Full Dent. Sci. 2014; 6(21):25-31. 25 Tratamento cirúrgico de seio frontal através da cranialização e utilização do acesso bicoronal – relato de caso Surgical treatment of frontal sinus through cranialization using bicoronal access – case report Rafael Almeida Rocha1 Fabricio Le Draper Vieira2 Mayra Stambovky Vieira3 Carla de Souza Oliveira4 Resumo O trauma maxilofacial é um dos grandes desafios para os serviços de saúde e representa um dos problemas mais importantes devido à elevada taxa de incidência e alto custo financeiro. A frequente associação entre trauma craniofacial e maxilofacial exige abordagens e tratamento multiprofissional e são cada vez mais complexos, com tempo de internação mais longo e altos custos para o sistema público de saúde. Este estudo apresenta um relato de caso clínico de um paciente admitido no serviço de emergência do Hospital Municipal Salgado Filho (HMSF) – RJ, vítima de agressão física por pedra no terço superior de face e submetido ao tratamento cirúrgico por equipe multiprofissinal (neurocirurgião e cirurgião bucomaxilofacial), com cranialização do seio frontal e reparo do defeito ósseo com tela de titânio de reconstrução. Conclui-se neste trabalho que a proposta cirúrgica, que consistiu na cranialização do seio frontal pelo acesso bicoronal, como tratamento proposto para o paciente, apresentou-se satisfatória, segundo as referências literárias consultadas. Sugere-se acompanhamento pós-operatório clínico e radiográfico do paciente, uma vez que neste relato foi mencionado apenas o tratamento cirúrgico do caso. Descritores: Seio frontal, traumatismos craniocerebrais, retalhos cirúrgicos, anatomia. Abstract TMaxillofacial trauma is a major challenge for health services and represents a serious problem due to its high incidence and high costs. The frequent association between craniofacial and maxillofacial trauma requires multidisciplinary approaches and treatment, and it i salso very complex, with longer hospitalization time and high costs to the public health system. This study presents a case report of a patient assisted in the emergency department of the Salgado Filho Municipal Hospital (HMSF) – RJ, victim of physical assault by stone in the upper third of the face, who underwent surgery conducted by multiprofissinal team (neurosurgeons and maxillofacial surgeon) with cranialization of the frontal sinus and repair of bone defect reconstruction with titanium screen. It was concluded that the surgical approach, which consisted of the frontal sinus cranialization using bicoronal access was satisfactory Esp. em CTBM, CD. Dr. Implantodontista, Prof. de Cirurgia – FO/USS. Esp. em Implantodontia e CTBM. 4 Ma., Esp. em Dentística. 1 2 3 E-mail do autor: [email protected] Recebido para publicação: 08/05/2014 Aprovado para publicação: 13/10/2014 Como citar este artigo: Rocha RA, Vieira FLD, Vieira MS, Oliveira CS. Tratamento cirúrgico de seio frontal através da cranialização e utilização do acesso bicoronal – relato de caso. Full Dent. Sci. 2014; 6(21):25-31. Relato de caso / Case report Full Dent. Sci. 2014; 6(21):25-31. 26 as treatment according to the researched literature. It is suggested post-operative clinical and radiographic follow-up of the patient since in this report only the surgical treatment of the case was approached. Descriptors: Frontal sinus, craniocerebral trauma, surgical flaps, anatomy. Relato de caso / Case report Introdução O trauma maxilofacial é um dos grandes desafios para os serviços de saúde e representa um dos problemas mais importantes devido à elevada taxa de incidência e alto custo financeiro. Isto é percebido pela diversidade das lesões faciais. Essas lesões estão entre os tipos mais comuns de trauma atendidos em serviços de emergência, associada ou não, a lesões em outros locais anatômicos1,12,15. A frequente associação entre trauma craniofacial e maxilofacial exige abordagens e tratamento multiprofissional, e são cada vez mais complexos, com tempo de internação mais longo e altos custos para o sistema público de saúde. A complexidade de relações anatômicas na face e sua relação com o cérebro representa a necessidade de atuações de equipes multidisciplinares composta por neurocirurgião, cirurgião maxilofacial, otorrinolaringologistas e até cirurgiões plásticos. O terço superior da face composto pelo osso frontal, etmoide e esfenoide (mais internamente), quando acometido por um trauma, necessita de atuação e avaliação de equipe multidisciplinar7,9,15,16. Os padrões de fraturas faciais são geralmente afetados pela geografia, condições socioeconômicas, fatores culturais, sexo, idade, período que o trauma ocorreu e o tipo de