Perfil clínico-epidemiológico de pacientes com HIV/Aids internados

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Rev Panam Infectol 2008;10(3):26-31
artículo original/artigo original
Perfil clínico-epidemiológico de pacientes
com HIV/Aids internados em um hospital
de ensino do Brasil
Clinical and epidemiologic profile of hospitalized patients with HIV/Aids
Altacílio Aparecido Nunes1
Mario Leon Silva-Vergara2
Igor Mariano de Melo3
Ana Laura Alves da Silva3
Leandro dos Santos de Araújo Rezende3
Paulo Bettero Guimarães3
Médico Pediatra e Professor Doutor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo, Departamento de
Medicina Social, Ribeirão Preto, SP, Brasil.
2
Médico Infectologista e Professor Adjunto
da Universidade Federal do Triângulo Mineiro,
Disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias, Uberaba, MG, Brasil.
3
Médicos em Especialização (Psiquiatria e
Clínica Médica), Universidade Federal do
Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil.
1
Rev Panam Infectol 2008;10(3):26-31
Conflicto de intereses: ninguno
Recibido en 5/11/2007.
Aceptado para publicación en 3/6/2008.
26
Resumo
Objetivo: Traçar o perfil clínico-epidemiológico de pacientes com
HIV/Aids hospitalizados. Métodos: Foram selecionados pacientes
com diagnostico de infecção pelo HIV/Aids, acima dos 14 anos de
idade, internados no Hospital Escola da Universidade Federal do
Triângulo Mineiro, durante os anos de 2004 e 2005, analisando-se
variáveis clínico-epidemiológicas e sociodemográficas. Resultados:
Foram selecionados 363 pacientes (52,3% masculinos [p=0,2]),
que foram submetidos a 592 internações. No ano de 2004 ocorreram 320 internações e em 2005, 272 (p=0,005). A média de idade
foi de 35,1 (± 10,3) anos. A maioria dos pacientes era formada
por pessoas solteiras, com baixo nível de escolaridade, relatando
ser heterossexuais. As infecções motivaram 417 (70,8%) internações, a maioria (81,8%), oportunista. Contagem de linfócitos T
CD4+ < 350 céls./mm³ e carga viral > 5.000 cópias RNA/ml foram
encontradas em 65,5% e 45% dos pacientes, respectivamente.
Óbitos aconteceram em 13,5% dos pacientes, todos por causas
infecciosas, e neoplasias foram observadas em 3,3% dos casos. Na
ocasião da internação, cerca de 69% dos pacientes estavam em uso
da HAART. Conclusões: As características clínico-epidemiológicas
encontradas neste estudo são semelhantes às relatadas em outros
centros brasileiros e de outros países em desenvolvimento e, em
alguns aspectos, parecidas às de nações desenvolvidas. Apesar da
terapia anti-retroviral, as infecções oportunistas continuam sendo
as principais causas de internação.
Palavras-chave: HIV, Aids, epidemiologia, hospitalização.
Abstract
Objective: To describe clinical-epidemiologic profile of hospitalized patients with HIV/Aids. Methods: Cross-sectional study, selecting
patients with HIV/Aids, above of 14 years old, hospitalized at the
Hospital Escola of the Federal University of the Triangulo Mineiro
- Uberaba, Minas Gerais State, Brazil, during the years of 2004
and 2005. The clinical-epidemiologic and demographic variables
were analyzed. Results: During the period of the study, 363 patients
were selected (52,3% male [p=0,2]), that were submitted to 592
Nunes AA, et al • Perfil clínico-epidemiológico de pacientes com HIV/Aids...
admissions. In the year of 2004, happened 320 admissions and in 2005, 272 (p=0,005). The mean of
age was of 35,1 (± 10,3) years. Most of the patients
was formed by single people, with low education level,
telling to be heterosexual. The infections motivated
417 (70,8%) hospitalization, most (81,8%), opportunist. Counting of TCD4+ lymphocytes < 350 cel/mm³
and viral load > 5.000 copies RNA/ml were found in
the 65,5% and 45% of patients, respectively. Deaths
happened in 13,5% of the patients, all for infectious
causes and neoplasias were observed in 3,3% of the
cases. In the occasion of the admission about 69% of
the patients were in use of HAART. Conclusions: The
clinical-epidemiologic characteristics found in this
study are similar to told them in other Brazilian centers
and of other developing countries and, in some aspects,
seemed to the developed nations. In spite of the antiretroviral therapy, the opportunist infections continue
being the main causes of hospitalization.
