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Cadernos do Tempo Presente – ISSN: 2179-2143
Edição n. 05 – 05 de outubro de 2011, www.getempo.org
4. A Descoberta da América e a Produção/Difusão do Conhecimento Geográfico: O
Olhar sobre as Crônicas das Índias
Pamela Marcia Ferreira DionisioI
Wallace Marcelino da SilvaII
O artigo visa discutir os “embriões” geográficos existentes no que foi produzido na época do
descobrimento da América, a partir do enfoque sobre os relatos de viagens: as denominadas
crônicas sobre as Índias. Desta forma, procurar-se-á, ainda, delinear o pensamento da época e
contextualizá-lo historicamente para que se alcancem os precedentes que possibilitaram o
nascimento da geografia no descobrimento da América.
Palavras-chave: Descoberta da América, Crônicas das Índias, Precedentes da ciência
geográfica.
The article aims to discuss the "embryos" in existing geographic which was produced at the
time of the discovery of America, from the focus on the travel narratives: essays on the socalled Indies. Thus, efforts will also outline the thinking of the time and historically
contextualize it for achieving the precedents that enabled the birth of geography in the
discovery of America.
Key-words: Discovery of America, So-called Indies, Geographical science‟s precedents.
Introdução
A descoberta da América teve um papel crucial para a geografia por descortinar um mundo
totalmente desconhecido, aumentando substancialmente a área de terras, ou melhor, partes do
globo que até então somente constituíam-se de histórias utópicas de viajantes ou exploradores
incautos.
A geográfa Sandra Lencioni exprime bem o que a época do descobrimento representou para a
Geografia neste trecho de seu livro “Região e Geografia”: “A valorização, recuperação e
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atualização do conhecimento geográfico foram decorrência dessa nova época, fundada em
trocas mercantis".III
Durante o trabalho, ficou claro o impacto da descoberta sobre o pensamento da época e a
existência de elementos geográficos, principalmente nas produções acerca do tema, como os
diários de viagens, mapas, cartas, crônicas e outros tipos de registros, que consubstanciavam
no papel as novas idéias que brotavam na mente das personagens que a vivenciaram, ou
simplesmente que tinham ouvido falar.
Houve, porém a cautela de notar o quão cheio de superstições e religiosidade estavam estes
relatos verbais e não-verbais, representando fortes reminiscências de um ainda recente
passado medievo. Misturado ainda estavam o ideário da antiguidade com a influência de todas
as suas figuras proeminentes, que voltavam a ser valorizados veementemente e serviram de
base para a produção da época, face ao período histórico da renascença.
Esta miscelânea de valores Juan Maestre Alfonso reitera alguns:
“Con el decubrimiento de unas tierras, [...] se inicia un processo no sólo de
generación de nuevas ideas, sino de desmantelamiento de creencias errôneas. [...] No
es menos evidente que continuaban arraigadas en las mentes de los círculos
pensantes uma serie de supercherías que venian a ser algo más que una
extravagancia intelectual o el fruto de alguna creencia popular, para tener el carácter
de aquellos argumentos tan usuales em la historia del pensamiento y que sirven para
justificar o explicar lo que el conocimiento científico no es capaz de justificar o
explicar”.IV
Apesar da existência de diversos apontamentos das terras americanas, o artigo ater-se-á a um
gênero específico dos relatos de viagens: as chamadas crônicas sobre as Índias, pelo fato de
apresentarem material com certa verossimilhança e ciência, se comparado a outros da época.
Antes da análise deste gênero, ocorrerá a contextualização histórica do pensamento
geográfico e da Era dos Descobrimentos, fornecendo os antecedentes que propiciaram o
nascimento da geografia no descobrimento da América.
Breve histórico das origens do pensamento geográfico
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A atividade geográfica nasce com a própria natureza humana. Esta atividade se responsabiliza
por um dos fundamentos mais necessários ao ser humano: a posse de conhecimentos para se
localizar e localizar ocorrências, objetos ou lugares em seu entorno. Os primeiros mapas, e,
por conseguinte, os primeiros modelos de geografia aplicada, são elaborados pelos homens
primitivos a partir do momento que estes desenham em suas moradas a provável localização
da caça ou de uma fonte de água, por exemplo.
