Português

Propaganda
ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE
doi: 10.5123/S2176-62232016000500022
Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados
de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil
Antigenic and molecular characterization of viruses isolated from mosquitoes
captured in Pará State, Brazil
Juliana Abreu Lima1, Alana Watanabe de Sousa1, Sandro Patroca Silva2, Landeson Junior Leopoldino Barros1, Daniele
Barbosa de Almeida Medeiros1, Antônio Gregorio Dias Junior1, Sueli Guerreiro Rodrigues1, Pedro Fernando da Costa
Vasconcelos1, Jannifer Oliveira Chiang1
1
2
Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas, Ananindeua, Pará, Brasil
Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Centro de Inovações Tecnológicas, Ananindeua, Pará, Brasil
RESUMO
Os arbovírus estão amplamente distribuídos pelo mundo e, no Brasil, cerca de 200 espécies diferentes têm sido
isoladas e muitas delas estão associadas a doenças em humanos. A maioria dos arbovírus está classificada na
família Bunyaviridae que, por possuírem três segmentos de RNA, apresentam uma característica importante de
rearranjo genético, formando novos vírus no mundo. O advento de novas ferramentas de biologia molecular
para sequenciamento genômico, aliado aos clássicos testes sorológicos de fixação do complemento (FC), teste
de neutralização (TN) e inibição da hemaglutinação (IH) permitem uma melhor caracterização e identificação
viral, principalmente dos vírus frutos de rearranjos genéticos. Dessa forma, este estudo descreve as características
sorológicas e moleculares de três isolados virais (BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402) obtidos a partir
de mosquitos no Estado do Pará pela Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas do Instituto Evandro Chagas.
Os testes de FC e TN foram utilizados para a caracterização antigênica e, para a molecular, foram utilizadas
duas plataformas de sequenciamento genômico: 454 FLX e Ion PGMTM. Pelo teste de FC foi possível definir que
os três isolados apresentavam reação cruzada entre os vírus Tucunduba (VTUC) e vírus Taiassui. O TN definiu os
isolados virais BeAR 544767 e BeAR 701402 como cepas do VTUC, sendo essa classificação confirmada também
pela caracterização molecular para os três isolados virais em estudo. Portanto, os isolados virais BeAR 544767,
BeAR 643361 e BeAR 701402 foram classificados como cepas do VTUC, dentro do grupo Wyeomyia, família
Bunyaviridae, gênero Orthobunyavirus.
Palavras-chave: Taxonomia; Sorologia; Filogenia; Arbovírus; Culicidae.
ABSTRACT
Arboviruses are widely distributed worldwide and, in Brazil, approximately 200 species have been isolated and
many are associated with human diseases. Most arboviruses are classified within the Bunyaviridae family, which
present three RNA segments and an important genetic reassortment characteristic, thus forming new types of viruses
globally. New molecular biology techniques for genome sequencing, associated with classic serological tests, such
as complement fixation (CF), neutralization test (NT), and hemagglutination inhibition (HI), enable enhanced viral
identification and characterization, particularly of viruses generated by genetic reassortment. Thus, the serological
and molecular characteristics of three viral samples (BeAR 544767, BeAR 643361, and BeAR 701402) obtained
from mosquitoes in Pará State by the Arbovirology and Hemorrhagic Fevers Section of the Instituto Evandro
Chagas were determined. Antigen characterization was performed using CF and NT; molecular characterization
was conducted using two genomic sequencing platforms: 454 FLX and Ion PGMTM. The results of CF indicated
that all three isolates presented cross-reactivity between the Tucunduba (TUCV) and Taiassui viruses. Viral isolates
of BeAR 544767 and BeAR 701402 were classified as TUCV strains by NT, which was confirmed by molecular
characterization of the three isolates. Thus, viral isolates of BeAR 544767, BeAR 643361, and BeAR 701402 were
classified as TUCV strains and they belong to the Wyeomyia group, Bunyaviridae family, and Orthobunyavirus genus.
Keywords: Taxonomy; Serology; Phylogeny; Arbovirus; Culicidae.
Correspondência / Correspondence
Alana Watanabe de Sousa
Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas
Rodovia BR-360 km 7, s/n. Bairro: Levilândia – CEP: 67030-000 – Ananindeua, Pará, Brasil – Tel.: +55 (91) 3214-2296
E-mail: [email protected]
http://revista.iec.pa.gov.br
Rev Pan-Amaz Saude 2016; 7 núm esp:199-208
199
Lima JA, et al. Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil
INTRODUÇÃO
Os vírus transmitidos por artrópodes hematófagos,
conhecidos como arbovírus, estão distribuídos em
todos os continentes, exceto na Antártica, onde ainda
não existem relatos de infecção por esses vírus. São
mantidos em natureza por meio de ciclos biológicos,
envolvendo hospedeiros vertebrados suscetíveis e
artrópodes hematófagos, e transmitidos por repasto
sanguíneo1.
Nas regiões tropicais, o ciclo de transmissão ocorre
ao longo de todas as estações climáticas, uma vez que
vetores e hospedeiros convivem no mesmo ambiente2,
justificando assim o elevado número de isolamentos
virais referentes a novos e possíveis arbovírus nessas
regiões, sendo registrados no Catálogo Internacional
dos Arbovírus e outros vírus de vertebrados (mais
de 530 vírus). Na Região Amazônica, até o ano
de 2010, cerca de 200 diferentes arbovírus foram
isolados3.
Dentre as cinco principais famílias, nas quais
a grande maioria dos arbovírus está distribuída
(Bunyaviridae, Flaviviridae, Togaviridae, Reoviridae e
Rhabdoviridae), destaca-se a família Bunyaviridae,
por conter o maior número de arbovírus classificados
em cinco gêneros: Tospovirus, Nairovirus, Phlebovirus,
Hantavirus e Orthobunyavirus, esse último relevante
para a saúde pública, pois apresenta arbovírus
capazes de causar doença em humanos4,5. Os
bunyavírus
apresentam
morfologia
esférica
e
envelope viral, variando entre 80 a 120 nm
de diâmetro. O material genético é constituído
por três segmentos de RNA, sendo um pequeno
(S – small), um médio (M – medium) e um grande
(L – large)6.
