durante o século XIX, o ímpeto classificatório dos transtornos do humor também fazia parte do modismo classificatório. Fatores históricos 51 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 44-59, 2017. responsáveis pelas mudanças radicais no início do séc. XIX: 1. O estabelecimento do afeto como uma função mental autônoma em Psicologia encorajou a aceitação de um transtorno primário do afeto, favorecendo a visão de um transtorno mental parcial. 2. A valorização dos sentimentos e das emoções foi impulsionada pelo movimento artístico do Romantismo. 3. As limitações clínicas da noção intelectualista dos transtornos mentais e o fracasso do modelo anatomo-clínico em encontrar correspondência entre lesões cerebrais e sinais e sintomas mentais. 4. O nascimento através dos registros psiquiátricos da nova ciência: a Psicopatologia. Na metade do século XIX, na França, Falret (1794-1870) e Baillarger (1809-1890) descreveram formas alternantes de mania e depressão, chamadas, pelo primeiro, de folie circulaire e, pelo segundo, de folie à double forme (Sedler, 1983). Depois de um breve texto publicado em 1851 (De la folie circulaire), Falret escreveu, em 1854, o traba- lho: “Mémoire sur la folie circulaire, forme de maladie mentale caracterisée par la reproduction sucessive et régulière de l´état maniaque, de l´état mélancholique, et d´un intervale lucide plus ou moins prolongué” (Bulletin de l´Académie de Médecine 19: 384-415, 1854). Baillarger leu seu trabalho sobre a folie à double forme perante a Académie de Médicine em 1854, três anos depois da comunicação inicial de Falret, mas antes que este publicasse, em 1854, seu trabalho mais extenso, citado acima. Para Berrios (1996), a questão da prioridade não parece tão importante, uma vez que vários outros autores, na França, estavam trabalhando sobre o mesmo tema, como, por exemplo, Billod (folie à double phase) e Legrand du Saulle (folie alterne). O conceito de Falret (Sedler, 1983) difere do de Baillarger, pois leva em conta os “intervalos lúcidos” entre as fases. Assim, mesmo fases de mania e depressão separadas por longos períodos de tempo ainda integrariam o conceito de folie circulaire; ao contrário, Baillarger não leva em conta os intervalos, mas 52 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 44-59, 2017. apenas as fases que se sucedem imediatamente (Angst, 1986; Marneros, 2001). Dois homens nascidos em 1856 dominaram o pensamento psiquiátrico desde o final do século XIX e durante todo o século XX: Emil Kraepelin (156-1926) e Sigmund Freud (1856-1939). Em 1900, Sigmund Freud publicou “A Interpretação dos Sonhos” que representou importante progresso para a compreensão da mente humana no campo psicológico, demonstrando o nosso mundo inconsciente, e vindo a influenciar todo o pensamento deste século de forma marcante. Freud numa linha inteiramente diferente descobriu as manifestações do inconsciente, a sexualidade infantil, a importância dos sonhos e, através de numerosos trabalhos. Sua influência ultrapassou a medicina e a psiquiatria e alcança a sociologia, o estudo das religiões, as artes plásticas, o teatro, o cinema, a literatura a educação e toda a concepção de mundo de nosso século. A caracterização do curso da doença – visão longitudinal – tornou-se uma marca importante e um “padrão ouro” até hoje atra- vés dos trabalhos de Kahlbaum, Wernicke e Emil Kraepelin (Berrios, 1992). Eles valorizaram alguns sintomas como mais sugestivos da determinadas doenças e o curso como identificador da doença. Kahlbaum (1828-1899) propôs que pacientes com o mesmo diagnóstico deveriam ter os mesmos sintomas, uma etiologia comum, a mesma resposta terapêutica para tratamentos específicos e um prognóstico idêntico. O movimento universitário e taxonômico alemão reduziu o número de patologias descritas, porque até então cada autor ou escola descrevia as patologias em corte transversal e em inúmeros subtipos, sem critérios científicos claros, com base em diferentes influências e difíceis de serem observados em outras escolas. Emil Kraepelin diferenciou com base na evolução natural, história familiar e sintomatologia, a demência precoce (depois denominada esquizofrenia) da insanidade maníaco depressiva (transtornos do humor, entre eles o transtorno bipolar). Este foi o passo decisivo para uma prática clínica com base na ob53 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 44-59, 2017. servação clínica e evolução. Nas sucessivas edições de seu tratado de Psiquiatria, Kraepelin conseguiu por ordem nas descrições dos quadros mentais já descritos separando as principais psicoses em dois grupos: a dementia praecox que conduzia à deterioração e a Manish-Depressives Irresein (insanidade maníaco depressiva) que preservava a personalidade e teria um prognóstico melhor. Constitui, ainda hoje, a base de todas as classificações psiquiátricas. Ainda no início do século XX, Karl Jaspers publicou em 1913 seu texto Allgemeine Psychopathologie (Psicopatologia Geral), que norteia os exames psicopatológicos até hoje. As concepções de Kraepelin, trazendo para a psiquiatria um modelo médico baseado em observações clínicas (quanto à sintomatologia e evolução ao longo do tempo), foram de extremo valor. Atendo-se ao modelo médico de doença, Kraepelin não excluiu de suas concepções os fatores psíquicos e sociais; antes os valorizou como poucos o haviam feito anteriormente. Incluindo no conceito de enfermidade maníaco-depressiva “as formas leves da doença, que chegam aos limites dos temperamentos”, Kraepelin lançou a semente do que, nos últimos anos, vem sendo chamado de “espectro bipolar” (Goodwin e Jamison, 1990). Uma das importantes contribuições de Kraepelin (1919) e de seu discípulo Weigandt (1899) foi o conceito de “estados mistos maníaco depressivos”. De fato, a pedra angular (Del Porto e Del Porto, 2005) para a formulação do conceito unitário de Kraepelin a respeito da enfermidade maníaco-depressiva foi o reconhecimento da existência dos estados mistos (Kraepelin, 1919). Os estados mistos, na verdade, já haviam sido mencionados por outros autores, porém sem a importância que lhes foi dada por Kraepelin e Weigandt. Wilhelm Griesinger escreveu que, durante a transição de um estado para outro, “um conglomerado de sintomas maníacos e depressivos pode ocorrer” (Marneros, 2001). Wernicke (1996), no seu Tratado de Psiquiatria (1894), dedicou o 36o capítulo às “psicoses compostas”. Neste capítulo incluiu a descrição clínica da “melancolia agitada” na qual haveria intensa 54 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 44-59, 2017. ansiedade, pressão para falar e fuga de idéias. A “melancolia agitada”, nesta concepção, combinaria elementos da série depressiva e da série maníaca. Wilhelm Weigandt nasceu em Wiesbaden, Alemanha, em 1870. Trabalhou com Kraepelin, em Heidelberg, e formulou seu trabalho sobre os estados mistos no final da década de 1890. Weigandt remonta à tradição platônico-aristotélica ao dividir a atividade psíquica nos domínios do afeto, do pensamento e da atividade (motora). A mesma divisão iremos encontrar no Tratado de Kraepelin: emoção, volição e intelecto. Nos estados “puros”, maníacos ou depressivos, os três domínios encontram-se alterados na mesma direção. Na mania típica, por exemplo, há fuga de idéias, exaltação do humor e aumento da atividade motora. Na depressão “pura” há inibição do pensamento, lentificação psicomotora e humor triste. Nos estados mistos, ao contrário, há alterações em diferentes direções, considerando as áreas do afeto, da atividade e do pensamento. Eugen Bleuler (1924) propôs que entre a esquizofrenia e a psicose maníaco-depressiva houvesse um continuum; assim, o paciente seria predominantemente esquizofrênico ou predominantemente maníaco-depressivo. Mais ainda, ao longo da doença, o paciente poderia oscilar entre esses dois pólos. Bleuler tinha, dessa forma, uma visão dimensional, e não categorial, a respeito das duas entidades nosológicas propostas por Kraepelin. Diversos tratamentos biológicos foram apresentados na primeira metade do século XX. O passo determinante de uma revolução na prática e no pensamento psiquiátrico foi a introdução, em 1952, da Clorpromazina (antipsicótico) pelos franceses Jean Delay e Pierre Deniker. O enorme desenvolvimento das terapêuticas farmacológicas também teve um marco em 1949 quando o australiano John Cade tratou com sucesso excitações maníacas com citrato de litio. A introdução de medicamentos eficazes para o tratamento de muitos dos transtornos mentais ansiolíticos, antidepressivos, anticonvulsivantes, estabilizadores do humor, etc - permitiu que a psiquiatria e os seus padecentes 55 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 44-59, 2017. abandonassem a sombra em que viviam e retornassem à sociedade. Paul McLean em 1954 descreveu o sistema límbico cerebral e o associou ao controle do humor e afeto. Karl Leonhard em 1957 distinguiu o transtorno unipolar (apenas episódios depressivos) do transtorno bipolar (presença de episódios de mania). Leonhard (1979), discípulo de Kleist, não só aceitava, mas enfatizava a importância das características “mistas” nas formas bipolares da doença. Segundo Leonhard (1979), as formas bipolares seriam polimorfas, enquanto as monopolares seriam formas “puras”. As formas bipolares exibiriam, quase sempre, mesclas de sintomas. Mesmo nas formas ditas “puras” (monopolares, na nomenclatura de Leonhard), é interessante notar que, já a partir dos nomes por ele escolhidos, infere-se a existência de características mistas. Assim, por exemplo, na sua classificação das “euforias puras”, Leonhard usa os termos: “1) euforia improdutiva; 2) euforia hipocondríaca; 3) euforia entusiástica; 4) euforia confabulatória e 5) euforia não-par- ticipativa”. Alguns dos conceitos de Leonhard foram incorporados aos DSM, assim como à CID-10, que aceitam a distinção entre os quadros unipolares e bipolares. As psicoses ciclóides encontram-se, de certa forma, compreendidas, na CID-10, na categoria F23 – Transtornos Psicóticos Agudos e Transitórios. Os sais de lítio foram introduzidos em clínica psiquiátrica pelo médico australiano John Cade em 1949, onde relatou remissão de sintomatologia maníaca em um paciente tratado com urato de lítio. Nas décadas de 50 e 60, Mogens Schou demonstrou, em estudos agudos e longitudinais, que os sais de carbonato de lítio eram eficazes tanto para o tratamento de fases maníacas como para profilaxia de transtorno bipolar de humor . O primeiro antidepressivo descoberto foi a imipramina por Kuhn em 1957 em pesquisas com antipsicóticos. Schildkraut em 1965 associou a depressão a uma diminuição de noradrenalina cerebral. Em 1970, Asberg demonstrou a diminuição de serotonina no cérebro de suicidas. 56 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 44-59, 2017. Esses fatos resultaram tanto com a progressiva redução das internações psiquiátricas para os pacientes com transtornos mentais graves, como também pela melhoria da qualidade de vida para pacientes ansiosos, depressivos ou fóbicos que não tinham cuidados médicos práticos e objetivos. Até a década de 1970, a nosologia norte-americana (para as doenças afetivas) baseava-se em uma série de pressupostos etiológicos, muitas vezes dispostos em séries dicotômicas (antagônicas). Assim, classificavam-se os estados depressivos em: endógenos versus reativos; neuróticos versus psicóticos; e, mais recentemente, em primários versus secundários. Essas dicotomias não levavam em conta, que um único parâmetro não poderia diferenciar aspectos da doença que são parcialmente independentes uns dos outros: gravidade, características neuróticas, presença de delírios ou alucinações, fatores genéticos, eventos precipitantes etc. O que hoje, início do século XXI, denominamos de transtorno bipolar do humor originou-se de várias classificações e expres- sões de significado semelhante de inúmeros autores. As condições denominadas de “circular”, “ciclóide”, “cíclica”, “fásica”, “periódica”, “alternada”, “dupla-forma”, “recorrente” e “intermitente” (Berrios, 1985). A psiquiatria atual apresenta-se como uma especialidade médica voltada para ajudar o paciente com transtorno mental, desvendando as causas biológicas, genéticas, sociais e psicológicas do seu adoecer. Podemos dizer que a Psiquiatria é atualmente uma especialidade médica ambulatorial. As internações só ocorrem em emergências e por breves períodos, ou em casos raros, mas de gravidade acentuada. Há uma re-valorização do diagnóstico, e a busca de se diagnosticar melhor, com mais precisão e concordância, usando classificações internacionais e métodos laboratoriais auxiliares. E, por fim, apresentando tratamentos re-socializantes, psicológicos e biológicos (principalmente medicamentos) que visam curar quando possível, e fundamentalmente, melhorar a qualidade de vida de quem sofre de um transtorno mental. 