GRAMÁTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA1 Hermes Talles dos Santos2 Resumo: O objetivo principal deste texto é expor introdutoriamente algumas categorias de análise da gramática pertencente à Linguística Sistêmico-Funcional. Por meio da explicitação das metafunções linguísticas ideacional, interpessoal e textual, apresentamos, utilizando-se de exemplos textuais em língua portuguesa, como tal gramática compreende e explica teoricamente a organização da língua. A nosso ver, o conhecimento da gramática em questão, compreendendo sua organização teórica e sua aplicação à análise linguística, pode auxiliar o professor de língua materna no processo de ensino, ampliando seus conhecimentos teóricos e oferecendo-lhe recursos para o trabalho gramatical. Palavras-chave: Gramática Sistêmico-Funcional; Metafunções; Ensino de Língua Portuguesa; Ensino de gramática. Abstract: The main objective of this text is an introdutory expose of some grammar analysis categories belonging to sistemic-functional linguistics. By means of explanation of language ideational, interpersonal and textual metafunctions, present, using textual examples in portuguese language, such as grammar understand and theoretically explains the language organization. From our point of view, the knowledge of this grammar, comprising it theoretical organization and its application to linguistic analysis, can help mother tongue teachers in the teaching process, improving their theoretical knowledge and offering them resources for grammatical work. Keywords: Sistemic-Funcional Grammar; Metafunctions; Portuguese Language Teaching; Grammar teaching. A Gramática ou Linguística Sistêmico-Funcional é um modelo científico que objetiva contribuir com a análise e a compreensão linguística, e também com o processo de ensino de línguas. No Brasil, essa gramática não é amplamente conhecida e divulgada no contexto educacional, principalmente por não ser empregada (de maneira explícita, em alguns casos) pela maioria dos manuais ou livros didáticos voltados para o ensino de língua portuguesa. Por isso, pretendemos com esse texto, de forma introdutória, apresentar aos professores de língua materna, principalmente aqueles que atuam na Educação Básica, uma possibilidade de trabalho gramatical distinta da perspectiva tradicional. Para isso, inicialmente apresentamos, de forma breve, a Linguística Sistêmico-Funcional. Depois, detalhamos, de forma pormenorizada, as metafunções linguísticas (ideacional, interpessoal e textual), exemplificando e explicando como elas se inter-relacionam à produção de sentidos verbais. Por fim, tecemos algumas considerações sucintas acerca das possibilidades de uso desta gramática no processo de ensino de língua portuguesa. Gramática/Linguística Sistêmico-Funcional: algumas considerações A Gramática ou a Linguística Sistêmico-Funcional é um modelo científico que fornece descrições sobre como e porquê a língua varia em função e de acordo com os grupos de (inter)locutores3 e os contextos de uso (cf. GOUVEIA, 2009). Trata-se de uma abordagem elaborada inicialmente pelo linguista britânico Michael Alexander Kirkwood Texto produzido para o curso a distância, “Abordagens Gramaticais e Ensino de Língua Portuguesa”, oferecido pelo Portal dos Professores – Universidade Federal de São Carlos, no segundo semestre de 2.015. 2 Doutorando em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL) da UFSCar. Email: [email protected]. 3 Fuzer & Cabral (2014) e Gouveia (2009), baseando-se em Halliday e Matthiessen (2004), empregam o termo falante. Halliday e Matthiessen (2004:106) explicam que esse termo, para eles, abrange tanto falante como escritor. Preferimos empregar o termo locutor, em vez de falante, por considerarmos que, assim, podemos nos referir a ambas modalidades linguísticas, oralidade e escrita, e respectivamente a seus atores, falante e escritor, não direcionando inadvertidamente a compreensão do leitor. 1 Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 Halliday (1925 - atualmente) e desenvolvida atualmente por vários estudiosos em diferentes países, entre eles, o Brasil (cf. FUZER & CABRAL, 2014). Nesta teoria, a marca fundamental para compreensão linguística é o uso que os (inter)locutores fazem da língua em situações comunicativas contextualizadas. Destarte, a linguagem está intimamente relacionada às necessidades humanas de interação verbal, isto é, ao uso comunicativo (cf. HALLIDAY, 1973). Por isso, a riqueza e a variedade das funções linguísticas refletem a natureza da própria língua, em sua organização enquanto sistema, associando estrutura gramatical às funções linguísticas representacionais, pessoais e interacionais. Trata-se, pois, de uma proposta sistêmica, pois a língua é considerada como rede de sistemas interligados, que possibilita ao locutor construir significados e fazer coisas no mundo. Cada sistema é composto por um conjunto de alternativas linguísticas (semânticas, sintáticas, morfológicas...), que se organiza em razão da função pretendida com o emprego da língua. Por isso, trata-se também uma proposta funcional, devido ao fato de que as estruturas linguísticas são explicadas a partir do significado, das funções que a linguagem desempenha em dadas situações comunicativas (cf. FUZER & CABRAL, 2014). Podemos, pois, considerar que todo uso da língua seja a concretização de possibilidades virtuais, disponíveis no sistema linguístico, que se materializam organizadamente em estruturas linguísticas4. Tanto as escolhas disponíveis no sistema quanto as estruturas delas resultantes são profundamente influenciadas pelas funções da linguagem, que estão intimamente relacionadas aos propósitos comunicativos que o locutor constrói em certas situações comunicativas. Nesse sentido, a teoria sistêmico-funcional compreende que a língua se organiza e concretiza-se a partir de duas possibilidades: sintagma (cadeia) e paradigma (escolha). Os traços sintagmáticos e paradigmáticos constroem conjunta e concomitantemente o significado linguístico-discursivo em relação à situação comunicativa. O sentido lexical situa-se no nível paradigmático; as funções linguísticas estão no nível sintagmático. As escolhas, que não precisam ser tão conscientes por parte do locutor, resultam em produção de significados intimamente relacionados às funções que a linguagem cumpre em determinada situação comunicativa. A nosso ver, para o processo de ensino e aprendizagem, a importância de tal teoria consiste em explicitar que quaisquer construções no nível sintagmático e escolhas no paradigmático geram sentidos diferentes, dependendo da situação comunicativa em que se concretizam. Dependendo do propósito comunicativo de cada situação interacional, há escolhas e organizações linguísticas mais ou menos adequadas e já conhecidas socialmente para realizá-lo. Destarte, os propósitos comunicativos influenciam nas escolhas linguísticas realizadas pelo locutor, concretizando em textos o uso da linguagem nas situações de interação verbal. Para a teoria sistêmico-funcional, texto é compreendido como qualquer instância linguística capaz de produzir significados naqueles que compartilham determinada língua. O texto é, por si, a concretização de um propósito comunicativo específico, situado em determinada atividade comunicativa. Pondera Gouveia (2009:20) que “[...] enquanto instanciação do sistema, o texto é a nossa unidade de descrição, mas é a oração que é a unidade principal de processamento da gramática, já que tudo se processa à volta da oração [...]”. Inserida em texto, é na oração que os elementos léxico-gramaticais e, portanto, os significados podem De acordo com Fuzer & Cabral (2014:21), “em termos conceituais, sistema difere de estrutura. A estrutura é o ordenamento sintagmático na linguagem [...]. Sistema é o ordenamento paradigmático da linguagem [...]. Qualquer conjunto de alternativas constitui um sistema”. Para ilustrar, podemos citar, por exemplo, dentro de um conjunto de palavras que designe humano, escolheu-se mulher. Poderia ter sido escolhido homem, ser humano, humano, moça, jovem, senhora, pessoa... mas por razões funcionais, optou-se por mulher, essa escolha, junto com outras, por conseguinte, necessárias, por exemplo, no eixo dos determinantes (uma, a, minha, aquela...) e dos qualificadores (grande, bela, feia, magra, falante, trabalhadora, guerreira, meiga...) serão ordenadas sintaticamente formando uma estrutura, de acordo com o propósito comunicativo do locutor. 