01 bol-sa de2-02 cr ditos.pm6 - BVS MS

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
SECRETARIA DA SAÚDE
ESCOLA DE SAÚDE PÚBLICA
EDITOR
Ricardo Burg Ceccim
COMISSÃO EDITORIAL
Cristianne Maria Famer Rocha
Carlos Dácio Araújo
Manoel Mayer Júnior
Ricardo Burg Ceccim
Ruth Sant’Helena da Silva
Sandra Maria Salles Fagundes
CONSELHO EDITORIAL
Airton Stein – FFFCMPA
Alcindo Antônio Ferla – SES/RS
Álvaro Crespo Merlo – UFRGS
Carlos Alvarez – Universidade de Alicante/Espanha
Carmem Silveira Oliveira – UNISINOS
Célia Regina Pierantoni – UERJ
Ceres Víctora – UFRGS
Cristianne Maria Famer Rocha – UERGS
Dagmar Elisabeth Estermann Meyer – UFRGS
Denise Rangel Ganzo de Castro Aertes – SMS/PMPA
Emerson Elias Merhy – UNICAMP
Giorgio Solimano – Universidade do Chile/ALAESP
Jaime Breilh – EQUADOR
Jairnilson Silva Paim – ISC/UFBA
Janice Dornelles de Castro – UERGS
José Luis Araújo – FIOCRUZ
Jussara Gue Martini – ABEN/UNISINOS
Liane Beatriz Righi – UNIJUI
Maria Ceci Araújo Misoczky – UFRGS
Maria Cecília Souza Minayo – FIOCRUZ
Maria Luiza Jaeger – SES/RS
Marlow Kwitko – PUC/RS
Moacyr Scliar – FFFCMPA
Moisés Goldbaum – USP
Newton Barros – AMRIGS
Paulo Duarte Amarante – ENSP/CEBES
Ricardo Burg Ceccim – ESP/RS
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
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Ronaldo Bordin – UFRGS
Sarah Escorel – CEBES
Sandra Maria Salles Fagundes – UERGS
Soraya Vargas Côrtes – NIPESC/UFRGS
Stela Meneghel – UNISINOS
Teresa Borget Armani – ESP/RS
Vânia Maria Fighera Olivo – UFSM
Virginia Alonso Hortale – ENSP
EQUIPE TÉCNICA
Ana Paula Andrioli Taday – versão português-espanhol; digitação
Antônio Sergio Freitas Ferreira – capa
Camila Slomp – capa
Geisa Costa Meirelles – CRB 10/1110
Luiz Cezar F. de Lima – editoração
Márcia Stypulkowski – CRB 10/1172
Raquel Macagnan Silva – versão português-inglês
Ruth Sant’Helena da Silva – CRB 10/666
Silvana Matos Amaro – CRB 10/1098
Simone Silveira Nascimento – capa
Simone Pereira – revisão português
TIRAGEM
2000 Exemplares
A Revista Boletim da Saúde é associada à Associação Brasileira de Editores
Científicos
B668
Boletim da Saúde / Secretaria da Saúde do Rio Grande do
Sul; Escola de Saúde Pública. – v. 15, n. 1 (1969). –
Porto Alegre: SES/ESP, 1969 –
Semestral.
ISSN 0102-1001
1. Boletim da Saúde – Periódicos I.Secretaria da
Saúde-RS. II.Escola de Saúde Pública-RS
NLM WA
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v
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
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Apresentação
Relançar a revista Boletim da Saúde não foi fácil, era preciso primeiro
recuperar o potencial de produção intelectual de nossa Escola de Saúde
Pública (ESP/RS), de devolvê-la à vanguarda da formação em saúde coletiva,
inserindo-a nos novos tempos da Reforma Sanitária Brasileira.
As bases da Reforma Sanitária Brasileira foram lançadas, também, por
esta Escola, mas sua presença acadêmica e documental foi sendo defasada
da liderança intelectual desse processo.
Muito trabalho foi feito junto à sociedade gaúcha e este trabalho deve
ganhar curso na sociedade maior. Nessa hora, registrar e disseminar o
registro é condição de democracia e abertura à interlocução.
Oferecemos ao Boletim da Saúde uma nova política editorial, buscamos
um conceito editorial de elevada credibilidade no Brasil, América Latina e
Caribe, desencadeando o processo de construção de uma revista científica
que dê sustentação intelectual à Educação em Saúde Coletiva como fazemos
no Rio Grande do Sul. Temos cursos de pós-graduação acadêmica, cursos
de educação em serviço (residências), cursos de educação profissional,
projetos de educação permanente de trabalhadores e de gestores em saúde,
bem como temos projetos de educação popular em saúde e de fortalecimento
da gestão de políticas públicas de saúde junto aos movimentos sociais.
Temos, ainda, a meta da eficiente documentação em saúde com sofisticado
acervo de Informação Técnico-Científica, com a recuperação da Memória e
História da Saúde Pública no Rio Grande do Sul, com a documentação da
Educação Popular em Saúde junto ao Movimento Social gaúcho, com acervo
para a educação em saúde em multimeios, com a participação no projeto em
rede da América Latina e do Caribe de configuração da Biblioteca Virtual em
Saúde e com a documentação da produção intelectual da Escola de Saúde
Pública/RS e da Secretaria da Saúde (SES/RS), seja por meio da produção
monográfica de cursos e programas de ensino e pesquisa, seja por meio da
reflexão intelectual sobre a produção da gestão, dos serviços, do controle
social e da educação.
A presente revista compõe o projeto de uma Linha Editorial para a
disseminação de todos estes componentes da Informação e Documentação
em Saúde Coletiva. Entendemos uma revista como o convite ao debate e não
a expressão de palavras de ordem científica ou política, assim, uma revista
deve consumar, por meio da disseminação de dados, informações,
conhecimentos e interpretações a abertura e o confronto de idéias.
Boa leitura e boa luta na defesa do SUS, com informação de qualidade e
com um veículo de disseminação de informação rigorosamente trabalhado
pela dedicação acadêmica de nossa Escola de Saúde Pública.
Como disse no número anterior de Boletim da Saúde, repito aqui a fala
tradicional de nosso governador, o Olívio Dutra, por sua força mobilizadora e
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
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desafiadora de um projeto de sociedade: “Boa Luta para Todos, para que o
SUS seja legal, não só na legislação, mas na vida da população brasileira!”
Insisto mais uma vez: que a leitura possa ajudar a construir mais vida com
qualidade, igualdade e eqüidade para todos!
Maria Luiza Jaeger,
Secretária da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul
1999 a 2002
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v
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
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Sumário
Enfoque
v Informação como ferramenta de gestão: desenvolvimento de parâmetros
para acompanhamento do sistema de saúde a partir da análise integrada
dos sistemas de informação
Alcindo Antônio Ferla / 9
Artigo
v A importância da conservação, preservação e restauração e os acervos
bibliográficos e documentais em saúde coletiva
Iara Jurema Quintela Moreira da Silva / 29
v Hospitalização em pediatria e as situações de aprendizagem da criança:
percepções da equipe de saúde em uma unidade hemato-oncológica de
um hospital universitário
Luciana Borges Medina / 37
v Tuberculose: histórico, epidemiologia e imunologia, de 1990 a 1999, e coinfecção TB/HIV, de 1998 a 1999, Rio Grande do Sul – Brasil
Roberta Campos; Celso Pianta / 61
v Um centro de informação e documentação em saúde pública/saúde
coletiva: compromissos, interfaces e perspectivas possíveis e a estante
da utopia – Parte II
Ruth Sant’Helena da Silva / 72
Ensaio e Reflexão
v Pediatria, puericultura, pedagogia...: imagens da criança e o devir-criança
Ricardo Burg Ceccim / 87
Memória e História
v A singularidade da melhoria habitacional para o controle da doença de
Chagas na região noroeste do Rio Grande do Sul
Cleonara Bedin; Tânia M. Stasiak Wilhelms; Maria Amélia Torres; Paulo R.
da Silva Abbad; Kátia Jobim Lippold; Luís Alberto Senff; Paulo R. Sackis /
107
v A arquitetura e os estabelecimentos de saúde: algumas considerações
Ednezer Rodrigues Flores / 117
v Instituto de Pesquisas Biológicas: memória institucional e trabalho de
pesquisa histórica
Márcia Aiub de Mello / 121
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
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v A Residência Integrada em Saúde: Dermatologia Sanitária – uma
experiência interdisciplinar vista pelo enfoque da Psicologia
Marisa Campio Müller; Cristina Beatriz Haag; Juliana Dors Tigre da Silva /
129
Especial
v Nossos saberes, nossos fazeres – Atenção Integral versus Vigilância à
Saúde: aftosa e saúde mental em Jóia
Maria Luíza Raminelli de Almeida / 141
Resumo
v Processo de territorialização: vivências de uma equipe
A. A. Poitevin; A. A.Torres; S. C. Scariote; L. V. Miranda; C. Oliveira; C. P.
Piva; R. F. D. Oliveira; L.Teixeira; P. Barros; V. Mello; A. Volkmer; C.Rocha;
K. L. Pegas; J. O. Lacerda; L. K. Amakawa; M. Colisse; M. Tavares; E.
Farias / 149
v Desafio da promoção de saúde com adolescentes: uma abordagem
interdisciplinar
Beatriz Mallmann1; Cláudia Sá Freire; Débora Drehmer; Eduardo
Albuquerque D’Elia; Fabiana Aguiar Guimarães / 151
v A Interdisciplinaridade: um novo fazer na saúde da família e da
comunidade
Beatriz Mallmann; Oswaldina Lopes; Ruth Mincaroni; Carla Patrícia Paiva;
Fabiana Aguiar Guimarães; Gláucia Regina Siqueira Franco / 153
v A observação da Unidade Básica de Saúde 5 do Centro de Saúde – Escola
Murialdo
Cláudia da Silva Chitollina; Daniela Michelin Letti; Débora Tomatis
Pacheco; Sandra Oscham Medvedovsky / 155
v Acadêmicos de medicina e a atenção primária à saúde
Cristina Lunardi Munaretti; Patrícia Caspary; Rita Cristina C. Sotelo / 157
v Mortalidade em crianças de cinco a nove anos, Porto Alegre, 1988 a 2000
Fernanda Rocha; Elson Romeu Farias; Carolina Neis; Eliana Restellato /
159
Atos Normativos
v Portaria Nº 183/2001 / 163
v Resolução Nº 23/2001 – CES/RS / 165
Normas Editoriais
v Política e Normas Editoriais / 171
6
v
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
Enfoque
Atenção montador
a página 8 é branca
Informação como ferramenta de gestão: desenvolvimento de parâmetro para ...
Informação como ferramenta de gestão:
desenvolvimento de parâmetros para
acompanhamento do sistema de saúde a
partir da análise integrada dos sistemas
de informação1
Alcindo Antônio Ferla2
Resumo: Relato analítico do processo de gestão da política estadual de informação e informática em saúde no Rio Grande do Sul desde 1999, quando, principalmente por meio do desenvolvimento de indicadores e parâmetros para acompanhamento dos sistemas municipais, regionais e estadual de saúde, integrando bases de
dados e desenvolvendo tecnologias de suporte, buscou-se transformar, na prática, e
aprofundar o uso da informação no suporte à gestão descentralizada do Sistema
Único de Saúde.
Palavras-Chave: Informação; Informática em saúde; Sistemas de informação
em saúde; Gestão do Sistema Único de Saúde.
Introdução
As décadas de 80 e 90 do século passado caracterizaram-se como um
período de mudança significativa no modo de conceber e organizar os serviços de saúde no Brasil.
Desde então, contingentes populacionais anteriormente excluídos do
acesso à atenção à saúde vêm sendo paulatinamente inseridos no sistema
público; há progressiva incorporação de tecnologias especializadas nos serviços; avança-se, mesmo que tenuemente, na definição de critérios de
equanimidade para a distribuição de recursos financeiros. Entretanto, algumas áreas estratégicas necessitam de desenvolvimento mais rápido para fortalecer esse processo de qualificação do sistema de saúde, adequando-o ao
1
Relato analítico do projeto “Desenvolvimento de parâmetros assistenciais para a avaliação e
para o planejamento a partir da análise integrada dos sistemas de informação em saúde no
Rio Grande do Sul”, classificado em 2º lugar na Área Temática de Gestão dos Serviços de
Saúde do Concurso Nacional de Experiências Inovadoras no SUS.
2
Coordenador da Rede Gaúcha de Informações em Saúde e do projeto premiado.
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
9
Alcindo Antônio Ferla
que dispõem a Constituição Brasileira e as Leis Federais nº 8080/90 e nº
8142/90. Ainda se fazem necessários avanços na área de informação e
informática em saúde, planejamento, acompanhamento, controle e avaliação,
com a produção de tecnologias de gestão compatíveis com a racionalidade
que fundamenta a estrutura que está em implantação, o Sistema Único de
Saúde (SUS). Essas áreas ainda se mantêm atreladas às características do
modelo técnico-assistencial que antecedeu ao SUS, ou mesmo espelhadas
acriticamente em tecnologias internacionais utilizadas, com graus variados
de sucesso em seus próprios contextos, na maioria das vezes muito diversos
da realidade brasileira, tanto em seus aspectos de diversidade histórica, social, política, demográfica e sanitária, quanto na própria configuração do sistema de saúde definido legalmente.
Nas décadas de 60 e 70 do século XX, as políticas sociais brasileiras
tiveram uma organização fragmentária, com diversos órgãos do poder público atuando autônoma e paralelamente; com as estratégias de proteção social
orientadas para atingir grupos específicos de população; definidas pela
tecnocracia estatal quase que exclusivamente a partir da lógica de viabilidade
econômica; observando prioritariamente direitos sociais dos segmentos
populacionais pertencentes às corporações reconhecidas pelo Estado e que
recolhiam contribuições previdenciárias; centralizadora, uma vez que tanto a
definição das políticas quanto o controle do financiamento estavam concentradas no governo federal. Os serviços de saúde também estiveram submetidos a essa lógica e no final da década de 70, a exemplo das demais ações
sociais do poder público, tiveram uma importante expansão de cobertura, produzida pela combinação do aumento da demanda em decorrência dos efeitos
da crise econômica, das pressões sociais e do mercado produtor de serviços.
Essa expansão, entretanto, deu-se principalmente pela contratação de ações
produzidas pela iniciativa privada, tendo sido muito pequeno o investimento
nos serviços públicos de saúde, bem como em tecnologias de controle público sobre eles (Almeida; Chioro; Zioni, 2001).
Na década de 80 deste último século, o crescimento da mobilização social em torno dos direitos sociais e de saúde provocou uma série de mudanças institucionais. Foram implementadas parcialmente diversas estratégias
do Movimento de Reforma Sanitária, produzindo algum grau de integração
das ações e serviços ofertados pelas diversas instituições federais, estaduais
e municipais, bem como a desconcentração da oferta das ações e serviços. A
diminuição progressiva dos gastos públicos com saúde, nas análises históricas que corrigem os valores anuais com os índices oficiais de inflação ou
mesmo os que indexam as moedas mais estáveis, e o crescente comprometimento desses recursos com o ressarcimento dos serviços privados, além
dos níveis crescentes de corrupção, principalmente nestes serviços, consolidou um quadro de crise financeira e de legitimidade social que fortaleceu as
propostas mais radicais de mudança. Esse contexto influenciou fortemente a
elaboração da Constituição Brasileira de 1988, que criou o SUS (Mendes;
10
v
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
Informação como ferramenta de gestão: desenvolvimento de parâmetro para ...
Carvalho; Marques, 2001).
A partir da Constituição, foram desenvolvidos mecanismos que estão
organizando o conjunto desarticulado de ações e serviços e transformandoos num sistema e, segundo as diretrizes legais, com direção única em cada
esfera de governo. Assim, fica indicado o movimento de descentralização da
gestão, sendo os Municípios responsáveis, com a cooperação técnica e financeira dos Estados e da União, pela organização da base do sistema nacional de saúde. A gestão é entendida, na definição legal, como a prerrogativa e a responsabilidade compartilhada que tem cada uma das esferas de
governo de “dirigir um sistema de saúde, mediante o exercício das funções
de coordenação, articulação, negociação, planejamento, acompanhamento,
controle, avaliação e auditoria” (Brasil, 1996). No contexto da tradição política
e administrativa centralizadora, a diretriz constitucional da descentralização
da gestão envolve um processo de transformações institucionais, com
“redistribuição de poder e de recursos, redefinição de papéis das três esferas
de governo, reorganização institucional, reformulação de práticas, estabelecimento de novas relações entre os níveis de governo e controle social” (Brasil,
1993).
Outra idéia importante da Constituição Brasileira é a de democratização
da saúde, entendida não somente como o resultado do acesso às ações
assistenciais, mas como o resultado das condições de vida das pessoas.
Assim, além de oferecer ações e serviços de saúde, faz parte das atribuições
dos governos, para responder ao direito das pessoas por saúde, a garantia de
emprego e salário regular e suficiente e de posse da terra para quem trabalha
nela, de educação e cultura, de saneamento básico e proteção do meio ambiente, de habitação, de produção e acesso a alimentos e acesso aos produtos e bens necessários. Enfim, pela melhoria no nível de vida das pessoas.
O ápice da democratização da saúde está na definição constitucional,
regulamentada principalmente pela Lei Federal nº 8142/90 (Brasil, 1990b), da
participação popular no sistema de saúde. Essa participação tem a prerrogativa legal de avaliar e propor diretrizes para a política de saúde em cada esfera governamental, bem como deliberar e formular estratégias e controlar a
execução das ações e serviços de saúde. Essas características desafiam à
reorganização do sistema público de saúde no Brasil desde a Constituição
Brasileira, particularmente à gestão.
Nesse amplo processo de mudanças, a área da informação e da
informática tem importantes contribuições, principalmente no que se refere
ao planejamento, à formulação, ao acompanhamento, à avaliação e à
regulação do sistema de saúde, bem como no fortalecimento do controle social. Essa área já vem se constituindo há várias décadas, tendo uma boa
tradição no tratamento dos dados, uma significativa quantidade de bancos de
dados demográficos, epidemiológicos e de prestação de serviços e diversas
agências de informação tanto no âmbito federal, quanto no estadual e municipal.
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
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Alcindo Antônio Ferla
Uma enorme quantidade de dados e mesmo informações é produzida
cotidianamente no país para os mais diversos fins. Dessas, uma grande parte
pode contribuir significativamente para a qualificação do sistema de saúde,
entendida como item importante para a qualidade de vida da população. Especificamente em relação à assistência à saúde e às demais atividades realizadas pelos serviços de saúde, são produzidos e sistematizados regularmente dados sobre vigilância em saúde, estatísticas vitais, produção, cobertura
assistencial e capacidade instalada dos serviços, financiamento público de
saúde, principalmente por intermédio dos grandes bancos de dados nacionais, mas também por meio de sistemas próprios dos estados e municípios.
Também estão disponíveis na área da saúde bancos de dados produzidos por outros setores, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE); Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e estudos
amostrais produzidos por universidades, centros de pesquisa e outras instituições.
Porém, todos esses bancos de dados e sistemas são ainda insuficientes
para a análise das necessidades de saúde da população, quer por ausência
de informações sobre a incidência e/ou prevalência de agravos importantes
no perfil epidemiológico da população, devido a falhas na cobertura dos sistemas de informação hoje existentes e, mesmo, por decorrência desses estarem restritos a alguns aspectos do sistema de saúde, permitindo apenas visões parciais e fragmentárias. A insuficiência de informações ocorre também
devido à falta de tecnologias que permitam a articulação de diferentes bases
de dados para obtenção de informações contidas nas mesmas, bem como
pela precariedade de estratégias de compartilhamento entre os gestores da
gestão da política de informação e informática em saúde.
Outra questão relevante é a de que as informações disponíveis normalmente não são de fácil acesso aos gestores locais e sua utilização é dificultada pela complexidade das tecnologias ou por incompatibilidades conceituais
ou geográficas das diferentes bases de dados. Por vezes, até mesmo há
desconhecimento do potencial de uso da informação como ferramenta para a
gestão descentralizada. Paralelamente, observa-se a necessidade de desenvolver mecanismos que possibilitem aos usuários dos serviços de saúde e de
seus representantes nos conselhos, bem como aos próprios trabalhadores
em saúde, apropriarem-se do conteúdo das informações já disponíveis, de
modo que possam melhor exercer sua representação e sua cidadania
(Almeida, 1995).
Por último, cabe lembrar que o uso restrito das informações na definição
de prioridades, na avaliação e no controle do sistema de saúde (Moraes,
1994; Moreira, 1995), quaisquer que sejam as causas mais relevantes para
cada caso, produz um grave atenuamento na função de gestão das Secretarias de Saúde. Adicionalmente à fragmentação e à qualidade insuficiente das
bases de dados, também contribuiu para a cultura restrita do uso sistemático
de informações uma certa tradição na área da informação e informática em
12
v
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
Informação como ferramenta de gestão: desenvolvimento de parâmetro para ...
saúde de substituir a discussão das necessidades da gestão nessa área às
possibilidades das novas tecnologias desenvolvidas, progressivamente mais
sofisticadas. Colocada nesse contexto, a área da informação e informática
em saúde muitas vezes torna a gestão refém de seus conhecimentos, ao
contrário de fortalecê-la com produtos e serviços acessíveis e com qualidade.
Esses diagnósticos, compartilhados pelo conjunto de atores sociais que
atuam na área, vêm produzindo alguns consensos também no que se refere a
diretrizes para a superação desses problemas. Em 1996, durante a 10ª Conferência Nacional de Saúde, uma Mesa Complementar recuperou as formulações prévias de fóruns sobre informação em saúde e definiu diretrizes para a
confecção de uma política para a área.
Compatível com as disposições legais do SUS, também existe a necessidade urgente de descentralizar a gestão da política de informação, de modo
a garantir aos gestores do SUS das três esferas os níveis de informação
necessários, suficientes e acessíveis para o planejamento e tomada de decisões para as ações de saúde. Da mesma forma, a diretriz constitucional de
controle social faz com que seja necessária uma nova lógica para organizar
estes sistemas, não mais considerando como critério único, sequer prioritário,
as necessidades administrativas e gerenciais das instituições federais, mas
principalmente como o desafio de instituir uma nova cultura em saúde e, mais
ainda, como uma contribuição essencial para a democratização da sociedade. A necessidade que se apresenta é de efetivar uma política e um sistema
nacional de informação e informática em saúde, reorientando o atual enfoque
de sistemas federais, estaduais e municipais paralelos, concorrentes, ineficientes e expoliadores do escasso recurso público para a área. Já foram produzidos avanços significativos na desconcentração operacional da coleta e
sistematização dos dados de diversos subsistemas de informação.
Com relação à disseminação das informações dos sistemas, atualmente os dados de alguns deles encontram-se disponíveis em diversos meios
(BBS, CD-ROM e Internet), o que deve facilitar o acesso para todos os níveis
de gestão e de usuários externos, contribuindo dessa forma para uma maior
eficiência da gestão e do controle social do sistema. Uma articulação entre os
diversos projetos desenvolvidos pelas secretarias de saúde e o Ministério da
Saúde na área de informação e informática em saúde, bem como a constituição de uma rede envolvendo gestores do SUS, serviços de saúde e conselhos de saúde, foi desencadeada por meio da Rede Nacional de Informações
em Saúde (RNIS), com apoio do Banco Mundial. No Estado do Rio Grande do
Sul, esse projeto foi denominado Rede Gaúcha de Informações em Saúde
(RGIS) e vem sendo coordenado pela Secretaria da Saúde do Estado (SES/
RS). Considerando a importância dessa área e do reordenamento na sua
gestão, o Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde (Conass)
apoiou desde 1999 a implantação de um Fórum Nacional dos Coordenadores
Estaduais da RNIS, patrocinado pela Coordenação Nacional do Projeto.
Porém, apesar de todos os esforços que vêm sendo desenvolvidos, in-
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
13
Alcindo Antônio Ferla
clusive pela comunidade científica e algumas agências oficiais produtoras de
informação, no sentido de criar uma Política Nacional de Informação e
Informática em Saúde com gestão compartilhada e controle social, ainda não
foi possível a superação da fragmentação institucional, principalmente no
âmbito federal, do distanciamento entre diversas agências e da falta de comunicação entre os diversos bancos de dados. Essa fragmentação, bem
como a utilização de critérios isolados para a definição de prioridades no desenvolvimento de sistemas, fluxos, investimentos, definição de tecnologias
etc, atualiza na gestão da política nacional de informação e informática em
saúde os problemas verificados na gestão do sistema de saúde como um
todo: na realidade, temos um certo nível de confusão entre o que é uma política federal de informação e informática em saúde, responsável pelo suprimento das necessidades identificadas para o gerenciamento das estruturas
vinculadas ao governo federal, e a política, suficiente e fortalecedora da gestão em todos os níveis e para o SUS, conforme determina a nacional Constituição Brasileira.
Assim, ainda é muito tênue sua utilização integrada no processo de organização das ações e serviços de saúde, muitas vezes sendo concebidos
burocraticamente como processo de trabalho isolado e necessário apenas
para cumprir as atribuições delegadas pelos níveis estadual e federal do SUS,
principalmente quando esse trabalho é realizado por estruturas específicas e
descoladas do planejamento e da avaliação da atenção à saúde (Castro;
Ferla; Robinson, 1997). Também é comum que cada um desses bancos de
dados tenha a sua apropriação acessível apenas por setores específicos,
onde está concentrada a operacionalização ou a orientação técnica das ações
que geram os dados, com restrição de acesso às demais áreas.
Embora tenham sido pensadas tecnologias compatíveis na produção
desses bancos de dados, ainda é excepcional sua utilização integrada nas
instâncias de gestão dos serviços de saúde. Por outro lado, tecnologias de
associação de bases de dados e de extração de conhecimentos são mais
viáveis de serem desenvolvidas no ambiente acadêmico. A decisão de superar os problemas relativos a essa área, bem como a opção política de fortalecer as funções de gestão no sistema estadual de saúde do Rio Grande do
Sul, fez com que fossem desencadeadas ações de reordenamento dessa
área não somente no território estadual, mas também com uma forte participação no cenário nacional. Essas ações incluíram o uso mais cotidiano dos
dados e informações pela SES/RS, qualificação da infraestrutura de
informática, mas também parcerias interinstitucionais, como se verá a seguir.
Informação como suporte para a gestão em saúde no Rio Grande
do Sul
O contexto nacional descrito influenciou e influencia a organização e o
funcionamento das estratégias gaúchas relativamente à informação e
14
v
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
Informação como ferramenta de gestão: desenvolvimento de parâmetro para ...
informática em saúde, bem como aos demais aspectos do SUS. É inevitável
que isso ocorra, já que, como a própria denominação indica, há unicidade no
sistema nacional de saúde. Entretanto, como apontou a NOB 93, essa
unicidade não implica em padronização/modelação de todos os aspectos do
sistema no tão diverso e heterogêneo território nacional. Segundo essa NOB,
“a expressão ÚNICO de que falam a Constituição e a Lei 8080 deve ser entendida como um conjunto de elementos de natureza doutrinária ou
organizacional, comuns aos diversos modelos ou sistemas de saúde existentes ou que possam vir a existir” (Brasil, 1993). Assim, a unicidade do sistema
significa, do ponto de vista doutrinário, universalidade, eqüidade e
integralidade, e do ponto de vista organizacional, descentralização,
regionalização e controle social.
A unicidade em torno de princípios doutrinários e organizacionais aplicase também para a área de informação e informática, onde União, estados e
municípios devem ser co-gestores da Política Nacional, incluindo a responsabilidade de desenvolver ações no seu âmbito. Essa é inclusive uma prerrogativa afirmada em outros instrumentos legais. A Lei Federal nº 8080/90 afirma
reiteradamente como objetivos e atribuições do SUS, a identificação e disseminação de fatores condicionantes e determinantes da saúde, a capacidade
instalada dos serviços, o direito dos cidadãos no acesso às informações de
saúde. Além dessas disposições gerais, a mesma Lei estabelece, em seu
Artigo 15, que é atribuição comum da União, dos estados e dos municípios a
“organização e coordenação do sistema de informações de saúde” (Inciso
IV), (Brasil, 1990a).
Nesse contexto, em 1999, ao iniciar um reordenamento das questões
relativas a essa área, a SES/RS propunha-se a assumir as atividades e responsabilidades de sua competência. Para a equipe que assumiu a gestão do
sistema estadual de saúde naquele ano, a área da informação deveria tornarse um insumo de maior relevância no subsídio ao processo de gestão, necessitando, para isso, de um ordenamento compatível com a lógica de gestão do
SUS.
No processo mais recente de reordenamento da área de informação e
informática no sistema de saúde gaúcho, podem ser identificadas quatro etapas distintas, representando os planos de decisão política relativamente a
ela3. Essas etapas, representadas no Quadro 1, têm recortes relativos aos
avanços obtidos na cultura institucional da SES/RS e na aplicação de
tecnologias específicas para operar sobre as bases de dados existentes, com
vistas a gerar indicadores e parâmetros para o acompanhamento do SUS/
3
Evidentemente, a sistematização dessas etapas não correspondeu a uma substituição linear
da situação anterior da informação e da informática no SUS/RS. Essas etapas representam a
qualificação progressiva da cultura das instâncias decisórias da SES/RS relativamente a essa
área. A interface com o contexto nacional e mesmo a cultura residual de algumas áreas técnicas, além de limites práticos, fazem com que, atualmente, estejam presentes na Secretaria
traços das quatro etapas descritas.
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
15
Alcindo Antônio Ferla
RS. Um primeiro plano de interesses para esse projeto particularizava o componente da assistência para esse exercício. Constatado que a redução do
SUS à forma com que se organiza a assistência é um dos principais vieses
das análises sobre o atual sistema de saúde brasileiro e, principalmente, identificados os limites que decorrem dessa simplificação, ampliou-se o foco de
competências da informação e informática para aspectos dos três componentes já mencionados.
Quadro 1 – Etapas do processo de gestão da informação e informática –
SUS/RS
Etapa
Etapa 0
Etapa 1
Etapa 2
Etapa 3
Características principais
Sistemas de informação fragmentados e burocratizados, infraestrutura
precária, uso tênue da informação no suporte à gestão, informação de
propriedade de setores específicos, capacitações fragmentadas e
dirigidas aos operadores de cada sistema.
Agregação artesanal de informações para suporte à gestão, devolução
de dados agrupados por sistema aos gestores regionais e municipais,
qualificação da infraestrutura de informação e informática, composição
artesanal de indicadores e parâmetros simples para monitoramento da
gestão.
Incorporação de novas tecnologias de associação e análise de dados,
georreferenciamento de informações para suporte à gestão, elaboração de parâmetros e indicadores mais complexos para o acompanhamento da gestão, desenvolvimento de estratégias para a incorporação
de novas bases de dados.
Sofisticação das tecnologias de associação de bases de dados, criação
de mecanismos com tecnologia complexa para a análise das informações, ampliação de parcerias para a área da informação e informática
em saúde, desenvolvimento de produtos de fácil operação para subsídio à gestão do SUS.
No que se denomina de Etapa 0, onde está identificada a situação encontrada pela equipe diretiva da SES/RS em janeiro de 1999, similar à situação descrita na parte inicial desse texto como representativa do contexto nacional, há algumas particularidades que merecem ser destacadas. O tratamento dado a alguns subsistemas de informação pela SES/RS mesmo antes
de 1999, particularmente para o Sistema de Informações de Nascidos Vivos
(Sinasc) e de Mortalidade (SIM), tornou-os referência nacional. Nesse mesmo período, no âmbito estadual, houve desconcentração às então chamadas
Delegacias Regionais de Saúde (DRS) da digitação de dados dos mesmos
sistemas.
A Etapa 1, desencadeada principalmente a partir de 1999, representou o
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Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
Informação como ferramenta de gestão: desenvolvimento de parâmetro para ...
início do reordenamento da relação da direção da SES/RS com a área de
informação e informática e incluiu ações de incorporação de equipamentos,
organização de uma rede com as já então denominadas Coordenadorias
Regionais de Saúde (CRS), ações de capacitação em informação e
informática (e não apenas isoladamente em cada um dos subsistemas específicos), criação de um Comitê Estadual de Informação e Informática e uma
estratégia “artesanal” de disseminação de um conjunto heterogêneo de informações com base municipal às CRS e aos municípios. Essa coletânea de
dados, na realidade uma coletânea de relatórios pré-formatados de cada um
dos subsistemas existentes na SES/RS, agrupados numa encadernação
manufaturada na própria Secretaria, foi chamada de “Prontuário de Informações Municipais”. Inicialmente continha dados de produção e pagamento de
serviços (SIA e SIH, principalmente)4, com comparativos de padrões médios
por prestador, município, região e estado. Foi um primeiro esforço de estabelecer indicadores simples e parâmetros, por meio do acesso transparente à
informação e de consensos e negociações. Um embrião de indicadores mais
complexos foi gestado por algumas das 19 CRS ao pactuarem metas de tetos
físicos e financeiros para a assistência, associando individualmente dados de
incidência e prevalência de algumas doenças e agravos, capacidade instalada de serviços e compromisso de prestadores e gestores com a qualificação
dos serviços e ampliação da regulação pública sobre as ações oferecidas.
Esse processo de definição pactuada de indicadores e metas a partir da
análise regional de relatórios e bases de dados isolados subsidiou o início do
processo denominado Pactuação Solidária da Saúde. No ano de 2000, esse
processo foi aprofundado com as bases de dados que permitiram analisar a
Atenção Básica à Saúde e, imediatamente após, também indicadores e metas da Vigilância Epidemiológica foram identificados, discutidos e pactuados.
A tecnologia de tratamento e análise manteve-se constituída pela análise isolada de bancos de dados e de indicadores simples, com validação por meio
da consensualização entre os gestores.
Esse movimento inicial criou, como reação, um significativo aumento de
demanda por acesso a novas tecnologias (equipamentos, softwares, acesso
à Internet) e por capacitação para o uso dessas tecnologias de trabalho com
a informação, gerando a necessidade de uma evolução na disponibilização e
uso desses componentes na estrutura da SES/RS.
Em 2001 este processo avançou muito e praticamente todas as coordenações centrais e coordenadorias regionais da SES/RS, além do Conselho
Estadual de Saúde, envolveram-se na análise de dados, estudando e formulando novos indicadores e parâmetros que explicitassem mais fidedignamente a realidade da saúde no Estado. Foi possível, após ampla discussão, organizar e integrar as informações, elaborar a Agenda Solidária da Saúde e pro4
SIA é o Sistema de Informação Ambulatorial e SIH o Sistema de Informação Hospital, que
registram a produção assistencial dos serviços de saúde.
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
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Alcindo Antônio Ferla
por os indicadores que passam a compor o quadro de metas no Plano Estadual de Saúde. A Agenda Solidária da Saúde contempla as particularidades
do Estado e é um importante instrumento para a gestão e o controle social e
compõe uma das estratégias do processo de Pactuação Solidária da Saúde
no Rio Grande do Sul.
O movimento seguinte de apropriação da gestão estadual da informação, como insumo para qualificar os processos de direção do SUS/RS, foi a
decisão de implementar um projeto de alocação de recursos estaduais aos
municípios com base em indicadores e parâmetros derivados dos Sistemas
de Informação. A Municipalização Solidária da Saúde, projeto descrito com
maior detalhe em outras publicações5, utilizou-se em 1999 do coeficiente de
população total do Município para alocar recursos estaduais. Nos anos seguintes, o projeto utilizou-se da combinação de outros critérios. Esse projeto
marcou definitivamente a apropriação da informação como suporte à gestão:
a informação passou a compor, de forma diferenciada, a agenda dos gestores
no Rio Grande do Sul, subsidiando, inclusive as funções de financiamento e
regulação.
É significativo nesse processo de gestão estadual de informações para
suporte à gestão a rápida adesão e qualificada alimentação dos dados pelos
municípios do Rio Grande do Sul do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (Siops), que já no ano de implantação (1999, com
a base de dados do ano anterior) teve a cobertura de 91% do estado, tendo
sido o de melhor resposta no país. Desta forma, tornou-se possível a utilização destes dados para critérios de cálculo dos Recursos financeiros da
Municipalização Solidária da Saúde.
A evolução do projeto de informação e informática no Estado do Rio
Grande do Sul foi delegada particularmente à Rede Gaúcha de Informações
em Saúde (RGIS), que foi responsabilizada pela operacionalização do objetivo de dar suporte à gestão do SUS no âmbito estadual, regional e municipal,
por meio de estratégias de qualificação do trabalho com a informação em
saúde, bem como das tecnologias de informática. Entre estas estratégias,
buscou-se a qualificação do parque tecnológico, a produção e organização
das informações, a ampliação das atividades de capacitação, o desenvolvimento de softwares, o financiamento de projetos específicos, a publicações e
outras formas de disseminação e parcerias com outras instituições.
A participação da SES/RS no Programa Nacional de Capacitação em
Informação e Informática em Saúde para Trabalhadores do SUS, desenvolvido pela RNIS, é uma das estratégias desenvolvidas para atuar nesse contexto de cultura fragmentada e atenuada de uso da informação, o que compromete seu uso para a gestão tal qual é configurada na legislação. O Programa
Nacional de Capacitação partiu da constatação da necessidade de um processo amplo de capacitação dos profissionais de saúde, como um dos princi5
Sugere-se os artigos de Ferla e Martins Jr., 2000 e Ferla et al., 2001.
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Informação como ferramenta de gestão: desenvolvimento de parâmetro para ...
pais problemas a serem enfrentados para garantir a melhoria da qualidade da
informação, bem como intensificar o seu uso no processo de gestão em saúde. Esse projeto desenvolveu, como produto, uma seqüência de seis cursos
com os principais temas relacionados à informação e informática em saúde, e
será aplicado numa estratégia de Ensino à Distância (EAD) via Web. Os cursos têm os seguintes temas: Novos processos de gestão e o uso da informação; Conceitos e metodologias de análise dos Sistemas de Informação em
Saúde; Informação no planejamento e no Controle Social do SUS; Análise da
situação em saúde; Produção e crítica da informação em saúde; Comunicação em saúde. Em esforço colaborativo com outros estados, coube à SES/
RS a responsabilidade pelo desenvolvimento do 6º curso.
A partir dessas estratégias iniciais, houve uma maior sensibilização de
trabalhadores, conselheiros e gestores quanto à importância do uso da informação como subsídio ao processo decisório e ao controle social.
Em decorrência desta sensibilização, houve ampliação e consolidação
de mecanismos de acesso à informação, favorecendo sua disseminação e
apresentação adequada, conforme as necessidades e demandas dos diferentes segmentos envolvidos no processo, bem como a ampliação das atividades integradas de capacitação de servidores dos municípios e da SES/RS
nos diferentes Sistemas de Informação em Saúde existentes, contribuindo
para a qualificação da informação, reduzindo inconsistências na sua alimentação e garantindo maior confiabilidade e atualidade de dados.
As informações disponíveis, a partir de dados qualificados e de adequados processos de tratamento, interferem diretamente nas discussões,
embasam propostas políticas, subsidiam processos de pactuação e a elaboração de parâmetros, permitem avaliações mais criteriosas e que as decisões, no âmbito de gestão do SUS, sejam tomadas com mais segurança.
A RGIS/RNIS, envolvendo gestores do SUS, serviços e conselhos de
saúde, vem valorizando a integração de projetos e instituições que atuam na
área de informação e informática em saúde no estado. O Comitê Gaúcho de
Informação e Informática em Saúde é a instância que congrega diversos órgãos que atuam nesta área (Procergs, Datasus/RS, Universidades e outros),
bem como, os diversos setores da SES/RS, visando maior organização e
potencialização do uso da informação em saúde. Po intermédio desse projeto, foram adquiridos equipamentos de informática (microcomputadores e impressoras) para distribuição às Secretarias Municipais de Saúde, Conselhos
de Saúde, às Coordenadorias Regionais de Saúde e para setores de coordenação central da SES/RS, com recursos captados por meio de convênios,
além de outros equipamentos e tecnologias financiados com recursos próprios.
A parceria com a Companhia de Processamento de Dados do Estado do
Rio Grande do Sul (Procergs), possibilitou o acesso à rede Internet para todas as Coordenadorias Regionais de Saúde e para as Secretarias Municipais
de Saúde interessadas que, até então, não possuíam este acesso, com sub-
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sídio estadual. A partir desta nova realidade, houve a agilização do fluxo de
informações, e, principalmente, a criação de um importante canal de comunicação entre o gestor estadual, conselhos de saúde e gestores dos municípios, permitindo uma maior integração entre eles.
A descentralização das informações, qualificando as discussões locais,
foi fundamental para o processo de Regionalização do Sistema Estadual da
Saúde, demandando progressivamente mais respostas e mais facilidades no
seu uso. Nessa demanda tem origem a chamada Etapa 2 do processo de
gestão da informação no estado. Na elaboração do Plano Diretor de
Regionalização do Sistema de Saúde do Rio Grande do Sul, a associação de
dados demográficos, epidemiológicos e de capacidade instalada
georreferenciados permitiu a identificação de problemas e proposição de estratégias municipais, micro e macrorregionais.