Uma
característica
importante
da
família
Bunyaviridae é o frequente rearranjo genético
observado entre vírus que infectam uma mesma célula;
durante o processo de montagem das partículas
virais, trocam segmentos, dando origem a novos vírus
rearranjados. O uso apenas de testes sorológicos
clássicos dificulta a identificação desses vírus, uma vez
que o teste de fixação do complemento (FC) detecta o
segmento S e os testes de inibição da hemaglutinação
(IH) e neutralização (TN) detectam o segmento M,
demonstrando, por meio de testes diferentes, que
possivelmente trata-se de um vírus rearranjado. Assim,
nesses casos, o sequenciamento nucleotídico é de suma
importância, pois a partir dele e pelas ferramentas
moleculares, esses eventos são possíveis de serem
identificados7.
O gênero Orthobunyavirus, que até o ano de
2005 era chamado de Bunyavirus8, compreende
mais de 350 vírus isolados de diferentes espécies de
vetores, como moscas e percevejos, muito embora
a maioria dos orthobunyavírus seja transmitida por
mosquitos9,10. Algumas espécies de mosquitos podem
passar a transmitir determinadas arboviroses após
alterações ambientais, como observado nos estudos
realizados a partir da construção da usina hidrelétrica
de Tucuruí, Estado do Pará, Brasil, onde o vírus
200
Rev Pan-Amaz Saude 2016; 7 núm esp:199-208
Maguari, antes transmitido por sabetíneos, passou a
ter mosquitos do gênero Anopheles como vetores11.
Ademais, o gênero Orthobunyavirus apresenta grande
diversidade de vírus e hospedeiros/vetores, o que
torna a chance de isolar um vírus rearranjado muito
maior. Assim, estudos de caracterização viral, com
base nas características antigênicas e moleculares,
são importantes, especialmente nos casos de vírus
identificados nos testes sorológicos como pertencentes
à família Bunyaviridae, gênero Orthobunyavirus. O
objetivo deste estudo foi descrever a caracterização
sorológica e molecular de três isolados virais
provenientes de mosquitos capturados no Estado
do Pará.
MATERIAIS E MÉTODOS
ISOLADOS VIRAIS
Neste estudo foram utilizados três isolados virais
obtidos e cedidos pela Seção de Arbovirologia e Febres
Hemorrágicas (SAARB) do Instituto Evandro Chagas
(IEC). A cepa BeAR 544767 foi isolada a partir de um
lote de mosquitos Wyeomyia sp. coletados na Floresta
Nacional (Flona) de Caxiuanã, situada no nordeste do
Estado do Pará (Lat. 2º15'S, Long. 52ºW / Lat. 1º30',
Long. 51º15'), abrangendo os Municípios de Portel
e Melgaço; enquanto que as cepas BeAR 643361 e
BeAR 701402 foram isoladas a partir de mosquitos
das espécies Limatus flavisetosus e Psorophora ferox,
coletados em Altamira, Estado do Pará, no ano de
2001 e 2006, respectivamente. O estudo foi aprovado
pelo Comitê de Ética no Uso de Animais do IEC,
certificados n. 15/2009, 02/2014 e 04/2014.
ESTOQUE VIRAL
Foi produzido estoque viral em camundongos
albinos suíços recém-nascidos, a partir de suspensão
liofilizada de cérebros de camundongos infectados
com as três cepas virais em estudo. O material
liofilizado foi reconstituído com 0,5 mL de água
destilada e 0,02 mL inoculado por via intracerebral nos
camundongos recém-nascidos, que, após apresentarem
sinais de doença, foram coletados e armazenados a
-80º C para o desenvolvimento do estudo, conforme
Lenette12.
CARACTERIZAÇÃO ANTIGÊNICA
A caracterização antigênica dos três isolados
virais foi realizada pelos testes de FC e de TN em
camundongos. O teste de FC foi realizado conforme
a técnica descrita por Fulton e Dumbell13 e adaptada
para microplacas por Beaty et al14. Foram utilizadas
suspensões virais a partir de cérebros de camundongos
infectados com os respectivos isolados, os quais foram
testados em duas principais etapas: inicialmente
com os diferentes pools de fluidos ascíticos imunes
(FAI) da maioria dos arbovírus isolados pela SAARB/
IEC (grupos antigênicos: A, B, C, Capim, Guamá,
Bunyamwera, Anopheles A, Plebotomus, VSV, Timbó
e Changuinola); e, em caso de reação positiva para
um dos grupos antigênicos citados, realizaram-se
Lima JA, et al. Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil
outros testes com cada um dos integrantes virais
do grupo. O teste de FC é interpretado a partir da
percentagem de hemólise observada em uma escala
de 0 a 4; no qual 0 é hemólise total das hemácias
(100%); 1, hemólise de 75%; 2, hemólise de 50%;
3, hemólise de 25%; e 4, ausência de hemólise, 0%.
Foi considerada positiva toda reação sem hemólise
ou com até 25%. Os títulos do teste de FC foram
classificados pelos valores da maior diluição positiva
do anticorpo sobre a maior diluição positiva do
antígeno.
O TN foi realizado por meio de diluições seriadas
de 10 vezes do vírus e diluição constante do soro15.
Os soros utilizados para essa metodologia foram
selecionados a partir dos resultados do teste de FC.
A interpretação dos resultados foi feita a partir do
cálculo de DL50/0,02 mL, de acordo com Reed e
Muench16, sendo considerados positivos os soros que
apresentaram um índice logarítmico de neutralização
(ILN) maior ou igual a 1,8. Esse teste é bastante
utilizado com o intuito de elucidar possíveis reações
cruzadas observadas entre vírus de um mesmo grupo
antigênico, uma vez que apresenta maior especificidade
do que o teste de FC, além de dar um indicativo de
vírus rearranjados.
CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR
Sequências genômicas
Para a obtenção do RNA viral dos três materiais
analisados neste estudo, foram utilizadas culturas de
células VERO infectadas apresentando 90% de efeito
citopático. Todas as etapas para infecção dos cultivos
celulares seguiram a técnica descrita por Lennette12.
Duas plataformas de sequenciamento de nova
geração – 454 FLX (Roche®, Branford, Connecticut,
EUA) e Ion PGMTM (Ion Torrent, Life Technologies,
Califórnia, EUA) – foram utilizadas para a obtenção
das sequências genômicas, as quais foram precedidas
de uma etapa adicional que consistiu na concentração
das partículas virais a partir de 10 mL de sobrenadante
de células VERO infectadas com os respectivos isolados
virais.