4 Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 ser mapeados de forma integrada com o contexto de produção. Conforme Neves (2013:11), “[...] a oração é por excelência o constructo sintático da linguagem”, sendo identificável pela presença de um grupo verbal e de, pelo menos um, grupo nominal. Não se quer dizer, com isso, que texto seja o conjunto combinatório de orações. Na verdade, há toda uma trama textual, que se relaciona às funções da linguagem e é responsável por organizar coerentemente as orações em textos. O texto está sempre envolvido e carrega aspectos do contexto em que foi produzido, o que lhe permite ser considerado apropriado ou não à situação de comunicação. Texto e contexto estão intimamente relacionados, de forma que as variáveis (imediatas e mediatas) do contexto atuam sobre a configuração linguística do texto (cf. FUZER & CABRAL, 2014). Dessa forma, o texto é resultado de uma relação tensiva entre seu contexto de produção e seus aspectos constituintes (pragmática, semântica, sintaxe, morfologia e fonologia/grafologia). Entende-se por contexto de situação, o ambiente imediato no qual o texto ocorre, e por contexto de cultura, o ambiente sociocultural, relacionado a ideologias, convenções sociais, históricas e culturais. Relacionados ao contexto estão duas noções: registro e gênero. A primeira noção está associada a uma forma prototípica de construção textual, socialmente compartilhada e que, portanto, é adequada ao contexto de situação. Essa forma prototípica parece já delimitar aos (inter)locutores certas construções estruturais e semânticas adequadas ao contexto de situação comunicativa. A segunda, gênero, relaciona-se ao contexto de cultura e ao propósito comunicativo, e são modos distintos socioculturamente estabelecidos de uso da língua para a realização de determinados propósitos comunicativos (cf. GOUVEIA, 2009). A nosso ver, registro e gênero, conjugados, aproximam-se da noção de gênero discursivo (BAKHTIN, 2003). O contexto de situação seria formado por três variáveis, que impactam diretamente sobre o registro e, indiretamente, sobre o gênero: campo, relações e modo. O primeiro remete à atividade comunicativa, à ação social realizada pelos participantes com objetivo específico; o segundo, aos participantes e a seus papéis na situação comunicativa, bem como a relação que estabelecem entre si; e o terceiro, ao papel ou à função da língua – o que os (inter)locutores esperam que a linguagem desempenhe em determinada situação –, bem como ao veículo, ao canal (gráfico ou fônico) e ao meio (oral com ou sem contato visual, escrito e/ou não verbal) (cf. FUZER & CABRAL, 2014). Tais variáveis são também sistematizadas em um quadro por Gouveia (2009:28) e cada uma delas se relaciona a uma metafunção linguística (cf. GOUVEIA, 2009; FUZER & CABRAL, 2014): Quadro 1. As variáveis de registro e a sua relação com as metafunções (Gouveia, 2009) Descrição Variáveis de registro Metafunção A ação social, o assunto sobre que se fala, a natureza Campo Ideacional Relações Interpessoal Modo Textual da ação A estrutura de papéis, as pessoas e suas relações na situação de comunicação A organização simbólica, o canal (fala ou escrita) e o modo retórico da linguagem Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 Em suma, sendo uma gramática sistêmica e funcional, Halliday (1985) explica-nos que os componentes fundamentais do significado da língua são funcionais e organizam-se em torno das seguintes metafunções: ideacional, interpessoal e textual. Segundo Neves (1997), o propósito geral das metafunções é: entender o ambiente – ideacional; influir sobre os outros – interpessoal; conferir relevância às outras metafunções – textual. Após essa breve apresentação, passaremos à análise discreta das metafunções, refletindo sobre como elas organizam e estruturam a linguagem. Metafunção Ideacional A metafunção ideacional é realizada por dois outros níveis ou (sub)funções distintas: experencial e lógica (cf. GOUVEIA, 2009; FUZER & CABRAL, 2014). A primeira é responsável pela construção do modelo de representação do mundo, possibilitando aos interlocutores a criação linguística de “instantâneos fotográficos” (GOUVEIA, 2009), ou fotografias. A segunda é responsável pela organização lógica dos conteúdos representados, possibilitando a organização das fotografias em sequências, de tal forma que se obtenha um filme coeso e coerente (cf. GOUVEIA, 2009). O nível de análise de tais funções ou níveis é o complexo oracional, em que a oração é compreendida como representação, e o sistema relevante é a transitividade, que envolve a configuração de processos, participantes e circunstâncias (cf. FUZER & CABRAL, 2014). Baseadas em Halliday e outros teóricos, Fuzer & Cabral (2014) explicam-nos que nossas experiências obtidas por meio de ações e eventos no mundo/realidade sensível se diferem daquelas presentes em nossa consciência, incluindo aí a percepção, a emoção e a imaginação. Nossas experiências, portanto, relacionam-se com o que se faz no mundo, na variável campo. De forma prototípica, a experiência exterior, no mundo sensível, corresponde a ações e eventos, enquanto a interna, no mundo da consciência/psicológico, constitui-se de lembranças, reações, reflexões e estados de espírito. Essas experiências são representadas linguisticamente através de aspectos léxico-gramaticais e o sistema de transitividade é o estrato em que se manifestam os significados experienciais. É preciso demarcar que diferentemente da Gramática Tradicional em que transitividade concerniria à relação entre verbo e seus complementos, na Gramática Sistêmico-Funcional, a transitividade relaciona-se a toda a oração – a qual é composta por processos, participantes e eventuais circunstâncias – e é responsável pela produção de significados (cf. FUZER & CABRAL, 2014). Nesta gramática, as funções léxico-gramaticais das orações lembram as análises/classificações sintáticas propostas pela Gramática Tradicional, porém, como o sistema de transitividade põe em relação todos os elementos da oração, a partir do processo, os termos estabelecem entre si determinadas associações e, consequentemente, classificações. As circunstâncias assemelham-se aos adjuntos adverbiais da Gramática Tradicional, porém estão intimamente relacionados ao processo da oração, assim, dependendo do processo, ocorrerá na oração determinada circunstância. Elas são responsáveis por adicionar significados – de tempo (quanto?), espaço (onde?), modo (como?) ou causa (por quê?) - às orações, pela descrição do contexto em que o processo ocorre. Realizam-se textualmente por meio de grupos adverbiais ou preposicionais (cf. FUZER & CABRAL, 2014). Elas podem ser classificadas em: extensão – distância, duração e frequência; localização – lugar e tempo; modo – meio, qualidade, comparação e grau; causa – razão, finalidade e benefício/representação; contingência – condição, falta/omissão e concessão; acompanhamento – companhia e adição; papel – estilo e produção; assunto; ângulo – fonte e ponto de vista (cf. FUZER & CABRAL, 2014). Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 Vale destacar que, diferentemente dos participantes, como se verá adiante, as circunstâncias não estão imbricadas diretamente com o tipo de processo da oração, podendo, portanto, ocorrer ou não nas orações. Por sua vez, os participantes variam e, consequentemente são classificados, de acordo com os processos da oração. Assemelham-se às noções sintáticas tradicionais desempenhadas por sujeito e objeto. Realizam-se gramaticalmente por meio de grupos nominais e são representados linguisticamente por atributos e coisas, que semanticamente se diferenciam entre coisas conscientes e não conscientes, respectivamente. Coisas conscientes são prototipicamente representadas por humanos, enquanto não conscientes por materiais e semioses. São materiais: os animais, os objetos, as substâncias e as abstrações materiais (cor, profundidade); semioses: as instituições, objetos semióticos (notícia, história) e as abstrações semióticas (evidência, fato) (cf. FUZER & CABRAL, 2014). Demarca Gouveia (2009:31) que “[...] diferentes tipos de processos são executados por (ou desenrolam-se em função de) diferentes tipos de participantes, ou seja, em razão, de diferentes redes de escolhas”. Por conta dessa íntima relação estabelecida pela transitividade entre o tipo de processo e participantes, optamos por apresentá-los conjuntamente, a partir do primeiro. Os processos representam experiências exteriores ou internas construídas por atividades humanas realizadas no mundo sensível ou no mundo psicológico. Por isso, organizam linguisticamente, no nível oracional, aspectos do mundo físico e mental. São geralmente realizados por verbos e são responsáveis por (re)construir linguisticamente experiências, principalmente, materiais, mentais e relacionais. Nas fronteiras destes processos, considerados como principais, os processos também permitem representar experiências verbais, comportamentais e existenciais (cf. FUZER & CABRAL, 2014). Cada oração é classificada conforme o processo que compreende, podendo ser, portanto, oração material, mental, relacional, verbal, comportamental e existencial. No grupo dos processos principais de representação estão tipos materiais, mentais e relacionais. Os processos materiais representam experiências no mundo sensível, tendo por exemplos prototípicos os verbos: fazer, construir, acontecer, ocorrer. As orações materiais estabelecem mudanças, desempenhadas pelo participante Ator, no fluxo dos eventos. Esse participante é responsável