ANTONIO CARLOS ARAUJO RIBEIRO JUNIOR

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA
CURSO DE HISTÓRIA
ANTONIO CARLOS ARAUJO RIBEIRO JUNIOR
A EXPERIÊNCIA DO JAZZ NA CONSTRUÇÃO DA MÚSICA
POPULAR BRASILEIRA: uma análise de discursos na Revista da Música
Popular (1950-1956)
São Luís
2015
ANTONIO CARLOS ARAUJO RIBEIRO JUNIOR
A EXPERIÊNCIA DO JAZZ NA CONSTRUÇÃO DA MÚSICA
POPULAR BRASILEIRA: uma análise de discursos na Revista da Música
Popular (1950-1956)
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao curso de História da Universidade Estadual
do Maranhão, como requisito para obtenção
de grau em História Licenciatura.
Orientação: Prof. Ms. Yuri Costa.
São Luís
2015
Ribeiro Junior, Antonio Carlos Araújo
A experiência do jazz na construção da música popular brasileira: uma análise de
discursos na Revista da Música Popular (1950-1956) / Antônio Carlos Araújo
Ribeiro Júnior. – São Luís, 2015.
109 f.
Monografia (Graduação) – Curso de História, Universidade Estadual do
Maranhão, 2015.
Orientador: Prof. Me. Yuri Costa.
1.Jazz. 2.Música Popular. 3.Identidade Nacional. 4.Revista da Música Popular. I.
Título
CDU: 784.4(81): 781.161 “1950 a 1956”
ANTONIO CARLOS ARAUJO RIBEIRO JUNIOR
A EXPERIÊNCIA DO JAZZ NA CONSTRUÇÃO DA MÚSICA
POPULAR BRASILEIRA: uma análise de discursos na Revista da Música
Popular (1950-1956).
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao curso de História da Universidade Estadual
do Maranhão, como requisito para obtenção
de grau em História Licenciatura.
Orientação: Prof. Ms. Yuri Costa.
Aprovada em: ___/___/______
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Prof. Ms. Yuri Costa
(Orientador)
_________________________________________________
1º Examinador
________________________________________________
2º Examinador
À minha família, minha noiva e meus amigos. E
também a algumas almas que, mesmo habitando as
regiões mais incógnitas da existência, continuam
cantando, cantarolando, solfejando ou assobiando
uma canção.
AGRADECIMENTOS
O escritor americano Edgar Allan Poe exprimiu, certa vez em um de seus poemas
intitulado Um sonho dentro de um sonho, que tudo o que se vê, ou se apresenta como a
realidade, pode ser apenas um sonho. E mais: pode ser apenas um sonho dentro d’outro. Apenas
uma camada mais funda de irrealidade, uma epiderme onírica que nos confunde os sentidos e
nos constrange ao ponto de sobrar nada além de um último esforço: a aceitação. A – nada
simples - aceitação de que nunca chegaremos ao fundo deste sonho, ou ao encontro do que há
atrás do véu. Outro escritor que confirmou isso foi o argentino Jorge Luís Borges, em O sonho
de Coleridge. Um ensaio em que o autor busca encontrar o cordão umbilical que une o sonho
de um poeta inglês do século XVIII, chamado Samuel Taylor Coleridge, ao sonho de um
imperador Mongol do século XIII. Luís Borges persegue o fio de Ariadne até perceber que os
dois sonharam o mesmo sonho em tempos e lugares deveras distintos. Uma assombrosa
coincidência? Uma interpretação apressada ou um sonho dentro de um sonho? Se a última
opção estiver correta, se realmente as sublimes imagens inconscientes daqueles indivíduos se
entrelaçaram, prefiro acreditar como o escritor que o sonho jamais acaba.
Este trabalho começou como um sonho de um baterista apreciador de jazz, blues e
rock n’ roll que tomou a forma escrita de um trabalho acadêmico de História, uma de minhas
tantas paixões. E por falar em paixão, para que isso tudo fosse possível contei com a ajuda
primeiramente da minha noiva Isabelle Myzmann Santos da Silva que me apoiou desde o início
nesta audaciosa empreitada. Ela esteve ao meu lado, me ajudando como pôde em todo o
processo e me incentivando a não desistir do meu desejo de pesquisar sobre essa temática.
Obrigado, meu amor, saiba que eu te amo muito. Agradeço aos meus amigos, Luís Fernando
Pinheiro, Paulo Arouche, Crysthian Sousa, Ronny Pereira, William Braga e outros tantos da
turma de História 2010.2, que acompanharam a evolução desta pesquisa desde o momento em
que me deparei com um livro sobre jazz do Eric Hobsbawm na biblioteca do curso, mas que
pertencia ao curso de Arquitetura. Como músico e estudante de história foi um contato
fundamental. Ali, naquele momento, um germe investigativo já estava se manifestando, com
toda certeza. Alguns nomes do curso de História foram igualmente importantes em minha
formação e não poderia deixar de citá-los nesses agradecimentos. Refiro-me ao amigo e poeta
de mão cheia Paulo Freyre, com quem compartilhei de minhas aventuras literárias. Lucas
Parreão, amigo desde os tempos da escola e um guitarrista com muita musicalidade, junto dele
tive oportunidade de tocar em vários palcos, inclusive em eventos do curso. Em alguns desses
eventos, estávamos ao lado de Erick Leandro e Thaynara Luzo, pessoas que também merecem
ser mencionadas aqui.
Aos amigos de palco e companheiros da vida, Iomar Phillip, Rodolfo e Felipe
Nunes, músicos excepcionais que tocam comigo na banda Savagez. Durante a escrita desta
monografia estávamos gravando nosso primeiro EP que tenho certeza que será muito bem
recebido pelo público da cidade de São Luís e outros tantos cantos Brasil a fora. É uma grande
honra tocar ao lado deles, sem dúvida alguma.
Agradeço profundamente aos amigos e vizinhos, João Ricardo, Lauro Martins,
Marcus Vinícius e Afonso Natan, pela grande ajuda, prestatividade e interesse no meu trabalho.
Vocês são realmente grandes amigos. Agradeço ao professor Dr. Gustavo Alonso, por ter me
orientado no começo da pesquisa e ter se esforçado para fazer o máximo que pôde enquanto
esteve no Maranhão. Guardo com muito carinho seu livro sobre o Simonal autografado em
minha biblioteca e também, ótimas lembranças. Agradeço imensamente ao Horácio Figueiredo,
e sua namorada Maria Santos por me ajudarem com as questões técnicas do trabalho. Eles
tiveram papel fundamental nesse processo, também. Obrigado pelas madrugadas mal dormidas,
amigos!
Gostaria de agradecer especialmente ao professor Yuri Costa por sua dedicação ao
assumir a orientação deste trabalho, e pelo empenho como professor. E aos professores Marcelo
Cheche Gaves, Mônica Piccolo, e Henrique Borralho exemplos de compromisso e perspicácia.
Agradecimentos especiais aos pesquisadores de jazz, Marilia Berguenmayer Giller, de Curitiba,
e a Augusto Pellegrini pelo suporte e palavras de motivação. Espero contribuir tanto quanto
eles para essa história ainda obscura, que é a história do Jazz no Brasil e alhures.
Por último, mas não menos importante, quero agradecer aos meus pais por todo o
suporte que dedicaram, e a preocupação veemente com os meus estudos durante toda a minha
trajetória no curso de História. Sei bem do esforço que fizeram para que tudo isso fosse possível.
Sem eles realmente nada disso teria sido possível. São exemplos de responsabilidade, esforço,
dedicação, amor e sacrifício. Eles sabem das minhas noites regadas de trabalho, preocupação e
desejo de produzir um trabalho acadêmico de qualidade. Obrigado, senhor Antônio Carlos
Araújo Ribeiro, senhora Rosinete Santos Nunes e minha irmã, Ana Carolina. Vocês são mais
que especiais, são meus maiores exemplos de vida. Podem acreditar.
Enfim, agradeço a todos que direta, ou indiretamente contribuíram para que os
resultados deste trabalho fossem possíveis e também aos que não acreditaram que fosse possível
falar de jazz e história no Maranhão. É exatamente no silêncio que o historiador pode escutar
nitidamente um som, nem que seja um ruído sequer. No mais, se eu pudesse e a memória
permitisse, incluiria o nome de outras tantas pessoas envolvidas nesta minha empreitada.
Felizmente, todo historiador sabe que o trabalho sempre segue e espero poder em outros
trabalhos poder agradecer a mais pessoas, pois o sonho jamais termina.
As diversas partes vivem suas vidas separadas; elas
se tocam, seus caminhos se cruzam, combinam-se um
instante para criar o que parece uma harmonia final
e perfeita, — mas somente para tornarem a separarse mais uma vez. Cada uma é sempre só, separada e
individual.
(Contraponto – Aldous Huxley)
RESUMO
Este trabalho visa analisar os discursos sobre música popular brasileira e jazz da Revista da
Música Popular, periódico carioca que circulou entre os anos de 1954 e 1956. De maneira
central, busca-se investigar as diferentes apropriações do jazz no ambiente de (des)construção
da noção de música popular brasileira e identidade nacional ao longo da década de 1950. O
periódico serve como pedra angular para essas discussões, pois preocupou-se com o estudo da
música popular em seus mais variados aspectos, uma vez que a revista reuniu diversos
intelectuais como colaboradores. O trabalho analisará os discursos sob a ótica da polifonia e do
dialogismo de Mikhail Bakhtin, por se tratar de conceitos que se manifestam na relação entre
diversas vozes no discurso. Por meio desta metodologia, pretendo analisar as ambiguidades no
trato com o jazz em meio ao projeto de autenticação da música popular defendido na revista.
Palavras-chave: Jazz. Música Popular. Identidade Nacional. Revista da Música Popular.
ABSTRACT
This work aims to analyze the discourses on Brazilian popular music and jazz of the Magazine
of Popular Music, a magazine from Rio de Janeiro that circulated among the years 1954 and
1956. Centrally, I seek to investigate the different jazz appropriations in the environment (de)
construction of the notion of Brazilian popular music and national identity, over the decade to
1950. The magazine serves as a cornerstone for these discussions, it was concerned with the
study of popular music in its various aspects. Since the magazine brought together many
intellectuals as collaborators, this work will examine the speeches from the perspective of
polyphony and dialogism of Mikhail Bakhtin, because these concepts are manifested in the
relationship between diverse voices in the speech. Through this methodology, I intent to analyze
the ambiguities in dealing with jazz in the middle of authentication project of popular music
defended by the magazine.
Key-words: Jazz. Popular Music. National Identity. Popular Music Magazine
LISTA DE IMAGENS
 Imagem 1 – Jazz Band Bico Doce.
 Imagem 2 – Os Oito Batutas, 1922.
 Imagem 3 – Jazz Band O cruzeiro (Porto Alegre).
 Imagem 4 – Partitura musical do Jazz Band Sul-Americana publicada pela Casa Wehrs.
 Imagem 5 – Segundo disco da parceria Francisco Alves e Aurora Miranda com o famoso
fox trot “Você só... mente” composto por Noel Rosa e Hélio Rosa em 1933.
 Imagem 6 – Capa da edição de número quatorze com Orlando Silva.
 Imagem 7 – Capa da primeira edição com Pixinguinha ao sax.
 Imagem 8 – Edição especial: “Choram a morte de Carmen Miranda”.
 Imagem 9 – Livro Pequena História do Jazz, Sérgio Porto.
 Imagem 10 – Obra Jazz Panorama (primeira edição).

Imagem 11 – Livro Jazz & Co. (2013) Vinícius de Moraes.
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Músicos em destaque do período de 1946 a 1957.

Tabela 2 – Primeiro Bloco: A influência do jazz e as primeiras jazz bands brasileiras.

Tabela 3 – Segundo Bloco: As jazz bands e os grandes cantores da Era do Rádio.

Tabela 4 – Terceiro Bloco: Jazz e Bossa Nova.
SUMÁRIO
p.
INTRODUÇÃO .................................................................................................
14
1.
JAZZ E MISTURA MUSICAL NO BRASIL ................................................
24
1.1
As jazz bands nacionais no início do século XX .............................................
24
1.2
Síncopes e contratempos na Era do Rádio ......................................................
37
2.
POLIFONIA NA REVISTA DA MÚSICA POPULAR ................................
46
2.1
A Bossa Nova da Imprensa Musical ................................................................
46
2.2
Um projeto para a música popular ..................................................................
55
2.3
Os silêncios e os sons da memória musical brasileira ....................................
66
3.
JAZZ: ATRAÇÃO E REPULSA .....................................................................
73
3.1
No balanço do Jazz ............................................................................................
73
3.2
Um tipo de jazz ..................................................................................................
77
3.3
Dissonâncias e contrapontos na Revista da Música Popular ........................
86
4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: REVERBERAÇÕES E
AMPLIFICAÇÕES NA DÉCADA DE 60 ......................................................
95
REFERÊNCIAS ................................................................................................
101
ANEXO 1 – Listas de músicas selecionadas para uma pequena discografia
sobre o Jazz no Brasil (CD-ROM) ..................................................................
106
14
INTRODUÇÃO
Ler, ouvir e escutar são verbos que pressupõem formas diferentes de acesso a
determinado conteúdo, mas são também formas distintas de se conceber a História. Assim, para
entender as formas como uma sociedade em um determinado momento concebeu, vivenciou ou
mesmo produziu certas sonoridades, optar por analisar apenas o que foi dito pode não ser o
suficiente, sendo necessário, nesse sentido, ter acesso aos mesmos sons do passado; à trilha
sonora de um determinado contexto para que o trabalho do historiador possa ser cada vez mais
elucidativo e satisfatório.
À luz do título deste trabalho A experiência do jazz na construção da música
popular brasileira: uma análise de discursos na Revista da Música Popular (1950-1956), busco
compreender os debates sobre o processo de construção da ideia de identidade nacional, de
música popular brasileira e sua curiosa relação de atrito com o jazz. Mas viso também ter acesso
a esses sons e ao que foi dito sobre esses sons, pois compuseram a trilha sonora do recorte
selecionado. Portanto, aqui pretendo estabelecer uma relação entre som e escrita do passado.
Neste trabalho, optei pelo jazz, justamente por ser elemento alienígena, isto é, fator
externo que se apresenta como elemento de diferenciação. Ademais, o gênero musical possuía
forte apelo comercial junto a uma nascente cultura de massa (NAPOLITANO, 2002, p. 9) e
vasta difusão na América Latina, sobretudo no Brasil1, o que resultou em uma fricção musical,
e de forma subsequente, em uma aglutinação à música brasileira. Esse processo, como viso
demonstrar, fomentou debates em torno da ideia de brasilidade na música produzida no Brasil.
Nesse sentido, o objetivo central deste trabalho é investigar as diferentes
apropriações do jazz no ambiente de (des)construção da noção de música popular brasileira ao
longo da década de 1950. O recorte se justifica porque a década de 1950 foi, por vezes,
considerada por alguns historiadores como um momento “que interrompeu o fluxo linear de
progresso criativo e desenvolvimento autônomo de nossa ‘autêntica música popular nacional”
(MORAES, 2010, p. 256). Mas também é um momento em que, segundo Maria Clara
Wasserman (2008), havia bastante espaço para diversos gêneros musicais brasileiros, até mais
do que músicas estrangeiras.
Ainda assim foi recorrente a noção de que a música brasileira estava em caminhos
de uma “decadência” na década de 1950 por conta das influências estrangeiras, uma “crise”
1
O historiador destaca o contexto entre guerras como sendo crucial para a difusão do material jazzístico em nível
global, fosse por intermédio dos aparelhos de gramofone, fosse pelas gravadoras, rádios, pelo cinema ou pelas
apresentações promovidas pela indústria cultural. Após a Segunda Guerra, a influência americana se tornou mais
evidente por meio da Política de Boa Vizinhança.
15
que, segundo os colaboradores da Revista da Música Popular (RMP), deveria ser combatida,
conclamando as rádios e os leitores que voltassem sua atenção para os músicos de vanguarda,
sendo estes vistos como “puros”, ou seja, os mais autênticos músicos brasileiros.
Nesse sentido, é necessário investigar primeiramente o ambiente de recepção do
jazz no Brasil. Assim, no primeiro capítulo Jazz e mistura musical no Brasil, a partir do tópico
As primeiras jazz bands nacionais, o foco será analisar a influência do jazz nas bandas regionais
e orquestras tradicionais, originando as primeiras bandas de jazz brasileiras. Pretendo entender
porque essas bandas adotaram o rótulo “jazz band”, sendo os primeiros registros dessa
influência datados do início do século XX.
As décadas 1930 e 1940 já apontam para uma necessidade de formular o que de
fato era “nacional”, devido ao investimento do Estado Novo em selecionar, censurar conteúdos
e privilegiar a imagem de outros artistas que passavam a carregar a alcunha de “vozes do brasil”.
Valter Krausche identifica esse Estado como “disciplinador” e “musical” (KRAUSCHE, 1983,
p.51), que absorvia as manifestações populares e que se preocupava com sua difusão, tanto no
espaço nacional quanto internacional.
Em idos da década de 1940, os acordos diplomáticos gerados pela Política de Boa
Vizinhança reacenderam novas influências do jazz na música brasileira e uma nova mistura. “A
voz musical da América tornava-se uma referência na ‘mistura’ musical do Brasil, entrava
definitivamente na rede do ‘grande abraço’” (KRAUSCHE, 1983, p. 59). Essa troca cultural,
afetou justamente os artistas de renome nacional que viriam a compor a Era de Ouro da música
popular brasileira por fazerem parte da Era do Rádio.
Assim, ainda no capítulo 1, no tópico Síncopes e contratempos na Era do Rádio, o
objetivo é perceber a continuação dessas bandas de jazz em importantíssimas gravações
realizadas por cantores famosos das décadas de 1930 e 1940, sendo a maioria destes associados
à Época de Ouro da música popular2, mas também destacar o nascimento de vozes dissonantes,
contrárias à influência do jazz na música brasileira.
Em síntese, é necessário pontuar que o jazz chegou ao Brasil em meio às discussões
sobre música e identidade nacional, estabelecidas primeiramente pelos intelectuais folcloristas.
Esses debates se baseavam, grosso modo, em motivações de cunho identitário, nacionalista,
colecionista e memorialista.
Identitário porque desde os primeiros estudos de Mário de Andrade, Renato de
Almeida e Silvio Romero sobre a música brasileira se creditou às canções folclóricas a principal
2
Denominação cunhada por Ary Vasconcelos referindo-se ao cenário da produção musical dos anos 1930.
16
herança cultural do país. Nacionalista porque tal herança seria resultante do encontro das três
raças formadoras da nação: a portuguesa, a indígena e a negra africana. Colecionista pela
necessidade de preservar de toda e qualquer influência “impura” as peças folclóricas3, e
posteriormente memorialista, pelo exercício da primeira geração de historiadores da música
popular urbana de preservar, valorizar e pesquisar a história da música brasileira e suas raízes
por meio da memória individual.
Há um silêncio nos estudos folclóricos sobre esse primeiro contato com o jazz, pois
a preocupação com o resgate da música folclórica era de preservar os gêneros musicais
“brasileiros”, como o maxixe, o lundu, as modinhas e os sambas, do modelo de modernização
europeu que se queria aplicar no Brasil pelas elites no início do século XX, espécie de
branqueamento da cultura brasileira baseado nos padrões da Belle Époque (CONTIER, 1998,
p. 3). Naquele momento, as elites carioca e paulista projetavam no Brasil uma varredura da
cultura popular, isto é, daquilo que significava algo atrasado e não-civilizado. Essa postura tinha
relação com a concepção europeia de cultura, que naquele momento estava no centro dos
debates nacionalistas.
Segundo Ciro Flamarion (1997), a noção de cultura aos moldes franceses estava
relacionada com a ideia de civilização, e esta ideia denotava a superação da barbárie, dos
aspectos não-civilizados do homem. Em outros termos, uma “alta cultura” afastada e tolhida de
toda e qualquer selvageria. A noção de cultura popular para os alemães, pelo contrário, enaltecia
as raízes folclóricas e os valores do campo como reduto da verdadeira nacionalidade devido à
sua lentidão nas mudanças estruturais, em contraposição à vida urbana, esta última mal vista
pelos folcloristas alemães.
Dessa forma, os modernistas, influenciados pelas ideias nacionalistas e folcloristas,
começavam a pensar o Brasil pelo Brasil. Os pioneiros a tratarem das peças musicais brasileiras
influenciados pelo ideal alemão de cultura popular foram Renato de Almeida, Oneyda
Alvarenga e Mário de Andrade. Renato Almeida chegou a afirmar na II Semana Nacional do
Folclore que “abandonar o folclore é contribuir para desnacionalizar, é cometer o mesmo crime
que desflorestar as nossas terras4” (VILHENA, 1997, p. 194). Já Mário de Andrade afirmava
que “a música popular brasileira é a mais completa, mais totalmente nacional, mais forte criação
da nossa raça até agora” (ANDRADE, 1962, p. 24).
3
É importante destacar que para este grupo de estudiosos da música popular, composto por pesquisadores
folcloristas, a música urbana não poderia ser autenticamente brasileira por causa de sua facilidade de mistura com
outros estilos no momento de sua difusão por intermédio das rádios e outros meios de comunicação, estabelecendo
uma função meramente comercial à música.
4
Segundo o autor, essa fala tem mais ligações com a atração do que pela repulsa das influências externas.
17
É possível que a apatia em relação às bandas de jazz nacionais tenha se dado devido
ao fato desses folcloristas modernistas não terem visto com bons olhos a música urbana, sendo
esta, para eles, mais propícia à comercialização e à mistura com influências estranhas, essa
opção foi em boa parte por conta do ideal nacionalista em voga na época.
O próprio Mário de Andrade afirmou em Ensaio Sobre a Música Brasileira (1962)
que “todo artista brasileiro que no momento atual fizer arte brasileira é um ser eficiente com
valor humano”, mas também afirma que “o que fizer arte internacional ou estrangeira, se não
for gênio, é um inútil, um nulo. E é uma reverendíssima besta” (ANDRADE, 1962, p. 19). Isto
é, mesmo valorizando um tipo de músico – aquele que executa um repertório de músicas
brasileiras –, Mário de Andrade fala da possibilidade de músicos executarem também o
repertório estrangeiro, caindo sobre estes a responsabilidade de o fazer de maneira satisfatória.
Não estava claro, portanto, se havia ou não uma repulsa por parte dos folcloristas
em relação à música estrangeira. A clássica fala de Mário de Andrade, ao se deparar com um
maxixe intitulado Aruê de Chango, de João da Gente, é um exemplo fundamental. O
pesquisador afirmou não perceber na peça musical ameaça alguma do jazz a sua musicalidade,
pelo contrário, diz que “os processos polifônicos e rítmicos de jazz que estão nele não
prejudicam em nada o caráter da peça. É um maxixe legítimo. De fato, os antepassados
coincidem” (ANDRADE, 1962, p. 222).
Em relação aos interessados na música urbana, que foram encabeçados por
Almirante, Mariza Lira, Jota Efegê e Lúcio Rangel, entre outros, era necessário valorizar ambas
as manifestações culturais brasileiras5. Essa corrente – surgida dentre as décadas 1930 e 1940
– visava valorizar a música popular urbana que havia sido marginalizada em prol de um projeto
folclorista em vigência.
Se por um lado esses novos pesquisadores bebiam nos moldes da pesquisa
folclórica, por outro se distanciavam da apatia desses estudos em relação às peças musicais
urbanas, pois, como afirma José Geraldo, “na época tanto para os historiadores de ofício como
para os intelectuais preocupados com a preservação e a difusão da cultura nacional, a música
popular urbana não tinha nenhuma importância cultural ou social” (MORAES, 2010, p. 1).
É possível localizar em ambos os grupos de historiadores que se debruçaram sobre
a música popular e a identidade nacional um discurso obscuro, ambíguo sempre que se tratava
do local da música estrangeira na música brasileira. Como o próprio Mário de Andrade analisou
5
Segundo Paulo Vilhena, pode-se considerar um movimento folclórico no Brasil entre 1947 e 1964, quando do
enfraquecimento dos estudos folclóricos por causa do Golpe. Portanto, folcloristas urbanos e tradicionais
coexistiram nesse meio tempo.
18
em suas pesquisas, a música brasileira era híbrida, misturada, um encontro de povos de cultura
e raça distintas, portanto deveria sempre lidar de maneira inteligente, com os elementos
musicais de outros povos, “sem preconceito”. Porém, não poderia ser “nem exclusivista, nem
unilateral”, e deveria ter uma reação a essa influência, ou seja, deveria utilizar
“espertalhonamente” o elemento estrangeiro, “pela deformação e adaptação dele. Não pela
repulsa” (ANDRADE, 1962, p. 26).
É justamente por causa dessa metodologia que o discurso dos folcloristas urbanos
ou heterodoxos6 será o principal foco deste trabalho, uma vez que parecem dar mais atenção do
que os primeiros folcloristas à questão da influência do jazz e outros gêneros na música
brasileira. Essa influência estrangeira na música brasileira – que se tornou cada vez mais notória
entre 1940 e 19507 – resultou em um apelo de alguns desses historiadores a uma memória
musical baseada na Era de Ouro da música popular.
A necessidade de rememorar, divulgar e valorizar as músicas do passado, somada
à necessidade de coletar dados e promover pesquisas sobre as raízes da música brasileira, se
fizeram presentes na Revista da Música Popular, influente periódico da década de 1950 que
reuniu diversos intelectuais e artistas a favor do mesmo projeto, e que constitui principal fonte
deste trabalho.
Portanto, após estabelecer um conhecimento prévio da presença do jazz e seu
reflexo na música popular no Brasil no início do século XX, o trabalho seguirá para a análise
dos discursos presentes na Revista da Música Popular. Por isso, no capítulo 2, no tópico A Bossa
Nova da Imprensa Nacional, a preocupação será analisar a RMP, a começar pela a estrutura da
revista, o perfil de seus colaboradores e suas funções no periódico, seguindo uma narrativa mais
contextual.
Assim, ainda no segundo capítulo, após estabelecer um conhecimento sobre o
periódico irei iniciar a análise dos discursos, a partir dos tópicos Um projeto para a música
popular e Os silêncios e os sons da memória musical brasileira, proponho analisar a forma de
tratamento da revista em relação aos músicos da Época de Ouro e os ditos “imitadores”, termo
6
Denominação utilizada para se referir aos estudiosos da música brasileira da década de 1950 que foram
influenciados pelo método de pesquisa folclorista.
7
Intensificou-se o consumo de bens estrangeiros e a troca cultural entre americanos e latinos no pós-guerra com a
Política de Boa Vizinhança. Criada no governo do presidente Franklin Delano Roosevelt em 1930, essa estratégia
político-econômica visava superar os ditames da Doutrina Monroe, a fim de estabelecer laços econômicos fortes
com a América Latina. No artigo A Política de Boa Vizinhança e a influência cultural estadunidense na América
Latina, Guilherme Augusto do Nascimento e Jonatas Pinto Lima afirmam que, entre as décadas de 1930 e 1940,
um órgão intitulado Office of the Coordinator of the Inter-American Affairs (OCIAA), depois chamado de Office
of the Inter-American Affairs, foi responsável por promover a produção e a exibição de conteúdos da cultura norteamericana, como produções cinematográficas, conteúdo musical e artes em geral.
19
recorrente no periódico, geralmente associado aos músicos que flertaram com o jazz e que,
segundo os colaboradores da revista, compactuavam com a “decadência” da música brasileira.
No terceiro e último capítulo, intitulado Jazz: atração e repulsa, pretendo discutir
a relação ambígua do periódico em relação ao jazz, pois percebo que, mesmo com um projeto
de “reavivamento” da música brasileira e da tentativa de arquivar, pesquisar e valorizar os mais
diversos sons originalmente brasileiros, em todas as quatorze publicações havia artigos,
discografias, crônicas e reportagens a respeito do gênero musical americano, fato que não
aconteceu com os demais estilos estrangeiros.
Além disso, alguns dos críticos musicais do periódico foram os responsáveis pela
produção das primeiras obras de jazz nacionais, que também apresentarei neste trabalho. Em
outras palavras, pretendo analisar a forma como o jazz e seus referenciais de musicalidade,
estilo e expressão cultural são debatidos pelos críticos da Revista da Música Popular, a fim de
perceber a relação entre música popular, jazz e identidade nacional no periódico estudado.
Nesse sentido, no capítulo 3 pretendo prosseguir na análise dos discursos presentes
na RMP, com o foco nos artigos relacionados ao jazz e seus elementos de expressão e
musicalidade. O objetivo é analisar as formas como o jazz é debatido pelos críticos musicais no
periódico e as razões para tal interesse. À priori, essa análise será feita sob a concepção de
polifonia, que para Mikhail Bakhtin pressupõe uma produção textual em que os sujeitos
possuem vozes distintas e independentes. A polifonia é composta por “sujeitos de seus próprios
discursos” (BEZERRA, 2012, p. 195), isto é, é uma forma de representar a pluralidade de vozes
no texto, agindo de maneira independente, com características discursivas próprias8.
Para além disso, a polifonia serve como metáfora, na medida em que se manifesta
não apenas na linguística, mas também na música, sendo, grosso modo, uma forma de canto
forjada por várias vozes e sendo utilizada também no jazz, no qual era “aplicada ao emprego
simultâneo de várias melodias ou linhas contrapontísticas” (SCHULLER, 1968, p. 444).
Há algumas questões fundamentais que permeiam os capítulos 2 e 3, como por
exemplo, a forma como foi discutida a “música popular” na RMP. Estariam esses debates
vinculados a uma tentativa de formatação da noção de “identidade nacional” na época?9 Se
8
Sabendo que há a possibilidade dessas vozes dialogarem tanto com a bibliografia de jazz estrangeira quanto entre
si, poderá surgir a necessidade de utilizar o conceito de dialogismo, ou intertextualidade, pois nesta representação
os sujeitos dialogam, sem necessariamente chegar a uma noção estanque de verdade ou autenticidade. O
dialogismo é portanto, segundo Paulo Bezerra (2012), um “processo de comunicação interativa” de onde se
manifesta a polifonia, isto é, a multiplicidade de vozes.
9
Segundo Marcelo Ridentti (2000), as décadas de 1950 e 1960 foram profundamente marcadas por essas
discussões de cunho identitário. Na década de 1950, a busca da identidade nacional vivia o dilema da
“modernização” e da necessidade de manutenção das tradições culturais brasileiras. Em fins dos anos 1950, houve
um recrudescimento do combate à influência político-cultural dos Estados Unidos e a manifestação de uma busca
20
havia um combate contra as influências externas, por que houve a preocupação com a
autenticidade e apreciação do jazz no periódico? Por que a escolha do jazz e não de outro ritmo
estrangeiro? Quais foram as razões para tal ambiguidade? Em que medidas esses debates
influenciaram a música popular brasileira na década de 50? São questões de significativa
relevância que este trabalho visa se debruçar e analisar.
Parece haver uma continuidade na concepção folclorista na década de 1950, por
causa do grande prestígio que o Movimento Folclórico obteve na sociedade, chegando a
influenciar outros pesquisadores da classe média, advindos dos grandes centros urbanos, dentre
eles Lúcio Rangel, principal diretor da Revista da Música Popular e aficionado por jazz. Nesse
sentido, se não estava claro o lugar da música internacional na música brasileira nos estudos de
Mário de Andrade e de outros folcloristas tradicionais, muito menos claro estava no discurso
dos colaboradores da revista que buscavam enaltecer a música popular urbana.
A escolha da fonte se justifica pelo período em que a RMP circulou de 1954 a 1956,
e também pelo significado que a década de 1950 assumiu na historiografia da música popular:
um lugar um tanto marginalizado e estigmatizado para alguns historiadores, que sob essa ótica
a veem como um tipo de “idade das trevas” da música brasileira, menos importante do que as
décadas de 1930, quando há a necessidade de construção da imagem de artistas nacionais e a
de 1960, quando nasce a chamada “música de protesto”.
Por conta dessas discussões que repercutiram no cenário musical da época, o
objetivo principal é analisar os debates estabelecidos sobre música brasileira na Revista da
Música Popular e, após, o local do jazz nas discussões sobre o que significa música popular no
Brasil na década de 1950 e só então tentar entender o espaço do jazz no debate sobre identidade
nacional.
Por fim, farei algumas breves considerações sobre a década de 1960, tendo em vista
uma continuidade das discussões sobre jazz e música brasileira, e sendo o jazz dessa vez
completamente rechaçado por uma corrente radical de críticos nacionalistas, a exemplo de José
Ramos Tinhorão. Marxista, Tinhorão combateu a influência estrangeira de maneira veemente
em quase todas as obras que produziu sobre música popular. Compactuam com sua visão Vasco
Mariz e Ary Vasconcelos, formando um grupo de historiadores preocupados com a total pureza
da música brasileira e temerosos pela influência imperialista do jazz.
vinculada à idealização dos homens do campo, como redutos da pureza nacional. Para o pensamento intelectual
de esquerda, era necessário repensar a cultura brasileira com vistas nas raízes populares. O que pode explicar em
parte a idealização dos colaboradores da RMP pela Velha Guarda, que embora fosse formada por músicos
populares das rádios, era tratada de maneira romantizada, folclórica.
