Capítulo 3 MORFOLOGIA: Formação da Palavra e Estrutura do Vocábulo P r i m e i r a Pa rt e Aspectos Teóricos É conveniente, antes de passarmos ao estudo dos processos de formação de palavras, revisarmos alguns conceitos relacionados com as formas como as palavras podem surgir. Vejamos, então. 1. Palavras Primitivas e Derivadas Palavras primitivas são aquelas que não surgem, ou seja, não derivam, de nenhuma outra e que, pelo contrário, servem de base para o aparecimento de outras. Observem-se, por exemplo, os vocábulos “mar”, “pedra” e “ferro”. Como podemos verificar facilmente, são palavras que não procedem de qualquer outra e que oportunizam o surgimento de outros vocábulos, como, por exemplo, “marujo”, “apedrejar” e “ferreiro”. Dizemos, então, que “mar”, “pedra” e “ferro” são palavras primitivas. Aspectos Teóricos 125 GramáticaAplicada-3ed.indb 125 06/03/2017 11:00:34 Palavras derivadas, por sua vez, são aquelas que se formam a partir do radical de outra palavra, mediante o acréscimo de prefixos e/ou sufixos. As palavras “marujo”, “apedrejar” e “ferreiro”, já citadas, são exemplos de palavras derivadas. 2. Palavras simples e compostas Palavras simples são aquelas que possuem um único radical. Assim, palavras simples podem ser primitivas ou derivadas. “Mar”, “marujo”, “pedra”, “apedrejar”, “ferro” e “enferrujar” são palavras simples, uma vez que em cada uma delas nota-se unicamente um radical, a saber: “mar”, “pedr” e “ferr”. Palavras compostas são aquelas em que se nota a presença de mais de um radical. São palavras compostas, por exemplo, “couve-flor”, “girassol”, “planalto” e “aguardente”, que contêm, pela ordem, os radicais “couve”, “flor”, “gira”, “sol”, plan(o)” e “alt(o)”. Como pudemos observar, as palavras que se unem para formar um composto podem ser ligadas por hífen ou não. 3. Palavras Cognatas Denominam-se cognatos os vocábulos surgidos a partir de um radical que lhes é comum. São cognatos, por exemplo, os vocábulos “mar”, “maré”, “marujo”, “marítimo”, “maremoto”, “maresia”. 4. Processos de Formação de Palavras Observam-se na língua portuguesa dois processos básicos de formação de palavras: composição e derivação. Composição: forma-se um novo vocábulo a partir da junção de duas ou mais palavras que já existam na língua. Observem-se “arco-íris”, “pés de moleque”, “pernilongo” e “aguardente”. Como resultam da união de palavras que são preexistentes na língua (“arco” + “íris”, “pé” + “de” + “moleque”, “pern(a)” + “long(o)”, “água” + “ardente”), dizemos que são formadas por composição. O processo de composição pode-se dar por dois meios: na composição por justaposição, os vocábulos que se unem mantêm todos os seus fonemas, além de conservarem as suas sílabas tônicas originais. É o que acontece, por exemplo, com “cirurgião-dentista” e “catavento”. Como pudemos observar, a junção das palavras pode ser intermediada por hífen ou não. M O R F O L O G I A : F o r m a ç ã o d a Pa l av r a e E s t r u t u r a d o V o c á b u l o 126 GramáticaAplicada-3ed.indb 126 06/03/2017 11:00:34 Na composição por aglutinação há perda de elementos de uma ou mais palavra, após a união dos vocábulos formadores. Igualmente, a nova palavra formada não mantém todas as sílabas tônicas originalmente encontradas. Verifiquemos como exemplos os vocábulos “pernalta” e “aguardente”. Na primeira palavra, formada pela junção de “pern(a)” + “alta”, verificamos a perda da vogal final da primeira palavra. Por outro lado, o vocábulo “perna”, contemplado isoladamente, apresenta-se como paroxítono, uma vez que sua sílaba tônica é a penúltima, ou seja, “per”. Ao formarmos o composto por aglutinação, verificamos que a sílaba tônica de “perna” foi suprimida. O mesmo fato se dá em “aguardente”, com a supressão da vogal final de “água” e da sua sílaba tônica. A derivação poderá ocorrer por: a) Prefixação (derivação prefixal): forma-se um novo vocábulo a partir do emprego de prefixo. É o que ocorre, por exemplo, com “desleal”. Como vemos, ao radical “leal” acrescentou-se o prefixo “des”. b) Sufixação (derivação sufixal): forma-se um novo vocábulo a partir do emprego de sufixo. Nota-se esse processo em “lealdade”. Agora, vemos que ao radical “leal” somou-se o sufixo “dade”. c) Derivação parassintética: forma-se um novo vocábulo a partir do emprego simultâneo de prefixo e sufixo. Não ocorre, na parassíntese, a simples adição de prefixo e sufixo a um radical primitivo. O acréscimo dos dois afixos dá-se ao mesmo tempo. Observemos os vocábulos “enferrujar” e “repatriado”. Surgem a partir dos vocábulos primitivos “ferro” e “pátria”. Notemos, no entanto, que não existem vocábulos, formados a partir desses radicais, que se formem só a partir do acréscimo de prefixo, como seriam os inexistentes “enferro” ou “repátria”. Também não há vocábulos que, a partir dos radicais iniciais já citados, se formem a partir apenas do acréscimo de sufixos, o que faria surgir “ferrujar” e “patriar”. Assim, somos forçados a entender que, a partir de “ferro” e “pátria”, pelo acréscimo simultâneo de prefixos e sufixos, formamos os vocábulos “enferrujar” e “repatriar”. 5. Outros processos de formação de palavras Derivação regressiva (regressão): forma-se um novo vocábulo por meio da subtração de elementos mórficos. Esse processo faz surgir, fundamentalmente, substantivos provenientes de verbos, que são denominados substantivos deverbais. São exemplos de deverbais: “canto”, “janta”, “corte”, “embarque”, “pesca”, “choro”. Aspectos Teóricos 127 GramáticaAplicada-3ed.indb 127 06/03/2017 11:00:34 Nem sempre é fácil fazer-se a distinção entre vocábulos deverbais, ou seja, substantivos que procedem da regressão de verbos, e vocábulos verbais que se formam de substantivo, como, por exemplo, “ancorar”, que deriva de “âncora”. O filólogo Mário Barreto vislumbrou um processo prático para a verificação desse fenômeno: “se o substantivo denota ação, será palavra derivada, e o verbo a palavra primitiva; mas se o nome denota algum objeto ou substância, se verificará o contrário”. Notemos que em “canto”, “janta”, “corte”, “embarque”, “pesca” e “choro” os substantivos reportam ações verbais. Já em “âncora”, “azeite”, “escudo”, por exemplo, não se observa ação verbal. Desse modo, dizemos que estes três últimos vocábulos são primitivos e propiciam o surgimento, por derivação sufixal, dos verbos “ancorar”, “azeitar” e “escudar”. Derivação imprópria (conversão): consiste no uso de um vocábulo fora de sua classe gramatical característica. Sabemos, por exemplo, que o vocábulo “feio” é um adjetivo. Pois bem: na frase “Quem ama o feio bonito lhe parece”, o vocábulo “feio” surgiu substantivado, uma vez que antecedido pelo artigo definido “o”. Esse emprego do vocábulo fora de sua classe gramatical caracteriza a derivação imprópria ou conversão. Verifiquemos outros exemplos de derivação imprópria nos vocábulos sublinhados em: Por causa da chuva, preocupava-se com o impermeável. Devemos examinar os prós e os contras da questão. Terrível palavra é um não. Reduplicação (redobro): uso repetido de palavra, com ou sem alternância vocálica. Ocorrem reduplicações em “reco-reco” e “tique-taque”, inexistindo, no primeiro exemplo, a alternância vocálica que ocorreu em “tique-taque”. O processo ora estudado é responsável pelo surgimento de onomatopeias (palavras que buscam imitar um som característico). Abreviação é o uso vocabular abreviado, como encontramos em “pneu”, “moto”, “cine”, “foto”, “metrô”. Obs.: não se deve confundir esse processo com o que costumamos chamar de “siglas”, na verdade apenas a adoção das palavras que compõem o nome de uma instituição. É o que se nota, por exemplo, em PMDB, UFRJ, PT. Obs.: a partir das siglas alguns vocábulos podem ser formados por meio do processo de derivação sufixal, como, por exemplo, “petista”. M O R F O L O G I A : F o r m a ç ã o d a Pa l av r a e E s t r u t u r a d o V o c á b u l o 128 GramáticaAplicada-3ed.indb 128 06/03/2017 11:00:34 Hibridismo: denominam-se dessa forma os vocábulos formados por meio da junção de radicais provenientes de radicais diversos. É o que se nota, por exemplo, em “televisão”, vocábulo formado a partir da junção do radical de origem grega “tele” ao radical português “visão”. 6. Estrutura do Vocábulo 1. 