pelo desenvolvimento do processo, ao longo do tempo, propiciando-lhe uma mudança em seu estágio inicial. Por isso, nessa mudança, um dos participantes, o Meta (não necessariamente humano), tem necessariamente alguma característica alterada ou criada (cf. FUZER & CABRAL, 2014). As orações materiais subdividem-se em transitivas, quando envolvem dois participantes, e intransitivas, quando envolvem apenas um participante. Além de poderem ser classificadas em orações transitivas ou intransitivas, de acordo com o processo, podem também ser: criativas, quando um “[...] participante é trazido à existência no desenvolvimento do processo, ou seja, passa a existir no mundo (seja exterior ou interior)” (FUZER & CABRAL, 2014:47); ou transformativas, quando ocorre, no desenvolvimento do processo, a troca ou a alteração de algum aspecto do mundo exterior em relação ao(s) participante(s) – alguns exemplos de verbos dessas orações: girar, polir, fechar, abrir, limpar, sujar... As seguintes orações são exemplos de orações transitivas e intransitivas, e criativas e transformativas: Quadro 2. Orações materiais transitivas e intransitivas (FUZER & CABRAL, 2014:47) Oração material transitiva Oração material intransitiva Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 Michelângelo pintou a Divina Comédia. Ator Processo material Meta Michelângelo pintava maravilhosamente. Ator Processo material Circunstância Quadro 3. Orações materiais transitiva e intransitiva criativas (FUZER & CABRAL, 2014:47) A testemunha Oração material transitiva forjou um álibi. Processo material criativa Ator Oração material intransitiva Surgiram mercados alternativos. criativa Processo material criativo Ator criativo Meta Quadro 4. Orações materiais transitiva e intransitiva transformativas (FUZER & CABRAL, 2014:48) O governo simplificou Oração material transitiva a tabela de imposto de renda. Processo transformativa Ator material Meta transformativo A editora Oração material no segmento de revistas cresceu intransitiva femininas. Processo transformativa Ator material Circunstância transformativo Os participantes desse tipo de processo são: Ator, aquele que pratica a ação, sempre presente em orações transitivas ou intransitivas; Meta, aquele que recebe a ação, existente apenas em orações transitivas; Escopo, “[...] que não é afetado pela performance do processo material. Quando constrói o domínio em que o processo se desenrola, é denominado Escopo-entidade [...]. Quando constrói o próprio processo, tal participante é denominado Escopo-processo [...]” (FUZER & CABRAL, 2014:50); Beneficiário, aquele que se beneficia positivo ou negativamente de um processo, podendo ser classificado em Benificiário-recebedor, quando recebe bens materiais do Ator, ou Benificiário-cliente, quando recebe serviços do Ator; e Atributo, que constitui uma característica a um dos participantes da oração, podendo ser classificado em Atributo-resultativo, quando constrói “[...] um estado qualitativo resultante do Ator ou da Meta depois que o processo se completou, ao passo que o Atributo-descritivo serve para especificar o estado em que se encontram o Ator ou a Meta quando toma parte no processo [...]” (FUZER & CABRAL, 2014:52). Abaixo, exemplificamos ocorrências de cada um dos participantes em orações: Quadro 5. Participantes: Ator e Meta ((FUZER & CABRAL, 2014:50) Ator/Meta A secretária limpou a casa. Ator Processo material Meta Quatro 6. Participantes: Ator e Escopo (FUZER & CABRAL, 2014:50) Ator/Escopo Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 Os escoteiros seguiram a trilha. Ator Processo material Escopo-entidade Eu dei um abraço apertado. Ator Processo material Escopo-processo Quadro 7. Participantes: Ator e Beneficário (FUZER & CABRAL, 2014:51) Ator/Beneficiário Eu dei ao meu amor um anel. Ator Processo material Beneficiário-recebedor Meta O bom pai construiu um futuro tranquilo para seus filhos. Ator Processo material Meta Beneficiário-cliente Quadro 8. Participantes: Ator e Atributo (FUZER & CABRAL, 2014:52) Ator/Atributo Cristiano Ronaldo sai machucado do treino em Los Angeles. Ator Processo material Atributo-resultativo Circunstância A declarante estava trabalhando de empregada na casa de uma prima. Ator Processo material Atributo-descritivo Circunstância Os processos mentais representam atividades não no mundo exterior, mas no mundo da mente (cf. GOUVEIA, 2009) tendo como alguns verbos prototípicos: lembrar, pensar, imaginar, gostar, querer. Diferentemente das orações materiais que constroem linguisticamente a mudança da realidade externa, as orações mentais são responsáveis por construir a mudança da percepção que se tem sobre a realidade. Tais orações subdividem-se em: perceptivas, quando constroem percepções dos fenômenos da realidade sensível por meio dos cinco sentidos humanos: visão, olfato, paladar, audição e tato; cognitivas, quando explicitam aquilo que se ocorre na consciência humana; emotivas ou afetivas, quando expressam graus de sentimento ou afeição; ou desiderativas, quando exprimem desejo, vontade ou interesse em relação a algo. Nessas orações, os participantes geralmente são humanos, ou seja, conscientes, isso, porém, não impede a ocorrência de entidades não conscientes. Aqui, os participantes são classificados em: Experimentador, aquele que sente, pensa, percebe, deseja – podem ser tanto humanos, coletivos de humanos, ou entidades que, no processo, recebem aspectos humanos relativos à consciência; e Fenômeno, complemento do processo, que é sentido, pensado, percebido, desejado... Os exemplos abaixo ilustram as diferentes orações mentais e os seus participantes: Quadro 9. Oração mental perceptiva e participantes (FUZER & CABRAL, 2014:185) Oração mental perceptiva Uma comissária percebeu a intenção da passageira [...]. Processo mental Experimentador Fenômeno perceptivo Quadro 10. Oração mental cognitiva e participantes (FUZER & CABRAL, 2014:188) (Eu) Oração mental cognitiva penso Experimentador Processo mental cognitivo em você Fenômeno todo dia. Circunstância Quadro 11. Oração mental emotiva/afetiva e participantes (FUZER & CABRAL, 2014:188) Oração mental emotiva/afetiva Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 (Eu) Te amo. Experimentador Fenômeno Processo mental emotivo/afetivo Quadro 12. Oração mental desiderativa e participantes (FUZER & CABRAL, 2014:58) (Eu) Oração mental desiderativa Experimentador Desejo sorte ao novo presidente. Processo mental desiderativo Fenômeno Os processos relacionais representam relação, isto é, identificação e caracterização, sendo-lhes verbos prototípicos: ser, estar, permanecer. Para Gouveia (2009), esses processos expressam a noção de ser e estar em relação a alguma coisa. Porém, como adverte o mencionado autor, não podemos confundir, aqui, ser/estar com a noção de existência, pois, como veremos adiante, essa noção concerne aos processos existenciais. Basicamente, esses processos estabelecem uma associação entre entidades distintas, necessitando, assim, sempre de dois participantes. Segundo Fuzer & Cabral (2014:65), “as orações relacionais são comumente usadas para representar seres no mundo em termos de suas características e identidades. Ajudam na criação e descrição de personagens e cenários em textos narrativos; contribuem na definição de coisas, estruturando conceitos”. Tais orações podem ser classificadas em: intensivas, quando uns dos participantes caracterizam o outro – geralmente ocorrem com os verbos ser e estar, e ocasionalmente com parecer, permanecer, ficar, andar, tornar-se, representar...; circunstanciais, quando entre os participantes da oração há relação de tempo, lugar, modo, causa, acompanhamento, papel, ângulo ou assunto, ou seja, um dos traços da circunstância; possessivas, quando um dos participantes é possuído ou possui o outro. As orações relacionais podem ser ainda subclassificadas em: atributivas, quando há atribuição de característica, positiva ou negativa, a um participante; e identificativas, quando um participante serve para identificar o outro. Nessas orações, os participantes classificam-se em, sempre em pares: Portador, aquele a que se atribui alguma característica, e Atributo, que é a característica atribuída ao Portador; Possuidor, aquele que possui algo, e Possuído, entidade que pertence ao Possuidor; e Identificado, aquele que recebe a identificação, e Identificador, entidade que identifica o Identificado. A seguir, exemplificamos cada tipo de oração relacional e seus participantes: Quadro 13. Oração relacional intensiva atributiva e seus participantes (FUZER & CABRAL, 2014:189) O dia Oração relacional intensiva atributiva Portador Está Processo relacional intensivo atributivo ensolarado? Atributo Quadro 14. Oração relacional intensiva identificativa e seus participantes (FUZER & CABRAL, 2014:189) Oração Carlos e o irmão relacional intensiva representam a turma. Processo relacional Identificador identificativa Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 intensivo identificativo Identificado Quadro 15. Oração