O saber geográfico intuitivo desenvolvido pelos homens primitivos não satisfaz as atividades
que dependem da geografia, por isso ocorreu uma evolução da mesma, que precisava ser
estruturada, auxiliada e estimulada. Sendo assim a geografia sofreu uma evolução
perpassando pela Antiguidade até o século XIX, quando se institucionalizou como ciência.
Tendo em vista que nosso trabalho é focado no período das grandes descobertas, que
apresenta uma produção que se “embebeda” nos saberes da Antiguidade, urge a necessidade
de mencionar alguns personagens/pensadores da época. A geografia é expandida na
Antiguidade Clássica quando os gregos realizam sua diáspora às margens do Mediterrâneo.
Além de inventarem a palavra „Geografia‟, foram pioneiros em investigações mais precisas
sobre lugares e fenômenos terrestres, tentando explicar as causas dos mesmos. Podemos citar
neste caso as famosas Topografias Gregas. Vale destacar também as célebres expedições
alexandrinas que igualmente não possuíam caráter somente expansionista.
Neste contexto, surgem nomes-chave para a ciência geográfica como Heródoto que foi pai da
História e da Geografia, ao pôr acontecimentos históricos dentro de um contexto geográfico; e
Eratóstenes, que por possuir conhecimento de geometria fez cálculos precisos sobre a
circunferência terrestre, além de criar as linhas de latitude e longitude dando assim, a
localização de diversos pontos da paisagem terrestre como mares, relevos, montanhas dentre
outras topografias, fazendo nascer o primeiro mapa de que se tem notícia da época.
Estes pensadores disseminaram antigos documentos geográficos chamados périplos, que eram
mapas ou descrições de itinerários, mas ainda sem escalas. Livros Históricos como “Ilíada” e
“Odisséia” de Homero, inspiraram-se nestes périplos.
Mais tarde, durante o Império Romano, surgiram importantes compiladores dos
conhecimentos geográficos gregos. Como romano pode-se citar Plínio, mais conhecido por „O
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Velho‟, que foi grande cosmógrafo e conhecedor de diversas ciências naturais, mas que tinha
interesse exclusivo na expansão do Império; sua obra clássica é “História Natural”.
Outro Brilhante pensador foi Estrabão, que elaborou uma Geografia como descrição
enciclopédica do mundo até então conhecido em sua obra “Geografia”. Porém o pensador
pilar para entendermos mais à frente o que ocorreu na Era dos Descobrimentos foi Ptolomeu,
que se interessava pelos aspectos matemáticos do preparo de mapas e descrição de plantas.
Ele fez uma síntese do conhecimento grego, separando Cosmografia de Geografia e
Corografia, embora se equivocando nos cálculos da circunferência feitos por Posidônio, em
vez de ter seguido Eratóstenes.
Ptolomeu elaborou um grande vocabulário de nomes de lugares dando a localização em
latitude e longitude (termos inventados por ele) e a imagem de mundo mais completa até
então (Imago Mundi). Sua obra clássica é “Almagesto”, que é a tradução feita pelos árabes.
As idéias ptolomaicas tornam-se verdades absolutas no final do Império Romano adentrando
a Idade Média, como regras incontestáveis junto ao poder da Igreja Romana. Durante o
Império Romano, os sábios gregos continuam a escrever em sua língua-mãe sendo difícil
separar as contribuições gregas e romanas à ciência geográfica.
Na Idade Média, a chamada pelos cientistas dark age, o conhecimento geográfico era acima
de tudo descritivo. Vide as expedições de viajantes como Marco Pólo e Ibn Batutah, além das
expansões feitas pelos nórdicos, árabes e as Cruzadas. Se por um lado foi um período em que
se aumentou o número de áreas ecúmenas, por outro sofreu graves descontinuidades, em
função das notórias conturbações advindas de inúmeros conflitos, com quedas de impérios e
poder dogmático da Igreja.
As mudanças que deram origem ao nascimento da ciência moderna foram mais aparentes
durante o renascimento, que se caracterizou por uma época de transição, onde se tentava
libertar dos grilhões medievos, buscando revalorizar os elementos greco-romanos, quando,
concomitantemente, ocorriam importantes descobertas, aumentando substancialmente o
mundo e, obviamente, influenciando o pensamento da época. Sendo assim novas formas de se
produzir conhecimento surgiram como resultado deste mix de pensamentos e informações.