Os materiais foram centrifugados a 2.000 rotações
por minuto (rpm) por 10 min e o sobrenadante
foi transferido para um novo tubo e submetido a
uma nova etapa de centrifugação a 4.000 rpm
por 5 min. O novo sobrenadante foi filtrado em
filtro estéril de 0,2 µm e transferido para um novo
tubo. Em seguida, adicionou-se 1,48 mL de NaCl
5M estéril e 10,8 mL de polietilenoglicol (PEG)
8.000 (Sigma-Aldrich®, Missouri, EUA) em 6 mL do
sobrenadante filtrado. A suspensão foi então incubada
a 4º C por 30 min e, posteriormente, centrifugada
a 6.000 rpm por 1 h a 4º C. O sobrenadante foi
descartado e o pellet resultante da centrifugação
com PEG foi ressuspendido em 250 µL de tampão
fosfato salino (phosphate buffered saline – PBS);
posteriormente, foi adicionado 12,5 µL de RNAse
para degradar o RNA de interferência uma vez
que a partícula viral ainda se encontrava íntegra.
A suspensão foi incubada por 30 min a 37º C.
Finalmente, foram adicionados mais 238 µL de
PBS, a fim de adequar a amostra para extração
do RNA.
A extração do RNA viral ocorreu utilizando
PureLinkTM Viral RNA Mini Kit (Invitrogen, Califórnia,
EUA) para a plataforma 454 FLX e TRIzol LS
Reagente (Invitrogen), e o kit QIAamp RNA Viral
para plataforma Ion PGM, ambos seguindo-se
orientação dos fabricantes. A quantificação da
concentração do RNA viral dos três materiais foi
realizada pelo equipamento QubitTM, de acordo com
instruções do fabricante. A faixa de concentração
mínima ideal de RNA para o sequenciamento foi de
20 ng/µL.
O genoma viral foi obtido a partir do método
de pirosequenciamento (454 FLX) e sequenciamento
semicondutor de íon, Ion PGMTM. Embora sejam
metodologias diferentes, o processo de sequenciamento
nucleotídico é semelhante entre ambas e ocorreu em
três etapas: preparo da biblioteca genômica e seleção
dos tamanhos dos fragmentos; PCR em emulsão
e enriquecimento; e reação de sequenciamento
nucleotídico. Todas as etapas foram realizadas
de acordo com as instruções dos respectivos
fabricantes.
Análise bioinformática
As leituras geradas pelas plataformas 454 e
PGM foram montadas utilizando a metodologia
De Novo por meio dos programas Newbler v3 e
Mira v4, respectivamente. As sequências montadas
foram comparadas com outras sequências de vírus
depositadas no GenBank (http://www.ncbi.nlm.nih.
gov/), com o intuito de avaliar a homologia entre as
mesmas. Posteriormente, as análises de curadoria
foram realizadas utilizando o programa Geneious v6
(Biomatters, Nova Zelândia).
As sequências dos isolados virais foram comparadas
com sequências nucleotídicas de vírus disponíveis no
GenBank. Para construção das árvores filogenéticas,
as sequências foram alinhadas no programa BioEdit.
As árvores foram construídas empregando-se o método
de máxima verossimilhança (MV)17 em conjunto
com o teste de bootstrap, fixando 1.000 réplicas
para gerar maior confiabilidade aos valores dos
grupamentos18.
RESULTADOS
CARACTERIZAÇÃO ANTIGÊNICA
Os três isolados virais em estudo (BeAR 544767,
BeAR 643361 e BeAR 701402), inicialmente, reagiram
positivamente no teste de FC para o pool de FAI do
sorogrupo Bunyamwera (vírus Tucunduba – VTUC,
vírus Taiassui – VTAI, vírus Iaco, vírus Sororoca, vírus
Maguari, vírus Kairi, vírus Xingu e vírus Guaroa) e,
após testar os vírus em estudo para todos os integrantes
desse grupo antigênico, os três isolados virais
apresentaram reação cruzada para VTUC e VTAI, com
títulos descritos na tabela 1.
Rev Pan-Amaz Saude 2016; 7 núm esp:199-208
201
Lima JA, et al. Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil
Tabela 1 – Resultados dos testes de fixação do
complemento dos isolados virais BeAR
544767, BeAR 643361 e BeAR 701402 com
VTAI e VTUC
Antígeno
Anticorpo
VTAI (AR 671)
VTUC (AR 278)
BeAR 544767
256/256
128/256
BeAR 643361
64/64
32/128
BeAR 701402
256/64
256/128
No TN, os isolados virais BeAR 544767 e BeAR
701402 foram neutralizados apenas pelo soro do
VTUC (AR 278) com índice logarítmico de neutralização
maior ou igual a 1,8 (Tabela 2). Para o vírus BeAR
643361, não foi realizado o TN.
Tabela 2 – Resultado do TN dos isolados BeAR 544767,
BeAR 643361 e BeAR 701402 com VTAI e
VTUC
Antígeno
Anticorpo em DL50/0,02 mL
VTAI (AR 671)
VTUC (AR 278)
BeAR 544767
1,0
> 1,8
BeAR 643361
NR
NR
BeAR 701402
1,0
> 1,8
NR: Não realizado.
CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR
A região codificante completa de cada um
dos isolados virais em estudo é constituída de três
segmentos de RNA fita simples: um segmento pequeno
(S-RNA), um segmento médio (M-RNA) e um segmento
grande (L-RNA) com tamanho semelhante entre
eles (Tabela 3), flanqueada pelas regiões 5' e 3'. O
segmento S-RNA codifica uma única proteína, referente
ao nucleocapsídeo, a proteína N; o segmento M-RNA
codifica duas proteínas estruturais, as glicoproteínas
Gn e Gc, e uma proteína não estrutural, a proteína
NSm; e o segmento L-RNA apresenta uma única cadeia
aberta de leitura (CAL), a qual codifica a proteína L que
corresponde a RNA-polimerase RNA-dependente.