21
A década de 1960, contudo, traz à tona uma série de questões que extrapolam os
limites deste trabalho, ficando a cargo de uma posterior e mais cuidadosa análise. É necessário
apenas identificar no fim do ISEB, e surgimento do CPC – Centro Popular de Cultura10 – uma
nova concepção de cultura popular que repudia principalmente o jazz como produto alienante
e imperialista. Estas questões estarão presentes, de maneira sucinta, nas considerações finais,
de título Reverberações e amplificações na década de 60.
Assim, a bibliografia utilizada neste trabalho se baseia na historiografia da música
popular, mas também na historiografia sobre jazz, na qual pude coletar informações sobre esse
gênero, a fim de entender melhor sua linguagem e de estabelecer um raciocínio crítico sobre o
momento de encontro entre ele e a música popular brasileira.
Em virtude do exposto, o trabalho segue sobre uma concepção de análise que busca
relacionar a escrita e a escuta, apresentando, além da discussão historiográfica, possibilidades
de análise e acesso ao material fonográfico selecionado11. Tal necessidade se justifica ainda
pelo contato com discursos que insinuavam uma ligação umbilical entre o jazz e a música
tradicional, como no caso de Mário de Andrade, que chegou a afirmar que o jazz e o maxixe
Aruê Chango têm origens comuns.
Portanto, é necessário que o historiador tenha contato com os sons do passado para
melhor compreender as discussões sobre eles dentro do recorte estudado. Como este trabalho
tem por interesse a análise da mistura musical e suas resultantes do ponto de vista crítico e
artístico no Brasil, o repertório selecionado para a escuta deve começar exatamente pelas
primeiras jazz bands nacionais12.
O primeiro bloco resulta da coleta e da escuta de peças gravadas por essas bandas
de jazz nacionais. O segundo bloco é de canções representativas, que fizeram sucesso entre as
décadas de 1930 e 1940 e que tinham de certa forma um flerte com o jazz em suas orquestrações,
as chamadas “fox-canções”. Essas músicas eram interpretadas por cantores famosos do rádio e
gravadas em conjunto de jazz bands brasileiras.
O terceiro e último bloco se refere à escuta dos músicos que pensaram em
modernizar o samba, inserindo nele elementos jazzísticos de maneira lapidada e que por isso
Instituição vinculada a UNE – União de Estudantes – em 1961, extinta apenas na época do Regime Militar.
A escolha por esta metodologia não é simplesmente estética ou apenas para proporcionar uma experiência fruída.
O material fonográfico foi coletado justamente para fundamentar o debate historiográfico e a análise dos discursos.
Nesse sentido, segundo José Geraldo Vinci de Moraes, o uso de tal metodologia “[apontaria] para a possibilidade
e, principalmente, a viabilidade do historiador tratar a música e a canção popular como uma fonte documental
importante para mapear e desvendar zonas obscuras da história, sobretudo aquelas relacionadas com os setores
subalternos e populares” (MORAES, 2000, p. 203).
12
No corpo do texto pretendo apresentar também imagens de algumas dessas bandas de jazz, para fins de uma
melhor visualização de sua formação instrumental.
10
11
22
foram iniciadores do movimento Bossa Nova, estilo musical pelo qual os colaboradores da
Revista da Música Popular nutriam certo repudio. Essas gravações se iniciaram no final da
década de 1950.
Sendo assim, o texto monográfico vai acompanhado de um CD contendo uma
divisão em três blocos de gravações raras para ser escutado e analisado juntamente com este
texto. A proposta é oferecer maior proximidade com o material de gravação do período e do
objeto em questão, facilitando o acesso à paisagem sonora13 que será aqui discutida. As canções
foram escutadas, analisadas e separadas ao longo da pesquisa.
As principais fontes utilizadas para a coleta foram os sítios Chiadofone, página
virtual que reúne um significativo banco de canções raras gravadas em discos de 76 e 78rpm14,
o programa A canção no tempo da Rádio Batuta, baseado na obra de Zuza Homem de Mello e
Jairo Severiano, e que conta com um acervo de canções de sucesso do começo do século XX
até o fim da década de 1970. Essa página virtual foi de extrema relevância para a pesquisa, pois,
por meio dela pude fazer a escuta de gravações do período de 1920 a 1960, bem como
acompanhar os debates sobre música popular lá estabelecidos.
Ainda na programação da Rádio Batuta, contei com o programa Jazz, apresentado
por Reinaldo Figueiredo, especificamente, os blocos Jazz no cinema e Muito além da Bossa
Nova, que somaram bastante aos meus conhecimentos sobre jazz e música brasileira.
Documentários como Lúcio Rangel e o Jazz, Lúcio Rangel e o choro e Lúcio Rangel e o samba,
presentes na mesma rádio e apresentados por João Máximo, também foram de fundamental
importância para a pesquisa.
Fiz ainda consultas e realizei a escuta de peças musicais de jazz bands brasileiras
na página virtual do Instituto Moreira Sales (IMS), e no sítio Música Chiado, que apresenta o
mapeamento de 40.000 gravações, em meio a esse número mais de 416 gravações raras, dentre
dobrados, frevos, maxixes, schottisches e foxes gravados pelas jazz bands brasileiras. Lá pude
localizar datas de gravações, nomes de compositores e outras gravações de bandas de jazz ou
orquestras que se propuseram a tocar jazz com ou sem interpretes.
Além disso, pude realizar a escuta de gravações realizadas pelos grandes cantores
da Época de Ouro. Algumas destas canções pude encontrar no youtube.com com bastante
dificuldade, sendo estas disponibilizadas em diferentes canais de entusiastas da música popular
13
Ou soundscape, termo cunhado pelo compositor e ambientalista R. Murray Schafer para estudar os sons naturais
e seu impacto na sociedade. José Geraldo Vinci de Moraes se vale desse conceito para entender as nuances,
vicissitudes e questões envoltas na produção musical de determinado contexto histórico.
14
Discos de setenta e seis e setenta e oito rotações por minuto. Discos que antecederam os LPs no início século
XX.
23
brasileira. A fim de me certificar a respeito dos dados referentes a essas gravações, fiz
constantes consultas à página virtual do Instituto Memória Musical Brasileira.
Igualmente, realizei consultas e coleta de informações sobre variadas jazz bands
brasileiras nos blogs Arquivo Histórico e Bacanelli História, em que pude ter contato com o
cenário musical de localidades na cidade de São Paulo – como Ribeirão Preto e Catanduva –
no começo do século XX, bem como a utilização de imagens de algumas dessas bandas.
Por tudo isso, a presente pesquisa é resultado de meus questionamentos em relação
ao trato com a música durante a graduação no curso de História Licenciatura da Universidade
Estadual do Maranhão e de minhas atividades como bolsista de fomento PIBIC/CNPq. Por meio
da bolsa de pesquisa pude trabalhar entre agosto de 2013 e julho de 2014 no projeto intitulado
Iniciação à Pesquisa em Música Popular, tendo o Professor Dr. Gustavo Alonso como
orientador e o professor Ms. Yuri Michael Pereira Costa como co-orientador, no que resultou
em apresentações orais e confecção de relatórios.
Ao longo de pouco mais de um ano de pesquisa pude reunir numerosa bibliografia
sobre jazz e música popular brasileira. Pude ter acesso também aos 14 números da Revista da
Música Popular, bem como às primeiras publicações nacionais sobre jazz, ambas as fontes
oriundas do início da década de 1950. Essas fontes foram analisadas e, no caso da revista,
digitalizados alguns de seus artigos.
Em meio às leituras e análise das fontes, foram estabelecidos alguns encontros com
o orientador por meio dos quais os rumos da pesquisa foram tomando forma, uma vez que, de
uma proposta ampla – música popular brasileira –, chegou-se a um recorte e um local específico
de estudo, resultando em satisfatórias apresentações orais no Seminário de Iniciação Científica
e elaboração de relatórios para o CNPq.
O professor Ms. Yuri Costa à frente da orientação, além de ter tido contato com a
historiografia da música popular, também propiciou uma retomada da discussão desenvolvida
na disciplina optativa História da música no Brasil, ministrada por ele na Universidade Estadual
do Maranhão, o que somou bastante no fomento à qualidade deste trabalho. Nesse longo
processo, foram articuladas reuniões, questionamentos, debates sobre as fontes e os dados
coletados, bem como o incentivo à pesquisa, principalmente, no que tange o seu caráter teóricometodológico. Portanto, o texto que se segue pretende minimamente expor de forma elucidativa
os resultados obtidos.
24
1 JAZZ E MISTURA MUSICAL NO BRASIL
1.1 As jazz bands nacionais no início do século XX
Realiza o Brasil Esporte Club, no próximo dia 18, no Salão do Conservatório,
um festival musical e dançante. Tomam parte nessa festa os aplaudidos
musicistas Vicente de Lima, João da Costa Aguiar, Francisco Lerosa e
Guilherme Mignone. Tocará, durante as danças, que se seguirão à parte
musical, o jazz-band sob a direção do Sr. José Maria. Na secretaria do Club
estão desde já, à disposição dos sócios, os respectivos convites15.
Eis o anúncio de um festival de música patrocinado pela agremiação Brasil Esporte
Club da cidade de São Paulo, presente na seção “Vida Social” do jornal Folha da Manhã de
quatro de julho de 1925. O texto fala sobre uma “jazz-band” nacional contratada para tocar
enquanto os convidados dançassem em um salão particular. A presença dessas bandas de jazz
no Brasil, porém, não ficou restrita a associações privadas como pode parecer ao ler o texto
supracitado, mas como afirma Jair Paulo Labres, “na medida em que os anos passam pela
década de 1920, mais e mais jazz bands aparecem em anúncios de bailes carnavalescos, em
clubs e associações no Rio de Janeiro” (LABRES FILHO, 2014, p. 10).
Antes de adentrar na questão do jazz no Brasil é necessário fazer um sucinto
preâmbulo sobre o surgimento do jazz nos Estados Unidos, nas primeiras décadas do século
XX, a fim de situar melhor seu significado enquanto fenômeno social e musical. Após esse
resumo retomarei o contexto de inserção do gênero musical no Brasil16.
Em primeiro lugar, é possível admitir que o gênero foi uma evolução das canções
de trabalho, das canções espirituais e do blues17, esse último oriundo da relação cultural do
negro e do europeu, em fins do século XIX, isto é, já no término da escravidão nos Estados
15
Vida Social, Folha da Manhã, São Paulo, p. 4, 04/05/1925.
A intenção é nortear sobre os pontos principais de surgimento e proliferação do jazz de forma rápida e sintética,
haja vista o interesse maior neste trabalho ser de fato sua chegada no Brasil. Algumas obras para os interessados
em aprofundar os conhecimentos sobre a história do jazz podem ser a História Social do Jazz de Eric Hobsbawm,
que utilizo neste trabalho, e que traz uma análise histórica e social sobre a trajetória do jazz de sua “pré-história”
– como chama o historiador – até sua “Idade moderna”, entre as décadas de 60 e 70. Para entendimento dos
referenciais musicais, da formação musical a partir de elementos da cultura africana e europeia, há o livro O velho
Jazz de Gunther Schuller e sobre a questão mais voltada para sua contribuição no território norte-americano o livro
Jazz e sua influência na cultura americana de Leroi Jones. Para um melhor entendimento dos vários estilos de
jazz que se desenvolveram recomendo o livro O jazz do rag ao rock de Joaquim E. Berendt.
17
As canções de trabalho, ou work songs eram canções folclóricas cantadas nas plantações de algodão, ou outros
serviços nos tempos da escravidão, enquanto as canções espirituais, ou spirituals eram cantadas nas igrejas pelos
negros convertidos ao protestantismo. O blues é uma forma de canto, geralmente de doze compassos, no formato
de canto-resposta, uma das novidades trazidas da África. Esses cantos individuais, porém, tinham muita influência
da cultura europeia, pois modificava a escala comum e dava elementos rítmicos diferenciados, não subtraindo,
porém, as características europeias harmônicas, mas inserindo a blue note, isto é, um elemento melódico
bemolizado. Segundo Roberto Muggiati (1999, p. 24), essa modificação melódica constituía uma forma de
resistência aos padrões europeus de musicalidade impostos ao negro e que mantinha aspectos da escala europeia
apenas para que não soasse estranho ao colono.
16
25
Unidos. Quanto ao significado da palavra jazz, o pesquisador Roberto Muggiati destaca
diversas possibilidades18, dentre as quais jaser, do francês “tagarelar, ou jasz, monossílabo da
África Ocidental que quer dizer “coito”, ou mesmo da gíria elisabetana jass, significando
“entusiasmo” ou “vibração” (MUGGIATI, 1999, p. 8).
Geralmente os historiadores de jazz mais tradicionais apontam como centro desse
desenvolvimento a cidade de Nova Orleans, embora alguns estudos mais recentes tentem
demonstrar que, na verdade, em diversas regiões também se faziam presentes manifestações
musicais semelhantes que dariam forma ao jazz, como por exemplo o blues. Entre algumas
dessas regiões destaco a cidade do Alabama, no Sudeste do país, e Saint Louis, localizada no
estado de Missouri. Entretanto o mais provável é que a cidade de Nova Orleans tenha
proporcionado um maior desenvolvimento ao jazz devido à sua localização geográfica e ao
ambiente propicio à mistura cultural.
Somente no começo do século XX esse estilo de música migraria para os grandes
centros urbanos ao norte dos Estados Unidos, como Chicago e Nova York, e lá encontraria
quem se interessasse em gravá-lo. O mercado de discos emergente e a grande demanda de
músicos negros, que saía da condição de pobreza do Sul em direção ao Norte, em busca de
emprego facilitou essa enorme difusão musical, surgindo os dois estilos tradicionais de jazz:
Dixieland e New Orleans19.
Entre os anos 1920 e 1930 há o surgimento de um mercado propício às bandas de
jazz. A partir deste momento, “o jazz tornou-se mais ‘popular’ do que nunca. As grandes bandas
negras de dança, nos anos seguintes a 1930, foram um entretenimento nacional”, portanto “essas
bandas também foram a influência mais forte sobre a música popular e o entretenimento dos
americanos, por vinte anos seguidos” (JONES, 1963, p. 168). Por conta desta comercialização
e da rápida proliferação do jazz, sua popularização se tornou possível fora dos Estados Unidos.
18
Essa origem obscura do sentido real da palavra jazz pode estar relacionada com a mistura racial em que se deu
seu surgimento, pois foi um gênero que se desenvolveu de maneira lenta por intermédio da intersecção de negros
africanos, espanhóis, franceses, e ingleses ainda nos tempos do regime escravocrata. Talvez por isso cada
significado e grafia tomem formas em línguas distintas, podendo se tratar de algum tipo de disputa por sua
paternidade.
19
Segundo os historiadores de jazz, essa migração aos centros urbanos foi de extrema relevância para as adaptações
que o jazz sofreu através dos anos. Os dois primeiros estilos de jazz eram basicamente chamados de estilo New
Orleans, ou tradicional – por conta da formação instrumental e da forma de tocar dos negros sulistas – e estilo
Dixieland, estilo diferenciado de executar o jazz tradicional inventado pelo conjunto de jazz Original Dixieland
Jazz Band. Eric Hobsbawm (2011) comenta que o estilo de Nova Orleans era composto por uma corneta e, na
década de 1920, o trompete, clarineta, trombone, tuba, e depois adição do tarol (caixa) e bumbo, o banjo e o
saxofone. O estilo Dixieland era uma tentativa de imitação do estilo Nova Orleans por parte dos músicos brancos,
porém a forma de execução do gênero musical rumou para uma “maior finesse instrumental e rítmica e a um maior
individualismo” (HOBSBAWM, 2011, p. 138).
26
Somente depois da Segunda Guerra foram desenvolvidos novos estilos de jazz,
forjados no ambiente urbano. A partir de então, músicos mais habituados às questões sociais,
alguns vindos dos setores médios e muitos universitários, direcionaram o jazz a problemáticas
comuns à época, enfocadas em questões raciais e políticas, criando assim um estilo de jazz que
ia de encontro aos estilos comerciais (como o estilo swing, ou jazz clássico). Alguns desses
estilos modernos ficaram conhecidos como bebop¸ cool, sweet, e free jazz. Sobre alguns desses
estilos e a sua chegada ao Brasil abordarei com mais detalhes no tópico Dissonâncias e
contrapontos na Revista da Música Popular, localizado no capítulo III.
Nesse sentido, retornando ao início do século XX no Brasil, foi durante as décadas
de 1920 e 1930, em meio a um processo crescente de urbanização e modernização, que cidades
como Belém e Curitiba viram surgir diversas bandas com interesse pelo jazz, por influência
sobretudo das programações das rádios. Essas bandas, no entanto, também tocavam no seu
repertório outros ritmos, “incluindo tangos, marchas, choros e sambas” (COSTA; VIEIRA,
2011, p. 137). Em relação a Curitiba, segundo Maria Giller, “no Paraná dos anos de 1920, o
jazz surge e as formações jazz band aparecem com maior frequência nos salões de clubes, nos
teatros e cinemas, nas sociedades artísticas” (GILLER, 2013, p. 3).
Analisando a cena musical de Porto Alegre também pude localizar uma forte
influência das bandas de jazz e sua relação com a modernidade20. Assim, se referindo à
paisagem sonora de Porto Alegre entre as décadas de 1930 e 1940, Hardy Vedana21 afirma que
“o rádio propaga muito rapidamente os grandes band leaders norte-americanos cultores da nova
música, o jazz”, e a respeito das sensações que as bandas de jazz suscitavam, chega a declarar
em tom memorialista:
O efeito produzido era magnetizante, não deixava ninguém quieto. Também
eram usadas com frequência, em vez de instrumentos de sopro, imitações de
vozes, tanto humanas como de animais. A característica principal desse tipo
de música era a improvisação coletiva, bem como pequenos solos criados
pelos músicos nos breaks deixados pelo conjunto. O solista, na hora da
improvisação, criava uma segunda melodia, baseada naquela inicial ou, em
outros casos, no embasamento harmônico (VEDANA, 1987, p. 65).
20
Na página virtual Fragmento Musicais, do Núcleo de Estudos da Música do Paraná, a pesquisadora Marília
Giller afirma em um texto intitulado Nos rastros das jazz bands que, após o período de apresentações da Gordon
Stretton Jazz Band no Rio de Janeiro, foi a vez de Porto Alegre mostrar uma experiência instrumental inovadora
que proporcionada pela diversidade sonora e rítmica. A autora também comenta que por volta do decênio de 1920
diversas bandas brasileiras optaram por esse estilo musical diferenciado. Disponível em:
http://curitibafragmentosmusicais.blogspot.com.br/search/label/Jazzband
21
Nascido em Erechim, se tornou músico de jazz no final dos anos 1940. Fundador e primeiro presidente de um
clube de jazz na cidade de Porto Alegre, foi presidente do Sindicato dos Músicos e possui gravações da década de
1960 ao lado do conjunto musical Bandinha dos Carijós, com a qual se apresentou em diversas cidades do país. O
tom memorialista do autor é utilizado, exatamente, devido à experiência que o mesmo teve como músico e
pesquisador do cenário musical em Porto Alegre na primeira metade do século XX, chegando a ter contato com
diversas bandas, salões, rádios e casas de eventos da época.
27
Ao analisar as primeiras bandas de jazz no Brasil e a bibliografia escassa sobre a
temática, o pesquisador Carlos Calado chega a comentar sobre a obra de Hardy Vedana, que
“apesar da ingenuidade de sua análise, além da abordagem em geral preocupada apenas com os
músicos e seus instrumentos, passando ao largo da própria música” é um importante
levantamento que “coloca em xeque a verdade estabelecida de que o jazz teria se desenvolvido
apenas no Rio de Janeiro e São Paulo” (CALADO, 1990, p. 234).
Assim, nas primeiras décadas do século XX, houve bastante espaço no Brasil para
o jazz e seus derivados, como o fox trot, o swing, o charleston, e o boogie woogie22. Nesse
sentido, os salões de dança, que se tornaram mundialmente populares – e um mercado cada vez
mais evidente após a Primeira Grande Guerra –, tiveram importante papel para a divulgação
desse repertório musical, bem como de gêneros musicais brasileiros como o samba, o maxixe
e o lundu, e também de ritmos argentinos como o tango, o bolero e a rumba, os quais tinham
como principal característica o aspecto rítmico e dançante23. Isso porque havia uma nova
perspectiva do ponto de vista dos costumes no pós-guerra, sobretudo na função da música
popular, pois “é um período de formação de novos gêneros musicais e implantação de inventos
tecnológicos relacionados com a área do lazer” (SEVERIANO; MELLO, 1997, p. 49).
Sobre o cenário internacional, o historiador Marco Napolitano afirma que esse tipo
de entretenimento, baseado em uma cultura de massa, começou a ser pensado antes, desde o
fim do século XIX, quando do advento do rádio, da indústria cultural em fase embrionária e
também quando “paralelamente, ocorre o desenvolvimento rápido das indústrias de gramofones
(Victor-EUA e Gramophone Co, UK)” (NAPOLITANO, 2002, p. 9).
Por intermédio desse mercado de gramofones, somado aos interesses de mercado
das gravadoras de discos, surgiram as primeiras gravações de bandas de jazz americanas,
impulsionadas pela indústria fonográfica que surgiu após a Primeira Guerra Mundial. A mais
simbólica dessas gravações foi a da Original Dixieland Jazz Band, tendo como principais
fonogramas Livery Stable Blues e One Step, pela Victor, gravadas em 1917. Um ano depois, a
22
O fox trot foi um estilo de dança surgido pouco antes da Primeira Guerra Mundial e foi comum em salões. Tratase de uma dança mais sofisticada, geralmente acompanhada por bandas de jazz. Boogie woogie foi um estilo de
tocar o blues de maneira sincopada, com pulsação forte e foi muito executado por pianistas negros dos Estados
Unidos entre 1930 e 1940. O charleston foi uma dança nascida depois da Primeira Guerra, geralmente ao som de
jazz. O swing é um estilo de tocar o jazz com balanço. Há a Era do Swing, localizada entre 1930 e 1940, quando
havia a predominância das grandes bandas de jazz, ou Big Bands.
23
Em um artigo intitulado Uma possível história da dança Jazz no Brasil (2005), Ana Carolina da Rocha Mundim
afirma ter sido na década de 1930 que houve a forte influência do jazz nos salões de dança, devido à recém-chegada
moda do sapateado.
28
Original Creole Jazz band gravaria a peça Tack ‘em down, e outras tantas bandas começariam
a surgir e utilizar o termo jazz24.
Assim, ao longo das décadas de 20 e 30, assistimos à consolidação histórica
de um campo “musical-popular”. Alguns fatores, tecnológicos e comerciais,
foram fundamentais para a consolidação deste processo, sobretudo as
inovações no processo de registro fonográfico, como a invenção da gravação
elétrica (1927), a expansão da radiofonia comercial no Brasil (1931-1933) e o
desenvolvimento do cinema sonoro (1928-1933). A partir destes três veículos,
a linha evolutiva do music-hall-Tin Pan Alley-Broadway-Hollywood,
dominante no mercado norte-americano e, em seguida, no mercado
internacional, vai se diversificando, tornando-se mais plural. Nasciam os
gêneros musicais modernos, que marcaram o século XX (NAPOLITANO,
2002, p. 13).
Portanto, não é gratuito o fato de Hardy Vedana fazer referência ao jazz como uma
“nova música25” para tentar explicar como o jazz era concebido pelo público por meio da
influência das ondas dos rádios, pois foram verdadeiras fontes criadoras de pontes e misturas
culturais. O jazz contou também com as lojas de discos26 que o apresentavam nos grandes
centros urbanos como um formato moderno de música, tanto na questão estética quanto
instrumental27, e o próprio cinema28 que empregava bandas para tocar nos intervalos dos
filmes29.
24
Alguns historiadores acreditam ter sido exatamente a partir da ODJB (Original Dixieland Jazz Band) e seu disco
de 78rpm (78 rotações por minuto) intitulado Livery Stable Blues – Fox Trot (Original Dixieland ‘Jass’ Band) que
pela primeira vez o termo “jass” foi mencionado em sua forma escrita até, finalmente, essa que foi uma das
primeiras bandas a integrar músicos brancos e negros assumir a escrita “jazz”, sinalizando uma mudança na
pronúncia da palavra. Na lógica desses historiadores, portanto, essa gravação é o marco inicial da adesão à palavra
jazz como estilo musical comercial, resultando posteriormente na apropriação por outras bandas de forma
contundente.
25
António Ferro, escritor, jornalista, político português e um dos percussores do movimento Modernista em
Portugal, escreveu sobre esse aspecto moderno que a música das jazz bands carregavam por conta das experiências
do pós-guerra. O autor chegou a escrever um livro intitulado A idade do Jazz Band em 1923, lá afirma que “o jazzband é o triunfo da dissonância, é a loucura instituída em juízo universal, essa caluniada loucura que é a única
renovação possível do velho mundo” (FERRO apud RODRIGUES, 1995, p. 100).
26
A gravação elétrica se aperfeiçoou a partir de 1925 com a presença da amplificação, microfones e gravadores
de eletroímã. No Brasil essa tecnologia chegou por meio do lançamento do primeiro suplemento de bolachas que
a gravadora Odeon promoveu.
27
Em História Social da Música Popular Brasileira (1998, p.198) José Ramos Tinhorão comenta que essas bandas
já demonstravam algumas influências do jazz desde o começo do século XX, apresentando, por exemplo o uso do
saxofone.
28
Nas primeiras décadas do século XX o sistema de gravação Vitaphone, que pela primeira vez permitia ao cinema
ter um som sincronizado foi crucial para a proliferação de gêneros musicais americanos por todo o mundo. O filme
O cantor de Jazz de 1927 estrelado por Al Johnson foi o primeiro a ter tal tecnologia. Era o fim do cinema mudo
e a música estava presente nessa ruptura. A partir daí alguns filmes começam a inserir músicos de jazz como atores.
Exemplo disso é a produção Black and Tan Fantasy de 1929, que mostra o músico Duke Ellington e sua orquestra.
A associação do jazz com os tempos modernos e com a era das inovações tecnológicas era inevitável.
29
O teatro de revista, ou apenas Revista, foi um gênero de teatro popular que entre as duas guerras fomentou a
apresentação de musicais, sobretudo de jazz bands. No Brasil foi nesse tipo de teatro que se fizeram conhecidos
os compositores Dorival Caymmi, Noel Rosa, Assis Valente, entre outros.
29
Por isso no Brasil muitas bandas ditas “orquestras” mudavam seu naipe de
instrumentos para se adaptar aos novos repertórios exigidos pelo público. Muitas dessas bandas
trocaram o termo “regional” ou “orquestra” por “jazz band”, inserindo a bateria, o saxofone e
o banjo, instrumentos tipicamente americanos e comuns nas bandas de jazz estrangeiras, bem
como novas formas de tocar o piano30. Dessa forma:
No Brasil, as primeiras evidências de grupos jazz band aparecem por volta de
1920 quando as orquestras de baile e os conjuntos regionais, estes compostos
basicamente por instrumentos como flauta clarinete, bandolim, cavaquinho,
violão, e percussão, foram substituídos por uma nova formação à base de
instrumentos de sopro, bateria, banjo e piano. No entanto, não se deve
considerar jazz bands necessariamente como bandas cujo repertório era
estritamente tocado na linguagem jazzística (GILLER, 2013, p. 2).
Para alguns historiadores, esse período ficou conhecido como “Era do Jazz” ou The
roaring years, denominação que se popularizou nos Estados Unidos após o sucesso de um dos
livros de Scott Fitzgerald31, intitulado Contos da Era do Jazz, publicado em 1922, com textos
que ilustravam o comportamento e os hábitos da sociedade norte americana no pós-guerra
(LABRES FILHO, 2014, p. 16).
O pesquisador Roberto Muggiati afirma que essa associação só iria acontecer pouco
mais tarde, em 1931, com o lançamento, pelo mesmo escritor, de um ensaio chamado Echoes
of the Jazz Age. Uma das frases destacadas pelo autor é a que afirma ser “a palavra jazz em seu
progresso para a respeitabilidade significou primeiro sexo, depois dança, depois música”. A
palavra jazz também “é associada com um estado de estimulação nervosa, não muito diferente
daqueles das grandes cidades atrás das trincheiras de uma guerra” (MUGGIATI, 1999, p. 40).
A opinião de Eric Hobsbawm soa como uma nota dissonante em relação ao período
de expansão do jazz, ao considerar que entre 1917 e 1929, “quando o jazz ‘estrito’ se expandiu
muito pouco, mas evoluiu muito rapidamente, e quando uma infusão altamente diluída veio a
ser a linguagem dominante na música de dança ocidental urbana e nas canções populares”
(HOBSBAWM, 2010, p. 75).
Nesse sentido, como o próprio Eric Hobsbawm afirma, não foi um formato
tradicional ou puro de jazz que se espalhou pelo mundo, mas um formato diluído, híbrido, única
e exclusivamente exportado através do mercado dos salões de dança32. Por isso mesmo o autor
Exemplo: Ragtime – forma de tocar jazz ao piano com arranjos de blues originado no final do século XIX - e o
boogie woogie, anteriormente citado.
30
32
Jair Labres Filho entende que a historiografia estadunidense da década de 1950 não deu muita atenção a esse
jazz híbrido que tomou forma na América Latina, por conta de uma maior preocupação com a busca das raízes
negras do Jazz.
30
considera inadequada a expressão “Era do Jazz”, por causa da ligação desse jazz mais dançante
com o grande negócio industrial33 e do ambiente de trocas culturais que começava a se
fortalecer na Europa e na América Latina.
O jazz-híbrido se espalhou com uma rapidez incrível por todo o mundo,
ajudado pelo gramofone, pela moda das classes altas de adotar anglosaxonismos e americanismos (por exemplo, Le Five-o’clock, the tea-dance),
e pelo prestígio e terrível fascínio dos EUA, dos dias de glória de Henry Ford,
da Wall Street, de Lindbergh e da Lei Seca (HOBSBAWM, 2010, p. 88-89).
No Brasil, o início do século XX é marcado também pela forte influência do
pensamento modernista inaugurado no país com a Semana de Arte Moderna, na cidade de São
Paulo, em 1922. O movimento sinalizava uma necessidade de valorização da cultura brasileira
em um período de intensa injeção de bens de consumo americanos e europeus, mas também
uma necessidade de estar dentro dos padrões modernizantes, no campo da tecnologia e das
artes, sobretudo no quesito musical.
Assim, essa primeira experiência do pensar a nacionalidade brasileira na música
popular e a integração com a cultura estrangeira, associada à modernidade musical, resultou em
um interessante caldo no campo da música popular brasileira, “que, naquela época,
correspondia à soma das diversas manifestações regionais do país” (BESSA, 2010, p. 167).
No campo musical, a absorção do jazz pelos conjuntos musicais proporcionou em
primeiro lugar uma mudança na proposta instrumental e no repertório dessas bandas, que por
consequência assumiram o título de jazz bands. No entanto, essa permuta não eliminou as
demais bandas que seguiam com o título de orquestras ou conjuntos, apenas apontava para um
formato ainda orquestral e, às vezes, com menor número de músicos. Esses grupos passaram a
adicionar também instrumentos que eram associados ao jazz de forma automática.
As primeiras evidências da penetração do jazz no Brasil surgem no início deste
século, ao que parece simultaneamente em várias regiões do país. Mais ainda
que um novo gênero musical foi uma nova formação instrumental que se
implantou: o jazz band. O modelo para os novos conjuntos vinha do jazz New
Orleans e Dixieland: trompete (ou pistão), clarinete e trombone (além do
saxofone, às vezes, formando a seção solista), mais violino, banjo, piano e
bateria (seção rítmica) (CALADO, 1990, p. 234).
Portanto, as bandas eram compostas entre sete e dez músicos, tendo a presença
imprescindível da bateria, do piano e do banjo, além de instrumentos de sopro, como sax,
33
A visão marxista de Hobsbawm quanto a esse momento, porém, não chega a ser de repulsa ao comercialismo
musical, como se fez mais notório na voz dos criadores do termo “indústria cultural”, Adorno e Horkheimer, que
acreditavam não haver mais certo purismo no jazz. Hobsbawm vislumbra na Europa e nos Estados Unidos um
cultivo desse jazz puro ainda nesse período mais comercial.
31
trombone ou flauta, e violino ou violão. Essa mudança permitiu uma maior diversidade do
repertório e na forma de tocá-lo, isto é, sambas e marchinhas com arranjos jazzísticos e viceversa34. Em outras palavras, uma verdadeira mistura musical na paisagem sonora do início do
século XX no país35.
