PERDÃO NO CONTEXTO TERAPÊUTICO

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PERDÃO NO CONTEXTO TERAPÊUTICO: UMA PONTE ENTRE CIÊNCIA E
ESPIRITUALIDADE (palestra proferida pelo Dr. Roberto Faustino de Paula, a convite do
Libertas, Recife, 10/12/11)
“Perdão é tanto uma arte como uma ciência” (Worthington Jr, 2005)
Até 1970, nenhum trabalho sobre o perdão tinha sido publicado na literatura
científica. Tais trabalhos científicos só passaram a surgir na metade da década de 1980.
Desde então, esses estudos foram a se avolumando.
Quem nunca foi maltratado ou desapontado por alguma pessoa querida ou não? Claro
que as pessoas reagem diferentemente a essas situações: uns superam as ofensas
feitas contra eles, outros não, permanecendo ressentidos pelo resto da vida. O que
fazer para ajudar essas pessoas?
Quem é favorável ao uso do perdão na prática clínica? Quem vem utilizando o tema do
perdão para desenvolver intervenções terapêuticas? Quem é praticante de alguma
religião e considera relevante trabalhar o perdão em seus relacionamentos pessoais?
O que é o perdão?
“Perdão é mais do que fazer cessar a raiva contra alguém...perdão não é adotar uma
posição neutra contra o ofensor” (Enright, Freedman & Rique, 1998, p.48). Trabalhar o
perdão na terapia, segundo esses autores, seria ajudar os pacientes a abandonarem
sentimentos negativos, substituindo-os por sentimentos positivos em relação à pessoa
que o ofendeu, a exemplo dos sentimentos de compaixão, generosidade, e até mesmo
amor. Essa nova postura do paciente incluiria mudanças em relação ao afeto
(superando o ressentimento e substituindo-o por compaixão), à atitude de
condenação (superando a condenação em prol do respeito e/ou generosidade), e no
tocante ao comportamento (superando a indiferença ou desejo de vingança pela boa
vontade ou benevolência). Considerando que alguns pacientes não consigam ir tão
longe, a ponto de não completarem todas essas etapas, ainda sim não poderia chamar
tal processo terapêutico de perdão? Não seria possível que alguns desses últimos
pacientes permanecessem ressentidos, até abandonarem completamente seus
sentimentos negativos em relação a quem os ofenderam?
É preciso que os terapeutas não causem danos a seus pacientes (ex: sentimento de
culpa por haverem falhado na terapia), pressionando-os a irem além do que lhes seja
possível alcançar. Dependendo do contexto em que se deu a ofensa ou abuso, poderá
ser até desnecessário que o paciente substitua completamente seus sentimentos
negativos por positivos em relação ao seu ofensor. Perdão como opção e não como
uma obrigação. O ofensor tem o direito de pedir perdão, mas não de obrigar alguém a
perdoá-lo, ainda que peça perdão à pessoa ofendida. Esta última tem o direito de
conceder ou não o perdão.
Não deixar de fazer uma advertência de que o perdão nem sempre possa ser aplicado
eficazmente à prática clínica, devido à impossibilidade, seja do profissional como do
cliente, de lidar com o tema, por diversas razões. Vale ressaltar que nem todos os
psicoterapeutas conseguem lidar com todos os problemas apresentados diante dele,
nem todos os clientes conseguem estabelecer uma parceria bem sucedida com todos
os psicoterapeutas a quem procuram. Daí a importância da ética em psicoterapia.
Nenhum cliente pode ser induzido a perdoar, contra a sua vontade. O uso do perdão
na prática clínica não é uma técnica, mas uma opção (do cliente, de preferência) de ser
trabalhada ao longo da terapia.