Essa necessidade de associar dados com maior facilidade mediante de
tecnologias mais sofisticadas, de uso ampliado, gerou outras conseqüências
na gestão estadual do SUS. A sensibilização para o trabalho com as informações foi refletida no acolhimento, pelo conjunto dos municípios, à implantação do Cartão Nacional de Saúde (CNS). Em 2001, os gestores estadual e
municipais de saúde do estado, entendendo de que o CNS facilitará a associação das bases de dados, qualificando o atendimento aos usuários, a gestão e o trabalho de prestadores e profissionais de saúde, assinaram o Termo
de Adesão ao Cadastramento Nacional dos Usuários do Sistema Único de
Saúde e iniciaram o processo de cadastramento.
A análise das informações no processo de realização dos sucessivos
desenhos da regionalização do SUS no Rio Grande do Sul e, principalmente,
de sua compatibilização ao recorte do componente da assistência decorrente
da aplicação da Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS), foram
feitas utilizando-se como suporte principalmente dois softwares de
georreferenciamento: o Tabwin, desenvolvido pelo Datasus/MS, e um produto
comercial (Mapinfo).
A cultura institucional de trabalho com a informação, fortalecendo o uso
das informações para a gestão, foi produzindo avanços na gestão da informação. Assim é que as respostas às demandas por bases de dados contemplando novos aspectos do sistema estadual de saúde foram sendo planejadas de forma integrada. Bom exemplo foi a criação do Sistema de Informações em Saúde do Trabalhador (SIST), com o objetivo de coletar, tratar, analisar e disseminar dados sobre acidentes e doenças do trabalho. Atualmente,
o sistema já ampliou seu foco e coleta dados de acidentes e violências em
quatro grupos populacionais prioritários: trabalhadores, mulheres, crianças e
idosos. Criado como projeto-piloto de um sistema de informações sobre acidentes e violências, já incorporou os conceitos da descentralização desde
sua concepção. A escolha deste foco respondeu a uma prioridade
epidemiológica (o grupo de causas externas respondeu por 9,5% das mortes
no Rio Grande do Sul no ano de 2000, ficando em 1º lugar entre as causas de
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morte na população entre os 20 e os 29 anos e, na população masculina,
também entre os 30 e os 49 anos, sendo o principal grupo de causas que
subtrai anos potenciais de vida no estado; o mundo do trabalho é responsável
por boa parte desses eventos) este foco respondeu, ainda, à priorização política (a associação entre condicionantes e determinantes da saúde tem se
restringido à própria área da saúde, sendo poucas as iniciativas de monitorar
as condições de trabalho como explicação para o adoecimento e a morte) da
gestão estadual.
O sistema estadual de informações de acidentes e violências coleta dados dos atendimentos de saúde realizados na rede de serviços do SUS. Seu
software, desenvolvido em parceria com a Procergs, permite que os municípios interessados, as Coordenadorias Regionais de Saúde, Conselhos de
Saúde e as áreas centrais da SES/RS sistematizem e consolidem relatórios
de dados do seu território. Indicadores e parâmetros relativos são fornecidos
pelo sistema, que opera on line, para suporte à gestão. O referenciamento
geográfico desses dados, em software livre, permite o mapeamento dos riscos ambientais relacionados a acidentes e violências, particularmente nos
recortes anteriormente referidos.
Essa nova cultura da gestão da informação dos dirigentes do SUS no
estado, fez com que se desenvolvesse uma matriz para a gestão da informação, conforme está esquematicamente representado na Figura 1. Nessa figura, pode-se verificar que a tomada de decisões da gestão implica no uso de
dados submetidos a sucessivos processos de tratamento. Os dados de saúde, não somente aqueles relativos à incidência e prevalência de doenças e
mortes, são submetidos a processos de qualificação e analisados por meio
de métodos e técnicas que lhe agregam valores explicativos. Assim transformados em informações, são novamente analisados, desde a proposta política que fundamenta a gestão (no caso da saúde, minimamente deve contemplar os princípios e diretrizes do SUS). Dessas informações, são destacados
indicadores e a eles são associados parâmetros, consensuados entre os
gestores e aprovados pelo controle social. Essas informações, submetidas a
novo processo de tratamento, a partir dos indicadores e parâmetros pactuados, permite avaliar a situação do sistema de saúde e subsidiar a tomada de
decisões por parte da gestão e do controle social. Assim, a informação, que
serve de subsídio à gestão e ao controle social, fortalece principalmente as
ações de planejamento e avaliação. Essa matriz orientadora sistematizou
contribuições de diversos autores (Ferreira; Azevedo, 1998; Soboll; Carvalho;
Eduardo; Tanaka; Moreira, 2001) e orienta o processo de gestão da informação no SUS/RS.
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Alcindo Antônio Ferla
Figura 1 – Processo de gestão da informação na gestão do SUS/RS
dados
Proposta
política*
informações
Gestão
Controle
Social
* Inclui a decisão sobre
o nível de tecnologia
que será oferecido
Parâmetros
Pactuação*
*
avaliação
Processos
tomada de
decisão
Assumir essa matriz operativa para a gestão da informação significou,
concomitantemente, dada a crescente demanda pela informação para suporte à gestão, incorporar novas tecnologias que respondessem mais agilmente
às suas necessidades. Novas parcerias, novas tecnologias e novos arranjos
foram desencadeados, sem o objetivo de substituir completamente as anteriores. É a etapa que foi chamada de Etapa 3, relatada a seguir.
Para desencadear essa etapa, está sendo desenvolvido um projeto de
pesquisa por meio de uma parceria interinstitucional com pesquisadores do
Grupo de Inteligência Artificial do Instituto de Informática da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) para buscar a associação de
subsistemas de informação para a produção de novos conhecimentos na área
da saúde pública, fortalecendo projetos atualmente em execução na Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul e embasando a formulação de
políticas públicas de saúde no estado. Além do interesse local, as tecnologias
desenvolvidas serão oferecidas para os demais gestores estaduais do SUS
por meio da RGIS.
Os objetivos deste projeto são desenvolver uma metodologia para extração de conhecimento baseada em um paradigma híbrido a ser utilizada por
técnicos e não por pesquisadores, repassar esta metodologia aos técnicos da
SES/RS e produzir conhecimento aplicável às atividades de planejamento,
formulação, acompanhamento, avaliação, regulação e controle das ações e
serviços de saúde, com vistas a qualificar e agilizar a implantação efetiva do
SUS no estado, a partir de bancos de dados utilizados pela SES/RS. Para
isto, propõe-se estudar e desenvolver técnicas e tecnologias para a Descoberta de Conhecimento em Bases de Dados (DCBD), utilizando um
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paradigma híbrido, como diferentes métodos de Inteligência Artificial (IA) simbólica e conexionista e técnicas estatísticas.
A importância de tecnologias mais complexas, mas de fácil operação, é
uma reivindicação importante da gestão. No Relatório Final da 11ª Conferência Nacional de Saúde, em dezembro de 2000, constata-se a denúncia de
que, ao invés de potencializar a gestão do SUS, as tecnologias da área têm,
muitas vezes, tornado esta refém daquela (Conferência Nacional de Saúde,
2000). É preciso o uso de novas tecnologias que ofereçam indicadores mais
complexos e mais potentes para a tomada de decisões. Conforme é observado por pesquisadores da área da informática, nas “últimas décadas, com
avanços da tecnologia de informação, uma enorme massa de dados tem sido
produzida e armazenada”(Costa; Montagnoli, 2001). Segundo Costa e
Montagnoli, op. cit., análises que identifiquem relacionamentos e tendências
entre dados tornam cada vez mais interessantes a atual armazenagem de
grande parte desses dados, de maneiras variadas. Segundo esses mesmos
autores, normalmente “os trabalhos nessa área envolvem a aplicação, sobre
bases de dados, de métodos de reconhecimento de padrões”, entretanto os
autores afirmam que “a integração entre reconhecimento de padrões e bases
de dados”, a que denominam mineração de dados, constitui “um ramo de
uma área maior, a descoberta automática de conhecimento”.
O projeto de utilização de tecnologias de inteligência artificial para a elaboração de indicadores de acompanhamento da gestão do SUS no Rio Grande do Sul, com a associação de bases de dados, está atualmente em fase
bastante preliminar. Ainda assim, tem servido para consolidar as
constatações decorrentes de experiências anteriores da RGIS, que apontam
que a informação em saúde pode ser, de fato, uma potente ferramenta para a
gestão pública do SUS e para desvelar novos sentidos e patamares de saúde
da população. Mais do que pelo fato de estar na lei, “O SUS É LEGAL”, por
monitorar e acompanhar a aplicação dos direitos e das conquistas da cidadania, com variados níveis de sofisticação tecnológica, permitindo mais eficácia
e tomada de decisões da gestão e do controle social.
Información como herramienta de gestión: desarrollo de parámetros para
acompañamiento del sistema de salud a partir da análisis integrada de los sistemas de información
Resumen: Relato analítico del proceso de gestión de la política estadual de
información e informática en salud en Rio Grande do Sul desde 1999, cuando, principalmente por medio del desarrollo de indicadores y parámetros para
acompañamiento de los sistemas municipales, regionales y estadual de salud, integrando bases de datos y desarrollando tecnologías de soporte, se buscó transformar, en la práctica, y profundizar el uso de la información en el soporte a la gestión
descentralizada del Sistema Único de Saúde.
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
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Alcindo Antônio Ferla
Palabras Clave: Información; Informática en salud; Sistemas de información
en salud; Gestión del Sistema Único de Saúde.
Information as a managing tool: development of parameters to the
assistance of the health system from the integrated analysis of the information
systems
Abstract: Analytical report of the management process of the estate politics of
information and computers in health in Rio Grande do Sul since 1999, when, especially by the development of indicators and parameters for the assistance of the municipal, regional and estate health systems, integrating data bases and developing
supporting technologies, we tried to transform, in practice, and to go deeper in the
use of information in the support to decentralized management of the Sistema Único
de Saúde.
Key-words: Information and computers in health; Information systems in
health; Management of Sistema Único de Saúde.
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Artigo
Atenção montador
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A importância da conservação, preservação e restauração e os acervos bibliográficos e ...
A importância da conservação,
preservação e restauração e os
acervos bibliográficos e
documentais em saúde coletiva
Iara Jurema Quintela Moreira da Silva1
Resumo: O objetivo do presente artigo é divulgar o trabalho de preservação
de documentos em papel desenvolvido no Centro de Informação e Documentação
em Saúde-Ceids da Escola de Saúde Pública/RS (ESP/RS), relatando as ações de
higienização e preservação da coleção doada pela família do Prof. Ernani Saldanha
Camargo, que dirigiu a ESP/RS de janeiro de 1968 a janeiro de 1971, sendo parte
dessa obra adicionada ao acervo histórico institucional. Também é referenciado o
trabalho na mini-oficina de restauração, onde se recupera obras do acervo de livros.
É apresentado um histórico do trabalho e noções básicas de preservação,
enfatizando os cuidados essenciais nessa área que devem ser tomados em bibliotecas e centros de documentação.
Palavras-Chave: Documentação; Preservação; Conservação; Restauração;
Encadernação; Memória Institucional; Escola de Saúde Pública/RS; Secretaria da
Saúde.
Introdução
O Centro de Informação e Documentação em Saúde (Ceids), da Escola
de Saúde Pública do Estado do Rio Grande do Sul (ESP/RS), desenvolve,
entre outras funções, um trabalho como biblioteca setorial especializada em
Saúde Coletiva. Dentre suas propostas de trabalho, busca conscientizar seus
usuários sobre a importância da documentação, não só como fonte de conhecimento e consulta, mas como instrumento preservador de memória, no caso,
a memória e história institucional. O processo de recuperação e qualificação
do acervo existente e também daquele da memória histórica institucional fundamenta a preocupação com possíveis perdas de mananciais de dados futuros, que deverão ser restaurados, preservados e conservados dentro de técnicas existentes. Como os documentos em papel são os de maior fragilidade,
1
Restauradora do Centro de Informação e Documentação em Saúde da Escola de Saúde
Pública/RS (Ceids-ESP/RS), e-mail: [email protected]
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
29
Iara Jurema Quintela Moreira da Silva
consideramos prioridade sua preservação e buscamos destacar e conhecer
os fatores de sua degradação (causas internas e externas) e a disseminação
dos meios de estancar tal processo. Esse conhecimento poderá auxiliar na
conscientização de usuários da informação documental e dos funcionários
das instituições de saúde sobre a necessidade de que todos sejam solidários
e parceiros no trabalho de preservação de acervos.
Conservação, preservação e restauração
O acesso à herança cultural, por meio do resgate de documentos, responde à busca do homem pelo seu passado, de onde viemos e quem somos.
As mensagens deixadas nos proporcionam o entendimento de nós mesmos,
a que sociedade pertencemos e que espaço ou papéis ocupamos sócio-historicamente. A preservação de documentos contribui ao esclarecimento de
nossa origem étnica e ao enriquecimento do patrimônio cultural do mundo. É
papel do conservador-restaurador buscar a sobrevivência física e material
destes objetos, sendo responsável pela permanência da informação armazenada mediante a sua conservação, preservação e restauração. A conservação se dedica à preservação do patrimonial, mantendo a integridade dos documentos, minimizando a deterioração. A preservação é o agir em procedimentos que visam ao retardamento ou à prevenção de deterioração ou dos
estragos nos documentos. No caso do suporte em papel, isso ocorre por intermédio do controle do meio ambiente, das estruturas físicas e dos acondicionamentos que possam mantê-lo numa situação de guarda estável. A restauração é o agir mediante procedimentos que possam devolver o estado
original ou o seu estado mais próximo do original, com o mínimo de prejuízo à
sua integridade estética e histórica, conservando a sua personalidade.
Noções básicas de fatores externos de degradação
Consideramos como fatores externos de degradação aqueles diretamente ligados às condições ambientais de guarda do acervo e externos à
constituição do papel. São eles:
• Umidade e temperatura. Devido ao clima tropical, para que se mantenha em condições ideais de temperatura e umidade o local de guarda do
acervo, é necessário o uso de umidificadores para locais secos e
desumidificadores para locais úmidos, com controle por higrômetros e medidores de umidade. A temperatura deve ser mantida com aparelho de ar condicionado ligado 24 horas, com controle de temperatura automático por meio
de termômetros. A oscilação da umidade provoca dilatação na fibra do papel
(ao absorver a umidade) ou contração (ao perder umidade). Esses movimentos causam enfraquecimento no papel, ocasionando rupturas em sua estrutura. A temperatura elevada, aliada à umidade excessiva e falta de aeração,
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A importância da conservação, preservação e restauração e os acervos bibliográficos e ...
gera a proliferação de esporos de fungos e bactérias. A temperatura adequada para manutenção de um acervo é de 22ºC a 25ºC e a umidade relativa de
55%.
• Luminosidade. A luz natural, ou seja, a luz do sol, emite radiações eletromagnéticas do tipo luz visível, ultravioleta e infravermelha. Cada uma delas
atua de modo danoso sobre o acervo em maior ou menor escala. As luzes
artificiais, oriundas das lâmpadas elétricas comuns, emitem uma quantidade
muito grande de calor e as lâmpadas fluorescentes emitem radiação
ultravioleta. Esses são os elementos básicos da fotodegradação, processo
de degradação da celulose que provoca o rompimento da fibra do papel, causando seu envelhecimento precoce e acelerado. Devemos considerar também outros fatores, como a faixa de radiação, intensidade da radiação incidente, tempo de exposição e a natureza química dos suportes de documentação. É necessária a proteção constante dos acervos contra esse tipo de degradação por meio da utilização de persianas, cortinas e filtros absorventes
de radiação ultravioleta.
• Poluição atmosférica. A poluição atmosférica é gerada pela poeira acumulada no dia-a-dia e também pela emissão de gases tóxicos produzidos por
automóveis, fábricas, queima de lixo entre outros. Essa poeira, nos grandes
centros, normalmente contém resíduos que catalisam reações químicas, acelerando a degradação dos acervos, principalmente quando os níveis de umidade do ambiente estão elevados. Como exemplo, temos o que costumamos
chamar de manchas d’água, que são manchas de cor marrom, como se algum líquido houvesse sido derramado. Ela surge da poeira acumulada na
superfície do papel sendo empurrada pela umidade para o interior das fibras,
migrando da superfície para o interior do papel. Causa grandes danos estéticos, suprimindo áreas do documento e afetando a estrutura das fibras. É importante a criação de sistemas regulares de higienização do acervo, como um
sistema de ar refrigerado e sistema de ventilação com filtros para ar.
• Insetos, roedores e fungos. Denominados agentes biológicos de degradação, são devastadores. Sua proliferação pode destruir bibliotecas inteiras, sendo, também, danosa ao prédio. O clima tropical é propício ao desenvolvimento destes agentes, por causa da temperatura e da umidade elevadas. Eles normalmente são atraídos pela ação do homem e pela deposição
de resíduos de alimentos. Os insetos mais comuns nos acervos de papel são
as traças, as baratas e os cupins. Os fungos, conhecidos como mofo ou bolor,
atacam todo tipo de acervo. Como são organismos vegetais desprovidos de
clorofila, não sendo capazes de efetuar a fotossíntese, utilizam-se de materiais orgânicos de onde podem tirar seus nutrientes. Sua disseminação ocorre por esporos, que ficam em suspensão no ar. Sua proliferação se dá em
temperatura elevada, na umidade e onde o ar fica estagnado. Há normas e
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Iara Jurema Quintela Moreira da Silva
procedimentos que se devem seguir para evitar infestações. Alguns cuidados
básicos são manter o local do acervo longe de fontes de alimentos, evitar
refeições nesse local, evitar localizar refeitórios ao lado do local do acervo e
retirar o lixo diariamente após o expediente. Armários onde haja livros guardados devem ser arejados diariamente por algumas horas. O extermínio se
dá com uso de produtos químicos, por meio da desinfestação do acervo.
• A ação humana. Na tentativa bem intencionada de estancar o processo de degradação de um documento, podemos fazer uso de instrumentos
que, inverso ao seu intento, podem provocar uma degradação muitas vezes
irreversível, no caso do uso de colas e adesivos inapropriados, por exemplo.
Pelo desconhecimento dos princípios que norteiam os fundamentos da conservação, esses procedimentos tornaram-se ações comuns e corriqueiras a
todos e alertamos sobre algumas recomendações de medidas corretas no
manuseio de documentos em papel:
– manter as mãos limpas;
– guardar os livros nas estantes em sentido vertical;
– evitar guardar os livros semi-inclinados, quando os mesmos não couberem nas estantes;
– guardar os livros nas estantes em sentido horizontal, quando os volumes excederem em tamanho a área para guarda em sentido vertical;
– não sobrepor mais de três volumes ao guardar volumes em sentido
horizontal;
– manter sempre os volumes maiores como base ao guardá-los em sentido horizontal;
– não superlotar as estantes;
– reservar espaço de três milímetros entre cada livro para facilitar a retirada da prateleira e evitar o atrito entre as capas (desgaste por
abrasão);
– utilizar bibliocantos para impedir que os livros tombem;
– não puxar os livros pelo topo (cabeça) ao retirá-los. Os volumes devem ser retirados da estante pelo centro da lombada;
– evitar umedecer as pontas dos dedos com saliva para virar as páginas
do livro;
– evitar dobrar as folhas para marcar as páginas;
– evitar encapar os livros com papel pardo ou similar, pela sua natureza
ácida;
– não utilizar fitas adesivas tipo durex e fita crepe, devido à composição
química que provoca acidez e manchas irreversíveis;
– evitar uso de grampos ou clips metálicos. Esses materiais enferrujam
com o passar do tempo, deixando no local manchas marrons e marcas devido ao tensionamento das fibras do papel;
– não encostar as estante nas paredes. Isso evita que a umidade presente nas paredes se transmita aos volumes;
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A importância da conservação, preservação e restauração e os acervos bibliográficos e ...
– não abrir os livros que forem atingidos diretamente por água e que
estejam com as folhas molhadas;
– nunca secar os livros molhados com calor: sol, forno de cozinha, secador de cabelo. O calor em excesso faz o papel secar muito rapidamente, causando ondulações no material;
– usar lápis 6B quando precisar fazer anotações de identificação do livro, nunca caneta esferográfica;
– controlar o manuseio e orientar o público;
– optar por encadernação inteira, ao mandar encadernar;
– evitar excesso de tinta nos carimbos. O tamanho e forma deve ser
padronizado pela instituição e coerente, evitando que atinja o texto;
– manter constante higienização do acervo;
– solicitar ajuda de profissional ligado à área perante algum problema.
Noções básicas de fatores internos de degradação
Os fatores internos de degradação são aqueles que provêm do processo de feitura do papel, inerentes à estrutura do mesmo, tais como:
• Tipos de fibra. Os tipos de fibra que compõem o papel, constituídos de
celulose pura, que não apresentam lignina em sua fibra, não possuindo acidez em sua estrutura, como os de trapos de algodão e linho, são os de maior
durabilidade. A fibra da madeira, quando não sofre o processo necessário
para eliminação da lignina, torna o papel de baixa qualidade em cor, textura e
resistência, isto é, ele torna-se quebradiço e amarelado. Quase a totalidade
dos papéis são hoje produzidos com fibra de madeira. Sua degradação em
maior ou menor grau vai depender da purificação no processo de fabricação e
também do controle dos fatores externos de degradação.
• Encolagem. A encolagem é o processo sofrido pelo papel após sua
fabricação, quando lhe é aplicada uma substância que tem como finalidade
fixar a tinta de escrever e de impressão. O uso desta cola evita que a tinta se
espalhe sobre o papel, fixando-a sem borrões. Caso o papel não receba essa
cola, ele absorverá a tinta como um mata-borrão. Até a segunda metade do
século XIX, usava-se a cola de cartilagem. Após, a cola de cartilagem foi
substituída pelo breu, que é solubilizado na água com adição do alúmen, um
sal ácido. Esse composto, na presença de umidade atmosférica, gera ácido
sulfúrico, acelerando a degradação do papel.
• Produtos químicos utilizados no fabrico do papel. Quando os produtos
químicos não são eliminados totalmente, provocam reações químicas ácidas,
causando degradação do papel.
• Recipientes metálicos utilizados na fabricação do papel. Os recipientes
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Iara Jurema Quintela Moreira da Silva
depositam partículas metálicas na polpa durante o processo, tornando-se
catalisadores de reações ácidas, gerando manchas de ferrugem no papel
(foxing).
Higienização
Em 2001, o projeto Ceids-ESP/RS de Recuperação da Memória e História Institucional da SES/RS promoveu a busca de dados sobre a ESP/RS, o
histórico dos diretores e dos projetos político-pedagógicos de cada gestão. A
busca de documentos e o estabelecimento de contatos com ex-diretores faziam parte da recuperação da educação em saúde pública no Rio Grande do
Sul. A família de um dos ex-diretores, prof. Ernani Saldanha Camargo, mantinha um acervo pessoal resultante da dedicação do professor à memória da
ESP/RS.
A coleção do Professor Camargo foi doada à ESP/RS. Ela relata sua
trajetória pessoal na saúde pública, incluindo o período como diretor na ESP/
RS. Em 2001, no processo de recuperação de memória histórica da ESP/RS,
este acervo foi resgatado, sofrendo então um processo de análise de suas
condições físicas e a necessidade de procedimentos cabíveis para sua preservação. Após análise e constatação de degradação pela ação de insetos,
pensou-se ser prioritário sua higienização. Frente às condições físicas e recursos materiais existentes, concluiu-se que o melhor seria o uso de CO2 no
processo. Os livros foram colocados em sacos plásticos próprios para lixo
seco. Em cada saco foi introduzida uma mangueira ligada a um botijão de gás
carbônico e sua entrada foi lacrada por 72 horas. Os livros, em número de
dois, no interior de cada saco, foram colocados de pé, abertos, facilitando a
distribuição do gás e mantendo a posição correta do livro, evitando que seu
peso afetasse a lombada. Após 72 horas, os sacos foram abertos um a um,
sendo designado um funcionário para a chamada limpeza mecânica. Com
um pincel largo de cerdas macias, foram limpas folha por folha, de baixo para
cima, evitando que qualquer sujidade caísse sobre si. É fundamental que todas as pessoas envolvidas nesse processos, desde a análise do acervo, estejam devidamente equipadas com luvas, máscara, e guarda-pó, resguardando-se de qualquer tipo de contaminação que possa ocorrer. Após a limpeza,
todos os volumes foram acondicionados em caixas-arquivo, aguardando o
passo seguinte: a análise do conteúdo da obra e sua indexação.
O acervo do prof. Camargo recompõe uma riqueza de detalhes do ensino e projeto educativos da Saúde Pública/Saúde Coletiva na ESP/RS.
Encadernação
Em 2002, foi montada no Ceids-ESP/RS uma mini-oficina de restauração com equipamento e material suficiente para que se possa trabalhar na
recuperação do acervo. Foram disponibilizados um espaço com mesa, uma
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A importância da conservação, preservação e restauração e os acervos bibliográficos e ...
prensa de encaixe e material como tipos de papel variados para a recuperação de folhas, capa dura, lombada e cola neutra apropriada ao processo.
Ainda não temos o ideal, mas é o suficiente para que possamos manter o
acervo da biblioteca em constante recuperação. Todo o livro com algum tipo
de degradação na capa, folhas, lombada e outros é enviado ao responsável
pela oficina. É feita uma análise da condição geral do que se pode e como se
pode recuperar. Cada livro tem uma característica a partir de sua encadernação original: brochura, capa dura, espiral. Estudado como ele foi montado,
traçamos como será a sua restauração, que tipo de costura vai ser usada e se
dá início ao desmonte, à recuperação de folhas e à limpeza, quando necessário. Os livros atuais são, em sua maioria, brochura, o que os fragiliza devido
às folhas soltas coladas que, com o manuseio, tendem a desprender-se,
mantendo, contudo, as capas intactas. Nesses casos é feita uma costura
serrotada que fortalece a união das folhas, é composta nova folha de rosto e
colocada uma capa dura sobre a original, não perdendo, assim, a identidade
do documento restaurado. Para um efeito estético, foi padronizado o uso da
cor azul marinho para as capas.
Continuidade do trabalho
Ainda está no inicio este processo e ainda temos muito a resgatar, mas
a valorização do trabalho do restaurador dentro do Ceids é importante na
continuidade e no desenvolvimento desta ação. O incentivo a todos que dela
participam e o exemplo aos demais centros de documentação são fatores
que mobilizam para o cuidado com a conservação, preservação e restauração dos documentos que, afinal, permitem o conhecimento e apropriação do
contexto histórico institucional e, também, do importante referencial teóricoreflexivo ao qual devemos zelar pela permanência e disponibilização ao acesso público e democrático.
La importancia de la conservación, preservación y restauración y los
acervos bibliográficos y documentales en salud colectiva
Resumen: El objetivo del presente artículo es divulgar el trabajo de
preservación de documentos en papel desarrollado en el Centro de Informação e
Documentação em Saúde de la Escola de Saúde Pública (ESP/RS), relatando las
acciones de higienización y preservación de la colección donada por la familia del
Prof. Ernani Saldanha Camargo, que dirigió la ESP de enero de 1968 a enero de
1971, siendo parte de esa obra adicionada al acervo histórico institucional. También
se hace referencia al trabajo en el minitaller de restauración, donde se recupera
obras del acervo de libros. Se presenta un histórico del trabajo, las nociones básicas
de preservación y los cuidados esenciales en ese área que deben ser tomados en
bibliotecas y centros de documentación.
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Iara Jurema Quintela Moreira da Silva
Palabras Clave: Documentación; Preservación; Conservación; Restauración;
Encadernación; Memoria Institucional; Escola de Saúde Pública/RS; Secretaria da
Saúde/RS.
The importance of conservation, preservation and restoration of the
bibliographic and documental collections in public health
Abstract: The objective of the present article is to publish the work of
preservation of documents in paper developed in the Centro de Informação e Documentação em Saúde – CEIDS of the Escola de Saúde Pública (ESP/RS), reporting
the hygiene and preservation actions of the collection donated by the family of Prof.
Ernani Saldanha Camargo, who ran ESP/RS from January 1968 to January 1971,
and part of that work was added to the historical collection of the institution. It is also
referred the work in the mini-workshop of restoration, where it is possible to restore
works of the collection of books. It is presented a report of the work and basic notions
of preservation, emphasizing the essential cares in that area that should be taken in
libraries and documentation centers.
Key-words: Documentation; Preservation; Conservation; Restoration; Binding;
Institutional memory; Escola de Saúde Pública/RS; Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul.
Referências
ADELAMNN, G. S. O conservador-restaurador uma definição da profissão. Tradução
de Edna May Duvivier. Boletim ABRACOR, v. 5, n. 2, nov.1985. 5 f.
BIBLIOTECA NACIONAL (Brasil). Noções básicas de conservação de acervo. Rio
de Janeiro, [2001?].10 f. Manual de Curso.
______. Restauração: metodologia aplicada no laboratório de restauração da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, 1995.
SPINELLI JUNIOR, J. Conservação de acervos bibliográficos e documentais. Rio
de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 1997. 90 p.
VON IMNHOFF, Hans-Christoph. É a conservação conservadora. Icom News – Bulletin
of the International Council of Museuns, Paris, v. 39, n.1, p. 2-4, 1986.
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Hospitalização em pediatria e as situações de aprendizagem da criança: percepções da ...
Hospitalização em pediatria e as
situações de aprendizagem da criança:
percepções da equipe de saúde em uma
unidade hemato-oncológica de um
hospital universitário1
Luciana Borges Medina2
Resumo: O artigo busca apresentar as muitas possibilidades de aprendizagem da criança na instituição hospitalar, durante a internação pediátrica, por meio do
contato com a equipe de saúde que convive diariamente com ela. Procura destacar
situações de aprendizagem da criança em que o psicopedagogo/pedagogo possa
atuar, tornando o período passado dentro do hospital em uma experiência positiva
que possibilite o crescimento e o amadurecimento cognitivo e psíquico. De entrevistas com a equipe de saúde da Unidade de Internação Hemato-Oncológica, do Hospital Universitário de Santa Maria, foram extraídos os sentimentos e as percepções
sobre aprendizagem e conhecimento e sobre as relações entre aprendizagem e recuperação da saúde. A equipe de saúde presencia diariamente, muitas situações
onde a pessoa hospitalizada adquire conhecimento e também o transmite. É importante que neste meio tão rico de informações, sejam elas de origem sociocultural, de
conhecimentos oriundos de diferentes mundos em relação à doença, ou ainda, sobre os procedimentos terapêuticos que são aplicados, atue um profissional que oriente e aproveite criativamente esta troca de conhecimentos, para que a mesma não
seja, de nenhuma forma, desconsiderada. A psicopedagogia/pedagogia encontra
dentro do hospital aquilo que é o seu objeto de estudo: a aprendizagem cognitiva e o
desenvolvimento psíquico.
Palavras-Chave: Aprendizagem e desenvolvimento; Psicopedagogia; Pedagogia hospitalar; Educação e saúde; Hospitalização.
1
Artigo extraido da monografia de conclusão do Curso de Especialização em Psicopedagogia,
Centro Universitário Franciscano – Santa Maria/RS.
2 Pedagoga/psicopedagoga, aluna do Programa de Educação Continuada do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no Grupo
Temático da Educação em Saúde. e-mail:[email protected]
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Luciana Borges Medina
Introdução
De um modo geral, sinto que, quando trabalhamos com o ser humano,
não devemos deixar que apenas a habilidade técnica permeie nosso trabalho. É necessário usar a sensibilidade e a compreensão quando se lida com
vidas, seja na área educacional, seja na área da saúde.
Quando acadêmica do curso de Pedagogia, participei do projeto “Aids –
educação e cidadania”, do Hospital Universitário de Santa Maria, que era formado por acadêmicos do curso de Enfermagem da Universidade Federal de
Santa Maria. Esse projeto tinha como objetivo dar apoio clínico e assistência
de enfermagem às crianças portadoras do vírus HIV.
Uma vez em contato com o projeto, o meu trabalho era dar apoio pedagógico e educativo às crianças que ali chegavam e que esperavam algum
tempo para serem atendidas. Durante esse período, conheci histórias de
crianças, e até mesmo de adultos, que alteravam totalmente o seu cotidiano
em função de buscarem alívio e melhora para o seu estado de saúde.
Essas pessoas iam ao hospital não apenas para mais uma consulta ou
exame, mas também em busca de uma palavra amiga, de algo que pudesse
fazê-las sentir que valiam a pena todos os seus esforços, que sua luta não era
em vão. E o grupo “Anjos da Guarda” fornecia esse apoio às famílias que
eram atendidas no ambulatório pediátrico daquele hospital.
Ao conhecer de perto essa realidade, notei que eu, como educadora,
tinha um papel importante dentro do mundo da saúde, só não sabia por onde
iniciar.
Ao ingressar no Curso de Especialização em Psicopedagogia – Abordagem Clínica e Institucional, do Centro Universitário Franciscano – Santa Maria/RS, conheci a Psicopedagogia Hospitalar, que propõe uma forma de intervenção psicopedagógica dentro do hospital. Seu objetivo, segundo Souza
(2000)), é contribuir para melhorar a capacidade cognitiva e incentivar o desenvolvimento psíquico, produzindo conhecimentos que, inclusive, favoreçam inserção ou reinserção, no meio escolar, daqueles que dele estiverem
afastados por motivos temporários ou prolongados. Seu objetivo principal,
porém, é propiciar autoconhecimento, reconhecimento das capacidades ou
limites, particularidades ou necessidades e promovendo a responsabilidade e
autonomia nos tratamentos de saúde.
A minha angústia era saber que, entre tantos pacientes, havia crianças
em idade escolar que não freqüentavam a escola, fosse por medo de agravarem a doença (devido às condições climáticas, por exemplo) ou por receio de
que a comunidade escolar descobrisse o segredo de seu adoecimento e passasse a discriminá-la.
O que passava pela minha cabeça era a pergunta sobre como podia
algo assim acontecer? Tantas crianças impossibilitadas de viverem o que é
peculiar da sua idade: irem à escola, brincar, jogar e estar entre amigos. O
que faltava, talvez, fosse um elo de ligação entre escola e hospital, entre so-
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Hospitalização em pediatria e as situações de aprendizagem da criança: percepções da ...
ciedade e serviços de saúde.
O psicopedagogo/pedagogo é um profissional que trabalha com as
questões de ensino e aprendizagem e, para tanto, deve estar preparado para
trabalhar em qualquer ambiente em que possa, de alguma maneira, proporcionar aprendizagem, seja ela formal ou não. A aprendizagem pode ocorrer em
um espaço institucionalizado, em um clima social onde a interação com a
cultura de forma articulada se faz presente.
Dentro do hospital, o psicopedagogo/pedagogo tem a função de orientar, estimular e motivar a pessoa enferma e hospitalizada a prosseguir com
seu aprendizado, afinal ela continua em crescimento e desenvolvimento. Muito antes de ser um “paciente internado” é um ser em aprendizagem, construindo entendimento e concepção de mundo, de vida e de sociedade. Este processo não pode e não deve ser interrompido por ocasião de uma internação.
O homem não deixa nunca de aprender, de adquirir conhecimento, nem mesmo quando se encontra em situação de fragilidade, como muitas vezes ocorre nas instituições hospitalares, e a função do psicopedagogo é auxiliar na
manutenção e no prosseguimento dessa aprendizagem, trabalhando por seu
desbloqueio e por sua potencialização.
Percebo, no entanto, que este aspecto da vida muitas vezes é negligenciado por parte da equipe de saúde quando há a internação hospitalar. Não
que tenha menos importância, mas cada especialista da equipe de saúde
preocupa-se apenas com o aspecto físico/biológico que lhe compete e que
deve ser atendido para a recuperação do estado sadio. Esta função é primordial, mas não completa as responsabilidades com a atenção integral à saúde.
É nesse ponto que se faz necessária a atuação do psicopedagogo/
pedagogo hospitalar ou do pedagogo nas equipes de saúde em pediatria.
Com o estudo aqui relatado, viso a esclarecer esses pontos e encontrar sugestões e algumas conclusões para que este trabalho em equipe passe a
acontecer. O estudo exploratório das percepções e posições da equipe de
saúde foi desenvolvido com os profissionais em atuação na Unidade de
Internação Hemato-Oncológica do Hospital Universitário de Santa Maria e
pretendeu investigar “de que maneira é possível desenvolver o trabalho
psicopedagógico/pedagógico no ambiente hospitalar?”
Considerando as experiências vividas e a concepção do ser
psicopedagogo/ser pedagogo, o estudo empreendido teve como objetivos
constatar as infinitas situações de aprendizagem que ocorrem dentro da instituição hospitalar; conhecer os valores, sentimentos e atitudes da equipe de
saúde em relação à aprendizagem de pessoas hospitalizadas e reconhecer o
trabalho do psicopedagogo ou do pedagogo como um elo entre educação e
saúde.
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Revisão bibliográfica
Para a revisão bibliográfica, foram buscados alguns temas importantes
como saúde, hospitalização, psicopedagogia, aprendizagem e equipe de saúde, a fim de fundamentar os objetivos estabelecidos.
Encontramo-nos em uma nova era, um novo milênio, época em que a
tecnologia cada vez mais é apontada como solução para muitos dos problemas que ocorrem com o ser humano. Nos centros hospitalares, esta realidade não é diferente: cirurgias já estão sendo feitas com o auxílio de robôs e
aparelhos de última geração e os sinais vitais dos pacientes são monitorados
por computadores. Não há como negar que isso tudo é bom e que ajuda a
salvar vidas, mas como fica o toque, o calor do ser humano, a sensibilidade
para acalmar a angústia, a dor, o medo e o sofrimento do paciente?
O corpo humano, segundo Capra (1982, p. 116), termina considerado
como “uma máquina que pode ser analisada em termos de suas peças” e a
doença vista como “um mau funcionamento dos mecanismos biológicos e
que deve ter o seu defeito consertado”. Para o autor, a medicina atual não vê
a pessoa “como um ser humano completo”, chegando “até mesmo a reduzir a
saúde a um funcionamento mecânico”.
Esse processo acontece em decorrência da alta especialização dos profissionais da saúde: cada membro dentro de uma equipe trata de uma parte
do organismo humano.
Cada um desses profissionais tem obrigações muito claras, com funções definidas e cuja ausência é capaz de provocar grandes transtornos, chegando, algumas vezes, ao impedimento do exercício pelo qual a equipe responde. Portanto, não podemos pensar na vida do hospital sem todos os profissionais que o fazem funcionar.
O que se entende por saúde depende da concepção que se possua do
organismo vivo e sua relação com o meio ambiente. Essa concepção muda
de uma cultura para outra, de uma era para outra, e as noções de saúde
também mudam.
Concordo com Capra (1982, p. 314) quando este afirma que “uma nova
estrutura para a saúde só pode ser efetivada se baseada em conceitos e
idéias que temos na nossa cultura”.
A condição de uma pessoa depende sempre do seu meio ambiente natural e social, não pode haver um nível absoluto de saúde que seja independente desse meio ambiente. Mudanças contínuas no organismo de uma pessoa em relação às variações ambientais, incluirão, naturalmente, fases temporárias de saúde precária, sendo impossível, algumas vezes, traçar uma
linha entre saúde e doença.
Estar saudável envolve muito mais aspectos do que somente o físico/
biológico. São importantes também os aspectos psicológicos, sociais e
vivenciais, todos interdependentes.
Para ser saudável, deve haver um movimento dinâmico onde os aspec-
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Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
Hospitalização em pediatria e as situações de aprendizagem da criança: percepções da ...
tos supracitados estejam integrados. É necessário também preservar a autonomia individual do organismo.
A assistência à saúde individual, segundo Capra (1982, p. 326), deveria
basear-se “no reconhecimento de que a saúde dos seres humanos é determinada acima de tudo por seu comportamento, sua alimentação e a natureza do
seu meio ambiente”. Deve-se destacar que os fatores socioeconômicos e
culturais cumprem um papel fundamental nas interações e nas oportunidades
de vida e relacionamentos. Desta forma, há que se pensar em tratamentos
diferenciados.
No processo de redução da enfermidade, houve desvio da atenção dos
médicos do ser humano integral. Ao invés de tratar o paciente como um todo,
a ciência médica concentrou-se apenas na doença.
Nos hospitais, por exemplo, o tratamento da doença tornou-se
gradativamente despersonalizado e, segundo Capra (1982, p. 14), “os hospitais converteram-se em grandes instituições profissionais, enfatizando mais a
tecnologia e a competência científica do que o contato com o paciente”.
O hospital é um local onde, antes de tudo, deve-se proibir o contato
humano. A relação entre enfermos hospitalizados e equipe de saúde deve ser
estreita, a fim de que a pessoa sob tratamento adquira confiança no cuidado
recebido e naqueles que lhe dão atendimento.
O ser humano é um ser sensível por natureza, não só quando está doente e, ao sentir-se doente, a pessoa torna-se mais fragilizada, negativista,
superemotiva e, temporariamente, receptiva às ordens médicas e recomendações da equipe que lhe vai prestar cuidados e atenções até a sua recuperação total. Desta forma, recorro a Mittempergher (1998) para afirmar que
é importante uma transformação nas posturas profissional e pessoal de
cada um dos envolvidos neste processo, o trabalho em equipe exige, no
mais amplo sentido, não se deixar cristalizar no seu saber exclusivo, uma
vez que permite uma visão global do paciente enquanto indivíduo, visão
essa constituída por conhecimentos que não devem ser colocados lado a
lado, mas permear-se mutuamente (Mittempergher, 1998, p. 17).