Key words: HIV, Aids, epidemiology, hospitalization.
Introdução
Desde sua primeira descrição em 1981(1) até
dezembro de 2005, estima-se que o número total de
pessoas portadoras do HIV no mundo seja de aproximadamente 40 milhões, com 25 milhões de mortes
provocadas pela Aids, o que constitui indubitavelmente uma das mais avassaladoras epidemias de toda a
história.(2 -4)
No Brasil, desde a notificação do primeiro caso de
Aids em 1982, até junho de 2006, já foram identificados cerca de 433 mil casos da doença, com a razão
entre os gêneros de 15 homens para 10 mulheres (1,5
H:M). O país acumulou cerca de 183 mil óbitos devido
à síndrome até dezembro de 2005.
Na primeira metade da década de 1980, a epidemia HIV/Aids manteve-se restrita às regiões metropolitanas do Sudeste e Sul do país, acometendo
principalmente homens que fazem sexo com homens
(HSH), usuários de drogas injetáveis (UDI) e hemofílicos. No início dos anos 1990, a epidemia assume
outro perfil, a transmissão por contato heterossexual
passou a ser a principal via de infecção pelo HIV, a qual
vem apresentando maior tendência de crescimento,
seguida de expressiva participação das mulheres na
dinâmica da epidemia.(5)
Nos últimos anos têm se observado os fenômenos
de interiorização e pauperização da epidemia, com
maiores taxas de incidência nos pequenos municípios
brasileiros (menos de 50 mil habitantes), atingindo
grupos populacionais de menor escolaridade.(4)
A partir de 1996, com o emprego da terapia antiretroviral altamente ativa (HAART), a história natural
da Aids sofreu importantes alterações. A significativa
redução das infecções oportunistas e a queda da
mortalidade pela doença conduziram a um aumento
da sobrevida, o que resultou em mudanças no perfil
clínico e epidemiológico de pacientes com a síndrome;
desde então muitos estudos têm sido publicados no
Brasil, descrevendo tais perfis, sobretudo de pacientes
atendidos em nível ambulatorial e, em menor número,
de pacientes internados, restritos quase exclusivamente a instituições universitárias de grandes centros
urbanos.(4-6)
O presente artigo tem por objetivo descrever as características clínicas, demográficas e epidemiológicas
de pacientes com HIV/Aids, internados em um hospital
de ensino de uma universidade em uma cidade de porte
médio do interior do Brasil.
Material e métodos
Este foi um estudo epidemiológico transversal, no
qual selecionaram-se pacientes na faixa etária de 14
anos em diante, com diagnóstico de infecção pelo HIV
e/ou Aids, admitidos no Hospital Escola da Faculdade
de Medicina da Universidade Federal do Triângulo
Mineiro (HE - UFTM), no período de 1º de janeiro de
2004 a 31 de dezembro de 2005.
As informações relacionadas às internações foram
coletadas diretamente nos respectivos prontuários e/
ou através de entrevistas com os pacientes, no período
vigente da internação.
