Relato de Caso Mucocele esfenoidal causando síndrome da secreção inapropriada de hormônio anti-diurético Mark Makowiecky1 Leandro Ricardo Mattiola1 Marcello Haddad Ribas2 Romualdo Suzano Louzeiro Tiago3 Antônio Sérgio Fava4 Sphenoid mucocele causing anti-diuretic hormone inappropriate secretion syndrome RESUMO ABSTRACT Mucocele é uma lesão benigna que ocorre nos seios paranasais. Comumente acomete os seios frontal e etmóide e, raramente, o esfenóide. É apresentado caso de paciente de 69 anos, do gênero masculino, com queixa de perda visual e cefaléia, que evoluiu com hiponatremia e aumento do sódio urinário, caracterizando a síndrome da secreção inapropriada do hormônio anti-diurético, causada por compressão hipofisária devido à mucocele esfenoidal. Foi submetido a tratamento endoscópico nasal e evoluiu com regressão dos sintomas, mantendo déficit visual parcial unilateral. Descritores: Mucocele. Seio Esfenoidal. Síndrome de Secreção Inadequada de HAD. INTRODUÇÃO Mucocele é uma formação cística benigna, com conteúdo mucoso envolvido por epitélio, que ocorre nos seios paranasais. É mais comumente encontrada nos seios frontal e etmoidal, seguido do maxilar e raramente ocorre no esfenóide. O diagnóstico ocorre quando o acúmulo de muco leva à erosão das paredes ósseas e comprometimento de estruturas adjacentes, sendo realizado através de exames de imagem. Apresentamos um caso de mucocele esfenoidal (ME) cujos sintomas iniciais foram alterações visuais e cefaléia e durante a internação evoluiu com síndrome da secreção inapropriada de hormônio antidiurético (SSIHAD). RELATO DO CASO Paciente de 69 anos, do gênero masculino, foi encaminhado ao Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço para investigação de lesão tumoral em região esfenoidal associada à perda visual. Havia iniciado o quadro há seis meses, apresentando diminuição da acuidade visual à direita, com piora progressiva seguida de redução acuidade visual também à esquerda quatro meses após. Queixava-se de cefaléia, náuseas e vômitos intermitentes. Apresentava como antecedentes hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, tabagismo e etilismo. À Mucocele is a benign lesion which occurs in the paranasal sinuses. It commonly happens in the frontal and ethmoid sinuses and rarely in the sphenoid sinus. It is presented a case of 69 year-old man, complaining of visual loss and headache, which evaluated with hyponatremy and high natrium dosage in urine, characterizing the antidiuretic hormon innapropriate secretion syndrom caused by compression of the hypophysis by the sphenoid mucocele. He was treated through endoscopic sinus surgery and evaluated with regression of the symptoms, but with unilateral partial visual deficit. Key words: Mucocele. Sphenoid Sinus. Inappropriate ADH Syndrome. rinoscopia anterior, foi observada lesão de aspecto cístico, abaulada, aparentemente originada no meato nasal superior direito, com compressão de concha nasal média. A lesão não era visibilizada à rinoscopia posterior. À nasofibroscopia, foi visibilizada lesão abaulada regular de aspecto cístico em fossa nasal direita, ocupando todo o meato nasal superior e rechaçando lateralmente a concha nasal média. À tomografia computadorizada (TC), observou-se lesão localizada em linha média, com 4cm em seu maior eixo, com sinais de comportamento expansivo, porém, não invasivo, acometendo seios etmóide direito e esfenóide bilateralmente, provocando erosão óssea do teto da cavidade nasal a direita e do esfenóide bilateralmente; destruição da lâmina papirácea a direita e do septo nasal posterior – Figura 1. Durante a internação, evoluiu com piora dos sintomas associado a intensa prostração. Os exames pré-operatórios revelaram hiponatremia (118mEq/L) e aumento da dosagem do sódio urinário (119 mEq/L), compatível com SSIADH. Foi levantada a hipótese diagnóstica de ME causando a SSIHAD, devido à compressão hipofisária e às alterações de acuidade visual por compressão orbitária e quiasmática. O paciente foi submetido à marsupialização da ME através de abordagem endoscópica, evoluindo no pósoperatório com melhora da cefaléia, náuseas e vômitos, assim como melhora completa da visão do olho esquerdo e parcial do olho direito. Os níveis de sódio plasmático também voltaram 1) Médico Residente do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, São Paulo, Brasil. 2) Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, São Paulo, Brasil. 3) Doutor em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina. Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, São Paulo, Brasil. 4) Doutor em Medicina pelo Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Encarregado do Setor de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, São Paulo, Brasil. Instituição: Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo – Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Correspondência: Mark Makowiecky, Rua José de Magalhães, 600 apto. 81 – 05088-000 São Paulo, SP. E-mail: [email protected] Recebido em: 06/12/2007; aceito para publicação em: 10/08/2008; publicado online em: 15/12/2008. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. 