Em uma equipe de saúde, vários são os membros e especialistas que
lutam pela manutenção da vida: médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, psicólogos, nutricionistas e assistentes sociais, que devem trabalhar
em sintonia para a recuperação total da pessoa enferma. É preciso que seus
componentes não se percebam isolados, que decisões sejam tomadas em
conjunto. Assim, Motta (1997, p. 101) refere que a equipe de saúde deve
assumir uma característica de individualidade: “seus componentes fundemse num só e não se percebem isolados, formam uma imagem em comum”.
No entanto, tais decisões devem vir acompanhadas de sensibilidade, de
responsabilidade, de envolvimento com a pessoa enferma, não apenas serem guiadas por técnicas e procedimentos frios. Dentro do hospital deve haver uma relação de afeto e cooperação entre aquele que está enfermo e a
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
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Luciana Borges Medina
equipe de saúde.
O convívio em equipe auxilia inclusive o próprio profissional a compartilhar angústias e as ansiedades do mundo do hospital.
A equipe de saúde deve ser especial para o enfermo e vice-versa. Segundo Motta (1997, p. 143), a equipe de saúde é “a protagonista das cenas do
mundo do hospital”, devendo demonstrar “sensibilidade e solicitude no processo de cuidar”. Essa mesma equipe, entretanto, “necessita de uma estrutura emocional que habilite-a a desempenhar seus papéis de forma equilibrada”.
O tratamento do câncer, por exemplo, é longo, com grande desgaste
emocional e físico e requer persistência e esperança da pessoa com a doença e da família. Toda a doença é uma situação traumática e com o câncer não
é diferente.
É uma doença que traz consigo o estigma da morte e a relação entre a
equipe de saúde e a pessoa com a doença mostra-se com características
bem diferentes de situações menos graves. Portanto, é fundamental uma
equipe que se compadeça e que tenha competência técnica para lidar com as
diversas fases da doença.
Pela falta de informação da população, câncer e morte constituem quase que uma relação de equivalência, o que, graças aos novos processos
terapêuticos, não mais corresponde à realidade. O câncer afeta o indivíduo, a
família e, por vezes, toda uma comunidade com suas características
socioculturais. De acordo com Carvalho (1994, p. 59), “o contato diário com o
câncer e a morte é tarefa altamente ansiogênica e cria na equipe de saúde
comportamentos defensivos”. A autora coloca que “não se pode esquecer
que o paciente tem uma percepção do que acontece em volta dele e com ele”.
Ao ser cerceada do convívio familiar, a pessoa hospitalizada sente-se
desamparada e com receio do futuro por não saber quais as possibilidades
de tratamento ou o porquê deste ou daquele procedimento estarem sendo
realizados.
Nesse ponto, observa-se que a pessoa hospitalizada fica alienada dos
conhecimentos que lhe dizem respeito no tocante ao próprio corpo e ao que
está sendo feito com ele.
Aqui, entra a questão do não saber e, de acordo com Mittempergher
(1998, p. 18), a função do “não saber” é a mantenedora de “um estado que
não se deseja ver alterado”.
Cada um de nós tem uma relação muito própria com o significado do
saber e do aprender. Neste estudo, utilizo o termo aprender e recorro a
Mittempergher (1998, p. 18) para definí-lo. Para a autora, o aprender está
“associado à apreensão do mundo, elemento repleto de conteúdos a serem
explorados e conhecidos, incluindo assim a aprendizagem formal e informal”.
Para tanto, é necessário que o profissional de pedagogia/psicopedagogia conheça de que modo ocorre essa aprendizagem e em que condições ela pode
ser apreendida.
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Hospitalização em pediatria e as situações de aprendizagem da criança: percepções da ...
De acordo com Bossa (2000, p. 23), “é necessário também que o
psicopedagogo saiba o que é ensinar e o que é aprender”, bem como saiba
de que forma “interferem os sistemas e os métodos educativos”, além de
conhecer “os problemas estruturais que intervêm no surgimento das dificuldades de assimilação da aprendizagem”.
É nesse momento que o psicopedagogo/pedagogo assume o seu papel.
O fazer psicopedagógico dentro do ambiente hospitalar tem como temática o
corpo, o corpo que aprende sobre si, sobre o que está ao seu redor e sobre o
seu mundo, a função do psicopedagogo é reconhecer e atender às alterações
da aprendizagem sistemática e/ou assistemática. Desta forma, de acordo
com Mittempergher (1998), “o trabalho psicopedagógico no hospital assume
uma nova proporção, uma vez que contribuiria para construção dinâmica e
constante da aprendizagem”.
O profissional de psicopedagogia tem como principal objetivo as diferentes possibilidades de aprendizagem, sempre levando em consideração o contexto psicossocial onde o indivíduo aprendiz está inserido. Assim, conforme
Alessandrini, citada em Peres (1998, p. 42), a psicopedagogia “é uma área
interdisciplinar de prestação de serviços educacionais, por intermédio da qual
psicólogos, fonoaudiólogos, educadores e outros profissionais, desde a perspectiva de sua formação básica, buscam ajudar crianças ou adultos em suas
dificuldades de aprendizagem”.
É necessário pensar que aprendizagem e saúde caminham juntas. A
psicopedagogia, além de comprometer-se com a aprendizagem, compromete-se com a saúde. Desta forma, percebo que a pessoa hospitalizada, em
face do crescimento e desenvolvimento especiais, seja pela faixa etária ou
outras condições psicossociais, deva ter assistência psicopedagógica ou
atendimento pedagógico, pois ela necessita continuar com o seu aprendizado, que traz as concepções do mundo e da realidade de onde veio.
A psicopedagogia hospitalar talvez seje o caminho para que o indivíduo,
por meio do conhecimento de ser que vai além da doença e de qualquer outro
aspecto de sua vida, forme com ele um todo indissociável.
Metodologia
A minha proposta, neste trabalho, foi conhecer e refletir sobre a percepção da equipe de saúde acerca das situações de aprendizagem e, assim, a
metodologia mais adequada pareceu ser a pesquisa qualitativa.
Contar, neste trabalho, com a fenomenologia é poder, a partir desta referência metodológica, entender o fenômeno educação-saúde da maneira
como se apresenta. O método fenomenológico é a investigação e a descrição
de fenômenos que são experienciados pela consciência, sem teorias sobre
sua explicação causal e tão livre quanto possível de pressupostos e preconceitos.
A fenomenologia não privilegia o sujeito nem o objeto, mas sim, a rela-
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ção entre ambos, pois entende que um é determinante do outro, é a relação
entre o mundo do vivido e a descrição direta de nossa experiência. O que a
fenomenologia enfatiza é o relato do componente subjetivo do comportamento das pessoas.
O psicopedagogo, segundo Noffs (1995, p. 22), “atua mediante o conhecimento das teorias e instrumentos da pedagogia, aliados à ressignificação
da aprendizagem, desta maneira tem seu objeto de estudo voltado para o
conhecimento”.
Sendo assim, a metodologia a ser adotada durante este processo deve
preocupar-se com o conhecimento, sua construção, sua aquisição e suas
origens. A informação, na sua essência mais profunda, necessita ser intuída
e não apenas descoberta. Essa essência poderia ser pesquisada com a ajuda da fenomenologia e concordo com Merleau-Ponty (1990, p. 86) quando
cita que “a experiência vivida só é interessante imediatamente para quem se
interessa pelo homem”.
Neste sentido, o método fenomenológico não se preocupa com resultados objetivos, mas sim procura interpretar a subjetividade das respostas através dos possíveis significados existenciais. Propõe descrever fatos e não a
realidade em si.
A hermenêutica complementa o processo de descrição da
fenomenologia, preocupando-se com a interpretação. O método
hermenêutico, segundo Terra (1998, p. 24), “tem como objetivo interpretar e,
desta maneira, compreender o fenômeno em questão”.
Esta pesquisa, portanto, não poderia buscar outro auxílio senão a
Fenomenologia-Hermenêutica, pois a saúde e a aprendizagem necessitam
de compreensão e de sensibilidade, e quando dois fenômenos tão complementares são objetos de estudo, não se pode simplesmente qualificá-los, é
necessário entender como e de que maneira afetam e modificam a vida do
ser. Relembrando Capra (1982, p. 135), “a arte de curar não pode ser
quantificada” e, ousaria complementar, nem a arte de aprender e ensinar, ela
deve ser compreendida.
Para complementar o processo metodológico, recorro a narrativa dos
profissionais de saúde, por meio de entrevista como recurso para conhecer
suas vivências, seus entendimentos e percepções sobre a psicopedagogia/
pedagogia hospitalar.
Neste sentido, Bogdan e Biklen (1994, p. 134) citam que “a entrevista é
utilizada para recolher dados descritos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente numa idéia, sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo”.
Caracterização do local
O presente estudo foi realizado na Unidade de Internação HematoOncológica (UHO) do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM).
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O HUSM localiza-se no campus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), bairro Camobi, desde o ano de 1982. Caracteriza-se por ser um
hospital-escola onde estagiam, atuam e estudam alunos dos vários cursos da
área da saúde (Medicina, Enfermagem, Fisioterapia, Fonoaudiologia e Farmácia). É um órgão público federal, sendo um centro de referência estadual.
Em Santa Maria, é o único que prioriza o Sistema Único de Saúde (SUS),
atendendo a pacientes oriundos de vários municípios da região. Conta com
67 salas ambulatoriais e 310 leitos em funcionamento.
Em 1984, surgiu no HUSM o Serviço Hemato-Oncológico, situado na
Clínica Médica II, 5º andar, onde funciona o Isolamento Protetor.
O Serviço Hemato-Oncológico é composto pela Unidade HematoOncológica (UHO), pelo Centro de Transplante de Medula Óssea (CTMO),
pelo Ambulatório de Quimioterapia, pelo Laboratório de Hematologia, Humano-Genética e Histoimunocompatibilidade.
A UHO, o CTMO e o Ambulatório de Quimioterapia situam-se no 1º andar, junto à Unidade de Psiquiatria.
A estrutura física é compreendida pelos seguintes ambientes: sala de
expurgo, serviço de nutrição, sala de lanche da equipe de enfermagem, ambulatório de quimioterapia e salas para administração de quimioterápicos.
A UHO é composta por sala de passagem de plantão e preparo de medicamento. Dispõe de 18 leitos, 6 para adultos e 12 pediátricos. Cada quarto
e cada enfermaria contém um banheiro exclusivo para aqueles que estão
hospitalizados e cada criança tem direito a acompanhante.
A Unidade visa dar assistência àqueles com diagnóstico confirmado ou
em investigação de doenças hematológicas ou oncológicas, pessoas recebendo quimioterapia ou imunodeprimidas.
O horário de visitação é diário, das 14 às 15 horas, sendo permitidas
duas (02) visitas por pessoa hospitalizada.
Caso a pessoa hospitalizada tenha condições, poderá receber um número maior de visitas nas salas de espera do Ambulatório de Quimioterapia.
A UHO dispõe da seguinte equipe de saúde: 07 enfermeiros, 14 auxiliares de enfermagem, 04 bolsistas de enfermagem, 02 secretários, 06 médicos
hemato-oncologistas, 02 funcionários para auxílio/transporte no turno da manhã, 02 residentes médicos, 07 funcionários para o serviço de higiene e limpeza da unidade, 01 pedagoga, 01 psicóloga, 01 assistente social e 01
nutricionista.
Seleção dos sujeitos da pesquisa
Foram entrevistados dez profissionais de saúde que trabalham na UHO,
pois em meu entendimento, nesta Unidade há uma visão da relação educação e saúde já traduzida na inclusão do trabalho de pedagogia no tratamento
sob internação de crianças e adolescentes. Na apresentação da análise dos
dados, será garantida a omissão da profissão e nomes, compromisso que foi
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firmado por ocasião das entrevistas. Os profissionais foram identificados com
o nome de pedras preciosas para a sistematização e registro das opiniões
emitidas.
Foi utilizada a técnica da amostragem aleatória para que todos os profissionais da equipe de saúde, incluídos na população, possuíssem a chance de
pertencer à amostra. As entrevistas foram realizadas no HUSM, algumas na
sala do espaço pedagógico, gentilmente cedido pela pedagoga, ou na sala da
enfermagem da UHO e foram agendadas de acordo com a disponibilidade
dos profissionais e da pesquisadora, ficando livre a escolha de querer ou não
participar.
Utilizei a entrevista semi-estruturada e informal, com o objetivo de proporcionar uma melhor interação com os profissionais. O material auxiliar foi o
gravador, com autorização prévia desses profissionais. O tempo de duração
foi, no máximo, de uma hora.
As questões norteadoras deste trabalho foram as seguintes:
1. Como você percebe a pessoa hospitalizada?
2. Qual o seu sentimento em relação às pessoas hospitalizadas?
3. As pessoas hospitalizadas em sua Unidade comentam com você sobre a vida anterior e após a internação?
4. As pessoas hospitalizadas em sua Unidade demonstram curiosidade
em saber o que se passa com elas dentro do ambiente hospitalar?
5. O que significa para você: aprendizagem; apoio; vida?
6. Como você percebe a equipe de saúde no hospital?
Análise das entrevistas
Nesta etapa da pesquisa, foram apresentados os resultados obtidos pela
análise das entrevistas, tanto na forma de descrição quanto de interpretação
dos mesmos. Ela tem a finalidade de analisar e interpretar as respostas das
entrevistas referentes às percepções da equipe de saúde sobre a atuação do
psicopedagogo na área hospitalar, mostrando o que eles pensam sobre o
tema proposto.
Para poder apresentar os conteúdos, procurei colocar em ordem os dados, organizando as situações vivenciadas pela equipe de saúde. Realizei a
leitura das situações coletadas nas entrevistas, que foram escritas após a
sua realização. Essas situações revelaram-me a forma de perceber o trabalho do psicopedagogo na área hospitalar. O entendimento das situações ocorreu-me a partir da compreensão de enunciados, idéias e reações obtidas nas
entrevistas com a equipe.
A partir desses dados, vou identificar cada experiência como sendo situações vivenciadas pela equipe ao longo das entrevistas.
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Primeira situação: SENTIMENTOS
Nos relatos das entrevistas, percebi que, na equipe de saúde, as emoções vêm à tona; o medo bane o raciocínio, os componentes tornam-se
fragilizados emocionalmente porque o seu bem-estar mental repousa, em
parte, na ilusão de que somos invulneráveis. Isto evidencia que a vida emotiva
é inseparável da profissional nas pessoas que compõem esta equipe. Os fatos demonstram que os profissionais passam da insensibilidade emocional
para uma existência emocionalmente centrada no afeto, o que confirma a
idéia de Motta (1997, p. 113) de que “a equipe de saúde mostra-se sensível à
dor física e emocional do paciente e ao sofrimento da família e procura apoiálos no processo de cuidar”. Para esta autora, ao vivenciar o fato de que os
tratamentos muitas vezes não conferem os resultados esperados, produz-se,
na equipe de saúde, sentimentos de impotência e tristeza.
[...] dá uma certa fragilidade o estado dele, porque a gente sabe que tá
enfraquecido; vem toda uma carga de dor [...] não há emoções puras, há
um misto de emoções: revolta, pesar, alegria... Aprender envolve sentimentos (Ônix).
Eu tenho sentimento de muito carinho, há um grande apego com o paciente... a gente tá aprendendo sempre através do sofrimento, através
das tristezas, a gente aprende a dar valor para a vida [...] (Ametista).
Eu noto que o meu sentimento já mudou bastante... eu sentia muita pena,
mas com o tempo a gente tem que converter essa pena em ajuda[...] a
vida tem que ter objetivos, deve ser compartilhada, e nessa vida tem que
estar incluído o emocional, o espiritual (Água Marinha).
[...] o meu sentimento principal é de que eles melhorem, de ver todos
bem, livres de todos esses problemas que eles têm (Safira).
[...] quando tu prevê que a coisa tá afundando, aí tu te angustia demais,
tu acaba te estressando demais [...] (Topázio).
Segunda situação: RACIONALIDADE/SENSIBILIDADE
Pelos relatos das entrevistas, o movimento racionalidade/sensibilidade
está presente de maneira muito forte em todas as falas dos entrevistados:
[...] às vezes acaba passando daquela fase mais científica do tratar adequadamente, sabendo que tantos por cento dá certo ou não ou mesmo
sabendo que não vai dar certo, tentando medidas a mais para ver se
consegue algum resultado [...] (Topázio).
As pessoas não são tão robotizadas que pudessem ter uma só emoção.
É claro que te dá pesar por ver um paciente que pelas leis naturais esta-
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ria brincando, que pela idade natural estaria curtindo o melhor que tem
da vida (Ônix).
Um ponto conflitante, revelado nas entrevistas, refere-se ao reduzido
espaço das manifestações emocionais reservado pela racionalidade. Percebo um bloqueio, o controle das manifestações de seus sentimentos, a escolha por uma fronteira de autopreservação. Para Maffesoli (1984, p. 119) “a
máscara ou a duplicidade é a proteção contra as formas de absolutização, o
autor coloca que é a brecha, o desvio, que permite à vida a carapaça contra a
ameaça e a agressão, isto é, um espaço de liberdade que se instaura em face
da opressão”.
Se a autenticidade perturba, é necessário empregar a máscara que possibilita existir:
[...] mas é complicado porque o choro está sempre presente conosco, a
gente vai tentando sufocar o choro e a dor, a gente veste uma máscara,
uma roupagem de profissional e tenta sempre colocar o lado bom de todas as histórias [...] (Ônix).
[...] antigamente, há oito anos atrás, eu tinha uma atitude mais passional,
eu tinha uma atitude onde me envolvia mais com o paciente e eu fui com
o tempo mudando a minha atitude para não perder a minha
racionalidade[...] procurei me abster o máximo possível para manter a
minha racionalidade profissional, antigamente eu me envolvia mais com
a família e o paciente [...] hoje eu procuro me preservar até para não
influenciar toda essa carga de perda, de mortes freqüentes na vida pessoal [...] (Rubi).
[...] mas eles falam e a gente escuta eles, mas o envolvimento tem que
controlar porque eu já me envolvi bastante querendo ajudar e acabei entrando em depressão também. Então, eu procuro controlar, eu ajudo, mas
com limites (Esmeralda).
Alguns profissionais admitem a dificuldade de serem apenas o profissional, desvinculado de qualquer emoção e reconhecem o seu envolvimento
emocional, mas este sempre vem acompanhado de restriçõe, como identificarei nas falas a seguir:
É difícil tu ser só [...], só profissional, ir lá fazer o que tem que ser feito,
não é verdade. Há um envolvimento emocional, só que a gente sabe
dosar isso [...]. Por exemplo, quando eu saio do hospital, raramente eu
saio pensando no paciente, saio do hospital e a enfermeira ficou aqui
dentro, porque se tu for levar todos os problemas que têm aqui dentro tua
vida vai virar um inferno (Água Marinha).
A princípio teria que ver a relação profissional – paciente, teoricamente,
sempre proporcionar o tratamento adequado, o melhor conforto possível
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para o paciente e na medida do possível se envolver, mas não demais
[...] (Topázio).
Terceira situação: RELAÇÃO EQUIPE – ENFERMO
A relação entre a equipe de saúde e a pessoa hospitalizada aparece
com força, com fragilidade e com algumas dúvidas: a relação entre esses
dois elementos deve ser somente orientada por procedimentos profissionais
e científicos ou também há lugar para as emoções e para a intuição? Segundo Goleman (1995 p. 180) para a pessoa hospitalizada ‘“qualquer contato
com uma enfermeira ou um médico pode ser uma boa oportunidade para
obter informações acerca do seu estado clínico e, assim, ficar mais tranqüilo,
reconfortado, aliviado, mas, se, pelo contrário, esse contato for desastroso,
pode ser um convite ao desespero”.
Identifiquei algumas preocupações desta natureza nas seguintes falas:
[...] se a primeira abordagem não for feita da maneira mais correta possível, nós corremos o risco deste paciente vir fazer a primeira etapa do
tratamento e depois nunca mais voltar (Rubi).
A gente procura vê-lo como um todo e não ver somente a doença e vendo
no todo há um envolvimento bem maior (Água Marinha).
O primeiro contato, eu acho, que é de estranheza, ele está num ambiente
novo, ele não sabe muito bem o que tem ainda, é uma fase de adaptação
no primeiro contato. Eu tento ter uma relação profissional – paciente, bem
boa, procurar explicar como é que são os serviços porque geralmente
eles chegam num mundo bem diferente (Brilhante).
[...] às vezes eles (pacientes) mantêm uma certa distância, mas com a
convivência, com todo o processo do tratamento, eles dão uma melhorada neste comportamento (Ametista).
A maioria dos entrevistados reconhece a importância desta relação ser
permeada por diálogo e troca de experiências, trazendo um benefício para o
enfermo hospitalizado.
Segundo Goleman (1995, p. 195), o relacionamento proveniente dos
cuidados de saúde são os “mais importantes na vida da gente e as pessoas
com quem se mantêm um contato cotidiano são importantes para nossa saúde”. O autor destaca que “quanto mais significativo for o relacionamento mais
ele é importante para a preservação da nossa saúde”.
[...] diariamente tu conversa e eu recordo que aquela assistência profissional que eu dava não era o principal, era sentar, conversar, ouvir o
paciente, contar histórias [...] (Rubi).
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Há uma proximidade entre mim e o paciente através de encontros e reuniões de grupo[...] é uma parte educativa para tentar acalmar medos e
anseios (Safira).
Quarta situação: FUNÇÃO DO SABER OU NÃO SABER
Aqui aparece a questão sobre a dificuldade de aprendizagem em relação aos conteúdos da instituição: qual a doença? Quais as possibilidades de
tratamento? O por que de alguns procedimentos e exames? Sendo que, de
acordo com Mittempergher (1998, p. 18), “dada a carga emocional ligada à
própria doença em pauta, talvez a questão do não-saber esteja vinculada ao
perigo de saber”. A autora ressalva que “a função do não saber pode ser
mantenedora de um estado que não se deseja ver alterado”.
[..]. os pacientes sabem tudo e a curiosidade que eles têm a gente procura esclarecer (Ônix).
Eles procuram saber o que está acontecendo e isso ocorre bastante. Se
tu disser que tem uma bibliografia ou alguma coisa relacionada com a
doença eles chegam pra gente e perguntam o que é isso, o que é aquilo.
As dúvidas, geralmente, são em relação à doença (Esmeralda).
Ao ser definido o diagnóstico, então é colocado que vai haver
quimioterapia ou outro tipo de tratamento, é falado sobre os efeitos
colaterais (Água Marinha).
Eles têm que saber: sabem os resultados dos exames, alguns já sabem o
que está alto e o que está baixo, eu não preciso ser a detentora do conhecimento para que ele confie em mim somente... só o paciente bem
orientado vai contribuir no seu tratamento (Rubi).
Eles têm curiosidade e a gente não omite nada sobre a doença, todos os
pacientes têm perfeita consciência e conhecimento de todos os seus exames (Safira).
Os adolescentes também sabem o dia da coleta de sangue e chegam até
a deixar a gente meio confuso perguntando: Já veio o exame? Quanto
estão as minhas plaquetas? Eles têm uma noção boa do tratamento
(Topázio).
Um dos entrevistados faz o papel inverso, é ele quem pergunta se o
paciente ou a família conhecem a situação, se sabem alguma coisa sobre a
doença:
[...] é feita uma ficha psicossocial e eu pergunto se eles sabem o que eles
têm e aí eu identifico se eles estão bem esclarecidos e aí a gente sabe
que podem ser várias coisas: ou o médico não sabe ainda o diagnóstico,
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ou o médico disse, mas com termos difíceis e ele não entendeu nada,
então é parte do meu trabalho perguntar se sabe ou não e no caso de não
estar esclarecido eu falo com o médico e dou o retorno para o paciente
ou familiar (Turquesa).
“A mãe não sabe o que vai acontecer, não sabe o que a criança tem, eu
tento pelo menos explicar tudo, dar o melhor suporte, o que vai ser feito,
tirar as dúvidas... os pais sempre querem saber e varia de acordo com
cada profissional, eu, por exemplo, chego e já digo o que vou fazer, sempre explico antes de qualquer coisa. Eu procuro não esconder nada para
que as crianças não percam a confiança” (Brilhante).
Quinta situação: AS MUDANÇAS NA VIDA DA PESSOA HOSPITALIZADA
Quando o indivíduo é hospitalizado e sofre de uma doença que vai deixálo por um longo período internado, ocorre uma ruptura na normalidade do
cotidiano: serão novas pessoas, novas perspectivas, certamente haverá sofrimento, dor e angústia, isso tudo envolto em cuidados e precauções. Então,
como ficarão os vínculos anteriores e os conhecimentos? Será que ocorrerão
mudanças no seu modo de pensar, de ver a vida? E depois, quando sair do
hospital, quais são as expectativas?
Mittempergher (1998, p. 21) afirma que
o conhecimento vindo da escola, de casa, da rua, de si mesmo e do próprio hospital, deve adquirir um novo significado para a pessoa hospitalizada, esse conhecimento deve ser mais positivo, para que sua qualidade
de vida seja elevada, não só se pensando na cura e conseqüente
reinserção nas atividades diárias de cada uma, mas também na sua vida
durante o tratamento, vida essa que prossegue e deve ser bem cuidada.
Mittempergher (1998, p. 21)
[...] esta ruptura da vida, da ordem normal, da hospitalização traz bastante transtorno para a família. Então, no primeiro momento que ele interna,
a primeira coisa é a mãe colocar como era antes a vida: como o filho tinha
sucessos, como tinha uma vida leve, a escolarização... estão sempre trazendo o que tem no passado para de certa forma trazer um pouquinho da
história do paciente, ela (a mãe) tenta contextualizar a criança para que
ele seja visto como um ser humano, que tiveram vida anterior, não são só
um número no Same (Ônix).
Geralmente, quem estuda comenta sobre a vida que tinha antes, que
eles estudavam e, de repente, eles se encontram ali, naquela situação
(Ametista).
Eles contam sobre a vida de casa que para uns é triste e outros comentam as dificuldades financeiras que eles já têm, independente do tratamento (Esmeralda).
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[...] eles comentam sobre a vida anterior e, quando não querem comentar, a gente até puxa: onde mora, quantos irmãos têm, o que tu faz, se
tem bichinho. Se não, fica uma ruptura muito grande, sabe, imagina se
ele não comentar da vida dele antes do hospital e ter lembranças, no que
vai virar a vida dele? (Água Marinha).
[...] é uma fase bem difícil porque adolescente tu imagina que tem que
estar do lado de fora, curtindo a vida, namorando, fazendo festa e tudo
isso aqui, de uma maneira ou de outra acaba trazendo algumas características negativas [...] eles falam “antes eu saía bastante, eu podia namorar, até mesmo tinham relações sexuais ativas” e depois que apareceu
isso aí, a doença, eles se queixam que foram trancados para muitas coisas (Safira).
[...] as mães sempre colocam a situação de como era a vida antes: toda a
reestruturação que eles têm que ter em casa e deixar os filhos pequenos
com outros familiares ou com os pais (Brilhante).
Quanto ao futuro, as expectativas são as mais variadas, conforme demonstram as falas a seguir:
[...] eles acham que, com o tratamento, tudo vai melhorar, tudo vai mudar,
até mesmo adulto. Os cuidados com a vida mudam (Esmeralda).
[...] muitos querem estudar, fazer faculdade, fazer magistério, enfim (Água
Marinha).
[..]. eles têm planos de futuro porque isso é que move eles a continuarem
o tratamento, senão não continuariam (Rubi).
[...] quanto às expectativas, eles comentam que gostariam de ter uma
vida mais ativa, de passar mais tempo em casa, com a família e os amigos (Safira).
[...] alguns comentam sobre o futuro, mas não é prioridade deles, o futuro
para eles é ficar livre da doença (Turquesa).
Tem alguns que falam que querem estudar para serem médicos para curar os outros da mesma doença, tem outros que não comentam. [...] A
maioria quer voltar a estudar; como eles ficam muito tempo em tratamento, eles param um ano ou dois e acabam perdendo o colégio (Brilhante).
Sexta situação: APRENDIZAGEM
O ponto mais importante desta pesquisa refere-se à aprendizagem e
esta aparece de diferentes formas, sendo uma construção do conhecimento
que ocorre cotidianamente. Assim, a aprendizagem, segundo Bossa (2000, p.
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28), “é responsável pela inserção da pessoa no mundo da cultura”. Mediante
a aprendizagem, conforme a autora, “o indivíduo se incorpora ao mundo cultural, com uma participação ativa ao se apropriar de conhecimentos e técnicas, construindo em sua interioridade um universo de representações simbólicas”.
A grande maioria dos pacientes internados vêm da zona rural, então eles
têm aquela vida relacionada com aquele meio ali. Muitas coisas da
modernidade eles não conhecem, vão vir aprender aqui no hospital [...]
eles vão ter um conhecimento mais abrangente, vão ter uma ampliação
do mundo deles, até o simples fato de ir daqui do hospital até a rodoviária, para a família, é um ganho porque eles não conhecem a cidade. [...]
Tudo o que vai modificar a conduta de alguém, de um sujeito, é um ato de
aprender (Ônix).
Todo o sujeito incorpora a representação do mundo, ao qual, por sua
vez, incorpora-se e sujeita-se. Conforme Paín (1992, p. 17-18), “tal processo
compreende todos os comportamentos dedicados à transmissão da cultura,
inclusive os objetivados como instituições que, específica (escola) ou secundariamente, promovem a educação”.
[...] é o objetivo de estarmos neste mundo, de estarmos a cada dia aprendendo. É sempre uma troca. Se a gente passa pela vida sem aprender
não vale a pena (Água Marinha).
A aprendizagem é contínua[...] a gente aprende a cada dia, porque a
cada dia tu vem trazendo uma carga de uma vida anterior e de cada
pessoa que tu conhece tu leva um pouquinho e deixa um pouquinho de ti
também (Rubi).
[...] a gente aprende muito com essas famílias da compreensão de mundo, de amor, da solidariedade, da capacidade de expressar os sentimentos, pra mim a aprendizagem é uma relação de troca (Turquesa).
O hospital, enquanto instituição, constitui um meio social que cria infinitas situações de aprendizagem, sejam elas relacionadas com o conhecimento de procedimentos realizados no hospital, ou de convivência com outro tipo
de mundo, ou ainda do amadurecimento que ocorre diante da situação de
estar internado. É nesta situação que o psicopedagogo compromete-se a trabalhar: intervindo no processo de aprendizagem que, de uma forma ou de
outra, produzirá alterações, seja no comportamento, na maneira de entender
ou de ver o mundo, fazendo com que as experiências vivenciadas neste período de internação, sejam elas positivas ou negativas, tragam uma nova
construção de conhecimento que o norteará para uma mudança de vida. Para
reafirmar essa idéia, cito Souza (2000), que afirma que “a aprendizagem está
sempre relacionada com o próprio sujeito, com o sujeito e o objeto, com o
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sujeito e o meio, sistematicamente”. A posição da autora é de que “o
psicopedagogo está comprometido em qualquer modalidade de aprendizagem e não só na acontecida ou provocada na escola”.
[...] a aprendizagem está acontecendo a cada segundo em que o paciente está aqui. Ele está estabelecendo relação com o outro e há uma troca,
há um crescimento mútuo e há todo um mundo a ser descoberto dentro
do hospital (Ônix).
Aprendizagem é a experiência de vida que estou vivenciando junto com o
paciente, é uma aprendizagem na vida da gente (Esmeralda).
Os pacientes aprendem comigo e eu aprendo com eles (Safira).
Existe aprendizagem dentro do hospital e não é só aprendizagem científica, até de estilo de vida, de tudo. Aprender tu está, constantemente
aprendendo, vê coisas novas o dia inteiro, o problema é captar tudo aquilo, assimilar (Topázio).
Confirmando a percepção da equipe de saúde sobre aprendizagem,
concordo com Motta (1997, p. 102) quando diz que “é na relação com o outro,
e através do outro, que o ser passa a assumir sua existência humana, começa a conhecer-se e a reconhecer-se como um ser único, manifestando sua
própria maneira de ser”.
Os profissionais da equipe de saúde também levantaram a questão do
processo de crescimento e de amadurecimento que as crianças e os adolescentes passam durante o período de internação e em decorrência da própria
doença. Há uma valorização maior da vida e os valores e visões de mundo
também acabam se modificando, conforme os depoimentos a seguir:
Eu acho que depois que passa por uma situação dessas, uma doença de
tão longa duração e o tratamento bastante agressivo, eles não são mais
a mesma pessoa. O amadurecimento acontece por eles terem que cuidar
da vida tão cedo, por eles passarem por uma situação difícil, dizem que o
sofrimento amadurece e a responsabilidade que eles são obrigados a ter
fora do tempo (Água Marinha).
Aqui temos dois perfis de pacientes: os muito pobres, aonde a gente tem
que ensinar a usar o sanitário porque não conhece, ensinar a usar chuveiro porque não conhece, até aquele paciente classe média. Acontece
um amadurecimento ao ponto que aquele que não tinha nenhum conhecimento amadurece, cresce no conhecimento na maneira de conversar,
na maneira de se cuidar. E aquele que tem um padrão muito alto acaba
descendo um pouco e então eles chegam quase a um ponto médio, porque eles têm uma coisa em comum: a vontade de viver e isso é que vai
direcionar as ações deles, então aquele que tem pouco conhecimento,
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v
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
Hospitalização em pediatria e as situações de aprendizagem da criança: percepções da ...
que não sabe o que fazer, ele vai procurar esse conhecimento da maneira dele pra conseguir sucesso no tratamento (Rubi).
Sétima situação: EQUIPE DE SAÚDE
A equipe de saúde está voltada para o bem-estar daqueles que estão
hospitalizados. Cada profissional, dentro da sua especificidade, trabalha para
o pronto reestabelecimento dos pacientes.
Nas falas dos profissionais da equipe, percebi a grande preocupação de
manterem um trabalho direcionado e coeso para que os enfermos que ali
estavam se sentissem amparados e protegidos. Todos reconhecem a sua
missão e a sua importância dentro da equipe para que o andamento do atendimento não seja prejudicado. Para reforçar a minha idéia, recorro à Motta
(1997, p. 110) que nos define cuidado: “o cuidado é compreendido, pela equipe, a partir de um encontro com o outro, é um processo complexo, com uma
variedade de significados envolvendo o ser doente, a família e os integrantes
da equipe”.
Existe um corpo de profissionais, uma referência de serviços, cada um na
sua especificidade, atuando, interagindo todos juntos, trocando influências em benefício do paciente (Ônix).
Quando se consegue a adesão de vários membros, o trabalho é muito
melhor, os resultados para o paciente e para a equipe são muito melhores também (Rubi).
O trabalho em equipe é imprescindível (Safira).
O trabalho em equipe é importantíssimo principalmente no serviço de
hemato-onco, onde tu não podes trabalhar sozinho (Topázio).
A possibilidade de ampliação da equipe de saúde foi sempre citada pelos profissionais que reconhecem a necessidade de que outros profissionais
façam parte da equipe, profissionais estes que se direcionem para outras
áreas, além da saúde:
Sempre se precisa de outros profissionais para que dê outro olhar que
não foi dado ainda (Ônix).
[...] e até pra poder abrir outras fontes de trabalho, de ação que hoje não
pode ser explorado porque não tem quem faça (Rubi).
[...] existem outras áreas que têm que ser abordadas também. A pessoa
não é uma ilha isolada, todos interagimos com várias áreas[...] não é só a
parte de saúde (Topázio).
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
55
Luciana Borges Medina
[...] haveria outras atividades que poderiam ser desenvolvidas (Esmeralda).
Considerações finais
Baseada no estudo da percepção sobre a atuação do psicopedagogo/
pedagogo na área hospitalar em um hospital universitário, em uma unidade
especializada, onde o tempo de internação tende a ser longo ou com muitas
reinternações, pude constatar um cenário de atuações, mas igualmente um
cenário de novas e surpreendentes aprendizagens à educação profissional
deste especialista.
Durante as entrevistas, observei que cada profissional reagia diante dos
questionamentos à sua própria maneira, mas em sua totalidade,
demostraram tranqüilidade e interesse em colaborar e entender o trabalho
que o psicopedagogo poderia desenvolver na área hospitalar. Todos os entrevistados demonstraram preocupação com a pessoa hospitalizada: seus problemas pessoais, de aprendizagem, como também com a qualidade de vida
durante e após o tratamento. Senti que os entrevistados preocupam-se em
controlar as suas emoções para não prejudicarem a relação equipe – enfermo e, até mesmo, a sua vida pessoal, mas a expressão de sentimentos e o
vínculo afetivo não estão excluídos da qualidade do cuidado.
Percebi que os profissionais da equipe controlam suas emoções e, com
o passar do tempo, com os anos de profissão, estas emoções vão se amenizando e sua interação vai se colocando mais tranqüila. Observei que os muitos sentimentos expressos pela equipe trazem uma aprendizagem, uma mudança na forma desses profissionais enxergarem as pessoas hospitalizadas.
Percebi que os profissionais da equipe procuram sempre se preservar, colocando o lado racional em um nível mais elevado do que o emocional, com a
finalidade de não deixarem que suas emoções influenciem na avaliação do
quadro de doença e evolução do tratamento.
Pude constatar que, apesar do controle de sentimentos e emoções, a
interação entre a pessoa hospitalizada e a equipe de saúde é muito boa e isso
ocorre porque existe uma troca de experiências e a preocupação de ver a
pessoa hospitalizada como um todo, inserido dentro de um contexto social e
isto envolve reconhecer que as pessoas têm uma visão de mundo e a vivência
de uma aprendizagem adquirida anteriormente. Aqui, o psicopedagogo tem a
função de mediar e de reverter esta troca em novos conhecimentos, tanto
para o paciente como para a equipe.
Notei que há preocupação e até uma necessidade de que as pessoas
hospitalizadas saibam e conheçam tudo o que as envolve, não há nada a ser
escondido ou não revelado. O saber, para a pessoa hospitalizada, funciona
também como um elemento a mais que contribuirá para o seu tratamento.
Surge, então, dessa maneira, um outro campo a ser trabalhado pelo
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Hospitalização em pediatria e as situações de aprendizagem da criança: percepções da ...
psicopedagogo: proporcionar momentos em que a pessoa possa questionar
e discutir sobre a doença, em que o profissional possa sempre demonstrar o
lado positivo de todo o tratamento e também resgatar o vínculo com o conhecimento que ele já possui.
Senti que mudanças ocorrem na vida da pessoa hospitalizada e que, de
alguma forma, elas têm que assimilá-las. O mais difícil é a fase de transição
entre a descoberta da doença e a internação, pois é nesta fase que elas, além
de serem internadas, serão cerceadas do convívio com a família, com os
amigos, de ir à escola, de continuar a estar no mundo do mesmo modo como
estavam. A psicopedagogia/pedagogia auxiliará na transformação do mundo
novo do hospital em conhecimento, e esse conhecimento em aprendizagem,
em amadurecimento para uma vida futura após o tratamento, para enfrentar o
mundo novamente.
Constatei que todos os membros da equipe de saúde têm uma ampla
relação com a aprendizagem. Na visão dos profissionais, a aprendizagem
acontece de duas formas: o conhecimento trazido pela pessoa hospitalizada
do seu mundo e que deverá ser aprimorado dentro do hospital e a troca de
experiências que ocorrem durante a internação, diante das situações pelas
quais passam a pessoa hospitalizada e a equipe de saúde. Diante de situações de aprendizagem como essas, a psicopedagogia/pedagogia trabalha
para que todo esse conhecimento que há dentro do hospital não seja
desconsiderado. O profissional pode auxiliar a equipe a reverter essa aprendizagem para que a pessoa hospitalizada adquira conhecimento de si, de
suas potencialidades, de suas peculiaridades físicas, procurando promover a
pessoa, de um doente passivo para ativo em seu tratamento.
Durante o decorrer deste estudo, notei que todos os profissionais entrevistados enfatizam o amor e o carinho para com as pessoas sob seus cuidados e que têm uma preocupação muito grande em fazer da Unidade HematoOncológica uma extensão da casa, da família da pessoa internada, proporcionando um ambiente agradável e confortável durante o período de hospitalização, para que, de certa forma, a pessoa tenha uma vida o mais normal
possível.
Pude atestar que a instituição hospitalar oferece muitas situações de
aprendizagem, sejam elas de origem sociocultural, sobre procedimentos ou
relativas ao crescimento pessoal. Cabe ressaltar que a psicopedagogia/pedagogia encontra seu objeto de estudo dentro do hospital, ou seja, o aprendiz
que constrói o seu conhecimento no dia-a-dia e que não escolhe local para
fazê-lo.