Filogenia
As análises filogenéticas dos isolados virais foram
realizadas utilizando as sequências aminoacídicas da
CAL dos três segmentos pelo método MV. Na árvore
filogenética gerada para o segmento S, foi possível
observar que os membros do gênero Orthobunyavirus
ficaram agrupados em clados representando os diversos
grupos existentes, sustentados por valores de bootstrap
entre 85% a 100%.
O complexo Wyeomyia formou um clado bastante
consistente, dividido em dois subclados, em que os
vírus Iaco, Anhembi, Cachoeira Porteira e Sororoca
formaram um desses ramos; enquanto os isolados
virais em estudo e os vírus VTUC, VTAI e Wyeomyia
(VWYO) formaram o outro subclado, sustentado por
valor máximo de bootstrap de 100% para esse ramo
(Figura 1). A análise filogenética para o segmento M
(poliproteína) evidenciou um padrão de organização
semelhante ao observado para o segmento S
(Figura 2).
O complexo Wyeomyia foi dividido em dois
subclados, porém o segmento M parece ser o mais
divergente dentre os três segmentos. Nesta análise
os três isolados formaram um ramo monofilético
juntamente com o VTUC e com o VWYO,
apresentando valores de bootstrap igual a 100%.
O mesmo padrão de agrupamento visto para os
dois segmentos anteriores também é visualizado
na filogenia do segmento L, mas, nesse segmento,
os isolados virais são mais relacionados ao VTAI,
sustentado por um
valor de bootstrap de 100%
(Figura 3).
DISCUSSÃO
A caracterização antigênica definida pelos testes
de FC e TN é uma das ferramentas utilizadas na
caracterização viral de uma cepa. Os cruzamentos
sorológicos compartilhados pelas três cepas estudadas
com o VTUC e com o VTAI confirmam, por sorologia,
o princípio de que vírus relacionados entre si
apresentam cruzamento sorológico, principalmente
quando se trata de vírus trisegmentados. Além
disso, mesmo os isolados virais estudados sendo
cepas do VTUC, é possível observar reação
positiva de título igual ou muito semelhante com
o VTAI.
Tabela 3 – Tamanho dos segmentos de RNA dos isolados BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402
Tamanho
Vírus
S-RNA
(nt)
M-RNA
(nt)
L-RNA
(nt)
CAL
S-RNA
CAL
M-RNA
CAL
(L-RNA)
BeAR 544767
912
4520
6907
702
4260
6711
BeAR 643361
935
4540
6840
702
4260
6711
BeAR 701402
982
4504
6740
702
4258
6711
CAL: Cadeia aberta de leitura; nt: Nucleotídeo; S-RNA: Segmento pequeno; M-RNA: Segmento médio; L-RNA: Segmento grande.
202
Rev Pan-Amaz Saude 2016; 7 núm esp:199-208
Lima JA, et al. Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil
56
100
68
100
100
67
97
18
79
100
33
95
31
23
97
23
22
99
95
57
50
70
100
70
51
98
56
98
71
71
100
100
85
53
49
99
35
99
99
71
63
100
88
98
100
100
33
96
51
100
99
33
74
80
89
31
71
100
17
44
17
43
97
96
31
63
35
46
40
71
83
89
89
82
100
85
57
100
84
99
66
100
50
100
73
43
100
39
100
37
24
78
37
97
86
34
26
92
11
18
58
33
Salt_ash/KF234258/Australia/1992
Tapirape/KM225262/Brazil/2010
Pacui/KM225256/Brazil/1961
Rio_preto_da_eva/KM225259/Brazil/1995
Cat_Que/NC_024075/Vietnam/2004
Oya/JX983192/China/2008
Ingwavuma/KF697141/South_Africa/1959
Mermet/KF697152/USA/1964
Manzanilla/KF697148/Trinidad_and_Tobago/1954
Buttonwillow/KF697162/USA/1964
Faceys_Paddock/KF697136/Australia/1974
Utinga/KF697156/Brazil/1965
Utive/KF697158/Panama/1975
Jatobal/JQ675601/Brazil/1984
Oropouche/NC_005777
Iquitos/KF697144/Peru/1999
Madre_de_Dios/KJ866389/Venezuela/2010
Perdoes/KP691626/Brazil/2012
Simbu/NC_018477
Kaikalur/AF362394
Aino/NC_018460
Shuni/HE800143
Sango/HE795101
Peaton/HE795101
Douglas/HE795092
Sathuperi/NC_018462
Shamonda/NC_018464
Schmallenberg/KP731868/Germany/2014
Sabo/HE795098
Yaba/AF362392
Akabane/NC_009896
Tinaroo/AB000819
Calchaqui/KM272185/Argentina/1982
Gamboa/KM272179/Panama/1977
Gamboa/KM272182/Panama/1962
Gamboa/KM272176/Panama/1986
Alajuela/KM272188/Panama/1963
Tataguine/KP792676/Nigeria/1971
Anopheles_A/FJ660415/Colombia
Lukuni/KP792670/Trinidad_and_Tobago/1955
Tacaiuma/FJ660416/Brazil
Boraceia/FJ660418/Brazil
Anopheles_B/FJ660417/Colombia
Oyo/HM639778/Nigeria/1964
Bahig/KP057224/Egypt/1966
Batama/FJ660420/Central_African_Republic
Tete/FJ660419/South_Africa
Tete/KM972721/South_Africa/1959
Broconha/KM280937/Brazil/1977
Itaya/KM092514/Peru/1999
Caraparu/KF254778/Brazil/1956
Madrid/KF254781/Panama/1956
Nepuyo/KM280936/Trinidad_and_Tobago/1957
Zungarococha/KF254783/Peru/2008
Marituba/KF254772/Brazil/1954
Restan/KM280935/Trinidad_and_Tobago/1963
Oriboca/KF254775/Brazil/1954
Murutucu/KM280934/Brazil/1955
La_Crosse/NC_004110
Snowshoe/J02390
Chatanga/KF719221/Finland/2008
San_Angelo/U47139
Lumbo/X73468
Tahyna/HM036217/Czechoslovakia/1984
Morro_Bay/U31989
California/U12800
Keystone/U12801
Trivittatus/KM215565/USA/05Aug2003
Serra_do_Navio/U47140
South_River/GU018050/Mexico/2008
Inkoo/Z68496
Jerry_Slough/U12798
Jamestown Canvon/HM007350/USA/1961
Iaco/JN572067/Brazil/1976
Anhembi/JN572064/Brazil/1965
Sororoca/JN572073/Brazil/1961
Cachoeira_Porteira/JN968592/Brazil/1988
Macaua/JN572070/Brazil/1976
Wyeomyia/JN801036/Panama/1964
Taiassui/JN572076/Brazil/1988
Tucunduba/JN572079/Brazil/1955
Tucunduba/KX579501/Brazil/2006
Tucunduba/KX579498/Brazil/2001
Tucunduba/KX579495/Brazil/1996
Abbey_lake/KJ710424/China/2013
Germiston/M19420
Xingu/EU564830/Brazil
Birao/AM711131/Central_African_Republic/1969
Nola/AM711134/Central_African_Republic
Mboke/AY593727/Cameroon
IIesha/KC608151/Senegal/1972
Bozo/AM711132/Central_African_Republic/1979
Shokwe/EU564831/South_Africa/1962
Bunyamwera/NC_001927
Ngari/KM507341/Kenya/2009
Batai/JX846598/India/1957
Calovo/KJ542624/Czech_Republic/1963
Fort_Sherman/EU564829/Panama/1985
Cholul/EU879062/Mexico/2007
Cache_Valley/KC436108/USA/2011
Potosi/AY729652
Northway/X73470
Main_Drain/X73469
Tensaw/FJ943505/USA/1963
2.0
Em vermelho, subclado com as cepas de VTUC; e, em azul, sorogrupo Wyeomyia.