Antecedentes e contexto histórico do descobrimento
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O descobrimento da América fez desabar uma idéia antiga de que, grosso modo, o mundo era
constituído apenas por um bloco tri continental composto pela Ásia, África, Europa e cercado
por um enorme oceano. Com o conhecimento do Novo Mundo dá-se uma total
dessacralização da representação cosmográfica conhecida até então, e que se acentuará com o
conhecimento progressivo do continente americano. Fatores de natureza diversa contribuíram
para que o mundo conhecido até então se tornasse maior. Sendo assim expansões políticas,
militares, comerciais e religiosas estavam em jogo.
As desastrosas cruzadas e a islamização da Ásia Central fecharam praticamente todas as rotas
e lugares possíveis para o comércio das especiarias, fazendo a ascendente burguesia da época
a procurar novas rotas para chegarem às Índias. Os conhecimentos náuticos e cartográficos
dos genoveses, que posteriormente influenciaram os portugueses e o advento de novos
instrumentos como a bússola e o astrolábio, possibilitaram um ambiente propício às grandes
navegações. Foi a união da necessidade econômica à evolução tecnológica.
Não menos importante foi o aspecto cultural desta chamada de Era dos Descobrimentos, que
se constituiu de um período que abarcou desde o século XV até o início do século XVII. A
propagação da fé e dogmas religiosos era um discurso profanado insistentemente por quem
estava envolvido neste mundo das Grandes Navegações.
Dentre os mais famosos exploradores deste período, destacam-se Cristóvão Colombo (pela
descoberta da América), Vasco da Gama (do caminho marítimo para a Índia), Pedro Álvares
Cabral (do Brasil), John Cabot, Yermak, Juan Ponce de León, Fernão de Magalhães, Willem
Barents, Abel Tasman, e Willem Jansz. Apesar da importância de todos os desbravadores
supracitados, nos limitaremos a abordar Cristóvão Colombo, por ser o personagem
relacionado ao nosso tema central: a descoberta da América.
Segundo a história oficial, Cristóvão Colombo nasceu na Itália, por volta do ano 1451.
Marinheiro desde sua infância ele transformou-se em um cartógrafo brilhante. Na época em
que os portugueses buscavam encontrar, através das grandes navegações, a rota às Índias,
seguindo pelo extremo-sul da África, Colombo estava certo de que existia um percurso mais
curto em direção ao ocidente; contudo, precisaria de apoio para provar a sua teoria.
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Teoria esta que foi baseada e/ou estimulada por conhecimentos de Ptolomeu, Plínio, Plutarco,
Pierre d'Ailly, Pio II, Josefo, São Gerônimo, Marco Polo, dentre outros (Gil,1987).
Infelizmente, certas informações provenientes destes pensadores estavam equivocadas, como
os cálculos ptolomaicos à respeito da circunferência terrestre, que foi subestimada, e da
superfície euroasiática, que foi superestimada (LOIS, 2004).
Em busca de um patrocinador para a sua idéia, viu-se afastado por D. João II, cujos peritos
consideravam a idéia insensata, e que estava interessado na via marítima após a dobragem do
Cabo da Boa Esperança em 1488 por Bartolomeu Dias. Após seis anos em busca de apoio, ele
finalmente o encontrou no Rei Fernando e na Rainha Isabel, da Espanha. Partiu para o mar,
em 1492, em uma singela embarcação de 100 toneladas, esta, continha 52 homens. A Santa
Maria era seguida por duas outras embarcações ainda menores do que ela: uma de 50
toneladas e outra de 40 toneladas. Apesar da dificuldade da viagem, Colombo conseguiu
abarcar na América, pensando ter chegado às Índias.
A produção de conhecimento sobre a América
A produção de conhecimento do século XVI teve como temas centrais o descobrimento e a
conquista dos territórios do novo continente; e o choque entre as culturas espanhola e
indígena, temas que gerariam inúmeros mapas, cartas, crônicas, histórias e epopéias poéticas,
sendo muitas destas obras escritas e/ou esenhadas por autores nascidos na Espanha.
As primeiras notícias em língua espanhola sobre as Américas foram escritas pelo próprio
Cristóvão Colombo que, nas Cartas do descobrimento_dirigidas aos reis católicos, Fernando e
Isabel_ e no seu Diário de viagens, deu rédea solta à fantasia que lhe provocava o assombro
ante a visão de um mundo tão diferente do que conhecia. Esta imantação de maravilhamento
nos relatos são oriundos da influência das leituras de Colombo sobre Marco Polo e Sir Jonh
Mandeville, além é claro do impacto produzido pela nova descoberta.