As variáveis escolhidas para o estudo foram divididas em dois grandes grupos:
a) Sociodemográficas - idade, escolaridade, gênero, estado civil, profissão, estado laboral atual,
coabitação;
b) Clínico-epidemiológicas - comportamento de
risco para aquisição do HIV, ano de diagnóstico da
infecção pelo HIV/Aids, causa de internação – dividida
em dois grandes grupos, infecciosa e não infecciosa,
e as infecciosas, divididas em oportunistas e não
oportunistas, tempo de internação, taxa de internação
proporcional de pacientes com diagnóstico de HIV/
Aids, uso atual e esquema atual da HAART, efeitos
colaterais do tratamento com os anti-retrovirais, contagem de LTCD4+ e carga viral, ocorrência de neoplasias
e óbitos.
Análise estatística: Para o cálculo de diferença entre
proporções, foi empregado o teste do qui-quadrado,
enquanto que entre médias foi utilizado o t de Student
e entre medianas o Kruskal-Wallis. Adotou-se um nível
de significância de 5% (p < 0,05). Para armazenamento e análise dos dados, foram utilizados os softwares
Epi-info versão 6.04 e SPSS 10.0 para Windows.
Considerações éticas: O protocolo de pesquisa foi
analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
(CEP), da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.
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Os pacientes leram e assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.
Tabela 1. Características sociodemográficas dos
pacientes com diagnóstico de HIV/Aids no HE-UFTM,
durante os anos de 2004 e 2005
Resultados
Durante o período do estudo foram selecionados 363
pacientes, que foram submetidos a 592 internações, ou
seja, 1,6 internações por paciente. No ano de 2004, ocorreram 320 internações e em 2005, 272 (p=0,005).
Houve um leve predomínio de pacientes do gênero masculino (190-52,3%) em relação ao feminino
(p=0,2), perfazendo uma razão entre os sexos de
1,1:1,0. A média e a mediana de idade observadas
foram de 35,1 anos (± 10,3) e 34 anos, respectivamente. O tempo de internação variou de um a 62
dias, com uma mediana de oito dias e uma média de
11,6 dias (± 10,9). Em relação às outras variáveis
sociodemográficas, pode-se observar na tabela 1 a
distribuição das mesmas, levando-se em consideração
os dois anos do estudo e tomando todas as internações
em conjunto, sem discriminar as causas específicas
de admissão hospitalar.
Analisando-se o ano do diagnóstico de infecção
pelo HIV, 113 (31%) casos (11,4% em 2005 e
19,7% em 2004) aconteceram no período do estudo,
enquanto 124 (34%) tinham pelo menos seis anos
de evolução.
Nos anos de 2004 e 2005, considerando todas
as clínicas, aconteceram 10.041 admissões hospitalares; logo, a taxa de internação de pacientes com
diagnóstico de HIV/Aids foi de 5,9%. Ao se considerar,
isoladamente o ano de 2004, o total de internações
foi de 5.776, com uma taxa de internação por HIV/
Aids de 5,5%, enquanto em 2005 ocorreram 4.265
internações, com taxa de admissão com o diagnóstico
acima de 6,3% (p=0,07).
Na tabela 2 pode-se observar a distribuição das
variáveis clínico-epidemiológicas dos pacientes selecionados. Após análise, observou-se que houve nítido
predomínio da categoria de transmissão heterossexual.
O número de casos com comportamento de risco desconhecido ou ignorado foi considerável.
De todas as internações, 417 (70,4%) foram motivadas por causas infecciosas, sendo que as infecções
oportunistas representaram 81,8% dos casos (341
internações) e as causas não infecciosas representaram
29,6% (175 internações). Entre as infecções oportunistas, a toxoplasmose e as diarréias foram as mais
comuns, representando 27,4% e 16,7% dos casos,
respectivamente.
Ocorreram 175 internações não relacionadas à
infecção pelo HIV ou à Aids, onde observou-se prevalência das causas ginecológicas e obstétricas.
No momento da internação, 252 (69,4%) pacientes faziam uso da HAART, onde efeitos colaterais
Características
Idade (anos)
28
N
%
Média (± DP)
35,1 (± 10,3)
Mediana (Vmín. – Vmáx.)