Figura 1 – Árvore filogenética com base na sequência aminoacídica do S-RNA dos isolados virais BeAR 544767, BeAR 643361 e
BeAR 701402 pelo método MV
Rev Pan-Amaz Saude 2016; 7 núm esp:199-208
203
Lima JA, et al. Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil
100
39
100
69
100
100
100
99
98
100
96
37
100
100
100
100
95
100
100
100
100
50
100
100
91
100
100
70
39
100
100
100
100
64
96
88
100
100
48
100
92
100
100
98
62
98
41
100
99
100
63
100
78
100
86
100
100
100
98
100
100
100
100
52
81
86
100
100
82
94
100
59
100
100
97
100
80
100
100
78
97
53
100
100
96
100
100
100
100
100
100
93
81
Salt_ash/KF23425//Australia/1992
Murrumbidgee/NC_022596/Australia/1997
Tapirape/KM225261/Brazil/2010
Rio_Preto_da_Eva/KM225258/Brazil/1995
Pacui/KM225255/Brazil/1961
Brazoran/NC_022038/USA/2012
Oriboca/KF254774/Brazil/1954
Zungarococha/KF254782/Peru/2008
Marituba/KF254771/Brazil/1954
Caraparu/KF254777/Brazil/1956
Broconha/KM280924/Brazil/1977
Itaya/KM092513/Peru/1999
Madrid/KF254780/Panama/1956
Tete/KM972720/South_Africa/1959
Oyo/HM639779/Nigeria/1964
Simbu/NC_018478
Aino/NC_018459
Shuni/HE800142
Schmallenberg/KP731874/Germany/2014
Sathuperi/NC_018466
Douglas/HE795091
Shamonda/NC_018467
Akabane/NC_009895
Sabo/HE795097
Tinaroo/AB208700/Australia
Peaton/HE795094
Sango/HE795100
Sango/AB542980/Nigeria/1965
Leanyer/HM627176/Australia/1974
Faceys_Paddock/KF697137/Australia/1974
Buttonwillow/KF697161/USA/1964
Ingwavuma/KF697140/South_Africa/1959
Cat_Que/NC_024074/Vietnam/2004
Oya/JX983193/China/2008
Mermet/KF697151/USA/1964
Manzanilla/KF697149/Trinidad_and_Tobago/1954
Oropouche/NC_005775
Madre_de_Dios/KJ866390/Venezuela/2010
Iquitos/KF697143/Peru/1999
Utive/KF697159/Panama/1975
Utinga/KF697155/Brazil/1965
Jatobal/JQ675602/Brazil/1984
Perdoes/KP691625/Brazil/2012
Lukuni/KP792671/Trinidad_and_Tobago/1955
Tataguine/KP792677/Nigeria/1971
Kaeng_Khoi/KJ867204/Thailand/1969
Mojui_dos_Campos/KJ867201/Brazil/1976
Nyando/KJ867195/Ethiopia/1963
Gamboa/KM272181/Brazil/1962
Alajuela/KM272187/Panama/1963
Calchaqui/KM272184/Argentina/1982
Gamboa/KM272178/Brazil/1977
Gamboa/KM272175/Panama/1986
Pongola/KJ867180/Kenya/2006
Bwamba/KJ867183/Uganda/1937
Trivittatus/AF123491
Keystone/AF123489
Serra_do_Navio/AF123490
South_River/JN815081/Mexico/2008
Inkoo/U88059
Jerry_Slough/AF123487
Jamestown_Canyon/HM007351/USA/1961
Tahyna/HM036218/Czechoslovakia/1984
Lumbo/AF123484
San_Angelo/AF123486
California/AF123483
Chatanga/KF719222/Finland/2008
La_Crosse/NC_004109
Snowshoe/K02539
Guaroa/KM245553/Peru/2011
Anhembi/JN572063/Brazil/1965
Iaco/JN572066/Brazil/1976
Sororoca/JN572072/Brazil/1961
Cachoeira_Porteira/JN968591/Brazil
Taiassui/JN572075/Brazil/1988
Macaua/JN572069/Brazil/1976
Wyeomyia/JN801037/Panama/1964
Tucunduba/JN572078/Brazil/1955
Tucunduba/KX579494/Brazil/1996
Tucunduba/KX579500/Brazil/2006
Tucunduba/KX579497/Brazil/2001
Kairi/GQ118699/Mexico/2007
Main_Drain/EU004187
Cholul/JN808310/Mexico/2007
Potosi/EU004189
Bunyamwera/NC_001926
Germiston/M21951
Abbey/KJ710423/China/2013
IIesha/KC608150/Senegal/1972
Calovo/KJ542625/Czech_Republic/1963
Batai/JX846599/India/1957
Ngari/KM514677/Kenya/2009
Tensaw/FJ943508/USA/1963
Northway/EU004188
Cache_Valley/KC436107/USA/2011
2.0
Em vermelho, subclado com as cepas de VTUC; e, em azul, sorogrupo Wyeomyia.