Ainda sobre a descoberta, a cultura européia experimentou algo como “reflexo de susto”
observável em crianças,no primitivo discurso do Novo Mundo:
“O maravilhoso é pois um traço central no complexo sistema de representação como
um todo, [...] através do qual as pessoas da Idade Média tardia e da Renascença
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apreendiam, e portanto possuíam ou descartavam, o não-familiar, o estranho, o
terrível, o desejável e o odioso”.V
A prisão ao passado de Colombo também é aparente em seus mapas feitos durante a viagem,
onde fica claro elementos de mapas mundi medievais, enquanto que os mapas de Juan de la
Cosa, que viveu a mesma experiência de viagem de Colombo, delineava os espaços
desconhecidos que as experiência de navegação permitia buscar, o que demonstra ser este
útimo um homem que olha para o futuro,fornecendo assim importantes contribuições à
geografia (LOIS, 2004).
Voltando aos relatos de viagem, podemos citar Hernán Cortés falando sobre a conquista do
México e suas chamadas “Cartas de Relación” aos reis espanhóis; e Álvar Núñes Cabeza de
Vaca falando sobre suas aventuras em naufrágios. Merecem ainda ser mencionados Gonzalo
Fernández de Oviedo y Valdés e sobretudo frei Bernardino de Sahagún, a quem coube
fornecer a maior parte das informações sobre a civilização asteca. Entre os cronistas do Peru
salientou-se Pedro Cieza de León, enquanto autores como Gonzalo Jiménez de Quesada e
Luis de Bolaños descreveram a conquista de outras regiões.
Em 1552, o frade dominicano Bartolomé de Las Casas escreveu a famosa Brevísima relación
de la destrucción de las Indias, em que criticou os espanhóis pelos maus-tratos infligidos aos
índios. Entre os cronistas de origem indígena ou mestiça, ocupou lugar especial Garcilaso de
la Vega o Inca, que, em Comentarios reales que tratan del origen de los incas (1609-1617),
obra de grande valor documental e literário, apresentou valiosa informação sobre o povo inca,
com o qual cresceu, acentuando, sem ressentimentos, as trágicas conseqüências do choque
com os espanhóis. Foram também excelentes cronistas Tito Cusi Yupanqui, de origem inca, e
os mexicanos Hernando Alvarado Tezozómoc e Fernando Alva Ixtlilxóchitl, descendentes da
nobreza asteca.
Vale destacar que os reis foram de suma importância na produção de todo este conhecimento
por oficializarem profissões para os que escreviam sobre as novas terras, além de intimarem
oficialmente as testemunhas das viagens para que discorressem a estes profissionais o que
haviam vivenciado ou fornecerem registros de outros autores a estes profissionais. Já a
difusão do mesmo foi essencialmente auxiliada a partir da invensão da imprensa por Johann
Guttemberg, que realizou publicações de cartografia e de obras clássicas da ciência grega.
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As crônicas e a geografia
Inúmeros cronistas, cartógrafos, mensageiros, dentre outros, escreveram, pintaram,
desenharam ou narraram o que viram ou ouviram falar a respeito da América, e havia alguma
geografia nestes registros, embora não houvesse um saber especializado na época. Ficava
também evidente a quantidade de influências que recebiam o pensamento daquele período
enfatizado por Stephen Greenblatt, em “Possessões Maravilhosas”:
“Toda culura individual nacional européia de começos da Idade Moderna, deixando
de parte o todo fantasticamente complexo, apresentava tantas maneiras diferentes e
conflitantes de ver e descrever o mundo que qualquer tentativa de postular um
campo de percepção unificado revelar-se-á uma grosseira distorção”.VI
No que tange à maior incidência de elementos geográficos, que chamaremos de “embriões”
da geografia, as chamadas crônicas sobre as Índias ofereceram consubstancial contribuição
com nomes proeminenes como Gonzalo Fernández de Oviedo y Valdés, Francisco López de
Gómara, , José Acosta, Ciéz de León dentre outros que serão mencionados nas próximas
linhas deste capítulo.
Estas crônicas eram feitas pelos cronistas, que eram nomeados pelo rei, onde baseavam-se no
testemunho dos viajantes, do próprio autor _ que poderia ter vivenciado a situação_ e/ou por
meio de documentos que fornecessem alguma informação acerca do Novo Mundo.