trauma. Além disso, as fraturas maxilofaciais são frequentemente associadas com morbidade grave, perda da função e até grandes sequelas como desfiguração1,4,6. A etiologia das fraturas é variável, e entre as causas mais comuns podemos citar acidente automobilístico (carro/moto); atividades do dia a dia e esportes; queda de uma altura; violência interpessoal; acidentes envolvendo animais; acidentes de trabalho2,4,13. Fraturas da base anterior do crânio são uma das consequências mais frequentes de lesão na cabeça. Podem-se apresentar como fraturas ósseas, com ou sem envolvimento intracraniano (epidural, hematomas subdurais, intraparenquimatosa, contusão cerebral ou laceração dural). Esta região é formada pelos ossos etmoide, esfenoide e frontal. Este arcabouço ósseo contém o seio frontal e apresenta uma complexidade de relações anatômicas, sendo assim, as patologias devem ser abordadas por uma equipe multidisciplinar. Essas fraturas são subdivididas de acordo com o envolvimento das paredes anterior e posterior do osso frontal, e do envolvimento do ducto nasofrontal7,9. O trauma do seio frontal não é raro, correspondendo a 8% das fraturas faciais. Pode afetar a lâmina ante- rior e/ou posterior, com ou sem envolvimento do ducto nasofrontal. Tem alto potencial para complicações e seu manejo ainda é controverso em algumas situações. A causa principal das fraturas do seio frontal é acidente com veículos. O tratamento depende de sua complexidade, pois comumente há lesões crânio-encefálicas14,18. No tratamento de fraturas faciais, ao admitir o paciente, deve-se avaliar as vias aéreas e os sinais vitais, com o objetivo de estabilizar o quadro e manter a vida. Em seguida, as lesões que ameaçam a vida devem ser descartadas7. O primeiro passo no tratamento do trauma craniano anterior ou fraturas do terço superior é a realização de uma avaliação clínica precisa. Uma inspeção preliminar da integridade da fronte deve ser realizada. O cirurgião deve investigar se há presença de hematomas ou laceração na pele, avaliar a integridade óssea (observar possível deformidade ou sensibilidade), fragmentos de mobilidade, ou edema periorbital. Um sinal clínico característico é o hematoma periorbital, conhecido como “olhos de guaxinim”, que está associado com fraturas da base do crânio anterior em mais de 70% dos casos. O traumatismo crânio-encefálico (TCE) é diagnosticado em pacientes que sustentam concussão, difusa lesão axonal, contusões cerebrais, epidural, subdural, hematoma intracerebral ou subaracnoide10,16,17. O tratamento inadequado das lesões do seio frontal pode levar a complicações, principalmente sépticas, mesmo muitos anos após o acidente como sinusite recorrente, osteomielite do osso frontal, mucocele ou mucopiocele, meningite, encefalite, abscesso cerebral ou trombose do seio cavernoso. Essas consequências tardias podem ser fatais7,9. O acesso cirúrgico à região do terço superior de face mais utilizado é o acesso bicoronal. Esta incisão expõe a abóbada craniana anterior, a testa e as regiões superior e média do esqueleto facial. É uma abordagem cirúrgica popular e versátil, que oferece excelente exposição, e também fornece um reparo estético e baixa morbidade8,16 (Ilustração1). acesso bicoronal e descrição).O presente estudo apresenta um relato de caso clínico de um paciente admitido no serviço de emergência do Hospital Municipal Salgado Filho (HMSF) - RJ, vítima de agressão física por pedra no terço superior de face, e submetido ao tratamento cirúrgico por equipe multiprofissinal (neurocirurgião e cirurgião bucomaxilofacial), com cranialização do seio frontal e reparo do defeito ósseo com tela de titânio de reconstrução. Full Dent. Sci. 2014; 6(21):25-31. Paciente JSSF, 58 anos, leucoderma, pedreiro, foi admitido no Hospital Municipal Salgado Filho (HMSF) - RJ, relatando agressão por pedra em região frontal, apresentando corte conto contuso na mesma região. Não houve referência de etilismo e tabagismo. Foi realizado atendimento de emergência do paciente com limpeza e debridamento da ferida. No exame clínico havia suspeita de fratura do osso frontal e contorno da órbita. Não apresentou sintomas que indicasse trauma cefálico. O exame de tomografia computadorizada do paciente confirmou a presença de fratura no teto da órbita direita e afundamento do osso frontal, com envolvimento da parede posterior (Figura 1). O tratamento cirúrgico proposto para o caso foi remoção do defeito ósseo do osso frontal, cranialização do seio frontal e reconstrução do defeito ósseo. A obliteração do seio demonstra reduzir o risco de maiores complicações, como mucocele, mucopiocele, osteomielite, meningite e abscesso