Sexo
34,0 (15 – 77)
Masculino
190
(52,3)
Feminino
Grau de instrução
163
(47,7)
Primário incompleto
181
(49,8)
Primário completo
65
(17,9)
Ensino médio incompleto
6
(1,7)
Ensino médio completo
11
(3,0)
Superior incompleto
1
(0,3)
Superior completo
Profissão
1
(0,3)
Auxiliar de serviços gerais
134
(37,0)
Trabalhador rural
36
(9,9)
Pedreiro
22
(6,0)
Do lar
71
(19,6)
Outras
Situação laboral
100
(27,5)
Empregado
158
(43,5)
Desempregado
28
(7,8)
Aposentado
24
(6,5)
Ignorada e outras
Estado civil
153
(42,2)
Solteiro
169
(46,7)
Casado
98
(27,0)
Viúvo
26
(7,2)
Divorciado
21
(5,8)
Ignorado e outros
Coabitação
49
(13,3)
Com uma pessoa
18
(5,0)
Com mais de uma pessoa
118
(33,0)
Com ninguém
203
(56,0)
Ignorada
24
(6,0)
aos anti-retrovirais foram observados em apenas 17
casos (6,7%), sendo que a intolerância gastrointestinal e a farmacodermia responderam pela maioria das
ocorrências.
Contagens de LTCD4+ abaixo de 200 céls./mm3 foram registradas em 127 (35,1%) pacientes [p< 0,0001].
Ao se comparar a proporção de pacientes com carga viral
< 50 cópias RNA/ml e mais de 100.000 cópias RNA/ml,
não foi observada diferença estatística (p=0,09).
As neoplasias foram registradas em 12 pacientes
(3,3% dos casos), sendo que o sarcoma de Kaposi,
o linfoma não-Hodgkin e o mieloma foram os mais
freqüentes.
Nunes AA, et al • Perfil clínico-epidemiológico de pacientes com HIV/Aids...
Tabela 2. Distribuição das variáveis clínico-epidemiológicas
de pacientes com HIV/Aids internados no HE-UFTM em
2004-2005
Variáveis
Categorias de exposição
Heterossexual
HSH*
Bissexual
Heterossexual + Drogas
HSH* + Drogas
Bissexual + Drogas
Desconhecida
Causas de internação#
Infecciosas
Oportunistas
Não oportunistas
Não infecciosas
Contagem de LTCD4+ (céls./mm3)
> 500
499-350
349-200
< 200
NR
Carga viral (cópias RNA/ml)
< 50
até 5.000
5.001 -10.000
10.001 - 30.000
30.001 - 100.00
> 100.000
NR
Neoplasias
Uso de HAART
Esquema atual de HAART
2 AN* + 1IP**
2 AN + 1 ANN***
Outros
Óbitos
N
(%)
156
12
2
64
4
6
119
43,0
3,5
0,5
18,0
1,0
1,5
32,5
417
341
76
175
70,4
81,8
18,2
29,6
48
60
127
110
18
13,2
16,3
35,0
30,5
5,0
77
72
19
46
39
59
51
12
252
21,2
19,8
5,3
12,7
10,7
16,3
14,0
3,3
69,4
134
85
33
49
53,3
33,7
13,0
13,5
# Relativo ao número de internações (592).
* Inibidor de transcriptase reversa nucleosídeo; ** Inibidor de protease; *** Inibidor de
transcriptase reversa nucleosídeo não-nucleosídeo.
Óbitos foram verificados em 49 pacientes (13,5%),
sendo que as principais causas de morte foram a
septicemia, a pneumocistose, a toxoplasmose e as
diarréias.