relacional circunstancial atributiva e seus participantes (FUZER & CABRAL, 2014:190) O vestibular Oração relacional será em dezembro. Processo relacional circunstancial Portador circunstancial atributiva Atributo atributivo Quadro 16. Oração relacional circunstancial identificativa e seus participantes5 Minha casa Oração relacional é nesta quadra. Processo relacional circunstancial Identificado intensivo identificativa Identificador identificativo Quadro 17. Oração relacional possessiva atributiva e seus participantes (FUZER & CABRAL, 2014:189) Estela Oração relacional tem uma moto. Processo relacional possessiva Possuidor atributiva possessivo Possuído atributivo Quadro 18. Oração relacional possessiva identificativa e seus participantes (FUZER & CABRAL, 2014:189) Oração relacional O casaco verde-limão possessiva identificativa Identificado é Processo relacional possessivo identificativo de Pedro. Identificador Nas fronteiras entre os níveis principais de representação, mentais e relacionais, estão os processos verbais, que representam atividades linguísticas dos participantes. São-lhes exemplos prototípicos os seguintes verbos: dizer, responder, afirmar. As orações verbais têm por protótipos os processos do dizer e contribuem para a construção de variados tipos de discursos. Elas permitem a construção de textos narrativos, empregando passagens dialógicas. Além disso, permitem materializar nos textos a citação ou a atribuição de informações a fontes externas e a construção de argumentação e pontos de vistas. Tais orações podem ser classificadas em orações verbais de: atividade, mais próxima ao processo material, isto é, de representar linguisticamente a realidade sensível, sendo subdividas em alvo e fala; e semiose, que não são necessariamente ações verbais (cf. GOUVEIA, 2009) e estão, assim, mais próximos ao processo relacional, ou seja, relacionando ações de dizer de participantes, podendo ser subdivididas em neutro, indicação e comando (cf. HALLIDAY & MATTHIESSEN, 2004; FUZER & CABRAL, 2014). Os participantes das orações verbais são comumente: Dizente, o próprio locutor, que pode ser um humano ou uma fonte simbólica; Verbiagem, que aquilo que é dito e pode representar o nome do conteúdo, ou o nome do dizer ou o nome de uma língua; Receptor, que é o participante a quem se dirige a mensagem verbal; e Alvo, aquele que é atingido pelo processo de dizer – nesse caso, o Dizente age verbalmente sobre este participante. As seguintes orações exemplificam os participantes: 5 Exemplo de nossa autoria, uma vez que não se encontrou exemplos desse tipo de processo em Fuzer & Cabral (2014). Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 Quadro 19. Oração verbal e seus participantes (Dizente e Verbiagem) (FUZER & CABRAL, 2014:73) Dunga Oração verbal Dizente fala palavrões Processo durante entrevista Circunstância Verbiagem verbal Quadro 20. Oração verbal e seus participantes (Dizente, Verbiagem e Receptor) (FUZER & CABRAL, 2014:73) Dunga Oração verbal Dizente pede desculpas Processo à torcida. Receptor Verbiagem verbal Quadro 21. Oração verbal e seus participantes (Dizente e Alvo) (FUZER & CABRAL, 2014:73) O MP Oração verbal Dizente denuncia Alexandre Nardoni e por homicídio triplamente Ana Carolina Jatobá qualificado. Alvo Circunstância Processo verbal Especificamente em orações verbais, o participante Verbiagem pode ser realizado por outra oração. Nesse caso, essas podem ser de: Citação, quando se reproduz e se demarca a fala exterior introduzida no processo verbal, sem alterá-la; e Relato, geralmente introduzida por conjunções “que” e “se”, ou por uma oração não finita, atribuindose a fala a fontes externas, mas com alterações. Conforme Fuzer & Cabral (2014:75), “muitas vezes, o Relato é resultado de uma síntese do dizer de outrem a partir do entendimento manifestado pelo produtor do texto [...]”. Os exemplos abaixo explicitam tais casos: Quadro 22. Oração verbal e citação (FUZER & CABRAL, 2014:74) Oração verbal “Vai ficar uma ferida” diz Dunga. Citação Processo verbal Dizente Quadro 23. Oração verbal e relato (FUZER & CABRAL, 2014:75) CBF Oração verbal Dizente promete Processo verbal acionar Fifa por racismo de torcida peruana. Relato Os processos comportamentais, situados entre os processos materiais e mentais, representam manifestações de atividades psicológicas ou fisiológicas do ser humanos, sendo-lhes exemplos prototípicos os verbos: bocejar, dormir, tossir e dançar. Tais processos não apresentam características tão evidentes, uma vez que possuem traços materiais, mentais e/ou verbais na construção de seu significado (cf. HALLIDAY & MATTHIESSEN, 2004; FUZER & CABRAL, 2014). As orações comportamentais possuem o participante prototípico Comportante, o qual normalmente é um ser consciente, que realiza processos com características materiais (fazer), mentais (sentir/perceber) ou verbais (dizer). O exemplo abaixo ilustra esse participante: Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 Quadro 24. Oração comportamental e seu participante (FUZER & CABRAL, 2014:77) Neymar Oração comportamental dança Comportante em evento beneficente. Processo comportamental Circunstância De acordo com Fuzer & Cabral (2014:78), “alternativamente, pode haver o Comportamento, que se assemelha à natureza do Escopo-processo das orações materiais. São exemplos: “cantar uma canção”, “dar um grande bocejo”, “dar uma risada”, “dar um pontapé””. Por fim, os processos existenciais, situados entre os processos relacionais e materiais, representam a existência, o “estar no mundo” de participantes, sendo lhes exemplos de verbos prototípicos: existir, haver. Explicamnos Fuzer & Cabral (2014) que tais orações ocorrem em número reduzido nos discurso, quando comparadas aos tipos anteriormente descritos. Porém elas exercem um papel importante nos mais variados textos, como, por exemplo, introduzir participantes centrais no começo de histórias, ou mesmo (re)construir cenários ou espaços físicos em diversos tipos de textos. A oração existencial não apresenta sujeito e é constituída por apenas um participante típico, o Existente, que pode representar uma pessoa, um objeto, uma instituição, uma abstração, uma ação ou um evento. A seguinte oração exemplifica esse participante: Quadro 25. Oração Existencial e seu participante (FUZER & CABRAL, 2014:203) Oração existencial Haverá Processo existencial um cuidado maior após sessões de quimioterapia. Existente Circunstância Por fim, o quadro-síntese, abaixo, organizado por Fuzer & Cabral (2014), possibilita-nos uma visão completa dos tipos de processos e, respectivamente, dos participantes envolvidos em cada um deles, de acordo com o sistema de transitividade: Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 Quadro 26. Tipos de processos e respectivos participantes (FUZER & CABRAL, 2014:81-82) Tipos de processo Significado da Participantes Exemplos de verbos categoria Ator Material Transformativo Criativo Meta comprar, vender, mexer, Fazer Escopo pintar, cortar, quebrar, acontecer Beneficiário riscar, limpar, sujar, (Recebedor, Cliente) bater, matar, construir... Atributo Mental Perceptivo Cognitivo Emotivo Desiderativo Perceber perceber, ver, ouvir, pensar Experienciador lembrar, esquecer, sentir Fenômeno pensar, saber, gostar, desejar odiar, amar, querer... Portador Relacional Atributo ser (otimista) Intensivo caracterizar Possuidor* ser (o presidente) Possessivo identificar Possuído* estar (em paz) Identificado ter (livros)... Circunstancial Identificador Comportamental comportar- Comportante se Comportamento Dizente Verbal Atividade Dizer Semiose Existencial Verbiagem Receptor Alvo Existir Existente rir, chorar, dormir, cantar, dançar, bocejar... dizer, perguntar, responder, contar, relatar, explicar... haver, existir, acontecer... * Acrescentados por nós, uma vez que no quadro de Fuzer & Cabral (2014) não aparecem tais participantes. Procuramos demonstrar de forma discreta como o sistema de transitividade organiza os processos, os participantes e as circunstâncias no nível léxico-gramatical das orações. De certa forma, linearizamos e simplificamos a metafunção ideacional, por tentarmos tornar nossa apresentação mais didática e, consequentemente, favorecer a Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 compreensão das relações por ela estabelecidas. Contudo, é preciso advertir que em um texto esse sistema desenvolve-se interativamente e de modo não linear, envolvendo processos e participantes de forma contínua. Metafunção interpessoal A metafunção interpessoal é o recurso gramatical para se expressar e representar os interlocutores, suas intenções e relações em um ato/evento comunicativo, por meio das categorias linguísticas de: Sujeito, Finito, Complemento, Predicador ou Adjunto. Nessa metafunção explicitam-se informações relativas ao tempo (presente, passado, futuro) do evento, à modalidade (probabilidade, usualidade, obrigação e inclinação) das intenções e à polaridade (positiva ou negativa) das relações. Nela, o sistema relevante é o modo e a