Este novo gênero foi caracterizado pela:
“[...]transformação do gênero historiográfico das crônicas medievais como resultado
da utilização da obra de Plínio e do impacto pelo contato com a natureza e com os
povos americanos”.VII
Ademais, apresentavam um “desenvolvimeno de um eixo de reflexão científica que leva a
integrar e relacionar os fatos físicos e humanos”.VIII Percebe-se que estas crônicas são o
resultado de uma miscelânea de elementos medievos, antigos, renascentistas e do choque
perante o que era novo.
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Não podem ser consideradas puramente medievais pois apresentam relação entre o natural e
humano, sendo característica da cultura romana e oposto da produção da Idade das Trevas que
procurava separar estes dois elementos; não podem ser considerados puramente da
Antiguidade, já que apesar desta época ter oferecido alguns modelos de sistematização,
surgiram novas informações que colocaram por água abaixo algumas certezas dos antigos
pensadores; não podem ser caracterizados puramente renascentistas pois seria contraditório
renegar algum elemento de outras épocas, já que por definição caracteriza-se por um
momento de transição; e ,finalmente não podem ser puramente novas, por tudo que foi dito
anteriormente, já que a produção é resultado de idéias de mentes de seres históricos, que
possuem arraigados em sua essência valores pré-existentes que serão manifestados, mesmo e
principalmente numa situação de impacto de uma nova descoberta.
Não existem dúvidas de que estas obras foram importantes ao criarem uma nova forma de se
descrever o Novo Mundo. Elas são, em sua maioria, intituladas pela expressão “História
Natural”; demonstrando nitidamente o seu objetivo de relacionar os fatos sociais aos fatos
naturais numa mesma obra (CAPEL,1996).
O primeiro cronista a ser nomeado foi Gonzalo Fernández de Oviedo y Valdés, em 1532. Indo
mais de quatro vezes ao Novo Mundo, reuniu informações necessárias para produzir sua
“História General y Natural de las Índias”, cuja primeira parte foi impressa em 1535, somente
editando-se completamente entre 1851 e 1855.
Frente às notícias ocasionais dos primeiros descubridores, viajantes e conquistadores, Oviedo
aspira a oferecer uma imagem de conjunto da natureza americana. No Sumário de sua obra
trás uma breve narração acerca da navegação ao Novo Mundo, tratando de Cuba, e outras
ilhas do Caribe e da terra firme. Em cada um destes territórios, fala dos habitantes, e com
maior amplitude, dos animais e vegetais, enquanto que os minerais, com a exceção do ouro,
merecem escassa atenção.
Já no livro em si, ele muda a ordenação geográfica, baseando-se no modelo adotado pela
enciclopédia de Plínio: falando primeiramente dos vegetais, subdivididos em vegetais
cultivados, árvores frutíferas, árvores selvagens, árvores e plantas medicinais, ervas e
sementes trazidas da Espanha e outras encontradas nas Ìndias; e, depois, dos animais
terrestres, aquáticos, aéreos e insetos (CAPEL, 1996).
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Além de Plínio, outros autores clássicos são citados e utilizados, como Columela, Teofrasto,
Virgílio, Crescentino e Gabriel Afonso de Herrera, havendo a consciência de superar os
antigos, caso o que fosse visto representasse algo contrário ao conhecimento dos primeiros; e
a cautela de aceitar o que pudesse ser comprovado e descartar o que parecesse ser fabuloso
(CAPEL,1996). Fica claro também nos capítulos de seus livros, a História na Geografia e a
Geografia na História, ao relacionar magistralmente estes dois elementos de forma a produzir
a melhor compreensão possível acerca do tema.
Vale destacar o viés maravilhoso na obra de Oviedo, principalmente quando escreveu, antes
de ser nomeado cronista :“História Natural de las Índias” (1526), onde em seu Sumário,
segundo a sua necessidade de sobrevivência, transforma em suas descrições as plantas e os
animais em “comestíveis” ou “não-comestíveis”. É interessante observar que nas descrições
de animais coexistem os fabulosos e os reais. Este fato aproxima a recopilação da “fauna” de
Oviedo aos bestiários medievais.
Um importante “corretor de realidade”, termo ideado por Bakhtin para o gênero da prosa do
cômico-sério perante a idealização do gênero épico, porém, se estabelece no plano discursivo.