cerebral18. O procedimento foi realizado no centro cirúrgico do hospital, por uma equipe composta de anestesistas, neurocirurgiões e cirurgiões bucomaxilofaciais. No centro cirúrgico o paciente foi preparado pela equipe de anestesistas para o procedimento cirúrgico. Realizou-se avaliação clínica e, em seguida, a anestesia geral. Após a indução da anestesia, procedeu a tricotomia e demarcação da linha de incisão (Figuras 2 e 3). O cirurgião bucomaxilofacial acessou a região frontal do paciente por meio da incisão bicoronal. A qual após descolamento total do retalho possibilitou acesso e visualização da região onde se encontrava a lesão (Figuras 4-6). Dessa forma, na execução do retalho, o pericrânio foi dissecado para posteriormente ser utilizado para o preenchimento da lesão do seio frontal (Figura 5). Quando a lesão foi visualizada, constatou-se fratura cominutiva do teto da órbita e osso frontal. Em seguida, o neurocirurgião utilizou uma broca cirúrgica lateralmente à lesão óssea para confecção de uma loja cirúrgica, que permitisse acesso seguro à lesão (Figura 7). Neste caso, onde a remoção dos fragmentos ósseos pode causar lesão no tecido cerebral, preconiza-se a remoção desses fragmentos do interior do defeito para exterior, buscando assim, a proteção do tecido cerebral e prevenção de acidentes durante a remoção dos fragmentos. Após a remoção de todos os fragmentos, iniciou-se a etapa de reconstrução pelo cirurgião bucomaxilofacial (Figura 8). O primeiro passo foi restabelecer o contorno anatômico do teto da órbita com a utilização de placa de titânio pré-contornada que foi individualizada para o caso (Figura 9). No seguinte passo, o pericrânio dissecado anteriormente foi inserido para preenchimento do defeito cranialização do seio frontal (Figura 10). O último passo é a reconstrução final do defeito, na qual foi utilizada uma tela de titânio personalizada para o tamanho do defeito e fixada por cinco parafusos de 5 mm (Figura 11). Depois da reconstrução fez-se o remanejo do retalho, colocado em posição, procedeu-se à sutura e colocação de dreno para controle de edema da ferida (Figura 12). Figura 1 – Tomografia pré-operatória. Figura 2 – Tricotomia realizada para acesso bicoronal. Ilustração 1 – Acesso bicoronal e descrição. As seguintes áreas podem ser expostas: toda a calvária, base anterior e lateral do crânio (seio frontal/etmoidal), zigoma, arco zigomático, órbita (lateral/craniana/medial), dorso nasal, articulação temporomandibular e côndilo, região subcondilar. Relato de caso Rocha RA, Vieira FLD, Vieira MS, Oliveira CS. 27 Full Dent. Sci. 2014; 6(21):25-31. Relato de caso / Case report 28 Figura 3 – Demarcação da incisão. Figura 4 – Exposição do acesso. Observar depressão em região de órbita direita. Figura 5 – Dissecação do pericrânio. Acesso à fratura em órbita direita. Figura 6 – Acesso total à lesão após dissecação do pericrânio. Figura 7 – Confecção de loja lateral. Figura 8 – Lesão após remoção de todos fragmentos ósseos. Full Dent. Sci. 2014; 6(21):25-31. 29 Figura 9 – Reconstrução do teto da órbita com placa e parafuso. Figura 10 – Cranialização do seio frontal. Pericrânio utilizado como material de preenchimento. Figura 11 – Reconstrução do defeito com tela e parafuso. Figura 12 – Sutura da ferida cirúrgica. Nota-se o dreno em posição. O trauma craniofacial e maxilofacial associados apresentam suas causas bem definidas, e sua complexidade no atendimento e tratamento demonstram o grave problema de saúde que existe nesses casos. As incidências dos casos encontrados nos poucos estudos da América Latina são semelhantes aos encontrados ao redor do mundo. Assim sendo, mais estudos epidemiológicos e estatísticos sobre o assunto devem ser realizados, visto que a compreensão desta enfermidade ajuda a avaliar o comportamento e padrão de pessoas em diferentes países, ajudando a estabelecer medidas eficazes, através das quais as lesões podem ser prevenidas e tratadas, além de proporcionar a comparação de dados entre os serviços, os campos de atuação das especialidades, bem como o seu impacto nas atividades hospitalares1,2,3,4,6,12,13,15. A incidência de trauma em terço superior é aparentemente menor devido ao mecanismo de proteção da face, em que a força de impacto necessária para provocar a fratura do seio frontal é de 360 a 990 Kg, o que é suficiente para provocar outras lesões no segmento crânio-encefálico. Dependendo da intensidade do trauma, pode haver lesão das lâminas anterior e posterior do osso frontal, sendo que nessa última há frequente associação com lesões do sistema nervoso central, da órbita e dos seios etmoidais11,14. Em relação ao tratamento das fraturas