ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE doi: 10.5123/S2176-62232016000500022 Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil Antigenic and molecular characterization of viruses isolated from mosquitoes captured in Pará State, Brazil Juliana Abreu Lima1, Alana Watanabe de Sousa1, Sandro Patroca Silva2, Landeson Junior Leopoldino Barros1, Daniele Barbosa de Almeida Medeiros1, Antônio Gregorio Dias Junior1, Sueli Guerreiro Rodrigues1, Pedro Fernando da Costa Vasconcelos1, Jannifer Oliveira Chiang1 1 2 Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas, Ananindeua, Pará, Brasil Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Centro de Inovações Tecnológicas, Ananindeua, Pará, Brasil RESUMO Os arbovírus estão amplamente distribuídos pelo mundo e, no Brasil, cerca de 200 espécies diferentes têm sido isoladas e muitas delas estão associadas a doenças em humanos. A maioria dos arbovírus está classificada na família Bunyaviridae que, por possuírem três segmentos de RNA, apresentam uma característica importante de rearranjo genético, formando novos vírus no mundo. O advento de novas ferramentas de biologia molecular para sequenciamento genômico, aliado aos clássicos testes sorológicos de fixação do complemento (FC), teste de neutralização (TN) e inibição da hemaglutinação (IH) permitem uma melhor caracterização e identificação viral, principalmente dos vírus frutos de rearranjos genéticos. Dessa forma, este estudo descreve as características sorológicas e moleculares de três isolados virais (BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402) obtidos a partir de mosquitos no Estado do Pará pela Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas do Instituto Evandro Chagas. Os testes de FC e TN foram utilizados para a caracterização antigênica e, para a molecular, foram utilizadas duas plataformas de sequenciamento genômico: 454 FLX e Ion PGMTM. Pelo teste de FC foi possível definir que os três isolados apresentavam reação cruzada entre os vírus Tucunduba (VTUC) e vírus Taiassui. O TN definiu os isolados virais BeAR 544767 e BeAR 701402 como cepas do VTUC, sendo essa classificação confirmada também pela caracterização molecular para os três isolados virais em estudo. Portanto, os isolados virais BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402 foram classificados como cepas do VTUC, dentro do grupo Wyeomyia, família Bunyaviridae, gênero Orthobunyavirus. Palavras-chave: Taxonomia; Sorologia; Filogenia; Arbovírus; Culicidae. ABSTRACT Arboviruses are widely distributed worldwide and, in Brazil, approximately 200 species have been isolated and many are associated with human diseases. Most arboviruses are classified within the Bunyaviridae family, which present three RNA segments and an important genetic reassortment characteristic, thus forming new types of viruses globally. New molecular biology techniques for genome sequencing, associated with classic serological tests, such as complement fixation (CF), neutralization test (NT), and hemagglutination inhibition (HI), enable enhanced viral identification and characterization, particularly of viruses generated by genetic reassortment. Thus, the serological and molecular characteristics of three viral samples (BeAR 544767, BeAR 643361, and BeAR 701402) obtained from mosquitoes in Pará State by the Arbovirology and Hemorrhagic Fevers Section of the Instituto Evandro Chagas were determined. Antigen characterization was performed using CF and NT; molecular characterization was conducted using two genomic sequencing platforms: 454 FLX and Ion PGMTM. The results of CF indicated that all three isolates presented cross-reactivity between the Tucunduba (TUCV) and Taiassui viruses. Viral isolates of BeAR 544767 and BeAR 701402 were classified as TUCV strains by NT, which was confirmed by molecular characterization of the three isolates. Thus, viral isolates of BeAR 544767, BeAR 643361, and BeAR 701402 were classified as TUCV strains and they belong to the Wyeomyia group, Bunyaviridae family, and Orthobunyavirus genus. Keywords: Taxonomy; Serology; Phylogeny; Arbovirus; Culicidae. Correspondência / Correspondence Alana Watanabe de Sousa Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas Rodovia BR-360 km 7, s/n. Bairro: Levilândia – CEP: 67030-000 – Ananindeua, Pará, Brasil – Tel.: +55 (91) 3214-2296 E-mail: [email protected] http://revista.iec.pa.gov.br Rev Pan-Amaz Saude 2016; 7 núm esp:199-208 199 Lima JA, et al. Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil INTRODUÇÃO Os vírus transmitidos por artrópodes hematófagos, conhecidos como arbovírus, estão distribuídos em todos os continentes, exceto na Antártica, onde ainda não existem relatos de infecção por esses vírus. São mantidos em natureza por meio de ciclos biológicos, envolvendo hospedeiros vertebrados suscetíveis e artrópodes hematófagos, e transmitidos por repasto sanguíneo1. Nas regiões tropicais, o ciclo de transmissão ocorre ao longo de todas as estações climáticas, uma vez que vetores e hospedeiros convivem no mesmo ambiente2, justificando assim o elevado número de isolamentos virais referentes a novos e possíveis arbovírus nessas regiões, sendo registrados no Catálogo Internacional dos Arbovírus e outros vírus de vertebrados (mais de 530 vírus). Na Região Amazônica, até o ano de 2010, cerca de 200 diferentes arbovírus foram isolados3. Dentre as cinco principais famílias, nas quais a grande maioria dos arbovírus está distribuída (Bunyaviridae, Flaviviridae, Togaviridae, Reoviridae e Rhabdoviridae), destaca-se a família Bunyaviridae, por conter o maior número de arbovírus classificados em cinco gêneros: Tospovirus, Nairovirus, Phlebovirus, Hantavirus e Orthobunyavirus, esse último relevante para a saúde pública, pois apresenta arbovírus capazes de causar doença em humanos4,5. Os bunyavírus apresentam morfologia esférica e envelope viral, variando entre 80 a 120 nm de diâmetro. O material genético é constituído por três segmentos de RNA, sendo um pequeno (S – small), um médio (M – medium) e um grande (L – large)6. Uma característica importante da família Bunyaviridae é o frequente rearranjo genético observado entre vírus que infectam uma mesma célula; durante o processo de montagem das partículas virais, trocam segmentos, dando origem a novos vírus rearranjados. O uso apenas de testes sorológicos clássicos dificulta a identificação desses vírus, uma vez que o teste de fixação do complemento (FC) detecta o segmento S e os testes de inibição da hemaglutinação (IH) e neutralização (TN) detectam o segmento M, demonstrando, por meio de testes diferentes, que possivelmente trata-se de um vírus rearranjado. Assim, nesses casos, o sequenciamento nucleotídico é de suma importância, pois a partir dele e pelas ferramentas moleculares, esses eventos são possíveis de serem identificados7. O gênero Orthobunyavirus, que até o ano de 2005 era chamado de Bunyavirus8, compreende mais de 350 vírus isolados de diferentes espécies de vetores, como moscas e percevejos, muito embora a maioria dos orthobunyavírus seja transmitida por mosquitos9,10. Algumas espécies de mosquitos podem passar a transmitir determinadas arboviroses após alterações ambientais, como observado nos estudos realizados a partir da construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, Estado do Pará, Brasil, onde o vírus 200 Rev Pan-Amaz Saude 2016; 7 núm esp:199-208 Maguari, antes transmitido por sabetíneos, passou a ter mosquitos do gênero Anopheles como vetores11. Ademais, o gênero Orthobunyavirus apresenta grande diversidade de vírus e hospedeiros/vetores, o que torna a chance de isolar um vírus rearranjado muito maior. Assim, estudos de caracterização viral, com base nas características antigênicas e moleculares, são importantes, especialmente nos casos de vírus identificados nos testes sorológicos como pertencentes à família Bunyaviridae, gênero Orthobunyavirus. O objetivo deste estudo foi descrever a caracterização sorológica e molecular de três isolados virais provenientes de mosquitos capturados no Estado do Pará. MATERIAIS E MÉTODOS ISOLADOS VIRAIS Neste estudo foram utilizados três isolados virais obtidos e cedidos pela Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas (SAARB) do Instituto Evandro Chagas (IEC). A cepa BeAR 544767 foi isolada a partir de um lote de mosquitos Wyeomyia sp. coletados na Floresta Nacional (Flona) de Caxiuanã, situada no nordeste do Estado do Pará (Lat. 2º15'S, Long. 52ºW / Lat. 1º30', Long. 51º15'), abrangendo os Municípios de Portel e Melgaço; enquanto que as cepas BeAR 643361 e BeAR 701402 foram isoladas a partir de mosquitos das espécies Limatus flavisetosus e Psorophora ferox, coletados em Altamira, Estado do Pará, no ano de 2001 e 2006, respectivamente. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética no Uso de Animais do IEC, certificados n. 15/2009, 02/2014 e 04/2014. ESTOQUE VIRAL Foi produzido estoque viral em camundongos albinos suíços recém-nascidos, a partir de suspensão liofilizada de cérebros de camundongos infectados com as três cepas virais em estudo. O material liofilizado foi reconstituído com 0,5 mL de água destilada e 0,02 mL inoculado por via intracerebral nos camundongos recém-nascidos, que, após apresentarem sinais de doença, foram coletados e armazenados a -80º C para o desenvolvimento do estudo, conforme Lenette12. CARACTERIZAÇÃO ANTIGÊNICA A caracterização antigênica dos três isolados virais foi realizada pelos testes de FC e de TN em camundongos. O teste de FC foi realizado conforme a técnica descrita por Fulton e Dumbell13 e adaptada para microplacas por Beaty et al14. Foram utilizadas suspensões virais a partir de cérebros de camundongos infectados com os respectivos isolados, os quais foram testados em duas principais etapas: inicialmente com os diferentes pools de fluidos ascíticos imunes (FAI) da maioria dos arbovírus isolados pela SAARB/ IEC (grupos antigênicos: A, B, C, Capim, Guamá, Bunyamwera, Anopheles A, Plebotomus, VSV, Timbó e Changuinola); e, em caso de reação positiva para um dos grupos antigênicos citados, realizaram-se Lima JA, et al. Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil outros testes com cada um dos integrantes virais do grupo. O teste de FC é interpretado a partir da percentagem de hemólise observada em uma escala de 0 a 4; no qual 0 é hemólise total das hemácias (100%); 1, hemólise de 75%; 2, hemólise de 50%; 3, hemólise de 25%; e 4, ausência de hemólise, 0%. Foi considerada positiva toda reação sem hemólise ou com até 25%. Os títulos do teste de FC foram classificados pelos valores da maior diluição positiva do anticorpo sobre a maior diluição positiva do antígeno. O TN foi realizado por meio de diluições seriadas de 10 vezes do vírus e diluição constante do soro15. Os soros utilizados para essa metodologia foram selecionados a partir dos resultados do teste de FC. A interpretação dos resultados foi feita a partir do cálculo de DL50/0,02 mL, de acordo com Reed e Muench16, sendo considerados positivos os soros que apresentaram um índice logarítmico de neutralização (ILN) maior ou igual a 1,8. Esse teste é bastante utilizado com o intuito de elucidar possíveis reações cruzadas observadas entre vírus de um mesmo grupo antigênico, uma vez que apresenta maior especificidade do que o teste de FC, além de dar um indicativo de vírus rearranjados. CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR Sequências genômicas Para a obtenção do RNA viral dos três materiais analisados neste estudo, foram utilizadas culturas de células VERO infectadas apresentando 90% de efeito citopático. Todas as etapas para infecção dos cultivos celulares seguiram a técnica descrita por Lennette12. Duas plataformas de sequenciamento de nova geração – 454 FLX (Roche®, Branford, Connecticut, EUA) e Ion PGMTM (Ion Torrent, Life Technologies, Califórnia, EUA) – foram utilizadas para a obtenção das sequências genômicas, as quais foram precedidas de uma etapa adicional que consistiu na concentração das partículas virais a partir de 10 mL de sobrenadante de células VERO infectadas com os respectivos isolados virais. Os materiais foram centrifugados a 2.000 rotações por minuto (rpm) por 10 min e o sobrenadante foi transferido para um novo tubo e submetido a uma nova etapa de centrifugação a 4.000 rpm por 5 min. O novo sobrenadante foi filtrado em filtro estéril de 0,2 µm e transferido para um novo tubo. Em seguida, adicionou-se 1,48 mL de NaCl 5M estéril e 10,8 mL de polietilenoglicol (PEG) 8.000 (Sigma-Aldrich®, Missouri, EUA) em 6 mL do sobrenadante filtrado. A suspensão foi então incubada a 4º C por 30 min e, posteriormente, centrifugada a 6.000 rpm por 1 h a 4º C. O sobrenadante foi descartado e o pellet resultante da centrifugação com PEG foi ressuspendido em 250 µL de tampão fosfato salino (phosphate buffered saline – PBS); posteriormente, foi adicionado 12,5 µL de RNAse para degradar o RNA de interferência uma vez que a partícula viral ainda se encontrava íntegra. A suspensão foi incubada por 30 min a 37º C. Finalmente, foram adicionados mais 238 µL de PBS, a fim de adequar a amostra para extração do RNA. A extração do RNA viral ocorreu utilizando PureLinkTM Viral RNA Mini Kit (Invitrogen, Califórnia, EUA) para a plataforma 454 FLX e TRIzol LS Reagente (Invitrogen), e o kit QIAamp RNA Viral para plataforma Ion PGM, ambos seguindo-se orientação dos fabricantes. A quantificação da concentração do RNA viral dos três materiais foi realizada pelo equipamento QubitTM, de acordo com instruções