Ao analisar o período de 1917 a 1928, Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello
chegam a afirmar que nesse momento as empresas fonográficas têm como predileção o
repertório de músicas tocadas por jazz bands brasileiras e que isso caracterizou menos interesse
pela música popular brasileira, como os choros e sambas (SEVERIANO; MELLO, 1998, p.50).
Se for verdade que “com as empresas fonográficas entrando na onda da música
americana, cai o número de gravações de bandas e conjuntos de choro, proliferando as das
chamadas jazz-bands” (SEVERIANO; MELLO, 1998, p. 50), é provável que esse mesmo
repertório tipicamente brasileiro fosse tocado também por essas bandas de jazz36.
Tal hipótese se reforçou à medida em que tive contato com a trilha sonora em voga
na época. Nesse sentido destaco a canção Café com leite37, um maxixe carnavalesco gravado
em 1926 pela Jazz Band Sul Americana Romeu Silva em parceria com o cantor Fernando. As
canções Nosso Ranchinho, composição de Donga e De Chocolat e o samba Corta Saia (É lá)38
34
As marchinhas sofreram bastante influência rítmica do fox trot e do charleston norte-americanos a partir de
1925. A partir de 1926 há algumas gravações bastante representativas como Pinta, pinta Melindrosa, marcha de
Freyre Júnior cantada por Fernando de Albuquerque, que recebeu o rótulo de “marcha carnavalesca-ragtime”, por
causa de suas influências jazzísticas e da manutenção da letra bem-humorada, típica das marchinhas brasileiras. É
também nesse período que nasce a marchinha Zizinha, interpretada também pelo cantor Fernando, de autoria de
José Francisco de Freitas, Carlos Bittencourt e Cardoso de Menezes (Disco Odeon122942 1926). Destaco também
a canção O cantor de Jazz, um fox trot gravado por Francisco Alves ao lado da Simão Nacional Orquestra, em
1929 pela Parlophon. A canção era uma referência instrumental ao filme estrelado por Al Johnson e que só dois
anos depois foi apresentado no cinema brasileiro. Em 1929, o cantor gravou a versão em português de um jazz
chamado That’s you baby pela Odeon em conjunto com a Orquestra Pan American.
35
O historiador Jair Labres Filho utiliza uma interessante metodologia para entender esse cenário de intensa
influência do jazz no Brasil. Considera o fato das jazz bands serem tratadas no feminino “as jazz bands” apenas
para as orquestras que reproduziam e se denominavam “jazz bands”, e no masculino “o jazz band” como um
sentido mais comercial, associado a uma ideia de modernidade. Neste trabalho, entendo que os dois sentidos se
completam quando o foco deixa de ser o jazz original (criado por negros no sul dos Estados Unidos), mas o jazz
híbrido misturado com a música brasileira. Se autodenominar “jazz band” não queria dizer necessariamente que
as orquestras tocariam apenas jazz de maneira imitada, tampouco que não tocariam mais músicas regionais. Muito
pelo contrário, havia essa coexistência.
36
Outras gravações representativas desse período podem ser escutadas na página virtual da Rádio Batuta, onde
podem ser encontrados divididos por blocos os áudios das canções. Baseado no livro dos pesquisadores Jairo
Severiano e Zuza Homem de Mello, o sítio reuniu um precioso acervo que abarca quase um século de composições
importantes para a música popular brasileira. Lá, há não apenas as canções, mas também comentários narrados e
textos que sintetizam os blocos. Disponível em: http://www.radiobatuta.com.br/Episodes/view/47
37
Composição de Freire Júnior. É um maxixe que faz referência à Política do Café com Leite. Disco Odeon/Casa
Edison, número 122984.
38
Disco Odeon - 12294.
32
composto por Sinhô (José Barbosa da Silva). Esse samba foi gravado em 1925 também pela
Jazz Band Sul Americana Romeu Silva com o interprete Fernando de Albuquerque39.
Há também gravações feitas pela American Jazz Band Sílvio de Souza, como a
primeira versão do samba Morro de Mangueira, que em 1926 foi regravado tendo Pedro
Celestino40 como interprete. Destaco ainda o maxixe Papagaio no poleiro de Sinhô41 e o fox
trot Navalha composto por Abel Teixeira em 192642. Por fim, há a canção Sútil composta por
Ernesto Nazareth43 e gravada pela Jazz Sinfônica Pan American em 1928. No mesmo ano a
banda gravou também uma versão do hino nacional.
Outra importante jazz band brasileira se chamou Jazz Band dos Fuzileiros Navais,
“que se constituía de uma imitação perfeita dos congêneres norte-americanos44” (BERNARDO,
2004, p. 121). A banda possuía o famoso bandolinista Aristides Júlio de Oliveira, conhecido
como Moleque Diabo45. Outras bandas que podem ser mencionadas são a Orquestra Ideal Jazz
Band, a Carlito Jazz, fundada em 1926, a Jazz Manon, a Jazz band Andreozá, a Jazz band
República, a Jazz band Cârafu e a Jazz band Saívans.
Imagem 1: Jazz Band Bico Doce
Fonte: Blog Arquivo Histórico46
39
Gravada em 1925, também ao lado de Fernando, a canção Chuá Chuá, uma composição de Pedro de Sá Pereira
e Ari Pavão. Fernando foi um dos cantores mais representativos da década de 1920 no Brasil, de igual modo a Jazz
Band Sul Americano Romeu Silva.
40
Gravadora Odeon/Casa Edison número 123029.
42
Gravadora Odeon/Casa Edison, n° 123150.
Gravadora Odeon, lado A, 78 RPM 1928.
44
Em “Notas Complementares”, nº 4.
45
Pouco tempo depois o bandolinista comporia algumas bandas de jazz advindas do órgão de Correios e
Telégrafos.
46
Disponível em: http://arquivohistorico.blogspot.com.br/2011/07/conjuntos-musicais.html
43
33
Assim, destaco também a Jazz Band Imperador, de São Paulo. De Pernambuco, se
destacam, a Jazz Band Scala e a Jazz band Acadêmica. Desta última, o frevo-canção Tenho uma
coisa para lhe dizer, gravada pela RCA Victor, demonstra bem a amplitude do repertório
musical das jazz bands brasileiras47. Essa canção foi gravada para o carnaval de 1935, e ainda
que não esteja localizada na década de 1920, simboliza a permanência do rótulo “jazz band” e
do repertório musical variado.
Há também comprovações da existência de jazz bands no interior da cidade de São
Paulo, como a Jazz Band Bico Doce e a Jazz Band Catanduva, surgidas entre 1910 e 1920 e
que embalavam os bailes no município de Catanduva48.
Herbert Carvalho destaca outras bandas que atuavam longe dos centros urbanos em
seu texto No tempo das Big Bands, como por exemplo a Orquestra Continental de Jaú, a
Orquestra Tupã, a Orquestra Guararapes e a Orquestra Capelozza. No que se refere as cidades
em que os conjuntos tocavam, o autor menciona o Espírito Santo do Pinhal, Franca, Guararapes,
Jaboticabal, Jaú, Rio Claro, São José do Rio Preto e Tupã, e também confirma a recorrente
presença nessas bandas do nome “jazz band” ou “orquestra” acompanhados, ás vezes, de algum
termo indígena49.
Essas bandas, formadas geralmente por músicos eruditos, ajudaram a construir o
palco musical do início do século XX em bailes de carnaval, salões de dança, cinemas, casas
de festa, além de trabalharem em gravações que traduziam bem o repertório exigido pelo
público: fox trot, charleston, shimmy, peças de jazz, marchinhas, frevos, sambas, maxixes,
lundus, valsas, tangos, dentre outros gêneros requisitados pelos ouvidos do público50.
Nesse sentido, percebo que a modernidade musical não estava apenas no fato de se
tocar músicas estrangeiras, mas de utilizá-las dentro dos moldes da música brasileira. As jazz
bands brasileiras, portanto, representaram um momento de anseio por inovações culturais, e seu
repertório variado, nada mais foi, que a tentativa de manter os ritmos tipicamente brasileiros por fazerem parte das tradições regionais - e, simultaneamente, de adicionar arranjos, ou peças
musicais que flertassem com o jazz.
47
Matriz - 79833.
Disponível em: http://baccanellihistoria.blogspot.com.br/2012/02/jazz-band-bico-doce.html.
49
Disponível: http://www.sescsp.org.br/online/artigo/compartilhar/8432_NOS+TEMPOS+DAS+BIG+BANDS.
50
Em uma entrevista pulicada em 12 de setembro de 2013 e cedida para a TV Uninter, Marília Giller chegou a
afirmar: “desacredito que eles tivessem um ‘swing’ que caracteriza o jazz...”, se referindo às jazz bands de Curitiba
no início do século XX. A pesquisadora fala especificamente sobre a típica sonoridade dessas bandas. Entrevista
disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kgvCinLEt4I.
48
34
Imagem 2: Os Oito Batutas, 1922
Fonte: Sítio Obvious51
Um grupo que também representa esse momento de mistura e surgimento das
primeiras jazz bands nacionais foi o conjunto carioca liderado por Pixinguinha, Os Oito Batutas,
que embora não possuísse o título de jazz band fez viagens para a Europa, divulgando a música
brasileira, e consequentemente sendo influenciado pela sonoridade do jazz52. Segundo Rafael
Bastos, “foi a partir dessa jornada que Pixinguinha começou a criar vínculos musicais e
compatibilizar sua música com o jazz, que na época se encontrava em franco processo de se
estabelecer como o novo universal da música popular” (BASTOS, 2005, p. 179). O exemplo
dos Oito Batutas é fundamental e ajuda a entender a voga das intensas trocas musicais.
Contudo, após a turnê parisiense, os Batutas buscaram explicitar aquela
proximidade, forjando uma outra imagem, representativa de um novo tempo
marcado pelo ruído, pela valorização do primitivo, pela ruptura com os antigos
valores [...]. Essa percepção se refletiu, por exemplo, no repertório do grupo,
que passou a incluir gêneros estrangeiros em suas apresentações, tais como o
foxtrote, o shimmy, e o ragtime. A mudança transpareceu, ainda, na vestimenta
dos músicos, que abandonaram definitivamente os trajes nordestinos,
aderindo aos ternos escuros e ao smoking. Novos instrumentos foram
adicionados ao antigo regional, entre eles, a bateria de João Tomás, o banjo
de China e o saxofone de Pixinguinha, todos provenientes da música de jazz
ouvida em Paris. A performance também foi alterada, os músicos se
posicionando mais e descontraída e informalmente no palco53 (BESSA, 2010,
177).
51
Disponível em: http://lounge.obviousmag.org/o_obtuso_e_o_obliquo/2012/04/post.html.
José Ramos Tinhorão afirma em sua obra O samba agora vai... A farsa da música brasileira no exterior (1969)
que em fins da década de 1920 o conjunto mudaria o nome para Orquestra Típica dos Oito Batutas (TINHORÃO,
1969, p. 33).
53
A historiadora também ressalta nesse parágrafo que “em Paris, os brasileiros notaram que sua música era
consumida como exótica – e, portanto, também como moderna” (BESSA, 2010, p. 177).
52
35
Em Porto Alegre, no período entre 1920 e 1930, se fizeram notáveis as bandas Jazz
Band Espia Só, primeira banda de jazz da região, sendo fundada em 1927, a Jazz Tupinambá,
a Jazz Venezianos, o Royal Jazz Band, a Jazz Carris, a Jazz Real, a Jazz do Joca, a Jazz Pica
Pau. Todas essas bandas, além das já citadas, incorporaram o jazz híbrido, fazendo uso de
instrumentos típicos do jazz.
Tal como se deu com o conjunto musical Os Oito Batutas, após retornar da turnê
na Europa, outro quesito que sinalizava a influência do jazz nesses conjuntos foi a estética.
Nesse sentido, a postura, as roupas, o modo de se apresentar, faziam referência, como já
mencionado, às bandas famosas de jazz norte-americanas, como por exemplo as já mencionadas
Original Creole Jazz Band e Original Dixieland Jazz Band.
Portanto, no Brasil, ao menos nesse primeiro momento de mistura musical, falar em
jazz bands seria falar de bandas que não tinham seu repertório voltado apenas para a execução
do jazz norte-americano em seu sentido puro, isto é, o jazz de Nova Orleans. Na verdade, houve
a inserção de outras tantas formas dançantes em voga na época, como o charleston, o blackbottom, o shimmy, o fox trot, o one step, o two step e o boogie woogie, bem como a execução
de gêneros musicais brasileiros tradicionais, como sambas, maxixes, lundus, frevos, modinhas,
mazurcas, dobrados, choros e também polcas e valsas.
Imagem 3: Jazz Band O cruzeiro (Porto Alegre)
Fonte: VEDANA, 1987, Jazz em Porto Alegre, p. 102.
Suponho que esse era o repertório exigido pelos públicos de diferentes áreas –
urbanas ou rurais – que prestigiavam esses conjuntos em vários espaços, fossem públicos ou
privados, como no carnaval e nos clubes, citados no início deste capítulo.
36
Não cabe aqui discutir se esse formato de jazz era menos ou mais autêntico do que
o americano, como se propuseram o historiador Eric Hobsbawm e outros historiadores que
estudaram o jazz em si. Aqui, o interesse foi apresentar o pano de fundo da difusão do jazz no
Brasil e sua influência na música popular brasileira, e como falar em jazz bands torna
necessariamente falar em influências culturais, ou seja, de que “houve um intenso diálogo
transnacional entre culturas modernas da década de 1920, envolvendo elementos musicais e
sociais” (LABRES FILHO, 2014, p. 9).
Essa influência aconteceu de duas maneiras, ora pela “transposição direta (isto é,
temas originais norte-americanos executados por formações instrumentais semelhantes às
desenvolvidas nos EUA)”, ora “por influências diversas em forma da música popular brasileira”
(CALADO, 1990, p. 221).
Como esclarece Fabiane Behling Luckow, em seu trabalho Cabarés e chanteuses:
pela boêmia Porto Alegre de 1920, apresentado no XX Congresso da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Música (ANPPOM, Florianópolis, 2010), ao analisar o “cenário
musical moderno” nos clubes noturnos de Porto Alegre e todo o ambiente de práticas musicais
na década de 1920, a autora percebe que havia um certo frenesi e a necessidade dos indivíduos
de experimentar o mesmo cotidiano aos moldes dos grandes centros urbanos, e de ouvir os
mesmos sons que reverberavam nessas grandes cidades industriais:
A música do jazz band é a representação musical de um novo e tumultuado
mundo, incorporando os novos ruídos da civilização moderna e industrial em
suas texturas e o ritmo agitado das emergentes metrópoles modernas em seus
compassos, as quais Porto Alegre desejava pertencer (LUCKOW, 2010, p.
540)
Adiante, darei destaque ao momento no qual as jazz bands serão contratadas pelas
rádios e estarão presentes em gravações de sucesso, interpretadas pelas vozes mais marcantes
das décadas de 1930 e 1940. Cantores como Orlando Silva, Francisco Alves, Cyro Monteiro,
Carmen Miranda, Carlos Galhardo, Lamartine Babo, Dolores Duran continuaram compondo, e
gravando músicas com influências do jazz. É, a partir desse momento que a ala mais
nacionalista da crítica musical começará a discutir em que medida essa presença dos elementos
estrangeiros na música popular brasileira urbana lhe era saudável ou prejudicial, em uma
tentativa de preservar essas “vozes nacionais” das influências externas. Embora todos esses
cantores estivessem inseridos em uma lógica de mercado, executando os ritmos da época e
estabelecendo trocas culturais em meio à Política de Boa Vizinhança54, muitos foram atacados
54
Projeto de políticas diplomáticas criado no governo de Franklin D. Roosevelt entre o período de 1933 e 1945, e
que teve como pedra fundamental o estabelecimento de laços econômicos e culturais com a América Latina.
37
e até evitaram executar músicas que tivessem alguma sonoridade jazzística ou em algum
momento fossem associadas ao jazz.
1.2 Síncopes e contratempos na Era do Rádio
O jazz teve e tem tido até hoje, por intermédio dos discos, a mais formidável
propaganda que se pode imaginar. Curioso notar que, como querendo
favorecer a música dos filhos da terra do Tio Sam, o antigo disco mecânico,
apesar das dificuldades de registros existentes, reproduzia de forma mais que
satisfatória as melodias de jazz... E o jazz correu o mundo, levado por esses
maravilhosos e pequenos sóis negros, de extraordinário poder difusor. E a
nevrose do grande conflito de 1914, colaborou nessa propaganda, pelos gostos
da sociedade de “aprés guerre”, e pelo disco que, nesta ocasião, começava a
se difundir, principalmente com a música americana... No domínio do cinema
falado, ora em nascimento vamos encontrar os mesmos sinais observados
acima, em relação ao disco [...]. O disco, o cinema falado, o dólar! Tudo a
serviço da propaganda americana, por uma de suas formas mais acessíveis: a
música, o jazz, portanto55.
O comentário tecido pelo crítico musical José Cruz Cordeiro Filho na Revista
Phonoarte, da qual foi editor em fins da década de 1920, realça as condições do jazz no começo
do século XX – em crescente difusão através do cinema, rádio e gravadoras de discos – e, como
já exposto, o sentimento em relação a esse gênero musical estrangeiro, associado muitas vezes
a um formato mais moderno de música.
Por conta disso, inúmeras bandas regionais e orquestras adotaram o título de jazz
bands, indicando a adoção de instrumentos caros como a bateria e o banjo, tidos como
importados e associados ao jazz. Houve ainda a adoção de técnicas jazzísticas para tocá-los e
também uma grande mudança na estética das bandas, que adotaram roupas sofisticadas, em
contraposição às vestimentas mais regionais.
Assim, falar em “música moderna” e “tradicional” passa a se tornar cada vez mais
necessário, sendo que essas duas categorias coexistiram também no repertório das bandas que
absorviam o jazz como um novo elemento cultural. Tais mudanças foram absorvidas atendendo
às novas relações sociais e aos anseios modernos dos “loucos anos 20”. Para essas orquestras e
jazz bands brasileiras, a música moderna não era apenas a estrangeira, ou os elementos
jazzísticos por si próprios, mas a possibilidade também de execução de um repertório amplo de
gêneros musicais, em outro formato, sem desvalorizar a música regional tradicional.
Abandonava-se a perspectiva intervencionista para dar espaço a uma mais diplomática e que sutilmente,
desbancasse a influência europeia no território latino-americano
55
Phonoarte, ano II, nº 17, RJ:15/setembro/1929, pp. 1-2.
38
As bandas de jazz no Brasil continuaram tocando seu repertório variado e moderno,
permanecendo atentas às mudanças que aconteciam ao jazz no cenário internacional. Algumas
destas bandas se tornaram conhecidas lá fora, como a Orquestra Jazz band Sul Americana de
Romeu Silva, que tocou na Feira Internacional de Nova York em 193956. Contudo, como irei
demonstrar, a partir da Era do Rádio se começou a repensar o reflexo da música brasileira no
exterior. A influência da música americana começa a incomodar os mais nacionalistas.
Os Cariocas57, por exemplo, conjunto musical formado inicialmente por Ismael
Netto, Severino Fillho, Emmanoel Furtado, o Badeco, Waldir Viviani e Jorge Quartarone, o
Quartera58, e o Bando da Lua, que acompanhou por muito tempo a cantora Carmen Miranda,
passaram a ser duramente criticados pela influência do jazz.
Imagem 4: Partitura musical do Jazz Band Sul-Americana publicada pela Casa Wehrs.
Fonte: Blog Chiadofone59
Sobre as apresentações desses grupos nos Estados Unidos, houve um grande
rebuliço na imprensa musical, que exigia retratações dos músicos e do governo. Essa vertente
mais nacionalista cobrava que se executasse um repertório voltado para a música
tradicionalmente brasileira, e não a dita música “moderna”. Em outras palavras, o jazz
executado pelas jazz bands nacionais. Na obra de título sugestivo, O samba agora vai... a farsa
56
Em 1940 seria a vez do cantor Cândido de Arruda Botelho, contratado pelo DIP.
O conjunto gravaria na década de 1950 uma canção chamada Criticando de autoria de Carlos Lyra. A letra, que
fala em “É mania dessa gente/que o bebop faz vibrar/mas o samba é bem mais quente/é bem melhor de se dançar”.
Àquela altura a crítica ao jazz reuniria artistas que outrora haviam flertado com a música estrangeira, e que em
1950 assumiam uma postura de combate, ou mesmo satírica em relação ao gênero.
58
Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/os-cariocas/dados-artisticos
59
Disponível em: http://chiadofone.blogspot.com.br/2008/08/um-antecessor-de-mrio-reis.html
57
39
da música popular no exterior, José Ramos Tinhorão destaca o comentário do crítico Caribé
Rocha a respeito das músicas executadas por essas jazz bands e outros conjuntos, como o Bando
da Lua, nas feiras internacionais, “fazendo justiça ao mesmo tempo ao colunista”. Diz Tinhorão
que ele “tão esclarecidamente denunciava uma subserviência cultural tão largamente cultivada
pela maioria dos chamados artistas internacionais do Brasil” (TINHORÃO, 1969, p. 60). Nesse
sentido, a fala de Caribé Rocha destacada por Tinhorão alerta:
Chegamos mesmo ao ponto de nos permitirmos a liberdade de dar conselhos
a quem não nos havia pedido. Fizemos ver que iam para a terra do Fox e que,
por conseguinte, nem deviam pensar em executar outra música que não a
nossa. A Romeu Silva parece que o aviso serviu. Mais velho no assunto, maior
experiência, o aplaudido maestro fez o que disséramos. Quanto ao Bando da
Lua, porém, a coisa foi inevitável. A veleidade daqueles rapazes levou-os a
executar música americana em plena Feira Internacional de Nova Iorque,
durante a inauguração do restaurante do Pavilhão brasileiro. O Departamento
de Propaganda, que custeou a passagem dos três moços deveria tomar
enérgicas providências para que tal fato não se reproduzisse, uma vez que eles
só foram aos Estados Unidos fazer propaganda do nosso país. (TINHORÃO,
1969, p. 60-61).
Se por um lado era bastante natural que, em se tratando da música urbana, se
realizassem essas trocas culturais por parte dos músicos, por outro a crítica musical nem sempre
entendia como benéficas ou naturais a utilização de elementos musicais estrangeiros, quaisquer
que fossem, mas, sobretudo, jazzísticos60. Assim, o mesmo José Cruz Cordeiro, que comentou
sobre a rápida proliferação do jazz, também tem uma espécie de temor em relação ao uso desse
jazz na música brasileira, tecendo sérias críticas a músicos que se propunham a tal mistura
musical, inclusive Pixinguinha. Dessa maneira, em 1929, na décima quarta edição da Revista
Phonoarte, o crítico atacaria a peça Gavião Calçudo do músico. Assim, o pensamento
nacionalista xenófobo começava a opinar sobre as produções musicais que estavam se
“americanizando” na década de 1930.
Repetimos para o samba o que já temos dito em composições anteriores do
popular músico. Pixinguinha parece se deixar influenciar extraordinariamente
pelas melodias e ritmos do jazz. Ouçam Gavião Calçudo. Mais parece um fox
trot que um samba. As duas melodias, os seus contracantos e mesmo quase
que seu ritmo, tudo respira música dos yankees61
José Ramos Tinhorão confirma que havia essas influências jazzísticas, mas “restringindo-se às orquestrações à
base de metais...”. Segundo o historiador, com exceção de alguns estilos de sambas cultivados em bairros do Rio
de Janeiro, “a influência norte-americana só se faria sentir de certa maneira sobre as variedades de sambas
orquestrados para atender ao gosto da classe média (samba-canção, samba orquestral tipo Aquarela do Brasil etc.”
(TINHORÃO, 1969, p. 47). No entanto, pude notar a influência do jazz também na melodia vocal desses cantores
populares, além de influências do jazz em marchinhas, de forma mais frequente a partir de 1925.
61
Revista Phonoarte. Ano I nº 14, RJ: 28 fevereiro de 1929, p. 32
60
40
Vale ressaltar que há uma série de novidades no seio da música popular urbana a
partir da década de 1930. Segundo José Adriano Fenerick, foi quando se pensou em melhorar
a programação das rádios e estabelecer um sistema de comunicação mais abrangente em diálogo
com os moldes da indústria cultural. As rádios passaram a contratar as jazz bands e as orquestras
nacionais para tocar de forma profissional. É também nesse momento que os programas de
rádio passam a promover a imagem de alguns artistas da música popular brasileira. Artistas
como Ari Barroso, Carmen Miranda, e Pixinguinha foram privilegiados por meio do projeto
nacionalista do presidente Getúlio Vargas. Além de ser uma clara estratégia do presidente de
censurar e selecionar conteúdos por meio do Departamento de Imprensa e Propaganda, tratavase também de uma tentativa de construção de símbolos nacionais modernos.
As programações agora abririam espaço para a criação de artistas nacionais,
difundindo as músicas brasileiras e estrangeiras em voga62, chegando a fortalecer, até a década
de 1940, o culto a celebridades como Araci de Almeida, Francisco Alves63, o “rei da voz”,
Linda Batista, a “rainha do rádio”, Orlando Silva, o “cantor das multidões”, entre outros, cuja
fama a nova proposta das rádios ajudou a construir. Esse período foi uma “época em que, tanto
no Brasil, como em outros países, os meios de comunicação de massa propiciaram um
entrelaçamento até então nunca visto entre o artista e seu público doravante içados ao patamar
de ídolos e fãs” (FENERICK, 2002, p. 52). O samba, antes marginalizado, agora seria um dos
carros-chefe da cultura popular brasileira no projeto de formação de uma unidade nacional.
Em pleno Estado Novo, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) ajudou a
fomentar não apenas o culto à figura do presidente Getúlio Vargas, mas também, contemplou
uma gama de artistas brasileiros que estariam sob sua tutela. A voz se tornou uma marca e foi
um elemento fundamental para a promoção desses artistas, pois passou a ser cada vez mais
cultuada. A profissionalização dos músicos, que buscavam preencher os quadros dos programas
de rádio e os novos padrões de composição também eram novidades que começaram a surgir
nesta década. Segundo Ricardo Monteiro:
A visibilidade em âmbito nacional - e mesmo internacional - de artistas que se
faziam ouvir em todo o Brasil pela voz da Rádio Nacional, e cujas imagens se
tornavam igualmente difundidas pela popularização do cinema, aliados e à
impessoalidade e ao anonimato crescente do indivíduo nas grandes cidades,
62
As inovações seguiam sobre a influência dos padrões norte-americanos a partir da lei 21.111, que permitia a
veiculação de propagandas, jingles etc.
63
Após o assassinato do oposicionista João Pessoa, Francisco Alves gravou a canção Hino a João Pessoa uma
marcha patriótica homenageando o líder político em plena Revolução de 1930. A canção obteve grande
repercussão em tempos de efervescência política.
41
foi gerando um tipo de carência potencializada pela aura mítica criada em
torno daqueles que eram contemplados pela fama64.
Assim, entre 1930 e 1945 as rádios em conjunto com o Departamento de Imprensa
ajudaram a estabelecer o que veio ser conhecida como a Época de Ouro da música popular
brasileira, formada pelos letristas Ari Barroso, Lamartine Babo, Noel Rosa, Custódio Mesquita,
Orestes Barbosa, Ismael Silva, pelos músicos Benedito Lacerda, Nonô, Luciano Perrone, pelos
cantores Mário Reis, Sílvio Caldas, Almirante, Aurora Miranda etc. Faziam parte também desse
rol os cantores da época anterior Francisco Alves e Vicente Celestino, por exemplo. No meio
desses nomes, se destacava Pixinguinha.
Paralelamente, nesta década o estilo swing de jazz alcançava um vasto público no
mundo todo, pois fazia um apelo bem mais forte ao aspecto dançante e popular. Sempre tocado
por grandes bandas de jazz, o estilo exigia novas formas de execução do repertório e um maior
aprimoramento técnico dos músicos. Esse termo, “além de seu significado estilístico, que
identifica a música dos anos 30, quer dizer também balanço, bossa” (BERENDT, 1975, p. 29),
e acabou proporcionando uma nova carga de influências jazzísticas no Brasil.
É neste período que nascem as jam sessions, que eram apresentações, à priori
particulares, com um público geralmente composto por músicos de jazz. Eram uma espécie de
válvula de escape dos shows mais comerciais65 pela necessidade dos músicos de tocarem peças
menos repetitivas, para além dos fins meramente lucrativos.
Nesse sentido, o período que ficou conhecido como Era do Swing – de 1930 a 1940
- transferiu novas influências estrangeiras ao repertório das jazz bands nacionais. Além do mais,
o Estado promoveu esse entrelaçamento cultural com os Estados Unidos como maneira de
manter os ditames da Política de Boa Vizinhança. Por conta dessa tentativa de modelamento da
música popular e do seu uso como ferramenta de troca e como símbolo da identidade nacional
é que as músicas passaram a ser submetidas a uma inspeção realizada pelo DIP, uma clara
tentativa de censura a certos conteúdos.
É possível perceber ao longo das décadas de 1930 e 1940 uma reviravolta em
relação ao emprego de influências jazzísticas na música popular brasileira, sendo os sucessos
mais tocados nas rádios os sambas, os sambas-canções e as marchinhas.
Contudo, algumas canções representativas mantinham a permanência das
influências jazzísticas ainda que de maneira mais amena, e pude perceber também que essas
64
Acessível em: www2.anhembi.br/html/ead01/mpb_abord_semiotica/aula.6.pdf
Diferente dos EUA, no Brasil as bandas não tiveram essa tendência anticomercial, e mesmo os samba-sessions
que aconteceriam na década de 1950 teriam o objetivo de divulgação da Bossa Nova em universidades
influenciadas por esse formato de show e sonoridade.
65
42
músicas eram gravadas por muitos desses cantores da Era de Ouro, figuras que marcaram a
história da música popular brasileira.
Por exemplo, a foxe-canção Dor de recordar de autoria dos cantores Joubert de
Carvalho e Olegário Mariano, gravada por Francisco Alves, em 1929, ao lado da Orquestra Pan
American66. A fox-charge Canção para inglês ver, tipo de foxe-canção humorística criada por
Lamartine Babo, para satirizar as expressões estrangeiras em moda na época67, ainda assim um
legítimo fox trot68, tanto quanto a canção Loura ou morena69, um dos vários foxes compostos
por Vinícius de Moraes70 junto dos irmãos Paulo e Haroldo Tapajós.
A respeito de Pixinguinha e Carmen Miranda, Virgínia Bessa destaca algumas
gravações de ambos com características jazzísticas:
Várias de suas introduções, por exemplo, eram verdadeiros foxtrotes, que
muitas vezes contrastavam com a composição original, apresentada alguns
compassos depois – é o caso da marcha Você pensa que eu não vi, de Hervé
Clodovil e Roberto Matins, gravada por Luiz Barbosa e “Diabos do Céu”, ou
do samba Deve ser o meu amor, de Ary Barroso, gravada pela mesma
orquestra que acompanhava Sônia Carvalho. Outras vezes, como no arranjo
de Inconstitucionalissimamente, (marcha de Assis Valente gravada por
Carmen Miranda e “Orquestra Victor Brasileira em 1933) o acompanhamento
vinha no contratempo, imitando um ragtime – ou, mais especificamente, seu
acompanhamento, executado pelo banjo nos conjuntos de Dixieland, recurso
que também pode ser notado no arranjo de Tão grande, tão bobo, marcha de
Hervé Cordovil gravada por Carmen Miranda e “Orquestra Victor Brasileira”
(BESSA, 2010, p. 201).
As canções destacadas pela historiadora são provas do flerte dos cantores símbolos
da nacionalidade brasileira com o jazz e seus elementos musicais, seja pela transposição direta
seja pela utilização desses elementos jazzísticos em arranjos, modificando-os quando
necessário. Tal como foi com as primeiras jazz bands brasileiras, esses artistas não
abandonaram o repertório nacional, mas misturaram diversos estilos musicais durante sua
trajetória.
No tocante a essa permanência das misturas musicais, concordo com a concepção
de fricção cultural ou fricção interétnica, termo cunhado por Roberto Cardoso de Oliveira e
66
Odeon - 10509 lado A. Dezembro de 1929.
Lamartine comporia versões em português para os foxes Dancing with tears in my years, e Night and day de
Cole Porter. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/lamartine-babo/dados-artisticos.
68
Outra canção satírica foi a Boogie Woogie na Favela, um samba-boogie que criticava a influência da dança
americana jazzística, chamando-a de “a nova dança que faz parte da Política de Boa Vizinhança”.
69
Columbia - 22113-8. 1933.
70
Segundo Jairo Severiano e Zuza Homem Mello, esse flerte com a música americana afastaria Vinícius de Moraes
da música brasileira, dando-se seu retorno vinte anos depois, ao se tornar diplomata. É interessante perceber essa
influência estrangeira em um dos futuros criadores da Bossa Nova, e igualmente curioso o comentário do autor
em relação a seu “afastamento” da música brasileira.