Trata-se precisamente desta característica do que é comestível ou não, e ainda mais: indica
minuciosamente em cada um deles os modos de caçá-los e as melhores maneiras de cozinhálos. Mas Oviedo só menciona em termos comestíveis os animais reais, daí que caberia
perguntar em que medida o discurso de Oviedo está influenciado pelo maravilhoso, e logo
observar se o registro do maravilhoso não seria apenas uma marca de gênero literário.
Francisco López de Gómara, ao contrário de Oviedo, nunca esteve na América, porém se
tornou um importante cronista, escrevendo “Historia Geral de las Índias” e “Conquista do
México”. Conseguiu as informações por meio de fontes secundárias como Hernán Cortés e
outros expedicionários. Deve-se ressaltar sua perspicácia no momento de extrair as
informações relevantes e sua eficiência no momento de transcrever para o papel, utilizando-se
de uma sistematização erudita. Os textos apresentam dados geográficos, utilizando-se de
coordenadas em graus e pés para que se localizasse o sítio das Índias.
Tendo objetivos religiosos, Frei José Acosta também relaciona o físico e o humano, assim
como Oviedo, em sua obra “História Natural y Moral de las Índias”, que é composta por sete
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livros. No terceiro capítulo de seu segundo livro, ele comprova que os antigos estavam
errados ao dizerem que a Zona Tórrida era seca e inabitada:
“[...] porque la región media, que llaman tórrida, en realidad de verdad la habitan
hombres [...] Era lo postrero que se propuso arriba, que la sequedad tanto es mayor,
cuanto el sol está más cercano a la tierra. Esto parecia cosa llana y cierta; y no lo es,
sino muy falsa, porque nunca hay mayores lluvias [...] que al tiempo que el sol anda
encima muy cercano”.IX
Desta forma, o autor modifica o paradigma até então aceito de que todo lugar que fosse
quente seria seco e todo lugar que fosse frio seria úmido.
A religiosidade está presente em suas crônicas, quando não consegue explicar racionalmente o
porquê de determinado fato da realidade: “Mas la templanza de esta región (...), se debe a la
propriedad Del viento que em ella corre que es muy fresco y apacible. Fué providencia del
gran Diós, criador de todo”.X Ele associa o vento fresco a mais um fator que contribuiu para o
clima agradável.
Ciéza de León foi um cronista que resolveu relatar suas experiências como soldado, se atendo
a um local específico com sua “Crônicas do Peru”. A obra é dividida em quatro livros,
estando o primeiro dedicado ao clima, costumes e tradições indígenas; o segundo se dedica às
façanhas do domínio inca; o terceiro narra a conquista, ainda que uma parte esteja perdida; e o
quarto ficou incompleto. Pedro Cieza de León foi um excelente observador da etnografia inca,
incorporando à sua crônica a Geografia ao relatar as terras que foram sendo conquistadas no
Peru. Além de descrever as terras peruanas, fornece dados de latitude e longitude (CIEZA,
1984).
A incorporação do meio geográfico ocorre também nas obras de Austin Zárate, Padre Las
Casas, Frei Toribio de Benavente, Francisco Cervantes de Salazar e Pedro Marinho de
Lobera. Tendo estes dois últimos estudado, especificamente, o Chile.
Cervantes de Salazar será um dos mais importantes humanistas que escreveu sobre a América,
destacando-se seus “Diálogos”, onde descreve a cidade do México e sua crônica: “Crônica de
la Nueva Espana” que faria parte da incompleta “Historia general de las Ìndias”.
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Frei Bernardino de Sahagún é mais um exemplo de cronista com fins religiosos, mas que por
adotar o modelo pliniano, acaba por manifestar a geografia dos povos indígenas em sua obra
“História das coisas da Nova Espanha”. Caracterizou-se também por um intenso esforço em
compreender “a cultura dos dominados e, nesse sentido representa um marco essencial no
desenvolvimento da Antropologia”.XI Vale salientar que quanto mais se sabe do outro, mais
fácil se torna sua subjugação.
O médico naturalista Francisco Hernández é um dos exemplos de humanista que se
preocupava em demonstrar o quanto o animado e o inanimado estavam intrinsecamente
ligados. Em sua obra “Antigüedades de una Nueva Espana”, realiza uma descrição geral de
todas as Índias, com o diferencial de também abordar o México pré-colombiano, contando a
história dos povos nahuas da região central do México, de forma amena, clara e simples, além
de se dedicar a alguns fatos naturais.