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Luciana Borges Medina
Hospitalización en pediatría y las situaciones de aprendizaje del niño:
percepciones del equipo de salud en una unidad hemato-oncológica de un hospital universitario
Resumen: El artículo busca presentar las muchas posibilidades de aprendizaje
del niño en la institución hospitalar, durante la internación pediátrica, por medio del
contacto con el equipo de salud que convive diariamente con él. Busca destacar
situaciones de aprendizaje del niño en que el psicopedagogo/pedagogo pueda
actuar, haciendo el período pasado dentro del hospital una experiencia positiva, que
posibilite el crecimiento y la madurez cognitiva y psíquica. De entrevistas con el
equipo de salud de la Unidad de Internación Hemato- Oncológica, del Hospital Universitário de Santa Maria, fueron extraídos los sentimientos y las percepciones sobre aprendizaje y conocimiento y sobre las relaciones entre aprendizaje y
recuperación de la salud. El equipo de salud presencía, diariamente, muchas situaciones donde la persona hospitalizada adquiere conocimiento y también lo transmite. Es importante que en ese medio tan rico de informaciones, sean ellas de origen
sociocultural, de conocimientos oriundos de diferentes mundos en relación a la
enfermedad, o aún, sobre los procedimientos terapéuticos que son aplicados, actúe
un profesional que oriente y aproveche criativamente ese cambio de conocimientos,
para que el mismo no sea, de ninguna forma, desconsiderado. La psicopedagogía/
pedagogía encuentra dentro del hospital lo que es su objeto de estudio: el
aprendizaje cognitivo y el desarrollo psíquico.
Palabras Clave: Aprendizaje y desarrollo; Psicopedagogía; Pedagogía hospitalar; Educación y salud; Hospitalización.
Hospitalization in pediatrics and the situation of the learning of children:
perceptions of the team of health in an haemato-oncologic unit of a teaching
hospital
Abstract: The article tries to present the many possibilities of the child’s
learning in the hospital, during the pediatric internment, through the contact with the
team of health that lives together daily with him/her. It tries to detach situations of the
child’s learning in which the psycho-pedagogue/pedagogue can act, turning the
period inside the hospital into a positive experience that makes possible the cognitive
and psychic growth. From interviews with the team of health of the Unidade de
Internação Hemato-oncológica, of the Hospital Universitário de Santa Maria, were
extracted the feelings and the perceptions on learning and knowledge and about the
relationships between learning and recovery of health. The team of health witness,
daily, a lot of situations where hospitalized people acquire knowledge and also
transmit it. It is important that in this environment so rich of information, either of
socio-cultural origin, knowledge originating from different worlds in relation to the
disease, or even, on the therapeutic procedures that are applied act a professional
that lead and creatively take advantage of this exchange of knowledge so that it is
not, in any way, inconsiderate. The psycho-pedagogy/pedagogy finds inside the hospital what is his/her object of study: the cognitive learning and the psychic
development.
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Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
Hospitalização em pediatria e as situações de aprendizagem da criança: percepções da ...
Key-words: Learning and development; Psycho-pedagogy; Hospital
Pedagogy; Education and health; Hospitalization.
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Atenção montador
a página 60 é branca
Tuberculose: histórico, epidemiologia e imunologia, de 1990 a 1999, e co-infecção TB/HIV, ...
Tuberculose: histórico, epidemiologia e
imunologia, de 1990 a 1999, e co-infecção
TB/HIV, de 1998 a 1999, Rio Grande do
Sul – Brasil
Roberta Campos1
Celso Pianta2
Resumo: O presente artigo tem como objetivo a investigação da história da
tuberculose no estado do Rio Grande do Sul, assim como sua recuperação
epidemiológica e imunológica, entre os anos de 1990 a 1999, e da ocorrência da
co-infecção TB/HIV, entre os anos de 1998 a 1999. A metodologia utilizada foi a
pesquisa e a revisão de artigos científicos indexados na Medline; o levantamento
bibliográfico de periódicos e artigos da biblioteca do Laboratório de Saúde Pública/
Laboratório Central (Lacen/RS); a obtenção de dados atualizados junto aos programas de controle da tuberculose do Ministério da Saúde (MS) ou Organização Mundial da Saúde (OMS) e Secretaria do Estado da Saúde (SES/RS). As pesquisas apontaram que, neste estado, os pacientes em tratamento, a incidência de casos de tuberculose e os óbitos diminuíram consideravelmente entre os anos de 1976 a 1990.
Entretanto, a partir da década de 1990, houve o crescimento constante dos casos de
doença. Em 1990, foram 4.435 casos novos. Já em 1998, foram registrados 5.144
casos, representando um aumento de 13,78%. O coeficiente de mortalidade, em
1990, foi de 2,9/100.000 habitantes e, em 1998, foi de 3,6/100.000 habitantes. A coinfecção TB/HIV, em 1998, foi de 10,51% entre os casos de tuberculose notificados
e, em 1999, foi de 12,74%. O grupo mais atingido pela co-infecção é o da faixa etária
dos 25 aos 34 anos de idade, com 17,9% dos casos em 1998 e 22,2% em 1999. Este
fato se deve à baixa imunidade das pessoas com HIV-positivo, com vivências de
promiscuidade e usuárias de drogas. Outras circunstâncias se associam a este
risco como alcoolismo e vivência no cárcere penitenciário. Segundo a Secretaria de
Estado da Saúde, 85% dos casos de tuberculose ocorreram em adultos e 15% em
crianças. Dois terços dos casos ocorrem nas minorias populacionais; 66,4% atingem
o sexo masculino e 33,6% o sexo feminino. Concluiu-se que o crescimento gradual
de casos de tuberculose no estado é uma tendência constante, ocorre como conseqüência de vários fatores, podendo estar correlacionados ou não. São eles a
pandemia da Aids, o crescimento mundial das condições de pobreza e de populações marginais, o abandono do tratamento quimioterápico e o aumento
multidrogarresistência pela co-infecção TB/HIV.
Palavras-Chave: Tuberculose; HIV; Epidemiologia; Imunologia; Rio Grande do
Sul.
1
Bióloga, mestranda em Biotecnologia pela UCS/CAPES, e-mail: [email protected]
Médico Veterinário, Dr. em Ciências e Tecnologia de Alimentos/CNPq, e-mail:
[email protected]
2
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
61
Roberta Campos et al.
Histórico
A tuberculose é uma das doenças transmissíveis mais antigas do mundo, afetando o homem desde a pré-história. Existem registros arqueológicos
da doença entre diversos povos da Antigüidade, como nas múmias egípcias,
onde foram encontradas lesões que sugeriam a doença na coluna espinhal,
conhecida como Mal de Pott (Rosen, 1994).
Nas américas, apesar de alguns autores sugerirem que esta doença já
existia antes da colonização, é de consenso geral que foram os europeus que
trouxeram-na durante as suas expedições, causando milhares de mortes nas
populações indígenas, virgens de contato com o Mycobacterium tuberculosis,
o agente causal da doença (Leite; Telarolli Jr., 1997 ).
No Brasil, alguns colonizadores jesuítas chegavam doentes, mantinham
contato permanente com os índios e infectavam dezenas de nativos. Acredita-se que o padre Manuel da Nóbrega, que chegou ao Brasil em 1549, tenha
sido o primeiro morador ilustre do país a morrer da doença ( Hijar, 1994; Leite;
Telarolli Jr., 1997).
Sendo a tuberculose uma doença infecciosa, a disseminação foi muito
rápida nas grandes cidades européias durante a urbanização e Revolução
Industrial no século XIX. Assim como na Europa, no Brasil não foi diferente. A
epidemia se tornou muito comum nas maiores cidades brasileiras. Estimativas apontam que a mortalidade por tuberculose no Brasil, em 1855, era de
1/150 habitantes (Leite; Telarolli Jr., 1997).
Durante o século XIX, os serviços de saúde ainda eram muito precários
e os problemas de higiene e urbanização nas grandes cidades ficavam sob
responsabilidade de autoridades locais. A saúde pública dava prioridade aos
interesses econômicos e políticos das classes dominantes. A população carente ficava aos cuidados de entidades filantrópicas ligadas à Igreja Católica.
As práticas sanitárias visavam ao controle de doenças que poderiam afetar
somente a força de trabalho e a expansão econômica capitalista (Costa,
1983), limitando-se ao Rio de Janeiro até 1920. No campo institucional, foram
as Santas Casas de Misericórdia que assistiram aos tuberculosos desde a
colonização do Brasil até a fundação de sanatórios e dispensários (Hijjar,
1994).
A partir de 1927, sob o monitoramento da Liga Brasileira Contra a Tuberculose, começava a vacinação de recém-nascidos nas maternidades do
Rio de Janeiro. Em seguida, o Bacilo de Calmette e Guérin (BCG) despertaria
interesse em outros centros nacionais. Foram organizados laboratórios para
produção e distribuição da BCG no Rio Grande do Sul e em São Paulo, sob a
direção de Pereira Filho, Faillace e Clemente Vaz (Mac Dowell, 1949). O tratamento da doença era feito com medicamentos pouco eficazes. Algumas descobertas no campo científico e assistencial na Europa repercutiram amplamente no Brasil, motivando a criação de organizações para o combate da
tuberculose. Os primeiros métodos de profilaxia foram a aeração, a dieta ali-
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Tuberculose: histórico, epidemiologia e imunologia, de 1990 a 1999, e co-infecção TB/HIV, ...
mentar, o internamento em dispensários, os sanatórios e os abrigos ou colônias agrícolas. Evitava-se o convívio familiar do paciente. A família era regularmente visitada por agentes da saúde, para averiguar outro possível contágio (Faillace, 1948).
Em 1946, o índice de mortalidade de tuberculose no Rio de Janeiro estava em torno de 1.000/100.000 habitantes. Algumas capitais brasileiras
contabilizavam um índice de mortalidade da doença de 246/100.000 habitantes. Com a perspectiva de ser erradicada até 1970, a doença recrudesceu em
todo o mundo a partir da década seguinte, constituindo hoje uma das principais causas de morte por doenças infecciosas (Leite; Telarolli Jr., 1997).
Em 1970, a saúde pública começou a desenvolver planos de vigilância
epidemiológica, fazendo levantamento de prevalência da infecção em escolares, para implantação nacional da vacina BCG por via intradérmica. Nessa
época, foi criada também a Rede Nacional de Laboratórios de Tuberculose,
integrada aos Laboratórios de Saúde Pública de cada Estado (Hijjar, 1994).
Em 1975, o Estado do Rio Grande Sul firmou o primeiro convênio com o
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) para
o controle e vigilância da epidemia, padronizando e introduzindo o tratamento
de antibióticos tuberculostáticos.
Em 1978, foi criada a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia
(SBPT), a partir da fusão de dois órgãos importantes: a Federação das Sociedades Brasileiras de Tuberculose e Doenças Respiratórias e a Sociedade
Brasileira de Pneumologia. A Sociedade congregava os maiores especialistas em doenças respiratórias do Brasil, com a primeira sede em Porto Alegre.
Em 1984, foi criado, no Rio de Janeiro, o Centro de Referência Professor Hélio Fraga, que ainda hoje é o mais importante centro de referência para
o controle da tuberculose nas áreas de diagnóstico, ensino especializado e
pesquisa científica e epidemiológica para os demais centros do país.
Hoje, a tuberculose é uma doença totalmente curável, que só leva o
paciente à morte se não for tratada com seriedade. Entretanto, com a emergência da Aids, na década de 1980, mudaram as características da doença,
agravando a situação epidemiológica, constituindo um dos principais fatores
para a deterioração do quadro da doença em países com alta taxa das duas
infecções, como o Brasil (Brasil, 1994).
Epidemiologia
A tuberculose é uma doença infecciosa causada pelo M. tuberculosis. O
complexo Mycobacterium é um agente etiológico constituído de outras espécies como o M. tuberculosis, M. bovis, M. africanum e M. microti (Brasil, 1999).
Certas micobactérias também podem induzir a um quadro clínico semelhante
à tuberculose, sendo necessário o diagnóstico diferencial de culturas e a adequada identificação.
A doença é transmitida por três vias diferentes. A primeira relaciona-se
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
63
Roberta Campos et al.
com a ingestão de material contaminado, como leite in natura, infectando a
submucosa intestinal, que se torna um foco de infecção primária (Spkowitz et.
al, 1995). Atualmente, esses casos são muito raros, pois a pasteurização elimina o M. bovis do leite. A segunda via de transmissão diz respeito à
inoculação direta do bacilo, que acomete particularmente os trabalhadores de
saúde. Essas pessoas têm cinco vezes mais chances de contrair a doença,
comparadas com a população em geral (Brasil, 1994). A terceira via se dá por
transmissão aérea, pela inalação de gotículas contendo M. tuberculosis,
quando o infectado espirra ou tosse. Esta forma de transmissão é a mais
importante, pois propaga rapidamente a doença. Estima-se que uma pessoa
infectada, antes mesmo do diagnóstico e tratamento da doença, pode transmiti-la para mais cinco pessoas (Smith; Moos, 1994).
A tuberculose pode infectar qualquer órgão do corpo. Mas a principal
incidência é a da tuberculose pulmonar bacilífera. Em 1992, foram registrados
no Brasil 85.955 casos, dos quais 86% eram pulmonares. Entre as formas
extrapulmonares, que correspondem à 15%, as mais comuns são as pleurais
e ganglionares periféricas, seguidas pelas genito-urinárias, ósseas e oculares, em menores percentuais. Outras formas extrapulmonares, como a tuberculose-meningite e miliar, contribuem com 5% e 6%, respectivamente (Hijjar,
1994).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que um terço da população mundial, ou 2 bilhões de pessoas, apresentem infecção latente do M.
tuberculosis e aproximadamente 4 milhões de casos sejam notificados ao
ano. Mas, segundo estatísticas, esse número pode chegar, na realidade, ao
número de 7 a 9 milhões de casos ao ano, 95% nos países em desenvolvimento. A mortalidade anual é estimada em 3 milhões de pessoas, ou seja,
7% de toda a mortalidade mundial (OPS, 1998). Dois terços dos casos de
tuberculose ocorrem nas minorias populacionais. O risco de infecção na população indigente é cerca de 300 vezes maior que na população geral. Outros
grupos de risco são os alcoolistas, usuários de drogas ilícitas e a população
carcerária (Id., 1998).
No Brasil, estima-se que de 35 a 45 milhões de pessoas estão infectadas
pelo M. tuberculosis, com 100 mil casos novos ao ano. O número de óbitos
pela doença é de 4 a 5 mil pessoas ao ano. Em 1992, o coeficiente de incidência da tuberculose em todas as suas formas (TB/TF) foi de 57,6/100.000 habitantes. A Região Sul apresentou incidência de 8.369 casos, sendo 4.299
respectivos ao Rio Grande do Sul. Os pacientes em tratamento, as notificações de tuberculose pulmonar e os óbitos diminuíram consideravelmente entre os anos de 1976 e 1990 (Haggsträm; Tonietto, 1998). Entretanto, notou-se
que a partir da década de 1990 houve um crescimento gradual do número de
casos notificados. Em 1990, foram 4.435 casos, comparados com 5.144 casos notificados em 1998, representando um aumento de 13,78%. O coeficiente de mortalidade, em 1990, foi de 2,9/100.000 habitantes e, em 1998, foi
de 3,6/100.000 habitantes (tabela 1). Conforme os dados da Secretaria de
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Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
Tuberculose: histórico, epidemiologia e imunologia, de 1990 a 1999, e co-infecção TB/HIV, ...
Estado da Saúde (SES/RS), 66,4% dos casos incidem no sexo masculino e
33,6% no sexo feminino.
Tabela 1 – Incidência da tuberculose no estado do Rio Grande do Sul de 1990
a 1999
Ações de tratamento – TB/TF1
Casos novos
Ano
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
TB/TF1
4435
4242
4299
4447
4816
4843
4920
4954
5144
4720*
TB/Pulmonar
(BK+)2
2203
2251
2350
2425
2747
2715
2781
2761
2890
2651
Alta3
5141
4831
4768
4957
4826
4984
2556
5038
4975
4795
Cura (%)
80
78
77
76
75
72
67
73
73,97
79,8
Abandono Coeficiente
(%)
Mortalidade4
14
2,9
15
3,0
16
3,1
15
3,5
18
3,8
21
3,7
23
2,2
17
2,9
15,26
3,2
11,6
3,2
Fonte: Secretaria de Estado da Saúde/RS – Coordenação de Atenção Integral à Saúde
(CAIS-SES/RS)
1
Tuberculose de todas as formas.
Tuberculose Pulmonar com Baciloscopia Positiva.
3
Alta de pacientes prevalentes (antigos + novos).
4
Coeficiente de Mortalidade/100.000 habitantes
* Dados preliminares, sujeitos a alterações.
2
Imunologia
Os conhecimentos da microbiologia e parasitologia do século XIX estreitaram o caminho às pesquisas científicas de agentes infecciosos causadores de doenças. Após a descoberta do Mycobacterium tuberculosis, por
Robert Kock, em 1882, começou-se a especular sobre a possível erradicação
da doença.
Hoje, a doença ainda persiste como grande problema de saúde
(Ferreira; Fonseca, 1997). A maioria das pessoas infectadas pelo bacilo de
Kock não desenvolve a doença, entretanto, a infecção pode persistir por anos
e a pessoa infectada pode acabar desenvolvendo a doença, uma vez que
este bacilo tem a capacidade de assumir parasitismo intracelular facultativo e
permanecer sob um estado de latência durante anos. Segundo estatísticas
atuais, 85% dos casos ocorrem em adultos e 15% em crianças (Haggsträm;
Tonietto, 1998).
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65
Roberta Campos et al.
Segundo a Pneumologia Sanitária da Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, nem todas as pessoas que têm o bacilo de Kock no organismo
desenvolvem a doença. Em pessoas com o sistema imunológico eficiente, o
bacilo acaba aprisionado dentro de uma célula de defesa, o macrófago, podendo permanecer latente por toda a vida, sem manifestar a doença. A disseminação linfática e hematogênica ocorre antes do desenvolvimento de uma
resposta imune efetiva, constituindo novos focos no organismo. Esta infecção
denomina-se tuberculose primária e é, geralmente, assintomática. Nos casos em que a resposta imune é inadequada, a doença se desenvolve acompanhada de sintomas pulmonares. Nas infecções primárias, encontram-se
lesões mínimas dos tecidos pulmonares e uma adenopatia hilar, constituindo
o Complexo de Gohn (Andreoli et al., 1997). A tuberculose pós-primária ocorre quando os mecanismos de defesa do organismo tornam-se comprometidos, reativando os sítios com bacilos viáveis que estavam em latência. Quando o indivíduo sofre a segunda infecção, a partir do contato com pessoas
doentes, desenvolve a doença, com reativação endógena (Tuberculose,
1999).
As ações desenvolvidas contra a tuberculose têm como meta principal a
redução de um problema de saúde pública reconhecido como importante em
nosso meio, tendo em vista a incidência de casos de tuberculose pulmonar
contagiante em adultos, a mortalidade e a crescente associação com a Aids
(Haggsträm; Tonietto, 1998).
A tuberculose é um dos temas centrais das atividades da OMS, desde a
sua criação, em 1964, ano em que essa entidade propôs a elaboração de
Programas Nacionais de Controle da Tuberculose (PNCTB). Desde então, a
OMS tem apoiado qualquer iniciativa técnica e operacional. Essas propostas
baseiam-se na bacteriologia para diagnósticos corretos, tratamento
medicamentoso eficaz em ambulatórios e imunização com BCG em crianças
(Yañez, 1991).
Os serviços de saúde pública do Estado do Rio Grande do Sul iniciaram
o preparo e a administração do BCG em 1928. Os técnicos da saúde compreenderam o alcance prático da calmetização, como recurso eficaz e de baixo
custo para imunização e prevenção da doença. Ainda hoje, empregam-na
com perseverança e rigor técnico, mesmo que tenha ocorrido alguma resistência oposta à vacina como preventivo do bacilo (Faillace, 1948).
A padronização e a normatização das ações de prevenção, diagnóstico
e tratamento são coordenadas pela SES/RS, por intermédio da Seção de
Pneumologia Sanitária. A prevenção pressupõe vacinação de 100% das
crianças de até 1 ano de idade, com BCG intradérmico e revacinação em
crianças em idade escolar (6 anos), independentemente de ter ou não cicatriz
vacinal (Brasil, 1998).
As atividades de diagnóstico buscam, principalmente, os pacientes com
tuberculose bacilífera, que são os disseminadores da doença (Haggsträm;
Tonietto, 1998). As medidas de tratamento visam à cura de pelo menos 80%
66
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Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
Tuberculose: histórico, epidemiologia e imunologia, de 1990 a 1999, e co-infecção TB/HIV, ...
dos casos por meio de esquemas terapêuticos padronizados. Essas medidas
permitem diminuir a incidência da doença entre 8 a 13% ao ano (Brasil, 1994;
OPS, 1998).
Atualmente, alguns cientistas estão pesquisando a vacina gênica da tuberculose, que está em fase de experimentação. Essas vacinas poderão tornar-se uma grande solução de combate às doenças infecciosas. Segundo o
pesquisador Célio Lopes da Silva, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, para a produção da vacina gênica os cientistas retiram o DNA do agente
causador da doença. Quando inoculado em animais, esse segmento de DNA,
que codifica uma proteína imunogênica ou um fator de virulência, tem a potencialidade de induzir o sistema imunológico a produzir anticorpos ou estimular a imunidade imediata das células, protegendo-as contra a infecção causada pelo agente patogênico de onde se originou o DNA (Silva, 2000).
Co-infecção TB/HIV
Com o surgimento, em 1981, da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), observou-se, tanto em países desenvolvidos como em países em
desenvolvimento, o aumento dos casos de tuberculose em pessoas
infectadas pelo vírus HIV. A co-infecção TB/HIV constitui, atualmente, um
sério problema de saúde pública em muitos países (Brasil, 1999; Aids: as
doenças oportunistas, 1996). A tuberculose pulmonar era utilizada como indicador de desenvolvimento periférico, mas hoje, com a disseminação da
pandemia da Aids, tornou-se a terceira doença oportunista mais freqüente
em pacientes HIV positivos (Job et al., 1998).
A Aids está sendo um fator determinante nas mudanças epidemiológicas
da tuberculose, modificando o caráter da doença, de uma evolução crônica
para aguda, podendo levar os pacientes ao óbito em poucas semanas. A
conseqüência mais alarmante da co-infecção é a capacidade do HIV tornar o
paciente tuberculoso multidrogaresistente, ou seja, sem tratamento
quimioterápico (Leite; Telarolli Jr., 1997).
A estimativa mundial da OMS é que exista mais de 1 bilhão e 900 milhões de infectados com o bacilo de Kock e 14 milhões de infectados com o
HIV. Estariam co-infectados cerca de 5,6 milhões de pessoas. O impacto da
infecção pelo HIV na morbidade da tuberculose em uma determinada região
depende da prevalência e da tendência da infecção pelo HIV; da prevalência
da infecção por M. tuberculosis entre os indivíduos da faixa etária de 15 a 49
anos; da taxa de conversão de TB/infecção para TB/doença nessa população; da taxa de detecção de cura, de abandono e de recidiva da doença em
indivíduos bacilíferos e infectados ou não pelo HIV (Dalcolmo; Kritski, 1993).
O Brasil registrou mais de 71 mil casos de Aids entre o início da década
de 80 e agosto de 1995. Nesse mesmo período, o país apresentou em média
90 mil casos de tuberculose por ano (Brasil, 1993; Job et al., 1986). Estimativas preliminares do Ministério da Saúde indicam que existem mais de 400 mil
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
67
Roberta Campos et al.
pessoas infectadas pelo HIV no Brasil e que 30%, ou seja, mais de 120 mil
pessoas, apresentam também a infecção pelo bacilo de Kock. Tendo em vista
a manutenção do mesmo número de casos novos de tuberculose em adultos
no país, a epidemia do HIV deverá promover um acréscimo de 25% de casos
de tuberculose (Loures, 1995). Sabe-se que o esquema terapêutico utilizado
mundialmente é capaz de curar cerca de 95% dos casos de tuberculose (Job
et al., 1986), mas quando o indivíduo apresenta a co-infecção, geralmente,
as características clínicas são incomuns ao paciente tuberculoso e podem
causar dificuldades no diagnóstico, retardando o tratamento (Zumla et al.,
2000).
No Rio Grande do Sul, segundo o Programa de Controle da Tuberculose, em 1998 foram registrados 5.144 casos novos de tuberculose, do quais
541 eram HIV-positivo, ou seja, 10,51% dos pacientes apresentaram co-infecção TB/HIV. Em 1999, a incidência da tuberculose foi de 4.675 casos, sendo 596 HIV-positivo, ou seja, 12,74% apresentaram co-infecção TB/HIV. O
grupo mais atingido pela co-infecção é o da faixa etária dos 25 aos 34 anos,
com 17,9% dos casos em 1998, e 22,2% em 1999. Geralmente, esse fato se
deve à baixa imunidade das pessoas com HIV-positivo, que desenvolvem
tuberculose com muita facilidade, à vida sexual ativa e ao uso de drogas,
segundo características desta faixa etária (tabela 2).
Tabela 2 – Ocorrência de co-infecção TB/HIV no Rio Grande do Sul, segundo
grupo etário: 1998 a 1999.
Casos AIDS1
Grupo
Ano
Ano
etário
1998
1999
00-14
120
79
15-24
352
291
25-34
973
856
35-44
693
581
45-54
237
232
55-64
75
86
65 +
18
24
TOTAL 2.468 2.149
Incidência TB
TB/TF TB/TF
1998
1999
178
169
794
696
1275
1042
1292
1025
784
799
497
503
327
441
5.144
4.720
Co-infecção2
Ano
Ano
1998
1999
14
18
84
92
229
232
157
187
53
64
3
2
1
1
541
596
TB/HIV (%)3
Ano
Ano
1998 1999
7,8
10,6
10,5
13,2
17,9
22,2
12,1
18,2
6,7
8
0,6
0,3
0,3
0,2
10,51 12,74
Fonte: Secretaria de Estado da Saúde/Programa de Controle da Tuberculose/RS
1
2
3
Número de casos, conforme programa DST/AIDS – Ministério da Saúde
Casos de HIV+ entre os casos de TB notificados
Percentual de casos com HIV+ entre os casos de TB
68
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Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
Tuberculose: histórico, epidemiologia e imunologia, de 1990 a 1999, e co-infecção TB/HIV, ...
Tuberculosis: histórico, epidemiología e inmunología, de 1990 a 1999, y
coinfección TB/VIH, de 1998 a1999, Rio Grande do Sul – Brasil
Resumen: El presente artículo tiene como objetivo la investigación de la
historia de la tuberculosis en el Estado del Rio Grande do Sul, así como su
recuperación epidemiológica y inmunológica, entre los años de 1990 y 1999, y la
ocurrencia de la coinfección TB/VIH, entre los años de 1998 y 1999. La metodología
utilizada fue la investigación y revisión de artículos científicos indexados en Medline;
el levantamiento bibliográfico de revistas y artículos de la biblioteca del Lacen/RS
(Laboratório Central); obtención de datos actualizados de la SES/RS (Secretaria da
Saúde del Rio Grande do Sul) - Programa de Control de la Tuberculosis, Ministerio
de la Salud y Organización Mundial de la Salud (OMS). Las investigaciones
señalaron que, en este estado, los pacientes en tratamiento, la incidencia de casos
de tuberculosis y los óbitos disminuyeron considerablemente entre los años de 1976
a 1990. Sin embargo, a partir de la década de 1990, hubo el crecimiento constante
de los casos de enfermedad. En 1990, fueron 4.435 casos nuevos. Pero, en 1998,
fueron registrados 5.144 casos, representando un aumento de 13,78%. El coeficiente de mortalidad, en 1990, fue de 2,9/100.000 habitantes y en 1998 fue de 3,6/
100.000 habitantes. La coinfección TB/VIH, en 1998, fue de 10,51% entre los casos
de tuberculosis notificados y, en 1999, fue de 12,74%. El grupo más afectado por la
coinfección es el de personas de 25 a 34 años, con 17,9% de los casos en 1998 y
22,2% en 1999. Este hecho se debe a la baja inmunidad de las personas con VIH
positivo, con vivencia de promiscuidad y uso de drogas. Otras circunstancias se
asocian a este riesgo, como alcoholismo y vivencia en la cárcel penitenciaria. Según
la Secretaria da Saúde/RS, 85% de los casos de tuberculosis ocurrieron en adultos
y 15% en niños. Dos tercios de los casos ocurren en las minorias poblacionales;
66,4% afectan el sexo masculino y 33,6% el sexo femenino. Se concluye que el
crecimiento gradual de casos de tuberculosis en el estado es una tendencia constante, ocurre como consecuencia de varios factores, que pueden estar
correlacionados o no. Son ellos: la pandemía del SIDA; el crecimiento mundial de
las condiciones de pobreza y de pueblos marginales; el abandono del tratamiento
quimioterápico; el aumento de la multiresistencia a medicinas por la coinfección TB/
VIH.
Palabras Clave: Tuberculosis; VIH; Epidemiología; Inmunología.
Tuberculosis: history, epidemiology and immunology in the period of
1990-1999, and co-infection TB/HIV from 1998 to 1999, Rio Grande do Sul-Brazil
Abstract: The present article has the objective of investigating the history of
tuberculosis in the State of Rio Grande do Sul, as well as its epidemic and
immunological recovery, between the years 1990 to 1999, and of the occurrence of
the co-infection TB/HIV, between the years 1998 to 1999. The methodology used
was the research and the revision of scientific articles indexed in Medline; the
bibliographical verification of newspapers and articles of the library of the Laboratório
de Saúde Pública/Laboratório Central (Lacen/RS); the obtaining of updated data from
the Programs of Control of Tuberculosis of the Ministério da Saúde (MS) or World
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
69
Roberta Campos et al.
Health Organization (WHO) and Secretaria da Saúde do Estado (SES/RS).
Researches showed that, in this state, in the patients in treatment, the incidence of
cases of tuberculosis and the deaths decreased considerably between the years
1976 to 1990. However, from the 1990’s on, there was the constant growth of the
number of cases of that disease. In 1990, they were 4.435 new cases. But in 1998,
5.144 cases were registered, representing an increase of 13,78%. The mortality
coefficient, in 1990, was 2,9/100.000 inhabitants and, in 1998, it was 3,6/100.000
inhabitants. The co-infection TB/HIV, in 1998, was of 10,51% among the cases of
tuberculosis notified and, in 1999, it was of 12,74%. The most affected group by the
co-infection is the age group of 25 to 34 years old, with 17,9% of the cases in 1998
and 22,2% in 1999. This fact is due to the low immunity of HIV-positive people, with
promiscuity and the use of drugs. Other circumstances are associated to this risk,
such as alcoholism and imprisonment and the penitentiary population. According to
the Secretaria da Saúde do Estado, 85% of the cases of tuberculosis occurred in
adults and 15% in children. Two thirds of the cases occur in the population minorities;
66,4% are of the masculine sex and 33,6% the feminine sex. It was concluded that
the gradual growth of cases of tuberculosis in the state is a constant tendency,
occurring as a consequence of several factors, which could be correlated or not.
They are the pandemic Aids, the world wide growth of the poverty conditions and of
marginal populations, the abandonment of the chemotherapeutic treatment and the
increase of multi drug-resistance for the co-infection TB/HIV.
Key-words: Tuberculosis; HIV; Epidemiology; Immunology; Drug-resistance;
Co-infection.
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Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
71
Atenção montador
a página 72 é branca
Um centro de informação e documentação em saúde pública/saúde coletiva: compromissos ...
Um centro de informação e
documentação em saúde pública/saúde
coletiva: compromissos, interfaces e
perspectivas possíveis e a estante da
utopia – Parte II1
Ruth Sant’Helena da Silva2
“Que nossos esforços desafiem as impossibilidades”.
Charles Chaplin
Resumo: Ao tempo em que se discute e estabelece as políticas para o
gerenciamento dos recursos informacionais na ESP/RS, segue a implementação do
Projeto de um Centro de Informação e Documentação em Saúde na Escola de Saúde Pública/RS – Ceids, gradativamente, definindo um perfil técnico-político e práticofuncional fecundado no compromisso com a socialização e democratização do acesso ao conhecimento em saúde coletiva. No presente artigo-documentário dá-se seguimento a um artigo anterior. Em ambos são apresentados os caminhos que mostram as várias facetas e interfaces desta trajetória. De igual modo, são apresentados
os instrumentos e estratégias operativas que buscam viabilizar a consecução do
trabalho, mercê dos descompassos, sempre presentes entre estas formulações e
sua efetiva implementação.
Palavras-Chave: Informação em saúde; Projetos de ação; Memória
institucional; Escola de Saúde Pública; Secretária da Saúde-RS; Documentação.
Introdução
No âmbito da Ciência da Informação, inúmeros estudos têm buscado
construir uma teoria acerca do fenômeno/processo informação. Dentro da
diversidade de conceitos, entendemos conveniente destacar alguns significados de caráter multidisciplinar, para sustentar nosso projeto de Centro de
Informação e Documentação em Saúde.
1
Este artigo dá seguimento à Parte I, publicada no Boletim da Saúde, v. 14, n. 1, 1999-2000.
Sanitarista, Bibliotecária/Documentalista, com Especialização em Administração de Sistemas de Bibliotecas. Coordenadora do Centro de Informação e Documentação em Saúde –
Ceids-ESP/RS. e-mail: [email protected]
2
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
73
Ruth Sant’Helena da Silva
Etimologicamente, “informação é uma palavra de origem latina, do verbo
informare que significa dar forma, criar, representar, construir uma idéia ou
noção” (Cunha, 1985, p. 47).
Seu sentido contraditório se expressa por um perfil estático – mensagem, conceito – e um perfil dinâmico – criação de significados, produção de
inteligência, instrumentalização da comunicação, em contextos culturais específicos.
Segundo Cunha (1985, p. 47), filosoficamente, a informação pode ser
concebida, numa primeira fase, dentro do “idealismo – matéria criada e ativada pelo pensamento” e, noutra fase, dentro do “materialismo, em que o
sujeito e o objeto do pensamento se unem na prática social, resolvendo-se na
contradição realidade e idéia por meio da ação”.
Relacionada a dados e documentos, a informação adquire atributos de
objeto, já que pode ser medida e tocada (Reis, 1999).
Se usada como sinônimo de conhecimento, a informação torna-se fluida, imponderável, intangível e intocável (Id., 1999, p.154).
Mikhailov et al. (1994) entendem informação como conhecimento, que é
objeto de armazenamento (registro em algum suporte físico), mas é também
compartilhamento e transformação.
Belkin e Robertson (1976) afirmam que informação é o que é capaz de
transformar as estruturas e Wersig (1985) diz que informação é conhecimento para a ação.
Cardoso apud Reis (1999, p. 154) entende que a informação
é um saber que ao ser partilhado, permutado, comunicado, produz um
estado dialógico de compreensão, de apreensão de seu significado, ou
seja informação é um significante que encontra significado, que faz sentido, que estabelece uma relação entre [...] pessoas.
Marteleto (1995, p. 89) define informação como “um artefato cultural,
como forma de criação dos significados [...] como modo de produção, controle e distribuição social dos bens simbólicos”.
Quando se percebe a informação com uma visão crítica e não ingênua,
contextualizada no aparato das estruturas histórico-sociais e econômicas, ficam claras as articulações de poder e produção do saber, as disponibilidades
desiguais no seu acesso, as diferenças e conflitos sociais no usufruto dos
bens culturais simbólicos acumulados e, principalmente, em suas aplicações
tecnológicas. Portanto, a informação não pode ser considerada como uma
entidade facilmente isolável para análise.
Para Araujo (1995, p. 56), a informação “não é, na verdade, um conceito
único, singular, mas sim, uma série de conceitos conectados por relações
complexas.” Sua dimensão histórico-social, carregada de potencialidades,
tem valor filosófico (intrínseco ao ser humano, intelectual, subjetivo e emocional) e valor prático (instrumental de uso e troca), no sentido de benefício eco-
74
v
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
Um centro de informação e documentação em saúde pública/saúde coletiva: compromissos ...
nômico e social.
O sentido de valor é partilhado e se estabelece durante o processo da
comunicação, “considerando-se, não apenas a essência ou conteúdo da informação, mas, também, seus contextos de uso” (Novelino, 1998, p. 138).
Informação em saúde
Trazendo estas considerações para uma abordagem mais limitada à informação em saúde, pode-se conferir a ela atributos como natureza pública,
relevância social (contexto histórico-social), valor intrínseco, uso social
abrangente e irrestrita distribuição (a partir de processos de comunicação
definidos).
Branco (1998, p. 164) considera informação em saúde como o “dado
útil” – registrado, classificado, organizado relacionado e interpretado “dentro
de um contexto para transmitir conhecimento”. Contudo, estoques de informação em saúde são estáticos e por si só não produzem conhecimento. É a
transferência da informação que propicia acesso, uso, assimilação e criação
de um novo estado de conhecimento. Neste caso, a transferência da informação pode ser definida como “um conjunto de ações e práticas
institucionalizadas ou não, que visa transmitir a pessoas ou instituições informações registradas em algum tipo de documento, não importando seu suporte físico” (Figueiredo, 1979, p. 120).
Para que o fenômeno ocorra, atualmente, é necessário um certo aparato: recursos financeiros, infra-estrutura de informática e telecomunicações,
referências, redes e sistemas, bases de dados e canais de divulgação e consulta. Para que o processo se efetive adequadamente, com rapidez e intensidade, fica implícita a dependência do estágio de desenvolvimento da comunidade onde se estabelece, tendo, entretanto, como fatores limitantes, as dimensões físicas, comunicacionais, cognitivas e sociais ou antropológicas. Já
um sistema de informação em saúde é aquele que efetiva um processo de
comunicação.
Um sistema de informação pressupõe: uma estrada para armazenar
uma representação da informação, de tal modo que permita uma busca ou
pesquisa; um processamento que implica executar uma função de recuperação em resposta a uma questão; uma saída de exibição da informação.
A área da saúde tem sido privilegiada em termos de produção e transferência da informação de âmbito mundial. Entidades internacionais como a
ONU, Unesco, FAO, OMS e Opas especialmente, têm se empenhado no desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico em saúde e meio
ambiente, notadamente quanto ao estabelecimento de políticas nacionais,
apoio e fomento a projetos de pesquisa, concepção, incremento e manutenção de sistemas de informação.
A OMS recomenda desde 1979 (Ruff, 1985) a adoção de sistemas nacionais de informação sanitária, reunindo-se um fundo documental a partir de
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
75
Ruth Sant’Helena da Silva
três componentes: informação sobre gestão, informação técnico-científica e
informação epidemiológica. Acredita-se que estes níveis ofereçam suporte
necessário para que o profissional, gestor, usuário ou outrem, desenvolvam
ou requeiram ações de saúde dentro de critérios adequados. Contudo, poucos países têm programas nacionais integrados compatíveis com esta orientação. Falta, via de regra, a infra-estrutura que garanta uma organização eficaz dos serviços de informação, a cooperação e o intercâmbio necessário e,
sobretudo, uma política determinada sobre o assunto.
Por outro lado, as necessidades de informação em saúde podem estar
claramente definidas ou latentes e potenciais. O seu uso pode ser estimulado
pelo conhecimento, democraticamente oferecidos às suas fontes, serviços e
recursos informacionais disponíveis, por intermédio das facilidades e progressos crescentes das tecnologias da informação.
A evolução das tecnologias da informação, embora como instrumento e
meio facilitador do processo de comunicação, tem promovido inegável alteração nas formas de acesso ao conhecimento, à formação, às competências
profissionais, ao entretenimento, à cultura e à criação.
Basta pensar, como destaca Masetto (2001, p. 136), na “oportunidade
de entrar em contato com as mais novas e recentes informações, pesquisas
e produções científicas do mundo todo, em todas as áreas, a oportunidade de
desenvolver a auto-aprendizagem e a interaprendizagem à distância” [pelo
acesso às] bibliotecas, teleconferências, bate-papos on-line, listas de discussão, correio eletrônico e uso da Internet (leitura, acesso e comparação, reprodução de textos, sons e imagens).
Este autor chama a atenção para os fatores de incentivo à auto e
interaprendizagem, o estímulo à exploração ilimitada, ao intercâmbio, à
seletividade e conseqüente criticidade quanto à quantidade e qualidade da
informação disponível e de interesse.
De outra parte, Saracevic (1996, p. 58) introduz a pergunta “até que ponto as aplicações das tecnologias permitem, realmente, o eficiente acesso à
informação e à comunicação dos amplos estoques disponíveis de conhecimento?”
No caso específico da saúde, critérios como “relevância, utilidade, qualidade, seletividade, veracidade, síntese e/ou impacto da informação” exigem
avaliação permanente quanto ao uso dos sistemas existentes.
Implementação do Projeto Ceids3
As melhorias na área da informação bibliográfica e documental continuarão sendo implementadas na Escola de Saúde Pública/RS durante o ano
de 2002, tendo como objetivo a consolidação do Projeto Ceids, instalando-se
3
A Parte I do presente documento apresenta a concepção do Projeto Ceids.
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Um centro de informação e documentação em saúde pública/saúde coletiva: compromissos ...
de forma gradativa, mas com estratégias permanentes de interação à proposta político-pedagógica da própria Escola, como segue:
1) Desenvolvimento da coleção
Em 2001, foram incorporados ao acervo 2082 títulos de livros, 2700 folhetos, 183 fitas de vídeo e houve o acréscimo de 153 novos títulos de periódicos, além da atualização de 23 coleções.
Os quadros I e II mostram o crescimento do acervo e a evolução do
número de atendimentos.