236 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 4, p. 236 - 237, outubro / novembro / dezembro 2008 aos valores normais. Os achados intra-operatórios eram compatíveis com os achados radiológicos. O material enviado para exame histológico revelou processo inflamatório crônico inespecífico com edema e transformação cística parcial, compatível com diagnóstico de mucocele. Em 10 meses de pós-operatório, o paciente encontrava-se sem queixas e não apresenta sinais de recidiva, porém, mantinha déficit de acuidade visual à direita. Figura 1 – Tomografia computadorizada, em corte axial, mostrando mucocele destruindo seio etmóide direito, esfenóide bilateral e teto da cavidade nasal. DISCUSSÃO Mucoceles são cistos epiteliais com conteúdo mucoso que freqüentemente se iniciam no interior dos seios paranasais1. Homens e mulheres são acometidos na mesma proporção1. Ocorrem mais freqüentemente no seio frontal, seguido dos seios etmoidais e maxilares. A ME é uma entidade rara, resultante do acúmulo de secreções mucosas no interior de uma cavidade esfenoidal obstruída. Pode ser seqüela de obstrução nasal causada por rinossinusite crônica, pólipos nasais, tumores, trauma ou cirurgia sinusal prévia1,2. As mucoceles tendem a crescer continuamente e remodelar as estruturas ósseas adjacentes por meio de osteólise induzida por pressão, desvascularização óssea e ação de enzimas osteolíticas1,2. A variedade de sintomas e sinais e a relativa inacessibilidade ao seio esfenóide no exame clínico torna o diagnóstico de mucocele esfenoidal difícil2. Geralmente esse diagnóstico só é realizado tardiamente, quando ocorre compressão das estruturas vizinhas. Os sinais e sintomas na apresentação podem incluir dor facial, cefaléia, diplopia, diminuição da acuidade visual, paresia de musculatura ocular extrínseca, exoftalmia, edema facial, obstrução nasal, anosmia e meningite1. Apresentações incomuns como hipopituitarismo, hipotireoidismo, tumor hipofisário ou intracraniano foram relatadas 2-4 . Não encontramos na literatura casos de ME que se apresentaram com SSIHAD. Esta se caracteriza por aumento não fisiológico da produção ou secreção do hormônio anti-diurético em pacientes normovolêmicos e hiponatrêmicos, provocando hiposmolaridade plasmática (hiponatremia) às custas de osmolaridade urinária elevada. A retenção hídrica leva o edema celular. A hiper-hidração neuronal provoca náusea, vômitos, cefaléia, podendo ocorrer convulsões. A etilogia é variada, desde síndrome paraneoplásica a lesões expansivas intracranianas com compressão da neuro-hipófise. O diagnóstico de ME é primariamente radiológico1 e o exame de escolha é a TC, que pode exibir erosão óssea, extensão intracraniana ou orbitária. Permite a visibilização da anatomia distorcida por qualquer cirurgia ou doença prévia e auxilia o planejamento cirúrgico. A ressonância magnética raramente é necessária, todavia, pode ser útil na diferenciação de uma lesão neoplásica1,2. Os achados tomográficos de uma ME incluem freqüentemente opacificação com expansão e adelgaçamento das paredes ósseas. Geralmente, essa expansão ocorre ventralmente. Extensão cranial é caracterizada por elevação ou erosão da sela túrcica e a extensão lateral é identificada pelo comprometimento da lâmina papirácea3. O diagnóstico diferencial deve ser feito com lesões congênitas, como as encefaloceles e outras lesões não neoplásicas como granulomas de colesterol, cistos epidermóides, meningiomas, cordomas, neurofibromas, adenomas salivares, hemangioperiocitomas, paragangliomas e nasoangiofibroma juvenil entre outros. As neoplasias malignas também devem ser consideradas1. O tratamento é cirúrgico, sendo a marsupialização o procedimento de escolha 2,5 . A abordagem transnasal endoscópica tem apresentado excelentes resultados1. Oferece a vantagem de menor morbidade e redução do potencial de complicações quando comparada à abordagem intracraniana2 e propicia boa visualização do campo operatório com mínima perda sangüínea. Deve-se tomar cuidado quando existe extensão intracraniana ou orbital. Nesses casos, a parede extranasal da mucocele deve ser mantida intacta para evitar comprometimento da dura-máter ou da periórbita4,5. O caso relatado apresentava quadro clínico, exame físico e radiológico compatíveis com os dados da literatura. Deve-se ressaltar que conforme a evolução clínica observada, a SSIHAD deve ser pesquisada nestes pacientes, pois pode evoluir de forma gradual e desfavorável, desde edema celular, podendo provocar convulsões e levar a óbito nos casos mais graves. A complicação manifestou-se tardiamente dentro da evolução da doença e o presente caso chama a atenção para a necessidade de tratamento precoce. REFERÊNCIAS 1. Loehrl TA, Leopold DA. Sphenoethmoidal mucocele presenting with bilateral visual compromise. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2000;109(6):608-10. 2. Muneer A, Jones NS. Unilateral abducens nerve palsy: a presenting sign of sphenoid sinus mucocoeles. J Laryngol Otol. 1997;111(7):644-6. 3. Gore RM, Weinberg PE, Kim KS, Ramsey RG. Sphenoid sinus mucoceles presenting as intracranial masses on computed tomography. Surg Neurol. 1980;13(5):375-9. 4. Daniilidis J, Nikolaou A, Kondopoulos V. An unusual case of sphenoid sinus mucocele with severe intracranial extension. Rhinology. 1993;31(3):135-7. 5. Benninger MS, Marks S. The endoscopic management of sphenoid and ethmoid mucoceles with orbital and intranasal extension. Rhinology. 1995;33(3):157-61. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 4, p. 236 - 237, outubro / novembro / dezembro 2008 237