do fabricante. A faixa de concentração mínima ideal de RNA para o sequenciamento foi de 20 ng/µL. O genoma viral foi obtido a partir do método de pirosequenciamento (454 FLX) e sequenciamento semicondutor de íon, Ion PGMTM. Embora sejam metodologias diferentes, o processo de sequenciamento nucleotídico é semelhante entre ambas e ocorreu em três etapas: preparo da biblioteca genômica e seleção dos tamanhos dos fragmentos; PCR em emulsão e enriquecimento; e reação de sequenciamento nucleotídico. Todas as etapas foram realizadas de acordo com as instruções dos respectivos fabricantes. Análise bioinformática As leituras geradas pelas plataformas 454 e PGM foram montadas utilizando a metodologia De Novo por meio dos programas Newbler v3 e Mira v4, respectivamente. As sequências montadas foram comparadas com outras sequências de vírus depositadas no GenBank (http://www.ncbi.nlm.nih. gov/), com o intuito de avaliar a homologia entre as mesmas. Posteriormente, as análises de curadoria foram realizadas utilizando o programa Geneious v6 (Biomatters, Nova Zelândia). As sequências dos isolados virais foram comparadas com sequências nucleotídicas de vírus disponíveis no GenBank. Para construção das árvores filogenéticas, as sequências foram alinhadas no programa BioEdit. As árvores foram construídas empregando-se o método de máxima verossimilhança (MV)17 em conjunto com o teste de bootstrap, fixando 1.000 réplicas para gerar maior confiabilidade aos valores dos grupamentos18. RESULTADOS CARACTERIZAÇÃO ANTIGÊNICA Os três isolados virais em estudo (BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402), inicialmente, reagiram positivamente no teste de FC para o pool de FAI do sorogrupo Bunyamwera (vírus Tucunduba – VTUC, vírus Taiassui – VTAI, vírus Iaco, vírus Sororoca, vírus Maguari, vírus Kairi, vírus Xingu e vírus Guaroa) e, após testar os vírus em estudo para todos os integrantes desse grupo antigênico, os três isolados virais apresentaram reação cruzada para VTUC e VTAI, com títulos descritos na tabela 1. Rev Pan-Amaz Saude 2016; 7 núm esp:199-208 201 Lima JA, et al. Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil Tabela 1 – Resultados dos testes de fixação do complemento dos isolados virais BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402 com VTAI e VTUC Antígeno Anticorpo VTAI (AR 671) VTUC (AR 278) BeAR 544767 256/256 128/256 BeAR 643361 64/64 32/128 BeAR 701402 256/64 256/128 No TN, os isolados virais BeAR 544767 e BeAR 701402 foram neutralizados apenas pelo soro do VTUC (AR 278) com índice logarítmico de neutralização maior ou igual a 1,8 (Tabela 2). Para o vírus BeAR 643361, não foi realizado o TN. Tabela 2 – Resultado do TN dos isolados BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402 com VTAI e VTUC Antígeno Anticorpo em DL50/0,02 mL VTAI (AR 671) VTUC (AR 278) BeAR 544767 1,0 > 1,8 BeAR 643361 NR NR BeAR 701402 1,0 > 1,8 NR: Não realizado. CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR A região codificante completa de cada um dos isolados virais em estudo é constituída de três segmentos de RNA fita simples: um segmento pequeno (S-RNA), um segmento médio (M-RNA) e um segmento grande (L-RNA) com tamanho semelhante entre eles (Tabela 3), flanqueada pelas regiões 5' e 3'. O segmento S-RNA codifica uma única proteína, referente ao nucleocapsídeo, a proteína N; o segmento M-RNA codifica duas proteínas estruturais, as glicoproteínas Gn e Gc, e uma proteína não estrutural, a proteína NSm; e o segmento L-RNA apresenta uma única cadeia aberta de leitura (CAL), a qual codifica a proteína L que corresponde a RNA-polimerase RNA-dependente. Filogenia As análises filogenéticas dos isolados virais foram realizadas utilizando as sequências aminoacídicas da CAL dos três segmentos pelo método MV. Na árvore filogenética gerada para o segmento S, foi possível observar que os membros do gênero Orthobunyavirus ficaram agrupados em clados representando os diversos grupos existentes, sustentados por valores de bootstrap entre 85% a 100%. O complexo Wyeomyia formou um clado bastante consistente, dividido em dois subclados, em que os vírus Iaco, Anhembi, Cachoeira Porteira e Sororoca formaram um desses ramos; enquanto os isolados virais em estudo e os vírus VTUC, VTAI e Wyeomyia (VWYO) formaram o outro subclado, sustentado por valor máximo de bootstrap de 100% para esse ramo (Figura 1). A análise filogenética para o segmento M (poliproteína) evidenciou um padrão de organização semelhante ao observado para o segmento S (Figura 2). O complexo Wyeomyia foi dividido em dois subclados, porém o segmento M parece ser o mais divergente dentre os três segmentos. Nesta análise os três isolados formaram um ramo monofilético juntamente com o VTUC e com o VWYO, apresentando valores de bootstrap igual a 100%. O mesmo padrão de agrupamento visto para os dois segmentos anteriores também é visualizado na filogenia do segmento L, mas, nesse segmento, os isolados virais são mais relacionados ao VTAI, sustentado por um valor de bootstrap de 100% (Figura 3). DISCUSSÃO A caracterização antigênica definida pelos testes de FC e TN é uma das ferramentas utilizadas na caracterização viral de uma cepa. Os cruzamentos sorológicos compartilhados pelas três cepas estudadas com o VTUC e com o VTAI confirmam, por sorologia, o princípio de que vírus relacionados entre si apresentam cruzamento sorológico, principalmente quando se trata de vírus trisegmentados. Além disso, mesmo os isolados virais estudados sendo cepas do VTUC, é possível observar reação positiva de título igual ou muito semelhante com o VTAI. Tabela 3 – Tamanho dos segmentos de RNA dos isolados BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402 Tamanho Vírus S-RNA (nt) M-RNA (nt) L-RNA (nt) CAL S-RNA CAL M-RNA CAL (L-RNA) BeAR 544767 912 4520 6907 702 4260 6711 BeAR 643361 935 4540 6840 702 4260 6711 BeAR 701402 982 4504 6740 702 4258 6711 CAL: Cadeia aberta de leitura; nt: Nucleotídeo; S-RNA: Segmento pequeno; M-RNA: Segmento médio; L-RNA: Segmento grande. 202 Rev Pan-Amaz Saude 2016; 7 núm esp:199-208 Lima JA, et al. Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil 56 100 68 100 100 67 97 18 79 100 33 95 31 23 97 23 22 99 95 57 50 70 100 70 51 98 56 98 71 71 100 100 85 53 49 99 35 99 99 71 63 100 88 98 100 100 33 96 51 100 99 33 74 80 89 31 71 100 17 44 17 43 97 96 31 63 35 46 40 71 83 89 89 82 100 85 57 100 84 99 66 100 50 100 73 43 100 39 100 37 24 78 37 97 86 34 26 92 11 18 58 33 Salt_ash/KF234258/Australia/1992 Tapirape/KM225262/Brazil/2010 Pacui/KM225256/Brazil/1961 Rio_preto_da_eva/KM225259/Brazil/1995 Cat_Que/NC_024075/Vietnam/2004 Oya/JX983192/China/2008 Ingwavuma/KF697141/South_Africa/1959 Mermet/KF697152/USA/1964 Manzanilla/KF697148/Trinidad_and_Tobago/1954 Buttonwillow/KF697162/USA/1964 Faceys_Paddock/KF697136/Australia/1974 Utinga/KF697156/Brazil/1965 Utive/KF697158/Panama/1975 Jatobal/JQ675601/Brazil/1984 Oropouche/NC_005777 Iquitos/KF697144/Peru/1999 Madre_de_Dios/KJ866389/Venezuela/2010 Perdoes/KP691626/Brazil/2012 Simbu/NC_018477 Kaikalur/AF362394 Aino/NC_018460 Shuni/HE800143 Sango/HE795101 Peaton/HE795101 Douglas/HE795092 Sathuperi/NC_018462 Shamonda/NC_018464 Schmallenberg/KP731868/Germany/2014 Sabo/HE795098 Yaba/AF362392 Akabane/NC_009896 Tinaroo/AB000819 Calchaqui/KM272185/Argentina/1982 Gamboa/KM272179/Panama/1977 Gamboa/KM272182/Panama/1962 Gamboa/KM272176/Panama/1986 Alajuela/KM272188/Panama/1963 Tataguine/KP792676/Nigeria/1971 Anopheles_A/FJ660415/Colombia Lukuni/KP792670/Trinidad_and_Tobago/1955 Tacaiuma/FJ660416/Brazil Boraceia/FJ660418/Brazil Anopheles_B/FJ660417/Colombia Oyo/HM639778/Nigeria/1964 Bahig/KP057224/Egypt/1966 Batama/FJ660420/Central_African_Republic Tete/FJ660419/South_Africa Tete/KM972721/South_Africa/1959 Broconha/KM280937/Brazil/1977 Itaya/KM092514/Peru/1999 Caraparu/KF254778/Brazil/1956 Madrid/KF254781/Panama/1956 Nepuyo/KM280936/Trinidad_and_Tobago/1957 Zungarococha/KF254783/Peru/2008 Marituba/KF254772/Brazil/1954 Restan/KM280935/Trinidad_and_Tobago/1963 Oriboca/KF254775/Brazil/1954 Murutucu/KM280934/Brazil/1955 La_Crosse/NC_004110 Snowshoe/J02390 Chatanga/KF719221/Finland/2008 San_Angelo/U47139 Lumbo/X73468 Tahyna/HM036217/Czechoslovakia/1984 Morro_Bay/U31989 California/U12800 Keystone/U12801 Trivittatus/KM215565/USA/05Aug2003 Serra_do_Navio/U47140 South_River/GU018050/Mexico/2008 Inkoo/Z68496 Jerry_Slough/U12798 Jamestown Canvon/HM007350/USA/1961 Iaco/JN572067/Brazil/1976 Anhembi/JN572064/Brazil/1965 Sororoca/JN572073/Brazil/1961 Cachoeira_Porteira/JN968592/Brazil/1988 Macaua/JN572070/Brazil/1976 Wyeomyia/JN801036/Panama/1964 Taiassui/JN572076/Brazil/1988 Tucunduba/JN572079/Brazil/1955 Tucunduba/KX579501/Brazil/2006 Tucunduba/KX579498/Brazil/2001 Tucunduba/KX579495/Brazil/1996 Abbey_lake/KJ710424/China/2013 Germiston/M19420 Xingu/EU564830/Brazil Birao/AM711131/Central_African_Republic/1969 Nola/AM711134/Central_African_Republic Mboke/AY593727/Cameroon IIesha/KC608151/Senegal/1972 Bozo/AM711132/Central_African_Republic/1979 Shokwe/EU564831/South_Africa/1962 Bunyamwera/NC_001927 Ngari/KM507341/Kenya/2009 Batai/JX846598/India/1957 Calovo/KJ542624/Czech_Republic/1963 Fort_Sherman/EU564829/Panama/1985 Cholul/EU879062/Mexico/2007 Cache_Valley/KC436108/USA/2011 Potosi/AY729652 Northway/X73470 Main_Drain/X73469 Tensaw/FJ943505/USA/1963 2.0 Em vermelho, subclado com as cepas de VTUC; e, em azul, sorogrupo Wyeomyia. Figura 1 – Árvore filogenética com base na sequência aminoacídica do S-RNA dos isolados virais BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402 pelo método MV Rev Pan-Amaz Saude 2016; 7 núm esp:199-208 203 Lima JA, et al. Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil 100 39 100 69 100 100 100 99 98 100 96 37 100 100 100 100 95 100 100 100 100 50 100 100 91 100 100 70 39 100 100 100 100 64 96 88 100 100 48 100 92 100 100 98 62 98 41 100 99 100 63 100 78 100 86 100 100 100 98 100 100 100 100 52 81 86 100 100 82 94 100 59 100 100 97 100 80 100 100 78 97 53 100 100 96 100 100 100 100 100 100 93 81 Salt_ash/KF23425//Australia/1992 Murrumbidgee/NC_022596/Australia/1997 Tapirape/KM225261/Brazil/2010 Rio_Preto_da_Eva/KM225258/Brazil/1995 Pacui/KM225255/Brazil/1961 Brazoran/NC_022038/USA/2012 Oriboca/KF254774/Brazil/1954 Zungarococha/KF254782/Peru/2008 Marituba/KF254771/Brazil/1954 Caraparu/KF254777/Brazil/1956 Broconha/KM280924/Brazil/1977 Itaya/KM092513/Peru/1999 Madrid/KF254780/Panama/1956 Tete/KM972720/South_Africa/1959 Oyo/HM639779/Nigeria/1964 Simbu/NC_018478 Aino/NC_018459 Shuni/HE800142 Schmallenberg/KP731874/Germany/2014 Sathuperi/NC_018466 Douglas/HE795091 Shamonda/NC_018467 Akabane/NC_009895 Sabo/HE795097 Tinaroo/AB208700/Australia Peaton/HE795094 Sango/HE795100 Sango/AB542980/Nigeria/1965 Leanyer/HM627176/Australia/1974 Faceys_Paddock/KF697137/Australia/1974 Buttonwillow/KF697161/USA/1964 Ingwavuma/KF697140/South_Africa/1959 Cat_Que/NC_024074/Vietnam/2004 Oya/JX983193/China/2008 Mermet/KF697151/USA/1964 Manzanilla/KF697149/Trinidad_and_Tobago/1954 Oropouche/NC_005775 Madre_de_Dios/KJ866390/Venezuela/2010 Iquitos/KF697143/Peru/1999 Utive/KF697159/Panama/1975 Utinga/KF697155/Brazil/1965 Jatobal/JQ675602/Brazil/1984 Perdoes/KP691625/Brazil/2012 Lukuni/KP792671/Trinidad_and_Tobago/1955 Tataguine/KP792677/Nigeria/1971 Kaeng_Khoi/KJ867204/Thailand/1969 Mojui_dos_Campos/KJ867201/Brazil/1976 Nyando/KJ867195/Ethiopia/1963 Gamboa/KM272181/Brazil/1962 Alajuela/KM272187/Panama/1963 Calchaqui/KM272184/Argentina/1982 Gamboa/KM272178/Brazil/1977 Gamboa/KM272175/Panama/1986 Pongola/KJ867180/Kenya/2006 Bwamba/KJ867183/Uganda/1937 Trivittatus/AF123491 Keystone/AF123489 Serra_do_Navio/AF123490 South_River/JN815081/Mexico/2008 Inkoo/U88059 Jerry_Slough/AF123487 Jamestown_Canyon/HM007351/USA/1961 Tahyna/HM036218/Czechoslovakia/1984 Lumbo/AF123484 San_Angelo/AF123486 California/AF123483 Chatanga/KF719222/Finland/2008 La_Crosse/NC_004109 Snowshoe/K02539 Guaroa/KM245553/Peru/2011 Anhembi/JN572063/Brazil/1965 Iaco/JN572066/Brazil/1976 Sororoca/JN572072/Brazil/1961 Cachoeira_Porteira/JN968591/Brazil Taiassui/JN572075/Brazil/1988 Macaua/JN572069/Brazil/1976 Wyeomyia/JN801037/Panama/1964 Tucunduba/JN572078/Brazil/1955 Tucunduba/KX579494/Brazil/1996 Tucunduba/KX579500/Brazil/2006 Tucunduba/KX579497/Brazil/2001 Kairi/GQ118699/Mexico/2007 Main_Drain/EU004187 Cholul/JN808310/Mexico/2007 Potosi/EU004189 Bunyamwera/NC_001926 Germiston/M21951 Abbey/KJ710423/China/2013 IIesha/KC608150/Senegal/1972 Calovo/KJ542625/Czech_Republic/1963 Batai/JX846599/India/1957 Ngari/KM514677/Kenya/2009 Tensaw/FJ943508/USA/1963 Northway/EU004188 Cache_Valley/KC436107/USA/2011 2.0 Em vermelho, subclado com as cepas de VTUC; e, em azul, sorogrupo Wyeomyia. Figura 2 – Árvore filogenética com base na sequência aminoacídica do M-RNA dos isolados virais BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402 pelo método de MV 204 Rev Pan-Amaz Saude 2016; 7 núm esp:199-208 Lima JA, et al. Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil 100 Tapirape/KM225260/Brazil/2010 86 Rio_Preto_da_Eva/KM225257/Brazil/1995 Pacui/KM225254/Brazil/1961 Oyo/HM639780/Nigeria/1964 Brazoran/NC022039/USA/2012 71 Broconha/KM280929/Brazil/1977 100 100 100 Madrid/KF254779/Panama/1956 100 100 100 86 Caraparu/KF254776/Brazil/1956 Itaya/KM092512/Peru/1999 Gumbo_Limbo/KM280930/USA/1963 Nepuyo/KM280933/Trinidad_and_Tobago/1957 Marituba/KF254770/Brazil/1954 100 Zungarococha/JN157805/Peru/2008 78 100 54 Restan/KM280932/Trinidad_and_Tobago/1963 100 Murutucu/KM280931/Brazil/1955 Oriboca/KF254773/Brazil/1954 Simbu/NC_018476 73 100 100 100 100 100 84 95 100 100 99 Aino/NC_018465 Shuni/HE800141 Sango/HE795099 Peaton/HE795093 Akabane/NC_009894 Sabo/HE795096 Sathuperi/NC_018461 Douglas/HE795090 Schmallenberg/KP731877/Germany/2014 Shamonda/NC_018463 Leanyer/HM627178/Australia/1974 Faceys_Paddock/KF697138/Australia/1974 Buttonwillow/KF697160/USA/1964 100 81 100 100 100 100 44 100 Oya/JX983194/China/2008 Ingwavuma/KF697139/South 77 100 98 Manzanilla/KF697150/Trinidad_and_Tobago/1954 Mermet/KF697153/USA/1964 Utive/KF697157/Panama/1975 Utinga/KF697154/Brazil/1965 Jatobal/JQ675603/Brazil/1984 100 Madre_de_Dios/KJ866391/Venezuela/2010 100 100 Oropouche/NC_005776 55 100 100 100 62 100 Cat_Que/NC_024076/Viet Iquitos/KF697142/Peru/1999 Perdoes/KP691624/Brazil/2012 Salt_ash/KF234256/Australia/1992 Murrumbidgee/NC_022595/Australia/1997 Lukuni/KP792672/Trinidad_and_Tobago/1955 Tataguine/KP792678/Nigeria/1971 Mojui_dos_Campos/KJ867202/Brazil/1976 91 Nyando/KJ867196/Ethiopia/1963 Kaeng_Khoi/KJ867205/Thailand/1969 Alajuela/KM272186/Panama/1963 85 100 60 Gamboa/KM272177/Panama/1977 92 95 100 100 80 100 100 Gamboa/KM272174/Panama/1986 Gamboa/KM272180/Panama/1962 Bwamba/KJ867184/Uganda/1937 Pongola/KJ867181/Kenya/2006 Jamestown_Canyon/HM007352/USA/1961 Inkoo/EU789573/Finland/1964 Tahyna/HM036219/Czechoslovakia/1984 100 100 La_Crosse/NC_004108 89 Chatanga/KF719223/Finland/2008 Snowshoe/EU203678/USA/1959 Guaroa/KM245554/Peru/2011 Abbey_lake/KJ710425/China/013 100 100 100 IIesha/KC608149/Senegal/1972 100 82 100 97 100 100 100 100 57 100 Bunyamwera/NC_001925 Ngari/KM507336/Kenya/2009 Cache_Valley/KC436106/USA/2011 Tensaw/FJ943510/USA/1963 Calovo/KJ542626/Czech Batai/JX846600/India/1957 Cachoeira_Porteira/JN968590/Brazil Sororoca/JN572071/Brazil/1961 Iaco/JN572065/Brazil/1976 Anhembi/JN572062/Brazil/1965 Macaua/JN572068/Brazil/1976 Wyeomyia/JN801038/Panama/1964 100 100 97 100 91 Taiassui/JN572074/Brazil/1988 Tucunduba/JN572077/Brazil/1955 Tucunduba/KX579493/Brazil/1996 91 Tucunduba/KX579499/Brazil/2006 Tucunduba/KX579496/Brazil/2001 2.0 Em vermelho, subclado com as cepas de VTUC; e, em azul, sorogrupo Wyeomyia. Figura 3 – Árvore filogenética com base na sequência aminoacídica do L-RNA dos isolados virais BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402 pelo método de MV Esse fato está relacionado à proteína determinante no teste de FC, uma vez que o teste é determinado pelo segmento S (nucleocapsídeo) que, dentre os três segmentos dos orthobunyavírus, é o que mais compartilha características genéticas entre os vírus do grupo7,19. Reações sorológicas cruzadas também foram constatadas por Shope e Causey20, onde um relacionamento antigênico foi observado entre Rev Pan-Amaz Saude 2016; 7 núm esp:199-208 205 Lima JA, et al. Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil seis vírus pertencentes ao grupo C (Bunyaviridae, Orthobunyavirus), demonstrando que esses vírus estão relacionados entre si; e, quando analisados pelos testes FC, TN e IH, verifica-se que um mesmo vírus é identificado por um, dois ou até pelos três testes sorológicos citados. Posteriormente, aquele estudo foi complementado por Nunes et al21, os quais observaram que 13 vírus do grupo C apresentavam rearranjos naturais entre eles, corroborando e complementando o estudo de Shope e Causey20. Além disso, os vírus com estreito relacionamento ao infectar uma mesma célula suscetível podem ter seus segmentos genômicos variavelmente incorporados dentro das progênies virais7, ou seja, o segmento de um vírus passa a constituir o genoma do outro vírus, podendo com isso formar um novo vírus rearranjado. Para complementar os resultados do teste de FC, foi realizado o TN, que detecta as glicoproteínas (Gn e Gc) localizadas no segmento M, as quais apresentam maior especificidade genética para cada vírus, uma vez que a região conservada da glicoproteína Gn possui determinantes antigênicos de tipo específico para anticorpos neutralizantes e hemaglutinantes22. Por outro lado, acredita-se que a glicoproteína Gc seja a principal determinante para a realização da etapa de adsorção durante o ciclo de replicação dos vírus nas células de mamíferos23. Dessa forma, o TN apresenta maior especificidade para a pesquisa de anticorpos neutralizantes, sendo assim o padrão ouro das provas sorológicas24. Devido à organização genômica, essas cepas claramente referem-se a vírus pertencentes à família Bunyaviridae, obedecendo às características moleculares descritas por Elliott e Blakqori25 para incluir um vírus na referida família. A única exceção foi