oração é compreendida como troca de informações. Essa metafunção permite-nos compreender o papel interativo da linguagem, uma vez que, socialmente, o homem interage verbalmente por meio da língua. Tal interação faz-se impreterivelmente através de significados construídos entre dois (inter)locutores. Nesse sentido, como destaca Gouveia (2009:34), Ao falar, o falante adopta um papel discursivo particular e dessa forma atribui ao seu interlocutor o papel complementar, esperando que ele o assuma. Por exemplo, ao fazer uma pergunta, o falante assume o papel de quem procura/busca informação e requer para o seu interlocutor o papel de fornecedor da informação pretendida. Portanto, na interação linguística, a metafunção interpessoal propicia e estabelece a responsividade (cf. BAKHTIN, 2003) entre os (inter)locutores. A responsividade interlocutora é inerente à interação social por meio da linguagem, pois, ora assumindo papel de locutor, na procura/busca pela informação, ora assumindo a posição de interlocutor, recebedor da informação, os interlocutores estabelecem entre si um mecanismo de troca de informações ou bens durante a atividade comunicativa por meio da própria linguagem. Assim, esse sistema de troca é um mecanismo propiciador da compreensão dos significados linguísticos que só se efetiva se houver compreensão (mesmo que parcial) dos significados construídos na atividade interativa. Logo, nessa atividade responsiva, destaca-se o papel da relação social e linguística estabelecida entre os interlocutores para a construção dos significados na interação linguística. Para a Gramática Sistêmico-Funcional há dois papeis fundamentais da linguagem que evidenciam o caráter responsivo da linguagem: dar e solicitar (cf. FUZER & CABRAL, 2014), ou dar e pedir (cf. GOUVEIA, 2009). Explica-nos Gouveia (2009:34) que [...] o falante ou dá algo ao interlocutor (informação, por exemplo), ou pede-lhe algo (que abra a janela, que lhe diga as horas, que lhe responda sim ou não, etc.). Mas as duas realidades, dar e pedir, estão relacionadas uma com a outra, porquanto um acto de discurso é naturalmente dialógico, uma negociação, uma relação biunívoca; enfim, é naturalmente interacção, uma troca em que dar implica receber e pedir implica dar, em resposta. Um acto de discurso não é unilaterial, requer retroacção, da mesma forma que a consequência, em qualquer sistema estável, actua sobre a causa que a determina. Durante a atividade linguística, quando se estabelece troca de informação, o que se está trocando é a própria linguagem, por meio de enunciados. Nesta troca, a intenção do locutor é que seu interlocutor tome conhecimento daquilo que é enunciado e responda à pergunta que lhe foi feita. Quando se estabelece a troca de bens & serviços, o fim não é a própria linguagem, pois ela é o meio para a efetivação da troca, que visa, na verdade, a influenciar o Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 comportamento do interlocutor. Desse modo, nessa troca, o locutor espera que seu interlocutor faça aquilo que veicula o enunciado (cf. FUZER & CABRAL, 2014). Conjugadas, tais trocas definem as quatro funções primárias da linguagem: oferta, comando/ordem, declaração/afirmação e pergunta. Cada uma das funções primárias da linguagem e das funções semânticas da oração se associam a uma determinada reação do interlocutor, pretendida por seu locutor. Quando há convergência, ou seja, a resposta é a esperada, há apoio, quando há divergência, a resposta é uma alternativa, pois há confronto em relação à pretensão do locutor. Tais reações não precisam ser necessariamente verbais. Na metafunção interpessoal, o sistema responsável pela organização léxico-gramatical da oração é o Modo6. Nesse sistema, a oração é constituída por dois componentes: modo (verbal) e resíduo. Consoante Gouveia (2009), o Modo verbal tem a função de reunir em si o peso da oração como evento interativo, ou seja, como troca de informações ou bens & serviços. Ou seja, é por meio do modo verbal que a troca verbal necessária para o engendro da interação linguística se estabelece. Nas orações finitas, o modo verbal é constituído, obrigatoriamente, por duas ou mais partes, de acordo com a língua7, que se relacionam intimamente. Na língua portuguesa, constituem esse modo verbal, o Sujeito – representado normalmente por um grupo nominal, que pode ser reiterado no texto por pronomes pessoais e demonstrativos – e o Finito – a parte do grupo verbal responsável por circunscrever e ancorar a oração em relação à referência ao tempo e espaço do discurso. Nesse sentido, o Finito é responsável por demarcar o tempo ou a opinião do locutor [modalidade] e incluir no discurso a polaridade positiva ou negativa (cf. FUZER & CABRAL, 2014). Diferentemente de outras línguas, na língua portuguesa o finito muitas vezes se realiza no próprio verbo e não como um item léxico-gramatical isolado, como é o caso da língua inglesa – por exemplo, na oração “He will go”, “will" é o Finito. Na nossa língua, o tempo verbal não necessariamente utiliza o verbo auxiliar, mas o demarca por meio da desinência modo-temporal. Nesse sentido, é preciso atentar-se para o fato das especificidades da língua portuguesa para se analisar as partes constituintes do modo verbal. Nas orações não finitas, não há o Finito no modo verbal. Assim não há ancoragem espaço-temporal realizada pelo grupo verbal. Nesse caso, o Predicador, como se verá, torna-se responsável por especificar o tempo “secundário” da oração. Como já explicado anteriormente, o sistema Modo é composto por modo verbal e resíduo. O resíduo, por sua vez, diz respeito ao restante da oração, excluído dela o modo verbal. Podem constituir o resíduo em uma oração: Predicador, Complemento e Adjunto – sendo essa a ordem típica dos elementos do Resíduo na oração. O primeiro está sempre presente nas orações, exceto quando ocorre a elipse verbal e é realizado por um grupo verbal, excetuando aquilo que seja Finito, ou a este pertença. Esse elemento pode expressar o processo (material, mental, verbal...) em que o Sujeito está envolvido, além de especificar a referência temporal diferente do tempo do evento de fala, isto é, o tempo “secundário” do discurso: presente, passado ou futuro; a voz, passiva ou ativa; e valores aspectuais, como semelhança, tentativa, espera... (cf. FUZER & CABRAL, 2014). É preciso atentar-se ao termo modo. Na metafunção interpessoal, esse termo pode estar relacionado ao sistema que organiza a oração, ou ao elemento que compõem a oração. Além disso, na teoria de tal gramática, também pode se relacionar à variável do contexto de situação. Nesse sentido, quando nos remetermos ao sistema, empregaremos o termo com a primeira letra em maiúscula (Modo), quando ao componente oracional, por modo verbal (cf. GOUVEIA, 2009), e quando à variável, com todas as letras em minúsculo (modo). 7 Gouveia (2009) e Fuzer & Cabral (2014) divergem com relação à segunda parte constituinte do modo verbal. Para o primeiro, o outro elemento é o Predicador, já que, para o autor, pelas especificidades do Português, o Finito não se aplica. Já para as segundas, a outra parte é realmente o Finito, sendo o Predicador parte do resíduo, conforme a proposta de Halliday & Matthiessen (2004). Adotaremos essa última posição, ressalvando que em Português, por vezes o mesmo elemento léxico-gramatical pode aglutinar Finito e Predicador, o que justifica, a nosso ver, também a posição de Gouveia. 6 Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 O Complemento é o elemento que tem potencial para ser sujeito, mas não o é. Normalmente é realizado por um grupo nominal, mas também pode ser realizado por um grupo adjetival. Para Gouveia (2009:37), [...] há, todavia, uma excepção à capacidade de o Complemento poder ser Sujeito. Trata-se do participante Atributo, que, do ponto de vista da transitividade (perspectiva ideacional, experencial), é um dos participantes dos processos relacionais atributivos. Nesses casos, embora as posições estruturais de Complemento (atributivo) e de Sujeito possam ser reversíveis, o Sujeito permanece Sujeito: Simpático é o João. O que justifica, portanto, em certos casos, o fato de o grupo nominal ou adjetival não ter sido escolhido para Sujeito é também o sistema de Transitividade, da metafunção ideacional. Isso destaca a interligação das metafunções na construção e organização do texto. O Adjunto é o elemento que não tem potencial para ser Sujeito e, portanto, não poderia ser escolhido para desempenhar tal papel, diferentemente do que ocorre com o Complemento. Pode ser realizado por um grupo adverbial ou preposicional e dão-nos indicações semelhantes às das Circunstâncias, da metafunção ideacional, ou seja, relativas a noções de tempo, causa, finalidade, modo, espaço... O quadro abaixo exemplifica os constituintes do Sistema Modo em orações finitas: Quadro 27. Exemplo de descrição dos componentes do Sistema Modo em Orações finitas (FUZER & CABRAL, 2014:211) Alvo de críticas pela comunidade mundial, o governo de Ahmadinejad Sujeito tem priorizado Finito Predicador a questão nos últimos nuclear meses. Complemento Adjunto Modo (verbal) Resíduo Quadro 28. Exemplo de descrição dos componentes do Sistema Modo em Orações finitas (FUZER & CABRAL, 2014:112) Os dois s... ...