Figura 2 – Árvore filogenética com base na sequência aminoacídica do M-RNA dos isolados virais BeAR 544767, BeAR 643361 e
BeAR 701402 pelo método de MV
204
Rev Pan-Amaz Saude 2016; 7 núm esp:199-208
Lima JA, et al. Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil
100
Tapirape/KM225260/Brazil/2010
86
Rio_Preto_da_Eva/KM225257/Brazil/1995
Pacui/KM225254/Brazil/1961
Oyo/HM639780/Nigeria/1964
Brazoran/NC022039/USA/2012
71
Broconha/KM280929/Brazil/1977
100
100
100
Madrid/KF254779/Panama/1956
100
100
100
86
Caraparu/KF254776/Brazil/1956
Itaya/KM092512/Peru/1999
Gumbo_Limbo/KM280930/USA/1963
Nepuyo/KM280933/Trinidad_and_Tobago/1957
Marituba/KF254770/Brazil/1954
100
Zungarococha/JN157805/Peru/2008
78
100
54
Restan/KM280932/Trinidad_and_Tobago/1963
100
Murutucu/KM280931/Brazil/1955
Oriboca/KF254773/Brazil/1954
Simbu/NC_018476
73
100
100
100
100
100
84
95
100
100
99
Aino/NC_018465
Shuni/HE800141
Sango/HE795099
Peaton/HE795093
Akabane/NC_009894
Sabo/HE795096
Sathuperi/NC_018461
Douglas/HE795090
Schmallenberg/KP731877/Germany/2014
Shamonda/NC_018463
Leanyer/HM627178/Australia/1974
Faceys_Paddock/KF697138/Australia/1974
Buttonwillow/KF697160/USA/1964
100
81
100
100
100
100
44
100
Oya/JX983194/China/2008
Ingwavuma/KF697139/South
77
100
98
Manzanilla/KF697150/Trinidad_and_Tobago/1954
Mermet/KF697153/USA/1964
Utive/KF697157/Panama/1975
Utinga/KF697154/Brazil/1965
Jatobal/JQ675603/Brazil/1984
100
Madre_de_Dios/KJ866391/Venezuela/2010
100
100
Oropouche/NC_005776
55
100
100
100
62
100
Cat_Que/NC_024076/Viet
Iquitos/KF697142/Peru/1999
Perdoes/KP691624/Brazil/2012
Salt_ash/KF234256/Australia/1992
Murrumbidgee/NC_022595/Australia/1997
Lukuni/KP792672/Trinidad_and_Tobago/1955
Tataguine/KP792678/Nigeria/1971
Mojui_dos_Campos/KJ867202/Brazil/1976
91
Nyando/KJ867196/Ethiopia/1963
Kaeng_Khoi/KJ867205/Thailand/1969
Alajuela/KM272186/Panama/1963
85
100
60
Gamboa/KM272177/Panama/1977
92
95
100
100
80
100
100
Gamboa/KM272174/Panama/1986
Gamboa/KM272180/Panama/1962
Bwamba/KJ867184/Uganda/1937
Pongola/KJ867181/Kenya/2006
Jamestown_Canyon/HM007352/USA/1961
Inkoo/EU789573/Finland/1964
Tahyna/HM036219/Czechoslovakia/1984
100
100
La_Crosse/NC_004108
89
Chatanga/KF719223/Finland/2008
Snowshoe/EU203678/USA/1959
Guaroa/KM245554/Peru/2011
Abbey_lake/KJ710425/China/013
100
100
100
IIesha/KC608149/Senegal/1972
100
82
100
97
100
100
100
100
57
100
Bunyamwera/NC_001925
Ngari/KM507336/Kenya/2009
Cache_Valley/KC436106/USA/2011
Tensaw/FJ943510/USA/1963
Calovo/KJ542626/Czech
Batai/JX846600/India/1957
Cachoeira_Porteira/JN968590/Brazil
Sororoca/JN572071/Brazil/1961
Iaco/JN572065/Brazil/1976
Anhembi/JN572062/Brazil/1965
Macaua/JN572068/Brazil/1976
Wyeomyia/JN801038/Panama/1964
100
100
97
100
91
Taiassui/JN572074/Brazil/1988
Tucunduba/JN572077/Brazil/1955
Tucunduba/KX579493/Brazil/1996
91
Tucunduba/KX579499/Brazil/2006
Tucunduba/KX579496/Brazil/2001
2.0
Em vermelho, subclado com as cepas de VTUC; e, em azul, sorogrupo Wyeomyia.
Figura 3 – Árvore filogenética com base na sequência aminoacídica do L-RNA dos isolados virais BeAR 544767, BeAR 643361 e
BeAR 701402 pelo método de MV
Esse fato está relacionado à proteína determinante
no teste de FC, uma vez que o teste é determinado
pelo segmento S (nucleocapsídeo) que, dentre os
três segmentos dos orthobunyavírus, é o que mais
compartilha características genéticas entre os vírus
do grupo7,19. Reações sorológicas cruzadas também
foram constatadas por Shope e Causey20, onde
um relacionamento antigênico foi observado entre
Rev Pan-Amaz Saude 2016; 7 núm esp:199-208
205
Lima JA, et al. Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil
seis vírus pertencentes ao grupo C (Bunyaviridae,
Orthobunyavirus), demonstrando que esses vírus estão
relacionados entre si; e, quando analisados pelos
testes FC, TN e IH, verifica-se que um mesmo vírus
é identificado por um, dois ou até pelos três testes
sorológicos citados. Posteriormente, aquele estudo foi
complementado por Nunes et al21, os quais observaram
que 13 vírus do grupo C apresentavam rearranjos
naturais entre eles, corroborando e complementando
o estudo de Shope e Causey20. Além disso, os vírus
com estreito relacionamento ao infectar uma mesma
célula suscetível podem ter seus segmentos genômicos
variavelmente incorporados dentro das progênies
virais7, ou seja, o segmento de um vírus passa a
constituir o genoma do outro vírus, podendo com isso
formar um novo vírus rearranjado.