faciais, no que se refere às fraturas do seio frontal, o assunto ainda é controverso. Existe uma enorme dificuldade de manter acompanhamento a longo prazo dos casos, devido ao número relativamente pequeno. O tratamento inadequado desses casos pode levar a sérias complicações, principalmente sépticas, mesmo muitos anos após o acidente. O objetivo do tratamento cirúrgico de fraturas ósseas frontais é, além de prevenir a infecção de componentes intracranianos, restaurar o contorno anatômico. Os defeitos no complexo craniofacial podem resultar em prejuízo estético, danos funcionais e Rocha RA, Vieira FLD, Vieira MS, Oliveira CS. Discussão Full Dent. Sci. 2014; 6(21):25-31. Relato de caso / Case report 30 consequências psicológicas5,9,10,16,17. Os princípios cirúrgicos para o tratamento de fraturas faciais buscam a exposição de todos os fragmentos da fratura, a fixação interna rígida anatômica precisa do defeito e enxerto ósseo imediato se necessário7. No caso descrito o tratamento proposto foi de acordo com a conduta preconizada pelos autores, não necessitando do enxerto ósseo. Os princípios básicos de obliteração (cranialização) do seio frontal foram desenvolvidos ao longo dos últimos 50 anos. Este procedimento tornou-se um dos pontos-chave na gestão do tratamento de fraturas do seio frontal, infecções crônicas e tumores benignos. A obliteração do seio frontal provou reduzir o risco de complicações comuns, como mucocele, mucopiocele, osteomielite, meningite e abscesso cerebral. O objetivo é eliminar o seio como uma unidade funcional, evitando a regeneração epitelial. O procedimento é associado a uma alta taxa de recorrência e deformidade estética significativa. Anteriormente cirurgiões não mostravam interesse em reconstruir a área operada, mas sim em tratar o problema, deixando contorno ósseo como uma questão secundária. Hoje em dia, a reconstrução da área e o restabelecimento do contorno e forma facial, tornou-se um das prioridades dos cirurgiões. Quando ocorre lesão simultânea do sistema nervoso central nos traumas faciais, a cirurgia para resolver este problema deve ser realizada em primeiro plano. Em seguida, o tratamento do osso frontal e do seio deve ser realizado7,18. No que se refere aos tipos de materiais usados na reconstrução maxilofacial podemos citar os enxertos autógenos e aloplásticos. Os enxertos autógenos apresentam como vantagem a biocompatibilidade (padrão ouro), no entanto, a desvantagem é a ocorrência de reabsorção local e morbidade da área doadora. Os materiais aloplásticos, como o polietileno poroso e o metil metacrilato, podem causar reação de corpo estranho, aumentando os riscos de rejeição e infecção. Outro exemplo são os cimentos ósseos, difíceis de manusear devido a sua necessidade de preparação e escultura durante a cirurgia, aumentando o tempo de cirurgia e podendo apresentar resultados estéticos pobres5,18. O acesso cirúrgico utilizado no caso clínico apresentado foi o acesso bicoronal. A incisão coronal tradicional começa na raiz da hélix e é realizada coronalmente para o vértice do crânio e, em seguida, para o hélix contralateral. Este oferece o melhor acesso aos terços faciais superior e médio, enquanto a cicatriz fica escondida. Algumas complicações podem ocorrer no uso deste acesso, como hipoestesia, déficit parcial do ramo frontal, infecção e áreas de alopécia. Porém, essas situações não são muito comuns. Dessa forma, o retalho bicoronal fornece um bom acesso cirúrgico para os terços superior e médio da face com poucas complicações a longo prazo, além de fornecer bons resultados estéticos e baixa morbidade5,8,14,18. Conclusão Conclui-se neste trabalho que a proposta cirúrgica, a qual consistiu na cranialização do seio frontal pelo acesso bicoronal, como tratamento proposto para o paciente, apresentou-se satisfatória, segundo as referências literárias consultadas. Sugere-se acompanhamento pós-operatório clínico e radiográfico do paciente, uma vez que neste relato foi mencionado apenas o tratamento cirúrgico do caso. Agradecimentos Gostaria de dedicar este trabalho e agradecer ao professor André Luiz Santos Saud pelo apoio e por ter cedido este caso. Outro agradecimento especial deve ser mencionado ao chefe do departamento de Cirurgia Bucomaxilofacial do Hospital Municipal Salgado Filho RJ, professor João Carlos dos Santos, pelo acolhimento em meu estágio obrigatório e dedicação. Referencias 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. Batista AM, Ferreira FO, Marques LS, Ramos-Jorge ML, Ferreira MC. Risk factors associated with facial fractures. Braz Oral Res. 2012 Mar-Apr;26(2):119-25. 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