O doutor Juan Cárdenas, em “Problemas y Secretos Maravillosos de Las Ìndias” (1591),
apresenta a geografia ao falar do “local, clima e posição da terra (livro I), dos minerais e
plantas (livro II) e das adaptações dos homens ao meio ambiente e dos animais nascidos nas
Índias (livro III)”.XII
Depois de pormenorizar autores de diversas peculiaridades, fica clara a visão de mundo
renascentista, aberta às surpresas das novas descobertas, juntamente à antiga tradição de se
relacionar os fenômenos naturais aos morais. Apesar da perspectiva antropocêntrica de
mundo, o homem ainda se vê como a mais perfeita obra criada por Deus e exalta seu nome
diversas vezes ao longo das obras acerca do Novo Mundo, acreditando ser sua a tarefa de
aprimorar a criação.
Conclusão
Existem autores contemporâneos a nós que não vêem contribuição do descobrimento da
América ao conhecimento geográfico moderno,alegando que era preciso haver condições
propícias para isto,ou seja um estudo sistematizado que fizesse a geografia se tornar uma
ciência de fato, algo que somente aconteceria entre os séculos XVIII e XIX. Então quer dizer
que antes deste período nada contribuiu para que se construísse um ambiente propício,
Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos, Rodovia Marechal Rondon, s/nº, sala 06 do CECH-DHI,
Bairro Jardim Rosa Elze, São Cristóvão – SE, CEP: 49.000-000, Fone: (79) 3043-6349.
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Edição n. 05 – 05 de outubro de 2011, www.getempo.org
havendo os estudiosos dos séculos XVIII e XIX reunido “magicamente” as condições
propícias à Geografia Moderna sem recorrer à obra alguma do passado?
Foi indo de encontro ao radicalismo de Clozier, Stoddert, Sorre e outros geógrafos, que
mostramos que a geografia, assim como todas as ciências, sofreu um processo de evolução,
onde todas as etapas têm contribuição na formação da geografia hodierna, sendo a descoberta
da América um dos capítulos que contribuíram para esta história.
Sendo assim, o objetivo do artigo foi alcançado, ao mostrar alguns “embriões” geográficos
existentes no que foi produzido na época do descobrimento da América, acabando por
delinear, consequentemente, o pensamento da época e contextualizá-lo historicamente. Vale
salientar que este assunto não está estanque, podendo ser estudado de forma mais profunda
e/ou sob outros prismas.
Notas
I
Graduada em Geografia (UFRJ)
II
Graduado em Geografia (UFRJ)
III
LECIONI, Sandra. (1990). Região e Geografia. Editora Atlas, p. 62.
IV
ZEA, Leopoldo. (1991). El descubrimiento da América y su impacto em la historia. México: Fondo de Cultura
Económica, p.71.
V
GREENBLATT, Stephen. (1996). Possessões Maravilhosas. São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo,
p.40.
VI
GREENBLATT, Stephen. (1996). Possessões Maravilhosas. São Paulo. Editora da Universidade de São
Paulo,p.41.
VII
CAPEL, Horacio. (1999). O nascimento da ciência moderna e a América. Editora Maringa, p.47.
VIII
IX
X
CAPEL, Horacio. (1999). O nascimento da ciência moderna e a América. Editora Maringá,p.47.
ACOSTA, José de. (1590). História Natural y Moral de las Índias. Instituto de Cervantes, p.56.
ACOSTA, José de. (1590). História Natural y Moral de las Índias. Instituto de Cervantes, p.43.
XI
CAPEL, Horacio. (1999). O nascimento da ciência moderna e a América. Editora Maringá, p.67.
XII
CAPEL, Horacio. (1999). O nascimento da ciência moderna e a América. Editora Maringá, p.72.
Referências Bibliográficas
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ACOSTA, José de. História Natural y Moral de las Índias. Instituto de Cervantes, 1590.
CAPEL, Horacio. O nascimento da ciência moderna e a América. Editora Maringá, 1999.
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GERBI, Antonello. La naturaleza de las Indias Nuevas: de Cristóbal Colon a Gonzalo
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GOMES, P. C. da Costa. Geografia “Fin-de-Siècle: O Discurso sobre a Ordem Espacial do
Mundo e o Fim das Ilusões. Pp. 13-42. In: Iná Elias de Castro, Paulo César da Costa Gomes,
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Século. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
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Fondo de Cultura Económica, 1991.
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