57 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 44-59, 2017. REFERÊNCIAS 10. Foucault M. Histoire de la folie à l’âge classique. Paris : Gallimard, 1972. 1. Akiskal HS. Delineating Irritable and 11. Hyperthymic Variants of the Cyclothymic Depressive Illness. New York/ Oxford, Temperament. Journal of Personality Oxford University Press, 2007. Disorder 6: 326-342, 1992. 12. Kramer H, Sprenger J. O martelo 2. Akiskal HS, Mallya G. 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New Jersey: Rutgers University Press, 2001. 59 Segmento Farma Editores, Errata TIME MULTIDISCIPLINAR, SALA DE CIRURGIA HÍBRIDA E PROCESSOS DE QUALIDADE E SEGURANÇA PARA O TRATAMENTO TRANSCATETER DO APARELHO VALVAR MITRAL: INCORPORANDO TECNOLOGIA E CONHECIMENTO COM RESPONSABILIDADE Alexandre Siciliano Colafranceschi Cirurgião Cardíaco Hospital Pró-Cardíaco Instituto Nacional de Cardiologia INTRODUÇÃO invasivas de tratamento desta cardiopatia estrutural. Diversas outras tecnologias para plastia transcateter da válvula mitral e dispositivos desenvolvidos para outros fins vem sendo testados para tratar doenças do aparelho valvar mitral. Nem todos estão aprovados para uso clínico em nosso meio. Na última década, observou-se grande evolução das técnicas e tecnologias disponíveis para tratamento transcateter das doenças das válvulas cardíacas, principalmente da estenose da válvula aórtica. Entretanto, o tratamento transcateter sobre a válvula mitral apresenta grandes desafios anatômicos relacionados à complexidade do aparelho valvar mitral e da heterogeneidade na apresentação etiológica das doenças desta válvula cardíaca. Apesar de grandes investimentos feitos na área, os primeiros relatos de implante transcateter de prótese especificamente desenvolvido para a posição mitral datam de 2015, ratificando sua exequibilidade técnica e abrindo espaço para o desenvolvimento de formas minimamente OBJETIVO O objetivo deste manuscrito é relatar, através de relatos de séries de casos de ultracomplexidade, as ferramentas desenvolvidas em centros cardiológicos de complexidade quaternária (público e privado)para a abordagem transcateter de pacientes com doenças que comprometem o aparelho valvar mitral nativo ou após implante cirúrgico de prótese mitral, com o intuito de gerar VALOR ao cuidado do paciente. 60 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 60-68, 2017. MÉTODO Todos os pacientes ou seus respectivos representantes legais assinaram o consentimento informado e foram esclarecidos ainda sobre o pioneirismo das intervenções ou da pequena experiência acumulada pela equipe intervencionista. A contra-indicação à cirurgia convencional foi fator comum a todos os potenciais candidatos à intervenção transcateter sobre a válvula mitral , bem como exequibilidade técnica e anatômica foram avaliadas de acordo com a disponibilidade das tecnologias descritas nesse manuscrito e treinamento e segurança da equipe de cirurgiões intervencionistas para realização dos procedimentos. Todos os procedimentos foram realizados em sala de cirurgia híbrida (ambiente cirúrgico, estéril e ergonômico, com aparelho de radioscopia e tomografia rotacional fixo) e sob monitorização com ecocardiografia transesofágica tridimensional. Todos os pacientes foram submetidos a anestesia geral, intubação orotraqueal, monitorização invasiva de pressão arterial sistêmica e cateter venoso profundo para No período de 2014 a 2016 avaliamos, retrospectivamente, dados de todos os pacientes submetidos à intervenção transcateter sobre a válvula mitral realizadas pelo mesmo grupo cirúrgico em duas Instituições. Todos os pacientes foram avaliados por uma equipe de múltiplas especialidades e com experiência no cuidado de pacientes com doença valvar mitral. O “Heart Team” para a seleção de pacientes foi composto pela presença de mínimo um representante de cada uma das seguintes especialidades: Cirurgia Cardíaca, Cardiologia Intervencionista, Cardiologista especializado em cuidado de pacientes com cardiopatia valvar e um especialista em imagem cardiológica. Terapias consideradas experimentais foram avaliadas pelo time cardiológico local e submetidas a apreciação da Câmara Técnica de cardiologia do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ). Somente com a validação ética do CREMERJ, os pacientes foram submetidos `a intervenção proposta. 61 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 60-68, 2017. administração de fármacos e reposição volêmica. Quatro tipos de intervenções foram realizadas através de dois diferentes acesseos `a válvula mitral: Acesso retrógrado cirúrgico trans-apical (mini-toracotomia ântero-lateral) ou Acesso anterógrado trans-septal atrial através de punção venosa femoral periférica (trans-femoral): C) Plastia mitral transcateter utilizando sistema Mitraclip® (Abbot Vascular, Abbot Park, IL - USA)– Acesso trans-femoral. A) Intervenção sobre prótese mitral biológica disfuncionante (procedimento de implante transcateter de prótese balão expansível sobre prótese cirurgicamente implantada “valve-in-valve”)(Edwards Sapien XT, Edwards Lifesciences, CA – USA ou Braile Innovare, Braile Biomédica, SPBrasil)- Acesso trans-apical. Com exceção do Sistema Mitraclip® (Abbot Vascular, Abbot Park, IL - USA), todas as outras intervenções foram utilizadas de forma “off label”, customizada para pacientes sem outras alternativas de tratamento, com indicação de tratamento compassivo. Acesso trans-apical (via retrógrada): Uma minitoracotomia ântero-lateral esquerda de +/6cm é realizada imediatamente antes da intervenção. O Ecocardiograma trans-torácico define o espaço intercostal que melhor alinha o ápex ventricular esquerdo à prótese mitral. Com o coração batendo, após a exposição cirúrgica do ápex ventricular es- D) Implante de prótese mitral transcateter em válvula mitral nativa com calcificação anular – (Edwards Sapien XT, Edwards Lifesciences, CA – USA) - Acesso trans-apical. B) Intervenção sobre regurgitação pára - protéticamitral com a utilização de oclusores vasculares (Amplatzer Vascular Plug III, St. Jude Medical, MN – USA) – Acesso trans-apical. 62 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 60-68, 2017. querdo, realiza-se a confecção e três bolsas de tabaco com fio prolene 3.0 ancorados com retalhos de teflon. Um fio de marcapasso temporário epicárdico é posicionado para permitir a realização de estímulo ventricular rápido para reduzir o débito cardíaco durante o implante de prótese balão expansível. O paciente é heparinizado para atingir tempo de coagulação ativado superior a 300segundos. O ápex ventricular esquerdo é puncionado e uma bainha 5Fr posicionada dando acesso à cavidade ventricular esquerda. Um conjunto de cateteres e fios são utilizados para ultrapassar a prótese ou válvula mitral nativa e repousar no interior do átrio esquerdo. Nos casos de vazamento pára-protético, este é cateterizado. Todo o procedimento é guiado por ecocardiografia e radioscopia sem a utilização de contraste iodado. Bainhas de grosso calibre (no caso de liberação de válvula no interior de próteses disfuncionante) dão acesso aos sistemas de liberação que são guiados à posição por fios guias rígidos. Quando do adequado posicionamento da prótese, esta é insuflada em posição, sob curto período de baixo débito cardíaco induzido por taquicardia ventricular artificial, e ancorada sobre o anel da prótese disfuncionante previamente, implantada. No caso de tratamento de vazamentos pára-protéticos, os oclusores vasculares são guiados e posicionados utilizando-se bainhas mais finas, sob fios guia rígidos. Confirmando-se o seu adequado funcionamento pelo Ecocardiograma Transesofágico, os dispositivos endovasculares são retirados, ápex ventricular esquerdo reconstruído cirurgicamente, o tórax esquerdo drenado e fechado por planos conforme técnica cirúrgica convencional. Anestesia local intercostal é realizada de rotina ao fim do procedimento. O acesso anterógrado (trans-femoral venoso e transeptal atrial) para o tratamento transcateter de válvula mitral foi feito através de punção venosa femoral. Após posicionamento de bainha para guiar agulha própria para punção transeptal atrial, esta é realizada sob guia de ecocardiografia trans-esofágica. Fios rígidos são posicionados no in63 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 60-68, 2017. terior do átrio esquerdo e guiam sistema de liberação de um clipe de cromo-cobalto coberto com poliéster (Mitraclip®-Abbot Vascular, Abbot Park, IL - USA). O clipe permite unir os folhetos anterior ao posterior da válvula mitral no local de origem do vazamento transmitral definido e guiado pelo Ecocardiograma trans-esofágico. O clipe é reposicionável e pode ser utilizado mais de um clipe por paciente para minimizar o grau de insuficiência mitral. ram implante transcateter de prótese Braile Innovare numero 30 (Braile Biomédica, SP- Brasil). Um paciente deste grupo recebeu implante transcateter de prótese Sapien XT numero 29 (Edwards Lifesciences, CA – USA). Não houve regurgitação mitral residual neste grupo e o maior gradiente trans-mitral médio foi de 7mmHg. Houve um óbito no seguimento pós-operatório deste grupo por bloqueio átrio-ventricular total antes da alta hospitalar. Um homem de 78 anos recebeu dois oclusores vasculares de 4mm cada (Amplatzer Vascular Plug III, St. Jude Medical, MN – USA) por acesso trans-apical para tratamento de regurgitação pára-protética de prótese mitral metálica. Após o implante, houve resolução completa da regurgitação pára-protética. Não houve óbito hospitalar. Cinco pacientes (80% mulheres) de idade média 87,8 (+/5,4) foram submetidas `a plastia mitral transcateter utilizando sistema Mitraclip® (Abbot Vascular, Abbot Park, IL - USA) por acesso trans-femoral. A maioria RESULTADOS No total, doze pacientes (58% mulheres) de idade média 77 (+/- 11) anos foram abordados por intervenção trans-cateter sobre o plano valvar mitral no período do estudo (06/2014 a 07/2016). Houve um óbito hospitalar nesta série de casos (8,3%). Cinco pacientes (60% homens) de idade média 66 (+/5,3) anos possuíam estenose (40%) ou insuficiência (60%) de prótese mitral biológica. Quatro dos cinco pacientes recebe64 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 60-68, 2017. das intervenções (80%) foram feitas para tratamento de grave insuficiência mitral por doença degenerativa mixomatosa primária. Um paciente (20%) foi tratado por grave insuficiência mitral funcional (secundária). Todos apresentavam congestão pulmonar refratária e contra-indicação ao tratamento cirúrgico convencional. Em todos os pacientes se conseguiu reduzir o grau de insuficiência mitral para inferior a 2+/4+. Em quatro dos cinco pacientes foi utilizado apenas um clipe. Um paciente recebeu dois clipes. Nenhum paciente apresentou gradiente médio trans-mitral superior a 3 mmHg após o procedimento. Todos os pacientes deste grupo tiveram alta hospitalar. Uma paciente de 79 anos foi submetida ao implante transcateter de prótese balão expansível sobre a válvula mitral nativa que apresentava-se com grave estenose além de grave calcificação anular. Foi utilizada prótese Sapien XT (Edwards Lifesciences, CA – USA) com acesso trans-apical. Houve regurgitação pára-protética residual moderada e gradiente trans-mitral médio residual de 2mmHg. Essa paciente ainda permanece internada durante a confecção deste manuscrito, duas semanas após a intervenção. Teve alta da