67
43
utilizado por Acácio Tadeu de Camargo Piedade para explicar o “intenso diálogo da música
instrumental” (PIEDADE, 1997, p. 1), na medida em que entendo que no Brasil, durante o
processo de inserção do jazz, houve uma forte aglutinação cultural. E que por conta dos próprios
dilemas de identidade esse diálogo cultural se tornou conflituoso.
Porém, parece-me ainda mais viável considerar que, do ponto de vista da
experiência musical houve a manifestação de uma troca mútua no primeiro contato entre o jazz
e a música produzida no Brasil, regida pela ideia de modernidade, e que somente a posteriori a
ênfase nas diferenças “musical-simbólicas” se fortaleceu por meio do discurso dos intelectuais
nacionalistas.
Assim, se para alguns músicos, artistas, apreciadores e mesmo para o Estado a
identidade se forjava através da mistura, da troca e da fricção cultural, para os estudiosos que
começavam a repensar a condição da música popular urbana era preciso ter cuidado com as
influências musicais externas.
No entanto, pude perceber a continuidade dessas influências em importantes
gravações, como em 1937, quando Orlando Silva regravou a música foxe-canção Última
canção de Guilherme Pereira. Custódio Mesquita e Mário Lago – autor do samba Ai que
saudades da Amélia - gravaram a foxe-canção Nada além um grande sucesso da dupla e que,
logo depois teria Orlando Silva como interprete. Destaco também o fox- canção Ainda uma vez
de José Maria de Abreu e Francisco Matoso foi gravado em 1938, por Francisco Alves ao lado
da Orquestra Copacabana. Há ainda Tudo cabe num beijo de Carolina Cardoso de Menezes e
Osvaldo Santiago. Esses são apenas alguns exemplos de escuta da década de 1930 que podem
ser destacados e que flertaram com os elementos jazzísticos presentes no fox trot.
Em 1940 outras gravações de sucesso com influência do jazz mais tradicional foram
Mulher de Custódio Mesquita e Sadi Cabral, gravado por Sílvio Caldas, de mesma autoria o
fox-blue Naná, um dos grandes sucessos desta década. Rosa de maio e Voltarás, também de
Custódio Mesquita em parceria com Evaldo Rui. Destaco ainda Perdão amor, autoria de
Lamartine Babo e cantado por Orlando Silva71. Renúncia e Solidão, de Roberto Martins e
Mário Rossi. Dos meus braços tu não sairás, de Roberto Roberti e também Brigamos outra
vez, de José Maria de Abreu e Jair Amorim. Sobre essa influência estrangeira nas canções dos
famosos cantores brasileiros na época, Ruy Castro chega a comentar na obra Chega de
Saudade: a história e as histórias da Bossa Nova:
Barroso, que acreditava nos ufanismos nacionalistas que escrevia, foi talvez o
único grande compositor brasileiro da velha guarda que nunca flertou com
71
Disco RCA Victor - 34759 B. Abril de 1941.
44
ritmos estrangeiros. Em seus programas de calouros, defendia com unhas e
alguns dentes a sacralidade do samba e ficava um tigre quando algum
desavisado anunciava que iria cantar um “sambinha” (CASTRO, 1990, p. 255256).
Por conta do culto à imagem desses cantores como porta-vozes da cultura brasileira,
dentro e fora do país, sob o patrocínio do Estado, foi inevitável que houvesse a relação de trocas
e influências musicais entre Brasil e Estados Unidos. Nesse sentido, a razão principal para os
críticos musicais nacionalistas direcionarem ataques a alguns desses artistas estava diretamente
relacionada com a mistura musical por eles estabelecida. Percebo que no discurso desses
críticos havia a cobrança por uma responsabilidade política com a identidade musical nacional.
Portanto, as décadas de 1930 e 1940 são momentos, no plano cultural, em que se
começa a repensar a música brasileira como elemento de identificação de uma nacionalidade.
Por isso as reações contrárias à influência do jazz no repertório dos músicos nacionais foram
tão patentes. Ao mesmo tempo, o período é marcado por uma significativa influência de ritmos
estrangeiros, como o bolero, o fox trot e o jazz clássico, ou swing, tocado pelas Big Bands.
Nesse sentido, o ambiente foi propício para que estes artistas nacionais estivessem imersos no
projeto de troca cultural promovida pelo Estado Novo. Em relação a esse flerte com o jazz,
Marcos Napolitano afirma que essa influência se deu por toda a década de 1930 e ainda na
década 1940:
A música norte-americana também tomava conta das paradas de sucesso. As
Big Bands, famosas nos anos 40, ainda estavam em evidência. Em algumas
rádios, havia uma grande divulgação do jazz; pois esse gênero americano
ganhava cada vez mais respeitabilidade entre alguns músicos cariocas,
sobretudo aqueles que trabalhavam "na noite" da zona sul (NAPOLITANO;
WASSERMAN, 2000, p. 174).
Nesse sentido, é possível afirmar que a partir das décadas de 1930 e 1940, a
influência da música americana começava a causar rebuliços na imprensa por meio da crítica
especializada, isso porque, para os nacionalistas mais radicais a experiência do jazz passou a
significar certo risco à música nacional. Como tentei demonstrar, a associação do jazz a uma
musicalidade moderna, tal como foi no início do século XX, perdurava de alguma forma, mas
a discussão agora envolvia uma vertente de intelectuais conservadores vinda dos setores médios
da sociedade. Isso fez deflagrar a nível nacional o debate sobre a identidade musical brasileira.
Já na década de 1950, sob o clima de redemocratização, de desenvolvimentismo e
otimismo econômico fomentado pelo governo de Juscelino Kubistchek, é possível notar o
surgimento de um sentimento de saudosismo da Época de Ouro, somado à necessidade de
45
recuperação dos símbolos sonoros nacionais72 e de uma maior valorização do estudo da música
urbana brasileira. Isso fará regurgitar no seio da crítica musical formada pelos folcloristas
urbanos um projeto de revalorização da memória musical brasileira.
Imagem 5: Segundo disco da parceria Francisco Alves e Aurora Miranda com o famoso fox trot
“Você só... mente” composto por Noel Rosa e Hélio Rosa em 1933.
Fonte: Blog Chiadofone73
Assim, tal como Almirante começou a realizar em seu programa Curiosidades
Musicais, vários intelectuais influenciados pelos ideais folcloristas, se organizaram na Revista
da Música Popular e formularam pesquisas, ensaios, artigos, reportagens voltadas para o
cenário musical em voga. No âmbito da revista, as questões sobre a presença do jazz se tornam
ambíguas, e por vezes conflituosas, reflexo das questões específicas deste contexto histórico.
Nesse sentido, no próximo capítulo pretendo analisar os artigos do periódico, a fim de
compreender melhor as discussões sobre jazz, música popular brasileira e identidade nacional.
72
Valo-me do termo símbolos sonoros como categoria para perceber a ligação entre som e memória ou som e
identidade. Penso que no começo do século XX determinados arranjos orquestrados pelas jazz bands foram
associados à ideia de “modernidade” em virtude da utilização da sonoridade da bateria, do banjo e do sax,
instrumentos comuns em uma banda de jazz. Por outro lado, no tocante ao surgimento de uma música nacional, a
manipulação dos arranjos jazzísticos passa a ameaçar a concepção de “autenticidade”, “originalidade” e
“brasilidade” defendida pelos críticos nacionalistas mais conservadores.
73
Disponível em: http://chiadofone.blogspot.com.br/
46
2 POLIFONIA NA REVISTA DA MÚSICA POPULAR
2.1 A Bossa Nova da Imprensa Musical
A expressão que dá nome ao presente tópico foi utilizada pelo jornalista e crítico
musical Tárik de Souza ao se referir à Revista da Música Popular em um texto de apresentação
para a versão fac-símile organizada pela Funarte (2006). O autor se utiliza do termo “bossa”
justamente para enfatizar o caráter inovador da revista em relação à música popular brasileira,
pois “pela primeira vez [a revista] trata sua matéria prima com um refinamento jornalístico e
estético antecipador de publicações como a célebre Senhor”.
O termo, alerta o autor, poderia soar em certo aspecto ofensivo, “por conta da
comparação com o estilo que repudiavam”74, mas ilustra e sintetiza o significado da revista para
a historiografia da música popular brasileira, pois o periódico se constituiu como espaço de
intensos debates em torno da noção de “brasilidade”, “pureza”, “originalidade” e “memória”,
temas que se tornaram ainda mais conflituosos e nebulosos na década de 1950, em um momento
em que se começava a repensar a identidade nacional, mas também de intensa mistura com a
música estrangeira, sobretudo o jazz.
Nesse sentido, antes de adentrar mais profundamente no conteúdo da revista e nos
debates já mencionados, é necessário que se faça uma descrição de seu contexto, formato e de
alguns de seus principais colaboradores. Em outras palavras, um breve mapeamento de seu
corpo editorial. Objetivo nesse primeiro momento destacar a importância dos autores para a
produção historiográfica da música popular brasileira e suas funções na Revista da Música
Popular. Não pretendo aqui exaurir as possibilidades de análise do conteúdo do periódico, mas
minimamente tentar mapear sua pluralidade, seus atores e seu potencial histórico, tendo como
suporte outros estudos que se debruçaram sobre a fonte.
A Revista de Música Popular constitui fonte riquíssima em se tratando da temática
da música popular na primeira metade do século XX. Chegou a totalizar quatorze publicações75.
Além de se dedicar à temática da música popular, a revista se preocupou em fazê-lo de maneira
sistematizada e científica. Embora, o periódico analisado estivesse imerso em um contexto de
modernização na estrutura e na proposta da imprensa em relação aos aspectos gráficos, a
proposta da RMP se diferenciava justamente por sua apresentação tanto no quesito estético
74
75
Coleção Revista da Música Popular, 2006, p. 16.
A redação da revista funcionou até o último número na Rua Santa Luzia, número 732, sala 702, Rio de Janeiro.
47
quanto no aspecto intelectual76, pois possuía propositalmente em sua estrutura editorial,
segundo Maria Clara Wasserman (2008), “pouco impacto visual, repleta de textos e poucas
fotos, diferenciava-se de outras publicações”.
Segundo Ana Paula Goulart Ribeiro, em Jornalismo, literatura e política: a
modernização da imprensa carioca nos de 1950, é a partir de 1950 que as inovações ficam mais
evidentes no seio da imprensa nacional, sobretudo carioca, que adota praticamente o mesmo
padrão norte-americano de “recursos editoriais e formais, típicos de revistas” (RIBEIRO, 2003,
p. 151). Segundo a mesma autora, será também na década de 1950 que a imprensa começará se
profissionalizar.
Assim, jornais e revistas passaram a conter textos de conteúdo mais massificado,
em diálogo com a indústria cultural. O objetivo era tentar informar um maior número de pessoas
de maneira direta, por intermédio de textos menos críticos e densos, comuns nas décadas
anteriores77 (RIBEIRO, 2003, p. 148). Sobre as revistas, no artigo A Revista do Rádio através
de seus editoriais (década de 50), Doris Fagundes Haussen e Camila Stefenson Bacchi
comentam que:
No caso das revistas, conforme Habert (1974) é na década de 50 que vão
aparecer as publicações "modernas" no país. São aquelas que cobrem um
mundo mais amplo, são mais informativas e trazem uma apresentação gráfica
mais atraente, resultado de maiores investimentos (HAUSSEN; BACCHI,
2001, p. 4).
Com exceção da RMP, as demais revistas brasileiras possuíam esse apelo à grande
massa, tal como as programações das rádios e da TV. Reside nestes aspectos o principal
diferencial e atrativo da RMP, que em vez da utilização de muitas imagens e temas midiáticos,
optou por conteúdos mais textuais e poucas ilustrações. Havia, entretanto, significativa
diversidade narrativa, da crônica ao artigo científico, das reportagens às entrevistas, das
propagandas aos poemas e textos biográficos, todos voltados para a temática da música popular
brasileira.
No quesito gráfico, é possível considerar as capas de todas as edições como outro
diferencial do periódico78. Isso porque, em vez de serem ilustradas com a imagem de
personalidades famosas do cinema, televisão e rádio tal como era recorrente nas demais
76
Até então, essas revistas se preocupavam com as inovações tecnológicas, como o rádio e as fotonovelas. Um
exemplo é a Revista Rádio, também criada na década de 1950.
77
Ana Paula percebe uma continuidade em toda imprensa carioca da crítica e dos textos polêmicos, mesmo na
década de 1950, quando se propõe tal afastamento.
78
Apenas as capas eram coloridas, todo o as outras páginas eram em preto e branco, focando mais na questão do
conteúdo textual.
48
revistas, a Revista da Música Popular sempre destacava alguma personalidade da música
popular, indicando de antemão, os artistas privilegiados pelo periódico.
Imagem 6: Capa da edição de número quatorze com Orlando Silva.
Fonte: página virtual “André Egg: reflexões, análise e crítica”79.
Assim, da primeira à última publicação se tem, respectivamente, as fotos de
Pixinguinha (Setembro de 1954), Aracy de Almeida (Novembro de 1954), Carmen Miranda
(Dezembro de 1954), Dorival Caymmi (Janeiro de 1955), Elizeth Cardoso (Fevereiro de 1955),
Inezita Barroso (Março/Abril de 1955), A Velha Guarda, Pixinguinha, Donga e João da Baiana
(Maio/Junho de 1955), Carmen Miranda mais uma vez80 (Agosto de 1955), Sílvio Caldas
(Setembro
de
1955),
Jacob
Bittencourt
(Outubro
de
1955),
Leny
Eversong
(Novembro/Dezembro de 1955), Dircinha Batista (Abril de 1956), Marília Batista (Junho de
1956) e Orlando Silva na última edição de Agosto de 1956.
Sobre a qualidade do conteúdo, o periódico contou com diversos intelectuais, entre
pesquisadores, músicos, escritores e folcloristas, que contribuíram com artigos e pesquisas
acerca da música popular brasileira e fomentaram a qualidade da RMP. O historiador José
Geraldo Vinci de Moraes comenta em sua obra História e Música no Brasil que “durante os
dois anos, entre setembro de 1954 e 1956, foram lançados 14 números em que a música popular
teve papel central e exclusivo, recebendo tratamento ‘culturalmente elevado’ e que serviu para
dar novo passo na legitimação da música urbana” (GERALDO, 2010, p. 224).
79
Disponível em: http://andreegg.org/2014/08/20/capas-da-revista-da-musica-popular-1954-56-um-panteao-damusica-brasileira/
80
Edição especial por causa da morte da cantora, voltada apenas para publicar sua trajetória artística.
49
Dentre alguns desses nomes se pode destacar Lúcio Rangel, Pérsio de Moraes,
Fernando Lobo, Claudio Murilo, José Sanz, Frederic Ramsey Jr., Marcelo de Miranda, Nestor
de Holanda, Nestor Ortiz Oderigo, Eugene Willians, Jorge Guinle, Martim Gonçalves, Mariza
Lira e Silvio Túlio Cardoso, que podem ser considerados pesquisadores folcloristas; o jornalista
e cronista Jota Efegê; músicos e escritores como Manuel Bandeira, Almirante, Vinícius de
Moraes, Ary Barroso e o radialista Sérgio Porto. Tal corpo de intelectuais se dedicou por dois
anos – de 1954 a 1956 – a elaborar artigos que construíssem uma maior criticidade sobre a
música popular brasileira e, para tanto, reuniram estudos resultantes de árduas pesquisas sobre
a temática, fatores esses que se destacaram em um formato mais organizado e científico.
A opção por um grupo tão heterogêneo pode estar relacionada a novidade do curso
superior de jornalismo que há pouco havia chegado às Universidades, primeiramente em São
Paulo, em 1947, na Faculdade Cásper Líbero, e um ano depois no Rio de Janeiro, na
Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (RIBEIRO, 2003, p. 152153). É possível também que Lúcio Rangel tenha sido influenciado pelo formato da antecedente
e influente revista Dom Casmurro, outro famoso periódico carioca, que reuniu a nata da crítica
literária e escritores dos mais variados e renomados. A revista teve circulação entre os anos de
1937 e 1944. Lúcio Rangel chegaria a compor mais tarde, inclusive, o corpo de colaboradores
da Revista Acadêmica, que foi criada por antigos coautores da revista Dom Casmurro e foi
dirigida por Carlos Lacerda.
Além disso, a década de 1950 pode ser compreendida como uma época de intensas
inovações tecnológicas e como ensaio de uma indústria cultural no Brasil, elementos que
obviamente influenciaram o conteúdo da RMP e estavam praticamente ausentes nas
publicações sobre música que a antecederam. As demais revistas divulgavam apenas algumas
notas e comentários esparsos sobre artistas variados.
Algumas revistas como a Phonoarte, que circulou entre 1928 e 1931, dirigida pelo
crítico José da Cruz Cordeiro Filho, foi pioneira na questão das críticas a discos e artistas,
contudo essa primeira empreitada, longe do rigor técnico de suas sucessoras, limitou-se a alguns
comentários pessoais por parte de seus redatores81.
A revista carioca Radiolândia que circulou entre as décadas de 1950 e 1970,
espelhava-se em uma revista argentina de mesmo nome e dedicava espaço apenas para
promover alguns músicos e canções da época, tendo seu interesse maior na divulgação da
programação das rádios, como radionovelas, noticiários e posteriormente na divulgação da
81
Disponível em: http://casadaartesimbolica.com/revistaphonoarte/pagina11.htm
50
programação televisiva82. Portanto, mesmo havendo uma evolução gráfica nas revistas – boxes,
imagens informativas, textos complementares, propagandas e caricaturas – o interesse da
maioria estava voltado para os meios de comunicação de massa, sem uma visão crítica sobre a
música popular brasileira.
A revista O Cruzeiro, por exemplo, uma das primeiras com ilustrações no século
XX, teve sua primeira edição em 1928 e, a partir dos anos de 1940 a 1970, preocupou-se apenas
com modelos, esportistas e artistas do cinema americano83, tal como a o fez a revista
Cinelândia. No entanto, é importante destacar que em um dado momento a revista
Radiolândia84 foi fortemente influenciada pelo formato e proposta da Revista da Música
Popular, o que demonstra a influência e alcance desta última. Isso fica claro no texto de
apresentação da quinta edição, de fevereiro de 1955:
“Radiolândia”, conhecida revista especializada, vai iniciar uma campanha
pela nacionalização de nossa música popular, tão deturpada pelos falsos
compositores, pelos plagiadores de boleros, pelos “fabricantes” de sambas.
Ótima iniciativa, que conta com o nosso integral apoio. Precisamos promover
a volta dos legítimos valores da nossa música popular, de homens como
Lamartine Babo, Heitor dos Prazeres, Ismael Silva, J. Cascata, e muitos
outros, para substituir o falso e o medíocre, agora dominando todo um setor
da nossa música popular85.
Além dessa preocupação com uma estrutura editorial diferenciada, a RMP prezou
também pela escolha de intelectuais que estivessem de acordo com os interesses propostos pelo
periódico, ou seja, para o estudo e valorização da memória musical do país. Esses estudiosos
estabeleceram uma verdadeira polifonia em torno dos estudos sobre a música popular brasileira.
O sentido de polifonia é aqui utilizado para ilustrar tanto no sentido musical86 –
várias notas soando ao mesmo tempo de maneira sobreposta -, as várias vozes e discursos
inseridos na revista quanto no sentido linguístico que, à luz de Mikhail Bakhtin, se trata de uma
produção discursiva intertextual. Nesse sentido, entendo que os discursos presentes na RMP
são resultados da interação dialógica com os leitores e com outros textos antecedentes87.
83
Disponível em: http://www.radioemrevista.com/o-cruzeiro/
Embora a Radiolândia tenha se pronunciado a respeito do mesmo projeto da Revista da Música Popular, segundo
Maria Wasserman em Decadência: A Revista da Música Popular e a cena musical brasileira nos anos 50, o
interesse maior da revista era fomentar os “bastidores do rádio” e vê o vínculo entre os periódicos apenas no
sentido de que a Radiolândia também defendia a ideia de crise na música popular.
85
Revista da Música Popular, 5ª edição, 1955, p. 1.
86
Resumidamente, significa “várias vozes”. A origem do termo remonta uma forma de cantar surgida na Idade
Média com base em cantos religiosos polifônicos. Exemplo de polifonia instrumental seria o próprio piano, que
emite notas diversas ao mesmo tempo.
87
Segundo Maria Letícia de Almeida Rechdan, para Mikhail Bakhtin “o discurso escrito é de certa maneira parte
integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa
as respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc.” (RECHDAN, 2003, p. 2).
84
51
Assim, na primeira edição da Revista da Música Popular afirmava-se que “mesmo
antes do aparecimento deste número, algumas centenas de cartas, chegadas de todo o Brasil,
mostravam o interesse que despertaria uma publicação no gênero da que ora apresentamos” 88,
o que reafirma o sentido linguístico de polifonia aqui empregado.
Em relação ao corpo editorial da revista tem-se em primeiro lugar Lúcio Rangel,
que para Tárik de Sousa pode ser “talvez o primeiro formador do pensamento crítico da MPB
na metade do século passado”89, e foi o principal diretor da RMP, escrevendo principalmente
na coluna Discos do Mês, em que se propôs a apresentar e resenhar a respeito de discos
consagrados da música brasileira de vanguarda.
Lúcio Rangel foi um dos primeiros críticos musicais brasileiros e já havia atuado
no Jornal do Brasil, onde chegou a publicar uma série de artigos intitulados Discoteca mínima
da música popular brasileira. Trabalhou ainda no Diário de São Paulo, A cigarra e Manchete.
Também chegou a manter uma pioneira coluna musical no suplemento literário O Jornal,
dirigido por Vinícius de Moraes.
Escreveu ainda para a Revista Long Playing, Música e disco, Revista Lady, entre
outras. Atuou também na Rádio Batuta, além de produzir artigos e ensaios historiográficos
relacionados com o estudo da música popular brasileira. Após o encerramento das atividades
da Revista da Música Popular, escreveu a obra Sambistas e Chorões publicada em 1962, na
qual faz um mapeamento e uma análise do que considerou serem as raízes da música popular
brasileira. Sua última contribuição foi a obra Samba Jazz e Outras Notas, organizada por Sérgio
Augusto em 2007, uma compilação de artigos escritos pelo estudioso sobre a música popular e
jazz. Foi definido pelo Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira como “um dos
mais intransigentes defensores da música popular brasileira tradicional, da qual era profundo
conhecedor”90
Pérsio de Moraes também atuou como segundo fundador e diretor gerente da
Revista da Música Popular. Teve fundamental importância, sendo responsável por treze
crônicas a respeito do samba e do carnaval carioca em uma coluna intitulada Um tipo da música
popular, dentre elas O samba inédito, O folião, Pois é Ataulfo e Laurindo.
Mariza Lira foi pioneira nos estudos sobre a música popular urbana e escreveu
artigos para a coluna História Social da Música Popular Carioca a partir da terceira edição da
Revista, de dezembro de 1954. Alguns deles foram intitulados O alvorecer da música do povo
88
Revista da Música Popular, 1ª edição, setembro, 1954, p. 03.
Coleção Revista da Música Popular, p. 18.
90
Ver: http://www.dicionariompb.com.br/lucio-rangel
89
52
carioca, este primeiramente preocupado com a música produzida no Brasil entre os séculos
XVI e XVII.
Na quarta edição Lira escreveu o artigo Os nossos primeiros trovadores, focado
mais nos fados, lundus e maxixes do século XVIII. Na edição seguinte, assina texto sobre os
ritmos carnavalescos no século XIX. Na sexta edição escreveu o artigo A influência do étnico
na Nossa Música Popular, também com o enfoque no século XIX. Na sétima edição publicou
A influência Ameríndia. Nas seguintes: A contribuição do negro: o ritmo, Música das três raças
e prosseguiu até publicar o texto A polca, na última edição, priorizando uma abordagem mais
sociológica e caracterizando-se como folclorista91. Foi a primeira biógrafa de Chiquinha
Gonzaga, escreveu diversos artigos sobre música para jornais e tornou-se membro do Conselho
Superior de MPB do Museu da Imagem e do Som em 196692.
Sílvio Túlio Cardoso foi responsável pela coluna Discografia Completa de
Francisco Alves em que destacava músicas do cantor e sambista. Vinícius de Moraes escreveu
algumas crônicas como Mestre Ismael Silva na quinta edição de fevereiro de 1955, exaltando
os sambistas cariocas. Fernando Lobo escreveu crônicas na coluna Música dentro da Noite e
vinha do ambiente da mais popular rádio carioca, a Rádio Nacional, na qual foi produtor e
redator em 1951. Lobo teve também experiência na área musical como violinista da Jazz Band
Acadêmica de Pernambuco e, na década de 1970 atuou em programas musicais na televisão
onde foi responsável por significativo levantamento da memória musical brasileira93.
Jota Efegê que já havia colaborado com textos sobre a música popular em revistas
como Noite Ilustrada e Carioca, foi autor de três obras sobre a música popular brasileira entre
as décadas de 1960 e 1980, entre elas Ameno Resedá - O Rancho Que Foi Escola (1964), Maxixe
- A Dança Excomungada (1974) e dois volumes da obra Figuras e Coisas da Música Popular
Brasileira, a primeira de 1978 e a segunda de 1982, com o título Figuras e Coisas do Carnaval
Carioca94.
Também não é gratuita a escolha pelo músico e radialista Almirante como redator,
lembrado como “a mais alta patente do rádio”, que em fins da década de 1930 iniciou na Rádio
Nacional um projeto de rememoração e preservação da memória musical nacional no programa
Curiosidades Musicais (GERALDO, 2010, p. 238). Giuliana Souza de Lima (2012) comenta
91
Alguns destes estudos traziam aspectos musicológicos, como partituras e narrativas de cronistas.
Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/marisa-lira/dados-artisticos.
93
Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/fernando-lobo/biografia
94
Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/jota-efege/biografia
92
53
em sua dissertação Almirante, “a mais alta patente do rádio” e a construção da música popular
brasileira (1938-1958), que:
Apesar de ser produtor cultural com vistas para o entretenimento, fruto de uma
sociedade em vias de uma modernização e ávida por novas formas de
diversão, os programas de Almirante eram caracterizados pela busca
obsessiva em conferir valor cultural e científico aos temas abordados. Estes
dois estatutos ele tentava garantir com suas pesquisas, as quais contribuíram
para um vasto acervo sobre música popular – integrado na década de 1960 ao
incipiente Museu da Imagem e do Som (MIS-RJ – atual Fundação Museu da
Imagem e do Som do Rio de Janeiro) e curado pelo próprio Almirante, que se
tornou funcionário desta instituição. O radialista desempenharia, assim, um
papel importante não apenas na divulgação da música popular pelas ondas do
rádio, mas também no projeto documental, de estudo e pesquisa que assumiu
individualmente para si (LIMA, 2012, p. 14).
Destaco ainda Almirante, que além de preservar a trajetória de músicos populares,
“coletou com rigor enciclopédico, diga-se, uma ampla gama de sonoridades musicais do Brasil,
numa espécie de ‘missão de pesquisas folclóricas’ que tinha como base sua atuação no rádio”
(NAPOLITANO; WASSERMAN, 2000, p. 172-173). Ele também chegou a publicar alguns
artigos na Revista da Música Popular, como Vassourinhas históricas e Noel Rosa foi grande,
mesmo sem parceiros, na 13ª edição, de 1956.
Nomes como Emanuel Vão Gogo, Evaldo Rui, Haroldo Barbosa e Nestor de
Holanda também fizeram contribuições importantes para a revista, como ilustrações, artigos
como Quando Chico Alves era turfista (Haroldo Barbosa) presente na quarta edição do
periódico, a coluna fixa sobre as programações das rádios O rádio em 30 dias de Nestor de
Holanda, entre outros coautores que escreveram de maneira esporádica na revista95.
Quanto a José Sanz, Marcelo Miranda, Eugene Williams, Nestor Ortiz Oderigo,
Frederic Ramsey Jr., e Jorge Guinle, couberam-lhes a contribuição em colunas fixas com
relação à música estrangeira, mais especificamente sobre a condição do jazz no Brasil e no
exterior. Esses textos geralmente eram apresentados nas últimas páginas das edições, mas estão
presentes em todas elas com variedade no número de páginas. José Sanz ficou responsável pela
coluna Jazz, sendo seus textos de caráter mais combativo e crítico.
Nestor Oderigo, até então renomado folclorista argentino, era responsável por
estudos sociológicos sobre jazz e que geralmente sucediam os textos de José Sanz. Em outras
edições havia as contribuições de Marcelo Miranda também sob um viés sociológico. Jorge
Guinle ficou incumbido de colunas com os títulos Discografia Selecionada de Jazz Tradicional,
95
Entre esses nomes estão Paulo Mendes Campos, Mozart Araújo, José Guilherme Mendes e Jarbas Melo,
Clemente Neto, Thalma de Oliveira, Assis Brandão, Enece, Luís Cosme, Irineu Garcia, Lourdes Caldas, Duprat
Fiuza, Mario Cabral, Sérgio Barcellos, Rubem Braga, Paulo Pereira, Celso Cunha, Jacy Pacheco, Sílvio Autuori,
Pierre Gujon, João Farias, Edigar Alencar, Mário Faccini e Hermínio Bello de Carvalho.
54
Os Fatores Essenciais da Música de Jazz, na terceira edição, e logo depois Os 50 músicos que
influenciaram o jazz, na quinta edição. Também havia a coluna Notas de Jazz, sobre notícias
no Brasil e no mundo referentes ao jazz. Quanto a isso Maria Clara Wasserman reforça que:
A ambiciosa publicação reuniu os principais nomes da música e da
intelectualidade brasileira e congregou um novo pensamento musical, que
tentava alcançar a legitimidade através da abordagem folclórica. Também o
reconhecimento da música urbana carioca como autenticamente brasileira
fazia parte da proposta. Quanto à música norte-americana, a exclusiva
abordagem do jazz de New Orleans, deixava clara a intencionalidade de
transformar a música “de raiz” em música pura e autêntica. (WASSERMAN,
2002, p. 8).
Aqui, porém, reside a principal problemática do discurso defendido pela revista:
uma vez preocupada com “a volta dos legítimos valores da nossa música popular” e com a
“nacionalização da música popular”, mesmo assim havia a divisão clara de intelectuais que
trabalhavam em pesquisas sobre a música popular brasileira, bem como críticas à produção
musical urbana dos anos 1950, enquanto o outro grupo de críticos ficava incumbido de elaborar
ensaios, crônicas e oferecer discografias de jazz para os leitores.
O próprio Sérgio Porto, autor de textos que rememoravam figuras do samba na
revista redigiu a primeira obra nacional sobre o jazz produzido nos Estados Unidos, intitulada
Pequena História do Jazz que foi patrocinada pelo Ministério de Educação e Saúde em 1953.
Já Jorge Guinle foi autor da segunda obra nacional sobre jazz, intitulada Jazz Panorama (1953),
tendo esta duas edições, a primeira de 1953 e a segunda de 1959. Os dois autores foram ainda
responsáveis pela fundação do Clube de Jazz e Bossa no início dos anos 1960, que se manteve
firme em suas atividades de propagação do jazz até 196796.
Nesse sentido, há um interesse significativo por parte da RMP na divulgação de
livros, bandas e discos de jazz para informar leigos, leitores aficionados e para atrair outros
pesquisadores da temática. Além disso, os críticos se apropriavam da maneira como o jazz era
debatido no exterior, pautados na busca por sua “autenticidade”. Assim, segundo Jair Paulo
Labres Filho, ao analisar alguns dos textos sobre jazz chega a afirmar que “os debates que
encontramos nessas obras são basicamente os debates estadunidenses reproduzidos em
português com as palavras e julgamentos dos respectivos autores” (LABRES FILHO, 2014, p.
37).
Portanto, a Revista da Música Popular reuniu pessoas de diversas áreas de
influência da sociedade e com interesse na música urbana e folclórica com o objetivo de
96
Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/clube-de-jazz-e-bossa/dados-artisticos
55
construir narrativas que, a priori, reunissem conhecimentos sobre a história da música popular
brasileira sempre com o objetivo de “salvaguardar a memória musical do país”. Serão esses
intelectuais que, segundo o historiador José Geraldo, começarão a “definir a organização de
uma verdadeira operação historiográfica, ao estabelecer um lugar social, uma prática e, por fim,
o texto e a narrativa sobre o tema, até aquele momento destituído de qualquer valor cultural e
social” (GERALDO, 2010, p. 263).
Contudo, como já exposto de forma sucinta, dentro do âmbito do periódico também
houve ao mesmo tempo a preocupação com o trato do jazz, selecionando indivíduos que, além
de entusiastas, pesquisavam e estudavam sobre a temática e tinham contato com músicos,
críticos e estudiosos estrangeiros de jazz.
Entretanto se havia o direcionamento claro da RMP – reduto da chamada “segunda
geração de historiadores da música popular brasileira”97 – para a valorização da música popular
urbana e da memória musical nacional, quais as razões para ter promovido um estilo de música
estrangeiro que se espalhava cada vez mais pelos grandes veículos de comunicação de massa?