Discussão
Desde o início da epidemia de Aids, várias mudanças em suas características clínicas e epidemiológicas
foram progressivamente relatadas. Alguns fatores são
apontados como responsáveis por estas alterações,
mas a introdução da terapia anti-retroviral combinada, a partir da segunda metade da década de 1990,
foi a principal determinante de melhora em todos os
indicadores, como aumento da sobrevida, diminuição
da ocorrência de infecções oportunistas, redução de
internações e melhora na qualidade de vida, entre
outros.(7,8)
Analisando-se isoladamente os anos de 2004 e
2005, a taxa de hospitalização nessa população foi de
5,5% e 5,9%, respectivamente. Estes números estão
de acordo com dados obtidos em estudos realizados
em outros países, onde as taxas de hospitalização
observadas variaram de 5,4% a 30,5% por ano,(9-12)
mostrando que a nossa realidade não difere muito
daquela de outras nações.
A cidade de Uberaba possui cerca de 250.000
habitantes e somando-se o número de habitantes que
compõem os 26 municípios da Diretoria Regional de
Saúde sediada na cidade, este contingente populacional se eleva para aproximadamente 600.000 pessoas;
desta forma, ao se considerar que 1.514 pacientes
foram notificados de 1987 a 2005, estima-se uma
taxa de prevalência da infecção pelo HIV/Aids de pelo
menos 0,25%, que está abaixo da registrada no Brasil,
que é de 0,6-0,7%,(2) fato que pode estar ligado ao
melhor nível de escolaridade dos habitantes da região
do Triângulo Mineiro, pelo ótimo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) regional, bem como pelo bom
acesso aos serviços de saúde que a população dessa
região dispõe.
Os resultados encontrados ao se considerar variáveis como sexo, idade, estado civil e duração de
internação, entre outras, coincidem com o que é relatado em outros estudos mais abrangentes em termos
populacionais e geográficos.(13,14)
Em estudos epidemiológicos, o número de mulheres infectadas mostra tendência universal de
crescimento, sobretudo nos países subdesenvolvidos,
e no atual levantamento encontrou-se uma relação
de 1,1 homem para cada mulher, o que demonstra o
expressivo acometimento de mulheres infectadas por
via heterossexual. No início da epidemia, essa relação
era de 31:1,(15,16) e progressivamente foi diminuindo,
o que passou a ser conhecido como fenômeno de
“feminização”.(2,17,18)
A média de idade das mulheres foi de 33,7 anos,
enquanto nos homens foi de 36,4 anos, resultado
que também concorda com outros relatos.(9,18) Tal fato
é preocupante, pois mulheres jovens estão em idade
reprodutiva e assim, quando infectadas, contribuem
para o aumento da incidência de HIV/Aids, transmitida principalmente durante o período perinatal. Estes
resultados sugerem que as mulheres se infectam cada
vez mais cedo com o HIV, refletindo a condição de
“vulnerabilidade” em contrair o vírus, em relação ao
homem.(2,20,21)
O nível de escolaridade é considerado por alguns
autores como indicativo de condição socioeconômica
em estudos epidemiológicos que enfocam a infecção
pelo HIV/Aids.(22,23) Nesta pesquisa, encontrou-se
uma população com nível de escolaridade muito
baixo, pois a maioria das internações, cerca de
67%, ocorreu em pacientes com ensino fundamental incompleto e com profissão que exige pouca
29
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qualificação, como por exemplo auxiliar de serviços
gerais, o que configura o fenômeno denominado
“pauperização” da epidemia.(24,25)
Outros fenômenos que têm sido observados na
evolução da epidemia de HIV/Aids são a “ruralização” e
a “interiorização”, que se caracterizam pelo crescente
número de casos em pacientes moradores de pequenas
cidades e de zonas rurais.(26,27) Aqui, tal fato pôde ser
verificado, pois observou-se uma proporção importante
de pacientes originários de zona rural e de cidades
menores, com até 50.000 habitantes, com profissões
ligadas a atividades agropecuárias próprias da região
do Triângulo Mineiro.