terapia intensiva. DISCUSSÃO As intervenções transcateter de cardiopatias estruturais são uma realidade para diversas doenças que comprometem a válvula aórtica, válvula pulmonar, septo inter-atrial e inter-ventricular, dentre outras. No caso das doenças orovalvares, o tratamento transcateter é um procedimento novo no qual uma prótese é inserida via cateter e implantada dentro da valva lesionada. Inicialmente, para a estenose da válvula aórtica, por exemplo, apenas pacientes com contra-indicação absoluta `a cirurgia convencional eram potenciais candidatos. Atualmente, pacientes de risco elevado ou intermediário podem ser tratados com esta tecnologia baseados em estudos randomizados recentes que testaram a abordagem cirúrgi65 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 60-68, 2017. ca convencional com a abordagem transcateter. Essas observações nos fazem refletir sobre o impacto de novas tecnologias sobre a prática médica. Como qualquer tratamento que implica em redução significante da mortalidade em pacientes outrora relegados ao sabor das vicissitudes impostas por uma doença cujo tratamento clínico inexiste ou é indubitavelmente ineficaz, induz a expectativa de que ela poderá ser aplicável a pacientes fora do perfil de altíssimo risco cirúrgico, que tem configurado a aplicação do tratamento transcateter para pacientes com estenose da válvula aortica nos dias atuais. Tal observação ainda não é contemporânea para a abordagem transcateter das doenças do plano valvar mitral. Sobretudo nas afecções primárias degenerativas, em que a cirurgia, em geral, é de baixo risco e de grande resolutividade enquanto a tecnologia disponível para a intervenção transcateter ainda está em fases iniciais de desenvolvimento. Nesse cenário, avaliar o paciente sem condições de ser submetido `a cirurgia conven- cional e que possa se beneficiar de uma intervenção transcateter sobre o plano valvar mitral (muitas vezes “off label”) torna-se fundamental para a geração de VALOR ao cuidado e ao Sistema de Saúde. A tomada de decisão compartilhada permite que diferentes especialistas possam centrar no paciente o cuidado proposto, isentando `as decisões de conflitos individuais. E considerando que a tecnologia da abordagem transcateter para doenças orovalvares encontra-se em franco aprimoramento, tanto da prótese em si, quanto dos cateteres-guia e experiência dos profissionais envolvidos com o implante, torna-se evidente que as Instituições que atuam na alta complexidade cardiovascular deverão estar preparadas para a aplicação cada vez mais freqüente dessas técnicas. Para tanto, pessoas organizadas em times de alta performance doença-específica, processos de qualidade e segurança bem estabelecidos e estrutura adequada para diagnóstico e realização das intervenções, como a sala de cirurgia híbrida, definirão o tripé assistencial do arcabouço infra66 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 60-68, 2017. -estrutural de um centro cardiológico de complexidade quaternária que poderá ajudar na reestruturação da rede de cuidados em cardiologia de sistemas de saúde (público ou privados) comprometidos com a geração de VALOR ao cuidado de pacientes em geral e de pacientes ultracomplexos, em particular. Dentro desse contexto, é importante realçar que, do ponto de vista estratégico, o time cardíaco doença-específica que lida com a doença orovalvar implica na atuação de uma equipe composta por cardiologistas clínicos, cardiologistas intervencionistas, cirurgiões cardíacos, radiologistas e ecocardiografistas, que pode ser estendido a geriatras, fisioterapeutas, enfermeiros, nutricionistas, cirurgiões vasculares, que analisam todos os passos do procedimento, desde a indicação da intervenção, se transcateter ou cirúrgica, o inventário vascular para definir a melhor via de acesso e o tipo e o tamanho de bioprótese (ou dispositivos) a ser implantada, dentre outros. A perfeita coordenação do time é essencial para minimizar os riscos implicados ao acesso vascu- lar (sangramento, formação de pseudoaneurismas, isquemia e trombose vascular, etc) e ao implante em si (bloqueio atrioventricular, bloqueio fascicular, insuficiência trans e pára-protética, migração da prótese, etc). Do ponto de vista executivo, entretanto, nada impede que se caminhe para um modelo de profissional híbrido, com habilidades cirúrgicas e de manipulação de cateteres que possa estar treinado para atuar num ambiente de cirurgia híbrida com integração de imagens. CONCLUSÃO Em um momentoem que se discute profundamente a sustentabilidade dos Sistemas de Saúde, em que assistimos mudanças profundas nos hábitos e costumes humanos e o cuidado com os pacientes tem também se alterado, minimizando danos e desperdícios e maximizando-se os benefícios associados com o tratamento e a experiência do paciente (geração de VALOR), o tratamento transcateter das doenças orovalvares, realizado em centros cardiológicos de com67 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 60-68, 2017. plexidade quaternária, serve de modelo para realçar a importância de um conjunto de ferramentas que compreendem mas não se limitam a um time integrado e harmônico envolvido com a to- mada de decisão na ultracomplexidade, processos de qualidade e segurança bem definidos e infra-estrutura para diagnóstico e intervenção. 68 TELEMEDICINA E AS PERSPECTIVAS DE UMA REALIDADE PRÓXIMA EM EDUCAÇÃO, ASSISTÊNCIA E PESQUISA Chao Lung Wen Professor Livre Docente pela Faculdade de Medicina da USP Professor Associado e Chefe da Disciplina de Telemedicina do Departamento de Patologia da FMUSP E-mail:[email protected] Com a rápida evolução e popularização de acesso às modernas tecnologias interativas móveis, é cada vez mais difícil definir ou delimitar os campos de ação da Telemedicina e suas fronteiras com os serviços providos pelos outros termos utilizados atualmente, tais como e-Health, Telehealth, Telecare, mobile Health e entre outros. Mesmo com definição reescrita diversas vezes (na OMS, nas diversas entidades médicas e em literaturas científicas) desde a Declaração de Tel Aviv sobre responsabilidades e normas éticas na utilização da Telemedicina, adotada pela 51ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial (Tel Aviv, Israel, outubro de 1999), a essência conceitual da Telemedicina está mantida. Pode-se enten- de-la como sendo o provimento de serviços profissionais de saúde usando recursos tecnológicos de telecomunicação, interatividade e informática para fins de assistência, educação e pesquisa. Embora, há algum tempo, haja a discussão se a Telemedicina seria uma ferramenta ou um serviço em si mesma, sem um consenso até o momento, pode-se dizer que a Telemedicina pode ser ambas dependendo do referencial e contexto. Como analogia, podemos comparar a Telemedicina ao termo voo. O voo, apesar de ser uma palavra pequena, é uma expressão que está associada com a noção de transporte rápido e seguro de um lugar a outro. Para que ele seja viável, o voo necessita de uma cadeia de serviços conca69 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 69-79, 2017. tenados e integrados. Além do avião (ferramenta) e da tripulação (serviço), ele é dependente de uma série serviços tais como infraestrutura de aeroporto para embarque e desembarque de passageiros, protocolos técnicos de checagem das aeronaves antes dos voos, pistas para decolagem e aterrissagem, torres de controle, salas de espera, serviços de despacho e restituição de bagagens, caminhões-tanque, equipes de limpeza, brigadas de combate a incêndios, sistema de radar de solo para controle do tráfego aéreo, sistemas de venda de passagens e check-ins, seguros de vida, entre outros. Todo este conjunto de serviços estão interligados entre si e formam um complexo sistema que como resultante proveem um serviço seguro de transporte aéreo rápido, sinteticamente expressa pela palavra voo. O mesmo acontece com a expressão Telemedicina. Ela não é a simples disponibilização de conectividade e equipamentos para realizar interação entre unidades de saúde. A Telemedicina, em fato, é muito mais complexa, e pode ser entendida como a iden- tificação, seleção e organização de atividades que são integradas com infraestruturas e recursos digitais, a fim de prover serviços mais ágeis que os métodos convencionais, aumentar a efetividade e criar novos serviços antes inexistentes, por meio da adoção de novas sistemáticas e regulamentações de trabalhos. Assim, a moderna Telemedicina está associada com o princípio de formação de rede, em escala regional ou nacional, para fins de criação de estratégias e logísticas de provimentos de serviços de saúde. A Telemedicina pode atuar em 3 campos: 1. Educação Interativa, que permite aplicar os recursos digitais e interativos com o objetivo de aumentar a aprendizagem ou difundir amplamente conhecimentos para fins de atualização profissional. 2. Assistencial que pode gerar serviços em Teleassistência (especializadas ou multiprofissionais), Telediagnóstico, Telemonitoragem, Teleprocedimentos, Teleurgência/ Telemergên70 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 69-79, 2017. cia, Televigilância epidemiológica, entre outros. de doenças, redução de riscos e agravos para doenças crônicas, estímulo à saúde nas escolas e comunidades (com organização de espaços culturais em saúde), organização de ações de screening de doenças em diversos locais como salões de beleza, academias de ginástica, farmácias e perfumarias, aeroportos, portos, estações rodoviárias e ferroviárias, entre outros. A popularização e aumento dos recursos dos Smartphones, da conectividade 3G/4G e dos futuros dispositivos como relógios inteligentes, óculos holográficos, roupas inteligentes com sensores, sistema de controle dispensa de medicamentos, dispositivos móveis de 3. Pesquisa Multicêntrica, aplicada na formação de uma rede de instituições com finalidade criar a Teleciência Multicêntrica com propósito agilizar e aumentar a quantidade de pesquisas em rede. No campo assistencial, podemos dividir a Telemedicina em 3 áreas de atuação. São elas: • e-Care: é a área focada em Promoção e Gestão da Saúde. Envolveria serviços como a promoção de qualidade de vida e mudança de hábitos, prevenção 71 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 69-79, 2017. exames laboratoriais (baseado em Biochips), dispositivos para diagnósticos por imagem e cardiológicos (ECG) etc, favorecerão o surgimento de um novo conjunto de serviços que poderemos chamar de “cuidados e acompanhamentos pessoais de saúde”. Estes serviços além de poderem ser personalizados para pessoas ou grupos de pessoas, seriam de amplo acesso pela população em decorrência da redução de preços da tecnologia, e seriam a base para a saúde móvel pessoal. A gradativa incorporação de dispositivos interativos em domicílios tais como uso de Smart TV e videogames integrados à internet por TV a cabo e linhas telefônicas também favorecerão a consolidação do eCare e Telehomecare. • Teleassistência: o constante aumento de utilização de tecnologias interativas para provimento e gestão de serviços de saúde, de apoio ao diagnóstico, de monitoramento e suporte a decisão possibilitará rapidamente a formação de rede de instituições para fornecimento de serviços para uma região ou em nível nacional. Neste campo a Telemedicina poderá disponibilizar diversos tipos de serviços que seriam inviáveis ou custosos se fossem por métodos convencionais, como atendimento multiprofissional multicêntrica para o sistema de saúde; central unificado de telediagnóstico; 2ª opinião especializada a distância; central de Teleemergência e Teleurgência, Telemonitoramento e Teleprocedimentos. Todos os serviços assistenciais poderiam estar estruturados e disponibilizados num central de serviços (Nuvem da Saúde). • TeleHomecare: teria como foco o provimento de serviços de qualidade no domicílio dos pacientes. Em poucos anos, com a expansão da infraestrutura de conectividade à internet proporcionadas pelas TVs a Cabo e telefones fixos e comunicação móvel (3G/4G), associado ao surgimento de novos dispositivos de monitoramento ou de suporte ao diagnóstico, existirá a perspectiva de