Qual o papel do jazz em meio às discussões sobre a identidade musical nacional em voga?
Sobre essas questões e sobre a aparente contradição no discurso dos idealizadores tratarei com
mais profundidade no tópico intitulado Jazz: atração e repulsa.
Posso afirmar, por ora, que o conteúdo presente na Revista da Música Popular
refletia a ideia de mistura musical que se tornou forte no início do século XX e, ao mesmo
tempo, tentava recuperar o formato científico de estudo da música popular urbana produzida no
Brasil tal como Almirante havia feito em seus programas de rádio.
Adiante, retornarei à ideia de polifonia para entender a heterogeneidade dos
discursos presentes na RMP. Assim, nos tópicos seguintes, intitulados Um projeto para a
música popular e Os silêncios e os sons da memória musical brasileira o objetivo será dar voz
à Revista da Música Popular, tentando identificar primeiramente aquele que seria o formato
mais autêntico de música popular brasileira para seus idealizadores.
2.2 Um projeto para a música popular
O historiador José Ramos Tinhorão (1998) acredita ter sido na década de 1950 o
momento de maior sujeição do Brasil às políticas econômicas dos Estados Unidos, ainda
defensores da Política de Boa Vizinhança. Para Tinhorão é nesse momento de “pressões
diplomáticas e financeiras”, razão da entrada massiva dos mais diversos bens de produção
97
A primeira geração seria composta pelos folcloristas interessados na música, como Mário de Andrade, Renato
Almeida e Francisco Guimarães.
56
americanos no Brasil, que no nível cultural passa-se a ter cada vez mais um aumento no
consumo de músicas estrangeiras. Por isso a atenção dos veículos de comunicação se voltou
quase que com exclusividade para o repertório de músicas dançantes estrangeiras ou nacionais
com influências estrangeiras, constituindo o formato mais lucrativo da época (TINHORÃO,
1998, p. 308-309).
A visão de Tinhorão entende como problemática e danosa a década de 1950 para a
música popular brasileira pois, o autor acredita ter sido com base nas relações econômicas entre
o Brasil e os Estados Unidos que se estabeleceu a decadência da música popular urbana,
processo iniciado nos anos 1940 por meio dos “grupos heterogêneos de compositores
profissionais” (TINHORÃO, 1998, p. 248).
Nesse sentido, o historiador acredita que houve uma reviravolta na qualidade da
música popular após a Segunda Guerra Mundial, reviravolta essa sustentada pela mudança de
postura da política diplomática dos Estados Unidos que passou a criar órgãos que cuidassem da
relação entre a cultura americana e latina98. Para o autor, antes desse abandono da postura
“isolacionista” dos Estados Unidos o Estado brasileiro já fazia uso da música popular em sua
propaganda política como símbolo da identidade nacional sob os auspícios de Getúlio Vargas.
Artistas como Pixinguinha, Donga, Carmen Miranda, o Bando da Lua e “os mais
conhecidos cantores, instrumentistas e orquestras populares da época, se antecipam, nesse
ponto, ao próprio Departamento de Estado norte-americano, em seu programa ‘A Voz da
América’” (TINHORÃO, 1998, p. 299).
Já no plano político-ideológico, Renato Ortiz acredita ser um momento no Brasil
de se repensar a identidade nacional, delimitando o que é “autêntico” e “inautêntico”, “bom”
ou “ruim”, “nacional” e “internacional”. Isso porque em âmbito mundial se difundiam cada vez
mais as ideias de “descolonização”, “alienação” e de resposta dos países do chamado Terceiro
Mundo aos países capitalistas (ORTIZ, 1994, p. 46).
É também o momento no qual nasce o Instituto Superior de Estudos Brasileiros
(ISEB), antigo Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (IBESP) formado por
intelectuais que visavam discutir o desenvolvimento do capitalismo nacional. Ainda no plano
econômico, foi a época onde mais se desenvolveu a industrialização por investimentos diretos
do Estado e da injeção de capitais estrangeiros cada vez mais fortes devido às “políticas internas
98
José Ramos Tinhorão (1998, p. 301) destaca o Escritório de Coordenação de Assuntos Interamericanos, o Office
of the Coordinator of Inter-American Affairs.
57
de atração destes capitais, vigentes então na economia brasileira” (CAPUTO; MELO, 2009, p.
514).
No plano cultural o Brasil presenciava um significativo bombardeio de elementos
estrangeiros que se estabelecia de maneira vertiginosa por meio principalmente do cinema, do
rádio e da televisão. Não apenas de gêneros musicais estrangeiros, como foxes, blues e outras
vertentes do jazz, como boogie-woogie e o swing, mas também gêneros latinos como a rumba,
as congas e os boleros.
Vale ressaltar que a concepção de cultura popular ainda não estava vinculada a uma
“tomada de consciência” no sentido definitivamente político como aconteceria no início da
década de 1960 em meio ao Regime Militar99. Na verdade, na década de 1950 a cultura popular
deveria estar relacionada com uma identidade nacional ainda em busca no país (RIDENTTI,
2010). Esse ambiente de trocas culturais favoreceu uma intensa mistura do repertório musical
popular com o estrangeiro. Assim, segundo Vasco Mariz:
Neste período, a informação musical norte-americana da década de 1950 já
criara um mercado de consumidores e aficionados, permitindo que, desde
1957, os primeiros cantores e compositores brasileiros do gênero tentassem
reproduzir aquele ritmo com letras em português ou até cantadas no original.
(MARIZ, 2002, p. 164).
Vivian Catenacci acredita que a noção de popular nesse momento “é visto pela
mídia através da lógica de mercado, e cultura popular para os comunicólogos não é o resultado
das diferenças entre locais, mas da ação difusora e integradora da indústria cultural”
(CATENACCI, 2001, p. 32,). Na visão de Vivian Catenacci essa opção integradora estaria
ligada a uma necessidade de mercado, de relação com os interesses da indústria cultural. Mas
o que dizer da Revista da Música Popular que tinha como principal objetivo privilegiar a música
erudita, folclórica e urbana tradicional como símbolos da cultura popular?
Neste tópico utilizarei os discursos presentes na Revista da Música Popular para
tentar perceber como se estabeleceu o diálogo com o cenário musical vigente e em que aspecto
o projeto de defesa pela autenticidade da música brasileira e de sua memória musical se
sustentava no periódico.
Em primeiro lugar, é possível identificar em algumas das apresentações da revista
uma síntese de sua proposta. Assim, destaco o texto que abre a primeira edição de setembro de
1954. A autoria do texto é provavelmente de Lúcio Rangel, principal diretor do periódico.
99
Isso não quer dizer que a música estava totalmente afastada das discussões políticas, exemplo disso eram os
“shows-protesto” realizados por Jorge Goulart e Nora Ney, filiados ao Partido Comunista. Para mais informações,
cf. LENHARO, 1995.
58
Ainda que seja de autoria desconhecida o texto evidencia logo de início os objetivos da
publicação.
A Revista da Música Popular nasce com o propósito de construir. Aqui
estamos com a firme intenção de exaltar essa maravilhosa música que é a
popular brasileira. Estudando-a sob todos os seus variados aspectos,
focalizamos seus grandes criadores e intérpretes, cremos estar fazendo serviço
meritório. Os melhores especialistas no assunto estarão presentes, desde este
número inaugural, nas páginas que se seguem. Ao estamparmos na capa do
nosso primeiro número a foto de Pixinguinha, saudamos nele, como símbolo,
ao autêntico músico brasileiro, o criador e verdadeiro que nunca se deixou
influenciar pelas modas efêmeras ou pelos ritmos estranhos ao nosso
populário100.
É possível perceber com base no fragmento supracitado que a intenção primordial
da publicação é de “exaltar essa maravilhosa música que é a popular brasileira”. Mas para isso
é preciso definir antes que há uma distância entre o músico – ou a música – “autêntico” e o
“inautêntico”. Em outras palavras, um tipo especial de músico, uma música popular específica.
Percebo também que há a intenção de rememorar, de resgatar músicos do passado e de
“construir” uma ideia de vanguarda para a música popular brasileira. Vanguarda essa que
deveria simbolizar o que havia de mais puro e autêntico em toda a produção musical nacional.
O texto esclarece que os métodos utilizados para conseguir tal empreitada deveriam
ser pautados em pesquisas feitas por especialistas predispostos a se debruçar sobre uma
produção musical datada principalmente entre as décadas de 1920 e 1940. Não é gratuita,
portanto, a opção pelo músico Pixinguinha, exposto como “símbolo nacional”, “autêntico
músico brasileiro”. Ele, em conjunto dos cantores Castro Barbosa, Mário Reis, Almirante,
Carmen Miranda, Sílvio Caldas, Orlando Silva, Carlos Galhardo e Francisco Alves101; dos
compositores, Ari Barroso, Ismael Silva, Lamartine Babo, Vadico, Orestes Barbosa; e dos
músicos Radamés Gnattali, Nonô, Josué de Barros e Luciano Perrone simbolizariam uma época
demarcada e simbólica para a música brasileira.
Na edição da RMP de número 6 que circulou entre março e abril de 1955 pude
perceber a defesa da revista em relação aos artistas que melhor se encaixavam em sua proposta
e a recusa em expor figuras que supunham não estar dentro dos padrões de brasilidade e de
autenticidade musical. Interessante perceber no fragmento a necessidade de reafirmação da
100
Revista da Música Popular, 1ª edição, setembro, 1954, p. 3.
“Quadra de Ases”, era a expressão utilizada para se referir a Francisco Alves – “O rei da voz” -, Carlos
Galhardo, Orlando e Sílvio Caldas. Ditos cantores de maior popularidade da década de 1930, afirma Ricardo
Monteiro em A música popular brasileira na época de ouro: da era Vargas aos anos JK – período de 1930 a
1956.
101
59
proposta do periódico e a estratégia de fazer crer que seus interesses iam para além das questões
econômicas:
Não aceitamos reportagens e fotografias pagas. Fazemos esta declaração aos
nossos leitores e a quem possa interessar, para que não se repita o caso de
certo diretor de publicidade de conhecida gravadora que nos propôs um
anúncio com a condição que a capa viesse com o retrato do cantor X e, no
texto, uma reportagem de duas páginas com a cantora Y. Não, isso não
fazemos. As capas, as fotografias e os textos que publicamos não tem nenhum
interesse financeiro. Focalizamos os artistas que merecem nosso interesse e o
dos leitores, e não nos prestamos ao papel de simples propagandistas de
artistas muitas vezes “inventados” pelos golpes e artimanhas já muito comuns
em nosso meio102.
Na edição de número 13 há novamente a crítica às propostas que desvirtuassem o
interesse do periódico como “notícias e artigos visando a vida particular de artistas ou notas
comentando certos fatos escandalosos que, infelizmente, ocorrem em nosso meio musical”103.
Fato é que o discurso dos colaboradores da RMP parece se harmonizar e ir ao encontro daqueles
que não se interessavam pela história da música popular brasileira e sua memória musical
“pura”, ou seja, pela memória dos tradicionais artistas da Época de Ouro.
Nesse sentido, a importância desse período na música brasileira poderia estar
relacionada com a popularização de músicos através das inovações tecnológicas da época. Para
Ary Vasconcelos, em sua obra Panorama da Música Popular Brasileira, publicada em 1964, a
Fase de Ouro, ou Época de Ouro, iria de 1927 a 1946 seguida da Fase Moderna, de 1946 a 1958.
Essa segunda marcada pela “influência crescente da música estrangeira, como a música
americana e o bolero, que também iriam contribuir para que o samba ‘original’ fosse chamado
de antiquado, na ‘época moderna’ da música brasileira” (NAPOLITANO; WASSERMAN,
2000, p. 177).
No livro A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras, Jairo Severiano e
Zuza Homem de Mello caracterizam as primeiras décadas do século XX como um período de
intensas mudanças, sobretudo na música brasileira:
A Época de Ouro originou-se da conjunção de três fatores: a renovação
musical iniciada no período anterior com a criação do samba, da marchinha e
de outros gêneros; a chegada ao Brasil do rádio, da gravação eletromagnética
do som e do cinema falado; e, principalmente, a feliz coincidência do
aparecimento de um considerável número de artistas talentosos numa mesma
geração. Foi a necessidade de preenchimento dos quadros das diversas rádios
e gravadoras surgidas na ocasião que propiciou o aproveitamento desses
talentos (SEVERIANO; MELLO, 1998, p. 85).
102
103
Revista da Música Popular, 6ª edição, março/abril, p. 1.
É possível que a referência tenha sido à Revista Radiolândia que se ocupava com esse tipo de proposta.
60
Cria-se assim, em torno da pessoa de Pixinguinha e de seus contemporâneos da
chamada Era de Ouro da música popular uma imagem antitética que carregaria em si a pureza
da música brasileira e que deveria ser novamente estudada, promovida e tida como exemplar
para o palco musical da década de 1950 ao qual a RMP fazia crer estar em crise.
A revista passou a documentar de forma estratégica as noites dedicadas aos festivais
realizados pelo radialista e músico Almirante, os famosos Festivais da Velha Guarda, evento
que teve sua primeira edição em São Paulo e depois no Rio de Janeiro. Nesse sentido, os
colaboradores do periódico levam ao ambiente da escrita um formato semelhante ao que
Almirante utilizava em seu programa Curiosidades musicais104, apresentando assim, a música
urbana tradicional e folclórica como patrimônios culturais nacionais sem a distância que
possuíam nos estudos folclóricos no início do século XX.
É possível também localizar essas discussões em outros textos fora da Revista da
Música Popular. Em um artigo escrito por Lúcio Rangel para a Revista Long Playing105, entre
setembro e outubro de 1957 perdura a necessidade da busca pela memória musical na figura
dos músicos tradicionais:
Sendo um músico completo, e mais, tendo o verdadeiro espírito de brasilidade
em suas orquestrações, sabendo o tempo certo e a execução certa, o repertório
certo e representativo de nossa música popular, sua fama só faz aumentar, com
o correr dos anos [...]. Assim é Pixinguinha, o músico, o artista. Hoje uma
figura nacional, com o nome em placa de rua, o homem Pixinguinha continua
a ser o mesmo de sempre, simples e humano, dono de uma bondade sem igual,
amigo, perfeito, modesto, sem a “máscara” que muitos por aí sem um
centésimo do seu valor afivelam na face sem o menor pudor (RANGEL, 2007,
p. 95).
Em fevereiro de 1958 Lúcio Rangel publicou no Jornal do Commercio um texto
com o título Sambas e datas, em que elogia uma reportagem realizada pelo jornalista Ary
Vasconcelos106 para a revista O Cruzeiro107, na qual ele teria feito um levantamento dos
músicos da velha guarda, “bem como estudiosos do assunto, musicólogos e historiadores da
nossa música popular” (RANGEL, 2007, p. 104). Isso simboliza o crescente interesse de outros
pesquisadores que compactuavam com a proposta iniciada pelos idealizadores da Revista da
Música Popular108.
104
O programa foi ao ar em 1934, quando surgiu como um quadro do Programa Casé da Rádio Transmissora e
depois migrou para a Rádio Nacional, onde permaneceu com abrangência nacional de 1938 a 1941.
105
Periódico que se dedicava a comentar a respeito de discos e músicos.
106
Há certa discordância neste texto apenas quando o jornalista nega ser a canção Pelo telefone do sambista Donga,
a primeira forma gravada de samba como defendia Lúcio Rangel e outros tantos estudiosos.
107
Circulou de 1928 a 1975 e foi a principal revista nacional a apresentar ilustrações. Possuiu inovações gráficas,
e ênfase no Fotojornalismo.
108
Na década de 1960, Ary Vasconcelos iria se dedicar a fazer conferências sobre a música popular por todo o
país, e realizar estudos como crítico musical em diversas publicações. Na mesma década publicaria a obra
61
É interessante destacar que na obra A canção popular brasileira (2002), de Vasco
Mariz, após comentar o destaque da banda Os Oito Batutas no exterior e posteriormente o
sucesso de Pixinguinha na Europa, cita-se o comentário feito por Sílvio Salema que diz “é de
se estranhar e, ao mesmo tempo, louvar que a influência da música estrangeira não se faça sentir
nas produções de Pixinguinha” (MARIZ, 2002, p. 127). No entanto, o primeiro sucesso do
músico teria sido o instrumental Carinhoso composto em 1917 e que apenas mais tarde teria
letra. Como abordado no capítulo anterior, houve grande reboliço na imprensa e no seio da
crítica musical da época. O intransigente crítico Cruz Cordeiro – que mais tarde comporia a
Revista da Música Popular – diria em um artigo de janeiro de 1929, na edição de número 2 da
Revista Phonoarte, que:
O disco 12.877 da Parlophon apresenta a Orquestra Pixinguinha-Donga. De
um lado o maxixe de Peri, “Não diga não”. Excelente música, muito típica,
sentimental, bem ritmada e dançada. No complemento, vamos encontrar um
choro de Pixinguinha, “Carinhoso”. Parece que o nosso popular compositor
anda muito influenciado pelo ritmo e pela melodia da música de jazz. É o que
temos notado desde algum tempo, mais de uma vez. Nesse seu choro, cuja
introdução é um verdadeiro Foxtrote, apresenta em seu decorrer combinações
da música popular yankee. Não nos agradou109.
Essa, na verdade foi a segunda vez que o crítico havia alertado para as influências
estrangeiras nas músicas de Pixinguinha. Antes, em 1928, direcionou críticas às influências
americanas tanto no choro Lamentos de Pixinguinha quanto no choro Amigo do Povo de Donga.
No texto, Cruz Cordeiro afirmou que “a influência das melodias e mesmo do ritmo das músicas
norte-americanas é, nesses dois choros, bem evidente”. E finaliza: “é por esse motivo que
julgamos esse disco o pior dos quatro que a Orquestra Pixinguinha-Donga ofereceu nesta
quinzena”110.
Por outro lado, Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello destacam argumentos do
próprio músico que desvalidam o comentário de Cruz Cordeiro, “um crítico pouco versado em
jazz”. Segundo os autores:
O jovem Pixinguinha, então com 20 anos, não se atrevia a contrariar o
esquema adotado nos choros da época, a forma rondó (A-B-A-C-A), herdada
da polca. Ele mesmo esclarece, no depoimento, que “o ‘Carinhoso’ era uma
polca, polca lenta. O andamento era o mesmo de hoje e eu classifiquei de polca
lenta ou polca vagarosa. Mais tarde mudei para chorinho” (SEVERIANO;
MELLO, 1997, p. 153).
Panorama da Música Popular Brasileira, chegando também a produzir programas sobre música popular para a
rádio MEC. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/ary-vasconcelos/dados-artisticos
109
Revista Phonoarte, nº II, janeiro de 1929, p. 26.
110
Disponível em: http://www.revistaphonoarte.com/pagina13.htm
62
Embora haja essa discussão em torno da peça, o próprio Pixinguinha confirma as
influências de ritmos estrangeiros em seu famoso choro, reacendendo o debate sobre a
“brasilidade” em torno do músico da Era de Ouro.
A historiadora Virgínia de Almeida Bessa ao analisar várias peças musicais de
Pixinguinha, de fato vislumbra nelas essas influências estrangeiras, sobretudo jazz e fox trot.
Ao criticar a paisagem sonora que vigorava na época do músico, conclui que “da incorporação
de elementos folclóricos à mimetização da música de jazz”, e “da atuação no cerne da indústria
fonográfica à construção de um discurso sobre o passado musical brasileiro, Pixinguinha soube
se valer dos diversos espaços abertos pela nascente cultura de massa” (BESSA, 2010, p. 212).
Mas se o símbolo da música popular brasileira deveria ser um músico que não se
deixava corromper pelos ritmos estrangeiros, por que a escolha de Pixinguinha? A historiadora
tenta esclarecer esse impasse, afirmando que:
Por outro lado, é possível que a atribuição de brasilidade a seus arranjos tenha
se dado, em grande parte, a posteriori, justamente por aqueles autores
responsáveis pela construção da memória musical popular brasileira. Tal
construção se inicia já nos 1940, quando Pixinguinha, antes mesmo de
completar 50 anos de idade, foi eleito um dos maiores depositários de nossa
tradição musical. Paralelamente, o caráter ingênuo e aberto de suas
orquestrações foi substituído por outro, mais próximo da linguagem orquestral
da música de concerto (BESSA, 2010, p. 202).
Virgínia de Almeida Bessa percebe que Pixinguinha estava imerso em uma
paisagem sonora de coexistência de diversos estilos musicais, os quais o músico absorveu para
o seu repertório. Essa apropriação, segundo a autora, deu-se por várias razões, tanto por uma
opção estética quanto por questões comerciais. Assim, com um repertório que prezava pela
mescla de ritmos tradicionalmente brasileiros com o jazz, o músico obteria maior abrangência.
Portanto, como pretendi perceber, mesmo em meio a várias influências externas
inclusive do jazz, Pixinguinha foi selecionado como um porta voz da musicalidade brasileira.
Essa idealização do músico foi reforçada pelos discursos dos coautores presentes na Revista da
Música Popular, essa opção musical feita pelos colaboradores da RMP estava associada a uma
ideia de brasilidade, manifestada na sonoridade de Pixinguinha e em outros músicos de sua
época.
Nesse sentido, quando analisei os discursos de leitores, jornais e outras revistas em
comparação à proposta da Revista da Música Popular, pude perceber ainda que tanto para a
revista quanto para um vasto público era necessária uma (re)invenção da trilha sonora dos anos
50 baseada nesses “músicos do passado” pois, mesmo que de maneira pouco clara, a Velha
Guarda da música popular representava a verdadeira identidade musical brasileira.
63
Imagem 7: Capa da primeira edição com Pixinguinha ao sax.
Fonte: página virtual “André Egg: reflexões, análises e crítica” 111
Quanto aos demais contemporâneos de Pixinguinha, na coluna fixa Estes são raros
sobre discos clássicos há a referência aos sambistas tradicionais. Na primeira edição, cita-se um
disco intitulado Zé Barbino, raridade gravada por Pixinguinha e Jararaca112. Referência também
ao “discípulo de Sinhô” Mário Reis e seu disco-estreia113 e a dois discos gravados pelo maestro
Leopoldo Stokowski nos Estados Unidos e editados pela Columbia, reunindo 16 canções de
Donga, Ratinho, José Gonçalves, Espinguela, Luís Americano e Pixinguinha.
Na segunda edição, na coluna Discos do mês, apresentam-se discos como o de
Inezita Barroso, Dorival Caymmi, Ary Barroso e de regravações feitas por Ana Cristina e Alma
Cunha de Miranda, há também canções compostas por Vadico, Noel Rosa e Evaldo Ruy. No
fim da coluna há referência a uma série de discos que seria lançada pela gravadora Odeon
chamada Reprise. A série ficou responsável pela apresentação dos “melhores cantores de nossa
música popular e gravações há muito esgotadas” realizadas pela Odeon. “Assim teremos as
melhores de Mário Reis, Carmen Miranda, Almirante, Sílvio Caldas, Araci Côrtes, Luiz
Barbosa, Castro Barbosa, Noel Rosa, Petra Barros, Moreira da Silva etc.”, diz o anúncio.
Como argumentado, o periódico contou previamente com um número satisfatório
de interessados em conteúdos que privilegiassem os estudos da música popular brasileira, em
seus mais diversos aspectos. Esses debates não ficavam restritos aos colaboradores da revista,
111
Disponível em: http://andreegg.org/2014/08/20/capas-da-revista-da-musica-popular-1954-56-um-panteao-damusica-brasileira/
112
José Luís Rodrigues Calanzas foi cantor, compositor e humorista.
113
Segundo a coluna, o disco continha as faixas Que vale a nota sem o carinho da mulher e, na outra face, Carinhos
de Vovô.
64
mas a iniciativa já contava com significativo número de possíveis leitores que partilhavam do
mesmo ideal e dialogavam com o periódico tanto dentro quanto fora de suas edições.
Essa hipótese foi se solidificando na medida em que pude analisar duas colunas
presentes na segunda edição da revista de novembro de 1954, Escreve o leitor e Como a
imprensa se referiu ao aparecimento da Revista da Música Popular. É possível identificar os
diálogos mantidos entre o periódico e o público leitor, formado por leigos e estudiosos da
música brasileira. O primeiro texto que abre a coluna Escreve o leitor é relacionado a Almirante
àquela altura consagrado pesquisador da temática:
Almirante, o grande conhecedor da música popular brasileira, enviou-nos uma
carta que nos causou a mais viva alegria. Além de seus votos de sucesso,
escreveu especialmente para nós um excelente artigo “Vassourinhas
Históricas” (que abre o presente número).114
Adiante, destaco um texto que mostra o diálogo da RMP com o público interessado
em conhecer mais a respeito dos músicos da chamada Era de Ouro:
E por falar em Aracy Côrtes... não seria possível a RMP apresentar em cada
número uma discografia mais ou menos completa dos reais astros do samba?”
Pergunta o leitor Eurico Vieira. Sim, e a partir do nosso próximo número
apresentaremos a primeira parte da discografia completa de Francisco Alves
(mais de 800 discos), especialmente organizada para nós pelo crítico Sílvio
Túlio Cardoso.
Já na coluna Como a imprensa se referiu ao aparecimento da Revista da Música
Popular é possível ver o diálogo com os jornais que outrora haviam cedido espaço para muitos
dos críticos da revista publicarem suas pesquisas sobre a música popular. Assim, na página 48,
em sua segunda edição encontrei na RMP a presença dos jornais Correio da manhã, O globo,
O Jornal, Diário Carioca e Tribuna de Imprensa. Na terceira edição, Manuel Diégues Junior,
do Diário de Notícias, diz que “o aparecimento da Revista da Música Popular é motivo de justa
alegria para os cultores da música folclórica e da música popular entre nós115”, e ainda há o
comentário de Eneida, também do Diário de Notícias: “tomara que sua revista viva muito, seja
muito admirada, comprada, difundida. Uma revista que além do mais quer ‘construir’ num país
essencialmente de demolições116.
Destaco também na segunda edição117 o texto escrito por Hoche Ponte, do Jornal
Correio da Manhã, declarando que, “mas o que antes de mais nada sentimos vontade de
aplaudir é a ideia mesma de uma tal revista, sobretudo agora”. E prossegue:
114
Revista da Música Popular, 2ª edição, novembro, 1954, p. 30.
Revista da Música Popular, 3ª edição, dezembro, 1954, p. 48.
116
Revista da Música Popular, 2ª edição, novembro, 1954, p. 48.
117
A partir da quarta edição não se manteve mais a coluna voltada para a opinião da imprensa, apenas as colunas
Escreve o leitor e Respondendo ao leitor.
115
65
Quando o rádio e a televisão, com seus mil boleros e mambos, exercem uma
influência danosa sobre compositores e interpretes de personalidade débil.
Escrevo esta nota para aplaudir a iniciativa. E, ao mesmo tempo, sugerir aos
apreciadores da boa música popular que travem conhecimento com a
simpática publicação. Será apenas natural que a Revista da Música Popular
encontre a melhor acolhida do público118.
Ainda na primeira publicação, na página 27, há outro texto de autoria desconhecida,
mas que pode ser atribuída a Lúcio Rangel com o título Antologia da Música Brasileira que
afirma:
O folclore musical e a música popular brasileira estão sofrendo o impacto de
influências estranhas à medida que o progresso – no caso representado pelo
rádio -, penetra nas camadas mais pobres da população e nas regiões mais
afastadas da civilização, que são a fonte de todo o nosso patrimônio musical.
Breve o pesquisador terá imensa dificuldade em destacar exatamente o que é
música brasileira119.
O texto que estava relacionado a uma coleção limitada de 200 discos raros que
seriam vendidos apenas para sócios120 não se limita à mera divulgação do material fonográfico,
referindo-se também a uma forma de música que se misturava aos “modismos e estilos
pertencentes ao bolero, à rumba, à música popular americana e principalmente à influência
estética do atonalismo, através do ‘bebop’”. Isso indica o tom do debate em torno das músicas
que eram consideradas “inautênticas” para os idealizadores da revista, isto é, aquelas produzidas
no Brasil que apresentassem alguma influência externa.
A crítica é direcionada ao repertório musical tocado pelas programações
radiofônicas e aos a artistas que flertavam com os gêneros musicais estrangeiros, como o jazz,
por conta de seu forte impacto comercial. Assim, o mesmo fragmento faz um apelo para,
“portanto, tomar medidas no sentido de preservar nossa música, seja pela regravação e
popularização de velhos discos hoje esgotados” (grifo meu), ou “pela gravação de novos
compositores e sambistas que, considerados não comerciais, têm na sua música toda a pureza
tradicional dos temas e formas brasileiros”.
Nesse sentido, com o debate em torno da música urbana os músicos criticados, mas
não citados estariam relacionados às grandes rádios que cada vez mais exigiam a mistura com
118
Revista da Música Popular, 2ª edição, novembro, 1954, p. 48.
Revista da Música Popular, 1ª edição, setembro, 1954, p. 27.
120
Na segunda edição, de setembro de 1954, página 30, especificamente na coluna Escreve o leitor, diz-se que
para ser sócio bastava enviar nome e endereço, mas na edição de número três, na coluna Antologia da Música
Brasileira, informa-se que somente teriam acesso aos discos de 12 polegadas (com seis músicos em cada face a
duzentos cruzeiros cada) as pessoas devidamente inscritas e dentro do limite fixado. O objetivo era divulgar um
material dito ausente nas lojas de discos da época e pelo qual as gravadoras não mais se interessavam.
119
66
ritmos estrangeiros: boleros, habanera e em maior escala de jazz e fox trot, por constituírem
parte do fundo musical da época.
2.3 Os silêncios e os sons da memória musical brasileira
É possível perceber que a RMP foi bastante clara ao reforçar a memória dos músicos
ditos autênticos, seja nas suas capas, seja nas crônicas, reportagens e artigos, mas não menciona
o nome dos artistas que estariam no patamar de “inautênticos”, geralmente os rotulando de
músicos “comerciais”, “popularescos”, que misturavam a música brasileira com a estrangeira.
Esse silêncio se perpetuou não apenas no discurso do público leigo, dos
especialistas no estudo da música popular e dos jornais da época, mas também no discurso de
figuras – como Ary Barroso - vindas de um passado dito de “pureza musical”. Com relação ao
cantor e compositor é interessante destacar que a revista utilizou suas opiniões sobre o cenário
musical da época para reforçar e legitimar a ideia de crise na música popular brasileira. É o que
fica claro no texto em linguagem poética intitulado Decadência, na nona edição da RMP, de
1955. Ary Barroso escreve sobre um passado romantizado, passado do qual fez parte na
chamada Era de Ouro, valendo-se, dessa maneira, de sua memória afetiva.
Antigamente não havia “gramática” em samba. E todos o entendiam.
Antigamente não havia “acordes americanos” em samba. E todos o entendiam.
Antigamente não havia “boites”, nem “night clubs”, nem “Black tie”. E o
samba andava pelos “cabarets”, humilde e sem dinheiro. Antigamente não
havia “fans-clubs”. Então os cantores cantavam sem barulho um samba sem
barulho, vindo da Penha, único barulho preparatório para o grande barulho
que era o Carnaval [...]. Antigamente samba era uma coisa, hoje é outra...
Decadência! Decadência! Decadência!121
A palavra “decadência” está então relacionada com o sentimento dos críticos da
revista para com o panorama musical da década de 1950, fazendo crer que o samba havia
perdido seu espaço para as canções estrangeiras, e também seus aspectos nacionais. Contudo,
em um estudo realizado pela historiadora Maria Clara Wasserman (2008), localizado em seu
artigo Decadência: a Revista da Música Popular e a cena musical brasileira nos anos 50,
chega-se a analisar as músicas mais tocadas nas paradas de sucesso nos 1950. Essa análise foi
feita com base nos levantamentos realizados por Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, em
A canção no tempo: 85 anos de música brasileira (1997). Baseada nessas informações a autora
chega a afirmar que, ao contrário do que a RMP pregava, os sambas tinham grande espaço nas
rádios.
121
Revista da Música Popular, 9ª edição, setembro, 1955, p. 7.
67
Assim, o mapeamento de 1954 a 1956 – período de circulação da Revista da Música
Popular – demonstra que “é possível verificar que o samba ocupava 30% do repertório de
sucesso, seguido de perto pelo samba-canção, também com quase 30%” e que os outros estilos
estrangeiros como o fox trot e o jazz ocupavam apenas 20% desse espaço. Porém, alerta para
invariabilidade dessa porcentagem e que, “por isso mesmo, os críticos da RMP afirmavam que
um número cada vez maior de boleros e ritmos estrangeiros tomava conta das rádios, das
revistas especializadas e da vendagem de discos”.
É também durante esse período que “cresce a influência dos programadores e discjockeys sobre a preferência musical dos ouvintes”. E confirmam Jairo Severiano e Zuza Homem
de Mello que o repertório e a influência da música estrangeira se tornaram “bem superiores às
antes da guerra” (SEVERIANO; MELLO, 1998, p. 242).