Para complementar os resultados do teste de FC,
foi realizado o TN, que detecta as glicoproteínas
(Gn e Gc) localizadas no segmento M, as quais
apresentam maior especificidade genética para
cada vírus, uma vez que a região conservada da
glicoproteína Gn possui determinantes antigênicos
de tipo específico para anticorpos neutralizantes e
hemaglutinantes22. Por outro lado, acredita-se que a
glicoproteína Gc seja a principal determinante para a
realização da etapa de adsorção durante o ciclo de
replicação dos vírus nas células de mamíferos23. Dessa
forma, o TN apresenta maior especificidade para a
pesquisa de anticorpos neutralizantes, sendo assim o
padrão ouro das provas sorológicas24.
Devido à organização genômica, essas cepas
claramente referem-se a vírus pertencentes à
família Bunyaviridae, obedecendo às características
moleculares descritas por Elliott e Blakqori25 para incluir
um vírus na referida família. A única exceção foi a
ausência da proteína não estrutural NSs codificada
pelo segmento S, presente em outros orthobunyavírus.
Os tamanhos dos segmentos também corroboram
os descritos por King et al4 e Chowdhary et al26,
que observaram tamanhos semelhantes para outros
orthobunyavírus.
A ausência da proteína NSs, descrita por Mohamed
et al27, demonstra que alguns vírus do gênero
Orthobunyavirus, como os vírus do sorogrupo Tete,
Anopheles A e Anopheles B, não codificam essa
proteína. Chowdhary et al26 também evidenciaram a
ausência da NSs nos vírus do complexo Wyeomyia, no
qual o VTUC está incluído.
A partir das análises filogenéticas é possível observar
a formação do sorogrupo Wyeomyia, composto por
VTAI, VTUC, VWYO, vírus Macauã, vírus Sororoca,
vírus Anhembi, vírus Cachoeira Porteira e vírus
Iaco, tal como descrito por Chowdhary et al26. O
sequenciamento das três cepas do VTUC no presente
estudo representa, ainda, mais um fortalecimento
a esse clado, pois agrega representatividade à
árvore filogenética. Ademais, a forma como os três
segmentos desse vírus se agrupa também corrobora
o que Chowdhary et al26 propuseram: o VTUC como
um rearranjo de VTAI e VWYO (Darien), justificando o
206
Rev Pan-Amaz Saude 2016; 7 núm esp:199-208
estreito relacionamento do VTUC ora no segmento S e
L com o VTAI ora no segmento M com o VWYO.
Tendo como base as informações expostas,
caracterizaram-se, sorológica e molecularmente, os
isolados virais BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR
701402 como cepas do VTUC, vírus descrito pela
primeira vez a partir de sucessivos isolamentos de
mosquitos na Colômbia, Panamá, Trinidad e Guiana
Francesa, além de um isolamento a partir de uma
pessoa febril no Panamá1. No Pará, o VTUC foi
isolado a partir de um lote de mosquitos capturados
na floresta de Oriboca, região próxima à Belém,
em 19553. Os hospedeiros vertebrados desse vírus
ainda são desconhecidos, sendo relatado apenas um
único caso humano descrito em Belém, onde a criança
apresentou um quadro clínico típico de uma arbovirose
com complicações neurológicas, diagnosticado como
encefalite28.
CONCLUSÃO
No presente estudo, foram descritas três cepas do
VTUC, ressaltando a diversidade dos vetores fontes
desses isolados virais, uma vez que consistem em três
espécies diferentes de mosquitos, demonstrando que
esse vírus está adaptado ao meio em que circula.
Outro achado importante desta pesquisa foram os
anos de captura de cada lote de mosquito, visto que
a cepa BeAR 544767 foi isolada em Caxiuanã, em
1996, e as cepas BeAR 643361 e BeAR 701402 foram
isoladas a partir de lotes de mosquitos capturados em
Altamira, nos anos de 2001 e 2006, respectivamente,
demonstrando que, mesmo silenciosamente, o VTUC
permanece circulando e que merece atenção, uma vez
que se trata de um rearranjo viral com potencial para
causar doenças em humanos.
AGRADECIMENTOS
À equipe profissional da SAARB/IEC (Eliana Vieira
Pinto da Silva, Lívia Carício Martins, Raimunda do
Socorro da Silva Azevedo, Joaquim Pinto Nunes
Neto, Luis Fábio dos Santos Gomes, Wallace Oliveira
Rosário, Franko de Arruda e Silva, Liliane Leal das
Chagas, Basílio Silva Buna, Milene Silveira Ferreira,
Pedro Cardoso Monteiro e José Ovídio Sousa da
Silva), pela ajuda em todas as etapas desta pesquisa,
desde a captura dos mosquitos até as inoculações em
camundongos e cultivos celulares; à equipe do Centro de
Inovações Tecnológicas (Márcio Roberto Teixeira Nunes,
João Lídio da Silva Gonçalves Vianez Júnior e Clayton
Pereira Silva de Lima), pelo auxílio e colaboração no
processamento e análises moleculares das cepas
estudadas; e a todos que, direta ou indiretamente,
contribuíram para a execução deste trabalho.
APOIO FINANCEIRO
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico, Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior, Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia para Febres Hemorrágicas Virais e
IEC/SVS/MS.
Lima JA, et al. Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil
REFERÊNCIAS
1Karabatsos
N.
International
catalogue
of
arboviruses: including certain other viruses of
vertebrates. 3rd ed. San Antonio: American Society
of Tropical Medicine and Hygiene; 1985. p. 1041.
2 Travassos da Rosa APA, Travassos da Rosa JFS,
Pinheiro FP, Vasconcelos PFC. Arboviroses. In:
Leão RNQ, organizador. Doenças infecciosas
e parasitárias: enfoque amazônico. Belém:
CEJUP, UEPA, Instituto Evandro Chagas; 1997.
p. 207-25.
3 Vasconcelos PFC, Azevedo RSS, Rodrigues SG,
Martins LC, Chiang JO, Travassos da Rosa APA.
Arboviroses. In: Leão RNQ, Bichara CNC, Fraiha
Neto H, Vasconcelos PFC, editores. Medicina
tropical e infectologia na Amazônia. Vol. 1. Belém:
Samauma; 2013. p. 481-503.
4 King AMQ, Adams MJ, Carstens EB, Lefkowitz
EJ, editors. Virus taxonomy: classification and
nomenclature of viruses. Ninth report of the
International Committee on Taxonomy of Viruses.