Quadro 1 – Crescimento do acervo do Ceids-ESP/RS
Período
Nº de títulos
Anteriormente à 1999
Gestão 1999-2002
TOTAL
9.485
3.241
12.726
Incorporação de títulos
(Itens/mês)
22
77
Fonte: Ceids-ESP/RS – registro do acervo
Quadro 2 – Atendimento de usuários: informação bibliográfica e documental
Anos
1998
1999
2000
2001
+474%
Nº de Atendimento*
1536
1496
5169
7274
Fonte: Ceids ESP/RS – estatística de atendimento
* A incorporação de novos recursos tecnológicos de busca e uso da informação bibliográfica e documental no Ceids, bem como a ampliação do acervo em processo,
nos permitem afirmar que em 2002 ultrapassaremos a marca dos 10.000 atendimentos/ano.
2) Melhoria da infra-estrutura
Nesse mesmo ano, foram adquiridos microcomputadores, impressoras,
linhas telefônicas de uso exclusivo da Biblioteca e uma linha dedicada para
acesso rápido à Internet, enquanto segue inviabilizado o acesso à fibra ótica.
Com recursos decorrentes de aprovação de Projeto de Apoio ao Desen-
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
77
Ruth Sant’Helena da Silva
volvimento Institucional da ESP/RS4, foram adquiridos recursos para a execução de infra-estrutura elétrica e lógica para instalação de 06 (seis) pontos
de rede local no Ceids, equipamentos de informática (computadores, servidor
de rede, complementos e sistema operacional, gravador de disco compacto,
impressora etc.), materiais de escritório e biblioteca (armário de aço,
bibliocantos, porta-revistas, estantes, fichários etc.) e videocassetes.
3) Incremento de trabalhadores
Em 2001, foram nomeados mais 5 profissionais bibliotecários e 1 auxiliar de biblioteca. Ao todo, o Ceids passou a contar com 9 bibliotecários, 3
auxiliares de biblioteca, 5 estagiários e 1 historiadora.
Ações estratégicas e serviços inovadores
a) Resgate da memória e da história
Em 25 de maio de 2001, o Ceids realizou o seminário “Informação, Memória e História em Saúde Pública”, com o objetivo geral de sensibilização
para a necessidade de tratamento adequado da documentação institucional
de caráter técnico-administrativo, técnico-científico e patrimonial, construindo-se, dessa forma, as bases para o resgate da memória e da história na
SES/RS.
Neste Seminário, os representantes das instituições participantes fizeram o relato do trabalho de memória e história que está sendo desenvolvido:
Escola de Saúde Pública – ESP/RS, Centro de Saúde-Escola Murialdo –
CSEM, Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde – Fepps, Hospital Colônia Itapuã – HCI, Hospital Sanatório Partenon – HSP, Hospital Psiquiátrico São Pedro – HPSP.
Um debate entre os participantes marcou a iniciativa que apresentou,
formalmente, à SES/RS, o trabalho em execução, convocando a todos para
serem informantes, intérpretes e sujeitos da construção da Memória e da História na Secretaria.
b) Integração à Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), coordenada pelo
Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da
Saúde (Bireme)
Em 2001, foi assinado o Termo de Cooperação Técnica entre a Bireme
e a ESP/RS, em que o Ceids passa a constituir-se em centro cooperante da
Rede Brasileira de Informação em Ciências da Saúde.
4
Projeto financiado pela Fapergs: Educação em Saúde Coletiva: melhoria da infra-estrutura
para estudo, ensino e pesquisa na Escola de Saúde Pública da Secretaria da Saúde – ESP/RS.
Em andamento.
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Um centro de informação e documentação em saúde pública/saúde coletiva: compromissos ...
Pelo Termo de Cooperação Técnica, a Bireme se compromete a repassar ao Ceids-ESP/RS metodologias, bases de dados e aporte técnico à migração do Sistema De Gerenciamento das Informações Bibliográficas – SIB/
Procergs para o Sistema CDS/ISIS-WINISIS da Unesco, sob a coordenação
da Bireme.
A contrapartida principal do Ceids é alimentar a base de dados da Literatura Latino-Americana e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde –
Lilacs com a produção intelectual da SES/RS.
O processo de migração do sistema SIB para o CDS/ISIS-WINISIS está
em andamento.
c) A Pesquisa sobre os profissionais da SES/RS
Uma pesquisa sobre a oportunidade de educação continuada/desenvolvimento dos trabalhadores da SES/RS e para a implantação de um serviço
de Disseminação Seletiva da Informação – DSI no Ceids, no âmbito da SES/
RS, foi levada a efeito em 2001.
A DSI consiste em identificar e fornecer informação seletiva a públicos
específicos, através de notificações pessoais ou a grupos, de acordo com os
perfis de interesse dos usuários, previamente definidos.
A pesquisa acabou tendo um alcance maior e iniciou-se em agosto de
2000, com os seguintes objetivos:
• realizar um levantamento exaustivo do perfil da força de trabalho da
SES/RS no sentido de conhecer, valorizar e qualificar a atuação dos trabalhadores do SUS, contextualizando políticas de ensino, pesquisa e desenvolvimento;
• realizar um levantamento das potencialidades docentes entre os servidores da SES/RS para as diversas modalidades de formação nos cursos ministrados pela ESP/RS (docência em cursos de pós-graduação e educação
profissional ou aperfeiçoamento), bem como áreas de investigação e dedicação técnico-científica etc;
• definir um Perfil de Usuários da Informação Técnico-Científica da
SES/RS, visando conhecer necessidades de informação, comportamentos
frente à problemática de busca de informação documental em saúde e
potencialidades e uso das fontes de informação em saúde;
• promover a Disseminação Seletiva da Informação em saúde coletiva
de forma rápida, direcionada, atualizada e pertinente à população
pesquisada.
A 1ª fase da investigação está consolidada na construção de um banco
de dados, executado em Microsoft Access e Excel, permitindo inúmeros cruzamentos de variáveis conforme interesses específicos e necessidades circunstanciais de serviço.
O banco de dados elaborado está à disposição no Ceids-ESP/RS e na
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Ruth Sant’Helena da Silva
Coordenação de Educação, Desenvolvimento e Administração de Trabalhadores em Saúde – Cedats-SES/RS para todos os que tiverem interesse em
dissecá-lo mais detalhadamente, especialmente a pesquisadores que queiram aprofundar alguma singularidade no estudo da força de trabalho na
SES/RS, no período de agosto de 2000 a abril de 2001.
Parcialmente concluído, o trabalho já mostra tendências de diagnóstico
e sinaliza para tomada de decisão quanto a algumas questões e situações
detectadas, que dizem respeito às áreas de formação e documentação, mas
também sugerem diretrizes para fluxos e processos de comunicação e aproximação entre gestores, serviços, necessidades, aspirações e interfaces da
população pesquisada.
d) Centro de Referência de Educação Popular em Saúde Coletiva –
CREPSC
A proposta de criação do CREPSC emerge oferecendo materialidade à
política de promoção, divulgação e educação em Saúde Coletiva, conforme o
item C do projeto Ceids.
Nossa proposta visa a oferecer este espaço técnico-político para facilitar
o intercâmbio, o compartilhamento, a reflexão e a troca de saberes – técnico–
científico e saber popular, através do acesso e uso do conhecimento produzido nas diferentes instâncias de conhecer, documentar, interpretar e viver o
processo saúde/doença.
O desenvolvimento do CREPSC contempla algumas ações em andamento:
– a criação da base de dados sobre legislação produzida pela SES/RS e
CES/RS junto à assessoria Jurídica da SES/RS;
– a videoteca da ESP/RS, que incorpora a pesquisa, coleta, reunião e
processamento de fitas de vídeo que veiculam educação em saúde,
políticas públicas de saúde, experiências de gestão, educação popular
em saúde e registro e relato de movimentos sociais que aprofundam
debates e contribuam na construção de ações de cidadania e saúde;
– a organização de acervo de materiais de apoio pedagógico (textuais
ou não) que digam respeito ao processo de produção, identificação,
captação, armazenamento, recuperação e divulgação de recursos de
educação em saúde caracterizados, como multimeios, mediante convênios e articulações com entidades produtoras, divulgadoras ou
usuárias.
Como multimeios arrolamos, além dos vídeos, os fôlderes, cartazes, álbuns seriados, discos compactos, slides, cartilhas, literatura em quadrinhos,
fotografias, artefatos, fitas cassete etc.
80
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Um centro de informação e documentação em saúde pública/saúde coletiva: compromissos ...
e) Publicações
Em sua trajetória histórica, a ESP/RS tem produzido conhecimento em
saúde pública/saúde coletiva gestado na relação teoria/prática em serviço
através do ensino, da documentação, da pesquisa aplicada, das atividades
de extensão educativa e ação comunitária direta, além do fomento ao debate
para o desenvolvimento da qualidade das políticas públicas de saúde (Rio
Grande do Sul, 1999).
A guarda ou arquivamento na Biblioteca é insuficiente como ação
socializadora. É necessário uma dinamização ampliada que confere reconhecimento e propicia compartilhamento, apropriação, diálogo entre saberes e
agregação permanente à prática, influenciando a qualidade das ações de saúde e de vida.
Com este compromisso e nesta direção, a ESP/RS, através do Ceids,
trabalha um projeto de editoração de publicações, principalmente através de
dois produtos de disseminação da informação e do conhecimento produzido:
• duas séries monográficas: Escola de Gestão do SUS e O Fazer em
Saúde Coletiva;
• o relançamento da revista Boletim da Saúde.
Com as Séries Monográficas, pretende-se publicar a produção dos alunos dos Cursos de Saúde Pública e de outros cursos que exijam a elaboração
de trabalhos de conclusão para obtenção dos certificados, além da produção
intelectual de técnicos, pesquisadores, docentes e colaboradores da SES/RS.
Já o Boletim da Saúde, periódico da SES/RS publicado pela ESP/RS,
teve interrompida a sua edição em 1986. Após um longo intervalo, a revista
está sendo retomada com nova política editorial, alinhada como um periódico
científico e expectativa de continuidade efetiva ao longo do tempo.
Conclusão
As considerações teóricas mescladas, com relato de ações operativas
inerentes às práticas documentais, têm intencionalidade bem definida. Em
primeiro lugar, quer se afirmar que a aplicação de técnica uniforme e acrítica
de normas, regras e procedimentos pode parecer aparentemente objetiva.
Contudo, tais regramentos são constantemente perturbados por incertezas, indagações e busca de pressupostos que ofereçam sustentabilidade
conceitual à compreensão, avaliação, seletividade e disponibilização de informação em saúde, na dimensão concomitante tanto biológica e humana como
econômica e social. As questões da saúde requerem respostas adequadas e
pertinentes.
O conhecimento alcançado estabelece as bases da hegemonia na produção do saber e na legitimação do poder técnico-científico. Os contextos
sociais de uso da informação e do conhecimento em saúde são dinâmicos,
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
81
Ruth Sant’Helena da Silva
complexos e conflituosos. As práticas documentais acríticas se subvertem no
compromisso profissional da busca, organização e oferta de informação em
saúde pertinente e potencialmente transformadora, impulsionando ações de
cidadania, controle social e qualidade de vida.
As conquistas logo se transformam em novos desafios. As convicções e
perspectivas, contudo, se reafirmam na convergência e centralidade do valor
da informação em saúde, pertinente e de qualidade, e sua desejada
capilaridade em sustentação às ações de ensino, pesquisa, educação continuada, extensão e prática em saúde pública/saúde coletiva. As certezas e o
encanto se evidenciam no sentido da dimensão permanente da escuta e da
interlocução para a conectividade, o intercâmbio, o acesso, o uso e a produção da informação documental em saúde, com seus canais de comunicação
que possibilitem o alcance de conhecimentos novos, desvelados durante o
processo informativo gerador de surpreendentes e infinitas possibilidades e
potencialidades.
Un centro de información y documentación en salud pública/salud
colectiva: compromisos, interfaces y perspectivas posibles y la estantería de
la utopía – Parte II
Resumen: Al tiempo en que se discute y se establece las políticas para el
gerenciamiento de los recursos informacionales en la ESP/SES-RS, sigue la
implementación del Proyecto Ceids, gradativamente, definiendo un perfil técnico
político y práctico funcional fecundado en el compromiso con la socialización y democratización del acceso universal al conocimiento en salud colectiva. Se recorre
los caminos que muestran las varias facetas e interfaces de esta trayectoria. De
igual modo, son presentados los instrumentos y estrategías operativas que buscan
viabilizar la consecución del trabajo, merced de los descompases, siempre presentes entre estas formulaciones y su efectiva implementación.
Palabras Clave: Información en salud; Proyectos de acción; Memoria
institucional; Escola de Saúde Pública; Secretária da Saúde/RS; Documentación.
A center of information and documentation in collective/public health:
commitments, interfaces and possible perspectives and the shelf of the utopia
– Part II
Abstract: By the time the politics for the administration of the informational
resources in ESP/RS are discussed and established, there is the implementation of
the Project of a Centro de Informação e Documentação em Saúde in the Escola de
Saúde Pública/RS – Ceids, gradually defining a technician-political and practicalfunctional profile fecundated in the commitment with the socialization and
democratization of the access to knowledge in collective health. In the present articledocumentary there is a continuation of the previous article. Both present the roads
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Um centro de informação e documentação em saúde pública/saúde coletiva: compromissos ...
that show the several facets and interfaces of this trajectory. In an equal way,
instruments and operative strategies are presented that seek to make possible the
attainment of the work, depending on the variations, always present between these
formulations and their effective implementation.
Key-words: Health Information; Action projects; Institutional memory; Escola
de Saúde Pública/RS; Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul; Documentation.
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Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
Ensaio e Reflexão
Atenção montador
a página 86 é branca
Pediatria, puericultura, pedagogia...: imagens da criança e o devir-criança
Pediatria, puericultura, pedagogia...:
imagens da criança e o devir-criança1
Ricardo Burg Ceccim2
Resumo: O presente documento registra a abordagem revisada da conferência realizada pelo autor em um Seminário Nacional: Imagens da criança – a infância
nas artes. A abordagem escolhida foi a de descrever uma história da infância, capturando demarcações à pediatria, puericultura e pedagogia, áreas de conhecimento
específico ou originário da infância. Problematiza-se, então, as imagens da criança
como representações que propõem reapresentações do mundo (modelização do
mundo) e desafia-se pensar o mundo como indefinido, aberto às produções, onde a
criança não tenha uma imagem representada, mas uma perspectiva visível dos
devires inventivos, criativos, curiosos, ativos diante do mundo (invenção de mundos). Em lugar da imagem como representação e fixação do mundo, a imagem como
potência de realidades, aberta às produções, invenção de mundos.
Palavras-Chave: Criança; Devir; Infância; Subjetividade; Pediatria; Puericultura; Pedagogia; Saúde Coletiva.
Introdução
Uma imagem é uma definição de contornos ou uma territorialização, forjada pela coagulação ou cristalização de um circuito de conexões que faz
emergir as figuras da realidade.
Podemos pensar a imagem como representação e opor real (as representações da realidade) e irreal (sem veracidade concreta), onde a noção de
imaginário surge para incorporar o campo de transição entre realidade e
irrealidade. Admitindo-se um modelo de verdade, o imaginário serviria para
discernir verdadeiro e falso na realidade.
Podemos, entretanto, pensar a imagem como configuração e em lugar
de opor o real ao irreal, captar o movimento de constituição das figuras da
realidade, compreendendo a existência de uma virtualidade compondo-se
com o real. Neste caso, o real é entendido como o atual (o visível das formas
e o invisível das sensações como dimensões reais da realidade atualizada) e
1
Este texto se refere à conferência realizada no Seminário Nacional “Imagens da Criança – a
infância nas artes” realizado pela Secretaria Municipal da Cultura (Coordenação do Livro e
Literatura), Porto Alegre, 18 a 20/06/98.
2
Sanitarista, Doutor, Diretor da Escola de Saúde Pública/RS, professor de educação em saúde na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
87
Ricardo Burg Ceccim
compreendendo o falso como potência de devir sobre a verdade (sem um
modelo de verdade, o falso é potência de atualidade de uma verdade), onde o
imaginário é instância inventiva de imagens ou potência de atualização.
A distinção entre imaginário representativo e imaginário inventivo é que
no primeiro as distinções real-irreal e verdadeiro-falso são substituíveis, ligadas às noções de consciência, progresso e razão, enquanto no segundo as
distinções são reversíveis, ligadas à noção de circuitos de troca. Real e virtual
ou verdadeiro e falso invertem-se e reinventam-se pelo atual, compondo imagens para assegurar circuitos de troca (inventar a realidade, inventar o mundo, inventar a si mesmo).
O imaginário inventivo não busca novas sínteses ou a superação
dialética, mas configurações segundo a necessidade de afirmar potências
criativas e não aquilo que seja mais verdadeiro. Ao imaginário inventivo interessam as simulações, não a busca de essências, origens, evolução ou consciência racional.
Deleuze, estudando sobre cinema, passou a formular uma noção de
imaginário como cristais de tempo, dizendo que aquilo que se vê no cristal
são imagens de tempo (potências do falso) e, então, o imaginário seria uma
imagem-cristal (Deleuze, 1992).
Paul Klee, conforme Luzán (1998) falava que sua arte não podia refletir
a superfície (isto que uma chapa fotográfica pode fazer) porque ele refletia
até o coração e, por isso, seus rostos humanos eram mais verdadeiros que
os originais. Para Luzán (op. cit.), Klee fala de uma interioridade que se distingue claramente da superfície, sem opor aparência e essência. Não é a essência que precisa ser buscada, mas o circuito de conexões invisíveis (íntimas, por acoplamento afetivo, páticas) que compõem o real e só podem ser
captadas, não fotografadas.
Destaco aqui um artista porque é da arte essa condição de sensibilidade
e contato com a alteridade. É da arte dar visibilidade ao invisível, escutar/ver
o inventivo sob o representativo e torná-lo visível/audível. Assim como é da
criança a invenção e a criatividade ou a facilidade de enveredar pelos estranhos e insólitos universos do jogo, do desenho e dos brinquedos. O imaginário-criança é o das sintonias afetivas, dos acoplamentos cognitivos, da invenção de linguagens para descobertas vividas. Um imaginário-criança não possui o verdadeiro, experimenta. Não analisa logicamente, descobre afetos.
Não organiza identidades e limites, embarca na expansão.
Crescimento e desenvolvimento como extinção da criança
Reaver as práticas históricas de como as sociedades tratavam a criança
ou como lidavam com a infância nos defronta com a construção histórica dos
conceitos morais de civilização, razão, consciência e perfeição humana.
Se hoje entendemos por condição especial das crianças o fato de estarem em fase de intenso crescimento físico e desenvolvimento psíquico, o
88
v
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
Pediatria, puericultura, pedagogia...: imagens da criança e o devir-criança
que lhes dá garantias morais e legais de preferência no direito à saúde e à
educação, não podemos deixar de lembrar que, no século XVII, o crescimento e desenvolvimento significavam debelar e rejeitar o estado infantil em que
os homens se encontravam nas idades precoces. Era pela luta contra o que
de infância houvesse em nós que poderíamos nos alçar à humanidade e à
cidadania.
A infância não se confundia com ingenuidade, identificava-se com
animalidade e com incapacidade: ausência de razão, de domínio lingüístico e
de consciência moral. Entendia-se que uma criança aprendia com o corpo e
não com o intelecto, sua vontade era instintiva e não crítica, logo faltava-lhe
caráter, inteligência e competência humana.
Até o início do século XVIII, o pensamento social vigente propunha que
os homens se faziam humanos pela expulsão de tudo que neles houvesse da
criança. O modelo de homem era o adulto racional e consciente da realidade.
O historiador francês Philippe Ariès estudou a transformação dos sentimentos de infância e de família, pesquisando as criações artísticas na pintura, na decoração de igrejas e túmulos e em fontes documentais como testamentos e diários de famílias, legando-nos a História social da criança e da
família (Ariès, 1981) que nos permite detectar o surgimento da família nuclear, da escola e do sentimento de infância contrapostos à hipótese de que a
família e a escola sempre existiram e sempre tiveram a mesma designação
social ou de que uma natureza infantil sempre caracterizou a criança como
alvo de carinho, proteção e amor parental.
Outra extensa pesquisa foi empreendida pela filósofa Elisabeth Badinter
que retomou a história e os comportamentos sociais para examinar a condição da maternidade em Um amor conquistado: o mito do amor materno
(Badinter, 1985), revelando o sentimento de amor materno como um sentimento humano entre outros e não indefectível, detendo-se nos comportamentos de pais, mães e filhos e oferecendo-nos densos elementos para compreender a condição das crianças.
No Brasil, um estudo de fôlego semelhante é apresentado pelo sanitarista e psicanalista Jurandir Freire Costa em Ordem médica e norma familiar,
onde vasculha, com cuidadosa pesquisa, a história dos comportamentos relativos à infância e à família na época colonial (Freire Costa, 1989).
A alta mortalidade infantil e a criança-esperança
A ausência de um sentimento de infância, tal como o conhecemos hoje,
atravessou a história da humanidade, registrando épocas de grande abandono e mortandade das crianças.
Antes da era cristã, as crianças indesejadas eram expostas à morte,
sendo empilhadas em monturos públicos de deposição dos enjeitados, colocadas em barcos e lançadas ao mar, largadas no campo ou na rua para que
fossem recolhidas por algum interessado ou devoradas por insetos rasteiros,
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cães e outros animais. Podiam ser queimadas em fogueiras de dejetos ou
sacrificadas em rituais místicos ou religiosos e ainda mutiladas para justificar
o pedido de esmolas ou apelo de ajuda sócio-econômica por adultos pobres,
comerciantes decadentes e escravos fugidos.
Na Antigüidade, o infanticídio era prática comum e até incentivada, inclusive como proposta política de controle populacional. O infanticídio era ainda tão freqüente até o século XIII que os hospitais foram orientados pela igreja a receber e recolher crianças abandonadas para que não se acumulassem
tantas mortes miseráveis.
Robert Darnton mostra que muitos dos contos infantis, hoje acusados
de perversão contra crianças, como os contos do Chapeuzinho Vermelho e
de João e Maria, narravam, em verdade, experiências da vida quotidiana das
famílias camponesas (Darnton, 1986)3 . Essas práticas perduraram em maior
ou menor proporção durante o século XVIII.
Até o século XII, não constavam crianças nas criações artísticas e nem
mesmo a pintura retratava a imagem corporal de crianças. Os artistas pintavam as crianças como adultos, eram adultos em tamanho reduzido, ou seja,
não havia uma figura social para a criança. A criança não existia, as crianças
não eram nem mesmo o adulto em potencial ou em crescimento, elas eram o
adulto, ainda em miniatura.
No século XIII, o hábito de entregar um filho a Deus, passando sua educação à Igreja para se tornarem freis ou freiras se disseminou entre as famílias pobres como reivindicação do direito à honra e ao respeito social, dando
lugar ao freqüente abandono de crianças diante das portas de igrejas, mosteiros e conventos.
No século XV, durante a Renascença, passamos a ver a criança retratada na pintura, elas figuram como anjinhos róseos ou azuis-claro. Surge uma
figura à infância: representação do ingênuo, do inocente, do bom e puro. A
escultura é farta de figuras infantis angelicais: risonhas, bochechudas e roliças. Os anjos podem ser nus e sexuados e vão de Eros ao Menino Jesus.
A criança agora ganha a figura da esperança, da promessa de vir-a-ser.
Ser criança é ser ninguém, mas que virá a ser, a criança é a alegoria da alma
do adulto. A criança é a reserva de pureza e inocência e revela o tempo da
ausência de moral e pudor a serem conquistados e nunca mais perdidos. A
criança pode andar nua, o adulto não mais. Viver, para a criança, passa a ser
a esperança de uma vida no futuro.
No século XVI começam a disseminar-se os colégios, claramente orientados pela segregação da criança, seu adestramento moral, disciplinamento
3
Darnton conta que aquilo que tornava comoventes os contos populares não era o seu final
feliz como lhes acontece depois do século XVIII, principalmente quando se tornam contos
infantis. Eram contos populares e não contos dirigidos às crianças, sugeriam cautela e não
bom comportamento. Apontavam que nenhuma moral governa o mundo em geral e que o bom
comportamento não determina o sucesso. Desastres não podem ser prevenidos, nem explicados, devem ser simplesmente suportados.
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Pediatria, puericultura, pedagogia...: imagens da criança e o devir-criança
físico e rigidez de pensamento. Os colégios religiosos e filantrópicos acolhem
crianças pobres e sem família, funcionando como instituições reformadoras e
de prevenção da delinqüência, como se fossem abrigos de polícia social (Casas de Recolhimento).
Durante o século XVIII, na modernidade, as crianças eram submetidas
as mais severas restrições e proibições, utilizadas para trabalhos de grande
risco como a limpeza das chaminés industrias (já que podiam penetrá-las),
abusadas fisicamente por circuncisão, infibulação, castração ou
clitoridectomia, fechadas em emplastros de folhas, couro ou borracha,
acorrentadas, surradas, amedrontadas e castigadas. Viver para a criança era
apenas permanecer vivo.
O abandono de crianças ao longo de toda a história foi tão freqüente que
a assistência às crianças expostas se materializou em instituições de finalidade específica: as Casas dos Expostos ou Casas dos Enjeitados ou, ainda,
Casas da Roda.
As Casas da Roda eram instituições que possuíam um dispositivo giratório como uma fenestra em uma parede no qual havia um balcão. Este balcão, girado para fora, permitia que ali fossem depositados os bebês enjeitados e, então, girado para dentro onde seria recolhido por funcionários da
Casa. Ao girar a Roda soava uma sineta que avisava aos funcionários a deposição de mais um bebê. A identidade daquele que abandonava a criança
permaneceria desconhecida para sempre e o futuro da criança para sempre
desconhecido daquele que a abandonara.
Inventada no século XIII, as Rodas chegaram ao Brasil em 1726, sendo
instaladas nas Santas Casa de Misericórdia das principais cidades brasileiras. A primeira foi instalada em Salvador (1726), seguida pela do Rio de Janeiro (1738), Recife (1789), São Paulo (1825), São Luiz (1829) e Porto Alegre
(1837). No Rio Grande do Sul, instalada no Hospital Irmandade Santa Casa
de Misericórdia de Porto Alegre, funcionou durante 103 anos, tendo sido fechada há aproximadamente 60 anos, em 1940.
Somente a partir do século XX a criança passa a ter o reconhecimento
de estar vivendo um período especial do desenvolvimento psicológico do homem. Pelas descobertas de Freud sobre o inconsciente e suas raízes
constitutivas, de Spitz sobre o abandono afetivo e a necessidade de intimidade e estimulação e de Bowlby sobre o apego e a importância do vínculo amoroso, a criança surge como montagem do adulto.
O modelo de caracterização do humano que veio sendo construído no
plano da visibilidade, da moral e da lei desde a Antigüidade até a Modernidade
é o modelo de homem de sexo masculino, raça branca, adulto, de orientação
heterossexual, detentor das faculdades de raciocínio lógico e consciência,
possuidor de grande força física, que dá nome a família, possuindo bens e
patrimônio que honram esse nome.
A qualquer dessas tendências, quando dirigidas à configuração das formas da subjetividade, Nietzsche chamou “humano, demasiado humano”
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(Nietzsche, 1987). São essas tendências que justificam, na modernidade, a
criação da categoria “diferente” para incluir, entre os humanos, a mulher, a
criança, os loucos, os deficientes mentais, os deformados, os doentes, os
negros e a orientação sexual homoerótica, por exemplo.
Essa noção de diferença só se cria e se mantém na vigência de uma
moral social demasiado humana. Como se pode notar, essas diferenças não
instauram outro plano para o humano, sua lógica é a das equivalências e
substituições ao padrão (mantido) em referência.
Emergência da higiene materno-infantil
Tomando-se as figuras históricas da criança, pode-se perceber as configurações históricas com que se impunham as figuras da vida e do saber como
prisioneiras de um limite representativo demasiado humano.
A figura da criança mais comum na história é a do filho, uma imagem
sem qualquer especificidade ou peculiaridade ligada à infância. Do ponto de
vista afetivo, sua posição é suplementar (como um adicional, como um acréscimo) e não complementar (como exigência afetiva para suprir e completar o
núcleo familiar) e instrumental (pode ser chamada a exercer certas funções
econômicas, sociais ou de poder na família ou sua linhagem), mas não é tida
com o caráter utilitário com que se tem os escravos ou servos4 .
A mulher e os filhos compõem a célula primária dos direitos do pai, dão
configuração e consistência ao poder do pai.
Quem é alvo de direitos, atenção, cuidados e proteção especial é o pai e
isto podemos reconhecer como vigente até bem pouco tempo em nossa organização social. Porém, até o nascimento da psicanálise e mais ainda da
psicanálise infantil, a criança não era objeto de desvelo e amor materno ou
parental e nem alvo de intensa afeição, hoje condições defendidas pela puericultura como cruciais ao desenvolvimento físico e psíquico sadios da criança.
Não havia positividade em ser criança, ser criança era ser incompleto e
incompetente, era preciso crescer para se tornar competente naquilo que se
é: um adulto. O universo das subjetivações, da Antigüidade à Modernidade,
se remetia ao culto à propriedade, ao passado e às leis divinas. Ao pai cabia
a figura da propriedade, do passado e da lei, donde advém a linguagem de o
chefe da família, a casa paterna, o pátrio poder, o homem da casa, por exemplo, que investem as figuras da mulher, do filho e dos adultos não pais, entre
a parentela, como um desdobramento.
É preciso entender que durante todas as épocas históricas em que se
conviveu com a escravidão e servidão de concidadãos a liberdade era o equi-
4
A distinção entre o filho e as utilidades distingue as relações afetivas com que se perde,
abandona ou sacrifica os filhos. Essas práticas não eram indiscutivelmente isentas dos sentimentos de tristeza, frustração ou pena, por exemplo.
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Pediatria, puericultura, pedagogia...: imagens da criança e o devir-criança
valente de propriedade. Nos regimes em que a polarização social se deu entre proprietários e escravos/servos, as lutas sociais se esgotavam entre apropriar-se (ter posse) e ser apropriado (nada possuir).
Os homens livres eram a menor proporção dos cidadãos da Antigüidade
e da Idade Média, as chances de liberdade (escapar da polarização da propriedade) eram mínimas e extremamente difíceis de alcançar (a igreja, a sapiência filosófica, o pequeno comércio, o trabalho médico e o trabalho jurídico
foram as alternativas históricas mais freqüentes e terminaram por constituir
novas figuras representativas para a liberdade).
A vivência passada, o entendimento do passado e a reverência ao passado tornavam respeitável o adulto e venerável o idoso. O homem responsável devia controlar a mulher, os filhos e os escravos (ignorantes ou inocentes,
menos racionais e menos lógicos) e, estes, deviam respeito ao pai de família
(patrão e protetor).
As leis do pai ou leis do patriarca ou leis divinas dão forma ao prestígio e
à honra do nome do pai, à manutenção das tradições e continuidade sagrada
da moral. As leis renovam a mentalidade patriarcal e justificam os castigos
físicos e a obediência incontinenti ao pai. As crianças eram punidas com farta
violência física (é fácil lembrarmos das palmatórias, das varas de marmelo,
dos galhos de goiabeira, entre vários métodos, mas haviam outros: objetos
de sevícia e duras humilhações psicológicas).
Sobre as filhas os poderes do pai eram ilimitados, uma vez que reuniam
a condição de serem mulheres, crianças e filhas. Os pais eram patrões e
gozavam da autoridade de patriarcas e protetores, constituindo-se em reserva e fonte da subsistência pelas vias de conquistar alguma propriedade, representar e dignificar o passado e consagrar a moralidade. O pai era a garantia de vitalidade da família. A geração e conservação de bens e posses promovia a família em conjunto e a cada um de seus membros. O poder, prestígio e honorabilidade acumulados pelo pai se extendiam para toda a família e
sua derrota significava a derrota de toda a família.
A religiosidade na cultura medieval, ao investir a criança com a figura do
anjo, oferece aos séculos seguintes uma imagem à importância da obediência, do respeito ao pai e do respeito às regras como se pregava para o adulto
em relação à igreja e à Deus (era o respeito e a obediência que levariam à
perfeição da alma).
A criança retratada como anjo, os putti da pintura e escultura medievais,
possuía clara influência eclesiástica, fornecendo uma figura da criança íntima
com o paraíso e o reino dos céus. Numa época em que a mortalidade infantil
era extremamente elevada, a criança morta era um anjo que ia para o céu,
pois uma alma pura só poderia encontrar o reino do paraíso. A vida estava
representada pela obediência e a criança, que já representava a obediência,
encarna a pureza e a inocência como um signo, por isso, não implicava ser
amada e cuidada.
A criança passa a ser o signo da alma do adulto. Somente almas puras
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(obedientes, tementes e amantes do patrão e do poder) podem alcançar o
paraíso. Alcançar o paraíso é a promessa que só seria atingível após a morte.
Entra-se no século XVIII com uma excessiva mortalidade infantil sem que tal
fato mobilizasse preocupação nas famílias, médicos e administradores.
No final do século XVIII, a alta mortalidade começa a mobilizar moralistas, administradores e médicos e surge um novo discurso às subjetivações: o
discurso da maternidade. A maternidade engloba a gravidez, parto,
amamentação e cuidados com o recém-nascido. Seu conteúdo discursivo,
prescrito pelos movimentos moralistas de higiene social, visava conter a disseminação das doenças e mortes na sociedade. A preocupação dos higienistas não é com as crianças, mas com a contenção epidemiológica dos
adoecimentos e da mortalidade.
A pediatria mesma, como especialidade de conhecimento médico só vai
surgir no século XX, essa era uma tarefa das mulheres (das curandeiras/das
enfermeiras). As doenças comuns da infância só eram conhecidas por seu
potencial epidêmico e não pelo interesse de uma atenção ou proteção à saúde das crianças. Como, até o século XIX, mais de 50% da mortalidade geral
ocorria em menores de 6 anos, estes se tornaram alvo prioritário das campanhas higiênicas. No que se refere à saúde individual, alguém teria que ser
responsabilizado pela vigilância sanitária. Assim, surgem os deveres da mãe
para com a maternidade.
Os deveres da mãe iniciam com a gestação, se prolongam pela
amamentação do próprio filho até o surgimento da primeira dentição e na
oferta de cuidados de higiene corporal e das roupas do bebê. A mãe deve
agora dedicar a vida ao filho, dela dependerá a sua sobrevivência, sua saúde,
sua beleza física e sua vitalidade.
A própria psicanálise, enquanto não ousa o desafio de inventar linguagens para detectar a potência de vida de outros afetos na invenção do si
mesmo e do mundo, renova e ressignifica as figuras representativas (sem
ousar sair da representação, não há invenção e, sem invenção, os afetos são
reificados). A tradicional interpretação psicanalítica reconduzia toda a subjetividade ao pai e à mãe. Hoje a literatura psicanalítica que escapa da representação coloca o pai e a mãe como meios, entre outros, de experimentação do
mundo pela criança e não como matriz única e inelutável dos afetos. Chaim
Katz diz que uma psicanálise da crianceria afirma insistentemente o desejo
como imanente e não se deixa capturar pelo desejar desde o desejo do outro
(Katz, 1996).
A prevenção das mortes precoces também se relaciona com a contenção dos nascimentos e todo um discurso médico recairá sobre a higiene da
maternidade: casamento, fidelidade conjugal, ausência de prazer sexual e
longo espaçamento da prática sexual após um nascimento. Após o advento
da psicanálise, as mães serão promovidas de responsáveis a culpadas por
tudo que de bom ou mau aconteça às crianças. Para chegar até aí os estudos
sobre a mortalidade infantil foram detectando novas responsabilidades a se-
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Pediatria, puericultura, pedagogia...: imagens da criança e o devir-criança
rem assumidas pelas mães.
Entre as práticas relacionadas com alta prevalência de mortes infantis
estavam a confiança dos bebês às amas-de-leite, a amamentação por amas
mercenárias, entrega de bebês aos asilos e orfanatos e o abandono de crianças. A prática de entregar bebês às Casas de Expostos tornou-se alvo dos
higienistas porque, criadas para proteger da morte as crianças indesejadas
(os enjeitados), registravam altas taxas de mortalidade infantil.
As crianças que eram entregues às Casas dos Expostos (a Roda) eram
crianças filhas de uniões adúlteras, uniões proibidas pelos pais, filhos de escravos que tentavam salvar suas crianças da escravidão, filhos de escravas
com o patrão ou com os filhos do patrão, filhos que resultavam de prostituição
ou de estupros, bebês que nasciam com deformidades ou doenças, bebês de
partos complicados, bebês de famílias já muito numerosas, filhos de mulheres que preferiam comercializar seu leite materno e obter renda, filhos seqüestrados das escravas por seus patrões para alugarem seu leite materno,
filhos de jovens prometidas pelos pais etc..
As Casas da Roda terminaram por revelar nas estatísticas higiênicas
uma elevada proporção de nascimentos ilegítimos, uma elevada proporção
de partos mal realizados, uma elevada proporção de mortes no primeiro mês
e no primeiro ano de vida, más condições de higiene do meio social, abusos
morais e sexuais, entre outras características das más condições de vida da
população. Enquanto os higienistas definiam padrões de moralidade e sanidade às populações, as Casas da Roda, inesperadamente, competiam pela
inutilidade dos valores morais pregados.
Como a mortalidade infantil era indubitavelmente maior entre os menores de um ano e, nestes, recaía massivamente sobre os menores de 30 dias,
os higienistas elegeram a amamentação e o cuidado materno como o alvo de
sua maior teorização, pesquisa e educação social. Surge a disciplina da higiene materno-infantil como prioridade ao estudo da saúde pública e da educação e cuidado dos filhos. A criança passa a ocupar uma nova figura social,
cada vez mais identificada como alvo de cuidados, desvelo e amor.
Uma nova ordem familiar começa a nascer desde a passagem do século XVIII ao XIX e na consolidação dos desígnios à subjetivação no novo
século.
Maternidade, colégio e puericultura
Para atenuar a mortalidade infantil e melhorar a saúde nas cidades, com
a ascensão dos conglomerados urbanos, era preciso modificar o sentimento
de poder dos homens. Modificar o sentimento de poder dos homens significava conter-lhes os abusos diante de escravos, filhos e esposas, as mulheres e
as crianças em geral. Uma súmula da higiene doméstica poderia se resumir
em: pai provedor, mãe educadora, criança em crescimento e desenvolvimento físico, moral e intelectual no seio de um lar com vistas ao bom serviço à
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sociedade.
Novas relações econômicas estavam realizando o surgimento de uma
ciência do Estado. O movimento de unificação da Alemanha depõe em favor
da nova lógica social em curso no que se refere à família e à criança. Estava
sendo gestado o Estado-nação, onde todos os cidadãos são filhos da nação e
devem respeito ao pai-Estado, seu protetor. Se precisava mais pais e menos
patrões, para que todos servissem ao capitalismo monopolizante.
Os pais não poderiam mais ser proprietários, mas tutores dos filhos da
nação, os cidadãos do futuro. Para fazer nascer o sentimento de nação era
preciso redefinir os papéis dos pais e das crianças, cabendo a toda família a
devoção ao Estado que seria uma devoção à humanidade.
A modernidade impõe um novo modo de vida que vai aparecer no final
do século XVIII, mas que se desenvolverá e criará raízes na subjetividade ao
longo do século XIX. Um modelo de vida que se voltará para a interioridade e
intimidade do lar e da família de onde sobrevêm laços amorosos que esgotam
a vigência exclusiva dos laços consangüíneos aprendidos da família feudal.
A mãe passa a ser o centro da célula familiar e a matriz dos afetos dos
filhos. A higiene e a medicina social nascente neste mesmo período, tanto
contribuiu a este sentimento, quanto lançou suas bases de vigilância extremada sobre os hábitos, condutas e atitudes da população, disciplinando intensamente a vida e os conceitos de saúde e doença. Foucault (1992) descreve essa normalização médica da vida social nas vertentes da saúde pública: a Polícia Médica (alemã), a Medicina Urbana (francesa) e o Sanitarismo
(inglês).
A educação das crianças em colégios entrava neste perfil de vigilância e
disciplinamento do corpo e da mente, se apresentando como única saída para
formar cidadãos com retidão moral, capazes de amar e servir à Humanidade
e detentores do conhecimento competente para explicar o mundo e as relações entre os homens.
Se amar aos filhos tornava-se fundamental, educá-los corretamente era
a única garantia de que se tornariam os adultos desejados pela sociedade. O
discurso da medicina social era de que as famílias não sabiam amar, esqueciam-se de regras morais, adulavam as crianças e expunham-nas às experimentações da rua. Era preciso saber onde se esgotava o papel materno e
onde começava o papel do colégio.
À mãe caberia, agora, o período do aleitamento, das fraldas, de aprender a falar, andar e controlar os esfíncteres, aprender a vestir-se e calçar-se
sozinha e a assumir sua própria higiene. A seguir, a criança de boa família ou
que visasse a melhor integração social deveria ser enviada ao colégio, os
mais eficazes seriam os colégios internos.
Todas as saídas do internato colegial, os contatos com a rua e o próprio
retorno ao convívio familiar eram acusados por pedagogos e médicos como
perigosos porque as crianças teriam acesso às conversas indiscretas, à leitura de romances, aos entretenimentos secretos, à masturbação, às perver-
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Pediatria, puericultura, pedagogia...: imagens da criança e o devir-criança
sões morais que grassavam entre os iletrados, os vadios e devassos.