Ainda segundo os autores, cada vez mais a figura do cantor de samba canção e das
marchinhas era privilegiada com objetivos puramente comerciais (SEVERIANO; MELLO,
1998, p. 463). Nesse caso, a própria condição do compositor inserido no mercado fonográfico
também pode ter contribuído, ainda que em menor grau, para o sentimento de repulsa dos
colaboradores da Revista da Música Popular em relação à qualidade musical dos anos 50.
Assim, segundo a fala de Ary Barroso:
Antigamente o “compositor” não era “compositor”; era um veículo sonoro de
suas emoções. Então o samba saía à rua vestido de brasileiro, gingando com
as “porta-estandartes” dos ranchos”. Antigamente não havia parceria de
cantores, empresários e “veículos”. Então o cantor cantava: não impingia!122
No livro Sambistas e Chorões: aspectos e figuras da música popular brasileira, de
1962, a apresentação do compositor, diplomata e bacharel em direito Brasílio Itiberê é
sintomática quanto à questão da repulsa pelo repertório reproduzido pelas rádios da época:
Em matéria de música popular a coisa foi calamitosa e a devastação total, pois
ela foi ferida de morte na sua parte orgânica mais preciosa, atingida no cerne,
na medula – isto é, no ritmo. Desaparece o ímpeto dinamogênico do sincopado
e, privada da sua vitalidade rítmica, a melodia popular se amolentou, tornouse invertebrada, perdendo os seus caracteres raciais específicos. Começaram,
então, a surgir as formas híbridas – sambas-rumbas, sambaladas, samboleros
– como quistos aderentes ao nosso populário, e tudo fabricado na base do
plágio e da contrafacção (RANGEL, 1962, p. 7).
Portanto, em torno da ideia de crise várias vozes dentro e fora da revista cantavam
de maneira polifônica, isto é, reverberando em outras revistas, bibliografias, jornais e na opinião
de determinado público. Havia assim uma postura combativa em relação a programação das
rádios e em relação aos músicos que seguiam os ditames comerciais. No âmbito da RMP,
122
Revista da Música Popular, 9ª edição, setembro, 1955, p. 7.
68
porém, há certo silêncio em relação aos músicos que não estariam dentro do rótulo de “puros”,
“nacionais” e “originais”.
Nesse sentido, a forma de operação do projeto que se estabelece na revista é
constituída pelo manuseio com a memória individual, como no texto de Ary Barroso e com a
memória nacional, elaborando textos científicos que valorizassem a história da música popular
brasileira, mas que sobretudo trouxessem à tona uma memória musical comum, para ser
novamente valorizada pela chamada “cultura de massa”.
Assim, para o corpo editorial da revista, a necessidade de se revalorizar os sons do
passado implicava silenciar aqueles sons que com ele não compactuavam. Na apresentação da
terceira edição do periódico, de dezembro de 1954, chega-se a mencionar um significativo
crescimento na demanda de gravações das canções tradicionais:
É um consolo a volta do verdadeiro samba, nesta época do ano. Já não
ouvimos o samba de “boite”, o samba de rumba ou o samba-blue. Agora as
batidas dos tamborins dominam tudo e quem canta o samba é o sambista de
bossa e de voz. Acabou-se o reinado dos sussurrantes, o domínio dos fazedores
de boleros, o samba é agora o senhor absoluto123.
Todavia, não se faz referência às programações de rádio que como exposto, ainda
vinculavam os repertórios estrangeiros e de músicas brasileiras com influência estrangeira.
Alguns desses nomes não são mencionados pela revista e se sabe que no período de 1940 a
1950 estavam no topo da parada de sucessos. Sobre estes sujeitos o periódico não se preocupou
em elaborar textos, ainda que críticos. O tratamento a esses músicos permanece apenas de
maneira indireta, e tampouco se faz uso de suas imagens124.
Penso que é importante dar vazão à essas vozes silenciadas pelas páginas da RMP,
por isso segue abaixo uma relação desses músicos que se destacaram entre o final da década de
1940 até o final da década de 1950. Esse levantamento foi realizado por Jairo Severiano e Zuza
Homem de Mello e que pode ser encontrado na obra A canção no tempo: 85 anos de música
brasileira (1998), na página 241. No entanto penso que esse rol deve ser reproduzido em
formato de tabela para uma melhor visualização desses indivíduos. Há de antemão o destaque
para compositores renomados como o próprio Vinícius de Moraes, músicos que já enveredavam
para a execução de um samba aglutinado ao jazz (samba-jazz), cantores tidos como os artistas
modernos dessa geração que tinham seus sucessos tocando nas rádios e de maneira curiosa
alguns artistas defendidos pela Revista da Música Popular.
123
Revista da Música Popular, 3ª edição, dezembro, 1954, p. 1.
Exceção de Luís Gonzaga com o baião, mencionado em um artigo intitulado Música popular e “folcmúsica” e
daqueles que vinham da geração anterior.
124
69
Músicos em destaque do período de 1946 a 1957
Dick Farney, Lúcio Alves, Dóris Monteiro, Silvia Teles, Luís Cláudio e Agostinho dos
Santos, Os Cariocas, Chiquinho do acordeom, Johnny Alf, Luís Bonfá, Moacir Santos,
João Donato, Paulo Moura, Tito Maldi, Dolores Duran e Billy Blanco, Lindolfo Gaya,
Antônio Carlos Jobim, Luís Gonzaga, Vinicius de Moraes, João Gilberto, Newton
Mendonça e Carlos Lyra. A esse grupo também se misturaram os antigos: Radamés,
Vadico, Laurindo Almeida, Valzinho.
Nomes como Dick Farney – Farnésio Dutra e Silva –, Johnny Alf, Antônio Carlos
Jobim, Laurindo de Almeida, Carlos Lyra e João Gilberto são geralmente associados ao
movimento bossanovista, estilo que buscaria modernizar o samba com a mistura de elementos
musicais jazzísticos. Isso porque alguns como Dick Farney125, pianista e cantor, tinham em seu
repertório, além de sambas, charleston126, jazz e fox trot. Sucessos como o samba
Copacabana127 já incorporava a forma melodiosa de canto utilizada por Frank Sinatra, Bing
Crosby128 e outros do jazz. Há também registros fonográficos de influencias do jazz nas músicas
da cantora Dolores Duran.
Já o violonista Laurindo de Almeida passou a fazer turnês no exterior, tocou ao lado
da The Modern Jazz Quartet e adotou harmonias americanizadas quando passou a compor a
orquestra de jazz do músico Stan Kenton129. Sobre o silêncio que foi imposto à memória de
Laurindo de Almeida, o pesquisador em música popular Ricardo Cravo Albin comenta em seu
Dicionário virtual da música popular130 que:
Muita gente boa – ou melhor, nem tão boa assim – considera um exagero
dizer-se que este país não tem memória. Eu digo e insisto: não tem mesmo!
Querem uma prova provada, com certidão, testemunhas e tudo? O
desconhecimento e silêncio que este país impôs a Laurindo de Almeida, um
dos maiores compositores, músicos e personalidades brasileiras em toda
segunda metade do século XX.
125
Dick Farney foi o fundador do Sinatra fã-clube e desde a década de 1930 incorporava sucessos americanos em
seu repertório.
126
Estilo de dança cultivado por negros e brancos pobres surgida depois da Primeira Guerra Mundial e que recebeu
o nome homônimo de uma cidade na Carolina do Sul. Geralmente dançavam ao som do jazz tocado pelas grandes
orquestras.
127
Gravada em 1946 pela Continental.
128
Frank Sinatra, renomado cantor de jazz, iniciou sua carreira na famosa Era do Swing, na década de 1940. Bing
Crosby surgiu na década de 1930, cantando em filmes como O rei do jazz, sendo conhecido como um dos cantores
de jazz mais populares na década de 1950.
129
Stanley Newcomb Kenton, pianista, arranjador e compositor de jazz.
130
Cf. http://www.dicionariompb.com.br/laurindo-de-almeida/critica
70
Ao analisar esses primeiros músicos que deram base ao surgimento da Bossa Nova,
Brasil Rocha Brito encontra fortes influências americanas em canções de Dick Farney, Johnny
Alf e Tom Jobim. Segundo o autor, “Dick Farney passou mesmo a tratar as novas composições
brasileiras como se fossem bebop” (BRITO, 1974, p. 19). Ainda de acordo com Rocha Brito,
“o compositor, cantor e pianista Johnny Alf já a essa altura incorporava procedimentos outros,
emprestados às tendências mais atualizadas do jazz” (BRITO, 1974, p. 20), por fim informa
ainda que, “Jobim definiu a concepção do canto da BN como consistindo em se cantar cool”,
esse estilo de cantar “surgido no jazz, firmou-se por volta de 1950, havendo já prenúncios em
algumas interpretações de cantores como Frank Sinatra, Dinah Shore etc.” (BRITO, 1974, p.
35).
Imagem 8 – Edição especial: “Choram a morte de Carmen Miranda”.
Fonte: página virtual “André Egg: reflexões, análises e crítica” 131.
Não por acaso, tanto quanto com Laurindo de Almeida há um silêncio na Revista
da Música Popular sobre músicos que estariam no patamar de “não nacionais” ou de “não
originais”, segundo o discurso presente na RMP.
É importante destacar que em outros espaços urbanos a busca por uma “brasilidade”
ou por uma “cultura nacional” por meio da música, tanto por parte dos críticos quanto por parte
das rádios, foi mais amena. Ou seja, a preocupação com a manutenção dos símbolos sonoros
nacionais parece ter emergido no eixo Rio-São Paulo com mais ênfase do que nos demais
centros urbanos (COSTA; VIEIRA, 2011, p. 114). Isso porque o ambiente de mistura musical
131
Disponível em: http://andreegg.org/2014/08/20/capas-da-revista-da-musica-popular-1954-56-um-panteao-damusica-brasileira/
71
por intermédio das programações das rádios desencadeou um crescimento no número de bandas
e músicos nessas regiões, que incorporavam ritmos estrangeiros e nacionais ao seu repertório.
Nesse sentido, como foi discutido no primeiro capítulo, na primeira metade do
século XX as jazz bands brasileiras simbolizavam essa mistura musical moderna e a partir de
seu surgimento e influência nos grandes centros urbanos como Rio de Janeiro e São Paulo sua
proliferação se estendeu para outros espaços urbanos onde também se faziam presentes os
meios de comunicação de massa (COSTA; VIEIRA, 2011, p. 114). Portanto, durante a década
de 1950 a noção de “crise”, “decadência” e “esquecimento” se fez mais evidente justamente
onde emergia o sentimento de busca por uma identidade nacional baseada na música popular,
a saber no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Em se tratando das intenções da RMP é interessante perceber que o próprio
Pixinguinha flertou com a música estrangeira, mas sua imagem na Revista da Música Popular
é exposta como imaculada, quase folclórica e em se tratando dos músicos da chamada “Fase
Moderna da música popular” houve ataques diretos à sua musicalidade. Nesse sentido, o termo
mais coerente que é empregado para definir a proposta e a metodologia do corpo de
colaboradores que atuaram na revista é de “folcloristas urbanos”.
Segundo o historiador José Geraldo, o trabalho desse novo formato de pesquisa
folclórica tinha como interesse principal tal como Almirante realizou nas rádios, a necessidade
de busca “pela cultura ‘folclórica e nacional’, mas também, quer pensar e analisar aquela que
era considerada ‘popularesca’”, e assim como ele, “combater o excessivo estrangeirismo
presente na indústria radiofônica e fonográfica da passagem das décadas de 1940-50”
(MORAES, 2010, p. 251).
É possível, portanto identificar com base nos argumentos levantados pelos
intelectuais envolvidos com a Revista da Música Popular, na historiografia que se ateve ao
ambiente musical das décadas de 1940 e 1950 e nas análises historiográficas até aqui realizadas,
os sons privilegiados de uns e os silêncios estrategicamente estabelecidos em relação a outros
músicos no periódico estudado.
Essa busca se desenvolveu por um lado, em meio a pesquisa de discografias raras,
de valoração dos músicos tradicionais da Fase de Ouro, promovendo reportagens sobre os
festivais da Velha Guarda, noticiando regravações destes feitas por outros músicos, por meio
do apelo aos meios de comunicação de massa, do grande público e dos leitores e também pela
atitude combativa, intransigente, censuradora dos músicos e produções musicais que tivessem
alguma relação com os boleros, com o fox trot ou com o jazz.
72
Antes de finalizar este capítulo é necessário relembrar que a Revista da Música
Popular manteve colunas fixas de amplos estudos e interesse sobre a história do jazz, diferente
das demais músicas estrangeiras que vigoravam na época. Para enfatizar essa problemática,
destaco um artigo publicado por Lúcio Rangel em 1959 na revista O Mundo Ilustrado,
intitulado Carta a Vinícius de Moraes em que o crítico tece sérios ataques ao poeta Vinícius de
Moraes que, àquela altura já compunha em conjunto com o músico Tom Jobim sambas com
influências principalmente do jazz, ou seja, para o que viria a ser chamado de bossa nova. O
texto foi uma resposta de Rangel ao poeta que outrora havia feito parte do seu projeto
“folclórico” na RMP. Assim, na tentativa de desbaratar sua nova postura musical, Lúcio Rangel
chega a afirmar que:
Está claro que você e Antônio Carlos Jobim, dupla inventada por mim quando
você procurava um compositor de talento para musicar o seu Orfeu da
Conceição, têm direito de fazer “as suas músicas para que o povo as cante”,
“com ritmo de samba ou não”, “dançável ou não”. Sim, todos têm esse direito,
mas o povo “aceitar” é que são outros 500 mil-réis (RANGEL, 2007, p. 119).
O crítico é categórico quando diz ser “infeliz a sua comparação do samba com o
jazz, que tem escolas ou formas que marcam perfeitamente as suas diversas épocas; o samba,
não, é um só” (RANGEL, 2007, p. 119). Parece claro que a proposta de Lúcio Rangel e de
outros tantos críticos musicais da época fosse, de fato, evitar qualquer tipo de mistura da música
brasileira aos gêneros musicais estrangeiros. Mistura essa que apenas se intensificou após a
Segunda Guerra com o entrelaçamento entre os Estados Unidos e a América Latina.
Portanto, o nascimento do samba canção, do samba de fossa, a mistura com ritmos
latino americanos e boa parte do repertório musical vigente no início dos anos 1950 receberam
sérias críticas, refletindo em uma busca pelos sambistas tradicionais e na criação da RMP. Ao
mesmo tempo em que o periódico defendia essa proposta de retorno ao passado e de
afastamento de um “panorama negro dos anos 50, ou seja, a internacionalização da música
brasileira” (WASSERMAN, 2002, p. 17), havia a significativa preocupação em torno da
propagação de pesquisas discográficas, bibliográficas e históricas sobre o jazz, tratamento não
dado aos outros estilos estrangeiros. Sobre essas e outras questões trataremos no capítulo
seguinte.
73
3 JAZZ: ATRAÇÃO E REPULSA
3.1 No balanço do jazz
Desde sua primeira edição a Revista da Música Popular apresentou um discurso
categórico de defesa da “autêntica música brasileira”, contra a suposta “decadência” musical
reproduzida pelas ondas das rádios que estavam cada vez mais voltadas para a música
estrangeira e, vale ressaltar, assumiu uma postura de combate ao “espírito de imitação” na
música brasileira na década de 1950.
O discurso presente na revista de que havia certa desvalorização da música
brasileira por meio das grandes rádios é aparentemente coerente quando se analisa o cenário
musical da época. De fato, fazendo um mapeamento das canções mais tocadas entre 1947 e
1956, é possível perceber que durante os anos 50 o samba dividia de maneira acirrada seu
espaço com ritmos latino-americanos como o bolero, sendo este último executado tanto por
estrangeiros quanto por cantores brasileiros. Isso se deu de forma mais amena com o jazz e os
fox trotes132.
Ainda assim, houve um ataque também aos músicos que flertaram com o jazz e suas
mais diversas variações uma vez que, esses mesmos artistas, tiveram seus nomes silenciados
nas páginas do periódico como foi demonstrado. No entanto, o discurso ganha outras
conotações na medida em que se percebe que a RMP se preocupou em oferecer estudos sobre
o jazz para os leitores por meio de todas as suas publicações.
É necessário que se discuta, antes de tudo, por que sujeitos que se propuseram a
combater as influências estrangeiras na música brasileira também optaram por ser tão
criteriosos quanto ao trato especificamente do jazz. Vale frisar que diferente das décadas
anteriores não havia mais tantas composições com influências do fox trot, ou seja, de variantes
do jazz tocando nas rádios. Dentro desse pequeno número destaco Não me deixe sozinho
(Roberto Martins e Ari Monteiro), Boogie Woogie do rato (Denis Brean), Você é que pensa
(Roberto Roberti e Dunga), Neurastênico (Bentinho e Nazareno de Brito) e ainda alguns com
conteúdo satírico tal como Boogie Woogie na Favela, citada no capítulo anterior.
Nesse sentido, o objetivo deste capítulo é tentar entender como o debate sobre jazz
se comporta na Revista da Música Popular. Sendo assim, é possível perceber em primeiro lugar
que os textos de jazz foram escritos por críticos musicais que não apenas influenciavam as
132
Analisando o levantamento feito no livro de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, A canção no tempo 85
anos de músicas brasileiras, percebi a proporção contundente de composições de bolero e um número muito
pequeno de gravações representativas com influências do jazz.
74
discussões sobre música popular brasileira, mas também foram sujeitos que atuaram em favor
do jazz no Brasil.
Tais críticos se envolveram em diversas atividades como a formação de fãclubes133, escreveram e divulgaram a história do jazz em jornais e revistas134, promoveram a
vinda de bandas e cantores de jazz para o Brasil e patrocinaram bandas brasileiras no exterior
como no caso de Jorge Guinle135 quando atuou a convite do DIP. Ele chegou a ser nomeado
como um dos “representantes do governo brasileiro junto ao escritório americano para a
América do Sul” (GUINLE, 1997, p. 62).
Nesse sentido, a principal fonte de pesquisa desses estudiosos do jazz era,
obviamente, os livros e as revistas especializadas estrangeiras, dentre elas a Jazz Hot, criada
pelo pesquisador de jazz francês Hugues Panassié, e as revistas americanas Downbeat e Jazz
Man. Portanto, é possível que esses indivíduos reproduzissem a forma como o jazz era debatido
pelos críticos estrangeiros, podendo haver fortes semelhanças no seu discurso com aquilo que
era reproduzido nas publicações internacionais.
Há uma relação íntima e combatente evidenciada para com o jazz nas primeiras
obras nacionais sobre jazz. Essas obras foram produzidas pelos críticos Sérgio Porto – sobrinho
de Lúcio Rangel, diretor do periódico aqui estudado – e Jorge Guinle. Também vale destacar
uma obra recentemente organizada por Eucanaã Ferraz com artigos sobre jazz escritos por
Vinícius de Moraes136 e publicados e publicados em jornais e revistas na década de 50. Esses
133
Destaco o Sinatra-Farney Club, criado no começo dos anos 50 por admiradores do jazz americano, e de onde
sairiam os precursores da Bossa Nova como Dick Farney, Nara Leão e Johnny Alf. Em 1951, o Rio de Janeiro
Jazz Clube, e em 1952 o Clube de Amigos do Jazz, ambos criados por José Domingos Rafaelli, crítico de
fundamental importância para a proliferação do jazz no Brasil. Foi responsável pela assinatura de vários releases
de discos de jazz, atuou de 1956 a 1997 com programas de jazz em diversas rádios, como “Jazz em Desfile" na
Rádio Mayrink Veiga, "Arte Final: Jazz" na Rádio Jornal do Brasil, "Jazz na Imprensa" na Rádio Imprensa, "Jazz
na Eldorado" na Rádio Eldorado, "Jazz na CBN" na Rádio CBN, "O Mundo do Jazz" na Rádio MEC-FM, dentre
outros. Fez parte também do Clube de Jazz e Bossa, criado em 1965, agremiação que reuniu nomes como Lúcio
Rangel, José Sanz, Sérgio Porto, Jorge Guinle – principal presidente –, Vinícius de Moraes, Ary Vasconcelos,
Tom Jobim e o próprio Pixinguinha. Além de promover debates e pequenas apresentações de jazz havia a
homenagem aos grandes nomes da música popular brasileira. Para mais informações, consultar em Dicionário
Ricardo Cravo Albin.
134
Das experiências de Vinícius como cônsul, das experiências de Sérgio Porto, das experiências de Jorge Guinle
como secretário do DIP.
135
A família de Jorge Guinle era possuidora de um elevado poder aquisitivo. Seu pai, Arnaldo Guinle, era uma
espécie de “mecenas” carioca. Foi ele quem enviou Os Oito Batutas para uma turnê no exterior, isto é, para a
famosa viagem à Paris do conjunto. Também investiu em músicos como Donga. Enquanto, o filho, Jorge Guinle,
aficionado por jazz completou a intermediação cultural trazendo músicos famosos de jazz para o Brasil entre as
décadas de 1940 e 1950.
136
Vinícius de Moraes também contribuiu como mediador entre a cultura norte-americana e a brasileira quando
se tornou em 1946 vice-cônsul, e permaneceu nos EUA por alguns anos. É claro que antes mesmo da viagem o
poeta já sinalava um flerte com o jazz, mas esse momento é marcado por atividades intercambiáveis. Vinícius de
Moraes passa a ter contato mais próximo do jazz e ao mesmo tempo apresenta artistas brasileiros, como parte de
seus serviços como secretário de relações internacionais.
75
três historiadores do jazz que se preocuparam com o desenvolvimento histórico e musical do
jazz estariam depois envolvidos com a Revista da Música Popular a partir de 1954.
As obras intitulam-se respectivamente Pequena História do Jazz (1953), Jazz
Panorama137 (1953) – sendo esta lançada alguns meses depois da obra de Sérgio Porto – e Jazz
& Co. (2010). Essas obras possuem um conteúdo antropológico, histórico e musicológico com
significativo número de referências bibliográficas e sempre com uma sugestão de discografia
ao fim. Por isso, há tanto nesses livros quanto nos textos da Revista da Música Popular
referências a Rudi Blesh, Hugues Panassié, Marshall Stearns, Barry Ulanov, Nestor Oderigo,
André Hodeir, Robert Goffin, entre outros críticos estrangeiros, pois boa parte dos estudos de
jazz era produzida por americanos ou franceses.
Imagem 9: Livro Pequena História do Jazz, Sérgio Porto.
Fonte: Blog Jazzseen138.
Embora Vinícius de Moraes, ao prefaciar a primeira edição do livro Jazz Panorama
de Jorge Guinle, afirme que “de qualquer modo só resta louvá-lo por este trabalho pioneiro no
Brasil” e que Marcelo Miranda reafirme no prefácio da segunda edição “Jazz Panorama, o
primeiro livro de jazz escrito no Brasil apareceu em 1953, um pouco antes do trabalho de Sérgio
Porto”, pude encontrar logo na introdução do livro Pequena História do Jazz um texto de Sérgio
137
A segunda edição da obra, diferente da primeira, já traz um capítulo voltado para o mapeamento dos principais
estudiosos/críticos de jazz. Nesse mapeamento, Jorge Guinle os divide em três principais grupos. Os estudiosos
tradicionalistas, a exemplo de Robert Goffin, Hugues Panassié, Rudi Blesh, Ernest Bornerman, Bill Russel, Nestor
Oderigo e Charles Edward. Os modernistas, ou seja, os que consideram os estilos de jazz modernos os mais
autênticos, são para ele André Hodeir, Leonard Feather, e Barry Ulanov. E um terceiro e dito recente grupo de
estudiosos chamados de “ecléticos”. Os autores Marshall Stearns, Bill Grauer, Nesuhi Ertegun (que curiosamente
era visto como tradicionalista por outros), Charles Delaunay Nat Shapiro e Nat Hentoff.
138
Disponível em: http://jazzseen.blogspot.com.br/2011/04/o-primeiro-livro-brasileiro-sobre-jazz.html.
76
Porto afirmando exatamente o contrário, ou seja, de ter sido ele o autor do primeiro livro sobre
jazz produzido no país139.
Essas obras são importantes para ter uma melhor noção de como se dava o trato
com o jazz por esses intelectuais tanto dentro quanto fora da RMP140. Ainda que nesses escritos
pouco ou nada se fale a respeito da cena do jazz no Brasil na primeira metade do século XX, as
produções também simbolizam a necessidade desses críticos de entrarem para o universo da
historiografia do jazz.
Exemplo disso é Jorge Guinle que optou por acompanhar as mudanças que foram
sendo adotadas à musicalidade do jazz ao longo dos anos 50. Assim, o autor chega a afirmar,
se referindo às vertentes modernas de jazz que surgiram na década de 1950 que “ao
apresentarmos a segunda edição deste estudo sobre o jazz a nossa intenção é a de elucidar os
estilos hoje aceitos como manifestações desta música” (GUINLE, 1959, p. 17). Já Sérgio Porto
demonstra estar interessado em motivar mais publicações sobre o tema e confessa esperar
“sinceramente, que este modesto estudo venha servir de incentivo para alguns dos nossos mais
esclarecidos teóricos, a fim de que se animem a publicar obras de interesse sobre o tema, para
o que não lhes falta conhecimento” (PORTO, 1953, p. 4).
Além disso a obra de Sérgio Porto tem um diferencial em relação às demais, pois
foi patrocinada por um órgão nacional criado por Getúlio Vargas, o antigo Serviço de
Documentação do Ministério de Educação e Saúde (atual MEC) e chegou a compor parte de
seus Cadernos de Cultura o que aponta para um interesse realmente significativo em jazz no
país.
Sérgio Porto foi cronista, compositor, radialista e fez parte do grupo de críticos
musicais dos anos 50 que escreveram tanto sobre música brasileira quanto sobre jazz. Assim,
na introdução da obra Porto afirma haver certa carência de estudos sobre jazz no Brasil em
comparação com o cenário internacional, mas fala também a respeito de um significativo
número de estudiosos e afins interessados na temática no Brasil:
139
No blog Jazzseen, em um debate sobre qual foi a primeira obra produzida no Brasil sobre Jazz, afirma-se que
a obra de Sérgio Porto foi lançada em março de 1953, e a obra de Jorge Guinle apenas em junho do mesmo ano,
porém se diz que Jorge Guinle reconheceu o pioneirismo de Sérgio Porto, o que se torna sem fundamento ao
analisar a obra Jazz Panorama. Em momento algum Jorge Guinle afirma tal coisa em sua obra, apenas cita Sérgio
Porto e destaca sua obra. Para saber mais a respeito, cf. http://jazzseen.blogspot.com.br/2011/04/o-primeiro-livrobrasileiro-sobre-jazz.html.
140
Não entrarei em uma discussão profunda do conteúdo dessas obras pelos limites deste trabalho, que preza neste
capítulo pela análise da influência do jazz no Brasil. Creio que a existência dessas obras sinalize uma forte
influência do gênero musical, a ponto desses críticos brasileiros passarem a fazer parte de uma historiografia de
jazz, outrora produzida apenas na Europa, Estados Unidos e em outros países da América Latina. As narrativas
sobre a história do jazz nos Estados Unidos, que é o foco principal das obras, não condizem com a proposta do
trabalho.
77
Enquanto no mundo inteiro, o jazz é tratado devidamente à altura de sua
significação artística através de livros, pesquisas, conferências, audições e
outras facilidades para sua maior difusão; No Brasil é a primeira vez que se
edita algo sobre ele, salvo, naturalmente, artigos e comentários esparsos,
publicados em jornais e revistas. Esse atraso, pouco lisonjeiro para nós, poderá
ser recuperado facilmente, pois não são poucos os brasileiros entusiastas do
jazz, nem pequeno o número de pessoas – muito principalmente jornalistas e
intelectuais – que procuram estudar mais minuciosamente sua estética,
temática, origem, evolução e problemas (PORTO, 1953, p. 3).
Já por intermédio da apresentação de Eucanaã Ferraz na obra Jazz & Co. é
destacada a trajetória de Vinicius de Moraes enquanto diplomata nos Estados Unidos em idos
dos anos 1940. Percebi que o poeta e crítico musical manteve relações tanto com músicos
famosos de jazz quanto com grandes estudiosos e entusiastas do estilo. Exemplo disso foi a
relação com os “mecenas” do jazz Nesuhi Ertegun e sua esposa Marili Morden, ambos donos
de uma importantíssima loja de discos raros de jazz inaugurada em fins da década de 1930,
chamada Jazz Man Record Shop. Nesuhi Ertegun “também mantinha seu próprio selo, tendo
influenciado decisivamente na onda em torno do jazz tradicional com as primeiras gravações”
(MORAES, 2013, p. 21).
Assim, após esse breve destaque da atuação desses críticos que chegaram a publicar
obras sobre jazz, participaram do corpo editorial da Revista da Música Popular e corroboraram
as relações culturais entre Brasil e Estados Unidos, darei um maior foco no próximo tópico aos
discursos do periódico e das demais obras sobre jazz. Posso afirmar que ao analisar e comparar
o discurso dessas obras brasileiras de jazz e dos artigos dos demais colaboradores da Revista
da Música Popular com as produções estrangeiras sobre o estilo, diversas semelhanças vieram
à tona. Um exemplo notório reside na própria opção desses autores por narrativas que
privilegiassem a condição do jazz nos Estados Unidos, silenciando as formas pelas quais o
gênero chegou ao Brasil.
Nesse sentido, percebo que a hipótese do historiador Jair Labres Filho de que “os
debates que encontramos nessas obras são basicamente os debates estadunidenses reproduzidos
em português” (LABRES FILHO, 2014, p. 37), referindo-se às obras nacionais, parece se
reforçar a medida em que há a recorrência de alguns fatores em comum entre a historiografia
nacional e a internacional de jazz.
3.2 Um tipo de jazz
O primeiro fator que parece ser uma constante nesses discursos é a associação do
jazz aos negros norte-americanos, lhes responsabilizando pela produção de um “jazz original”.
É possível que essa associação ao aspecto racial fosse uma menção às raízes folclóricas do jazz
78
e nesse sentido, esse argumento é constante no discurso de diversos críticos musicais que se
intitulavam “tradicionalistas”. Essa denominação é utilizada para designar os críticos e
pesquisadores de jazz mais conservadores, ou seja, aqueles que consideravam autêntico apenas
o jazz em seus primórdios, mais especificamente, o jazz produzido pelos negros de Nova
Orleans.
Nesse sentido, para exemplificar tal tendência de análise do jazz, destaco um
fragmento localizado na obra Introduction a la musique de Jazz do crítico e pesquisador André
Hodeir. Essa obra é diversas vezes citada nos primeiros livros de jazz nacionais e na Revista da
Música Popular. Assim, no final da década de 40 o historiador afirmava:
Portanto, se o número de seus seguidores aumenta a cada ano, ele – o jazz –
ainda mantém críticos ferrenhos. Como se surpreender? O jazz não é nosso;
Ele exprime as alegrias e as tristezas de um povo com quem temos, por assim
dizer, nenhuma característica em comum: o povo negro da América
(HODEIR, 1948, p. 5, tradução livre).
Entendo que a tendência tradicionalista desses primeiros historiadores de jazz
estrangeiros se caracteriza principalmente pela ênfase nas origens do jazz e no destaque da
contribuição negra africana para o gênero musical. Por conta disso é possível encontrar na
bibliografia de jazz comparações entre os elementos do jazz e do samba por causa das suas
raízes comuns. Exemplo disso está na obra O velho Jazz (1968, p. 445) do musicólogo e músico
de jazz Gunther Schuller, a explicação de “samba” elaborada pelo autor no glossário do livro
se baseia na comparação com uma origem e ritmos africanos semelhantes ao charleston, dança
desenvolvida a partir das características rítmicas do jazz.
Em se tratando dos discursos na escrita nacional de jazz, ao iniciar sua análise sobre
as origens históricas do gênero musical em Pequena História do Jazz, Sérgio Porto faz uma
comparação entre a escravidão nos Estados Unidos e a escravidão no Brasil, afirmando que “os
mesmos fatos que levaram os colonizadores do Brasil a recorrerem ao africano para cultivar
suas lavouras, passaram-se na Louisiana, no começo do século XVII” (PORTO, 1953, p. 5). É
possível notar um discurso que busca aproximar a cultura brasileira e a americana mediante
alguns fatores em comum: a experiência da escravidão negra africana e talvez, como tentarei
demonstrar, um semelhante processo criativo de musicalidade.
Pude perceber em uma leitura mais profunda que esse apelo à musicalidade inata
do negro no jazz passa a ser notória nas palavras dos autores e ao que parece, não apenas como
mera repetição do discurso dos autores estrangeiros, mas também como uma identificação do
ponto de vista cultural. Dessa forma, não é gratuita a ênfase na ligação entre jazz, raça e
autenticidade. Isso fica claro quando Sérgio Porto alerta em sua obra que “o que o leitor
79
encontrará aqui, é apenas um roteiro de como se iniciou e se desenvolveu na América do Norte
a única herança que se permitiu ao homem de cor trazer para o degredo: a música” (PORTO,
1953, p. 3).