O perdão é tratado diferentemente por diversas religiões. Desse modo, um terapeuta
cristão (ou de qualquer outro credo, ou mesmo sem credo religioso) não pode se
esquecer que o perdão possa ter significado distinto, dependendo da sua cultura e do
paciente, do contexto (ofensas perdoáveis e imperdoáveis), dos diferentes tipos de
famílias e casamentos. Portanto, o perdão não pode ser uma temática que possa ser
discutida em todas as terapias ou mesmo c/ todos os clientes: algumas vezes ela pode
ser útil ou curativa, outras vezes não.
Como curar o ressentimento (perdão), num contexto terapêutico, independentemente
se o cliente é religioso ou não? O caso do terapeuta que recebeu essa demanda do
cliente e respondeu-lhe que esse não seria uma assunto prioritário para a terapia.
Porque? O terapeuta não acredita que esse tema seja relevante ou científico p/ a
prática terapêutica porque não foi treinado para trabalhar essa demanda c/ o cliente?
Poucos estudos foram realizados até hoje p/ tentar explicar as atitudes dos terapeutas
frente ao uso na prática clínica do processo do perdão
Um dos modelos de perdão mais citado na literatura é aquele baseado num processo,
onde uma sequência de eventos importantes ou etapas se desenrolam ao longo do
tempo. Segundo North (1987, 1998), essas etapas são: 1)sofrendo uma ferida
profunda em decorrência de ações lesivas; 2)superando a raiva e o desejo de vingança
(um direito moral que a pessoa ofendida tem, mas que, ao longo do tempo, ela opta
por não dar prosseguimento ao ressentimento); e 3)desenvolvendo uma nova resposta
em relação ao ofensor, inclusive a possibilidade de sentir compaixão por essa pessoa.
Mudança de atitude: “Odeie o pecado, mas ame o pecador” (Sto Agostinho).
Essas etapas do processo do perdão podem ser facilitadas ou dificultadas, segundo
Enright (1991), dependendo das condições do contexto ambiental interferindo na
habilidade e disponibilidade de perdoar, a saber: 1)necessidade de punir
proporcionalmente à ofensa cometida; 2)necessidade de reparação; 3)intenção do
agressor de causar o dano; 4)gravidade dos danos causados; 5)se houve o pedido de
desculpas ou arrependimento por parte do ofensor. Tal processo está sujeito a
variações c/ relação à sequência das etapas do mesmo.
As pesquisas, até o momento, apontam p/ a possibilidade de haver alguns benefícios
do perdão, por exemplo, em casos de vítimas de abuso sexual, c/ diminuição dos
sintomas de ansiedade e depressão, persistindo a melhora um ano após o início do
tratamento.
É possível que terapeutas homens e mulheres encarem o processo do perdão,
diferentemente, com os homens investindo mais em trabalhar com seus clientes a
raiva e o desejo de vingança, enquanto que as mulheres seriam mais propensas a
trabalhar a dor e a perda. Consequentemente, é provável que o processo do perdão se
dê, diferentemente, relativo a clientes homens e mulheres. Estas últimas, por
exemplo, teriam maior tendência de trazer essa temática para as sessões que os
clientes homens.
Com respeito à orientação teórica, os terapeutas de orientação psicodinâmica ou
psicanalítica seriam menos propensos a aceitar o perdão como temática relevante à
prática clínica, ao contrário dos terapeutas de orientação cognitivo-comportamental e
os de orientação sistêmica. Ultimamente, mais e mais terapeutas, de diferentes
correntes teóricas têm incluído o perdão na sua prática com seus clientes.
Pesquisas apontam que as temáticas associadas ao perdão são frequentemente
debatidas e consideradas relevantes na prática clínica.
PERDÃO: anotações p/ o trabalho clínico
Além do terapeuta desenvolver empatia pela dor experimentada pelo cliente, é
importante ajudá-lo(la) a assumir responsabilidade em proteger-se de quem a
feriu/magoou, e continuar tocando sua vida, a fim de transcender sua condição de
vítima, não fixando-se nesse papel (Sharon Lamb).