No colégio, a criança abandonaria seus afetos infantis para aprender o
que é o belo, o bom e o honesto. Um novo homem e um novo mundo teriam
seu começo nos bancos escolares, submetidos às mais criteriosas regras
pedagógicas e ao mais criterioso conhecimento científico. Mas de locus privilegiado das normas de ser e das ordens médicas, o internato passou a repercutir, inesperadamente, em incitação à masturbação e à homossexualidade.
Aos poucos, e sob a pressão das mulheres, o pai se defronta com a
maternagem. A puericultura se atualiza com os movimentos de mulheres pelo
mundo. Os estudos sobre a educação infantil passam a refletir novas ordens
sobre as aprendizagens cognitivas e sobre o brinquedo e o brincar para a
criança. A mortalidade infantil se reduz drasticamente e a natalidade também.
As escolas passam por modelos cada vez mais diversos, ainda assim, o discurso do poder ou da necessidade da alegria na escola começa a ganhar
vigência nas representações pedagógicas.
O que as relações sociais e econômicas da modernidade instalaram na
subjetivação atual da criança e da família é que a criança é o vir-a-ser. Ela
será tudo o que não conseguimos ser. Para ela o futuro será melhor, ela é a
esperança.
A criança passa a encarnar uma promessa, um pacote de subjetividade
voltado para o futuro. A criança seria muito diferente do adulto porque este
vive no mundo real, material e objetivo, mensurável e palpável. O adulto é
razoável e comedido, a criança é insensata.
O mundo infantil seria de fantasia, a criança deveria ser preparada para
um futuro suposto, ela estaria no caminho do futuro e, assim, pais, pediatras,
puericultores e pedagogos apontavam os caminhos que a criança deveria
seguir para se tornar um adulto.
A nova figura à criança é o vir-a-ser, a esperança, ou seja, há algo já
determinado a alcançar no futuro, futuro desejado que se pode antecipar por
planejamento e eleição de condutas apropriadas.
Devir-criança
Se em vez de localizarmos a criança como vir-a-ser, reconhecêssemos,
por intermédio da criança, o devir, poderíamos admitir que o seu desenvolvimento não remete às exigências do futuro, mas às experimentações em que
pode exercer as suas potências, se compondo com os diferentes meios com
os quais convive, incluindo as pessoas, entre elas, principalmente, os pais e
os irmãos.
O desenvolvimento do bebê se faz por sintonia afetiva e acoplamento
cognitivo com o adulto, servindo os adultos como meio à exploração e não
como matriz dos significados que vão povoar para sempre o inconsciente. O
inconsciente é aberto, conectando-se com as forças que compõem encontros
e acasos, ele é a criança que insiste no adulto, não é o reservatório traumáti-
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Ricardo Burg Ceccim
co das representações.
A criança é um conjunto de potências devindo. A marca da criança é sua
expressão por intensidades, sua aprendizagem pela experimentação e pelo
jogo. A criança realiza o encontro real-imaginário. O imaginário infantil conta
com um corpo com órgãos (seu corpo físico) e com um corpo acessório (sem
órgãos) com o qual ela se compõe o tempo todo, por isso pode entrar em
diferentes sintonias, realizar diferentes acoplamentos com o que vive5 .
O que as grandes teorias e os adultos tentam fazer é eliminar essa potencialidade da criança, fazendo dela um pré-adulto, devolvendo-a sistematicamente às compreensões únicas e verdadeiras, interpretando suas atitudes
e condutas, segundo as grandes referências (como se fossem únicas e verdadeiras).
A criança não existe só pela faixa etária, ser criança é aceitar a aventura
de se compor com as aprendizagens, deixar seu corpo descobrir experiências, explorar ambientes, percursos e emoções. Ser criança é aceitar a ousadia das viagens nômades, a coragem de se transportar para diferentes universos incessantemente, ao sabor de suas experiências cognitivas e afetivas,
para extrair conhecimentos e vivências intensivas, reencontrando real e imaginário.
A criança, por ser criança, não pode ser classificada como fora da realidade ou alienada, ela realiza experiências de pensamento com o corpo todo e
não busca estados de equilíbrio solidamente estáveis. Ela não pára, ela embarca em paixões, em novidades, em aventuras, em excursões, em programas da televisão, nas conversas dos adultos, nas cores que se estampam
em roupas e cadernos, nos desenhos da luz filtrada por venezianas e frestas...
A criança é o que se liga nas chances de trajeto e traça cartografias de
expedição. Inventa línguas para o que vê, sente e faz. Não se compõe com
“permanências”, arrasta sua expedição para outras terras.
O que diferencia a criança do adulto é que o adulto prefere mapas que
indicam os percursos a seguir, localiza onde está, decide onde quer chegar,
compra o mapa que possui esse roteiro e migra de um lugar para o outro. A
criança cartografa em viagem, prefere a viagem. Os lugares, ela os localiza
na sua carta, assinalando seus conhecimentos e se movendo pelo produto de
encontros e acasos, afetos-criança. Produz a si mesma.
A criança como faixa etária da infância e a criança como devir encontram identidade e diversidade. Falo do fato que, na infância, o devir criança é
força ativa de subjetivação, aprendizagem, crescimento e desenvolvimento.
Mas a criança cronológica ao longo da história teve este devir afastado de sua
ontologia, chamada ao cultural e ao biológico que exilam não apenas o devir
criança, mas vetam o direito à infância.
5
Deleuze e Guattari retomaram do ator e mestre do teatro Antonin Artaud a expressão Corpo
sem Órgãos para destacar a necessidade de aprendermos a coragem para experimentar a
vida.
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Pediatria, puericultura, pedagogia...: imagens da criança e o devir-criança
Adorno traçou em A experiência precoce da punição um perfil da socialização da criança nos territórios da delinqüência ou da adversidade das condições de existência na contemporaneidade. Carentes de alimentação, habitação, saúde, escolarização e lazer, direitos de um universo eminentemente
infantil, “um mundo onde realidade e o caráter lúdico da convivência com os
outros se encontram entrelaçados em uma unidade indissociável”, as crianças são empurradas para o mundo adulto, onde permanecer infantil, não assumindo responsabilidades, passa a ser tido como atributo de incapacidade e
desvalia. Precocemente descoladas do devir de que são reservatórios na humanidade, as crianças experimentariam uma socialização incompleta. Entretanto, um mundo assim é forjado: inserções sociais regradas em moralidades
e racionalidades perversas à inventividade, criatividade e diversidade; amplas
exclusões sociais naturalizadas; clamor e devoção às identidades e sofrimento psíquico diante das derivações, rebeldias e desobediências às regras e
normas identitárias.
O entusiasmo com a aventura e a iniciativa, a coragem afetiva e a ruptura com os padrões moralistas, preconceituosos e segregadores recompõem
o devir criança. A criança como potência do falso ao adulto, ao branco, ao
heterossexual, ao racionalismo, ao forte, à forma homem (demasiado humana) permite/autoriza ousar e desafiar-se às novidades ou aos estados
inventivos, criativos, inconformados e ativos.
A criança cronológica fica adulta, aceita os agenciamentos de subjetividade que a sociedade faz, que as instituições impõem, que os pais acham
belos, bons, honrados, mas um devir-criança é a resistência a esses
agenciamentos e a criança sobrevêm no adulto, sobressai-se em seus acessos de alegria, em sua curiosidade risonha, no bom-humor ou quando detecta
uma nova suavidade nos encontros.
Para um devir-criança não existe o homem, muito menos demasiado
humano. O universo é para ser experimentado e vivido, crescer não é em
uma direção e sentido, é invenção de direções e sentidos, desenvolver-se
não é amadurecer e ficar adulto, é detectar potências de vida e dar-lhes existência. Só a criança sabe que a vida não é somente biológica e que a comunicação não é só pela palavra. A vida envolve múltiplos circuitos de conexão e
múltiplas semióticas. Um bebê se conecta com o móbile sobre o berço, com o
próprio berço, com o paninho com que ronca e fuça, ela murmura com o nariz
e com a baba, ela murmura com a teta e com a água do banho.
Um devir-criança é uma atividade cartográfica, produto das potências de
afetar e ser afetado, mesclar “real” e “imaginário” como realidade atual.
Guattari (1987) fala em devir-criança para afirmar que uma revolução,
em qualquer domínio que seja, passa pela libertação prévia de uma energia
de desejo e por acabar com todas as relações de alienação que pesam sobre
as mulheres, as crianças, as minorias sexuais, as sensibilidades atípicas,
sobre o amor aos sons, às cores, às novas idéias...
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Ricardo Burg Ceccim
Aprender com a criança
A mágica das crianças no brinquedo é que elas não só imitam, elas se
tornam aquilo com que jogam, entram em zonas de vizinhança entre o que
são e o que simulam nas brincadeiras.
Este estado é o mesmo que leva o artista à produção de arte, à entrar
em zonas de indiscernibilidade entre o racional e o sensível. O artista só pode
tornar visíveis as sensações que ele mesmo experienciou.
A experiência da sensação é a experiência do devir-artista, ela é equivalente às simulações da criança, é a experiência da conexão por afetos e da
escuta áptica (escuta que capta o universo de fragmentos e os encaixa em
uma dimensão cognitiva não racional).
O devir-criança e o devir-artista comungam a constituição de complexos
de subjetivação e cognição que agenciam possibilidades individuais e coletivas e criam modalidades inéditas de aprender e conviver.
A simulação da criança é o aprendizado que os artistas entendem e os
adultos deveriam se permitir. A simulação infantil nos serviria para forjar figuras reterritorializadoras, sem recorrermos aos modelos identitários ou de verdade, mas às figuras finitas que dilatam as probabilidades da realidade e introduzem novas marcações de temporalidade.
A diferença de um devir-artista ou de um devir-criança-em-nós está no
fato de que com a primeira composição produzimos obras de arte e com a
segunda composição produzimos a própria vida.
É da criança produzir a vida, seu desígnio é crescer, desenvolver-se,
inventar figuras para ser, abandonar essas figuras, inventar novas, experimentar personagens com os quais aprenda sobre si, seus afetos e seu poder
de vida, experimentar amigos imaginários para experimentar o desafio à lógica racional e aos valores morais e explorar o mundo com expedições
cartográficas.
As brincadeiras de faz-de-conta e o jogo com diversos papéis sociais
desnaturalizam a vida quotidiana e modificam a estrutura perceptiva. No brinquedo, a criança pode imaginar comportamentos, atuar experiências vividas
e investir competências mais avançadas do que as que consegue agir quotidianamente. Efeitos de subjetivação emergem dessas atividades.
É da arte atingir esse estado infantil que não se esgota pela demasiada
humanidade, colocando em existência visível o movimento de
desmanchamento e engendramento das figuras da realidade, o surgimento
de singularidades, a invenção de percursos e inscrição aos processos de
vivência. Deleuze coloca que “à sua maneira, a arte diz o que dizem as crianças”.
O mundo demasiado humano, o mundo onde impera o adulto (sem o
que diz a criança) está na história da cultura ocidental moderna: uma civilização da consciência (da intelectualidade cartesiana), superando a civilização
trágica (da sabedoria) e dicotomizando instinto e razão, estética e conheci-
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Pediatria, puericultura, pedagogia...: imagens da criança e o devir-criança
mento, arte e ciência.
Aprender com a criança? Será que aprender com a criança é observála? Será que é inverter a relação adulto-criança pela redução/eliminação da
autoridade do adulto? Será que é valorizar todas as atitudes da criança como
puras, belas e boas, porque são crianças? É bem mais simples e bem mais
complicado... Trata-se de acolher um devir-criança-em-nós e não deixarmos
de ser os adultos cronológicos que somos. Nossa responsabilidade com as
crianças é de adultos, é também a de pediatras, puericultores, pedagogos e
artistas.
A arte já está trazendo esta figura de criança aos nossos olhos e ouvidos. Não posso deixar de destacar o filme Central do Brasil (melhor filme no
Festival de Berlim, 1998), que faz o encontro do adulto (uma mulher fria, racional, lógica, de olhar duro e reto) com a criança (um menino disposto a descobrir os afetos que podem mudar sua vida) e vai mostrar a estrada, o percurso. Tudo acontece no percurso, nada está ou esteve nas paradas. Walter
Salles, o autor e diretor, diz: “é um filme de estrada, que é matéria viva, pronta
a renovar-se e à remodelar-se, em função das surpresas que encontramos e
da inventividade de todos os que colaboraram em sua realização”.
Destaco: matéria viva/ pronta a renovar-se/ pronta à remodelar-se/ em
função das surpresas/ em função da inventividade...
O adulto do filme vai se ressensibilizando, descobrindo a alteridade e
presentificando uma mudança afetiva que o atravessa em todos os sentidos.
Ali a figura da criança é a da iniciativa de ação, coragem exploratória, desejo
de expedição.
Tomada a iniciativa, empreendida a expedição, começa uma nova liberdade. Liberdade não, como vimos, a propriedade, a pureza de alma, a obediência e temor a Deus ou ao poder. Liberdade como um poder pegar a estrada,
empreender a vida: viagem das crianças.
Pediatría, puericultura, pedagogía...: imágenes del niño y el devenir-niño
Resumen: El presente documento registra el planteamiento revisado de la
conferencia realizada por el autor en un Seminario Nacional: Imágenes del niño – la
infancia en las artes. El abordaje elegido fue la descripción de una historia de la
niñez, capturando demarcaciones a la pediatría, puericultura y pedagogía, áreas de
conocimiento específico o originario de la infancia. Se problematiza las imágenes
del niño como representaciones que proponen reapresentaciones del mundo
(modelización del mundo) y se desafia a pensar el mundo como indefinido, abierto a
las producciones, donde el niño no tenga una imagen representada, pero una perspectiva visible de los devenires inventivos, criativos, curiosos, activos delante del
mundo (invención de mundos ). En lugar da imagen como representaciones y
fixaciones del mundo, la imagen como potencia de realidades, abierta a las
producciones, invenciones de mundos.
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Ricardo Burg Ceccim
Palabras Clave: Niño; Devenir; Infancia; Subjetividade; Pediatría; Puericultura; Pedagogía; Salud colectiva.
Pediatrics, child care, pedagogy...: the child’s images and the becominga-child
Abstract: The present document registers the revised approach of the
conference held by the author in a National Seminar: the Child’s Images - the
childhood in the arts. The approach chosen was to describe a history of the
childhood, capturing demarcations to the pediatrics, child care and pedagogy, areas
of specific knowledge or originating from the childhood. There is a problematization
of the child’s images as representations that propose re-showing the world (modeling
the world) and there is a challenge to think the world as indefinite, open to the
productions, where the child does not have a represented image, but a visible
perspective of the inventive, creative, curious, active transformations before the world
(invention of worlds). Instead of an image as representation and fixation of the world,
an image as potency of realities, open to the productions, invention of worlds.
Key-words: Child; Transformations; Childhood; Subjectivity; Pediatrics; Child
care; Pedagogy; Collective health.
Referências
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Souza (Coord.). O massacre dos inocentes: a criança sem infância no Brasil. 2 ed.
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DELEUZE, Gilles. Dúvidas sobre o imaginário. Conversações: 1972-1990. Rio de
Janeiro: Editora 34, 1992. p. 80-87.
DELEUZE, Gilles. O que as crianças dizem. Crítica e clínica. São Paulo: Editora 34,
1997. p. 73-79.
6
Obra que não foi consultada para este texto, mas é listada devido a sua indicação quando me
referi à introdução de um novo pensamento sobre a infância e relações maternas e familiares.
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Pediatria, puericultura, pedagogia...: imagens da criança e o devir-criança
FOUCAULT, Michel. O nascimento da medicina social. Microfísica do poder. 10 ed.
Rio de Janeiro: Graal, 1992. p. 79-98.
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psicanalista Jurandir Freire Costa entrevista Walter Salles, diretor do filme Central do
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SPITZ, Renné A. O primeiro ano de vida. São Paulo: Martins Fontes, 19806.
Texto assinado em 20/06/1998; contém a revisão empreendida para a
publicação atual, embora sem atualizações que lhe retirassem o caráter datado de elaboração.
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Atenção montador
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Memória e História
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A singularidade da melhoria habitacional para o controle da doença de Chagas na região ...
A singularidade da melhoria habitacional
para o controle da doença de Chagas na
região noroeste do Rio Grande do Sul
Cleonara Bedin1
Tânia M. Stasiak Wilhelms2
Maria Amélia Torres1
Paulo R. da Silva Abbad3
Kátia Jobim Lippold3
Luís Alberto Senff3
Paulo R. Sackis4
Resumo: A promoção da melhoria das habitações onde se verifica o
favorecimento da colonização de vetores da doença de Chagas apresenta-se como
singularidade na região noroeste do estado do Rio Grande do Sul/Brasil. A necessidade de melhorar as habitações se configura como melhoria das condições
peridomiciliares e como interferência nos hábitos econômico-culturais de utilização
dos espaços de moradia rural. O Governo do Estado do Rio Grande do Sul, por meio
da Secretaria da Saúde, em parceria com a Fundação Nacional de Saúde, vem trabalhando na implantação do Programa de Melhoria Habitacional para o Controle da
doença de Chagas na região noroeste do estado, cujo objetivo é tornar as unidades
habitacionais refratárias ao Triatoma infestans (barbeiro), transmissor da doença de
Chagas. Observou-se que o Programa desencadeou um processo que envolveu
capacitações, inquérito domiciliar, ajuste de propostas municipais, oficinas
educativas, reorganizações administrativas e técnicas e a integração dos gestores
do Sistema Único de Saúde. Os investimentos públicos nesta área de melhoria
habitacional têm-se tornado uma motivação para a população dos municípios em
realizar a vigilância do vetor, bem como refletir em questões de qualidade de vida
ambiental como uma demanda dos agricultores.
Palavra-Chave: Doença de Chagas; Melhoria habitacional; Triatoma infestans;
Saneamento domiciliar; Vigilância à saúde; Vigilância ambiental.
1
Técnico da Coordenação da Política de Controle de Zoonoses e Vetores da SES/RS. e-mail:
[email protected]
2
Secção de Aquitetura e Engenharia-SES/RS. e-mail: [email protected]
3
Serviço de Engenharia e Saúde Pública-Funasa. e-mail: [email protected]
4
14ª Coordenadoria Regional de Saúde-SES/RS.
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Cleonara Bedin et al.
Introdução: o conceito de habitação
Com um histórico de mais de 25 anos, o Programa de Controle da doença de Chagas está em uma nova fase. Após sucessivos ciclos de tratamento
químico e vigilância entomológica, verificou-se a persistência da infestação
do Triatoma infestans, principal transmissor da doença.
No estado do Rio Grande do Sul, extremo sul do Brasil, a dificuldade de
eliminação do vetor é atribuída às condições sócio-culturais dos moradores e
aos hábitos e costumes na forma de armazenamento de madeira e
implementos agrícolas, bem como à manutenção de anexos às áreas domiciliares construídas.
No Programa de Melhoria Habitacional para o Controle da Doença de
Chagas, implementado numa parceria entre a Secretaria de Estado da Saúde
(SES/RS) e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), se entende que o conceito de habitação vai além dos aspectos de área construída para moradia e
de infra-estrutura básica de saneamento. O meio ambiente externo à construção e os seus habitantes influem sobremaneira nas condições de manutenção da infestação. O conceito de habitação integra o ambiente que se relaciona com a moradia, incluindo-se na melhoria habitacional os anexos
peridomiciliares, como os galinheiros, paióis, forno, cerca, chiqueiros e outros, onde cada casa é um caso.
O Programa aqui relatado está sendo dirigido às áreas de risco com
persistência de infestação nos últimos 5 anos. As 11 (onze) cidades envolvidas inicialmente foram Alegria, Ajuricaba, Campina das Missões, Cândido
Godói, Catuípe, Doutor Mauricio Cardoso, Horizontina, Independência, Redentora, Santo Cristo e Três de Maio.
Nestas cidades, as localidades de risco estão nas zonas rurais. A economia rural é caracterizada pela pequena propriedade, onde encontra-se residências com vários anexos. Essas cidades foram colonizadas principalmente por imigrantes italianos e alemães, mantendo costumes e hábitos característicos de suas origens, adaptados à realidade da região sul do Brasil.
A característica da infestação do vetor na região noroeste do Rio Grande do Sul é única em todo o Brasil, o Triatoma infestans se aloja nos ambientes peridomiciliares e nas casas, estando associado às condições físicas que
possibilitam a colonização dos triatomíneos e dificultam a borrifação de inseticida, favorecendo a reinfestação e a persistência do transmissor da doença
de Chagas. Na região noroeste do Rio Grande do Sul, a persistência do vetor
não esta relacionada com as frestas, tão comuns nas habitações de barro ou
sopé de outras regiões endêmicas no Brasil, mas com as condições
peridomiciliares e os hábitos de moradia na economia rural desta região.
O programa de melhorias habitacionais está sendo desenvolvido de forma integrada com o Programa de Educação em Saúde e Mobilização Social,
obedecendo normativa da Funasa, que estabelece esta integração como critério técnico para o investimento financeiro em saneamento. O processo
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A singularidade da melhoria habitacional para o controle da doença de Chagas na região ...
educativo permanece ao longo do desenvolvimento das ações do Programa e
segue após a conclusão das obras físicas, em caráter de avaliação.
As ações estão em fase de análise e orientação técnica e estão sendo
propostas interferências nas restaurações, reconstruções e no projeto
educativo municipal.
O recurso para a execução dos convênios vai sendo disponibilizado a
cada município, com acompanhamento e avaliação permanentes. Após a
fase de prestação de contas dos convênios entre os municípios e a Funasa,
juntamente com a SES/RS, será feita a avaliação do Programa de Melhoria
Habitacional para o Controle da Doença de Chagas na Região Noroeste do
Rio Grande do Sul.
Os investimentos e a interferência no saneamento da residência e do
peridomicilio para interromper a transmissão da doença desencadeiam, por
meio de um processo educativo, a apropriação, pelas pessoas envolvidas,
das questões implícitas na melhoria habitacional, onde o saneamento esta
direcionado à promoção da participação social e da qualidade de vida ambiental.
Desenvolvimento do Programa de Melhoria Habitacional e o
controle da doença de Chagas
O Programa de Melhoria Habitacional para o Controle da Doença de
Chagas está sendo desenvolvido em municípios da região noroeste do estado do Rio Grande do Sul, envolvendo a parceria e a participação da Coordenação Regional da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), da Secretaria
Estadual da Saúde, por meio das Coordenadorias Regionais de Saúde (CRSSES/RS), Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural da Associação
Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica em Extensão
Rural (Ascar/Emater) e dos municípios.
O Programa fundamenta-se em critérios epidemiológicos e segue as
orientações técnicas dos convênios de cooperação técnico-financeira com a
Funasa na escolha de municípios e moradores beneficiados. O processo
convenial consta de projeto de engenharia, projeto educativo, acompanhamento técnico e avaliação contínua. A melhoria do ambiente domiciliar rural
envolve a organização do espaço, restauração e reconstrução de casas, paióis, galinheiros, pocilgas, fornos etc..
O Programa de Melhoria Habitacional está inserido no Programa de
Controle da Doença de Chagas (PCDCh), que visa à eliminação do Triatoma
infestans e conseqüente interrupção da transmissão vetorial da doença de
Chagas por Triatoma infestans. A descentralização das ações de atenção às
endemias para a gestão dos estados tornou premente a parceria dos gestores
do SUS para a continuidade e a viabilização do referido Programa, permitindo
que ambiente de moradia, ambiente cultural e ambiente sócio-econômico integrem as moções de habitação, onde não basta a ação de saneamento am-
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Cleonara Bedin et al.
biental para efetuar o controle da endemia de Chagas.
No Rio Grande do Sul, a dificuldade de eliminação do vetor é atribuída
às condições culturais e sócio-economicas dos moradores. A persistência da
infestação na região noroeste é determinada pelos hábitos e costumes de
manuseio do ambiente como, por exemplo, o armazenamento de madeira,
utensílios e, principalmente, a manutenção de vários anexos (fotografia 1 e
2). A região é caracterizada pela pequena propriedade, colonizada, predominantemente, pela cultura da imigração italiana e alemã.
Fotografia 1: Vista geral de uma unidade residencial rural. Região noroeste do estado do
Rio Grande do Sul.
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Figura 2: Peridomicilio, Predomínio da madeira nas construções.
O Programa de Melhoria Habitacional no Rio Grande do Sul, entendendo que o conceito de habitação vai além dos aspectos da área construída da
moradia e da infra-estrutura básica de saneamento e que integra o ambiente
circundente que se relaciona com a moradia, como galinheiros, fornos, cercas, paióis, pocilgas e outros, configura o peridomicilio como habitação. Os
habitantes e o ambiente externo à construção principal da moradia determinam a manutenção da infestação deste vetor e de outros agravos que favorecem o adoecimento da população agricultora. O Programa, então, dirigido à
área de risco com persistência da infestação nos últimos anos, dirigi-se à
habitação ampliada: domicilio, peridomicilio, hábitos culturais, participação
sócio-econômica, organização da vida domiciliar.
A seguir, veremos as áreas delimitadas recentemente para a ação do
controle da doença de Chagas, pela persistência da infestação do Triatoma
infestans no Rio Grande do Sul (Mapa 01).
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Cleonara Bedin et al.
Mapa 01: Áreas de risco com resíduos de infestação por
Triatoma infestans, 2001, RS.
Conclusão
Onze (11) cidades foram selecionadas como área de risco com resíduo
de infestação pelo Barbeiro, sendo incluídas para o Programa de Melhoria
Habitacional para o Controle da Doença de Chagas: Alegria, Ajuricaba, Campina das Missões, Cândido Godói, Catuípe, Doutor Mauricio Cardoso,
Horizontina, Independência, Redentora, Santo Cristo e Três de Maio. Todas
já foram ou estão sendo incluídas no programa de convênio Funasa-SES/RSMunicípio.
Foram realizadas reuniões de integração entre a Coordenação Regional
da Funasa, CRS-SES/RS e municípios com a participação de representantes
da Ação-Emater/RS. Estes encontros foram de capacitação para o desenvolvimento dos processos de montagem dos convênios de cooperação e
assessoramento técnico e financeiro, preparação para as visitas técnicas e o
inquérito domiciliar, bem como o desenvolvimento dos projetos de engenharia
e ação educacional.
Com este Programa estão sendo beneficiadas 514 famílias com projetos que envolvem obras de reforma em casas e anexos ou a construção de
novas casas e/ou novos anexos.
Os municípios foram assessorados e os projetos analisados e revisados
no sentido de integrar o objetivo das reformas, restaurações e construções
com a finalidade de controle do vetor. Foram visitados todos os municípios,
112
v
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A singularidade da melhoria habitacional para o controle da doença de Chagas na região ...
com visitas casa-a-casa, realizando-se adequações dos projetos de engenharia e educacionais, envolvendo o quadro técnico-administrativo da Prefeitura com a população beneficiada, com o apoio das CRS-SES/RS e AscarEmater/RS. Promoveu-se oficinas de educação com dinâmicas de grupos
que objetivaram à conscientização da importância do projeto para todo o
município e aos cuidados necessários para o desenvolvimento do processo
educativo. Ressaltou-se a importância de atrelar a vigilância entomológica do
vetor de Chagas, executada pela a CRS-SES/RS, à execução das obras de
engenharia.
Dando continuidade ao Programa de Melhoria Habitacional no Rio Grande do Sul, estado prioritário no país na luta pela eliminação do Triatoma
infestans, está sendo indicada a listagem de municípios prioritários pela
infestação persistente por este vetor para destinação de novos recursos do
referido Programa. Esta indicação, como a que a precedeu, está respaldada
em estudos e reuniões da equipe técnica de vigilância entomológica da SES/
RS, Funasa/RS e Comitê e Gerência Nacional do Programa de Controle da
Doença de Chagas.
Entende-se que o saneamento e a melhoria habitacional previnem vários agravos de saúde, não somente o controle da doença de Chagas. Constata-se que o mais importante no Programa é o processo educativo desencadeado pelos investimentos públicos, principalmente nas discussões sobre
a qualidade de vida do agricultor.
No desenvolver do programa, verificaram-se necessidades de melhoria
na organização da estrutura administrativa municipal para atender à demanda, assim como a geração de trabalho e circulação de recursos financeiros
locais e a motivação das instâncias de participação popular, como os Conselhos de Saúde e Agropecuário. O Programa de Melhoria Habitacional será
avaliado, quanto aos objetivos, no decorrer da sua execução, sob acompanhamento continuo das obras e da vigilância entomológica pela Funasa e
SES/RS.
La singularidad de la mejoría habitacional para el control de la
enfermedad de Chagas en la región noroeste del Rio Grande do Sul
Resumen: La promoción de la mejoría de las habitaciones donde se verifica el
favorecimiento de la colonización de vectores de la enfermedad de Chagas se
presenta como singularidad en la región noroeste del estado del Rio Grande do Sul/
Brasil. La necesidade de mejorar las habitaciones se configura como mejoría de las
condiciones peridomiciliares y como interferencia en los hábitos econômicos y
culturales de utilización de los espacios de habitación rural. El Gobierno del Estado
del Rio Grande do Sul, a través de la Secretaria da Saúde, en mancomunidad con la
Funasa (Fundação Nacional de Saúde), está trabajando en la implantación del Programa de Mejoría Habitacional para el Control de la Enfermedad de Chagas en la
región noroeste del estado, cuyo objetivo es convertir las unidades habitacionales
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Cleonara Bedin et al.
refratarias al Triatoma infestans (barbeiro), transmisor de la enfermedad de Chagas.
Se observó que el Programa desencadenó un proceso que envolucró
capacitaciones, averiguación domiciliar, ajuste de propuestas municipales, talleres
educativos, reorganizaciones administrativas y técnicas y la integración de los
gestores del Sistema Único de Saúde. Las inversiones públicas en este área de
mejoría habitacional se han vuelto en una motivación para la población de los
municipios en realizar la vigilancia del vector, así como reflejar sobre cuestiones de
calidad de vida ambiental como una demanda de los agricultores.
Palabra Clave: Enfermedad de Chagas; Mejoría habitacional; Triatoma
infestans; Saneamiento domiciliar; Vigilancia a la salud; Vigilancia ambiental.
The singularity of housing improvement for the control of the Chagas’
disease in the northwest area of Rio Grande do Sul
Abstract: The promotion of the improvement of the houses where the favoring
of the colonization of vectors of the Chagas’ disease is verified as a singularity in the
northwest area of the state of Rio Grande do Sul/Brazil. The need to improve the
houses is configured as an improvement of the conditions around the home and as
an interference in the economical-cultural habits of use of the spaces in rural homes.
The Government of the State of Rio Grande do Sul, through the Secretaria da Saúde,
in partnership with the Fundação Nacional de Saúde has been working in the
implantation of the Program of Home Improvement for the Control of the Chagas’
disease in the northwest area of the state, whose objective is to ban the from the
home units the Triatoma infestans (reduviid bug), transmitter of the Chagas’ disease.
It was observed that the Program started a process that involved training, home
inquiry, adjustment of municipal proposals, educational workshops, administrative
and technical reorganizations and the integration of the managers of the Sistema
Único de Saúde. The public investments in this area of home improvement have
become a motivation for the population of the municipal districts in accomplishing the
surveillance of the vector, as well as reflecting on matters of environmental quality of
life as a demand of the farmers.
Key-words: Chagas’ disease; Home improvement; Triatoma infestans; Home
sanitation; Surveillance to health; Environmental surveillance.
Referencias
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29, jan./jun. 2000. Suplemento.
FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. Controle da doença de Chagas. Brasília, 1996.
FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. Critérios e procedimentos para aplicação de
recursos financeiros. Brasília, 2001.
114
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Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
A singularidade da melhoria habitacional para o controle da doença de Chagas na região ...
FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. Orientações para a elaboração do programa
de educação em saúde e mobilização social como parte de projetos. Brasília,
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FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. Modelos utilizados nas ações de melhorias
sanitárias domiciliares: manual de instruções. Brasília, 1998.
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
115
Atenção montador
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A arquitetura e os estabelecimentos de saúde: algumas considerações
A arquitetura e os estabelecimentos de
saúde: algumas considerações
Ednezer Rodrigues Flores1
Resumo: Esta carta aos editores do Boletim da Saúde traz um brevíssimo
relato sobre os projetos arquitetônicos das construções ou projetos da equipe técnica do Serviço de Arquitetura e Engenharia da Secretaria da Saúde – SES/RS, a
partir do ano de 2000. O destaque do relato é a apresentação do projeto de
edificação do Centro de Informação e Documentação em Saúde da Escola de Saúde
Pública (Ceids-ESP/RS) e algumas das várias implicações que devem ser consideradas na arquitetura de prédios de uso na área de saúde.
Palavras-Chave: Arquitetura; Secretaria da Saúde; Escola de Saúde Pública;
Biblioteca; Memória institucional; Estabelecimentos de saúde.
Atuo na Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul e, ao fazer
este relato2, permito-me citar o trabalho que desenvolvo juntamente com as
equipes da Escola de Saúde Pública/RS– ESP/RS e da Seção de Arquitetura
e Engenharia – SAE-SES/RS na montagem do projeto arquitetônico do Centro de Informação e Documentação em Saúde – Ceids-ESP/RS, empreendimento esse que visa à implantação de um setor de referência em informação,
pesquisa e apoio técnico e documental às ações da Educação em Saúde
Coletiva que são desenvolvidas em nosso estado. Não quero relatar ou discutir a ciência da arquitetura em si mesma, mas pautar sobre este conhecimento vinculado à ciência da saúde e a grande interface que existe entre ambas
no processo de criação e apoio à estruturação de uma rede física de estabelecimentos, que contribua à implantação de um Sistema Único de Saúde justo, igualitário, planejado e eficiente na sua finalidade de acolher e cuidar com
integralidade.
Iniciamos em 2000 um processo de discussão sobre o Projeto Ceids,
onde se visualizasse no complexo físico da ESP/RS a implantação de uma
edificação que propiciasse o uso de áreas como biblioteca, auditório, área de
1
Arquiteto, consultor e administrador hospitalar, especialista em arquitetura de estabelecimento de saúde, especialista em administração hospitalar. e-mail: [email protected]
2
O autor cumprimenta os precursores desta iniciativa de resgatar um instrumento histórico da
saúde pública do estado do Rio Grande do Sul, que é o Boletim da Saúde, bem como agradece
e compartilha a honra de contribuir com esta ferramenta, relatando experiências vividas na
área em que atua, que é a da Arquitetura para Estabelecimentos de Saúde.
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Ednezer Rodrigues Flores
acervos históricos e técnicos sobre saúde pública, por parte da sociedade em
geral e, especificamente, por trabalhadores e pesquisadores em saúde.
Como todo processo moroso de discussão, não se conseguiu concluir em
curto espaço de tempo este trabalho, mas estamos hoje com um projeto
definido. Suas exigências e necessidades são significativas, já que se quer o
máximo possível de qualidade nos serviços oferecidos.
No decorrer de 2001, além das diversas ações desenvolvidas em paralelo a esse empreendimento, outras vieram e todas com o mesmo grau de
urgência, sempre em prol de oferecer suporte às ações em saúde. As necessidades iniciais previstas para o projeto sofreram readaptações, que passaram por uma avaliação de todo o complexo arquitetônico da ESP/RS, da
adequação de seus espaços administrativos, de integração (atual biblioteca)
e de ensino (salas de aula), resultando nas reformas que ocorrem no prédio
existente. Questionadas num primeiro momento, as readaptações resultaram
num projeto integrador, referencial e produtivo, colocando em prática ideais
técnicos, científicos e sociais que possibilitarão um avanço na melhoria do
atendimento em saúde pública.
Na recuperação da ESP/RS e projeção do Ceids, estavam em foco o
resgate patrimonial da estrutura física existente; o mapeamento de acolhimento dos estabelecimentos que atendem pelo Sistema Único de Saúde,
entre eles a ESP/RS; a identificação real das referências de atendimento,
entre elas o acesso à busca e ao uso da informação bibliográfica e documental; a correta interpretação legal para a reestruturação de projetos
arquitetônicos e das responsabilidades técnicas das instituições em prol de
resultados práticos para o usuário do SUS e para a capacitação dos profissionais e trabalhadores, diretos ou indiretos, da área de saúde; a aceitação prática de novas propostas arquitetônicas para novos acolhimentos em saúde e
a própria invenção de alternativas para a concretização de respostas estatais
às demandas públicas, com qualidade tecnológica, financeira, social, política
e intersetorial. Uma Escola de Saúde Pública e um Centro de Informação e
Documentação pertencentes ao SUS precisam corresponder às diretrizes
normativas dos campos da saúde, da educação e da documentação, mas,
como serviços públicos, também às diretrizes das políticas de educação, saúde e cultura. No caso específico da inserção no SUS, precisam validar-se no
conjunto de diretrizes e princípios de sua legislação orgânica específica.
Neste universo do muito o que fazer, iniciamos um projeto básico de
arquitetura para o Ceids que está sendo concluido e gostaríamos de dar continuidade para a concretização de mais este sonho, que na realidade projetou
a ponta de um iceberg a ser mais trabalhado, mais moldado, mais polido. Há
muito o que abordar sobre edificações voltadas ao abrigo de atividades de
saúde, no que tange a sua identificação arquitetônica, sua volumetria, a relação espacial com seus entornos arquitetônicos, seus fluxos internos e externos, sua organização funcional na rede física do setor e seus aspectos
referenciais físico-funcionais, a relação dos equipamentos arquitetônicos a
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A arquitetura e os estabelecimentos de saúde: algumas considerações
serem incluídos em prédios existentes e a formalização técnica de equipes
multidisciplinares para atuar em ações de assessoria às atividades de arquitetura e engenharia na implantação dos estabelecimentos do SUS.
Quero emitir os parabéns a todos nós pelo lançamento do Boletim da
Saúde , que saberemos usufruir desta ferramenta na construção e
solidificação de um Sistema que, apesar das inúmeras dificuldades e batalhas que se apresentam, espero poder continuar contribuindo para que melhore.
La arquitectura y los establecimientos de salud: algunas consideraciones
Resumen: Esta carta a los editores del Boletim da Saúde trae un brevísimo
relato sobre los proyectos arquitetónicos de las construcciones o proyectos del equipo técnico del Servicio de Arquitectura e Ingeniería/SES-RS, a partir del año de
2000. El destaque del relato es la presentación del proyecto de edificaciones del
Centro de Informação e Documentação em Saúde, de la Escola de Saúde Pública
(Ceids-ESP/RS), y algunas de las varias implicaciones que deben ser consideradas
en la arquitectura de edificios de uso en el área de salud.
Palabras Clave: Secretaria da Saúde; Arquitectura; Escola de Saúde Pública;
Biblioteca; Memoria institucional; Establecimientos de salud.
Architecture and health institutions: some considerations
Abstract: This letter to the editors of the Boletim da Saúde presents a very
short report on the architectural projects of the constructions or projects of the
technical team of the Service of Architecture and Engineering of the Secretaria da
Saúde – SES-RS, from the year 2000 on. The highlight of the report is the
presentation of the project of construction of the Cenro de Informação e Documentação em Saúde of the Escola de Saúde Pública (Ceids-ESP/RS) and some of the
several implications that should be considered in the architecture of buildings in use
in the area of health.
Key-words: Architecture; Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul; Escola
de Saúde Pública/RS; Library; Institutional memory; Institutions of Health.
Referências
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elaboração e avaliação de projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 mar. 2002. n.
54, Seção 1.
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Ednezer Rodrigues Flores
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 025/ 96. Dispõe sobre os documentos necessários para instruir as proposições que contemplem obras e serviços de arquitetura e engenharia ou aquisição de equipamentos para EAS e dá outras providências.
BRASIL. Lei nº 5194, de 24 de dezembro 1966 . Regula o exercício das profissões de
engenheiro, arquiteto e engenheiro-agrônomo, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 dez. 1966. p. 14.892.
DINSMORE, P. C. Gerência de programas e projetos. São Paulo: Pini, 1992.
175 p.
RIO GRANDE DO SUL. Decreto nº 23.430, de 24 de outubro de 1974. Aprova regulamento que dispõe sobre a promoção, proteção e recuperação de saúde pública. Coletânea de leis e decretos estaduais, Porto Alegre, p. 408, 1974.
RIO GRANDE DO SUL. Lei Estadual no 6.503, de 22 de dezembro de 1972. Dispõe
sobre a promoção, proteção e recuperação da saúde pública. Diário Oficial [do] Estado, Porto Alegre, 29 dez. 1972. n. 138, p. 2.
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Instituto de Pesquisas Biológicas: memória institucional e trabalho de pesquisa histórica
Instituto de Pesquisas Biológicas:
memória institucional e trabalho de
pesquisa histórica
Márcia Aiub de Mello1
Resumo: Neste artigo, descrevemos o histórico do Instituto de Pesquisas Biológicas – IPB/Lacen, atualmente incorporado pelo Laboratório Central – Lacen, dentro da estrutura da Fundação Estadual de Pesquisa e Produção em Saúde – Fepps,
partindo da documentação disponível na instituição e narrando todos os processos
realizados para a mudança de prédio pela qual o instituto passou, quando buscouse recuperar e preservar sua memória e história. A sensibilização realizada junto aos
funcionários e os procedimentos metodológicos utilizados para dar o tratamento adequado à documentação, que seria acondicionada e transportada na mudança de
prédio para as novas e atuais instalações, são abordados para evidenciar o cuidado
com a memória institucional e com a oportunidade de pesquisa histórica.