Imagem 10: Obra Jazz Panorama (primeira edição)
Fonte: Blog Jazzseen141
Entendo que se exalta o fator étnico (negro) no jazz como sendo um elemento
essencial para ser “original”, “autêntico” e de maior qualidade, ao contrário do chamado “jazz
branco”. No tocante a esse discurso Jorge Guinle diz que o jazz tocado por negros americanos
“era naturalmente muito mais rítmico e as sonoridades empregadas muito mais autênticas do
que as do jazz branco” (GUINLE, 1959, p. 56) e a questão do discurso de proximidade entre as
origens comuns do samba e do jazz fica ainda mais evidente no fragmento abaixo publicado na
Revista Sombra em 1951 e, no qual Vinícius de Moraes faz uma comparação entre os gêneros
musicais com base no aspecto racial e na experiência da escravidão:
A necessidade de música no negro é tão intensa, e tais os kicks que ela lhe
proporciona, que não serão as contingências econômicas – antes pelo
contrário! – que lhe irão coibir o gênio. E isso é verdade em qualquer lugar
onde haja negros, não apenas em Nova Orleans. Não há quem não tenha visto
no Brasil os negros baterem suas batucadas sobre caixas e latas de toda ordem,
e os sambistas usarem a caixa de fósforos para marcar o ritmo de suas
orientações ou interpretações (MORAES, 2013, p. 83).
Vinícius de Moraes chega a dizer também que assim “como aconteceu com a
capoeiragem, nos princípios do samba no Brasil” tal foi com os negros criadores do jazz,
buscando relacionar os “tempos áureos” do jazz às origens do samba (MORAES, 2013, p. 64).
Mais um exemplo dessa referência pode ser desprendido de um dos artigos sobre
jazz que abre a primeira edição da RMP intitulado Gato por lebre que foi escrito pelo crítico
141
Disponível em: http://jazzseen.blogspot.com.br/2011/04/o-primeiro-livro-brasileiro-sobre-jazz.html.
80
musical José Sanz. Ele foi um dos encarregados da escrita do jazz na revista e em todos os seus
textos é recorrente também essa referência a uma autenticidade em relação ao jazz.
O início do texto chama atenção para um problema em torno do jazz no Brasil, na
opinião do crítico “há uma grande confusão no Brasil a respeito do jazz”. Não havia também,
segundo ele, uma preocupação com os estudos sobre o gênero musical ao dizer que “o jazz no
Brasil nunca saiu da casa meia dúzia de apaixonados, estudiosos uns, simples ‘fans’, outros” e,
finaliza expondo quais seriam os objetivos de sua coluna na revista para com o jazz:
Nosso objetivo, portanto, é: JAZZ. Jazz na sua forma pura, já morta, e que não
pode mais renascer. O jazz do passado, ainda hoje na lembrança de velhos
músicos que conservam toda a tradição dos bons tempos em que o saxofone
era instrumento desconhecido para eles e cuja incorporação aos conjuntos
jazzísticos veio abastardar a execução musical de peças admiráveis porque é
um instrumento anti-vocal por excelência e a característica fundamental do
grupo executante de jazz é a imitação da voz humana (melodia africana) que
a corneta, o clarinete e o trombone facultam, suportadas pelos instrumentos
de percussão (ritmo africano), de que a bateria, o contrabaixo (ou tuba), o
banjo são a imitação “civilizada” dos instrumentos da sua longínqua África142.
Pude perceber que o texto de Sanz põe em cheque a qualidade do jazz tocado no
Brasil e denuncia certa animosidade quanto ao trato do gênero musical no país, isso sempre em
comparação com o cenário internacional. Mas além disso, remete-se também às origens
africanas do “verdadeiro jazz”, do chamado jazz de Nova Orleans ou como foi intitulado pelos
críticos, o jazz tradicional143. Segundo o autor, esse estilo de jazz não era mais cultivado no
exterior e tampouco no Brasil144.
A aparente contradição do discurso do periódico e o deslocamento da discussão
sobre a autenticidade da música brasileira para a análise do jazz é partilhada por outros críticos
que, também se encarregaram da escrita sobre o gênero na revista. Nesse sentido, outro crítico
de jazz presente na RMP é Marcelo Miranda que começou a escrever a partir do segundo
número e se propôs a desenvolver um estudo inicial sobre o jazz de Nova Orleans.
Novamente, o fator constante nos textos é a questão das origens raciais do jazz e
isso talvez possa sustentar a hipótese do historiador Jair Labres Filho (2014, p. 37), segundo
142
Revista da Música Popular, 1ª edição, setembro, 1954, p. 39.
Adiante se tem a coluna Um disco por mês expondo comentários sobre discos clássicos de jazz e logo em
seguida, nesta primeira edição, o artigo do pesquisador folclorista espanhol Nestor Ortiz Oderigo, também voltado
para o estudo do jazz tradicional com ênfase na questão racial, intitulado O “Jazz” e a Cultura dos Negros. A
edição é finalizada por uma extensa discografia de jazz organizada por Jorge Guinle e por fim, a coluna Notas de
Jazz, um apanhado de curiosidades do mundo do jazz, livros e revistas sobre a temática, datas de apresentações, e
notícias em geral com foco no jazz.
144
Isso porque o jazz moderno estava sendo amplamente difundido fora dos Estados Unidos e chegando à Europa
e América Latina com diferentes arranjos e composição instrumental. Por isso a reação de estranhamento e muitas
vezes contrária e combatente desses críticos.
143
81
ele, a ideia de “raça” e “autenticidade” estavam diretamente relacionadas nas obras de jazz e
que o interesse nas jazz bands do início do século XX foi quase nulo por conta dessa ausência
da musicalidade negra nesses conjuntos.
Contudo, ao menos no Brasil, as jazz bands tratavam-se de bandas que poderiam
ser compostas por músicos de várias raças. Portanto, é mais provável que tal como no discurso
dos pesquisadores de jazz estrangeiros, os críticos musicais brasileiros associassem a
manifestação do jazz “autêntico” a um princípio racial determinante, ou seja, ele apenas poderia
se manifestar por meio da execução dos negros norte-americanos do Sul145.
Essa predileção pelas questões raciais e pelas experiências históricas que deram
origem ao jazz são frequentes nesses textos, ao passo que fazem sempre referências ao contexto
da escravidão nos Estados Unidos. Foi o que pude perceber principalmente nos artigos de jazz
presentes na RMP e para exemplificar isso, destaco a definição de jazz feita por Marcelo
Miranda em uma das edições da revista. Segundo ele, o jazz:
É uma música de grande e profundo conteúdo social, criado por gente do povo,
para os de sua cor, que comungavam com eles das mesmas aflições e
dificuldades e sofriam a mesma posição de inferioridade na sociedade
americana. Não é uma música feita para um público ignorante e
impressionável pela habilidade puramente instrumental dos executantes, mas
uma música que apareceu dentro de uma determinada parte da sociedade do
negro americano, desenvolveu-se enquanto as condições que propiciaram seu
aparecimento existiram, e foi aos poucos se transformando, terminando por
desaparecer praticamente, quando estas mesmas condições de ordem
econômico-social se modificaram ou desapareceram146.
Assim, analisando os discursos que supervalorizam o jazz tradicional, é cabível
conjecturar que a questão racial pode ter sido privilegiada nesses discursos porque no Brasil os
debates sobre identidade nacional e música popular ainda enfatizavam as contribuições raciais
para a formação da nação. Por isso foi possível que, somada à sonoridade do jazz, a raça se
estabelecesse como outro fator que cooperou para a apreciação do gênero musical no país.
É válido ressaltar que a questão racial também foi associada a um elemento de
autenticidade na música brasileira. Portanto, o samba que na década de 1950 já estava na
qualidade de uma música nacionalizada e de raízes igualmente negra, pode ter contribuído como
145
Concordo com os argumentos de Jair Labres Filho sobre a insistência dos historiadores de jazz brasileiros em
relacionar “raça” com “autenticidade” e, que seus estudos podem ter silenciado as jazz bands nacionais,
associando-as assim a uma inautenticidade por causa ausência do músico negro. Porém, muitas das bandas
pesquisadas neste trabalho possuíam integrantes negros e haviam também bandas compostas apenas por negros, o
que pode enfraquecer o argumento de que não se valorizou o jazz brasileiro por causa de questões raciais. Em
contrapartida, o silêncio desses estudos pode estar mais relacionado a uma descrença de que os brasileiros – mesmo
negros - pudessem tocar jazz tão bem quanto os americanos, e isso talvez devido à própria mistura musical que as
bandas de jazz nacionais estabeleceram.
146
Revista da Música Popular, 2ª edição, novembro, 1954, p. 38.
82
referencial de escuta da música negra, fomentando no Brasil uma proximidade musical com o
jazz. Portanto, essa identificação com o jazz residiria no aspecto racial comum em ambos os
gêneros musicais (o samba e o jazz) o que pode explicar a recorrente comparação entre a música
popular brasileira e o jazz no discurso dos críticos musicais brasileiros
Quanto aos aspectos musicais, o historiador Carlos Calado em sua obra O Jazz como
Espetáculo (1990) percebe uma interessante trajetória entre as raízes da música brasileira e da
americana, mais especificamente, entre o samba e o jazz. O autor chega a afirmar a respeito das
primeiras jazz bands nacionais que essa primeira experiência se deu “não apenas por um certo
oportunismo comercial de adotar uma moda pode ser explicada essa influência, mas
principalmente por uma espécie de identidade entre ambas manifestações musicais, isto é, entre
a música popular brasileira e o jazz” (CALADO, 1990, p. 238).
Ainda em se tratando da musicalidade, o aspecto rítmico também emerge como
elemento de identificação nesses discursos. Assim, na terceira edição da RMP Marcelo Miranda
associa o jazz autêntico a um jazz mais ritmado, expondo como um fator inato ao negro a
capacidade de inserir aspectos meramente rítmicos ao gênero musical.
Na realidade, toda a vida do negro é construída em torno do ritmo, tanto no
falar, quanto no andar de demais atividades. Enquanto no andar e demais
atividades. Enquanto a música europeia os elementos constitutivos são a
harmonia, melodia e ritmo, dos quais a melodia sempre ocupou a posição
predominante, na música negra a situação é radicalmente inversa. De tal forma
na verdade, que poderíamos dizer que o papel que ocupa a melodia na
composição europeia, na música negra é ocupado pelo ritmo. Nós não
compreendemos música sem melodia, e o negro não a pode suportar sem
ritmo147.
Nesse sentido, é possível identificar o argumento de que tanto o jazz quanto
qualquer música criada por negros necessitaria ser tocado por seus criadores para, de fato, ser
autêntico. Assim, elementos como a “sincopa” e a “polirritmia”148, presentes na música negra
reforçam a ligação entre o jazz e o samba, podem explicar o porquê da apreciação desses dois
gêneros coexistiu nos artigos da Revista da Música Popular.
Nessa lógica é possível notar ainda que boa parte da dita “falsificação” do jazz para
os críticos, estava na tendência dos músicos brancos ao comercialismo e na sua “incapacidade”
de manter os aspectos rítmicos que são necessários para se obter uma sonoridade de pretensão
147
Revista da Música Popular, 3ª edição, dezembro, 1954, p. 40.
Segundo Gunther Schuller, em sua obra O velho Jazz, “a polirritmia é o emprego de três ou mais ritmos,
simultaneamente, em diferentes partes da música” (1968, p. 444). Sobre a sincopa ou, sincopação, diz que
“consiste em uma mudança ou deslocamento temporário do acento métrico regular: ênfase numa nota fraca ou não
acentuada para deslocar a métrica regular” (1968, p. 445).
148
83
originalmente jazzística. No artigo Os fatores essenciais da música de Jazz, presente na edição
de número três da revista, Jorge Guinle afirma que:
Infelizmente é preciso admitir que às vezes uma preocupação exagerada com
a forma em detrimento da vitalidade de expressão faz com que certos músicos
demasiadamente sofisticados, percam a espontaneidade necessária à criação
do verdadeiro jazz. Isso acontece, sobretudo, com os músicos brancos, o que
prova que desde Bix até os nossos dias, raríssimos dentre eles são os que
assimilaram a essência do jazz149.
Dessa forma, a idealização em torno da figura do negro e de sua musicalidade
contribuiu para a aproximação e uma atenção especial desses críticos ao jazz. Carlos Calado
recupera a afirmação de Mário de Andrade de que “os antepassados coincidem” - referindo-se
ao maxixe e ao jazz - para fundamentar essa hipótese. Para o autor, “antes mesmo de se
caracterizar o maxixe como brasileiro, ou o jazz como norte-americano, não se pode deixar de
ter em mente o papel da cultura negra africana na formação de ambos”. E continua:
Ao dizer que os “antepassados” de ambos “coincidem”, ele parece referir-se
às raízes comuns dessas manifestações musicais: além de elementos da
tradição europeia, principalmente deve estar se remetendo às origens negroafricanas de ambas. Este é, sem dúvida, um ponto-chave para se pensar a
questão da influência do jazz não apenas em uma ou outra forma musical, mas
em toda a música popular brasileira, indo além da mera análise econômica ou
ideológica (CALADO, 1990, p. 223).
Outra evidência encontra-se em um artigo intitulado Jazz no Brasil publicado na
revista Sombra em setembro de 1951 em que Sérgio Porto novamente compara o jazz ao samba
“outra esplêndida fórmula musical derivada dos ritmos bárbaros da África”. O autor antes
comparou a popularização do samba no Brasil com a trajetória do jazz nos Estados Unidos e
declarou crer que a nacionalização do samba abriria espaço para a apreciação do jazz no país.
É, portanto, assim, com o samba já como instituição nacional, que volta o jazz
a tentar infiltração no Brasil, agora com muito maiores possibilidades de êxito,
uma vez que não são apenas grupos isolados que procuram introduzi-lo, mas
um grande número de amantes dessas melodias pungentes e sinceras criadas
pelo oprimido negro dos Estados Unidos (PORTO, 1998, p. 256).
O historiador José Ramos Tinhorão, considerado um dos mais combatentes críticos
musicais da década de 1960 e contrário à influência da música estrangeira no Brasil, chega a
consolidar tal hipótese em seu livro Música Popular: um tema em debate (1970). O autor
partilha da ideia de que a origem, evolução e desenvolvimento do jazz podem ser comparados
ao do samba:
A história do samba carioca é, assim, a história da ascensão social contínua de
um gênero de música popular urbana, num fenômeno em tudo semelhante ao
149
Revista da Música Popular, 3ª edição, dezembro, 1954, p. 47.
84
do jazz, nos Estados Unidos. Fixado como gênero musical por compositores
de camadas mais baixas da cidade, a partir de motivos ainda cultivados no fim
do século XIX por negros oriundos da zona rural, o samba criado à base de
instrumentos de percussão passou ao domínio da classe média (TINHORÃO,
1970, p. 13).
O raciocínio de Tinhorão é em muitos aspectos semelhante ao que foi partilhado
pela RMP e de outros defensores da música brasileira e do jazz. Isso porque nos anos 1950
ainda estava no campo da experimentação a noção de “identidade nacional”, tendo como
espelho os países estrangeiros desenvolvidos, nesse caso, os Estados Unidos. Segundo Eric
Hobsbawm, durante os anos 1940 e após a Segunda Guerra houve uma crescente importância
do jazz nos Estados Unidos e na Europa (HOBSBAWM, 2011, p. 98). Assim as relações
diplomáticas estabelecidas com a Política de Boa Vizinhança reforçaram ainda mais os laços
com a sonoridade jazzística no Brasil150.
Além da mera apreciação estética dos críticos musicais, havia também o
conhecimento histórico da música estrangeira e a noção de que o jazz havia sido elevado de
música folclórica a um patamar de música urbana nacional. Decorre deste e dos outros fatores
aqui discutidos o flerte com o jazz e a sua comparação frequente com o samba151.
Por outro lado, essa mesma aproximação musical e racial pode ter refletido no
próprio pensamento crítico em relação aos estudos em torno da música popular urbana no
Brasil. Exemplo disso está no livro Sambistas e Chorões: aspectos e figuras da música popular
brasileira (1962) de autoria do crítico musical Lúcio Rangel. O autor faz uma comparação entre
os estudos sobre o jazz e os estudos sobre o samba no Brasil, criticando principalmente os
escritos de Mário de Andrade:
Enquanto o jazz norte-americano encontra quem o estude em seus mais
aspectos mais variados, contando, hoje, com uma bibliografia das mais vistas,
de pelo menos duzentos volumes, enquanto o jazz, como nosso samba, música
urbana, é devassado e interpretado, sendo, por isso, cada vez mais divulgado,
nossos folcloristas de gabinete ficam na acadêmica discussão – o samba é
folclórico, é popularesco ou popular? (RANGEL, 1962, p. 32).
Nesse sentido, a predileção por um tipo específico de jazz nos escritos e na escuta
dos críticos brasileiros pode ter sido causada não apenas pela influência discursiva das obras
estrangeiras, mas também pode ser explicada devido à busca por uma autêntica música popular
brasileira, uma identidade musical própria baseada em suas raízes populares. É notório que
O historiador Eric Hobsbawm também afirma que “em meados da década de 1950 [...], o jazz tinha se tornado
uma linguagem mundial” (2011, p. 98), e comenta que, com exceção dos países que não tinham tradição musical
europeia ou africana, a influência do jazz se fez notória.
151
O primeiro samba gravado foi Pelo telefone composto por Donga. Curiosamente, por volta da mesma data
gravava-se o primeiro disco de jazz pela Original Dixieland Jazz Band em 1917.
150
85
quanto à essa questão, mesmo com suas variações discursivas, as vozes dos críticos parecem
cantar no mesmo tom, ora fazendo comparações entre as condições dos estudos do jazz e do
samba, ora insinuando a existência de semelhanças musicais e históricas entre os dois gêneros
musicais.
Portanto, para além da apropriação que se fez dos modelos de análise dos críticos
de jazz estrangeiros e a partir dos debates acalorados sobre jazz e música brasileira entendo
que, no Brasil houve espaço para a apreciação do jazz justamente por causa da música negra
cultivada no país. Prova disso é exatamente a predisposição de pesquisadores da música
brasileira em fazer parte, ao mesmo tempo, do grupo dos primeiros historiadores da música
urbana brasileira e dos primeiros historiadores de jazz do Brasil.
Em virtude do exposto, entendo que os símbolos sonoros que os críticos da Revista
da Música Popular defendiam parecem se harmonizar em torno dos requisitos negroides no
jazz, não apenas em virtude de uma repetição do discurso dos historiadores de jazz estrangeiros,
mas também pelo tipo de experiência musical que se vivia no Brasil. Essa experiência buscava,
sobretudo na visão romantizada do “homem do campo” e em sua “própria intuição musical”
(MORAES, 2013, p. 85) estabelecer limites entre o “folclórico”, o “popular” e o “massificado”.
É provável que na voz desses críticos da RMP, ao mesmo tempo defensores de uma
música brasileira autêntica e de um jazz autêntico, a vivência no país de um ambiente de mistura
musical e cultural que vinha se projetando desde o começo do século XX, também tenha
concorrido para o estudo das origens folclóricas, sobretudo negras, do samba e do jazz. Ora,
como demonstrado, esses debates sobre jazz e música popular já vinham sendo levantados em
outros espaços antes mesmo da publicação do periódico. Isto é, antes mesmo da noção de
“crise” na música popular emergir a apreciação musical desses críticos tinha um referencial: a
música negra, independentemente de sua nacionalidade.
No entanto, é necessário discutir que essa busca por um jazz autêntico não foi
motivada apenas por uma possível experiência racial e musical comuns. Dentro do contexto
internacional, outro elemento fomentou essa impressão de perda de qualidade musical e
autenticidade do jazz: o aparecimento de vertentes dentro do jazz que modificavam seus signos
sonoros tradicionais. O surgimento e logo depois a presença no Brasil do bebop, do cool, do
sweet e de outros tantos estilos de jazz ditos modernos podem ter imprimido novo fôlego para
a discussões sobre jazz na RMP.
86
3.3 Dissonâncias e contrapontos na Revista da Música Popular
PREOCUPA-NOS seriamente a atual decadência do “jazz”. Isto não significa
que ele esteja morto ou enterrado para sempre. Não, o velho “jazz”, o genuíno,
ainda existe, mas sempre em proporções menores. Não faltam, em verdade
músicos da velha guarda, mas estão ficando velhos. Que irá acontecer daqui a
alguns anos, quando Louis Armstrong, Duke Ellington, Milton Mezzrow,
Albert Nicholas, Kid Ory, Sidney Bechet, Zutty Singleton, Willie “The Lion”
Smith, Big Bill Broonzy, Ethel Waters, não estiverem mais em condições de
tocar ou cantar? (VIDOSSICH, 1957, p. 215).
Assim inicia o pesquisador Edoardo Vidossich seu texto A situação atual do Jazz’
– Panorama Internacional – o ‘Jazz’ no Brasil contido no capítulo intitulado História do Jazz
e sua decadência, que compõe a segunda parte de uma obra em conjunto com André Coeuroy.
Curiosamente, como se pode notar, o autor se vale logo no título de seu trabalho da palavra
“decadência”. A associação remete à forma como os defensores do “velho jazz” receberam e
interpretaram o jazz moderno, encabeçado pelos músicos que tocavam bebop152.
O bebop surgiu como reação às padronizações e repetições musicais impostas ao
jazz pelo mercado que, desde os anos 1930 investia cada vez mais nas grandes bandas dançantes
de jazz, as chamadas big bands. Os primeiros músicos, portanto, emergiram justamente desse
cenário musical eminentemente comercial153.
A partir dessa nova forma de se executar o jazz, os estudiosos que antes se
preocupavam apenas com a pesquisa de suas lendas, origens, músicos e estabelecimento como
música popular, agora teriam que se adaptar ou não à nova proposta do gênero. Como
demonstrado no primeiro tópico deste capítulo, alguns estudiosos optaram por combater esses
novos estilos de jazz e foram rotulados de “tradicionalistas”. Aqueles que interpretaram de
maneira positiva o jazz moderno, mas que passaram a menosprezar o jazz mais tradicional
foram chamados de “modernistas”. Como esclarece Eric Hobsbawm:
O público de jazz sempre esteve dividido, porém antes da revolução
modernista normalmente essa divisão só se dava em termos de “puristas” e
“impuristas”; isto é, entre aqueles que queriam preservar o jazz das inovações
porque acreditavam que levava, em última instância, ao horror da
comercialização, e aqueles que reconheciam relutantemente que nem todas as
inovações transformavam o jazz em música pop. O modernismo, porém,
produziu escolas de “puristas” rivais, embora, em seus primeiros estágios, os
152
Roberto Muggiati comenta que o estilo surgiu de experimentações realizadas por músicos de jazz nas chamadas
jams sessions, espécie de fuga do repertório comercial onde se realizavam apresentações apenas para músicos
profissionais. E afirma: “Com o bop – e aí está a sua modernidade – a noção de beat passou a ser uma espécie de
sujeito oculto na frase jazzística, uma pulsação na própria cabeça de cada músico, abrindo campo para uma
concepção mais sofisticada de ritmo” (MUGGIATI, 1999, p. 74-75).
153
Entre alguns desses nomes estão Dizzy Gillespie, Cab Calloway, Charlie Parker, Jay McShanm, Kenny Clarke,
Miles Davis, John Coltrane, Thelonious Monk e Max Roach. Para saber mais profundamente a respeito do jazz
moderno, seu surgimento, desenvolvimento e principais bandas, cf. História Social do Jazz (Eric Hobsbawm),
Parte II: Música, a partir da página 149.
87
defensores do jazz “puro” do velho estilo quisessem vê-lo apenas como mais
um novo truque comercial. O jazz moderno, no entanto, estava longe de ter
como objetivo o apelo de massa. Ao contrário, foi o primeiro estilo de jazz a
virar deliberadamente as costas para o público comum e criar música apenas
para iniciados e experts (HOBSBAWM, 2011, p. 148).
Nesse sentido, a produção historiográfica de jazz a partir do início dos anos 1950
também passou por uma renovação na qual um acirrado debate sobre qual estilo de jazz era
mais autêntico se estabelecia, dividindo a opinião do público, músicos e sobretudo os críticos
musicais. Optar por uma forma de escuta pressupunha todo um direcionamento dos textos, no
sentido de que o recorte privilegiado pelos Tradicionalistas enfatizava uma “época de ouro” do
jazz até 1930, ou 1940, enquanto que os Modernistas defendiam a década de 50 em diante como
o topo evolutivo do gênero em contraposição às formas ditas primitivas e arcaicas.
Esse é outro fator que os críticos da Revista de Música Popular parecem se
apropriar, pois reproduzem um intenso debate sobre a autenticidade do jazz tradicional e do
jazz moderno. A noção de “decadência”, nesse sentido, não estava vinculada apenas ao cenário
musical vigente no Brasil, isto é, em relação à música brasileira, mas também em relação à
música popular americana que igualmente sofria mudanças radicais em sua execução.
Retomando alguns textos da revista já citados é notória a crítica que se fazia a esse
estilo de jazz e a qualquer um que se dedicasse a sua apreciação. No texto de Claudio Murilo
Espírito de Imitação faz-se referência ao bebop e não ao fato de se tocar o jazz tradicional, por
vezes defendido e estudado pelos críticos da revista.
Assim, em tom sarcástico o crítico afirma no texto que “o ‘bop’ foi inventado para
agradar a endinheirados da rua 52, que não aguentavam mais a água com açúcar do ‘swing’ e
queriam novas emoções”. Em uma tentativa de fazer crer que o novo estilo de jazz era voltado
somente para o comercialismo em detrimento da manutenção das características tradicionais do
jazz. É interessante perceber também que o texto é direcionado aos músicos e entusiastas
brasileiros do jazz moderno.
Em Gato por lebre, José Sanz também direciona ataques aos apreciadores dessa
vertente de jazz, fazendo crer que a capacidade de analisar e discutir sobre o estilo tanto
esteticamente quanto historicamente só fosse possível por quem realmente o estudasse de forma
séria, e não de maneira diletante:
Mas voltemos um pouco ao Brasil e ao motivo inicial das presentes notas. A
condição de “cat” (termo que significa na América “fan”, para usarmos outra
expressão inglesa de curso corrente no Brasil), não habilita ninguém a julgar
ou criticar a música de jazz. O “cat” jamais sai do terreno sensorial e a
deformação do gosto pode levar o indivíduo até a gostar de “progressive jazz”,
88
“bebop” ou “cold jazz”, designação estúpida contraposta ao “hot jazz”,
inventado por Panassié, e também sem nenhum sentido154.
Percebo também que há uma guinada no discurso desses autores na maneira como
se portam em relação aos críticos estrangeiros, outrora produtores de sua principal fonte de
pesquisa. No momento em que se tem a bipartição na historiografia do jazz os discursos
começam a buscar uma autenticidade baseada, também, na negação de outras produções de jazz
principalmente internacionais.
A mesma posição combatente se pode perceber no artigo intitulado Os franceses e
o Jazz escrito por Lúcio Rangel e publicado no Diário Carioca em março de 1953. Nesse artigo
o crítico cita todos aqueles críticos da historiografia de jazz francesa que, para ele, não mais
convinha por causa de sua apreciação musical. Não era mais interessante tal tendência, pois ora
abordava positivamente sobre o jazz moderno e ora optava por traçar uma linha histórica que
unia as duas formas de jazz. A respeito disso comenta o autor:
O sr. Panassié realiza um milagre, não aprende. Conhece todos os livros e
milhares de discos, mas gaba-se de uma coisa, gosta de tudo. É como se gostar
de [Paul] Valéry e de J.G de Araújo Jorge ao mesmo tempo. Essa atitude está
presente em todas as suas páginas [...]. Outro francês, Charles Delauney, tem
a seu crédito a publicação da Hot Discographie, o primeiro trabalho do gênero.
Dirige uma revista – Jazz Hot – e é entusiasta do bop. Está dito tudo. Aliás,
seu livro não é de crítico ou historiador, e sim um arquivista (RANGEL, 2007,
p. 183-184).
Em seguida, Lúcio Rangel atua em defesa da historiografia que, segundo ele, estava
“estudando seriamente o jazz em todos os seus aspectos, musical, sociológico, estético e
histórico. Aí estão os livros de Rudi Blesh, Alan Lomax, Rex Harris, C.E Smith, Frederic
Ramsey...”. E não se atém apenas aos historiadores americanos, citando também o folclorista
argentino Nestor R. Ortiz Oderigo, o qual convidaria para escrever estudos na RMP. Ainda
sobre essas questões, Rangel tenta legitimar o discurso dos estudos tradicionalistas de jazz
promovendo a obra de Nestor Ortiz.
Mas não estou fazendo crítica do livro de Oderigo, quero apenas chamar a
atenção dos estudiosos do jazz para essa obra, das mais notáveis sobre o
assunto. E tinha vontade de sair pelas ruas de Paris e entregar diversos
exemplares dela aos inúmeros “críticos” de jazz que abundam por aqui. – Um
para você, Panassié, para aprender quem foi Jelly-Roll. Outro para você,
Hodeir, para não escrever mais asneiras. Aqui está o seu, Delaunay, e outro
para Lucien Malson, o homem que matou a clarineta (RANGEL, 2007, p.
185).
154
Revista da Música Popular, 1ª edição, setembro, 1954, p. 40.
89
É possível perceber que os críticos que acompanharam a chegada do jazz no Brasil
em seu formato híbrido, que consumiram por meio da escuta de discos os estilos mais
tradicionais produzidos no exterior, e se apropriaram dos estudos de jazz tradicionais, revelamse agora contrários aos ditames da “tendência modernista” de analisar e apreciar o jazz. Esse
fator conflituoso contribuiu para que se redobrasse a atenção desses críticos aos debates sobre
jazz e sobre suas condições estética e histórica.
Imagem 11: Livro Jazz & Co. (2013) Vinícius de Moraes
Fonte: Companhia das letras155
Em um dos artigos publicados por Vinícius de Moraes na Revista Flan e na Última
Hora em junho de 1953 o crítico responde a uma leitora que quis saber “quando uma música é
jazz e não é jazz”. No que Vinícius de Moraes responde de maneira contundente retornando à
questão racial, mas agora referindo-se a uma “tradição musical” mantida por alguns músicos.
Segundo ele:
Jazz, minha querida amiga, é autêntico [...]. Jazz, de início é tudo o que não é
Bing Crosby, Frank Sinatra, Doris Day, Johnnie Ray, Dick Haimes, Dinah
Shore, Jo Stafford, Billy Eckstine. Jazz, por outro lado, é qualquer nota que
saia do trompete de Louis Armstrong, ou de suas cordas vocais [...]. Isso é
jazz, é a inflorescência dos cantos religiosos negros, a que se chamam
spirituals em cruzamento com o blues [...]. Jazz é a voz solitária ou polifônica
da revolta, da sensualidade, do páthos dos negros e se prolonga através dos
instrumentos musicais desobedientes a tudo o que não seja espontaneidade,
invenção, improvisação (MORAES, 2013, p. 97).
Portanto, não é gratuito o fato de Vinícius de Moraes, Lúcio Rangel, José Sanz,
dentre outros aqui citados, não se propuserem a estudar a história do jazz depois da década de
1930 em seus artigos publicados em jornais e revistas da época e especialmente na Revista da
155
Disponível em: http://www.companhiadasletras.com.br/images/livros/13489_gg.jpg.
90
Música Popular, pois para eles o jazz estava em crise156. No caso de Sérgio Porto, em Pequena
História do Jazz, também se pode perceber a tendência tradicionalista por toda a sua obra:
Eu não posso afirmar que essa música me vá direto ao coração. Ela é antitética
ao espírito de tudo aquilo em que o jazz se funda. É uma ruptura intelectual
dificilmente digestível para um profano. Na realidade, ela agrada muito mais
aos técnicos e é da simpatia dos jovens músicos [...]. Mas esse é apenas um
dos muitos pontos em que o bebop difere do verdadeiro jazz (PORTO, 1953,
p. 43).
Do ponto de vista da polifonia, esses autores entendiam as categorias “tradicional”
e “moderno” de maneiras diversas e em meio a esse emaranhado de sons e discursos sobre jazz
eles tentavam legitimar suas próprias noções de autenticidade157. É o que percebo quando Lúcio
Rangel ataca o crítico francês Hugues Panassié rotulando-o, nas entrelinhas, de certo
“ecletismo”. Tal argumento não é utilizado por Sérgio Porto, que se refere a ele como um
referencial tradicionalista:
Toda a razão tem o crítico Hugues Panassié, quando afirma num dos seus
últimos livros (Jazz Panorama, Paris – 1950), que acredito ser o mais
esclarecido de toda a sua longa bibliografia dedicada ao jazz: - “a única relação
existente entre o jazz e o bop está nos músicos, pois foram os executantes do
primeiro que criaram o segundo (PORTO, 1953, p. 46).