9th ed. San Diego: Elsevier; 2012. 1327 p.
5 Vasconcelos PFC, Travassos da Rosa APA, Dégallier
N, Travassos da Rosa JFS, Pinheiro FP. Clinical and
ecoepidemiological situation of human arboviruses
in Brazilian Amazonia. Cienc Cult. 1992
mai-jun;44(2/3):117-24.
6 Elliott RM. Nucleotide sequence analysis of the
large (L) genomic RNA segment of Bunyamwera
virus, the prototype of the family Bunyaviridae.
Virology. 1989 Dec;173(2):426-36.
7 Briese T, Calisher CH, Higgs S. Viruses of the family
Bunyaviridae: are all available isolates reassortants?
Virology. 2013 Nov;446(1-2):207-16.
8 Nichol ST, Beaty BJ, Elliott RM, Goldbach
R, Phyusnin A, Schmaljonh CS, et al. Family
Bunyaviridae. In: Fauquet CM, Mayo MA,
Desselberger J, Ball LA, editors. Virus Taxonomy.
Eighth report of the International Committee on
Taxonomy of Viruses. 8th ed. San Diego: Elsevier;
2005. p. 695-716.
9 Calisher CH. History, classification and taxonomy
of viruses in the family Bunyaviridae. In: Elliott RM,
editor. The Bunyaviridae. New York: Plenum Press;
1996. p. 1-17.
10Elliott RM. Orthobunyaviruses: recent genetic
and structural insights. Nat Rev Microbiol. 2014
Oct;12(10):673-85.
11Dégallier N, Travassos da Rosa APA, Vasconcelos
PFC. O impacto das atividades humanas na
transmissão dos arbovírus silvestres na Amazônia
brasileira. Contacto. 1994 ago;6 no esp:31-4.
12Lennette DA. General principles of laboratory
diagnostic methods for viral, rickettsial and
chlamydial infections. In: Lennette EH, Lennette
DA, Lennette ET, editors. Diagnostic procedures for
viral, rickettsial and chlamydial infections. 7th ed.
Washington: American Public Health Association;
1995. p. 3-25.
13 Fulton F, Dumbell KR. The serological comparison
of strains of influenza virus. J Gen Microbiol. 1949
Jan;3(1):97-111.
14Beaty BJ, Calisher CH, Shope RE. Arboviruses.
In: Schmidt NJ, Emmons RW, editors. Diagnostic
procedures for viral, rickettsial and chlamydial
infections. 6th ed. Washington: American Public
Health Association; 1989. p. 797-855.
15Casals J. Immunological techniques for animal
viruses. In: Maramorosh K, Koprowski H, editors.
Methods in virology. Vol. 3. New York: Academic
Press; 1967. p. 175-81.
16 Reed LS, Muench H. A simple method of estimating
fifty percent endpoints. Am J Hyg. 1938 May;27(3):
493-7.
17 Goldman N, Anderson JP, Rodrigo AG. Likelihoodbased tests of topologies in phylogenetics. Syst Biol.
2000 Dec;49(4):652-70.
18Felsenstein J. Confidence limits on phylogenies:
an approach using the bootstrap. Evolution. 1985
Jul;39(4):783-91.
19 Elliott RM, Schmaljohn CS. Bunyaviridae. In: Knipe
DM, Howley PM, editors. Fields virology. Vol. 1. 6th
ed. Philadelphia: Lippincott Williams and Wilkins;
2013. p. 1244-82.
20Shope RE, Causey OR. Further studies on the
serological relationships of group C arthropod-borne
viruses and the application of these relationships to
rapid identification of types. Am J Trop Med Hyg.
1962 Mar;11(2):283-90.
21Nunes MRT, Travassos da Rosa APA, Weaver
SC, Tesh RB, Vasconcelos PFC. Molecular
epidemiology of group C viruses (Bunyaviridae,
Orthobunyavirus) isolated in the Americas. J Vir.
2005 Aug;79(16):10561-70.
22Cheng LL, Schultz KT, Yuill TM, Israel BA.
Identification and localization of conserved antigenic
epitopes on the G2 proteins of California serogroup
Bunyaviruses. Viral Immunol. 2000 Jun;13(2):
201-13.
23Pekosz A, Griot C, Nathanson N, GonzalezScarano F. Tropism of bunyaviruses: evidence for a
G1 glycoprotein-mediated entry pathway common
to the California serogroup. Virology. 1995
Dec;214(2):339-48.
Rev Pan-Amaz Saude 2016; 7 núm esp:199-208
207
Lima JA, et al. Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil
24
Romano-Lieber
NS,
Iversson
LB.
Inquérito
soroepidemiológico para pesquisa de infecções
para arbovírus em moradores de reserva ecológica.
Rev Saude Publica. 2000 jun;34(3):236-42.
25Elliott RM, Blakqori G. Molecular biology of
orthobunyaviruses. In: Plyusnin A, Elliott RM, editors.
Bunyaviridae: molecular and cellular biology.
Norfolk (UK): Caister Academic Press; 2011.
p. 1-39.
26Chowdhary R, Street C, Travassos da Rosa
A, Nunes MRT, Tee KK, Hutchison SK, et al.
Genetic characterization of the Wyeomyia group
of orthobunyaviruses and their phylogenetic
relationships. J Gen Virol. 2012 May;93(Pt 5):
1023-34.
208
Rev Pan-Amaz Saude 2016; 7 núm esp:199-208
27 Mohamed M, McLees A, Elliott RM. Viruses in the
Anopheles A, Anopheles B, and Tete serogroups in
the Orthobunyavirus genus (family Bunyaviridae)
do not encode an NSs protein. J Virol. 2009
Aug;83(15):7612-8.
28Pinheiro FP, Travassos da Rosa APA, Freitas
RB, Travassos da Rosa JFS, Vasconcelos PFC.
Arboviroses:
aspectos
clínico-epidemiológicos.
In: Fundação Serviços de Saúde Pública. Instituto
Evandro Chagas: 50 anos de contribuição às
ciências biológicas e à medicina tropical. Vol. 1.
Belém: FSESP; 1986. p. 375-408.
Recebido em / Received: 5/7/2016
Aceito em / Accepted: 8/8/2016
Download