Palavras-Chave: Memória institucional; Instituto de Pesquisas Biológicas; Secretaria da Saúde – RS; História da saúde pública; Instituições de Saúde.
Introdução
O Instituto de Pesquisas Biológicas desempenha suas funções desde
10 de agosto de 1902, tendo sido instituído pelo decreto estadual nº 519, que
criou o laboratório de análises do Estado2. A partir de 1926 começou a atuar
como um Laboratório de Saúde Pública, com suas respectivas seções. Estava ligado administrativamente ao Departamento Estadual de Higiene e Saúde
Pública – DEHSP e localizava-se na Praça da Matriz, nº 26, no centro de
Porto Alegre. Este primeiro prédio de sua trajetória histórica situava-se nas
imediações do palácio do governo estadual e Catedral Metropolitana.
Com a reorganização dos serviços de saúde, efetivada em 1938, pela
1
Historiadora e especialista em história contemporânea, e-mail: [email protected].
A essa repartição competia a fiscalização dos gêneros alimentícios, bebidas e medicamentos. A força de trabalho do laboratório compunha-se de 1 diretor, 1 ajudante, 4 fiscais e 1
servente.
2
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Márcia Aiub de Mello
então denominada Secretaria de Estado dos Negócios da Educação e Saúde,
os serviços de higiene e saúde pública do Estado passam para a incumbência do Departamento Estadual de Saúde – DES, criado para esse fim3.
As autoridades sanitárias da época reconheceram a importância que o
Laboratório de Saúde Pública do Estado estava obtendo no contexto sanitário, principalmente em relação à pesquisa diagnóstica das doenças
transmissíveis e endêmicas. Em relação ao crescimento dos serviços do laboratório, as autoridades observaram também a necessidade da ampliação
de seu espaço físico e instalações.
Sua transformação em um Instituto de Pesquisas Biológicas, com instalações de tecnologia de ponta, adequada e atualizada segundo os moldes
dos modernos institutos da época, tornava-se urgente e necessária. Esse
desejo era almejado por todos os trabalhadores do Laboratório e por um
mentor intelectual incansável, Jandyr Maya Faillace, como se pode provar
pela documentação histórica existente sobre este acontecimento no próprio
IPB, atualmente incorporado pelo Laboratório Central (Lacen).
Essa aspiração tornou-se, em parte, realidade com a promulgação da
Lei nº 314, de 6 de outubro de 1948, que criou o Instituto de Pesquisas Biológicas - IPB, artigo 193, inciso III da Constituição do Estado do Rio Grande do
Sul, promulgada pelo então governador do Estado, Walter Jobim.
Foi na gestão de Jandyr Maya Faillace como diretor do DES que se concretizou a criação institucional e física do IPB. Foi efetivada a compra de
terreno próprio para instalar o Instituto. A inauguração das novas instalações
ocorreu em 30 de setembro de1960. Jandyr Maya Faillace ocuparia a direção
do IPB posteriormente, bem como Newton Neves da Silva, seu colega no
DES, que se destacará na implantação do segundo prédio da história do Instituto e no desenvolvimento de seu novo perfil tecnológico.
O IPB hoje é o suporte laboratorial das ações da Vigilância em Saúde,
estando organizado na forma de rede de laboratórios de saúde pública, com 4
divisões operacionais, realizando análises e diagnósticos em Vigilância Sanitária, Epidemiológica e Ambiental. Realiza o diagnóstico das doenças de notificação compulsória (Dengue, Meningite, Hepatite, HIV e Leptospirose, entre outras) e realiza Análise de Produtos (alimentos, medicamentos,
saneantes, embalagens para alimentos etc.). Atualmente, o IPB integra a
Fundação Estadual de Pesquisa e Produção em Saúde – Fepps, criada em
dezembro de 1994, absorvendo diversos órgãos estaduais de apoio ao Sistema Estadual de Saúde. O IPB passou a integrar o Laboratório Central e a
rede de laboratórios de saúde pública.
3
O Instituto de Pesquisas Biológicas – IPB, após está modificação, ficou representado como
Laboratório de Saúde Pública, contando com as seções de microbiologia, que disponibilizava
os serviços de diagnóstico e pesquisa; de anatomia patológica e de soros e vacinas; de química, que disponibilizava os serviços de química analítica, controle de águas e esgotos; controle
e avaliação de leite e laticínios; bromatologia geral.
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Instituto de Pesquisas Biológicas: memória institucional e trabalho de pesquisa histórica
No dia 26 de abril de 2002, foi inaugurado o prédio que abriga o Laboratório Central do Estado (IPB/Lacen). Este é o terceiro prédio que a instituição habita em sua trajetória histórica.
O IPB/Lacen instalou-se com suas atuais divisões (Divisão de Análise
de Produtos - DAP, Divisão de Biologia Médica - DBM, Divisão de Laboratórios de Saúde Pública – DILASP e Divisão de Apoio Operacional – DAO) que
dão suporte técnico laboratorial às ações de Vigilância em Saúde, em uma
área física de 3.740 m², construída segundo as normas de segurança
exigidas para um Laboratório de Referência e segundo os requisitos de
Biosegurança inerentes a uma área de laboratório.
Memória institucional e pesquisa histórica
Ao buscar a recuperação e preservação da memória institucional do IPB,
buscamos a história da saúde pública no Estado do Rio Grande do Sul. O
diagnóstico laboratorial, a anatomia patológica, a produção de soros e vacinas, a química analítica, entre outras ações de saúde, em uma trajetória iniciada em 1926, descrevem, em seu recorte histórico, prioridades, métodos e
políticas na saúde pública gaúcha.
Segundo o historiador Ulpiano Bezerra de Menezes, a orientação e a
eficácia do trabalho com o patrimônio cultural dependem visceralmente de
nosso projeto de sociedade, isto é, do tipo de relação que desejamos instaurar entre os homens.
O patrimônio cultural não se resume a uma listagem de objetos selecionados por técnicos competentes, mas se define como complexo fenômeno social. Segundo o autor, é indispensável defrontar-se com o problema
do valor e dos sistemas de valor que toda sociedade formula, segundo
seus diversos segmentos, afirmando ainda que, obviamente, as representações sociais e respectivos “patrimônios culturais” não poderão ser
abstratamente apresentados, mas deverão ter lugares sociais definidos
(Menezes, 1992).
Para desenvolver o projeto de resgate da memória e da história do IPB/
Lacen, tornou-se necessária uma série de procedimentos técnicos, como investigar, reconhecer, inventariar, higienizar, separar, acondicionar e arquivar
os diferentes documentos de memória encontrados. Exemplo: correspondências técnicas, telegramas, relatórios, plantas baixas, projetos arquitetônicos,
fotos, teses de mestrado e doutorado, trabalhos científicos, artigos de jornais,
artigos de funcionários, projetos de pesquisa, currículo de ex-diretores, impresso do regulamento do DES, fôlderes, impressos diversos sobre as Semanas do IPB, etc.
Documentos em diversos tipos de suporte, como metal, madeira, vidro e
outros; equipamentos e utensílios utilizados no trabalho diário pelos funcionários da instituição; peças que necessitaram ser inventariadas, higienizadas e
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Márcia Aiub de Mello
acondicionadas em locais apropriados, passando a fazer parte da reserva
técnica irão compor a informação museológica, que encontra-se em fase de
constituição.
Pretendemos, por meio de relatos dos trabalhadores do IPB
(metodologia da história oral), construir e reconstruir uma identidade cultural,
uma significação do trabalho coletivo desenvolvido ao longo da sua trajetória
histórico-institucional e, com esse trabalho, dar um significado de pertença às
pessoas e profissionais envolvidos com o IPB/Lacen de maneira geral. Por
meio dos relatos, é possível perceber a identidade cultural, o referencial ou a
significação que liga os trabalhadores à instituição a que pertenceram (IPB)
ou que ainda pertencem (IPB/Lacen).
Informação, documentação, memória e história: pesquisa, preservação e conhecimento
O trabalho de pesquisa começou a ser desenvolvido no IPB/Lacen e
surgiu um novo desafio: a mudança de prédio que a instituição iria sofrer.
Esse fato ocorreu entre outubro de 2001 e junho de 2002, quando a mudança
foi sendo efetuada por etapas, isto é, segundo um cronograma elaborado por
uma comissão para esse acontecimento. Cada seção teria um dia e o mês
correspondente para a sua mudança. O IPB/LACEN passaria ao seu terceiro
e atual prédio e instalações.
Uma Comissão de Pesquisa Histórica passou a dar orientações referentes ao tratamento adequado a ser dado para a documentação existente na
instituição durante a mudança de prédio e desenvolveu uma série de procedimentos a serem utilizados pelos funcionários. Para isso, foi feita uma
sensibilização com as chefias de seções e demais funcionários.
Na sensibilização, foi apresentado por uma historiadora e uma bibliotecária da Escola de Saúde Pública/RS o projeto de resgate e preservação da
memória institucional da saúde pública estadual, desencadeado, a partir de
1999, na criação do Centro de Informação e Documentação em Saúde
(Ceids-ESP/RS). Deste projeto participam várias instituições, principalmente
o Hospital Psiquiátrico São Pedro, o Hospital Sanatório Partenon, o Hospital
Colônia Itapuã, o Centro de Saúde-Escola Murialdo, a Escola de Saúde Pública e o Instituto de Pesquisas Biológicas. A bibliotecária do IPB/Lacen apresentou as providências a serem tomadas referentes à biblioteca e a historiadora responsável pelo trabalho de pesquisa histórica no IPB/Lacen apresentou os procedimentos práticos a serem adotados em relação à documentação
existente na instituição.
A Comissão de Pesquisa Histórica efetuou a distribuição de algumas
tarefas e a explicação sobre alguns procedimentos a serem utilizados durante o processo de mudança, como o uso de uma etiqueta padronizada para as
caixas-arquivo. A etiqueta contém na sua descrição: a origem dos documentos, divisão de origem, seção de origem, nome do responsável da seção de
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Instituto de Pesquisas Biológicas: memória institucional e trabalho de pesquisa histórica
origem, telefone, data, quantidade, observações e tipo de conteúdo: papel,
vidro, metal, madeira, outros.
A padronização desses procedimentos foi uma preocupação relevante,
por isso foi distribuído um material escrito explicando as orientações gerais
em relação aos diferentes tipos de documentos (papéis, fotos, utensílios metálicos, microscópios, vidraria), bem como o seu acondicionamento e transporte, visando à conservação e à preservação desses. Foi distribuído um pequeno texto com a definição de alguns conceitos históricos para a melhor
compreensão do trabalho histórico-documental entre os trabalhadores, que
na sua maioria são oriundos das ciências naturais.
Com a mudança de prédio e o envio da documentação pelas seções de
origem à Comissão de Pesquisa Histórica, está sendo constituído um arquivo
intermediário, onde a documentação ficará por um tempo determinado pela
legislação arquivística, segundo sua função. Posteriormente, essa documentação será analisada por uma equipe de profissionais designados para esse
fim, quando passará por uma seleção, segundo critérios técnicos, e depois
será arquivada segundo normas da arquivologia.
A Comissão de Pesquisa Histórica desenvolveu, também, o trabalho de
história oral, obtendo relatos de funcionários, ex-funcionários e pessoas que
tiveram relações significativas com a instituição. Nas entrevistas de história
oral, foram resgatadas as histórias de vida profissional dessas pessoas. Essas entrevistas foram gravadas e estão sendo transcritas e transformadas
em documento escrito.
A história oral é uma linha metodológica que nos permite colocar um
olhar sensível sobre o que os fatos revelam, ela nos ajuda a aprofundar
verticalmente as significações, referências e identidades do passado e conhecer os sentidos da trajetória histórica.
Este trabalho de resgate da memória e da história do IPB/Lacen, uma
instituição com 100 anos de história, que estamos tentando desenvolver, não
é um trabalho fácil de se fazer e, muito menos, finito. Ele terá, sem dúvida,
recortes temporais, que serão necessários fazer para fins metodológicos. O
processo histórico é, contudo, contínuo, como deve ser também o seu relato
e a preservação da sua documentação.
Neste informe tentamos ressaltar e exemplificar um pouco da relevância deste trabalho. Futuramente, os documentos históricos que fazem parte
do acervo serão disponibilizados aos usuários para consulta e pesquisa em
geral. Essa prática precisa estar na base das muitas instituições, pois são
inúmeros os gestores que se queixam dos projetos e ações que se perdem
no tempo e ficam apenas na memória de seus autores.
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Márcia Aiub de Mello
Instituto de Pesquisas Biológicas: memoria institucional y trabajo de
investigación histórica
Resumen: En este artículo describimos el histórico del Instituto de Pesquisas
Biológicas – IPB, actualmente incorporado por el Laboratório Central – Lacen.
Partiendo de la documentación disponible en la institución y narrando todos los
procesos realizados para el traslado de edificio por lo cual el instituto ha pasado, en
el que se buscó recuperar y preservar su memoria e historia. La sensibilización
realizada junto a los funcionarios y los procedimientos metodológicos utilizados para
dar el tratamiento adecuado a la documentación, que sería acondicionada y transportada en la mudanza de edificio para las nuevas y actuales instalaciones, son
planteados para evidenciar el cuidado con la memoria institucional y con la
oportunidad de investigación histórica.
Palabras Clave: Memoria institucional; Instituto de Pesquisas Biológicas; Secretaria da Saúde – RS; Historia de la salud pública; Instituciones de Salud.
Instituto de Pesquisas Biológicas: institutional memory and the work of
historical research
Abstract: In this article, it was intended to describe the history of IPB/Lacen, to
explain the reason for the creation of that public health institution and in which health
context it came up. For that purpose, a research was done, starting from documents
available in the institution. It was done a description of the processes realized in the
change that the institute went through, the sensitization of the staff and the way that
methodological procedures were elaborated to give adequate treatment to
documentation that would be kept and transported.
Key Words: Institutional memory; Rio Grande do Sul; History of public health;
Secretaria da Saúde; Institucions of Health.
Referências
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de Saúde Pública. São Paulo: Letras e Letras; Instituto Adolfo Lutz, 1992.
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2000. v. 5.
GOMES, Flávio Alcaráz. Deu no Correio. Correio do Povo. Porto Alegre,10 ago.
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Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1998. (Projeto como fazer, v. 5).
LE GOFF, Jaques. História e memória: documento monumento. Campinas: Unicamp,
1990.
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Instituto de Pesquisas Biológicas: memória institucional e trabalho de pesquisa histórica
MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de. O Patrimônio cultural entre o público e o privado. In:
SÃO PAULO. Departamento do Patrimônio Histórico. O direito à memória: patrimônio
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PAES, Marilena Leite. Arquivo: teoria e prática. 3. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997.
RIO GRANDE DO SUL. Constituição Estadual (1948). Diário Oficial do Estado, Porto Alegre, 7 out., 1948.
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SIQUEIRA, Márcia Dalledone. Lacen/Laboratório Central do Paraná: mais de um
século de história. Curitiba: Lacen/PR, 1996.
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Atenção montador
a página 128 é branca
A Residência Integrada em Saúde: Dermatologia Sanitária – uma experiência ...
A Residência Integrada em Saúde:
Dermatologia Sanitária – uma experiência
interdisciplinar vista pelo enfoque da
Psicologia
Marisa Campio Müller1
Cristina Beatriz Haag2
Juliana Dors Tigre da Silva3
Resumo: O presente artigo discorre sobre o Programa de Residência Integrada em Saúde da Escola de Saúde Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Instituída pela Portaria nº 16/99 da Secretaria da Saúde, em 1º de outubro de 1999, integra três áreas de ênfase: Atenção Básica em Saúde Coletiva, Saúde Mental Coletiva
e Dermatologia Sanitária. Destaca-se esta última instituição, onde se integram residentes de três diferentes profissões: medicina, enfermagem e psicologia. Especificamente, a residência de psicologia divide sua atuação em três setores: o Ambulatório de Psicodermatoses, o Centro de Testagem e Aconselhamento em HIV e o
Ambulatório de Hanseníase. Por meio do trabalho realizado pela psicologia, verificase a importância do trabalho integrado e interdisciplinar entre os profissionais da
área da saúde, trazendo maior benefício para os usuários, que são considerados em
sua totalidade.
Palavras-Chave: Residência Integrada em Saúde; Saúde Coletiva; Psicologia; Educação em Saúde Coletiva; Residência multiprofissional; Memória
institucional.
O Ambulatório de Dermatologia Sanitária (ADS), da Secretaria da Saúde
do Estado do Rio Grande do Sul (SES/RS), situado em Porto Alegre/RS, é
referência em atendimentos relacionados à contaminação pelo vírus da
Imunodeficiência Humana ou adoecimento pela Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida (HIV/Aids), à dermatologia, à hanseníase e às
doenças sexualmente transmissíveis. As atividades realizadas pela psicologia no Ambulatório de Dermatologia Sanitária fazem parte do Programa de
1
Preceptora de Psicologia no Programa de Residência Integrada em Saúde: Dermatologia
Sanitária. Professora da PUC/RS, e-mail: [email protected].
2
Psicóloga Residente do Ambulatório de Dermatologia Sanitária – período 2001 e 2002.
3
Psicóloga Residente do Ambulatório de Dermatologia Sanitária – período 2000 e 2001.
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
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Marisa Campio Müller et al.
Residência Integrada em Saúde da Escola de Saúde Pública do Estado do
Rio Grande do Sul (ESP/RS), em uma de suas ênfases na Educação em
Saúde Coletiva: a dermatologia sanitária.
A Residência Integrada em Saúde da ESP/RS foi instituída pela Portaria
nº 16/99 da Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul (SES/RS),
em 1º de outubro de 1999. Esta portaria acrescentou o Programa de Aperfeiçoamento Especializado ao Programa de Residência Médica já existente, tornando esta residência multiprofissional e interdisciplinar. O histórico dos programas de residência na Escola de Saúde Pública/RS remonta a algumas
décadas. Em 1976, iniciou a primeira turma de Residência Médica em Saúde
Comunitária e, em 1977, esta Residência oferecia vagas multiprofissionais,
com o ingresso de enfermeiros, assistentes sociais e médicos veterinários.
Esta residência multiprofissional do final da década de 70 durou poucos
anos e funcionou sob distintas regras para os diferentes profissionais. A remuneração e o tempo de duração diferiam entre os residentes médicos e os
residentes das demais profissões (Ceccim; Armani, 2001).
A partir de 1999, a Residência Integrada em Saúde passou a integrar
três áreas de ênfase, em três distintos locais:
a) o Centro de Saúde-Escola Murialdo recebe a Residência Médica em
Medicina Geral Comunitária (para médicos) e o Aperfeiçoamento Especializado em Atenção Básica na Saúde Coletiva (para assistentes sociais, enfermeiros, nutricionistas, odontólogos e psicólogos);
b) o Hospital Psiquiátrico São Pedro/Projeto São Pedro Cidadão recebe
a Residência Médica em Psiquiatria (para médicos) e o Aperfeiçoamento Especializado em Saúde Mental Coletiva (para assistentes sociais, enfermeiros,
profissionais de educação física, profissionais de educação artística, psicólogos e terapeutas ocupacionais);
c) o Ambulatório de Dermatologia Sanitária recebe a Residência Médica
em Dermatologia (para médicos) e o Aperfeiçoamento Especializado em Projetos Assistenciais em Dermatologia Sanitária (para enfermeiros e psicólogos).
Estes três programas de residência existem como formação
interprofissional 4 em serviço, tendo como base as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), o trabalho em Equipe de Saúde e as funções fundamentais da saúde coletiva (Educação em Saúde Coletiva e Atenção Integral à
Saúde).
Ceccim e Armani (2001) salientam que o contato continuado dos profissionais da saúde com os usuários das ações e serviços permite o cruzamento
de saberes e o desenvolvimento de novos perfis profissionais, mais adequados à exigência ética de atender a cada pessoa conforme sua necessidade,
também considerando as necessidades epidemiológicas e sociais das popu4
A Residência Integrada em Saúde foi formulada como educação pós-graduada em serviço,
sob orientação, de caráter multiprofissional e interdisciplinar.
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A Residência Integrada em Saúde: Dermatologia Sanitária – uma experiência ...
lações sob atendimento. Desta forma, a educação em serviço busca desenvolver o aperfeiçoamento profissional por meio da aprendizagem prática e
permitindo a troca, tanto com os usuários, como com a equipe
multiprofissional.
O Ambulatório de Dermatologia Sanitária teve o seu primeiro Programa
de Residência instituído em 1997, oferecido para graduados em medicina.
Após a Portaria nº 16/1999, o Ambulatório de Dermatologia Sanitária passou
a oferecer a Residência Integrada em Saúde para psicólogos, enfermeiros e
médicos. O ingresso dos primeiros profissionais destas três áreas aconteceu
em janeiro de 2000, tendo o Programa a duração de dois anos para enfermeiros e psicólogos e três anos para médicos, conforme legislação específica.
Os residentes das três áreas distintas do Ambulatório de Dermatologia
Sanitária realizam algumas atividades específicas de cada carreira e algumas atividades de forma integrada. A Psicologia, neste contexto, visa a possibilitar a prática transdisciplinar mediante uma visão integral, histórico-social e
psicossomática da pessoa nos atendimentos. Também busca identificar os
aspectos emocionais envolvidos nas doenças dermatológicas, compartilhar
pesquisas abrangendo as especificidades da dermatologia, enfermagem e
psicologia, contribuindo, desta forma, para aproximar essas áreas que se
mostram tão inter-relacionadas.
Os residentes em psicologia do ADS atuam em diferentes setores do
local, tanto de forma específica como integrada, e suas atividades são práticas e teórico-científicas. Dentre as atividades de cunho teórico, os residentes
de psicologia assistem às aulas e à reunião clínica em dermatologia, com os
colegas médicos e enfermeiros, assistem às aulas sobre Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e controle da infecção pelo HIV junto com os
enfermeiros, realizam seminários teóricos específicos para a área da psicologia e seminários teóricos versando sobre psicodermatoses e bioética integrados com os residentes de todas as profissões, além das disciplinas e palestras que ocorrem na própria Escola de Saúde Pública/RS.
Dentre as atividades de cunho mais prático, os residentes de psicologia,
aliados aos residentes de enfermagem, coordenam a educação em saúde
que ocorre na sala de espera para os usuários do ADS. A atividade da sala de
espera consiste em palestras-relâmpago sobre questões básicas de saúde
pública, como a dengue, a hanseníase, as DST etc.
Para a população em geral, os residentes de psicologia, novamente em
parceria com os residentes de enfermagem, ministram palestras educativas e
informativas extra-muro, versando sobre HIV, DST, dengue, higiene corporal
e micoses, entre outras.
No ambulatório de hanseníase, os psicólogos assistem às consultas
médicas e aos procedimentos tecnoassistenciais e coordenam o Grupo de
Encontro em Hanseníase, um espaço grupal oferecido para os pacientes portadores de hanseníase e seus familiares (esta atividade é realizada de forma
integrada com os enfermeiros).
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Marisa Campio Müller et al.
No Centro de Testagem e Aconselhamento para o HIV e Aids (CTA), os
residentes de psicologia atuam como aconselhadores, ministrando palestras
sobre HIV e DST, entregando os resultados de exames de HIV e Sífilis e
auxiliando na coordenação do Grupo de Adesão aos Antiretrovirais, um espaço oferecido para pacientes soropositivos em acompanhamento no ADS. Este
grupo também é realizado de forma integrada com os enfermeiros.
O atendimento oferecido no Ambulatório de Psicodermatoses abrange a
psicoterapia breve, individual e grupal para adultos, adolescentes e crianças,
tanto do sexo masculino, quanto feminino, portadores de doenças como o
vitiligo, a psoríase, a dermatite atópica, a alopecia e outras. Os pacientes são
encaminhados pelos médicos dermatologistas e, em seguida, passam por
uma entrevista inicial (triagem) e são encaminhados para o atendimento
grupal ou individual feito pelos residentes de psicologia. Alguns desses atendimentos grupais são executados conjuntamente com a equipe de enfermagem e medicina e todos os pacientes recebem atendimento integrado médico
e psicológico. Além disso, o ambulatório de psicodermatoses realiza e apresenta pesquisas unindo os saberes e resultados das diferentes profissões.
O atendimento psicoterápico realizado neste ambulatório possui uma
abordagem mente-corpo que busca a promoção de um entendimento mais
amplo sobre a doença e suas correlações emocionais, visando à integração
destas duas polaridades. Os pacientes são estimulados a refletirem sobre as
influências emocionais que podem estar atuando na doença dermatológica
que possuem e como administrar tais aspectos para obter uma melhor qualidade de vida. Durante o andamento do processo psicoterapêutico, são transmitidas informações sobre as doenças dermatológicas com o intuito de estimular o paciente a apropriar-se melhor da doença que está desenvolvendo.
Isto estabelece ao atendimento um enfoque também educacional, seguindo
a abordagem da psicologia da saúde .
A duração do tratamento é de seis meses, com sessões semanais de 1h
e 30 min, caracterizando, desta forma, um processo de psicoterapia breve.
Este tipo de tratamento possui um foco determinado, sendo este a ampliação
da consciência do paciente sobre sua doença e a melhora da sua qualidade
de vida. É dada também prioridade ao atendimento grupal que, além de
abranger um maior número de pessoas a serem atendidas, constitui-se como
uma condição estimuladora para o desenvolvimento de seus participantes,
por proporcionar a troca de vivências e encontro entre iguais.
De acordo com Fiorini (1981), a psicoterapia breve é um tipo de tratamento psicoterápico que possui um foco de atuação determinado, condizente
aos principais conflitos do paciente que, naquele momento, estão interferindo
na sua vida.
Neste estilo de psicoterapia, o terapeuta tem um papel essencialmente
ativo e este deve elaborar um plano individualizado para seus pacientes e, no
decorrer do processo, manter o foco da terapia. Deve existir também flexibilidade quanto às estratégias de atuação durante a evolução do tratamento.
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Para Braier (1997), a psicoterapia breve também é denominada de terapia de objetivos limitados, pois suas metas são mais modestas do que a reconstrução da estrutura da personalidade, como almejado no tratamento psicanalítico. A psicoterapia breve está vinculada às necessidades imediatas do
paciente e visa à superação dos sintomas e dos problemas da sua realidade
atual. Esta terapia tem como norte a possibilidade de enfrentar situações de
conflito e recuperar o auto-desenvolvimento.
O mesmo autor afirma que a duração breve deste tipo de tratamento é
positiva na medida que estimula o progresso da terapia, por meio da fixação
de um prazo de encerramento. Além disso, confere à terapia uma estrutura
definida em termos de princípio, meio e fim, introduzindo um elemento necessário de realidade à relação terapêutica, esmorecendo a produção de fantasias regressivas de união permanente com o terapeuta. O tratamento inclinase para a estimulação e o reforçamento da iniciativa pessoal, ou seja, das
capacidades autônomas do paciente.
Durante o processo, são aplicados instrumentos para auxiliar na avaliação do nível de ansiedade, sendo este, o Inventário de Ansiedade TraçoEstado (Idate) e o Questionário de Qualidade de Vida.
Aliada ao tratamento psicoterápico, é utilizada também a técnica de relaxamento e visualização. Esta técnica tem o objetivo de encorajar o paciente a
tomar mais consciência do próprio corpo, aprendendo a relaxar suas tensões
e ansiedades.
Carvalho (1994) comenta que a visualização tem sido usada nos processos de cura desde os tempos mais remotos. Há informações de cura na
China, no século XVII a.C., no Egito, no Tibet, na Grécia, na África, entre os
esquimós e índios norte-americanos e sul-americanos. Segundo a mesma
autora, Asclépio, Aristóteles e Hipócrates utilizavam a visualização para o
diagnóstico das doenças e para os tratamentos.
De acordo com Epstein (1990), as imagens mentais são um tipo de pensamento usado para fazermos contato com nossa realidade subjetiva interna.
Estas imagens provêm do tipo de pensamento intuitivo que contrapõe o pensamento lógico. Sem este tipo de pensamento intuitivo, não poderíamos pensar em nada novo.
Rossi (apud Müller, 2001) refere que a mente, por meio das imagens,
pensamentos, crenças, memórias e emoções, sob uma interação constante e
involuntária, pode alterar a estrutura bioquímica e o sistema nervoso. A relação mente e corpo, a partir da análise do mecanismo do estresse, mostra seu
efeito no sistema hormonal e no sistema imunológico.
O atendimento psicológico feito com os pacientes que possuem problemas dermatológicos segue também o enfoque de um ramo da dermatologia
chamado psicodermatologia.
A psicodermatologia é a área da dermatologia que abrange aquelas
doenças de pele que possuem correlação com as emoções e a subjetividade
do indivíduo. A pele é vista aqui como um dos mais importantes órgãos de
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Marisa Campio Müller et al.
manifestação das emoções. As ligações que existem com o sistema nervoso
tornam a pele altamente sensível às emoções, independentemente da nossa
consciência. A pele expressa os nossos sentimentos mesmo quando não
estamos cientes deles.
Segundo Montagu (1988, p. 30), a nossa pele recebe não só os sinais
que nos chegam desde o ambiente, transmitindo-os aos centros do sistema
nervoso para a etapa de decifração, como ainda capta sinais de nosso mundo
interno. Todos eles são, em seguida, traduzidos em termos quantificáveis. “A
pele é o espelho do funcionamento do organismo: sua cor, textura, umidade,
secura e cada um de seus demais aspectos refletem nosso estado de ser,
psicológico e também fisiológico”. O autor ressalta ainda, as correlações
fisiopsiquícas envolvidas no contato pele-a-pele, ressaltando a importância
do toque para o desenvolvimento sadio do ser humano.
Para Grossbart (apud Golemam; Gurin, 1997), nossa pele pode ser
comparada a uma roupa que jamais tiramos, mas como tudo o mais que
vestimos muda, conforme o humor e a ocasião. Praticamente, todos os atos
de amor e de raiva envolvem intercâmbio dinâmico da pele. Portanto, não
deve ser surpresa que seja ela a primeira a manifestar os problemas quando
as aflições emocionais vazam do coração e da mente.
A pele também envolve o papel simbólico de proteção, o que é um fator
a mais a ressaltar na vinculação entre distúrbios emocionais e as doenças de
pele. Tal vínculo não data de hoje, antigamente já se utilizava a expressão
neurodermite para demonstrar alguns tipos de eczema, querendo destacar a
sua origem nervosa.
É provável, portanto, que a pele também possa refletir problemas emocionais ou doenças que são causadas por muitos fatores que, em grande
parte, às vezes, agem em conjunto, até como fatores genéticos, hormonais e
agentes infecciosos (Grossbart, 1997). Os fatores emocionais podem apresentar-se como decorrência, ou seja, conseqüência de transtornos físicos,
mas que, por vezes, podem ser a causa desencadeante de muitos problemas
físicos.
A doença também pode ter uma representação simbólica, que pode
manifestar-se pelo local ou sintoma escolhido. Para Moffaert (1992), a maior
ou menor consciência da escolha de uma particular área do corpo, em razão
de algum valor simbólico, constitui um item distinto na psicodermatologia.
Também para Azulay e Azulay (1997), a doença pode estar representando emoções não resolvidas que se apresentam, então, como manifestações
orgânicas. O sintoma vem como manifestação simbólica, como linguagem do
que permaneceu oculto, excluído de poder apresentar-se.
A doença como um símbolo de aspectos reprimidos foi trazida por
Groddeck (1989) e Jung (1985). Assim compreendida, a doença obriga necessariamente a ver o paciente no seu todo, um organismo psique/corpo que
adoece.
Portanto, os pacientes, em seus processos psicoterapêuticos, são esti-
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A Residência Integrada em Saúde: Dermatologia Sanitária – uma experiência ...
mulados a tomar consciência desta correlação existente entre sua emoções
e a doença resultante no seu soma.
Ao longo do desenvolvimento deste trabalho, por intermédio da experiência observada e de pesquisas realizadas nesses 2 anos de atendimento e
de residência de psicologia em dermatologia sanitária, podemos salientar alguns aspectos que chamam a nossa atenção. Os pacientes acompanhados
com psicoterapia concomitante ao tratamento médico tendem a apresentar
melhora na sua qualidade de vida, no nível de ansiedade e, conseqüentemente, a melhora clínica de sua pele, o que se verifica pelos instrumentos
que avaliam a qualidade de vida, o inventário de ansiedade traço-estado e os
relatos feitos durante o processo psicoterapêutico.
Como ilustração desses resultados, podemos citar a pesquisa de doutorado realizada no ADS em 2000 (Müller, 2001) com os pacientes portadores
de vitiligo. Nesta pesquisa, verificou-se a repigmentação de até 80% da pele
dos pacientes após o período de 6 meses de psicoterapia e tratamento médico, enquanto que, para os pacientes que receberam apenas tratamento médico, o índice máximo de repigmentação foi de 30%. Como se ressalta na tese,
é necessário que os profissionais da área da saúde compreendam que a doença pode transformar-se numa oportunidade de crescimento e de
ressignificação da vida, de viver, assim como ocorreu com as pacientes estudadas. Esses resultados demonstraram a importância de um trabalho integrado médico-psicológico em pacientes com problemas dermatológicos.
Salienta-se também a importância do trabalho conjunto, multidisciplinar
e interdisciplinar, como forma de abarcar a dimensão psicossomática e histórico-social do paciente, alcançando uma maior abrangência de si mesmo em
cada pessoa.
Apesar da residência de psicologia em dermatologia ser recente e de
estar ainda em estruturação, podemos considerar as influências positivas que
o tratamento psicoterápico aliado ao tratamento médico vem trazendo aos
pacientes com problemas dermatológicos, melhorando sua qualidade de vida,
no mínimo pelo auto-conhecimento que a psicoterapia proporciona. Para o
campo da psicologia, essa área também é nova. Não pensamos em uma
nova especialidade, mas no ingresso profissionalizado da psicologia nas equipes de saúde em dermatologia sanitária.
La Residencia Integrada en Salud: Dermatología Sanitaria – una
experiencia interdisciplinar vista por el enfoque de la Psicología
Resumen: El presente artículo discurre sobre el Programa de Residencia Integrada en Salud de la Escola de Saúde Pública/RS. Instituida por la Portaría nº 16/99
de la Secretaria da Saúde en 1º de octubre de 1999, integra tres áreas de énfasis:
Atención Básica en Salud Colectiva, Salud Mental Colectiva y Dermatología
Sanitaria. Se destaca esta última institución, donde se integran residentes de tres
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Marisa Campio Müller et al.
diferentes profesiones: medicina, enfermería y psicología. Especificamente, la
residencia de psicología divide su actuación en tres sectores: el Ambulatorio de
Psicodermatosis, el Centro de Test y Aconsejamiento em VIH y el Ambulatorio de
Hanseniasis. Por medio del trabajo realizado por la psicología, se verifica la
importancia del trabajo integrado interdisciplinar entre los profesionales del área de
la salud, traendo más beneficio para los usuarios, que son considerados en su
totalidad.
Palabras Clave: Residencia Integrada en Salud; Salud Colectiva; Psicología;
Educación en salud colectiva; Residencia multiprofesional; Memoria institucional.
The integrated residence in health: sanitary dermatology: an
interdisciplinary experience seen through the perspective of Psychology
Abstract: The present article talks about the Program of Integrated Residence
in Health of the Escola de Saúde Pública of the State of Rio Grande do Sul. Instituted
by the Entrance nº 16/99 of the Secretaria da Saúde on October 1st, 1999, it
integrates three areas of emphasis: Basic Attention in Collective Health, Collective
Mental Health and Sanitary Dermatology. The last institution stands out, where there
are residents of three different professions: medicine, nursing and psychology.
Specifically, the psychology residence focuses its attention in three sections: the
Clinic of Psycho-dermatosis, the Center of Testing and Guidance in HIV and the Clinic
of Hansen’s disease. Through the work accomplished by the psychology area, it is
confirmed the importance of the integrated interdisciplinary work among the
professionals of the area of health, creating greater benefits for the users, who are
considered in their totality.
Key-words: Integrated residence in health; Collective health; Psychology;
Education in collective health; Multi-professional residence; Institutional memory.
Referências
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Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
A Residência Integrada em Saúde: Dermatologia Sanitária – uma experiência ...
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Atenção montador
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Especial
Atenção montador
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Nossos saberes, nossos fazeres – Atenção Integral versus Vigilância à Saúde: aftosa ...
Nossos saberes, nossos fazeres –
Atenção Integral versus Vigilância à
Saúde: aftosa e saúde mental em Jóia
Maria Luíza Raminelli de Almeida1
Resumo: Experiência vivida no município de Jóia, no Rio Grande do Sul, durante o aparecimento e combate da Febre Aftosa na região noroeste do estado. A
atenção à saúde mental para a população foi conseqüência do surgimento do sofrimento psíquico manifestado ante as perdas com as quais as pessoas estavam se
deparando, tais como perdas materiais, afetivas e de liberdade de trânsito. A ação
em saúde mental somou-se às múltiplas ações que já se realizavam em Jóia, em um
trabalho intersetorial, buscando vencer o grande desafio de combate à doença que,
além de infectar animais (ovinos, bovinos e suínos), trazia consigo muitos prejuízos.
Palavras-Chave: Aftosa; Jóia; Saúde Mental.
Setembro de 2000
É montada em Jóia, município da região noroeste do estado do Rio
Grande do Sul, uma força-tarefa, na qual uma grande equipe, constituída por
esforço intersetorial (Secretaria da Agricultura, Secretaria da Saúde, Defesa
Civil e Brigada Militar), realiza ações de combate à Febre Aftosa – doença
que infecta ovinos, bovinos e suínos – e de Atenção interdisciplinar às suas
conseqüências.
Após alguns dias do início deste trabalho emergencial, chega à Coordenação da Política de Atenção Integral à Saúde Mental - CPAIS Mental - da
Secretaria Estadual da Saúde (SES/RS) a solicitação de ações de proteção à
Saúde Mental naquele contexto, pois estavam surgindo situações de efetivo
sofrimento psiquíco nas pessoas daquela população.
Farei referência à primeira família visitada, que foi a principal
desencadeadora da demanda de cuidado psicológico naquele contexto.
Havia um “pequeno produtor”, um menino de aproximadamente dez
anos que, além da escola, ocupava-se em cuidar de seus animais, plantava e
1
Psicóloga e Assessora Técnica da Coordenação da Política de Atenção Integral à Saúde
Mental – SES/RS. e-mail: [email protected]
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Maria Luíza Raminelli de Almeida
colhia na propriedade da família. Com algum dinheiro seu e a ajuda do pai
comprou mais alguns animais. Sempre que ganhava algum dinheiro, por seu
trabalho ou de presente, investia na compra de filhotes. Além de cuidá-los,
dava a eles nomes, cuidados pessoais e, evidentemente, carinho.
Ao contar-nos de como se despedira dos seus animais levados para o
abate, o menino e seus pais não continham a emoção. Não se tratava de um
prejuízo econônico, choravam intensas perdas afetivas. De certa maneira,
eles expressavam o estado emocional em que aquela população se encontrava. Um genuíno sentimento do desamparo se instaurava frente à situação
que se instalava e avolumava.
Dessa força-tarefa não podia ficar excluido o cuidado psicossocial, pois
não se tratava de uma ação de vigilância epidemiológica, ambiental ou sanitária. Estava em questão, para o setor da saúde, o cuidado psíquico e a proteção de condições para a atenção integral à saúde. A equipe de saúde optou
por um programa de visitação domiciliar em que um profissional da psicologia
e um profissional da medicina veterinária buscariam uma escuta dos processos subjetivos mobilizados em cada grupo domiciliar. Procurou-se realizar
um trabalho de esclarecimento epidemiológico-sanitário que resultasse em
ganhos à autonomia individual e coletiva no enfrentamento de uma condição
da vida cultural, subjetiva e econômica-social.
Em geral, visitávamos as propriedades onde os animais já tinham sido
retirados e abatidos, com uma equipe composta por psicólogo e médico veterinário.
Buscava-se, por meio da visita, a oportunidade de uma escuta psicológica e a oferta de informações técnicas sobre a febre aftosa, bem como o esclarecimento acerca dos procedimentos adotados pelo Departamento de Produção Animal, da Secretaria Estadual da Agricultura - DPA, no combate à
doença. Esperava-se amenizar o sofrimento experimentado e gerar novos
estados psicoafetivos para a proteção social.
As perdas não se restringiam aos animais abatidos, pois a vida dessas
pessoas sofria grande alteração. O impedimento do livre trânsito, para evitar
a transmissão da doença, resultava no afastamento do convívio e encontro
com os familiares. Quem estava dentro da área tecnicamente delimitada de
controle não poderia visitar familiares ou amigos em outras propriedades,
evitando levar consigo o vírus da Aftosa e a propagação da doença para
outros animais.
Da mesma forma, crianças deixavam de freqüentar a escola. Aquelas
da área de controle não podiam freqüentar a escola e aquelas de fora que
freqüentavam uma escola instalada na área restrita, também não podiam
fazê-lo. Os deslocamentos, sempre que possíveis, eram providenciados e
crianças e jovens eram mandados para a casa de familiares e amigos, de
modo a diminuir os prejuízos com a ausência às aulas, seja nas escolas ou
universidade, ausência em cursos ou no trabalho, ou mesmo, para evitar a
convivência com a dor imediata em cada domicílio.