A partir da década de 1990, o perfil epidemiológico
referente à categoria de exposição foi gradativamente
se alterando, atingindo grupos populacionais bem mais
abrangentes, configurando a chamada “heterossexualização”.(28,29,30) No estudo atual, foi encontrado como
principal comportamento de risco o heterossexual,
composto principalmente de mulheres casadas, na
faixa etária dos 20 aos 49 anos e de homens, em sua
maioria solteiros, dos 30 aos 49 anos de idade. Estes
dados estão de acordo com outros estudos e seguem
uma tendência global.(10,13)
Quanto às drogas utilizadas, as mais relatadas
nesta pesquisa foram a maconha e o álcool, o que
traduz o baixo nível socioeconômico dos pacientes, já
que tais substâncias são facilmente acessíveis.
É conhecido que a evolução da infecção pelo HIV/
Aids em usuários de drogas, por várias razões, é pior,
especialmente pelo agravante de que pacientes com
este comportamento sabidamente são “disseminadores” da infecção a outros.(30,31) Dados apontam para o
fato de que a transmissão do HIV pelo uso de drogas
injetáveis tenha apresentado tendência à estabilização
e até mesmo diminuição na maior parte do território
brasileiro, à exceção da Região Sul,(22,23) talvez devido
a aspectos socioeconômicos e culturais, pois sabe-se
que as categorias de exposição predominantes em
regiões mais ricas diferem das mais pobres; enquanto
nas áreas com melhores condições há mais pelo uso
de drogas injetáveis, nas regiões carentes o HIV é adquirido por transmissão heterossexual, levando a crer
que diferenças no poder aquisitivo e em diversos outros
fatores socioculturais tenham importante influência
neste fenômeno.(6,24,30)
Igualmente preocupante foi o encontro de um
percentual significativo de usuários de drogas entre os
homens, de comportamento heterossexual, o que é um
dos fatores responsáveis pela “heterossexualização”
da doença, visto que uma parcela significativa das
mulheres tem adquirido o HIV por contato sexual com
parceiros UDI.(18,22) Fato também observado em relação
aos HSH, que apresentaram uma correlação positiva
30
com o uso de drogas, estando em concordância com
os achados de outros autores.(25)
Pouco tempo após a introdução da HAART, a partir de 1996, vários estudos relataram diminuição da
ocorrência de infecções oportunistas e de internações
por elas causadas, além de redução na incidência e na
mortalidade pela doença.(7,8,14) No presente estudo, de
todas as internações, um pouco mais da metade (341)
ocorreu por infecções oportunistas, um número bastante
expressivo, o que pode ser explicado pelo achado de
um percentual significativo (65,5%) de pacientes com
contagem de LTCD4+ abaixo de 350 céls./mm³ e carga
viral acima de 5.000 cópias RNA/ml (45%).
Durante os anos de 2004 e 2005, a mortalidade
verificada entre as internações ficou em cerca de
13,5%, representando uma alta taxa de letalidade
entre os pacientes e refletindo uma taxa média anual
de 6,25%, um pouco acima da registrada no Brasil,
cerca de 6,1%.(31,32)
As neoplasias relacionadas ao HIV/Aids que mais
motivaram internações neste estudo foram o sarcoma
de Kaposi e o linfoma não-Hodgkin, representando
3,3% dos casos, discretamente superior ao encontrado
em alguns autores.(13) Após a introdução da HAART, a
incidência de malignidades associadas ao HIV sofreu
um declínio importante, com conseqüente redução da
prevalência.(33)
Considerando-se tais aspectos, e baseando-se nos
resultados encontrados, deduz-se que há necessidade
de que as políticas de prevenção e cuidados devam
ser diferentes para cada região; isto é válido sobretudo para o Brasil, onde as diferenças regionais são
marcantes e certamente influenciam diretamente o
modo de transmissão do HIV.
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Correspondência:
Dr. Altacílio Aparecido Nunes
Hospital das Clínicas da FMRP/USP - Departamento
de Medicina Social.
Av. Bandeirantes, 3.900 - Bairro Monte Alegre CEP 14049-900 - Ribeirão Preto - SP - Brasil.
e-mail: [email protected]; [email protected]
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