crescimento da Telehomecare e dela fazer parte de estratégias de saúde. Além de reduzir perdas com gastos desnecessários, esta modalidade assistencial promoverá maior humanização, au72 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 69-79, 2017. mentará rapidamente a capacidade assistencial de uma cidade e reduzirá riscos aos pacientes, como a infecção hospitalar. Entre os exemplos de situações que podem se beneficiar com este tipo de serviços podemos citar pacientes com doenças que necessitam de longo período de recuperação (exemplos: lesões crônicas, recuperação pós AVC, etc), cuidado a pessoas idosas, pessoas com deficiências física, cuidados paliativos, cuidados a pessoas com câncer e em tratamento, desospitalização etc. Porém, para que os serviços no campo assistencial da Telemedicina possam ser efeti- vamente implementados, além dos recursos tecnológicos, se faz necessária a organização de diversas ações concomitantes, tais como: • Estruturação e padronização de métodos de propedêuticas para Telemedicina (telepropedêutica), de acordo com situações e especialidades. •Estruturação, organização e realização de cursos de formação profissional para prestação de serviços por Telemedicina, com definição de protocolos de certificação de competência profissional. • Homologação de soluções 73 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 69-79, 2017. tecnológicas mínimas para provimento de serviços. •Consolidação dos aspectos éticos e jurídicos para regulamentação dos serviços profissionais. •Sistematização dos aspectos de responsabilidade cível, trabalhista e de remuneração profissional. •Organização de sistemática de auditoria para acompanhamento e monitoramento da qualidade dos serviços prestados. • Criação de protocolos seguros de armazenamento de dados digitais, validação, intercambiabilidade de dados, recuperação e auditoria. •Definição de estratégias de contingência para situações de falhas (telecomunicação, energia, equipamentos). •Estruturação de sistemática de administração e definição de perfis profissionais em tecnologia e apoio, com suas respectivas competências, para exercício de atividades de Telemedicina. TELEMEDICINA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO No campo da educação, a Telemedicina tem como enfoque os Recursos Educacionais Inte- 74 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 69-79, 2017. rativos. Para fins de graduação médica, os modernos recursos possibilitam implementar um modelo de Educação Híbrida, integrando a educação formal presencial com a educação apoiada em tecnologia. No momento em que o país tem autorizado a criação de dezenas novas faculdades de medicina, a telemedicina pode ser uma importante aliada. Por meio dela é possível formar uma rede de faculdades que seriam conectadas entre si e a um Portal Digital com diversos conteúdos educacionais (Nuvem do Conhecimento). Os investimentos desta iniciativa seriam modestos quando comparados aos benefícios. Seriam basicamente a criação de Laboratórios de Inovação em Educação (Inovalab) nas instituições, espaços com tamanho médio de 24 de 40 metros quadrados, que funcionariam como centros de conexão com capacidade para conectarem-se remotamente a infraestruturas laboratoriais e de assistência de centros de excelência/referência. Além de recursos de videoconferência, impressoras 3D, laboratório de informática, os Inovalabs es- tariam conectados a Nuvem do Conhecimento para acesso conteúdos como acervo de lâminas escaneadas de Patologia, Histologia, Microbiologia e de Laboratório Clínico; banco de imagens Radiológicas e Ultrassonográficas; biblioteca do Homem Virtual; etc, funcionariam como uma sala de aula interativa para atividades presenciais e contaria com plataforma educacional para transmissões online por internet e sistema para votação das dúvidas mais comuns. Os Inovalabs poderiam reduzir a deficiência de infraestrutura educacional que existe no Brasil, que é um dos obstáculos para formar de milhares de futuros novos médicos com qualidade. Além dos conteúdos científicos, amplo uso de recursos tecnológicos (smartphones e tablets) e da adoção de novos métodos educacionais, para que os projetos de educação híbrida gerem bons resultados, é necessário criar novos formatos de conteúdos digitais. O projeto Homem Virtual, considerado como Objetos Educacionais de Aprendizagem, foi iniciado em 75 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 69-79, 2017. 2003 e é mantido pela Disciplina de Telemedicina do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP. Contanto com um acervo de mais de 450 sequências que explicam mais de 300 temas de forma dinâmica, clara e rápida, usando recursos de comunicação visual, as estruturas digitais do Homem Virtual podem também ser convertidas e “materializadas” por impressoras 3D. Assim, além da visualização na tela de um computador ou tablet, é possível produzir estruturas físicas do corpo humano em tamanho real, reduzido ou aumentado; ou estruturas histológicas e moleculares, com detalhes científicos. O barateamento das impressoras 3D e dos seus materiais de consumo, associado à melhora de sua qualidade, abre a possibilidade de se distribuir materiais educacionais de alta qualidade por internet. Os arquivos digitais das estruturas do corpo humano do Homem Virtual podem ser disponibilizados na Nuvem do Conhecimento, de forma que universidades ou instituições que possuírem impressoras 3D possam fazer download e produ- zirem as estruturas em nível local. Este recurso educacional, poderá aumentar a aprendizagem dos alunos, mesmo nas instituições que possuem corpo humano para estudo de anatomia. Pelo fato das estruturas serem produzidas em materiais como plástico, gesso ou resinas, elas aumentam o período dos alunos para estudo de anatomia, pois podem ser utilizadas fora dos laboratórios de anatomia, em locais como bibliotecas, em casa, ambulatórios e hospitais, para fins de revisão de anatomia durante a propedêutica clínica, além de facilitar o entendimento da correlação entre anatomia com os métodos de diagnóstico por imagem, como RX, Tomografia, Ressonância, Ultrassonografia. Além de uso para produções de vídeos que mostram a fisiologia/fisiopatologia e mecanismos de ação por computação gráfica 3D, com a recente inauguração do Centro de Autópsia Virtual da FMUSP (aparelho de Ressonância 7 Tesla), o Projeto Homem Virtual começou a também reconstruir estruturas 3D de órgãos doentes a partir das imagens de ressonância magnética e a utilizar 76 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 69-79, 2017. os recursos 3D para produção de próteses sob medida, baseada em imagens de tomografias, de estruturas de pacientes para estudo e planejamento antes de cirurgias complexas e, produção de guias para cirurgias e procedimentos diagnósticos minimamente invasivos. Na área profissional, as Tecnologias Educacionais Interativas da Telemedicina poderiam ser utilizadas para criar um programa de atualização profissional em serviço, sejam a nível de residência médica, pós-graduação ou em especialidades, aproveitando as tecnologias móveis para ampliar o acesso. A Telemedicina é uma evolução irreversível para a área da saúde e representa uma das alternativas para solucionar diversos problemas atuais tanto para provimento de serviços, como para garantir formação e atualização profissional de qualidade e aumento da capacidade de pesquisa em rede. Seria importante que ela fosse vista como uma prioridade estratégica pois pode reduzir diversas deficiências no sistema de saúde e melhorar a competitividade científica do país. Mesmo com as boas potencialidades para esta próxima década, a consolidação da Tele77 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 69-79, 2017. medicina no Brasil dependerá de 2009. 3. Organização das Nações Unidas para a algumas ações como: Educação, Ciência e Cultura. Declaração 1. Formação de um Centro para inovar e regulamentar a Telemedicina. 2. Adoção da Telemedicina como matéria eletiva nos cursos de graduação em medicina e como estágios obrigatórios em residência médica. 3. Criação da Nuvem da Saúde e formação de uma rede de instituições de referências com objetivo de compartilhar infraestruturas. 4. Formação de uma rede para estímulo de parcerias, empreendedorismo e sustentabilidade em Telemedicina. mundial sobre educação superior no século XXI: visão e ação. [homepage na internet]. Paris; 1988. [citado 2012 jan. 5]. Disponível em: http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo/copy_of _20020319150524/20030620161930/ 20030623111830/. 4. Freire P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática pedagógica. São Paulo: Paz e Terra; 1996. 5. Oliveira MR, Chao LW, Festa Neto C, Silveira PSP, Rivitti EA, Böhm GM. Web Site for Training Nonmedical HealthCare Workers to Identify Potentially Malignant Skin Lesions and for Teledermatology. Telemedicine Journal and e-Health, 2002; 8(3):323-332. 6. ANTUNES, C. Novas maneiras de ensinar, novas formas de aprender. p.29. Porto Alegre: Artmed, 2002. 7. STUDART, D.C.; ALMEIDA, A. M.; VALENTE, M.E. Pesquisa de Público em REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Museus: desenvolvimento e perspecti- 1. Chao LW. Telemedicina na Faculdade ção do caráter educativo dos museus de Medicina da Universidade de São Paulo. Telessaúde – um instrumento de Suporte Assistencial e Educação Permanente. Editora UFMG, 247-256, novembro 2006. 2. Chao LW. Homem Virtual. Clínica Médica – Medicina USP/ HC-FMUSP. Editora Manole. Volume (1) 988-991, vas In: Educação e Museu: a construde ciência. Ed.Access, Rio de Janeiro, 2003. 8. Sequeira E, Chao RS, Haddad Vk, Lazzarin CGZ, Chao LW. Modelo Educacional Interativo como Recurso para Orientação e Motivação sobre Saúde Oral em Idosos. Na 25ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Pesquisa 78 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 69-79, 2017. Odontológica,2008,22(suppl.1):26-33. 12. Frenk J, Chen L et al. Health pro- 9. 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Primórdios: Constituem vertentes da civilização ocidental a cultura judaico-cristã – caracterizada pela presença de grandes profetas, tradição monoteísta e lei regulando a vida -, e greco-romana – caracterizada pelo cultivo do argumento, da liberdade intelectual e da abertu- ra para o mundo. Assim, a ética é a grande criação de Israel e a curiosidade a grande criação da Grécia. No século V a.C, a Ciência começou a nascer pela Medicina quando Hipócrates de Cós refugou explicações fantásticas e relacionou causas com efeitos para diagnosticar doenças e fazer prognósticos, criando o método indutivo, que se caracteriza por observar fenômenos, agrupa-los, criar generalizações e fazer projeções. Entretanto, depois, os grandes filósofos gregos, Sócrates, Platão e Aristóteles desprezaram o método indutivo que só ressurgiu no século XVII, com Bacon e Galileu. Sócrates voltou-se para questões introspectivas e éticas, Platão dizia que a perfeição só pode ser atingida pelo intelecto, relegando observação e experimentação a um plano inferior para entender a natureza. Seu discípulo Aristóteles pode ser considerado o primeiro empirista, fez do concreto e do sensível a 80 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 80-86, 2017. base do conhecimento: a Ciência tornou-se observação, classificação e conclusão, nada de experimentação, validação matemática ou prova. As conseqüências dos eventos poderiam ser deduzidas e as conclusões eram finalísticas ou teleológicas, uma espécie de observe e explique como pensa que é. Por exemplo, para quê existem árvores? Para prover a humanidade de madeira. Para quê chove? Para molhar a grama. Afilosofia natural aristotélica ensina que a Terra é o centro do universo, com o sol girando ao seu redor, o céu é perfeito e imutável, a matéria é indivisível e transmutável, há geração espontânea de seres, idéias que, afrontadas na Idade Média, representavam perigo de morte. Triunfo do cristianismo: No século IV, Santo Agostinho incorpora a filosofia platônica à religião cristã, dando a esta um absolutismo não encontrado na doutrina original. Surge