2. Ao observarmos palavras como “sol”, “brilhante” e “cantávamos”, notamos que o primeiro vocábulo não pode sofrer reduções como os demais, que são formados por um segmento que traz informação não pertencente à área gramatical, mas do léxico (do significado) – “brilh” e “cant”. Assim, dizemos que o vocábulo “sol” e os segmentos “brilh” e “cant” são elementos vocabulares que encerram sua significação, ou seja, são os radicais dos vocábulos em que surgem. Nos vocábulos “brilhante” e “cantávamos”, além dos radicais encontramos outros elementos que reportam fatos gramaticais (“nte” indica ser adjetivo o vocábulo “brilhante”; “a”, “va” e “mos” trazem para a forma verbal sinais de que pertencem à primeira conjugação e de que estão flexionados em pretérito imperfeito do indicativo e na primeira pessoa do plural. Vejamos, agora, cada um dos elementos formadores do vocábulo: Radical – núcleo do vocábulo, que contém sua significação externa (também é denominado “semantema”, “lexema” ou “morfema lexical”. Assinalamos os radicais em “embarcação”, “soleira”, fumante”, “brilhoso”. Vogal temática – vogal que se acrescenta ao radical, deixando-o preparado para receber as desinências. Nas formas verbais, a vogal temática indica a conjugação, sendo, então, “a” (1a conjugação), “e” (2a conjugação) e “i” (3a conjugação), como notamos em “amar”, “vender” e “partir”. Nos nomes, as vogais temáticas são “a”, “e” e “o”, quando átonas e em final de vocábulo: “mesa”, “dente”, “livro”. Os nomes terminados em consoantes ou em vogal tônica são denominados formas atemáticas, ou seja, formas sem vogal temática. NÃO CHEGUE À PROVA SEM SABER! Há, também, formas verbais que não têm vogal temática: a primeira pessoa do singular do presente do indicativo e todo o presente do subjuntivo. O verbo “pôr” e seus derivados têm “e” como vogal temática, que não aparece em todas as suas formas verbais, mas que pode ser notada em algumas delas, como, por exemplo, em “põe”, “pusemos”. Aspectos Teóricos 129 GramáticaAplicada-3ed.indb 129 06/03/2017 11:00:34 Em algumas circunstâncias as vogais temáticas verbais surgem modificadas: – na primeira conjugação, a vogal temática “a” passa a “e” e “o” no pretérito perfeito do indicativo, respectivamente na 1a e na 3a pessoa do singular: “amei”, “amou”; – na segunda conjugação, a vogal temática “e” passa a “i” no pretérito imperfeito do indicativo e no particípio: “vendia”, “vendias”, “vendia”, “vendíamos”, “vendíeis”, “vendiam”, “vendido”; – na terceira conjugação, a vogal temática “i” passa a “e” nas 2a e 3a pessoas do presente do indicativo e, ainda no mesmo tempo e modo, na 3a pessoa do plural: “partes”, “parte”, “partem”. Os elementos mórficos que surgem modificados são denominados alomórficos. Assim, em “amei”, por exemplo, dizemos ser a vogal que se encontra após o radical “am” uma vogal temática alomórfica. 3. Tema – segmento formado pela soma do radical com a vogal temática. Observe em “cantávamos” o segmento sublinhado como o tema. Observemos, ainda, o tema nominal encontrado em “brilhante” e “coroação” “livro”. 4. Desinências – elementos mórficos que trazem para o vocábulo informações gramaticais. As desinências podem ser nominais e verbais. Quando nominais, as desinências podem ser de número e de gênero. A desinência nominal de número plural é “s” e a de singular é “Ø” (ausência do “s”), como podemos observar em “meninos” e “menino”. As desinências nominais de gênero são “o” para masculino e “a” para feminino, como em “menino” e “menina”. Observemos que o “o” e “a” átonos e em final de vocábulo serão considerados como desinências nominais de gênero quando efetivamente promoverem a oposição masculino e feminino. Quando não há essa oposição, dizemos – como já visto anteriormente – que a vogal átona final é a vogal temática do nome: “casa”, “pente” e “livro”, por exemplo. As desinências verbais podem ser: Desinências modo-temporais: indicam o tempo e modo verbal. M O R F O L O G I A : F o r m a ç ã o d a Pa l av r a e E s t r u t u r a d o V o c á b u l o 130 GramáticaAplicada-3ed.indb 130 06/03/2017 11:00:34 Pretérito imperfeito: Futuro: Modo indicativo Ø Ø (serão indicadas por um processo de acúmulo de funções por parte das desinências número-pessoais) va/ve (para verbos de 1a conjugação) a/e (para verbos de 2a e 3a conjugações) ra/re (átonos) ra/re (tônicos) ria/rie Modo subjuntivo e (para verbos de 1a conjugação) a (para verbos de 2a e 3a conjugação) sse r Infinitivo: Gerúndio: Particípio: Formas nominais r ndo d(o) Presente: Pretérito perfeito: Pretérito imperfeito: Pretérito mais-que-perfeito: Futuro do presente: Futuro do pretérito: Presente: As desinências número-pessoais informam-nos o número e pessoa do verbo. São: 1a p. singular 2a p. singular 3a p. singular 1a p. plural 2a p. plural 3a p. plural “-o” (no presente do indicativo), “-i” (no pretérito perfeito do indicativo e no futuro do presente do indicativo), Ø (nos demais tempos) “-s” (em todos os tempos, exceto o pretérito perfeito do indicativo e no imperativo afirmativo), “-ste” (no pretérito perfeito do indicativo), Ø (no imperativo afirmativo) Ø (em todos os tempos, exceto no pretérito perfeito do indicativo), “-u” (no pretérito perfeito do indicativo) “-mos” “-is”, “-des” (no futuro do subjuntivo e no infinitivo pessoal), “-stes” (no pretérito perfeito do indicativo), “-i” (no imperativo afirmativo) “m” (marcando a nasalidade da vogal precedente), “em” (no futuro do subjuntivo e no infinitivo pessoal), ~o (no futuro do presente do indicativo) e “-ram” (no pretérito perfeito do indicativo) Aspectos Teóricos 131 GramáticaAplicada-3ed.indb 131 06/03/2017 11:00:34 5. Afixos – denominação genérica que engloba os prefixos e sufixos. Principais prefixos gregos e latinos: Prefixos gregos Prefixo a-, ananáanfiantiapoarqui- (arc-) catádiadisec-, exem-, enendoepieu- , evhiperhipometaparaperiprósim-, sin, -si Significação falta, privação, ausência ação contrária de um e outro lado, em torno oposição, ação contrária afastamento, separação superioridade movimento de cima para baixo, através de dificuldade movimento para fora movimento para dentro, interior dentro, posição interior posição superior bom, excelência, perfeição posição superior, excesso posição inferior, deficiência mudança, além ao lado de, semelhança em torno de antes de, para frente reunião, simultaneidade Exemplo acéfalo, anarquia anacrônico anfíbio, anfiteatro antiaéreo, antiácido apogeu, apóstata arquiduque, arcanjo catarata diagnóstico dispnéia êxodo emergir, encéfalo endovenosa epígrafe eufonia, evangelho hipermercado hipoderme metamorfose parágrafo perímetro prognóstico sinfonia Prefixos latinos Prefixo Significação Exemplo ab-, absadambiantebis-, bicircumcom-, concontradedesdis-, -diex-, es-, eextrainterintra- separação, afastamento movimento para, aproximação, junto de duplicidade anterioridade duas vezes ao redor junto com, concomitância oposição movimento para baixo, separação negação separação, negação movimento para fora movimento para fora, excesso posição intermediária posição interior abjurar, abstrair adjunto ambidestro antepor biênio, bicampeão circumpolar compatriota contradizer decair, decrescer desdizer distender, dilacerar expatriar extraordinário interpor intramuscular M O R F O L O G I A : F o r m a ç ã o d a Pa l av r a e E s t r u t u r a d o V o c á b u l o 132 GramáticaAplicada-3ed.indb 132 06/03/2017 11:00:34 Prefixo Significação Exemplo justaobperpreproreretrosemisub-, sussupertrans-, tra ultravice-, vis- ao lado de em frente, oposição através de anterioridade, precedência para frente para trás, repetição para trás metade em baixo de posição superior além de além de, excesso em lugar de, substituição justaposição obstáculo, óbice perfurar predizer progresso regredir, refazer retroceder semicírculo subgerente, suspender supercílio transatlântico ultramar vice-rei, visconde Sufixos formadores de verbos Formam verbos causativos (verbos que indicam ação que deve ser praticada ou transmitem certa qualidade a uma coisa): ant(ar): quebrantar; it(ar): debilitar; iz(ar): civilizar. Formam verbos frequentativos (verbos que indicam ação repetida): aç(ar): espicaçar, adelgaçar; ej(ar): mercadejar, voejar. Formam verbos diminutivos (verbos que indicam ação pouco intensa): it(ar): saltitar; inh(ar): cuspinhar. Formam verbos incoativos (verbos que indicam início de ação ou passagem para um novo estado ou qualidade): ec(er): anoitecer, alvorecer; esc(er): florescer. 6. Vogal e consoante de ligação – são elementos desprovidos de significação e com a atribuição de apenas promoverem a junção eufônica de dois elementos. Observem-se vogal e consoante de ligação em “gasômetro” e “lanígero”. Aspectos Teóricos 133 GramáticaAplicada-3ed.indb 133 06/03/2017 11:00:34