Ainda que o fragmento selecionado por Sérgio Porto pudesse estar se referindo a
um momento em que Hugues Panassié tenha estranhado o bebop no momento de seu
surgimento, é perceptível que essa busca por autenticidade era complexa e causava embates
intensos entre os estudiosos de jazz. Além disso, passa a emergir entre os críticos musicais
brasileiros uma recusa quanto à possibilidade de brasileiros apreciarem ou mesmo produzirem
quaisquer estudos voltados para o jazz moderno. Isso fica mais claro na edição de número seis
da RMP, de 1955, em um artigo intitulado Um italiano e o Jazz na coluna Jazz. Lá José Sanz
critica a posição de Lúcio Rangel, pois ele havia tecido comentários positivos a uma discografia
eclética, selecionada por um crítico musical italiano chamado Arrigo Polillo. Sanz passa a
criticar a postura diretor que se dizia contra jazz moderno:
A Revista da Música Popular não tem igrejinhas, só tem um tabu, o que é bom
é bom e pronto. Daí, não considerarmos, a não ser para “meter o pau”,
qualquer música rotulada de “jazz” que fuja aos legítimos ensinamentos da
única fonte autêntica do “Jazz” New Orleans e os negros de outras cidades
americanas que nela se abebedaram. Esse é, também o ponto de vista de Lúcio
Rangel. Estranhei, portanto, sua posição imparcial na transcrição dos discos
Paulo Bezerra, ao analisar o conceito de “polifonia” em Mikhail Bakhtin, diz que a polifonia na verdade se
define “pela convivência e pela interação... De uma multiplicidade de vozes e consciências imiscíveis, vozes
plenivalentes e consciências equipolentes, todas representantes de um determinado universo e marcadas pelas
peculiaridades desse universo” (BEZERRA, Paulo, 2012, p. 194-195).
157
91
e, principalmente, aquele “sob todos os pontos de vista excelente” o que o
coloca implicitamente concordando com o “critico italiano”158.
O crítico, que na edição 7 anuncia sua saída da revista159, mas que apenas finaliza
suas atividades na edição 9, parece tecer também um ataque às obras de jazz de Jorge Guinle e
Sérgio Porto quando diz que, “tudo isso tem sido inútil, ao que parece, diante de tanta
importância dada a um trabalho confuso, dentro de cuja linha já tivemos dois aqui no Brasil,
bastante melhores dentro da ruindade geral”. A harmonia entre as vozes do periódico
estabelecida pelo projeto de revalorização da música brasileira da Era de Ouro, e depois pelo
interesse no jazz tradicional começava a apresentar certas dissonâncias em torno da discussão
do que era moderno ou tradicional, folclórico ou comercial, autêntico ou inautêntico.
Nesse sentido, com base no que já foi exposto neste trabalho sobre os comentários
dos críticos musicais de jazz e tomando Vinícius de Moraes como exemplo, seria coerente
colocá-lo no grupo dos tradicionalistas, mas o próprio Jorge Guinle, em um capítulo destinado
ao mapeamento dos críticos de jazz, insere-o no grupo dos modernistas. O que reforça as
diferentes experiências e interpretações dadas ao jazz e a seus referenciais de musicalidade.
Porém, outro exemplo da recusa ao jazz moderno pode ser desprendido do prefácio
escrito pelo próprio Vinícius de Moraes para a primeira edição do livro Jazz Panorama de Jorge
Guinle. Assim, referindo-se a Jorge Guinle, Vinícius afirma que:
Alguns amigos comuns, como ele cats integrais, com justiça acusam-no de
certo ecletismo, que pode parecer prejudicial, dentro de um critério rígido de
julgamento do que é e não é bom jazz. Pois na verdade, na história da evolução
do jazz, apenas um estilo apresenta características capazes de defini-lo como
uma forma imortal: o estilo de New Orleans, tal como foi executado por uns
poucos mestres, entre os quais realçam Bunk Johnson, King Oliver, Jelly Roll
Morton e Louis Armstrong (MORAES, 2013, p. 100).
O historiador Jair Paulo Labres Filho, em seu trabalho Que jazz é esse? as jazzbands no Rio de Janeiro da década de 1920, constrói um discurso também baseado nessa
interpretação. O historiador, ao analisar os discursos presentes nas obras de Sérgio Porto e Jorge
Guinle, chega a afirmar ter sido Jorge Guinle um “tradicionalista”, ou seja, um autor que
defendia o jazz tradicional:
Segundo o prefácio do autor, estamos diante do primeiro trabalho sobre a
história e evolução do jazz escrito por um brasileiro. Para o autor, por ter sido
encomendada por um órgão oficial, a obra “serviria para aumentar a
158
Revista da Música Popular, 6ª edição, março/abril, 1955, p. 38.
Marcelo Miranda ficou encarregado a partir do número dez do periódico a escrever na coluna de Jazz até o
último número. Quanto às razões da saída de José Sanz da revista, o crítico diz no número 9 que, entre os principais
motivos de sua desistência estariam “vários são os obstáculos no caminho do conhecimento no Brasil, sendo que
o principal é uma coisa chamada ‘divisas’ e o critério inteligentíssimo dos nossos governantes colocando o disco
na mesma categoria dos objetos de luxo”.
159
92
divulgação da música dos negros americanos entre nós, criando um ambiente
mais propício à formação de músicos capazes de executar o verdadeiro jazz,
que, até hoje, não foi tocado no Brasil dentro de suas características básicas”.
A partir disso, já percebemos que o seu compromisso é com o “verdadeiro”
jazz, e, como Jorge Guinle, silencia por completo a experiência brasileira com
o jazz na década de 1920 (LABRES FILHO, 2014, p. 34).
Porém, em um capítulo do Jazz Panorama intitulado Os fatores essenciais do jazz
é possível perceber que Guinle defendia também o jazz moderno quando afirma que
“consideramos assim autêntico o jazz moderno porque nele encontramos os fatores essenciais
desta música, como ritmo isócrono de base, com acentuações características e que ficaram a
cargo do contrabaixo” (GUINLE, 1959, p. 80). Além disso, é possível notar que o crítico se
autodeclarava “eclético”, isto é, que o próprio fazia parte de um grupo emergente de estudiosos
de jazz que se caracterizava por “um aprofundamento dos dois pontos de vista antagônicos”
(GUINLE, 1959, p. 137), referindo-se a uma superação das tendências tradicionalista e
modernista.
O crítico musical também havia levado essa concepção de estudo e apreciação do
jazz às páginas da Revista da Música Popular em discografias e em comentários que revelam
sua opção. Em uma dessas discografias, localizada na primeira edição da revista, José Sanz
comenta e demonstra novamente a recusa em crer na opção de análise de jazz feita por Jorge
Guinle que considerava o jazz moderno autêntico:
Jorge Guinle é um dos mais conscientes e importantes críticos e
colecionadores brasileiros de discos de jazz. Seu gosto eclético levou-o a
ampliar o campo do seu conhecimento a outros setores da música americana
que, aparentemente, se confundem com o jazz. Nele, isso não representa como
em tantos, uma indiscriminação ditada pela falta de conhecimento [...].
Chegou ele ao que chama de “jazz moderno” plenamente cônscio de sua
atitude e sabe defender com inteligência seus pontos de vista. Apesar de sua
acentuada curiosidade pelas novas escolas, tem nele o Jazz de New Orleans
um dos mais capacitados conhecedores160.
A complexa posição em relação ao que era “tradicional” e “moderno” se
estabeleceu em meio a um discurso polifônico em que esses termos ganham de maneira similar
sentidos diversos por meio dos discursos. A prova de que esse debate extrapolou as dimensões
do periódico pode ser desprendida de um artigo revelador de José Sanz em que critica o fato do
Brasil quase ter participado do Renascimento – ou revival161 – do jazz de Nova Orleans,
160
Revista da Música Popular, Revista da Música Popular, 1ª edição, setembro, 1954, p. 46.
Esse fenômeno começou nos Estados Unidos em fins dos anos 1940 e se espalhou por diversos cantos do
mundo. Consistiu-se, basicamente, em um projeto de revalorização dos velhos músicos de jazz, como maneira de
recuperar suas raízes folclóricas. Esse projeto foi implementado por críticos, gravadoras (como a Folkways e a
Riverside) vendedores de discos e produtores tradicionalistas, que não se agradavam do jazz moderno. A ideia era
buscar músicos velhos do Sul dos Estados Unidos, e de outros cantos do mundo para gravar canções e promover
161
93
promovido principalmente por Nesuhi Ertegun. A crítica é direcionada aos governantes que,
segundo José Sanz, não puderam patrocinar essa empreitada de inserção do Brasil da
revalorização do Jazz negro ou tradicional.
Em virtude disso, tomando os discursos dos estudos de jazz produzidos nos jornais,
revistas e nas obras de jazz nacionais é possível inferir que a experiência do jazz envolveu a
apropriação de elementos discursivos da produção historiográfica estrangeira e a identificação
com os símbolos sonoros de origem africana presentes no jazz. Esses fatores serviram como
argumento de reafirmação da apreciação estética e histórica do gênero musical no Brasil. Em
contrapartida, tal aproximação desenvolveu uma relação de combate contra tudo aquilo que se
manifestava como fora dos padrões do jazz tradicional. Esse jazz “moderno” foi rechaçado por
uns e defendido por outros, competindo para os conflitos entre os estudiosos de jazz.
Se por um lado o discurso da revista parece contraditório por ter assumido uma
postura de defesa da música popular contra os ritmos estrangeiros e também ter se preocupado
com a condição do jazz, esse projeto de “reavivamento” dos músicos da Velha Guarda poderia
estar diretamente relacionado com a experiência de defesa do jazz tradicional, na medida em
que se buscava também recuperar seus tempos áureos.
Portanto, dentro da noção de identidade nacional que parece se moldar aos padrões
modernizantes em voga na década de 1950 e, simultaneamente, tenta resguardar o núcleo das
raízes populares, essa ambígua apreciação do jazz dos críticos da RMP e de indivíduos que
compactuavam com essa visão emergiu junto com a necessidade de revalorização dos sons e da
fruição musical do passado.
Longe de ser uma síntese da problemática da experiência de mistura entre a música
brasileira e o jazz, cabe neste capítulo uma última nota dissonante para enfatizar as tensões e as
diferentes vibrações e frequências pelas quais passou a música popular brasileira por ousar
misturar-se com o jazz. Assim, em fins dos anos 1950 o discurso da “decadência” em relação
ao jazz causará uma guinada nos debates sobre música popular. É o momento, por exemplo,
que Vinícius de Moraes volta seus interesses para a música popular brasileira, apostando nela
por causa de sua decepção com o cenário do jazz que se estabelecia162. Contraditoriamente, a
o retorno do jazz de Nova Orleans. Houve sucesso nessa empreitada também na Europa e todos os países que
tiveram contato com o jazz e contribuíram para patrocinar financeiramente os pesquisadores. Os críticos brasileiros
queriam entrar para o hall dos que fizeram no Brasil o “renascimento” acontecer também, mas não tiveram sucesso
por falta de investimento no projeto, que incluía a promessa de vínculo entre as culturas negras. É o que fica claro
no artigo Apoio a um projeto, 5ª edição, fevereiro de 1955, p. 36-37.
162
Em 1969, Vinícius de Moraes afirmaria em uma entrevista feita no jornal carioca O Pasquim: “Acho a música
brasileira mais importante e mais rica que o jazz, o fenômeno musical mais importante do século. Me refiro à
música popular brasileira, porque a erudita, com exceção de Villa-Lobos e Santoro, já acho menos [...]. Eu acho
94
busca pela valorização da música brasileira repercutiria na criação da Bossa Nova, um estilo
que mesclava o samba com um estilo de jazz moderno e mais intimista, o chamado cool de jazz.
Ainda mais curioso é o fato de que Vinícius de Moraes e Tom Jobim se conheceriam por
intermédio do próprio Lúcio Rangel que os atacaria por causa dessa mistura.
que o jazz acabou, não existe mais” (MORAES, 2013, p. 29). O comentário permite pensar a conflituosa relação
entre as categorias “moderno”, “tradicional”, “autêntico” e “inautêntico” nos discursos.
95
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: REVERBERAÇÕES E AMPLIFICAÇÕES NA
DÉCADA DE 60
No começo do século XX o jazz chegou ao Brasil e no decorrer dos tempos
conturbados do pós-guerra foi adotado como o ritmo que melhor simbolizava o frenesi daquela
época que foi chamada de Happy Years, “Loucos anos 20”, “A era do Jazz”, entre outros rótulos
que tentavam sintetizar as novas sensações e os estímulos suscitados pela experiência da
modernidade.
A partir daí a palavra “jazz”, em meio a tantos significados etimológicos que passou
a ter, além de ser associada a um estilo de música sincopado, cuja improvisação era um
elemento fundamental, foi utilizada como expressão americana para designar, segundo o
Oxford Dictionary, “excitação”, “êxtase” e “entusiasmo”, suponho por conta do contexto
histórico em que o ritmo se difundiu pelo mundo.
Pouco depois o formato do jazz tocado pelas jazz bands passava a se tornar cada
vez mais comercial, afastando-se gradativamente das raízes folclóricas cultivadas no Sul dos
Estados Unidos. Isso porque em meio ao contexto urbano dos Estados Unidos, os músicos de
jazz se profissionalizaram, abandonando o amadorismo e passando a utilizar a música como
fonte de renda. Era inevitável que ao expandir-se para outros lugares esse jazz estivesse imbuído
de modismos e influências musicais tal como ocorreu no Brasil.
Nesse sentido, as jazz bands brasileiras, mais do que grupos musicais, eram a
representação dessa modernidade que advinha dos países desenvolvidos, se manifestava nos
centros urbanos e se espalhava por meio de apresentações públicas ou particulares em desfiles,
cinemas, clubes de dança, teatros etc.
No exterior, a formação instrumental dessas bandas era basicamente banjo, bateria,
contrabaixo e piano na seção rítmica, clarinete, saxofone, trompete, tuba e trombone na seção
de sopro, e violino e cello na seção de cordas. Como tentei demonstrar no Brasil há registros
dessas bandas por diferentes áreas urbanas e rurais, sendo sua formação instrumental composta
basicamente pelos mesmos instrumentos, mantendo a presença de instrumentos como o
acordeom, o violão, e outros percussivos.
Porém, os sons que reverberavam das jazz bands brasileiras não eram os mesmos
que circulavam na Europa ou nos Estado Unidos aqui um jazz propício à mistura musical
permitiu que as bandas pudessem mesclar as peças jazzísticas com o repertório de músicas
regionais e tradicionais. A modernização das bandas se deu pela adição de instrumentos como
96
a bateria, o banjo, o saxofone e o piano, mas também simbolizou novos arranjos ao repertório
tradicional.
Nesse sentido, o fato de assumirem o nome jazz bands não significou que as
músicas regionais não fossem mais executadas, ao contrário. Além disso, mesmo as bandas que
permaneciam com o nome de “orquestras” também aderiram a tal proposta. Isso quer dizer que
a experiência de modernidade musical exigia que se valorizasse a cultura popular tradicional e
não apenas o jazz. Por isso mesmo, esse jazz, que assumiu um aspecto comercial e de mistura
a outros ritmos latino-americanos e caribenhos, foi chamado de híbrido pelo historiador Eric
Hobsbawm. No Brasil, por exemplo, os músicos imprimiram arranjos jazzísticos em músicas
tradicionais, regionais e vice-versa.
Quanto a esse primeiro contato com o jazz, a hipótese é que não apenas a questão
econômica influenciou nessa mudança de repertório dos conjuntos e orquestras musicais, mas
também houve uma identificação com a sonoridade do jazz. Esse argumento é defendido pelo
historiador Carlos Calado e se pode perceber mesmo na voz dos defensores mais tradicionais
do jazz. Como afirma Edoardo Vidossich, “o Brasil é por isso mesmo um campo propício para
o ‘jazz” (VIDOSSICH, 1957, p. 217) por causa justamente da forte presença das raízes negras
africanas.
Pouco mais adiante, em meio à Era do Rádio, de onde emergiram os grandes
cantores nacionais, foi possível perceber que estas jazz bands e mesmo grandes orquestras
contratadas por renomadas gravadoras como a Columbia, a RCA Victor e a Odeon
prosseguiram em sua tendência de mistura, pautadas na comercialização da música popular.
Gravar e se apresentar com esses grandes intérpretes foi um meio de sobreviver tocando suas
peças jazzísticas e outros ritmos da moda como o bolero, o samba (já nacionalizado), o maxixe,
o choro, a valsa, entre outros. É que com o crescimento da importância das rádios, discos e do
cinema falado muitas dessas bandas perderam seus empregos e vislumbraram nas rádios uma
forma de permanecerem em atividade.
Ao passo que isso ocorria, nos Estados Unidos repercutia o sucesso das Big bands
de jazz, o que proporcionou novamente a mistura musical entre o repertório brasileiro e
estrangeiro em grande escala. Foi a época de inúmeras gravações nacionais de foxes trot, estilo
de tocar jazz. Assim surgiram as primeiras reações contrárias ao jazz e às jazz bands no Brasil,
tecidas pelos críticos musicais mais nacionalistas. Essas bandas, porém, tiveram extrema
relevância nos arranjos de peças musicais e importantes gravações ao lado de interpretes como
Francisco Alves, Orlando Silva, Inezita Barroso, Lúcio Alves e Carmen Miranda.
97
Porém, o fato de estudiosos como Mário de Andrade e Sílvio Romero não se
preocuparem com as manifestações musicais urbanas fez com que a influência do jazz nelas
imbuídas ficasse de fora das análises da música popular brasileira. Assim, a preocupação com
a influência do jazz na música popular não foi tão discutida devido à tendência dos estudos
sobre música e identidade nacional privilegiarem as canções folclóricas e, descartarem a música
urbana, vista como volúvel a essa influência estrangeira.
Por isso na década de 1950 a necessidade de se projetar uma identidade nacional
fez emergir novos debates em torno da produção cultural no país, uma vez que o Brasil vivia
um período de estabilidade econômica e de forte introjeção dos bens de consumo estrangeiros,
devido ao “salto na industrialização a partir do governo Kubitschek” e “também [de] um
impulso revolucionário” (RIDENTTI, 2003, p. 5). Tais fatores, dentre outras questões,
propiciaram uma reflexão sobre a própria qualidade da música popular urbana brasileira frente
aos meios de comunicação de massa nacionais e internacionais.
Assim, os intelectuais que se reuniram na Revista da Música Popular entre 1954 e
1956 fizeram parte desses primeiros estudos da música urbana, e também se debruçaram sobre
as diversas experiências da música brasileira desde as peças folclóricas até as músicas
popularizadas pelas rádios.
Por influência do pensamento folclorista alguns desses intelectuais defenderam uma
música pura, sem influências externas e reclusa em seu caráter mais tradicional. Outros haviam
tido uma experiência positiva na escuta dos grandes cantores do rádio e repudiavam as
programações musicais das rádios da década de 1950, acusando-as de inautênticas e
“popularescas”, termo pejorativo usado para designar músicas e músicos adeptos do
comercialismo e dos modismos estrangeiros. Portanto, para esses críticos era preciso revalorizar
os artistas da Época de Ouro da música popular, vislumbrando neles uma brasilidade pura e
idealizada, pois muitas dessas gravações também haviam sido influenciadas pelo jazz.
As idiossincrasias presentes na revista saltam os olhos: se propôs a fazer uma ode
aos artistas do passado, motivou a opinião pública na tentativa de realizar uma varredura dos
artistas “inautênticos”, promoveu a imagem, a história e a memória de músicos da Velha
Guarda163 sob o pretexto de que residiam nestes a verdadeira identidade nacional e, de maneira
simultânea, fez questão de manter numerosas colunas sobre jazz em todas as edições. Assim,
mesmo com a saída de José Sanz, seu principal crítico, manteve-se firme a coluna Jazz tendo
Marcelo Mirando como seu substituto.
163
Grupo de músicos envolvidos na produção musical entre os decênios de 1920 e 1930.
98
Dessa forma, a ambiguidade do discurso presente no periódico analisado reside no
fato de que os mesmos críticos que defendiam a legitimidade de um formato de jazz, não eram
a favor de que se imprimisse as mesmas referências musicais modernas na música brasileira,
temerosos de que a música perdesse sua brasilidade tanto quanto o jazz “perdia” sua
autenticidade no exterior.
Além disso, outra peculiaridade da polifonia discursiva na revista é que, ao acionar
o discurso folclorista os colaboradores da RMP repetiam as contradições desse discurso quanto
à construção inacabada da noção de identidade nacional. Se no folclorismo dos tempos de Mário
de Andrade se falava em readaptar os elementos musicais externos, na revista se insinuava uma
espécie de antropofagismo apenas dos elementos tradicionais do jazz. Por isso no discurso
desses folcloristas urbanos tornam-se ainda mais complexas as discussões sobre o “popular” e
o “impopular”, o “nacional” e o “estrangeiro”, o “legítimo” e o “ilegítimo” dentro dessa
tentativa de formatação da música brasileira.
Já na década de 1960 a dúbia postura em relação à música americana iniciada no
começo do século XX pelos estudos folcloristas e mantida pelos debates ambíguos da RMP nos
anos 1950 passou a tomar novas proporções. O debate sobre jazz e música popular brasileira
encontrou outra forma de repercussão, pois se trata de um período no qual se fez marcante a
efervescência nas discussões políticas devido ao Golpe Militar de 1º de abril de 1964. Esses
acontecimentos potencializaram o caráter nacionalista das discussões sobre música popular,
principalmente sobre qual deveria ser o seu papel político-ideológico a ser seguido.
Segundo Marcelo Ridentti, no final da década de 1950 alguns intelectuais de
esquerda já vislumbravam na cultura popular uma importante arma contra as imposições
estrangeiras e por conta disso os anos 1960 viria a ser uma época “marcada pelas lutas contra o
subdesenvolvimento nacional e pela constituição de uma identidade para o povo” (RIDENTTI,
2000, p. 13).
No entanto, somente no início dos anos 1960 nasceria a canção de protesto, e não
por acaso o uso da sigla MPB com uma conotação mais engajada politicamente. Segundo o
sociólogo Carlos Sandroni (2010), o uso dessa sigla passou a ser comum exatamente com a
criação do conjunto musical MPB4 formado por músicos que atuavam no Centro de Cultura
Popular (CPC) e que batizaram o grupo com esse nome ao fim das atividades do CPC164.
No Dicionário Ricardo Cravo Albin estão documentadas também algumas
apresentações do grupo no Teatro Opinião, um espaço de resistência e protesto contra a
164
Disponível em: http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/mpb-um-pouco-de-historia/.
99
ditadura165. O engajamento político na cultura brasileira foi reforçado pelo Instituto Superior
de Ensino Brasileiro (ISEB), pela União Nacional dos estudantes (UNE) e pelo já referido CPC.
Por conta desses acontecimentos, Alexandre Francischini afirma que:
No âmbito da crítica musical, se elevarão a níveis contundentes as críticas
nacionalistas à influência dos gêneros musicais americanos. Assim,
encabeçada por José Ramos Tinhorão, essa ala mais radical que, outrora, tinha
dúvidas em relação ao Jazz e seus referenciais de musicalidade vão optar pela
sua repulsa, com o argumento de que se trataria de uma ferramenta
imperialista dos EUA (FRANCISCHINI, 2009, p. 61-62).
Além disso, a música, para esses intelectuais radicais, deveria retornar a uma pureza
para evitar a alienação e o subjugo dos bens de consumo culturais americanos. É um momento
de repulsa à influência do jazz. Francischini afirma ainda que:
No período entre guerras, na medida em que os Estados Unidos firmavam-se
no cenário mundial como uma superpotência – fazendo dos veículos de
comunicação em massa um instrumento de difusão de seu “American way of
Life” –, os nacionalistas brasileiros fizeram da política imperialista desse país
– e do jazz como um símbolo desse imperialismo – o seu alvo preferido
(FRANCISCHINI, 2009, p. 61-62).
Vale ressaltar que se começa a pôr em cheque o papel da música enquanto
participativa ou não no processo de formação da identidade nacional e nesse sentido, acredito
que a associação com as discussões iniciadas pelos folcloristas e pelos críticos musicais urbanos
durante as duas fases de maior força das pesquisas em música popular brasileira podem ter
servido como base ideológica e metodológica ao engajamento cultural da década de 1960.
Portanto, para os intelectuais dos anos 1960, a cultura popular e a identidade
nacional deveriam estar vinculadas, a fim de não subjazerem às influências estrangeiras e se
tornarem alienadas e alienantes. Segundo Arnaldo Daraya (1998), foi a visão mais à esquerda
criou certas dicotomias na década de 1960 como “jazz versus samba, violão versus guitarra
elétrica, acordes consonantes versus acordes em nona; artesanato versus indústria cultural;
compositor-militante versus artista alienado; música e ‘raízes’ brasileiras versus música norteamericana”.
Nesse sentido, as obras do historiador José Ramos Tinhorão, Ary Vasconcelos e
Vasco Mariz enriqueceram os debates historiográficos sobre jazz e música popular, de forma
que abandonaram a postura ambígua que foi presente na RMP, para assumir uma postura mais
combatente e taxada de xenófoba por alguns historiadores que tratavam a influência do jazz
para além das questões macroeconômicas e políticas.
165
Cf. biografia completa do grupo musical em: http://www.dicionariompb.com.br/mpb4/dados-artisticos.
100
Assim, com uma escrita de teor mais nacionalista José Ramos Tinhorão encabeçou
as vozes mais radicais da crítica musical dos anos 1960, e pelo olhar marxista considerou o jazz
uma ameaça para a música brasileira que deveria ser repudiada. Em quase todas as suas análises
sobre a década de 1950, o crítico acaba reafirmando a noção de “decadência” da música popular
brasileira que havia sido iniciada pela Revista da Música Popular. Além disso, para ele, os idos
dos anos 1950 sinalizaram o começo do que viria a ser a Bossa Nova, a mistura final do samba
com o jazz, significando um verdadeiro “divórcio” com o samba tradicional (TINHORÃO,
1998, p. 310).
Em síntese, a Bossa Nova simbolizava uma ameaça: um samba modernizado
mesclado com um jazz igualmente moderno e mais intimista, o jazz cool. Embora José Ramos
Tinhorão tenha confessado perceber que entre o jazz e o samba havia uma linha evolutiva muito
semelhante na questão histórica, social e antropológica e que por isso mesmo a mistura musical
no início do século XX foi inevitável, o movimento bossanovista extrapolava todos os limites
dessa fricção musical, sendo para ele nada mais que uma música “desnacionalizada”, uma
falsificação. A BN e seus idealizadores foram duramente atacados também pelos contribuintes
da então extinta Revista da Música Popular e, até mesmo por artistas que faziam parte do
movimento como Edu Lobo e Carlos Lyra que compôs a música A influência do Jazz, criticando
as influências do gênero musical no samba.
No entanto, a influência do jazz na música brasileira dos anos 1960 não se fez
notória apenas por meio da Bossa Nova, mas também por intermédio de alguns trios como o
Zimbo Trio e o Tamba Trio, importantes conjuntos instrumentais que acompanharam artistas
famosos como Elis Regina. Segundo a página virtual especializada em jazz E-jazz, o Zimbo
Trio pode ser considerado “o jazz brasileiro moderno”166. A análise da presença dessas bandas
na música popular brasileira nos anos 1960 em meio a esse clima conflituoso e efervescente na
história do Brasil não cabe nos limites deste trabalho, ficando assim, para um estudo posterior.
166
Disponível em: http://www.ejazz.com.br/detalhes-estilos.asp?cd=181.
101
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106
ANEXO 1 – Listas de músicas selecionadas para uma pequena discografia sobre o Jazz
no Brasil (CD-ROM)
Primeiro Bloco: A influência do jazz e as primeiras jazz bands brasileiras
Bandas/interpretes
Música
Ano
Fernando e Orquestra Jazz
band Sul-americana
Zizinha
1926
Jazz Band Sul-americana
Chá para dois
(Tea for two)
1927
Vicent Youmans
(instrumental)
Trio Irmãos Tapajós
Loura ou morena
1933
Vinícius de Moraes
Trio Irmãos Tapajós
Namorando a Lua
1933
Vinícius de Moraes
Fernando e Orquestra Jazz
Band Sul-americana
Dor de cabeça
1925
Sinhô (José Barbosa da
Silva)
Fernando e Jazz Band SulAmericana
Café com Leite
1926
Freire Júnior
Navalha
1926
Abel Teixeira
(Instrumental)
Cavanhaque
1931
Ary Barroso
Pixinguinha e Os Oito batutas
Carinhoso
1916/1917
Pixinguinha/ João de
Barros
Jazz band Sul americana e
Pedro Celestino
Eu vi Lili
1926
José Francisco de Freitas
Pixinguinha e Donga
Lamentos
1928
Pixinguinha/Donga
Ó Rosa
1926
Sinhô
Tenho uma coisa
para lhe dizer
1933
Capiba (poeta)
Eterno Enlevo
1926
Zequinha de Abreu
American Jazz band Sílvio de
Souza e Abel Teixeira
Leonel, Simão e Orquestra
Columbia
Pedro Celestino e American
Jazz band Sílvio de Souza
Jazz Band Acadêmica de
Pernambuco
Orquestra Pan-americana do
Cassino Copacabana
Composição
José Francisco de
Freitas/Carlos
Bittencourt/Cardoso de
Menezes
107
Jazz band Symphonic Panamerican
Saudades, saudades
1928
Ernesto Nazareth
Jazz Band Sinfônica Panamericana
Sútil
1928
Ernesto Nazareth
Cradle of love
1929
Mabel Wayne
Titina
1925
Léo Daniderff
Orquestra Pan American do
Cassino Copacabana
Fernando e Jazz band Sul
American Romeu Silva
Segundo Bloco: As jazz bands e os grandes cantores da Era do Rádio
Bandas/interpretes
Música
Ano
Composição
Francisco Alves e Orquestra
Parlophon
Eu não posso dar-te amor
(I can’t give you anything but
love)
1929
Dorothy Fields.
Versão: Freire
Júnior
Canção para inglês ver
1931
Lamartine Babo
Dizem que sou um mau rapaz
1941
Custódio Mesquita
Naná
1940
Custódia
Mesquita/Geysa
Boscôli
Sempre voando
1927
Lamartine Babo
Francisco Alves com Fon-Fon
e sua Orquestra
Orlando Silva
Francisco Alves
Júlio Casado
That’s you baby (cover)
1929
Con Conrad/
Sidney Mitchell/
Archie Gottle
Bando da Lua
Goody, goody
1938
Matty
Malneck/Johnny
Mercer
Joel e Gaúcho
Boogie Woogie do Rato
1945
Augusto Duarte
Ribeiro
Cyro Monteiro
Boogie Woogie na Favela
1945
Augusto Duarte
Ribeiro
Francisco Alves
Tradução
1933
Francisco Alves
Francisco Alves
108
Sílvio Caldas
Orlando Silva e Orquestra
RCA Victor
Orlando Silva e os Oito
Batutas
Francisco Alves e Aurora
Miranda com Orquestra
Odeon
Mulher
1940
Custódio Mesquita
Perdão, amor
1941
Lamartine Babo
Carinhoso
1937
João de Barro/Oito
Batutas
1933
Noel Rosa e Hélio
Rosa
1932
Lamartine Babo
Você só... Mente
Lamartine Babo e Orquestra
Colúmbia
Maria da Luz
Terceiro Bloco: Jazz e Bossa Nova
Interprete
Música
Ano
Composição
Dick Farney
Copacabana
1946
Dick Farney
Dick Farney
Outra vez
1954
Tom Jobim
Os Cariocas
Pra que chorar
1963
Baden Powell/Vinícius de
Moraes
Johnny Alf
Escuta
1952
Johnny Alf
Tito Maldi
Sonho de saudade
1961
Tito Maldi
(Instrumental)
1964
(Instrumental)
Carlos Lyra
A influência do Jazz
1962
Carlos Lyra
Johnny Alf
O que é amar
1960
Johnny Alf
How high the moon
1958/1959
Nancy Hamilton/Morgan
Lewis
Criticando
1959
Carlos Lyra
Makin’ Whoopee
1958/1959
Walter Donaldson
Doralice
1963
Dorival Caymmi/Antônio
Almeida
Laurindo de Almeida e The
Modern Jazz Quartet
Dolores Duran
Os cariocas
Dolores Duran
João Gilberto e Stan Getz
109
João Gilberto e Stan Getz
João Gilberto, Astrud Gilberto,
Stan Getz
Desafinado
1963
Tom Jobim/Newton
Mendonça
Corcovado (Quiet
nights of quiet stars)
1963
Tom Jobim
FONTES: Coleção Revista da Música Popular - Rio de Janeiro. Funarte: Bem-Te-Vi
Produções Literárias, 2006. 775p.: il. Edição fac-similada da coleção completa da Revista da
Música Popular, editada por Lúcio Rangel e Pérsio de Moraes, de 1954 a 1956 (14 números).
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