a doutrina da predestinação, segundo a qual a salvação do indivíduo depende da graça divina e não apenas de suas ações. Na prática, bons são os cristãos e maus os outros. Mais tarde, o mau uso dessas idéias irá justificar os horrores da inquisição. Contrariamente, o bispo inglês Pelágio afirmava que o homem pode salvar-se por suas boas ações, valorizando o livre-arbítrio. O pelagianismo foi declarado herético pela Igreja de Roma, mas nunca abandonado, principalmente na Inglaterra. Nota-se aí um humanismo nascente em oposição à ortodoxia católica. No século XIII, numa ação que pode ser considerada ecumênica, Alberto Magno, São Tomás de Aquino e outros pensadores cristãos incorporam o aristotelismo ao cristianismo, não sem resistência de muitos teólogos. Começa a ser aceito que filosofia natural (a ciência da época) e religião podem ser separadas e surge a Escolástica, uma maneira discursiva de justificar ou condenar acontecimentos sob a óptica da doutrina cristã. Tudo que não fosse verdade bíblica - Terra no centro do universo, homem à imagem e semelhança de Deus, criação da humanidade através de Adão e Eva, Eva criada a partir de uma costela de Adão, e outras - e não atentasse contra a Teologia “a rainha das ciências” 81 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 80-86, 2017. catolicismo propiciou o surgimento das universidades, principalmente nos séculos XII e XIII. Mas as universidades medievais não criavam conhecimento, apenas armazenavam o saber acumulado e o transmitiam. O saber era considerado uma dádiva divina e não uma conquista humana, reverenciavam-se mestres do passado, o ensino era memorizado e ditado sob a forma de versos, fábulas, aforismos, máximas; o método científico não existia. O modelo atual de universidade, capaz de produzir saber, só surgiu no século XIX, na Alemanha. Movida por fanatismo religioso e depois usada também por interesses econômicos, a Inquisição, um movimento dito para defender a fé cristã, foi inaugurada no século XIV pelo espanhol Domingos de Guzman. Representou a Inquisição por setecentos anos a maior mordaça ao pensamento livre e à ciência no mundo ocidental, queimando livros, supostos hereges e condenando dissidentes da religião católica. Até o século XIX todas as grandes obras científicas da humanidade estiveram condenadas pelo Ín- poderia ser discutido. A seguir na pirâmide das ciências medievais vinha a Geometria, essencialmente dedutiva. Experimentação não existia, ciências físicas, naturais e medicina representavam conhecimentos inferiores. Apesar disso a escolástica permitiu que idéias não perigosas fossem discutidas, o que, por um caminho próprio abriu lugar para o desenvolvimento do racionalismo francês. Nesse cenário, o espírito contemplativo tolerante dos franciscanos, principalmente ingleses - ao contrário do espírito idealístico punitivo dos dominicanos de então -, levou aqueles a serem os primeiros observadores medievais do mundo natural, até fazendo alguma experimentação, como uma maneira de glorificar a obra divina. Roger Bacon, por afirmar que ciência e religião podiam ser separadas, ficou 14 anos preso pela Inquisição. Guilherme de Occan, outro franciscano inglês, abriu caminho pioneiro para o empirismo ao afirmar que a realidade é particular e depende da experiência individual. Uniculturalismo medieval: O aristotelismo incorporado ao 82 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 80-86, 2017. dex (índice dos livros proibidos). Surgimento do mundo moderno: O primeiro grande abalo na ordem intelectual medieval veio pela invenção da imprensa que, em vez das iluminuras medievais manuscritas pelos monges copistas, permitiu que idéias fossem levadas a milhares de pessoas fora dos claustros e das universidades, não só em latim, mas cada vez mais na língua vernácula. Nos séculos XV e XVI o Renascimento e a Reforma complementaram desejos de libertação do espírito humano, permitindo que nos séculos XVI e XVII estivesse pronto o cenário para a eclosão da Revolução Científica. Esta começou por quatro homens: Copérnico, mostrando matematicamente que a Terra gira em torno do Sol e não o contrário: foi o fulcro por onde a matemática entrou na ciência. Vesálio estabelecendo por dissecções anatômicas a verdade na Medicina e refutando as afirmações de Galeno, que nunca dissecara um humano. Galileu que criou o método científico baseado em observação, experimentação, análise e conclusão e fez as primeiras experiências controladas por esse método no plano inclinado, estabelecendo leis do movimento. Fundou a ciência moderna. Harvey que aplicou pela primeira vez o método científico na Medicina e descobriu a circulação do sangue, sepultando o galenismo e inaugurando o discurso médico moderno. Iluminismo: Pouco depois, ainda no século XVII, o século do Iluminismo, John Locke confirma as idéias do também inglês Francis Bacon de que as conclusões sobre os fenômenos naturais observados devem ser assentadas em fatos e não em intenções ou ideologias apontando propósitos ou metas. Mais: segundo a teoria das idéias de Locke, o aprendizado entra pelos sentidos e é elaborado na mente, não havendo idéias pré-formadas nela, o que elegeu observação e experimentação como os únicos caminhos a serem seguidos em ciência. Experiências passaram a ser representações da verdade, com mais credibilidade que afirmações filosóficas ou religiosas, estas subjetivas. Idéias de John Locke e de Voltaire fomentaram a Revolução 83 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 80-86, 2017. Francesa e a Revolução Americana. Nesse contexto libertário, a Revolução Científica caracterizou-se por uma abordagem completamente nova do mundo: observar fatos, expressá-los matematicamente, interrelacioná-los, torná-los previsíveis. Verdades fatuais passaram a ter mais força que política e religião; a sociedade passou a ser autocomandada, independentemente de um poder central arbitrário, negando-se o direito divino dos reis. Assim, as origens da ciência são as mesmas que as da democracia. Sistema latino e anglo-saxão de pensamento: A sequência dos fatos acima mostra uma dicotomia de sistemas de pensamento. Numa linha praticamente direta, o sistema latino de pensamento desenvolveu-se a partir da ortodoxia judaico cristã, passando pelo platonismo, aristotelismo, agostinianismo, escolasticimo, inquisitorialismo, racionalismo. Como consequência, passou a enfatizar idéias através de idealismo, teleologismo, absolutismo, retórica, regrismo, lógica, todas ótimas para filosofia mas impróprias para ciência, en- quanto que o sistema anglo-saxão de pensamento começa em Pelágio e passa por Guilherme de Occan, Francis Bacon, John Locke, empirismo, democracia, liberalismo. Este sistema de pensamento consagra que o fato vale por si mesmo e precede a explicação; que a ciência, pelo método científico, é o caminho para encontrar a verdade fatual; que ciência subjugada provém do preconceito e do totalitarismo. Sem quantificação os problemas se tornam abstratos, principistas e apriorísticos, sem análise inexiste hierarquia de saber num campo específico, o debate escolástico com cartas marcadas torna-se um estilo retórico representando uma maneira precisa de dizer coisas vagas, ou seja, é necessário exame concreto da realidade verificável. Completa-se, assim, a abordagem que prioriza o fato em relação ao discurso: é o pragmatismo, base da Revolução Científica. O domínio da Ciência passou a ser o domínio do mundo material, construtor de riquezas e de liderança internacional, que começou pela Inglaterra, passou para os Estados Unidos e hoje espalha-se pe84 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 80-86, 2017. los países mais ricos do planeta. Quem não entende essa realidade fica para trás. Algumas conquistas da ciência: Se considerarmos a Medicina, esta começou a tornar-se científica no século XIX, tendo sido seus pontos altos as experimentações fisiológicas de Claude Bernard, a introdução da anestesia farmacológica por Morton, a percepção por parte de Semmelweis e Lister de que infecções transmitiam por contato, a descoberta dos micróbios por Pasteur e dos raios X por Röntgen. Infelizmente, enquanto se davam esses e outros avanços a medicina no Brasil continuava extremamente rudimentar. Vejase que a justificativa para abrir a primeira Faculdade de Medicina no Brasil no início do século XIX foi “coibir o tratamento das gentes pelo curativo de pessoas falhas na arte de sangrar e medicar. Essas providências têm se revestido da maior desordem e última ruína dos povos”. Fundada em 1636, a Universidade de Harvard, onde sempre circularam idéias, tem suplantado todas as quinhentos anos mais antigas. No início do século XIX o governo português proibia o funcionamento de tipografias no Brasil, por receio da possível circulação de idéias. A primeira Faculdade de Medicina, precaríssima, onde não se pagavam os professores, só foi fundada em 1808, por decreto real de D. João VI. Ausência de apoio à ciência e à cultura tem sido constante na história do nosso país, a ponto de gênios como Bartolomeu de Gusmão, Santos Dumont, Cesar Lattes e grande quantidade de talentos só terem desenvolvido seus trabalhos no exterior. Gênios como Carlos Chagas e Roberto Landell de Moura se tivessem vivido em países apoiadores da cultura certamente teriam recebido o Prêmio Nobel. O fato alvissareiro é que, apesar de tardia, começa tímida recuperação desse triste quadro. Porém, mesmo que, num cenário otimista, mantenha paralelismo de crescimento, ainda assim a ciência brasileira estará defasada em relação a países onde a prioridade tem sido o prestígio da inteligência. Triste realidade: Oriundo do país mais periférico da Europa, onde não chegaram Renas85 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 80-86, 2017. cimento, Reforma, Revolução Científica, onde a Inquisição foi soberana, e onde o colonizador não pensava em radicar-se, mas em enriquecer rapidamente e voltar para o reino, o Brasil esteve condenado desde o início a uma cultura apenas de sobrevivência. Como consequência, um cientista brasileiro (algumas gloriosas mutações) para aparecer em nível internacional sempre teve que vencer barreiras inimagináveis em países onde a ciência é valorizada, um herói que necessitava abrir seu caminho, custear seu trabalho, não obter reconhecimento e publicar no exterior para ser notado. Dois exemplos são tristes e elucidativos. Poderá ser dito que ocorreram há muito tempo mas a verdade é que o passado costuma moldar o presente e as manchas da história não se apagam tão facilmente na conduta dos povos. O mais conhecido é o exemplo de Carlos Chagas que descobriu o quadro clínico de uma doença a atingir milhões de pessoas nas Américas, o agente causador, o agente transmissor e o hospedeiro, ou seja, o ciclo completo da tripanozomíase. Num país reconhecido teria facilmente ganhado o Prêmio Nobel. Nem na sua terra recebeu apoio, sendo alvo de críticas infundadas e demorou a ser reconhecido. Exemplo menos conhecido mas não menos lamentável é o do padre Roberto Landell de Moura, gaúcho que inventou o rádio antes de Marconi. Desta forma o presidente Rodrigues Alves recebeu a notícia: “Excelência, o tal padre é positivamente maluco. Imagine que ele falou-me até em conversar com outros mundos!” Com essas palavras um assistente presidencial definiu em 1905 um homem que se dizia capaz de estabelecer comunicação com quaisquer pontos da Terra, até comunicações interplanetárias. Seu laboratório foi destruído por fanáticos acusando-o de herege e dizendo ter o padre pacto com o diabo. Nenhuma diferença entre o que acontece hoje com o MST - apoiado pela mentalidade do até há pouco partido oficial do governo -, destruindo laboratórios de pesquisa científica. 