ão amigos de infância em São Luís. Sujeito Finito Predicador Complemento Adjunto Modo (verbal) Resíduo O quadro seguinte exemplifica o sistema Modo em orações não finitas. Quadro 29. Exemplo de descrição dos componentes do Sistema Modo em Orações não finitas 8 Ø Cantar a beleza da vida. Sujeito Predicador Complemento Adjunto Modo (verbal) Resíduo Dentro do Finito, no âmbito da forma verbal, os locutores podem demonstrar suas reações ou opiniões se valendo da polaridade ou modalidade. Nas sentenças em que se deseja afirmar ou negar, ou mesmo refutar, o locutor utiliza-se da polaridade, que é expressa tipicamente por um elemento finito, ou seja, se aplica ao tempo do evento da fala, podendo “[...] ser uma forma positiva (é, foi, está, tem, pode) ou negativa (não, não foi, não está, não tem, não pode) ou por um adjunto modal de polaridade (sim, claro, não)” (FUZER & CABRAL, 2014:112). As reações ou as opiniões na polaridade estão 8 Exemplo de nossa autoria, por não o encontrarmos em Fuzer & Cabral. Nesse caso, o sujeito seria outra oração. Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 situadas nos extremos dos polos dicotômicos, com valor negativo ou positivo. Como demonstram Fuzer & Cabral (2014), geralmente as funções primárias de pergunta e oferta (orações interrogativas) requerem informações relativas à polaridade, do tipo Sim/Não, como se percebe no quadro seguinte: Quadro 30. Exemplo de oração interrogativa com informação relativa à polaridade (FUZER & CABRAL, 2014:112) Vamos à biblioteca? Sim. Não. Sim, vamos. Não vamos. Claro. Nem pensar. Contudo, há um continuum entre os extremos da polaridade. Esse continuum permite ao locutor situar suas reações ou opiniões em níveis intermediários entre os extremos de polaridade. Esses níveis constituem a modalidade, que possibilita a construção de enunciados adequados à situação comunicativa, de acordo com fatores contextuais, interpessoais, entre outros. Segundo Fuzer & Cabral (2014:114), “a modalidade é um recurso interpessoal utilizado para expressar significados relacionados ao julgamento do falante em diferentes graus”, e é importante, pois possibilita ao interlocutor perceber o grau de reação ou opinião de seu locutor. A modalidade, por sua vez, está também relacionada à distinção entre trocas de informações (proposições) e de bens & serviços (propostas). Se se relacionam às proposições, denominam-se por modalização; se se relacionam às propostas, modulação. A modalização, também conhecida por modalidade epistêmica, ocorre quando se troca informação ou conhecimentos e pode ser expressa por vários recursos léxico-gramaticais, como verbos modais (pode, deve), adjuntos modais (possivelmente, talvez, certamente, sempre, nunca, eventualmente...), grupos adverbais (sem dúvida, com certeza, às vezes...) e expressões como: é possível, é provável, é certo.. A modulação, também conhecida por modalidade deôntica, ocorre quando se troca bens & serviços. Nas funções linguísticas primárias de comando, há graus de obrigação (permitido, aceitável, necessário, obrigatório); nas funções de oferta, há graus de inclinação (inclinado, desejoso, disposto, determinado). Ambos os graus podem se concretizar gramaticalmente através de: verbo modalizador (deve, deveria), adjuntos modais (necessariamente, obrigatoriamente, voluntariamente, alegremente), expressões: é necessário, é preciso, é esperado... A metafunção interpessoal é construída e torna-se evidente textualmente por meio de alguns recursos léxicogramaticais: Vocativo: invocações do locutor durante a situação comunicativa para chamar seu interlocutor à participação na troca conversacional; Expletivos: palavras ou expressões pelas quais o locutor demonstra sua reação ou opinião em relação a alguém ou algo. Por exemplo: Muito bem!; Parabéns!; Benfeito!; Céus!... Verbos Modais: formas verbais que evidenciam o grau de comprometimento do locutor em relação a seu discurso; Adjuntos Modais: palavras ou expressões que indicam polaridade, modalidade, temporalidade ou modo (que revela atitude ou o grau de comprometimento do locutor, por meio dos paradigmas verbais); Adjuntos de comentário: palavras ou expressões que revelam o ponto de vista do locutor, indicando admissão, desejo, opinião, avaliação, predição, solicitação etc. Por exemplo: Honestamente; Na minha opinião; A meu ver; Por favor... Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 Expressões modalizadoras: em Português, geralmente se realizam por meio da associação dos verbos ser e estar com adjetivos, como certo, possível, necessário, preciso, provável... Concluindo, procuramos demonstrar como a metafunção interpessoal se realiza concretamente em textos. Novamente, para facilitar a compreensão de tal metafunção, foi-nos preciso apresentar o sistema Modo de maneira linearizada e discreta, quando na verdade, em uma situação comunicativa os elementos léxico-gramaticais e o sistema articulam-se concomitante e complexamente para estabelecer a interação linguística, garantir a troca de informações ou bens & serviços entre os interlocutores e evidenciar suas reações ou opiniões. Metafunção textual A metafunção textual é o recurso gramatical responsável pela distribuição das informações na oração e no texto como um todo. Nela, o sistema relevante é o tema (cf. NEVES, 1997) e a variante contextual é o modo. Uma vez que o contexto influencia na forma como organizamos nossos enunciados, a oração é compreendida como mensagem (cf. FUZER & CABRAL, 2014). Há dois sistemas responsáveis pela organização da mensagem nos textos. No estrato mais amplo, isto é, no nível do texto (cf. NEVES, 1997) ou da estrutura da informação (cf. FUZER & CABRAL, 2014), os conteúdos das informações apresentadas são distribuídos pelo locutor a seu(s) interlocutor(es) de forma inter-relacionada, resultando em uma tessitura linguística, entre o que é dado e o que é novo no sistema de informação (cf. NEVES, 1997). O dado corresponde àqueles conteúdos presumidos pelo locutor como compartilhado entre os interlocutores e que pode ser depreendido ou recuperável através do contexto ou do cotexto; por sua vez, o novo corresponde àquilo que o locutor considera desconhecido por parte de seu interlocutor e, dessa forma, esse elemento não é possível de recuperação nos enunciados precedentes da interação linguística. Geralmente, esses dois elementos estão presentes nas situações comunicativas, porém, considerando as especificidades que envolvem a interação linguística, pode-se haver elipse do elemento dado ou mesmo apenas conteúdo novo. Esse mecanismo contribui para a construção da coerência e da coesão em um texto, pois o avanço do nível informacional depende do equilíbrio entre elementos dados e novos, a fim de que o interlocutor possa acompanhar a linha de raciocínio do texto, recuperando o que já foi dito e relacionando com aquilo que ainda não lhe é conhecido. Assim, a distribuição entre os conteúdos é responsável por instituir a coesão e a coerência no plano textual, garantindo também a realização das outras metafunções linguísticas, o que justifica o fato de que a coerência e a coesão não são exclusivamente elementos relacionados à sintaxe oracional. No estrato basilar, isto é, no nível gramatical, a organização da oração é construída por meio dos elementos tema e rema. O primeiro, sempre aparece no início da oração e é o elemento que serve como ponto de partida da mensagem, localizando e orientando a oração em seu contexto. Dessa forma, as variáveis constituintes do contexto influenciam nas formas de coesão (elipse, referências, substituição), nos padrões de voz e tema (voz ativa e passiva), nas formas dêiticas (referenciais, exofóricas) e na repetição de palavras para a manutenção da lógica discursiva. Ressaltamos, desse modo, que a variante contexto influencia na organização oracional e, consequentemente, na estrutura temática do texto. A disposição dos elementos na oração é perceptivelmente uma escolha do locutor, com fito de enfatizar alguma informação, a partir da qual se estruturará o tema do enunciado, contribuindo para a fluência da informação. Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 Nesse sentido, o tema é o ponto de partida, ou ainda, a base informacional sobre a qual o enunciado discorrerá. Segundo Gouveia (2009:38), [...] o Tema é o ponto de partida para a mensagem: é aquilo sobre o que a mensagem vai ser. Uma outra forma de olharmos para a definição de Tema consiste em considerá-lo como o primeiro elemento ideacional de uma oração. Equivale isto a dizer que o Tema é, do ponto de vista da transitividade, o primeiro elemento funcional que desempenha ou o papel de participante, ou o de processo ou o de circunstância numa configuração da oração como representação, isto é, numa configuração da oração como conjugação de significados ideacionais/experienciais. O Tema tem, portanto, de ter um valor ideacional e só após estar identificado esse elemento ideacional é que podemos dizer que o Tema está identificado. Como se pode notar, por ser uma gramática sistêmica, embora o tema seja um elemento metafuncional textual, é preciso identificá-lo em relação à metafunção ideacional, que organiza o enunciado a partir da representação de mundo construída linguisticamente pelo locutor. O tema pode ser realizado léxico-gramaticalmente por um grupo nominal (indicando um participante), um grupo adverbial ou um grupo preposicionado (indicando circunstância), e ainda por um verbo (indicando um processo). Tem por papel: estabelecer ligação entre os enunciados, que estão sendo e que foram construídos; revelar ou destacar o assunto do texto; e estabelecer contexto para aquilo que o segue – o rema. Nesse sentido, o Tema contribui diretamente para a construção da coerência e progressão temática do texto. Como já exposto anteriormente, no nível frástico, tema e rema só ocorrem conjugados. O rema é a parte da oração que segue ao tema. Assim, excetuando este, aquilo que compõe uma oração é o rema, em que as informações apresentadas no tema são desenvolvidas. Assim, este sempre inicia a frase, enquanto aquele a completa, na sequência. Se pudessémos representar a estrutura dessas partes na oração, teríamos o seguinte quadro: Quadro 31: Representação tema-rema na oração Oração Tema Até Parte da oração em que o Tema é desenvolvido o primeiro final do Rema elemento ideacional Consideram Fuzer e Cabral (2014:133) que “se mudarmos os elementos que ocupam a posição temática, mudamos também o efeito de sentido da mensagem, visto que o ponto de partida escolhido pelo locutor (Tema) passa a ser um e o desenvolvimento deste (Rema) passa a ser outro [...]”. O tema pode ainda ser marcado ou não marcado. Quando em uma frase declarativa, na metafunção textual, o grupo nominal que o compõem corresponde ao Sujeito, na metafunção interpessoal, temos um tema não marcado. Quando, em uma ordem não direta da frase, ou seja, aquela que não segue o esquema prototípico das línguas ocidentais, Sujeito + Verbo + Objeto, não há correspondência entre tal parte e o Sujeito, temos um tema marcado. Nas orações com tema não marcado, a compreensão da informação seria mais fácil por parte do interlocutor, uma vez que segue a prototipicidade da estrutura linguística. Porém, nas orações com tema marcado, o locutor pode destacar a informação que considera mais importante, reiterando informações dadas ou enfatizando informações novas (cf. FUZER & CABRAL, 2014). As orações abaixo exemplificam os dois tipos de temas possíveis, em frases declarativas: Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 Quadro 32: Tema não marcado em frase declarativa (FUZER & CABRAL, 2014:135) CBF A seleção de Dunga A seleção que Dunga comandou demite Dunga. perde nas quartas de final. perdeu nas quartas de final. Tema não marcado Rema Quadro 33: Tema marcado em frase declarativa (FUZER & CABRAL, 2014:135) Saem O livro, O futuro, regras da aposentadoria especial para servidores. eu comprei. a gente faz agora. Tema marcado Rema Nas frases exclamativas, que também pertence à função discursiva primária de declarar, o tema será não marcado em estruturas com o elemento QU-. Por exemplo: Quadro 34: Tema não marcado em frase exclamativa com QU- (FUZER & CABRAL, 2014:135) Que bom que Que tristeza a copa é só a cada quatro anos! foi acompanhar a derrota do Brasil! Tema não marcado Rema Nas frases interrogativas, o tema será não marcado se constituir-se por perguntas do tipo Sim/Não ou pelo elemento QU-; será marcado se constituir-se por grupo adverbial ou preposicionado. Os quadros abaixo ilustram tais ocorrências: Quadro 35: Tema não marcado em frase interrogativa (FUZER & CABRAL, 2014:136) A seleção O que Quantas faltas teria melhor desempenho com Elano? levou o Brasil à derrota? os jogadores brasileiros cometeram na partida contra a Holanda? Tema não marcado Rema Quadro 36: Tema marcado em frase interrogativa (FUZER & CABRAL, 2014:136) Na partida contra a Holanda, Na volta ao Brasil, Tema marcado quantas faltas os jogadores brasileiros cometeram? Dunga será demitido? Rema Nas frases imperativas, o verbo no imperativo será o tema não marcado, mas se houver qualquer elemento antes do verbo, o tema será marcado. Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 Quadro 37: Tema não marcado em frase imperativa (FUZER & CABRAL, 2014:136) Torça Não irrite pelo Brasil com vuvuzela. seus amigos com vuvuzela. Tema não marcado Rema Quadro 38: Tema marcado em frase imperativa (FUZER & CABRAL, 2014:136) Você, torça pelo Brasil com vuvuzela. Você, não irrite seus amigos com vuvuzel. Tema não marcado Rema Há ainda a possibilidade de se analisar o tema não marcado da frase imperativa de outra forma: considerando que há uma parte elíptica, a qual estaria implícita a solicitação de ordem ou desejo do locutor. Essa parte seria, portanto, o tema não marcado, como ilustra o quadro abaixo: Quadro 39: Outra possibilidade de análise de Tema não marcado em frase imperativa (FUZER & CABRAL, 2014:137) (Espero que você) Torça pelo Brasil. Não irrite seus amigos com vuvuzela. Tema não marcado Rema Nas orações, há outros tipos de temas, que são realizados por elementos das três metafunções: ideacional, interpessoal ou textual. Quando o primeiro elemento da oração expressa um significado representacional, ou seja, participante, processo ou circunstância no sistema de transitiva, é nomeado tema tópico. Quadro 40: Orações com Tema tópico (FUZER & CABRAL, 2014:137) O presidente do Brasil Passaram Em situações viajou para a Dinamarca. vários anos após nosso último encontro. todo cuidado é pouco. de perigo, Tema tópico Rema Quando apresenta um significado interpessoal, denomina-se tema interpessoal, geralmente ocupando posição antes do tema tópico. É composto por um ou mais dos seguintes recursos: elemento QU- (quando o locutor solicita resposta de seu interlocutor); vocativo (chamando o interlocutor); adjunto modal (tipicamente realizado por advérbio de comentário, avaliação ou atitude em relação à mensagem); e orações mentais em primeira ou segunda pessoa (expressando opinião do locutor ou visando à opinião do interlocutor). Os exemplos a seguir ilustram cada um dos elementos: Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 Quadro 41: Recursos do tema interpessoal (FUZER & CABRAL, 2014:138-139) Elemento QU- Por que o céu é azul? Que horas são? Brasil, Vocativo Professora, Infelizmente nós queremos o hexa em 2014. a ponta do lápis nossa seleção Adjunto Modal quebrou. perdeu a Copa da África do Sul. Talvez Orações mentais em Acredito que primeira ou segunda Você acha mesmo pessoa o hexa venha em 2014. Marcos Menezes será um bom técnico [...]. eu vou àquela festa sem graça? Tema tópico Rema que Tema interpessoal Quando exerce função de ligar as orações, é denominado por tema textual, ocupando na maioria das vezes o primeiro lugar no tema da oração. É composto por alguns dos seguintes recursos: conjunção (ligam as orações); sequencializadores (estabelecem coesão com enunciados anteriores); continuativos (indicam relação com enunciados antecedentes). Quadro 42: Recurso conjunção do tema textual (FUZER & CABRAL, 2014:138-139) Você tem que ser espetacular, mas [você] sem fazer da obra um espetáculo. Tema tópico Rema Tema textual Tema tópico Rema Quadro 43: Recurso sequencializador do tema textual (FUZER & CABRAL, 2014:138-139) Além disso, Tema textual Rumores dão conta de que ele não tem um bom relacionamento com o treinador do time [...]. Tema Rema tópico Quadro 44: Recurso continuativo do tema textual (FUZER & CABRAL, 2014:138-139) Bem, colegas, [eu] preciso ir embora. Tema textual Tema interpessoal Tema tópico Rema Como se pode notar, o tema de uma oração pode apresentar um único recurso, sendo, portanto, um tema simples, ou mais de um, sendo um tema múltiplo. Em todos os casos, os tipos de temas (tópico, interpessoal ou textual) compõem o tema que se combina com o rema de uma oração. Por fim, vale-nos destacar que ainda na metafunção textual, Halliday & Matthiessen (2004) aplicam a noção de tema e rema não apenas internamente à composição da oração, mas também às relações que essas estabelecem entre si para a constituição do texto. Dessa forma, tal noção indica como o encadeamento das informações tanto no nível oracional quanto no textual contribuem para a construção da coesão e da coerência temática da atividade linguística. Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 Essa noção revisa e explicita as relações estabelecidas entre orações coordenadas e subordinadas, conforme a noção gramatical tradicional. Formando um complexo oracional, a oração temática ou remática pode ser dependente ou dominante, conforme os exemplos a seguir: Quadro 45: Complexo oracional - tema dominante e rema dependente (FUZER & CABRAL, 2014:140) A partir de o pagamento das horas extras dever agora, início a partir das 18h30, Tema tópico Rema embora Tradicionalmente os trabalhos legislativos estendam pela noite. Tema Tema Tópico Rema textual Tema Rema Nesse complexo oracional, a primeira oração, apresenta internamente tema e rema, assim como a segunda, porém é o tema quando em relação com a segunda. Além disso, apresenta o conteúdo informacional, do qual a oração remática necessita para a efetivação da produção de sentido, por isso o tema é dominante e o rema é dependente. No exemplo a seguir, essa relação é diferente: Quadro 46: Complexo oracional - tema dependente e rema dominante (FUZER & CABRAL, 2014:140) Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, [o homem] não teria inventado a roda. Tema textual Tema tópico Rema Tema Tópico Rema Tema Rema Nesse complexo oracional, ambas as orações apresentam as partes constitutivas, tema e rema. Todavia, o conteúdo informacional necessário para a produção efetiva de sentidos não está na oração temática, mas na remática. Por isso, nesse caso, o tema é dependente do rema (dominante). Procuramos demonstrar como a metafunção textual organiza os elementos constituintes da oração. Demonstrou-se que tal metafunção está relacionada às demais, o que evidencia o aspecto sistêmico da proposta gramatical em questão. É preciso demarcar, novamente, que houve, de certa maneira, simplificação do funcionamento dessa metafunção por conta de nosso intuito de apresentá-la didaticamente. Como podemos notar, as metafunções estão relacionadas aos sistemas linguísticos, de tal forma que um sistema influencia mútua e tensivamente na organização da oração e, consequentemente, do texto. Tal análise funcional possibilita-nos, como pontua Neves (1997:69), compreender “[...] que o texto é, ao mesmo tempo, organização da informação, organização da interação e organização semântica”. O quadro abaixo, proposto por Neves (1997:60), especifica bem as relações estabelecidas no nível do sistema, da (meta)função e da oração: Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 Quadro 47. Relações estabelecidas pelo Sistema, Função e Oração no Texto. SISTEMA FUNÇÃO ESPECIFICAM: CODIFICAM: Transitividade ideacional Papéis representação (ator, meta, de mundo etc.) Modo interpessoal Funções (modalidade) Troca (sujeito, complemento, etc.) Tema (informação) textual Relações Mensagem (dentro do enunciado, entre enunciado e situação) Gramática Sistêmico-Funcional e ensino de Língua Portuguesa Em suma, o que a Gramática Sistêmico-Funcional enfatiza, a nosso ver, é que questões gramaticais não estão apenas relacionadas à construção interna da linguagem, mas também a aspectos contextuais, culturais, sociais e históricos, ou seja, externos à linguagem, que, no entanto, influenciam a organização textual. Com isso, há a consideração de que as relações linguísticas estabelecidas em todos os níveis para a produção de sentidos – a gramática – são resultantes tanto do sistema, quanto do uso linguístico, com mesmo grau de importância entre ambos. Trata-se, assim, de uma noção gramatical distinta daquela proposta pela Gramática Tradicional, que enfatiza - senão apenas considera – o sistema linguístico, embora utilize noções externas, para explicar as relações estabelecidas intratexto, ou ainda, que se limita ao nível da frase, não avançando para outros níveis linguísticos (cf. BAGNO, 2007). A esse respeito, Bagno (2014:103, grifos do autor) explica-nos a relação estabelecida entre sistema e uso. Segundo ele, [...] os processos de gramaticalização – tal como vêm sendo descritos pelas correntes funcionalistas e, mais recentemente, sociocognitivistas – podem ser vistos como a correia de transmissão que leva do uso ao sistema e do sistema ao uso, correia movida pelos poderosos processamentos cognitivos da língua por parte de seus falantes sempre e inexoravelmente dentro da interação social por meio das trocas verbais. A gramaticalização, isto é, a seleção, organização e distribuição dos elementos verbais no sistema linguístico, bem como o próprio estilo de construção e emprego da linguagem estão relacionados não exclusivamente ao sistema da língua, mas também ao uso e, consequentemente, aos propósitos comunicativos que os (inter)locutores fazem dela para interagirem socialmente. Dessa forma, durante o processo de gramaticalização, há uma relação tensiva entre sistema e uso. Dito de outra forma: a gramática inerente à construção de qualquer enunciado não é tão perene ou estável como postula a Gramática Tradicional – ou até mesmo outras gramáticas teóricas – e principalmente os gramáticos normativos. Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 Nesse sentido, compreender as noções propostas pela Gramática Sistêmico-Funcional é perceber que, em um texto, ao se trabalhar com determinadas noções gramaticais, precisa-se considerar também quais relações linguísticas foram construídas, para que o enunciador pudesse interagir comunicativamente em determinada situação. Com isso, dependendo da intenção do enunciador, modos diferentes são disponibilizados virtualmente pela linguagem para organizar determinado conjunto informacional e, consequentemente, concretizar a interação verbal em textos. Esses modos, por sua vez, estão relacionados às metafunções, que, como vimos, estão relacionadas aos propósitos comunicativos. Assim, mais do que classificar, a intenção de tal gramática é descrever e compreender como determinadas construções linguísticas produzem satisfatoriamente significados que correspondem aos propósitos comunicativos do locutor em relação a seus locutores e garantem a produção de significados coerentes, concomitantemente, a tais propositos e à situação comunicativa. A nosso ver, para o ensino, muito mais do que se ater à metalinguagem, o docente encontra na Gramática Sistêmico-Funcional uma gama de recursos que permitem o trabalho junto ao estudante de compreensão e reflexão sobre suas próprias construções linguísticas e de outros, que envolvem tanto o nível morfossintático, como o semântico, pragmático e textual. Adentrando por uma ou outra metafunção, o professor pode conduzir seus estudantes a reflexões pertinentes sobre como se estruturou determinado texto e, a partir disso, quais sentidos foram produzidos. A relevância está em compreender como diferentes níveis explicitam a construção de significados em um texto. Nesse sentido, o importante não é apenas compreender o funcionamento da língua, mas operar sobre os elementos linguísticos, organizando-os de maneira adequada e coerente, conforme o propósito comunicativo pretendido. Além disso, essa gramática propicia o trabalho da compreensão de determinadas formas por algumas variantes linguísticas ou mesmos em determinados contextos, sem classificá-las como erradas. O objetivo principal é entender o porquê de tal construção e seus sentidos produzidos. Oportunamente, o professor poderá analisar comparativa ou contrastivamente como a construção orientada pela gramática normativa organiza a língua e produz sentidos, permitindo ao estudante refletir sobre as diferenças e semelhanças entre as variantes linguísticas. Para finalizar, gostaríamos de demarcar que, embora a Gramática Sistêmico-Funcional possua uma metalinguagem própria, para entendimento do professor, ela pode ser correlacionada, em certos casos, à metalinguagem da Gramática Tradicional, o que possivelmente lhe facilitará sua compreensão. No que tange ao ensino e, principalmente, aos estudantes, ressalvamos que o mais adequado no trabalho com essa gramática não é o desenvolvimento de atividades de classificações e categorizações metalinguísticas, mas de compreensão e construção de diferentes possibilidades de textos que produzam sentidos adequados e coerentes com os propósitos comunicativos pretendidos pelos (inter)locutores. Referências BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola, 2007. (Educação Linguística, nº 1) _____. A gramática pedagógica do português brasileiro, in: NEVES, M. H. de M. & GALVÃO, V. C. Gramáticas contemporâneas do português: com a palavra os autores. São Paulo: Parábola, 2014. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016 FUZER, C. & CABRAL, S. R. S. Introdução à Gramática Sistêmico-Funcional em Língua Portuguesa. Campinas: Mercado de Letras, 2014. (Coleção as Faces da Linguística Aplicada). GOUVEIA, C. A. M. Texto e gramática: uma introdução à Linguística Sistêmico-Funcional, in: Matraga, Rio de Janeiro, v. 16, n. 24, jan./jun., 2009, p. 13-47. HALLIDAY, M. A. K. Explorations in the functions of language. London: Edward Arnold, 1973. (Explorations in Language Study). _____. Introduction, in: _____. An introduction to functional grammar. London: Edward Arnold, 1985. pp. XIII-XXXV. _____. & MATTHIESSEN, C. M. I. M. An introduction to functional grammar. 3ª ed. Londres: Hodder Arnold, 2004. NEVES, M. H. de M. A gramática Funcional. São Paulo: Martins Fontes, 1997. (Coleção Texto e Linguagem). _____. Texto e gramática. São Paulo: Contexto, 2013. Recebido em: 19/10/2015. Aceito em:19/04/2016 Linguasagem, São Carlos, v. 25 (1): 2016