Jeffrie G. Murphy, numa visão filosófica, critica a literatura que defende a idéia de que
a recuperação da saúde mental e moral de uma pessoa dependa, necessariamente, do
perdão. O autor sugere que o perdão pode ser encarado como uma ato de fraqueza e
insegurança da pessoa, em circunstâncias em que a raiva e o ressentimento são
sumariamente eliminados ou reprimidos. A raiva, em sendo uma emoção, e portanto
uma reação animal ou biológica, não seria passível de escolha, senti-la ou não).
Ainda segundo Murphy, a presença da raiva e do ressentimento poderia servir, entre
outras coisas, como um sinal de auto-respeito. Para ele, o perdão só seria legítimo se
fosse concedido ao ofensor, de fato, arrependido, que passaria a merecê-lo, e se o
perdão fosse concedido de modo gratuito ou opcional, garantido o auto-respeito à
vítima e o respeito à ordem moral, ao final desse processo. Tudo isso para evitar que
uma injustiça fosse cometida através de um perdão estritamente unilateral (Molly
Andrews, 2000).
Murphy e Lamb concordam que o perdão não é algo a ser concedido, repentinamente,
mas sim ao longo de um processo ou trabalho racional que demanda tempo para ser
completado. Esses autores sugerem que a discussão sobre o perdão ocorra na esfera
interdisciplinar. Por exemplo, a filosofia poderia contribuir com uma cuidadosa análise
conceitual e reflexiva sobre valores, enquanto a psicologia contribuiria com a
compreensão sobre a personalidade das pessoas envolvidas associada à experiência
clínica.
Lamb (1996, The trouble of blame) sugere em casos de abuso sexual, espancamento ou
rapto que o sistema penal criasse espaços nas penitenciárias para se trabalhar com os
presos o arrependimento, pedido de desculpas e reparação sinceros em relação às
suas vítimas. A chamada Justiça Restaurativa parece caminhar nessa direção. Segundo
aquela autora, nenhuma cobrança de perdão deveria ser feita às vítimas de violência,
mas sim ajudá-las a olhar para seus abusadores de modo realista, evitando assumir
responsabilidade ou culpa em excesso (ex: por erros não genuínos delas). Isso
implicaria, na prática, das vítimas não perdoarem de forma apressada seus agressores,
através de um esforço de apaziguamento fácil, retroalimentando positivamente a
manutenção do ciclo de violência, abrangendo o agressor e sua vítima (ex: “a Geni”, de
Chico Buarque).
Não há um consenso sobre o que seja o perdão, porém muitos teóricos concordam
sobre o que o perdão não é. Por exemplo, Patton (1985) diz que o perdão não é fazer
algo, mas sim descobrir algo: “que eu sou mais parecido com aqueles que me feriram
do que diferente deles” (p.16).
A seguir, seguem alguns questionamentos. É fato que as mulheres costumam trazer a
temática do perdão para o trabalho clínico mais frequentemente do que os homens?
Caso positivo, existiria alguma implicação cultural ou questão de gênero a ser
esclarecida?
Comentando sobre a afirmativa de Santo Agostinho: “Odeie o pecado, mas ame o
pecador”. Haveria um divórcio entre a atitude manifestada numa ação (“pecado”) e a
atitude correspondente de quem a praticou (do “pecador”); ou seja, haveria uma
disparidade entre a ação e o agente. A compreensão de tal disparidade ajudaria a
pessoa prejudicada ou ofendida a mover-se do ressentimento para o perdão. Portanto,
a intenção do perdão, por parte da vítima, envolveria uma grande mudança interior
(envolvendo crenças, valores) e uma mudança de atitude não ingênua sobre o perdão
e não neutra sobre o ofensor (mudança de segunda ordem, na visão cibernética de
Von Foerster).
“Everyone says that forgiving is a lovely idea, until they have something to
forgive” (C.S. Lewis)
(traduzindo: “Todo mundo diz que perdoar é uma idéia adorável, até o
momento em que elas têm que perdoar algo”)
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