86 O CELEUMA DOS MÉDICOS CUBANOS Acadêmicos: Omar da Rosa Santos José Carlos do Valle Celso Ferreira Ramos Filho • Certamente, agressões, vaias e greves não cabem na conjuntura. • Nem se questiona, por ora, a competência técnica dos médicos cubanos (MC) • Tampouco cabe praticar xenofobia pois a Medicina, por natureza da Profissão, é para ser praticada em qualquer país. Aliás, sempre foram acolhidos no Brasil médicos provenientes de outros países que aqui se graduaram ou foram reconhecidos na conformidade da lei. • Contudo, clamam, a Sociedade e as Instituições Médicas Nacionais,pela clareza dos termos do convênio firmado, que labora em erros fundamentais, senão vejamos: 1) Incluir um número inusitado de MC que não podem trazer as famílias que per- manecem reféns na ilha exportadora: 2) Deixar de submetê-los às regras de validação do diploma sob alegação, paradoxal, de que atuarão apenas em Programas de Atenção à Família (PAF), estabelecendo redução intolerável da Profissão hipocrática; 3) Ameaçar, com mal disfarçado ressentimento, a repatriação no caso de tentativa de escapar dos termos exorbitantes, gravando notória insensatez; 4) Mudar, a cada novo questionamento, o anúncio das cláusulas contratuais, numa polifonia que agride o intelecto mediano; 5) Pagar polpudas Bolsas ao Governo exportador, pior, através das OPAS (que rece87 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 87-90, 2017. berá 5% pelo serviço), destinando ao MC tão só pequena parcela, com isto agredindo numerosos princípios da relação de trabalho, e preceitos de ordem legal; 6) Submeter os MC a restrições de ações, e de liberdade humana, que descaracterizam as prerrogativas da independência na prática profissional [ ao mesmo tempo retirando dos médicos brasileiros (MB) o apanágio da perpetração de atos peculiares à mediana]; 7) Destinar MC a lugares sem o aparelho dos meios civilizados (transporte, estradas, comércio, atividade agrícolas e produtivas, agências bancárias, até correios...) com falsas informações; 8) Aceitar que Prefeituras locais procedam a demissão de MB já estabelecidos, para substituição por MC, com refalsados argumentos de economia financeira, soa repugnante; expõem confusão primitiva dos formuladores do atabalhoado Convênio neste Programa Institucional Fabuloso (PIF). Vale, mais, considerar que: a) Propalar oportunidades de atualização e estudo, sob supervisão (qual?); b) Sugerir, ou dizer, que os bolsões de subdesenvolvimento são determinados nas negativas de MB de ali se fixarem; c) Alegar que os MB (que, como todos os médicos, sempre ofereceram serviços desinteressados), sejam mercantilistas cobiçosos; d) Reduzir os problemas na atenção à saúde, tão só aos médicos, escondendo a gritante falta de investimentos e planejamento; e) Plantar nas comunidades ingênuas e carentes, agentes sociais político-ideológicos que se valerão da credulidade da população; f) Apregoar salários (pseudo) elevados, sem qualquer garantia de carreira estruturada ou continuidade das açodadas ações; Tudo isto soa teratológica citada, além de balelas que só 88 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 87-90, 2017. g) Fazer crê à população desvalida expectativas vãs, promessas finórias e esperanças frívolas, irresponsavelmente; h) Decidir, fora de qualquer ordem (abs ordine – absurdo), estender o curso médico para os MB os obrigando a dois anos extra num “PIF-PAF” delirante; i) Obrigar com tanto, o MB a estender sua formação (Curso + Estágio de 2 anos + Residência/Especialização + Mestrado + Doutorado....) de modo a só alcançar a plena capacitação bem acima dos trinta anos de idade (na média); j) Criar o alvoroço do convívio de médicos brasileiros e (meio) médicos cubanos; k) Verificar que há governantes que permanecem mudos diante do despautério, preservando conveniências;] l) Vislumbrar a “coisificação” das futuras gerações de MB, submetidos a regime de quase-corvéia ( a instituição medieval que obrigava cidadãos a prestar serviços gra- tuitos aos Senhores – agora ao Estado); m) “Esquecer” que MC são pessoas humanas, e não quase-servos, que poderão desvencilhar-se do engano recorrendo a guarida em legações de outros países, com isso vindo a submeter nosso machucado Órgão de Relações Internacionais, a enigmas vexatórios. Tudo isso, talvez mais extravagâncias não enumeradas, cabem justamente nas mais de trinta denotações dicionarizadas do vocábulo latino skandallum, para desvendar que o dito projeto do Governo constitui um escândalo! A arrogância dos proponentes desta pretensa e malsinada solução para os problemas da área de saúde, levando em conta a crença simplória alardeada, que merece respeito e também resposta, atinge o patamar da cega soberba, quando negam-se a ouvir o parecer e o aviso das Instituições Médicas Nacionais e o conselho das Sociedades Sábias, que vêm guiando a Medicina Brasileira bicentenáriamente. 89 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 87-90, 2017. A Academia vem cumprir sua obrigação, que exala do Artigo 1º do seu Estatuto, ficando ao concerto das necessidades (insofismáveis) da Nação – Ela não requer consideração – (esta depende do que tenha podido angariar das suas contribuições) – Os médicos estrangeiros sempre foram, são, e serão benvindos, segundo o fluxo natural. Esta mesma Academia foi fundada (1829) por 5 médicos, sendo 3 deles estrangeiros, devidamente autorizados.- O que ela espera e exige do Governo, para a população, para os MB e para os MC é respeito. 90 ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA A PROPÓSITO DOS MÉDICOS CUBANOS RELATÓRIO Acadêmico Omar da Rosa Santos Acadêmico José Carlos do Valle Acadêmico Karlos Celso de Mesquita conizada. Bastam! Óbvio que a falta de médicos em muitos rincões não difere da carência, v.g. de engenheiros, professores, advogados, bancários, economistas, administradores, comerciantes, industriais, etc. – Decorre da diversidade das condições do desenvolvimento social em tais localidades, muitas vezes deplorável, faltando recursos e iniciativas de todas as ordens. Certamente não será a designação de um médico a pedra-de-toque no conserto do descalabro. – É de indagar: será, por acaso, de esperar que um patriota munido de uma carabina, seja capaz de, heroicamente, enfrentar e vencer um exército poderoso? – Demais, as degradadas situações de saúde em vastas regiões, v.g. do Nordeste, serão, acaso, resolvidas com a fixação de alguns médicos, enquanto os lençoes Skandãlum (lat) admite as acepções: obstáculos, cilada, ruído, perda, tropeço, armadilha, e, mais recentemente: alvoroço, rumor, indignação, tumulto. – Basta esta consideração, de natureza conotativa, para reconhecer o que entranha, e o que decorrerá, diante do anuncio açodado, partido do Governo, da incorporação de seis mil médicos provenientes de Cuba. Claro, logo salta a razão, de certo desusada e singular, da procedência. Porque de Cuba e não de centenas de outros países? – Depois, porque médicos e não numerosas outras categorias de práticos e de oficiais de outras profissões? Certo é que o Brasil conta perto de 2 médicos por 1000 habitantes, cifra maior que a pre91 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 91-94, 2017. Ainda, hão de ser 6000 a solução aritmética? – Acaso serão tais médicos detentores de conhecimentos, habilidades e experiência desejáveis (quando se sabe que a maior parte provinda da mesma fonte tem alcançado maus resultados em exames prévios)? – Ou o que move a iniciativa inditada é a indisfarçável intenção perversa de intimidar os nacionais, amputar-lhes os rendimentos já aviltados e sufocar-lhes a capacidade de reclamar os amordaçando nas manifestações justas, forçando as greves indesejáveis, motivo de sucessivas degradeções cozidas nas saturnais da inconsequência? (perdas, alvoroço, indignação, tumulto]. É o que transparece no apregoar remunerações diferenciadas, dedignificante no ultraje às miríades de médicos nacionais [ciladas, artimanhas e decorrentes indignação e tumulto]. freáticos permanecem virgens de perfurações que ofereceriam água para as populações humanas de animais e da vegetação? – Ora! Custa crer que aos árbitros governantes falte tamanha obviedade da percepção [obstáculos, tropeços]. Então virá o argumento pacóvio de que para cuidar dos pobres desassistidos, ainda receberão salários elevados [ruídos, rumores, armadilhas, alvoroço... mentiras] – Bem se sabe que a maioria dos médicos não situa o salário acima do compromisso hipocrático. – Não se trata de discurso lânguido; é a realidade, história, tautológica, que o comprova à larga. Ademais, é bem sabida a prática: do salário apregoado, parte será deduzida para os descontos usuais; outra parte, separada para conveniência do governo local; a remuneração será atrasada pela tardança nos repasses; se “o partido” não reeleger o próximo prefeito bruxoleará o contrato do esculápio, além de outras abominações bem conhecidas [obstáculos, perdas, ciladas]. Cabe mais. Questionar se o fornecimento dos médicos estrangeiros oferecerá bons profissionais, ou limitar-se-á no destravancar do excesso aco92 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 91-94, 2017. lá? – Veja-se que o contingente de médicos brasileiros graduados naquele país, engloba justamente aqueles que não lograram aprovação nos exames vestibulares para as Faculdades brasileiras. [atrito, rancor, tropeços]. No passado, mesmo agora, os convênios internacionais têm angariado um número moderado de médicos de outras nacionalidades, que, ou retornam às origens, ou permanecem, casam-se, constituem família e, agregam-se no Brasil, contudo de forma natural, sem o estardalhaço ardiloso d’agora [armadilha] – A profissão médica não encontra obstáculos na migração. Esta mesma Academia Nacional de Medicina foi fundada por três estrangeiros entre os cinco instaladores! – Um brasileiro (Peter Medawar) alcançou o Nobel de Fisiologia e Medicina na Inglaterra! – Não se justifica o ato primitivo do afã de contentar à população, vazado de uma exultação leviana [rumor]. Convenhamos, não é necessário nenhum áuspice romano para reconhecer na decisão o perfil do “ovo da serpente”; para entrever o sepulcro (caiado) do contradito da incoerência, pronta para inumar as flores da profissão, tão claramente confirmadas nas palavras do grande educador Anisio Teixeira na ocasião da Reforma Universitária de 1968 – Coisa semelhante já se fez com os Professores no correr dos últimos quarenta anos. Convém não preterir a mensagem do Filósofo Educador quando verifica as duas vertentes nefandas na Educação Superior: 1) o delírio de estender a cultura; 2) ao mesmo tempo, a tenebrosa vontade de reduzi-la e enfraquecê-la. Incumbe à Academia pronunciar-se diante da confusão estabelecida. – O anúncio tonitroante, falso, encerra o quê de uma pretensa alegria, própria do homem que confirma a própria incapacidade. É preciso o máximo de misericórdia para suportá-lo. É certo que sobreviverá o arrazoado simplório, da necessidade de assistir aos 93 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 91-94, 2017. desvalidos (questão, aliás, irretocável.) – Contudo é de preceito não esquecer que “princípios gerais e grande arrogância convivem no caminho de formidáveis desgraças”. – As representações médicas e os estudantes têm, já, protestado contra o engôdo. Não há de ser a alardeada boafé suficiente para a deliberação petulante (homo loquax, homo mendax) – Nem calará a sociedade médica brasileira com respeito a tal presunção. – Afinal, calar quando se deve falar é pior até do que falar quando se deve calar. Obstáculos, ciladas, ruídos, perdas, tropeços, armadilhas, alvoroço, rumores, indignação, tumulto... constituem mais que um vanilóquio. Trata-se de um escândalo! 94 AS BELAS ADORMECIDAS* DA ELETROCARDIOGRAFIA Carlos Diniz de Araujo Franco** Mariana Franco Mitidieri*** Pedro Diniz de Araujo Franco**** **Médico do Pró-Coração – Consultoria Cardiológica da Casa Hospital Evangélico, Rio de Janeiro. RJ. ***Médica Pediatra e Neonatologista, certificada pela Sociedade Brasileira de Pediatria. ***Professor Emérito da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, UNI-RIO. Professor Consultor da Clínica Médica C da EMC da UNI-RIO. Emérito Acad. Brasileira de Médicos Escritores. INTRODUÇÃO É uso atual falar no eletrocardiograma de doze derivações, como se o importante exame apresentasse apenas estas derivações. Até porque nem sempre quem realiza o traçado, está apto a dar os devidos diagnósticos eletrocardiográficos e só executa as doze derivações de rotina. Se o eletrocardiograma foi inventado pelo javanês (Java era à época possessão holandesa, daí o equívoco em relação ao nascimento do autor) Willen Einthoven, em 1901, só depois deste importante personagem da Medicina receber o Prêmio Nobel de Medicina, 1924, o eletrocardiograma, ganhou, pela criação da Central Terminal de Wilson, as derivações unipolares dos membros, VR, VL e VF, aumentadas conforme as modificações feitas na Central Terminal por Goldberger, ainda que estas contrariassem a 2º Lei Kirchoff, na qual Wilson havia se baseado. Nesta época ficamos então com aVR, aVL e aVF, representando as derivações unipolares do plano *A bela adormecida. Clássico conto de fadas, utilizado, entre outros autores, por Charles Perrault (1697) e pelos Irmãos Grimm (1812). 