a ausência da proteína não estrutural NSs codificada pelo segmento S, presente em outros orthobunyavírus. Os tamanhos dos segmentos também corroboram os descritos por King et al4 e Chowdhary et al26, que observaram tamanhos semelhantes para outros orthobunyavírus. A ausência da proteína NSs, descrita por Mohamed et al27, demonstra que alguns vírus do gênero Orthobunyavirus, como os vírus do sorogrupo Tete, Anopheles A e Anopheles B, não codificam essa proteína. Chowdhary et al26 também evidenciaram a ausência da NSs nos vírus do complexo Wyeomyia, no qual o VTUC está incluído. A partir das análises filogenéticas é possível observar a formação do sorogrupo Wyeomyia, composto por VTAI, VTUC, VWYO, vírus Macauã, vírus Sororoca, vírus Anhembi, vírus Cachoeira Porteira e vírus Iaco, tal como descrito por Chowdhary et al26. O sequenciamento das três cepas do VTUC no presente estudo representa, ainda, mais um fortalecimento a esse clado, pois agrega representatividade à árvore filogenética. Ademais, a forma como os três segmentos desse vírus se agrupa também corrobora o que Chowdhary et al26 propuseram: o VTUC como um rearranjo de VTAI e VWYO (Darien), justificando o 206 Rev Pan-Amaz Saude 2016; 7 núm esp:199-208 estreito relacionamento do VTUC ora no segmento S e L com o VTAI ora no segmento M com o VWYO. Tendo como base as informações expostas, caracterizaram-se, sorológica e molecularmente, os isolados virais BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402 como cepas do VTUC, vírus descrito pela primeira vez a partir de sucessivos isolamentos de mosquitos na Colômbia, Panamá, Trinidad e Guiana Francesa, além de um isolamento a partir de uma pessoa febril no Panamá1. No Pará, o VTUC foi isolado a partir de um lote de mosquitos capturados na floresta de Oriboca, região próxima à Belém, em 19553. Os hospedeiros vertebrados desse vírus ainda são desconhecidos, sendo relatado apenas um único caso humano descrito em Belém, onde a criança apresentou um quadro clínico típico de uma arbovirose com complicações neurológicas, diagnosticado como encefalite28. CONCLUSÃO No presente estudo, foram descritas três cepas do VTUC, ressaltando a diversidade dos vetores fontes desses isolados virais, uma vez que consistem em três espécies diferentes de mosquitos, demonstrando que esse vírus está adaptado ao meio em que circula. Outro achado importante desta pesquisa foram os anos de captura de cada lote de mosquito, visto que a cepa BeAR 544767 foi isolada em Caxiuanã, em 1996, e as cepas BeAR 643361 e BeAR 701402 foram isoladas a partir de lotes de mosquitos capturados em Altamira, nos anos de 2001 e 2006, respectivamente, demonstrando que, mesmo silenciosamente, o VTUC permanece circulando e que merece atenção, uma vez que se trata de um rearranjo viral com potencial para causar doenças em humanos. AGRADECIMENTOS À equipe profissional da SAARB/IEC (Eliana Vieira Pinto da Silva, Lívia Carício Martins, Raimunda do Socorro da Silva Azevedo, Joaquim Pinto Nunes Neto, Luis Fábio dos Santos Gomes, Wallace Oliveira Rosário, Franko de Arruda e Silva, Liliane Leal das Chagas, Basílio Silva Buna, Milene Silveira Ferreira, Pedro Cardoso Monteiro e José Ovídio Sousa da Silva), pela ajuda em todas as etapas desta pesquisa, desde a captura dos mosquitos até as inoculações em camundongos e cultivos celulares; à equipe do Centro de Inovações Tecnológicas (Márcio Roberto Teixeira Nunes, João Lídio da Silva Gonçalves Vianez Júnior e Clayton Pereira Silva de Lima), pelo auxílio e colaboração no processamento e análises moleculares das cepas estudadas; e a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a execução deste trabalho. APOIO FINANCEIRO Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Febres Hemorrágicas Virais e IEC/SVS/MS. Lima JA, et al. Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil REFERÊNCIAS 1Karabatsos N. International catalogue of arboviruses: including certain other viruses of vertebrates. 3rd ed. San Antonio: American Society of Tropical Medicine and Hygiene; 1985. p. 1041. 2 Travassos da Rosa APA, Travassos da Rosa JFS, Pinheiro FP, Vasconcelos PFC. Arboviroses. In: Leão RNQ, organizador. Doenças infecciosas e parasitárias: enfoque amazônico. Belém: CEJUP, UEPA, Instituto Evandro Chagas; 1997. p. 207-25. 3 Vasconcelos PFC, Azevedo RSS, Rodrigues SG, Martins LC, Chiang JO, Travassos da Rosa APA. Arboviroses. In: Leão RNQ, Bichara CNC, Fraiha Neto H, Vasconcelos PFC, editores. 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