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Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
Nossos saberes, nossos fazeres – Atenção Integral versus Vigilância à Saúde: aftosa ...
O mais danoso de tudo foi o surgimento do preconceito e da rejeição
manifestados sobre a população, não só por parte dos municípios vizinhos,
mas também pela produção de uma generalizada imagem refletida para o
mundo. Para os cidadãos de Jóia, não estava nada fácil reconquistar a
credibilidade sobre a sanidade animal e a confiança do mercado para os seus
produtos, mesmo fora da área contaminada na cidade. Jóia ficava estigmatizada, a população singularizada em cada indivíduo, adulto, jovem criança ou
idoso, vivia a experiência do estigma pela “segurança sanitária”.
Quanto à nossa abordagem nas visitas domiciliares, constatamos famílias muito receptivas. Apenas um produtor se negou a receber-nos, fato que,
naquela situação, nos foi perfeitamente possível compreender. A reação à
experiência que estavam vivenciando, sem dúvida, se refletia no rechaço aos
representantes da imposição da “segurança sanitária”. Os pais deste produtor, que também eram seus vizinhos, chamaram-nos para conversar, propondo-se de modo reverso a resistir pela expressão do desconforto e assimilação do sofrimento por sua exposição compartilhada.
Essas reações retratam a singularidade com que cada pessoa ou cada
família reagiu frente às perdas, fossem elas materiais ou afetivas, apenas
confirmando o quanto somos singulares em nossas vivências. Sabemos que
a forma de conduzir o luto é diferente para cada pessoa, cada subjetividade
tem sua produção em territórios afetivos distintos.
Frente às perdas, podemos manifestar diferentes reações para nos protegermos, e estas reações podem ser a negação dos fatos, a depressão e os
sentimentos de revolta, de raiva e até de euforia. Uma mesma pessoa pode
passar por todos esses sentimentos, mas, perante uma mesma situação,
diferentes atitudes são desencadeadas, implicadas que estão em motivos
internos e vivências singulares.
Com o passar do tempo, os processos psíquicos vão engendrando novas subjetividades, novas autonomias, novas cidadanias.
A nossa abordagem, por meio das “visitas domiciliares”, prestou-se a
acolher as manifestações subjetivas que cada pessoa daquelas famílias atingidas podia expressar naquele momento.
Apareciam dúvidas e inseguranças de alguns com relação ao futuro,
uma vez que sentiam sua sobrevivência ameaçada com a impossibilidade de
comercializar o leite e derivados, o que acarretava dificuldades financeiras
para manter despesas diárias. Para outros, a situação representava
desestímulo à idéia de recomeçar, inclusive pelo que representavam os animais em suas vidas. Alguns, por considerarem-se velhos, apontavam a impossibilidade de atingir novamente a pureza de uma raça de gado, conforme
já haviam alcançado após vários anos de trabalho. Alguns falavam em mudar
de atividade, revelando a desilusão por que passavam. Mulheres referiam
que as crianças não suportavam mais escutar os “tiros” das armas que abatiam o gado. Nós entendíamos que cada queixa era o jeito que encontravam
para dizer que não agüentavam mais ouvir os disparos, ou seja, cada motivo
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
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Maria Luíza Raminelli de Almeida
pessoal utilizado como motivo coletivo.
O estado emocional da população era traduzido por esses questionamentos e pelo vazio que surgia em suas vidas, tanto pela ausência dos animais no campo, quanto pela “falta do que fazer com as horas” que a restrição
sanitária impunha.
Havia solidariedade entre as famílias, que visitavam-se e consolavamse, em geral, na roda do chimarrão. Havia, também, forte atitude de humanidade, pois mesmo depois dos animais estarem avaliados e destinados ao
abate, não cessavam os cuidados. Eram ordenhados para não apresentarem
febre. O leite era enterrado, ou servia de alimento para outros animais como o
gato e o cachorro.
Nessas atitudes, percebia-se o afeto com os animais, a vã esperança de
uma reversão da situação, um adiamento das horas vazias que estavam por
vir e que já era realidade em parte da cidade. Começamos por visitar as
famílias cujos animais foram abatidos, mas logo fomos redirecionados para
as situações mais peculiares indicadas por colegas de outras tarefas, os quais
nos apontavam situações de maior vulnerabilidade e fragilidade afetiva.
Fazíamos, em média, três visitas por turno, sem rigidez de tempo (não
olhávamos para o relógio), sendo cada visita tão singular quanto as pessoas
com quem estávamos. Percebíamos que o estado de ânimo de muitas delas
melhorava significativamente, podendo se atribuir esta melhora às informações que recebiam e à possibilidade de traduzirem em palavras, ou de dar
significação ao que estava acontecendo, fosse pela expressão das lágrimas,
das queixas de insônia, de falta de apetite ou de falta de interesse para fazer
planos para o futuro. Enfim, poder falar do sofrimento era um jeito de aliviar a
dor. Os sorrisos se esboçavam no momento em que nos acompanhavam ou
quando nos despedíamos. A minoração do desamparo restaurava o conforto
afetivo.
Novembro de 2001
Como continuidade da atenção integral à saúde à população de Jóia,
conjuntamente, a Prefeitura do Município e as secretarias da agricultura e da
saúde encaminham ao Ministério da Saúde um projeto de “Atendimento Integral às Famílias que Perderam os Animais em Conseqüência da Febre Aftosa
e às Famílias que Residem nas Proximidades dos Focos”. A busca de recursos que viabilizem uma atenção à saúde diferenciada se evidenciou pelo
contato afetivo do Sistema de Saúde com a população. A experiência de vida,
a história psicossocial ou as vivências singulares diante da realidade sanitária
são objeto de um Sistema de Saúde que se pauta pela Atenção Integral à
Saúde e não apenas pela Vigilância à Saúde, individual ou coletiva. Cabe ao
SUS acolher histórias de vida e não eventos sanitários, circunstancialmente
envolvendo as vidas humanas.
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Nossos saberes, nossos fazeres – Atenção Integral versus Vigilância à Saúde: aftosa ...
Nuestros saberes, nuestros haceres - Atención Integral versus Vigilancia
a la Salud: aftosa y salud mental en Jóia
Resumen: Experiencia vivida en el municipio de Jóia, en el Rio Grande do Sul,
durante el aparecimiento y combate de la Fiebre Aftosa en la región noroeste del
estado. La atención a la salud mental para la población fue consecuencia del sufrimiento psíquico manifestado ante las pérdidas con las cuales estaban deparándose,
tales como pérdidas materiales, afectivas y de libertad de tránsito. La acción en
salud mental se somó a las múltiplas acciones que ya se realizaban en Jóia, en un
trabajo intersectorial, buscando vencer el gran desafío de combate a la enfermedad
que, además de infectar animales (ovinos, bovinos y porcinos), traía consigo muchos
perjuicios.
Palabras Clave: Aftosa; Jóia; Salud mental.
Ours knowledge, ours actions - Integral Attention versus Surveillance to
Health: Foot-and-mouth disease and mental health in Jóia
Abstract: Experience lived in the municipal district of Jóia, state of Rio Grande
do Sul, during the emergence and combat of the Foot-and-mouth disease in the
northwest area of the state. The attention to the mental health of the population was
a consequence of the appearance of the psychic suffering manifested before the
losses with which they were coming across, such as material, affectionate and free
traffic losses. The action in mental health added to the multiple actions that had
already been taking place in Jóia, in an inter-sectors work, seeking to win the great
challenge of combating the disease that, besides infecting animals (ovine, bovine
and swine), brought with it many damages.
Key-words: Foot-and-mouth disease; Jóia; Mental health.
Referências
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brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1980. 420 p. v. 14.
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937 p. Tradução de: Écrits.
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p. v. 3.
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Atenção montador
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Resumo
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Processo de territorialização: vivências de uma equipe
Processo de territorialização: vivências
de uma equipe
5º Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade / 3º Encontro
Paranaense de Saúde da Família, de 15 a 17 novembro 2001, Curitiba, PR.
A. A. Poitevin1; A. A.Torres1; S. C. Scariote1; L. V. Miranda1;
C. Oliveira1; C. P. Piva1; R. F. D. Oliveira1; L.Teixeira1; P. Barros1;
V. Mello1; A. Volkmer1; C. Rocha1; K. L. Pegas1; J. O. Lacerda1;
L. K. Amakawa1; M. Colisse1; M. Tavares1; E. Farias1
Resumo: O processo de territorialização permite conhecer melhor a área de
atuação de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e, assim, facilitar a implementação
das diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) no âmbito da chamada atenção
primária. Esse conhecimento proporciona a identificação da população e o planejamento local de ações de saúde com novas formas de interação do serviço com a
população. Essa estratégia faz parte das aprendizagens no Programa de Residência
Integrada em Saúde: Atenção Básica em Saúde Coletiva da Escola de Saúde Pública/RS, desenvolvido no Centro de Saúde-Escola Murialdo. O objetivo deste relato é
compartilhar a experiência da equipe da Unidade Básica de Saúde “Saldanha da
Gama” (UBS 3), localizada na Av. Saldanha da Gama, com o processo de
territorialização na Vigilância da Saúde. Foram realizados encontros com os profissionais pertencentes à UBS 3 sobre a estratégia, utilizado-se dados cartográficos e
de amostragem domiciliar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE/
1996. O processo de territorialização iniciou em janeiro de 2000 e encontra-se em
andamento. A definição do território de responsabilidade da UBS, mais que a simples descrição de uma população, permitiu uma melhor inserção dos residentes de
primeiro e segundo ano nas propostas do programa de Residência Integrada em
Saúde e o aprimoramento do trabalho em equipe, ampliando o conhecimento da
área e de sua população e proporcionando uma melhor integração equipe-população.
Palavras-Chave: Atenção primária de saúde; Residência Integrada em Saúde.
1
Residência Integrada em Saúde. Centro de Saúde Escola Murialdo – Unidade Básica de
Saúde 3. e-mail: [email protected]
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Atenção montador
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Desafio da promoção de saúde com adolescentes: uma abordagem interdisciplinar
Desafio da promoção de saúde com
adolescentes: uma abordagem
interdisciplinar
5º Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade / 3o Encontro
Paranaense de Saúde da Família, de 15 a 17 de novembro 2001, Curitiba, PR.
Unidade Básica de Saúde VII – Centro de Saúde Escola Murialdo – CSEM /
Escola de Saúde Pública – ESP/RS
Beatriz Mallmann1; Cláudia Sá Freire1; Débora Drehmer1;
Eduardo Albuquerque D’Elia1; Fabiana Aguiar Guimarães1
Resumo: O trabalho relatado foi desenvolvido com adolescentes de uma escola estadual localizada no município de Porto Alegre/RS, tem caráter interdisciplinar
e tem como intuito promover a saúde, construindo o conhecimento por meio de troca
de experiências entre os participantes do grupo. Os encontros foram planejados a
partir das demandas dos adolescentes, suas vivências, histórias de vida, inquietações, desejos e interesses em comum. Foram abordados assuntos como corpo humano, anticoncepção, DST e Aids, drogas e violência. O grupo é fechado e cada
turma (2ª e 4ª séries) se reuniu quinzenalmente, com duração de 1h30min cada
reunião. O grupo de alunos apresentava idade entre 9 e 16 anos. As atividades
foram desenvolvidas sob a forma de oficina, utilizando-se para isso diversas técnicas, principalmente as dinâmicas de grupo e os vídeos educativos. Percebemos que
este trabalho tem sido valorizado pelos alunos, pois eles demonstram interesse e
participação em todas as atividades propostas. Em vários relatos foi evidenciada a
desmitificação de preconceitos e mitos experimentados pelos colegas, muitas vezes
por absoluta desinformação. Esses adolescentes, estimulados a questionar e pensar, tornam-se multiplicadores de uma nova concepção de saúde, voltada para os
processos de vida individual e coletiva. Vemos nesta proposta um desafio de pensarmos e aprendermos novas formas de educar, onde, além de educadores em saúde, também somos educandos. Neste sentido, a interdisciplinaridade é norteadora
desse trabalho, que necessita melhor qualidade de escuta aos processos de vida
individual e coletiva e necessita promover a saúde entre os adolescentes e não apenas repassar regras e conceitos.
Palavras-Chave: Saúde do adolescente; Saúde e educação; Promoção da
saúde.
1
Residência Integrada em Saúde. Centro de Saúde – Escola Murialdo – Unidade Básica 7. email: [email protected]
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
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Atenção montador
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A Interdisciplinaridade: um novo fazer na saúde da família e da comunidade
A Interdisciplinaridade: um novo fazer
na saúde da família e da comunidade
5º Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade / 3º Encontro
Paranaense de Saúde da Família, de 15 a 17 de novembro 2001, Curitiba, PR.
Beatriz Mallmann1; Oswaldina Lopes1; Ruth Mincaroni1; Carla Patrícia
Paiva2; Fabiana Aguiar Guimarães2; Gláucia Regina Siqueira Franco2
Resumo: Este trabalho tem como objetivo o diálogo sobre o nosso entendimento a respeito da interdisciplinaridade nas equipes de saúde da atenção básica. A
experiência relatada acontece na Residência Integrada em Saúde: Atenção Básica
em Saúde Coletiva, da Escola de Saúde Pública/RS, sediada no Centro de SaúdeEscola Murialdo – CSEM, localizado em Porto Alegre/RS e composta pelas áreas de
Serviço Social, Enfermagem, Medicina, Nutrição, Odontologia e Psicologia. A organização da residência integrada proporciona aos profissionais intervirem em equipe
de saúde. O Serviço Social tem o compromisso ético-político de facilitar à equipe
esta integração (noção de ação grupal) e o entendimento da realidade como organização dinâmica. Neste sentido, os “pacientes” não são seres isolados do contexto
em que vivem. Há inscrições de pertencimento como a família, a localidade de moradia e a sociedade (cultura, classe, hábitos). Eles não são fragmentados como na
clínica tradicional. A base deste novo agir está na clínica ampliada da saúde coletiva, que busca compreender as relações saúde, doença, cuidado e cura. O processo
de trabalho envolve, entre outras ações de promoção de saúde, intervenções de
saúde nas escolas, creches, usinas de reciclagem de lixo seco e outras instituições.
A interdisciplinaridade é uma categoria central para avançarmos nesta práxis que
supera a visão de paciente para o de ser integral. Neste cenário, o Assistente Social
tem o papel de mediador, favorecendo o exercício da cidadania no âmbito da atenção primária à saúde, pois consideramos que as equipes que compõem uma Unidade Básica de Saúde (UBS) são também responsáveis pela construção de uma consciência coletiva de participação popular, tanto em âmbito de micro quanto das
macrorrelações sociais. Sendo assim, todas as ações que envolvem profissionais de
saúde, serviços públicos e populações exigem acolher e desenvolver compromissos
com a intersetorialidade no âmbito da saúde pública e práticas interdisciplinares.
Palavras-Chave: Saúde coletiva; Assistente social; Residência Integrada em
Saúde.
1
Assistente Social – Supervisora do CSEM. e-mail: [email protected]
Residente de Serviço Social do Programa de Saúde Coletiva do CSEM. e-mail:
[email protected]
2
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153
Atenção montador
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A observação da Unidade Básica de Saúde 5 do Centro de Saúde – Escola Murialdo
A observação da Unidade Básica de
Saúde 5 do Centro de Saúde – Escola
Murialdo
5º Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade / 3º Encontro
Paranaense de Saúde da Família, de 15 a 17 de novembro 2001, Curitiba, PR.
Cláudia da Silva Chitollina1; Daniela Michelin Letti1; Débora
Tomatis Pacheco1; Sandra Oscham Medvedovsky1
Resumo: O curso de Medicina da Universidade Luterana do Brasil visa formar
profissionais com conhecimentos de acordo com as necessidade e preocupações
da população, englobando a família e a comunidade. Diante disso, na disciplina de
saúde pública e coletiva, foi realizado um estudo de observação e análise de uma
Unidade Básica de Saúde (UBS) do Centro de Saúde-Escola Murialdo (CSEM). Com
o objetivo de conhecer o serviço e sua inserção no Sistema Único de Saúde (SUS),
identificando os motivos mais comuns de busca da população ao serviço, assim
como as características desses usuários, empreendeu-se uma observação com duração de três semanas, no mês de maio de 2001. Desenvolvemos um trabalho de
observação na Unidade Básica de Saúde “Ceres” (UBS-5), do Centro de SaúdeEscola Murialdo (CSEM), localizada na Av. Ceres. O processo de trabalho em Unidade Básica foi observado pelo grupo, desde o sistema de registro dos usuários até o
processo decisório da equipe de saúde, abrangendo todos os aspectos que devem
reger o funcionamento de um serviço do SUS. Identificamos um total de 438 usuários atendidos consecutivamente, caracterizando-os quanto à idade, ao sexo e ao
motivo de atendimento. Durante o período, 71% dos usuários eram do sexo feminino
e a faixa etária mais freqüente era de pessoas acima de 60 anos (31%). Houve muita
dispersão pelas quais se buscou o serviço. Em primeiro lugar ficou a administração
de medicamentos com uma freqüência maior de 10% dos motivos de atendimento
(14,2%).
Palavras-Chave: Saúde coletiva; Serviços de saúde.
1
Aluna do curso de Medicina da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) – Canoas/RS.
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Acadêmicos de medicina e a atenção primária à saúde
Acadêmicos de medicina e a atenção
primária à saúde
5º Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade / 3º Encontro
Paranaense de Saúde da Família, de 15 a 17 de novembro 2001, Curitiba, PR.
Cristina Lunardi Munaretti1; Patrícia
Caspary2; Rita Cristina C. Sotelo2
Resumo: A prática desenvolvida pelos acadêmicos de medicina pode proporcionar uma maior compreensão da população que se beneficia da atenção primária
à saúde, bem como da organização dos serviços de saúde, devido à sua presença
na comunicação com os usuários das ações e serviços públicos de saúde e não
apenas o exercício da assistência. Este trabalho pretende divulgar a experiência de
estudantes de medicina em serviços de atenção primária à saúde e descrever as
características do atendimento em uma Unidade Básica de Saúde (UBS). O trabalho foi desenvolvido no período de março a outubro de 2001, na disciplina de Saúde
Pública e Coletiva, por alunos do curso de medicina da Universidade Luterana do
Brasil. O trabalho foi realizado por meio da observação e avaliação da Unidade Básica de Saúde 6 “Aparício Borges” (UBS 6) do Centro de Saúde-Escola Murialdo,
localizada no bairro Aparício Borges, região leste da cidade de Porto Alegre. O estudo foi realizado com informações obtidas em planilhas de atendimentos consecutivos e prontuários de uma semana, no mês de maio de 2001. Foram avaliados os
seguintes dados: sexo, idade, motivo de atendimento, diagnóstico, setor residencial
interno ao bairro e potencial de resolutividade. Prevaleceram consultas do sexo feminino (66%); a faixa etária dos 0 aos 5 anos foi a que mais procurou a UBS e o
motivo mais freqüente de atendimento foi afecção de vias aéreas superiores. Os
principais motivos de procura, por faixa etária, foram: revisão, para a população de
até um ano de idade, seguido por sintomas de vias aéreas superiores; de 01 a 05
anos, sintomas de vias aéreas superiores; de 6 a 10 anos, febre; de 11 a 20 anos,
sintomas de vias aéreas superiores, seguido por consulta pré-natal; de 21 a 40 anos,
consultas de pré-natal; de 41 a 60 anos, dor e, para a população de maiores de 60
anos, mostrar exames. A resolutividade da equipe, medida pela solução do motivo
de busca ao serviço sem necessidade de encaminhamento, corresponde a 90% dos
atendimentos.
Palavras-Chave: Atenção primária; Serviços de saúde.
1
Aluna do curso de medicina da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) – Canoas/RS.
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Mortalidade em crianças de cinco a nove anos, Porto Alegre, 1988 a 2000
Mortalidade em crianças de cinco a nove
anos, Porto Alegre, 1988 a 2000
5º Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade / 3º Encontro
Paranaense de Saúde da Família, de 15 a 17 de novembro 2001, Curitiba, PR.
Fernanda Rocha1; Carolina Neis1;
Eliana Restellato1; Elson Romeu Farias2
Resumo: Tem sido relatada a importância da diversificação dos cenários para
a aprendizagem médica e a necessidade de formar um profissional voltado para as
necessidades da população. O objetivo deste trabalho é discutir um componente
dessas necessidades, sintetizado pela mortalidade infantil, isto é, a prioridade ao
pré-natal e à puericultura. Buscamos então conhecer as causas de morte de crianças de cinco a nove anos de idade, residentes em Porto Alegre/RS, no período de
1988 a 2000, e identificar os programas para essa faixa etária desenvolvidos pelas
Secretarias de Saúde Municipal e Estadual e pelo Ministério da Saúde. Em agosto
de 2001, foram coletados os dados no Sistema de Informações sobre Mortalidade/
DATASUS, por residência em Porto Alegre, segundo causa, na faixa etária de 05 a
09 anos, no período de 1988 a 2000. Escolheu-se as cinco principais causas de
morte para o estudo. O principal grupo de causas foi Causas Externas; as Neoplasias
ficaram em segundo lugar; as Doenças do Aparelho Respiratório em terceiro; as
Doenças do Sistema Nervoso em quarto e as Anomalias Congênitas em quinto. Entre os programas municipais e estaduais, encontramos para as Doenças do Aparelho Respiratório o Respire Aliviado, da Secretaria Municipal de Saúde, que equipa e
amplia o atendimento de centros e unidades de referência nos períodos do ano em
que cresce a incidência de afecções de vias aéreas e o Programa de Atendimento à
Criança com Asma; para as causas externas encontramos a Campanha de Prevenção de Trauma à Infância, Um Olhar Sobre a Violência e a Intoxicação Infatil. Foi
interessante aos estudantes de medicina entrar em contato com esse tipo de informação e tecnologia, mostrando que as estratégias que os gestores da saúde, tanto
municipais como estaduais, vêm desenvolvendo decorrem da interpretação
epidemiológica e do alcance das ações estratégicas. Dois programas correspondem
a problemas passíveis de abordagem coletiva: atendimento às Doenças do Aparelho Respiratório e prevenção e proteção quanto às Causas Externas.
Palavras-chave: Mortalidade infantil; Rio Grande do Sul; Doenças Respiratórias.
1
Acadêmica de Medicina da Ulbra.
Professor de Saúde Pública e Coletiva do Curso de Medicina da Ulbra. e-mail:
[email protected]
2
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Portaria Nº 183/2001
Portaria Nº 183/2001
A SECRETÁRIA DE ESTADO DA SAÚDE, no uso das atribuições que lhes
conferem a constituição Estadual e a Lei Federal nº 8080, de 19 de setembro de
1990 e
CONSIDERANDO QUE:
Há necessidade de contribuir para a adoção e aprofundamento de condutas e
padrões éticos, por parte de todos os que pesquisam ou conduzem processos de
produção de conhecimento ou desenvolvimento técnico-científico no âmbito da saúde;
A Resolução nº 196/96, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de
Saúde, aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas, envolvendo seres humanos e determina a constituição de um ou mais Comitês de Ética em Pesquisa – CEP, conforme as necessidades de cada instituição;
A observância às determinações nacionais no campo da ciência e da técnica
na saúde requer a revisão ética e metodológica do desenvolvimento e incorporação
científica e tecnológica compatível com o desenvolvimento sócio-cultural local, regional e nacional;
A Escola de Saúde Pública é órgão de ensino e pesquisa e desenvolvimento
técnico-científico, envolvendo seres humanos, ações e serviços de saúde,
RESOLVE:
Artigo 1º – Constituir Comitê de Ética na Pesquisa em Saúde na Escola de
Saúde Pública, órgão consultivo, deliberativo, educativo e normativo correspondente ao Comitê de Ética em Pesquisa – CEP, previsto na Resolução nº 196/96, do
Conselho Nacional de Saúde, composto pelos seguintes membros:
Nara Regina Moura de Castilhos – Escola de Saúde Pública, como Presidente
Cizino Risso Rocha – Escola de Saúde Pública, como Vice-Presidente
Álvaro Roberto Crespo Merlo – Centro de Documentação e Pesquisa em Saúde e Trabalho da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – CEDOP/UFRGS
Ceres Gomes Victora – Núcleo de Pesquisa em Antropologia do Corpo e da
Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – NUPACS/UFRGS
Flávio Lewgoy – Conselho Estadual de Saúde – como representante dos usuários
Isabel Bet Viegas – Divisão de Vigilância Sanitária
Karin Fiori Hagemann – Centro de Saúde Escola Murialdo, pertencente à Escola de Saúde Pública
Renan Rangel Bonamigo – Ambulatório de Dermatologia Sanitária
Sérgio Luiz Bassanesi – Hospital Sanatório Partenon e Universidade Federal
do Rio Grande do Sul/Medicina Social – DMS/FAMED/UFRGS
Artigo 2º – Designar, como Secretário Oeracional do CEP/ESP/RS, atendendo
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
163
Portaria Nº 183/2001
às determinações operacionais de sua presidência, o servidor Gilmar Norberto
Basso – Escola de Saúde Pública.
Artigo 3º – Esta Portaria entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.
Porto Alegre, em 15 de fevereiro de 2001.
MARIA LUIZA JAEGER
Secretária de Estado da Saúde
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v
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
Resolução Nº 23/2001 – CES/RS
Resolução Nº 23/2001 – CES/RS
O Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul – CES/RS, em sua Reunião Plenária Ordinária realizada no dia 20 de dezembro do ano de 2001, no uso das
atribuições que lhe confere a Lei Federal 8142/90 e a Lei Estadual 10.097/94, e
Considerando o disposto nos Incisos III e V do Artigo 200 da Constituição
Federal;
Considerando o disposto nos Incisos V e VI do Artigo 243 da Constituição
Estadual;
Considerando o disposto no Inciso III, do Artigo 6º, nos Incisos IX e XIX do
Artigo 14, no Artigo 15, no Inciso I e Parágrafo Único do Artigo 27 e no parágrafo 5º
do Artigo 32 da Lei Federal 8.080, de 19 de setembro de 1990;
Considerando o disposto no Inciso XIII do Artigo 24 da Lei Federal 8.666/93,
com redação dada pela Lei Federal 8.833/94, no Inciso II do Artigo 25 e nos Incisos
II, III e IV do Parágrafo Único do Artigo 26, com redação dada pela Lei Federal 9.648/
98, e no Artigo 13 da Lei Federal 8.666/93, com redação dada ao inciso III pela Lei
Federal 8.883/94;
Considerando a Resolução 287/98, do Conselho Nacional de Saúde, que definiu a relação de profissões de saúde para fins de elaboração das diretrizes políticas da gestão em saúde;
Considerando o disposto na Lei Estadual 11.607, de 23 de abril de 2001, principalmente, em seus Incisos I e III do Artigo 2º:
Considerando que a consolidação e a implementação do Sistema Único de
Saúde (SUS) requer a formalização e a execução de uma política de formação e
desenvolvimento dos recursos humanos da saúde como responsabilidade compartilhada entre os órgãos gestores e os órgãos formadores;
Considerando que o ordenamento da formação de recursos humanos na área
da saúde, previsto no Inciso III, do Artigo 200, da Constituição Federal, é competência do SUS e se faz com políticas de regulação, de apoio e de fomento;
Considerando que o fomento à pesquisa, ao ensino, ao aprimoramento científico-tecnológico e ao desenvolvimento de recursos humanos da área da saúde,
como previsto na Constituição Estadual, Artigo 243, Inciso V, traduz-se, objetivamente, no financiamento da execução e na cooperação técnica, financeira e
operacional;
Considerando que a atribuição dos Estados, ao participarem na formulação e
na execução da política de formação e desenvolvimento de recursos humanos para
a saúde e na realização de pesquisas e estudos na área da saúde, previstas na Lei
Federal 8.080/90, Artigo 15, deve ser acompanhada de cooperação técnica, financeira e operacional com as instituições de ensino, pesquisa, produção científicotecnológica e de educação popular;
Considerando que a destinação de recursos financeiros transferidos às instituições de ensino, pesquisa, produção científico-tecnológica e de educação popular
deverá assegurar a organização de um sistema de formação de pessoal para o SUS
em todos os níveis de ensino, inclusive de pós-graduação, além da elaboração de
programas de permanente aperfeiçoamento profissional e constituição de campos
de prática para o ensino e pesquisa nos serviços que integram o SUS, em conjunto
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
165
Resolução Nº 23/2001 – CES/RS
com o sistema educacional, como previsto na Lei Federal 8.080/90, Artigo 27,
Considerando o que dispõe a Emenda Constitucional Federal nº 29 e a Emenda Constitucional Estadual nº 25, que tratam do percentual a ser gasto em ações e
serviços públicos de saúde;
RESOLVE:
Artigo 1º – Aprovar a Política de Formação e Desenvolvimento de Recursos
Humanos em Saúde para o SUS – Formação Solidária, da Secretaria da Saúde do
Estado do Rio Grande do Sul.
Artigo 2º – Autorizar a SES/RS a firmar convênios com as Instituições de Ensino Superior com cursos na área da saúde e participantes do Pólo Estadual de Educação em Saúde Coletiva e com as Associações Profissionais da Área da Saúde
para o desenvolvimento de atividades conjuntas de formação e desenvolvimento de
pessoal para o SUS.
Parágrafo único – Para a implementação das disposições do caput deste Artigo, fica a SES/RS autorizada a utilizar recursos financeiros do orçamento de 2001
no valor de R$ 3.900.000,00 (três milhões e novecentos mil reais).
Artigo 3º – Autorizar a SES/RS a firmar convênios com entidades sindicais e
populares para a realização de atividades conjuntas de capacitação de pessoal para
o SUS, incluindo Conselheiros de Saúde, conselheiros do Orçamento Participativo
Estadual e lideranças populares, com o objetivo de fortalecer o Controle Social para
o acompanhamento das políticas de saúde.
Parágrafo único – Para a implementação das disposições do caput deste Artigo, fica a SES/RS autorizada a utilizar recursos financeiros do orçamento de 2001
no valor de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais).
Artigo 4º – A realização das atividades de capacitação de conselheiros previstas nesta Resolução serão acompanhadas diretamente pela Comissão de Formação de Conselheiros do CES/RS.
Artigo 5º – A SES/RS deverá apresentar ao CES/RS, por meio do Relatório de
Gestão do SUS no RS, dados consolidados e análises dos impactos produzidos na
implementação desta Resolução.
Artigo 6º – Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Porto Alegre, 20 de dezembro de 2001.
ADALGIZA BALSEMÃO ARAÚJO
Presidente do Conselho Estadual de Saúde/RS
166
v
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
Resolução Nº 23/2001 – CES/RS
HOMOLOGAÇÃO
A Secretária da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, na qualidade de
Gestor Estadual do Sistema Único de Saúde e de acordo com os preceitos do Parágrafo Único, do Artigo 5º, da Lei Estadual nº 10.097, de 31 de janeiro de 1994, homologa a Resolução CES/RS nº23/2001, de 20 de dezembro de 2001, do Conselho
Estadual de Saúde.
Porto Alegre, 20 de dezembro de 2001.
MARIA LUIZA JAEGER
Secretária de Estado de Saúde
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
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Normas Editoriais
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Política e Normas Editoriais
BOLETIM DA SAÚDE
POLÍTICA E NORMAS EDITORIAIS
POLÍTICA EDITORIAL
1 Identificação
Com início em 1969, o Boletim da Saúde é um periódico de divulgação, inicialmente publicado pela Secretaria de Estado dos Negócios da Saúde do Rio Grande
do Sul. De 1974 até 1980, sua publicação realizou-se em convênio com a Fundação
SESP- Serviço Especial de Saúde Pública. Desde 1981, a Escola de Saúde Pública
da Secretaria da Saúde e do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul – SSMA, passou
a ser responsável pela revista. Em 1986 foi interrompida a publicação do Boletim da
Saúde. Após longo intervalo, o periódico está sendo republicado com nova apresentação e nova política editorial, enfatizando a informação técnico-científica, e com a
expectativa de continuidade editorial efetiva ao longo do tempo.
O Boletim da Saúde está registrado no Instituto Brasileiro de Informação em
Ciência e Tecnologia – IBICT, sob o International Standard Serial Number – ISSN
0102-1001.
2 Objetivos
O Boletim da Saúde visa a difusão do conhecimento em saúde coletiva desde
a produção, disseminação e uso deste conhecimento a partir da pesquisa, do estudo, da práxis, além do desenvolvimento e debate na área. O periódico pretende ter
também um caráter regionalizado, recebendo contribuições das universidades públicas e comunitárias integradas ao objetivo comum de reflexão teórico/prática em saúde coletiva.
3 Distribuição
A responsabilidade pela distribuição do Boletim da Saúde será do Centro de
Informação e Documentação em Saúde – Ceids, com a contribuição da Assessoria
de Comunicação Social da SES/RS e colaboradores interessados.
4 Abrangência dos trabalhos
Os diversos setores da SES-RS e Políticas da Secretaria estão estimulados e
convidados a apresentar originais.
A proposta é que se tenha, por meio dos trabalhos apresentados, uma interface
da recomposição da memória institucional e a necessidade constante de atualização, educação continuada, pesquisa, estudo e debate em saúde coletiva.
Todas as matérias serão submetidas ao julgamento de pareceristas – Comissão Editorial e do Conselho Editorial.
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
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Política e Normas Editoriais
5 Periodicidade
Revista semestral.
6 Tiragem
Inicial de 2000 exemplares.
NORMAS EDITORIAIS
1 Informações aos colaboradores
As matérias a serem elaboradas devem ter como eixo temático os princípios
orientadores da atual gestão da saúde pública no Estado, estruturados em:
1. artigos de periódico – originais, inéditos ou de revisão;
2. ensaios e reflexões;
3. relatos de experiências;
4. exposição de enfoque gerencial e das políticas;
5. estudo de caso;
6. notícias de projetos de pesquisa ou de ação, sob forma de notas ou resumo;
7. resenhas (resumos de textos lidos e importantes para divulgação);
8. trabalhos apresentados em eventos;
9. textos formulados para estudo nas equipes ou para ensino;
10. trabalhos de alunos ou textos de professores e convidados;
11. memória;
12. atos normativos.
Também apresenta seções de:
1. cartas ao editor: comentários dos leitores sobre trabalhos publicados,
expressando concordância ou discordância, explicando as razões;
2. editorial.
2 Definição das estruturas
• Artigo de Periódicos – Texto com autoria declarada, que apresente e discuta
idéias, métodos, técnicas, processos e resultados nas diversas áreas do conhecimento. O artigo pode ser:
a) original, quando apresenta temas ou abordagens próprias;
b) de revisão, quando resume, analisa e discute informações já publicadas.
• Ensaios e Reflexões – Textos analíticos resultantes de estudos, pesquisas e
revisões .
• Relatos de Experiências – Apresentação de experiência profissional, baseada no estudos de casos de interesse, acompanhados de comentários sucintos,
172
v
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001
Política e Normas Editoriais
úteis para a atuação de outros profissionais na área.
• Exposição de enfoque gerencial e das políticas
• Estudo de caso – Um estudo de caso refere-se a uma análise intensiva de
uma situação particular. É uma inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real.
• Notícias de projetos de pesquisa ou de ação – Em formato de resumo.
• Resenhas – De maneira genérica, a recensão ou resenha designa um tipo
de trabalho de síntese, análise resumida ou arrolamento de produções científicas,
ou ainda, exposição sintética de assuntos tratados em uma obra. A recensão crítica
analisa em profundidade o assunto, conferindo apreciação do valor informativo da
obra. Geralmente é elaborada por especialistas da área em questão.
• Resumos – Apresentação concisa dos pontos relevantes de um texto. Resumo Informativo – Informa suficientemente ao leitor, para que este possa decidir sobre a conveniência da leitura do texto inteiro. Expõe finalidades, metodologia, resultados e conclusões.
• Memória e História – Resgate histórico da memória da Secretaria de Estado
da Saúde através de colunas fixas que relatam o antes (a história), e como estão
hoje as principais instituições.
• Atos Normativos – Textos legais de importância para o desempenho de
ações didático-pedagógicas da Escola de Saúde Pública, ou outras julgadas importantes.
3 Orientações gerais para apresentação dos originais
Todos os trabalhos devem ser enviados em duas cópias impressas em papel e
em disquete no editor de textos Word for Windows, em espaço duplo, com margem
esquerda de 3 cm e margem direita de 2 cm, margem superior 2,5 cm e inferior 1,5
cm, fonte Times New Roman 12, com no máximo 20 páginas.
A primeira página (folha de rosto) deverá conter apenas o título do trabalho,
versão em inglês do título, nome(s) completo(s) do(s) autor(es), indicando o responsável pela correspondência, nome e endereço(s) da instituição a que está vinculado, além de breve currículo do(s) autor(es).
Recomenda-se que os trabalhos sigam a seguinte estrutura:
• título (em letras minúsculas, somente a primeira letra em maiúscula);
• autoria;
• resumo (em português);
• palavras-chave (em português);
• texto (introdução, métodos, resultados, discussão e conclusões), podendo
haver subtítulos. Os elementos de apoio ( notas, tabelas, quadros, fórmulas e ilustrações) deverão estar inseridos dentro do texto;
• referências;
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
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Política e Normas Editoriais
• anexos;
• tradução do resumo em inglês.
Os originais serão publicados em língua portuguesa. Os trabalhos devem seguir, rigorosamente, as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas –
ABNT.
– Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – Normas de
apresentação tabular.
OBS: Todas as normas citadas estão à disposição no Ceids.
3.1 Título
Termo ou expressão que indica o conteúdo do artigo.
3.2 Autoria
Nome completo de cada um dos autores, titulação mais importante de cada
autor, instituição ao qual está vinculado, endereço eletrônico e telefone para contato.
3.3 Resumo
Resumo informativo, conforme NBR 6028, em português, destacando objetivos pretendidos, metodologia empregada, resultados mais importantes e principais
conclusões. A extensão deve ser de até 250 palavras.
3.4 Palavras-chave ou descritores
Indicar de três a seis palavras-chave, que são termos ou expressões
indicativas do conteúdo do trabalho. Pode-se empregar termos integrantes da lista
publicada pelo Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da
Saúde – Bireme, disponível no endereço eletrônico: http://decs.bvs.br/.
3.5 Texto
Os artigos de investigação científica poderão ser organizados segundo a estrutura formal: Introdução, material e método, resultados, discussão e conclusões.
Contudo, metodologias de caráter qualitativo, pesquisa-ação, etc. podem apresentar-se em formas compatíveis com estes métodos.
3.5.1 Elementos de apoio
Notas, citações, gráficos, tabelas, figuras, fotografias, ilustrações, quadros, etc,
devem limitar-se ao mínimo indispensável e aparecer o mais próximo possível do
texto a que se referem.
Gráficos e tabelas devem ser construídos segundo as Normas de Apresentação Tabular do IBGE, com um título e legendas explicativas .
Fotografias apresentadas devem conter título explicativo.
3.6 Agradecimentos
Breves e objetivos, somente para contribuições significativas para o trabalho.
Devem ser mencionados apoio financeiro e material recebidos. As pessoas listadas
nos agradecimentos endossam os dados e as conclusões e precisam dar seu consentimento para serem incluídas na lista de agradecimentos.
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Política e Normas Editoriais
3.7 Referências
Devem aparecer listadas em ordem alfabética ou numérica para facilitar a citação do trabalho. A exatidão das mesmas é de responsabilidade do(s) autor(es). Sua
elaboração segue a Norma da ABNT.
3.8 Anexos
Documentos, nem sempre do autor do artigo, que serve de fundamentação,
comprovação ou ilustração.
3.9 Tradução do resumo
A apresentação do resumo (summary) em inglês e (Resumen) em espanhol
deverá ser uma versão exata do resumo em português.
3.10 Key-words e palabras clave
Apresentação das palavras-chave em inglês e espanhol.
4 Ética
Todos os trabalhos que tratem com experimentos em seres humanos ou animais, serão previamente encaminhados ao Comitê de Ética da Escola de Saúde
Pública para apreciação.
O comitê orientará quanto a critérios específicos.
5 Responsabilidade
As opiniões emitidas nos trabalhos, bem como a exatidão, adequação e procedência das referências e citações bibliográficas, são de exclusiva responsabilidade
dos autores.
6 Abreviaturas
Devem ser evitadas, pois prejudicam a leitura confortável do texto. Quando
forem usadas, devem ser escritas por extenso ao serem mencionadas pela primeira
vez no texto.
7 Seleção dos trabalhos
Os trabalhos recebidos para publicação no “Boletim da Saúde”, serão encaminhados para o Grupo de Pareceristas, para análise, respeitando o anonimato.
8 Trabalhos já publicados
Serão aceitos trabalhos já publicados em outros periódicos, desde que autorizados pelo Conselho Editorial do periódico onde o artigo tenha sido originalmente
publicado.
Bol. da Saúde, v. 15, n. 1, 2001 v
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Política e Normas Editoriais
9 Envio do artigo
Os trabalhos para a apreciação do Conselho Editorial devem ser enviados
para o Centro de Informação e Documentação em Saúde – Ceids, Av. Ipiranga 6311
– Bairro Partenon, CEP 90610-001, e-mail: [email protected] .
Telefones: 3384-5290 e 3384-3148 – Fax: 3384-1419
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