95 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 95-103, 2017. frontal, para, em seguida, serem utilizadas as unipolares do plano horizontal, representadas por V1 a V6. Na atualidade é necessário pensar sempre nas derivações adormecidas, que detalharemos a seguir. Abordaremos então as derivações a quem devemos recorrer, quando um eletrocardiograma nas derivações clássicas dDemonstra a necessidade de optar por derivações não usuais e que podem permitir um diagnóstico mais completo do eletrocardiograma, além de valorizar a derivação aVR. Palavras-chave: Eletrocardiorafia, derivações especiais, aVR. INTRODUCTION Nowadays, it is commom to talk about the twelve leads electrocardiogram as if this important exam only had these leads. Mostly because the ones installing the electrodes in patients aren’t always able to read the electrocardiogram and therefore only amploy the twelve conventional leads. Electrocardiogram was invented by the Javanese, Willen Einthoven, in 1901 (Java was a dutch territory, therefore the misconception about his homeland). But it was only in 1924, after this important character was awarded the Nobel Prize in Medicine, that by the creation of Wilson’s Central Terminal the electrocardiogram got the unipolar limb leads VR, VL and VF. These were then augmented by Goldberger, who made changes in Central Terminal, even though they somehow contradicted Kirchoff’s 2nd Law, in which Wilson had based his theory on. We then had aVR, aVL and aVF in the frontal plan representing the unipolar leads and the unipolar leads in horizontal plans, represented by leads V1 to V6. Nowadays it is mandatory to always think about “the sleeping leads”, witch will be detailed further on. We will discuss the leads we must employ when the conventional ones show the need to be supplemented by unusual leads that will allow a more Keywords: eletrocardiography, special derivations, aVR 96 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 95-103, 2017. As Adormecidas nagem, a derivação aVR é de fato a mais bela adormecida das derivações, já que devidamente só foi valorizada nos últimos anos. A unipolar do membro superior direito, aVR, era feita, citada, só que sem o uso das outras onze derivações, que compõem o eletrocardiograma rotineiro com o paciente em repouso. E o eletrocardiograma, exame antigo sem ser ultrapassado, de quando em quando recebe novas formas de interpretá-los e com vantagens para a prática da Medicina. Nesta lista de novas interpretações está a derivação a aVR e um dos autores deste, o mais antigo, parece ainda ouvir o Professor Armando Ney Toledo, no Curso de Eletrovetorcardiografia da PUC-RJ, 1963, chamar a atenção sobre as vantagens de observar o traçado também através da derivação aVR. Novas interpretações das ondas do eletrocardiograma nesta derivação dão valor às revisões feitas. Percebe-se que a derivação aVR tem sido negligenciada na análise do ECG, apesar de vários estudos mostrarem a sua utilidade no diagnóstico diferencial de várias condições. No periódico Annals of Nonivasive A – Escolhemos a derivação D3 inspirada para iniciar esta revisão, como homenagem a quem inventou um sistema de investigação médica, Willen Einthoven, a Eletrocardiografia. Quando houver dúvida sobre o valos da onda Q na derivação D3, solicita-se que a paciente faça uma inspiração forçada, prenda o ar nos pulmões e repete-se a derivação D3, que vira D3 inspirada. Em seguida de forma comparativa é estudada a onda Q nestas duas derivações e se o Q persiste nas mesmas e com as características patológicas, é provável que o Q das derivações diafragmáticas, D2, D3 e AVF, demonstre zona de inativação elétrica nesta parede, também denominada parede inferior. Vale referir a menção que encontramos em Fatorusso (1), quando recomenda que a inspiração seja realizada em aVF, para estudar o QRS nesta derivação e valorizá-lo, ou não, como indicativo de necrose crônica na parede diafragmática. B – Se D3 inspirada foi citada em primeiro lugar, por home97 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 95-103, 2017. Electrocardiology foi publicado um artigo de revisão de Pérez Riera (2), que conjuntamente com outros autores da Argentina e do Canadá, reportou-se aos tópicos aqui abordados. Entre vários destaques assinalamos o infradesnivelamento de ST em DI, DII, e em V4 a V, associado a supradesnivelamento em aVR, que identifica pacientes com obstrução de três vasos. Ou do tronco da artéria coronária esquerda. Outro destaque (2) é a anotação de supradesnivelamento transitório do ST em aVR, descrito na Cardiomiopatia de Tako-Tsubo. Daskalov, 1978 (3), Pahlm, 1996 (4), Gorgles, 2001 (5) e Kirevev 2010 (6) chamavam a atenção para a utilidade de aVR. Sobre a derivação aVR a avaliação foi destacada em duas situações, a saber: I reconhecimento do supradesnivelamento de ST em aVR como um marcador de eventos adversos e doença coronariana avançada na síndrome coronariana sem supra de ST. II Algoritmo de aVR de Vereckei (7,8) para o diagnóstico diferencial das taquicardias com QRS largo. Taglieri (9) observou que pacientes com elevação de ST em aVR apresentaram risco aumentado de lesão de tronco da artéria coronária esquerda, ou de 3 vasos e maior mortalidade. O supradesnivelamento de ST em aVR foi um forte preditor de mortalidade cardiovascular em relação à depressão isolada de ST. Como conclusão, a elevação de ST em aVR está associada com lesões coronarianas de alto risco, sendo marcador de maior mortalidade hospitalar em 1 ano. O algoritmo de Vereckei, baseado somente na análise de aVR, foi mais preciso do que o de Brugada, conforme o estudo e Vereckei (7) sendo efetivo no diagnóstico diferencial entre taquicardia ventricular e taquicardia supraventricular com QRS alargado. Entretanto se fazem necessários novos estudos comparativos para definir qual algoritmo é mais acurado e eficaz. A onda P no ritmo sinusal é negativa em aVR, já que o vetor da ativação atrial se encontra no quadrante inferior esquerdo no plano frontal (0 a 75º). São situações onde encontramos onda P positiva em aVR: inversão dos eletrodos periféricos (inversão em D1, a mais comum e também em D2), dextrocardia e ritmo ec98 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 95-103, 2017. tópico atrial. A análise de aVR e de V6 são úteis no diagnóstico de troca de eletrodos. Conforme observa Bennett ET AL, as deflexões registradas em aVR e V6 são recíprocas (em polaridade), isto é, se aVR apresentar padrão RS, então V6 registrará qR. O mesmo se verifica com as ondas P e T. Assim, no ritmo sinusal, a onda P é negativa em aVR e positiva em V6. Nas inversões de eletrodos de D1 e D2, ao contrário, aVR e V6 são concordantes. No infarto inferior a depressão de ST em aVR sugere lesão da artéria circunflexa. Outras situações são citadas onde as análises em aVR poder ser úteis (apesar de não serem os principais parâmetros) como no diagnóstico diferencial entre taquicardia por reentrada nodal (TRN) e taquicardia por reentrada átrio ventricular (TRAV), a elevação do segmento ST em aVR foi preditor de TRAV, com boa acurácia. Também no diagnóstico de pericardite aguda (elevação do segmento PR em aVR), entre outras. Algoritmo de Vereckei. Análise exclusiva do QRS alargado em aVR (8) Onda R inicial em aVR sim taquicardia Ventricular Não Onda r ou q inicial com duração > 40 ms sim taquicardia Ventricular Não Incisura na fase negativa inicial do QRS sim taquicardia Ventricular Não vi / vt < 1 sim taquicardia ventricular Não Taquicardia supraventricular Obs. Vi voltagem inicial, VT voltagem terminal 99 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 95-103, 2017. Com base no cenário atual, a avaliação criteriosa de aVR se faz necessária, sendo de importante em muitas situações. Longe de ser negligenciada, aVR tem se tornado uma das derivações mais importantes na interpretação do ECG. C-V3R e V4R servem para estudarmos o VD, pois muitos enfartos diafragmáticos se estendem ao VD (15%), ou se há infarto em VD. Surawicz (10), fazendo pormenorizado levantamento, encontrou esta extensão para o VD entre 14% a 36% dos enfartos diafragmáticos, ou inferiores. Em distúrbios de condução pelo ramo direito, V3R e V4R podem ser úteis. As localizações das derivações V3R e V4R nem sempre são obedecidas, a saber, marca-se V4R na interseção da linha hemiclavicular direita com o 5º espaço intercostal direito. V3R fica na metade da linha que liga V1 a V4R. Hellens e também Morgera, mostraram (11), que a derivação V4R é a derivação mais fidedigna para estudar as alterações do VD. Tranchesi (12) destaca que o R em V4R dá imagem em espelho em V7. Nos distúr- bios de condução pelo ramo direito V3R e V4R podem também ser úteis. D- Fazer V4 alto, V5 alto e V6 alto, para ver se há comprometimento da parede alta do VE, com alterações que já se esboçaram em D1 e aVL. Estas derivações altas mantém o 4º espaço intercostal e seguem em relação às linhas verticais de V4, V5 e V6. F- Perante arritmias não só fazer o D2 longo, com muitos complexos, como também o V2 longo. Muitas vezes diagnósticos não são alcançados porque o traçado apresentou apenas três complexos de todas as derivações. G- V7, V8 e V9 podem ser usados para estudarmos a parede posterior do VE, bem como a inferior. V7- Eletro Explorador (EE) no 5º espaço intercostal E com a linha axilar posterior, V8EE no 5º espaço intercostal E na linha hemiclavicular posterior, abaixo da escápula. V9- EE na direção de V8 e na borda linha para vertebral E. H – Luna A e col. (13) chamam enfaticamente a atenção 100 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 95-103, 2017. para queda de um dogma eletrocardiográfico, tendo base em estudos onde o ECG é correlacionado à ressonância magnética cardíaca, mostrando que o R em V1 de alta voltagem, na ausência de hipertrofia ventricular direita, bloqueio do ramo direito, ou síndrome de Wolff-Parkinson Withe, representa em relação às síndromes coronarianas agudas, o infarto do miocárdio na parede lateral do VE e não o comprometimento da parede posterior, como até então pensava. H – A inversão dos eletródios se impõe em caso de dextrocardia, Franco (14) mostra que para que o eletrocardiograma possa continuar tendo validado na maioria destes pacientes, a inversão se impõe, visto que manter o eletrocardiograma convencional lhe tira interesse e mesmo propicia diagnósticos equivocados. I – N/2 e 2N também podem ser recursos, para vermos ondas diminutas (aumentado para 2N), ou excessivamente elevadas (diminuindo com N/2). Modificam a amplitude das ondas, N/2, onde 1mV = 5mm e 2N, onde 1mV = 20mm. Colocando os acidentes eletrocardiográficos pela metade, ou dobrando-os. Este aumento pode ser necessário em pacientes com marca-passos artificiais, onde as espículas são de baixa voltagem. Alguns eletrocardiógrafos permitem outras velocidades, que não a rotineira 25mm/s. O papel corre em 50, ou 100mm/s e alterando a velocidade de rotação do aparelho, a apresentação dos dados eletrocardiográficos fica alargada. Nota final. Além valorizar o traçado na derivação aVR e nas demais derivações não rotineiras, julgamos útil que o ECG seja interpretado, enquanto o paciente pode ainda ser examinado, para serem realizadas as derivações não rotineiras, que se fizerem necessárias. Nesta sumária revisão vale transcrever alguns dos comentários que o clássico Braunwald (15) apresenta sobre as realizações e diagnósticos dos eletrocardiogramas. Destaca o aparecimento de artefatos que podem comprometer os diagnósticos e dá exemplos interessantes. Outros destaques são as 101 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 95-103, 2017. recomendações para a interpretação cuidadosa dos exames e determina que em amostragem generalizada de traçados eletrocardiográficos e sob supervisão um aprendiz do método deve estudar ao menos 3500 eletrocardiogramas durante um período de 3 anos. Sobre os diagnósticos eletrocardiográficos de forma computadorizada, mostra que erros ocorrem em 16% dos diagnósticos, chegando estes equívocos, que podem ser fatais, a 50%, quando as máquinas tentam diagnosticar arritmias cardíacas. Portanto os metafóricos beijos dos interpretes dos eletrocardiogramas continuam vencendo os diagnósticos computadorizados até o momento presente. Potencial Conflito de Interesses – Declaramos não haver conflito de interesses. Fontes de Financiamentos – O presente estudo não teve fontes de financiamentos. REFERÊNCIA 1. Atlas Fatorusso d”Electrocardiographie, ET O. Ritter, V. Quatriéme Edition, Masson ET Cie, Editeurs, Paris, France, 1955,116. 2. Peres-Riera AR, Ferreira C, Ferreira Filho C, et al. Electrovectorcardiographic diagnosis of left septal fascicular block: anatomic and clinical considerations. Ann Noninvasive Electrocardiol. Jul;2011.16(3): 295-302. 3. Kireyev D, Arkhipov MV, Zador ST, Paris JA, Boden WE. Clinical utility of aVR-The neglected eletrocardiographic lead. Ann Noninvasive- Electrocardiol.2010.Apr;15(2):175-80. 4. Gorgels AP, Engelen DJ, Wellens HJ. Lead aVR, a mostly ignored but very valuable lead in clinical electrocardiography. J Am Coll Cardiol. 2001, 38(5):1355-6. 5. Pahlm US, Pahlm O, Wagner GS. The standard 11-lead ECG. Neglect of lead aVR in the classical limb lead display. J Electrocardiol. 29 Suppl 1996. 1: 270274. 6. Dasklov M. Differential diagnostic value of the aVR lead. Vutr Boles. 1978. 17(6): 76-86. 7. Verckei A, Duray G, Szénási G, Vinculação acadêmica – Não há vinculação acadêmica neste artigo de atualização. Altemose GT, Miller JM. Application of a new algorithm in the differential diagnosis of wide QRS complex tachycardia. European-Heart J. 2007. 28:589-600. 102 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3): 95-103, 2017. 8. Nogueira FL, Pimentel M, Zimerman 13. Luna AB, Roval D, Liado G, Gorgels IL. Taquicardia com QRS alargado: além A, Carreras F, Goldwasser D, Kim RJ. do diagnóstico diferencial entre taqui- The end of na electrocardiographic dog- cardia ventricular versus taquicardia su- ma: a prominent R wave in V1 is cau- praventricular com condução aberrante. sed by a lateral not posterior myocar- Ver SOCERGS, XIX, 21, 2011,1-5. dial infarction – new evidence based on 9. Taglieri N. ET al. Short and long term contrastenhance cardiac magnetic reso- prognostic significance of ST-segment nance-electrocardiogram elevation in lead aVR in patients with European HJ, 2015, 36, 959-64. non-ST-segment elevation acute coro- 14. Franco PDA, GRaça CAT, Rodrigues nary syndrome. Am J Cardiol, 2011, vol KC. Eletrocardiograma na Dextrocardia. 108,10 pp21-28. Revista da SOCERJ. 1992. Vol. V, N 2, 10. Surawicz B, Knilans TK. Chou’s 54-56. Electrocardiographic in Clinical Practice, 15. Braunwald – Tratado de Doenças sixth edition. Philadelphia. 2008, 168. Cardiovasculares, tradução da 9ª edi- 11. ção, Elsevier, São Paulo, SP, 2012, 171- O Eletrocardiograma – Enéas, Livraria Editora Enéas Dias Carneiro, correlations. 2. Rio de Janeiro, RJ, 1992, 290. 12. O Eletrocardiograma Patológico. João Normal Tranchesi. e Fundo Obs. Este trabalho reúne três gerações da mesma família. Editorial Procienx, São Paulo, São Paulo, 1962, 244. 103 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3), 2017. INSTRUÇÕES PARA OS AUTORES ________________________ Os artigos submetidos para publicação deverão ser enviados para: Acadêmico José Galvão Alves Editor-Chefe dos Anais da ANM E-mail: [email protected] Cada artigo deverá ser acompanhado de carta de submissão, assinada por todos os autores, indicando a intenção de publicálo nos Anais da Academia Nacional de Medicina. Esta carta deve informar que: a)- o artigo não foi publicado previamente e não foi submetido para publicação em outra revista, b)- que todos os autores contribuíram de forma significativa para a informação ou material submetido para publicação, c)- que os autores não possuem interesse financeiro direto ou indireto, associado com a publicação do artigo, d)- que a fonte de recursos extra-institucional, especialmente aquelas fornecidas por companhias comerciais, estão indicadas. Uma vez aceitos para publicação, os artigos passarão a ser propriedade desta revista e não poderão ser reproduzidos ou reimpressos total ou parcialmente sem a devida autorização por escrito da redação. Conflito de Interesses - Qualquer conflito de interesses, principalmente acordo financeiro com companhias cujos produtos são citados no trabalho, devem ser claramente revelados quando o trabalho for submetido para revisão. Se aceito, esta informação será publicada no artigo final. Os requisitos para autoria dos artigos e as regras gerais de preparação dos manuscritos submetidos aos Anais da ANM são de acordo com o Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals (International Committee of Medical Journal Editors. Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals. Ann Intern Med, 126: 36-47, 1997). Uma versão eletrônica destes requisitos é disponível no site: www.icmje. org. 104 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3), 2017. Revisão por Pares - Todos os manuscritos enviados aos Anais da ANM são submetidos a revisão editorial. Normalmente, cada manuscrito é submetido de forma anônima pelo Editor a 3 Revisores (pelo menos 2). Se o Editor receber revisões conflitantes, o artigo é sempre enviado a 1 ou 2 Revisores adicionais, antes da decisão final do Editor. Se for julgado necessário pelo Editor ou pelos Revisores, estudos estatísticos incluídos no manuscrito serão analisados por um estatístico. Os Anais da Academia Nacional de Medicina aceitam a submissão de artigos originais e artigos especiais (História da Medicina, p.ex.). Artigos de revisão, avaliações críticas e ordenadas da literatura em relação a temas de importância clínica, com ênfase em fatores como causas e prevenção de doenças, seu diagnóstico, tratamento e prognóstico, são, em geral, escritos, mediante convite, por profissionais de reconhecida experiência em assuntos de interesse especial para os leitores. Meta-análises estão incluídas nessa categoria. Autores não-convidados podem também submeter previamente ao conselho editorial uma proposta de artigo de revisão, com um roteiro. Os artigos deverão estar escritos em português ou inglês, de acordo com a ortografia oficial. Os trabalhos deverão ser digitados em espaço duplo, com margens de 3 cm e com tamanho de letra legível (No. 14, de preferência). Abreviaturas deverão ser evitadas, entretanto, as oficiais poderão ser utilizadas, porém a primeira menção deverá ser completa, seguida da abreviatura. Gírias e expressões pouco comuns não deverão ser usadas. Drogas deverão ser mencionadas pelo nome químico. Todos os tipos de artigos encaminhados deverão apresentar na, Folha de Rosto, o título do artigo, um título curto de até 50 letras, nome dos autores, local de realização do trabalho e até 6 palavras chave (key words). Um dos autores deve ser designado como Autor-Correspondente e deve ser fornecido o seu endereço completo para correspondência, telefone e e-mail. 105 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3), 2017. Se o trabalho for financiado por instituição de pesquisa ou comercial, o nome da instituição deve ser mencionado. TIPOS DE COLABORAÇÃO: Artigos Originais: Devem ser apresentados nesta sequência: Folha de Rosto, Resumo + Palavras-chave, Introdução, Material e Métodos, Resultados, Discussão, Conclusões, Referências, Endereço para correspondência, Tabelas e Legendas. Cada secção deve ser iniciada em uma página. As páginas devem ser numeradas de modo consecutivo. Os artigos originais devem apresentar contribuições autênticas ou abordagens novas. Os autores devem ser no máximo 6 (seis). Os artigos com mais de 6 autores devem ser acompanhados de uma carta explicitando a participação de cada autor no trabalho. Artigos de Revisão e de Atualização: Somente serão aceitos para publicação quando solicitados pelo Corpo Editorial. Artigos de Revisão representam artigos que analisam criticamente os trabalhos mais recentes e de maior importância sobre determinado tópico. Artigos de Atualização representam a experiência e o ponto de vista do autor, reconhecido através de publicações internacionais, como expert em determinado tema. Devem ter Resumo e Palavras-chave. ILUSTRAÇÕES: O número máximo será de 10 (dez) por manuscrito. Todas as figuras devem ser numeradas na ordem de aparecimento no texto. Todas as explicações devem ser apresentadas nas legendas. Figuras reproduzidas de outras fontes já publicadas devem indicar essa condição na legenda, assim como devem ser acompanhadas por uma carta de permissão do detentor dos direitos. Fotos não devem permitir a identificação do paciente; tarjas cobrindo os olhos podem não constituir proteção adequada. Caso exista a possibilidade de identificação, é obrigatória a inclusão de documento escrito fornecendo consentimento livre e esclarecido para a publicação. 106 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3), 2017. Microfotografias devem apresentar escalas internas e setas que contrastem com o fundo. As ilustrações são aceitas em cores para publicação no site. Contudo, todas as figuras serão vertidas para tons de cinza na versão impressa. Caso os autores julguem essencial que uma determinada imagem seja colorida mesmo na versão impressa, solicita-se um contato especial com os editores. Todas as figuras, bem como todas as imagens geradas em computador, como gráficos, devem ser anexadas sob a forma de arquivos nos formatos jpg ou tif, com resolução mínima de 300 dpi para possibilitar uma impressão nítida. TABELAS: Deverão ser numeradas em algarismos arábicos e constar isoladamente em páginas separadas. Cada tabela deverá ter uma legenda. As tabelas deverão ser mencionadas no texto através de algarismos arábicos, e numeradas consecutivamente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: Deverão ser numeradas de modo consecutivo, na ordem em que são inicialmente mencionadas no texto. Identificar as referências no texto através de números arábicos entre parênteses. Não deverá ser incluído material não publicado e comunicações pessoais na lista de referências; se for absolutamente necessário, mencione estas citações no corpo do texto. As citações pessoais devem ser restringidas ao mínimo. Para as abreviaturas dos nomes das revistas, refira-se a “List of Journals Indexed in Index Medicus” (www.nlm. nih.gov). Nas referências deverão constar os nomes de todos os autores. Quando existirem mais de 6 autores, liste os 6 primeiros, seguido de et al. Deverão constar a página inicial e a página final de cada artigo e capítulo de livro. Utilizar o estilo de apresentação de acordo com os exemplos a seguir: 107 ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA Volume 188 (3), 2017. Artigos de Periódicos e Revistas: Paterson RF, Lifshitz DA, Kuo RL, Siqueira Jr TM, Lingeman JE: Shock wave lithotripsy monotherapy for renal calculi. Int Braz J Urol. 2002; 28:291-301. Holm NR, Horn T, Smedts F, Nordling J, de la Rossete J: Does ultrastructural morphology of human detrusor smooth muscle cell characterize acute urinary retention? J Urol. 2002; 167:1705-9. Livros: Sabiston DC: Textbook of Surgery. Philadelphia, WB Saunders. 1986; vol. 1, p. 25. Capítulos de Livros: Penn I: Neoplasias in the Allograft Recipient. In: Milford EL (ed.), Renal Transplantation. New York, Churchill Livingstone. 1989; pp. 181-95. A revista se reserva o direito de não aceitar os originais que não estiverem dentro das normas, assim como propor modificações, de acordo com a análise dos Revisores e do Corpo Editorial. 108