Apresentação O Edital de seleção pública para provimento do cargo de Analista de Planejamento e Orçamento – APO, de 2009, trouxe algumas inovações importantes. Em primeiro lugar, foi lançado separadamente do Edital de seleção para o cargo de EPPGG, o que costumeiramente ocorria de forma conjunta. Em segundo lugar, trouxe um conteúdo programático muito mais completo, em relação aos anos anteriores, no que se refere aos conhecimentos afetos à área de planejamento, tanto na prova objetiva, quanto na discursiva. Pela primeira vez o conteúdo de Ciência Política foi incluído dentre as disciplinas cobradas no concurso, bem como as disciplinas Administração Geral, Planejamento e Desafios Contemporâneos ao Desenvolvimento Brasileiro. Percebe-se, pelos programas das provas objetiva e discursiva reproduzidos nos quadros 1 e 2 abaixo, que o Ministério do Planejamento – MPOG espera dos novos Analistas de Planejamento e Orçamento conhecimentos mais profundos nas áreas de ciência política e planejamento, traços não determinantes em provas anteriores. Isso se explica talvez pela tradição histórica do nosso Estado em dedicar mais energia às atividades relacionadas à elaboração e execução do orçamento anual (LOA), do que às atividades de planejamento temático, mais conectadas às ações de formulação de políticas públicas implementáveis no médio e longo prazos. Essa tradição, contudo, vem se modificando. O atual corpo dirigente do MPOG tem enfatizado a importância da participação do órgão junto às esferas decisórias de ações e programas governamentais considerados estratégicos e prioritários ao programa de governo em execução. O atual secretário da Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos – SPI, órgão competente do MPOG pela gestão das atividades de planejamento, tem a visão de que os APOs lotados na secretaria devem apresentar conhecimentos consistentes em políticas públicas, não apenas em processos de elaboração de orçamento e em finanças públicas, já que os analistas deverão acompanhar os processos de formulação e implementação de políticas públicas junto a órgãos finalísticos temáticos (como os Ministérios da Educação, da Saúde, do Meio Ambiente, da Agricultura, etc.). Anteriormente, esta integração entre o Ministério do Planejamento e os ministérios finalísticos ocorria apenas uma vez ao ano, durante os processos de elaboração ou revisão do Plano PluriAnual – PPA, que, entretanto, se assemelhava mais a um procedimento meramente formal-burocrático, que a um processo efetivo de construção coletiva dos programas e ações temáticas componentes do PPA. A SPI entrava no processo decisório apenas em sua fase final, quando todas as decisões já haviam sido tomadas pelos órgãos finalísticos. Estes informavam à SPI sobre suas escolhas durante as rodadas de discussão de formulação ou revisão do PPA. Membros da SPI sentavam-se na mesa de reuniões com representantes dos órgãos finalísticos para ouvir suas demandas acerca da formatação do PPA, muitas vezes sem entender muitas das questões por eles apresentadas; avaliavam a pertinência dos pleitos; e remetiam-nos à apreciação da Secretaria de Orçamento Federal – SOF, que daria o parecer final sobre a pertinência dos pedidos de inclusão ou exclusão de programas ou ações no PPA. Não havia participação da SPI na construção dos programas e ações propostos pelos órgãos finalísticos, apenas apreciação a posteriori. Hoje, a pretensão do MPOG é que essa atuação seja substituída pela participação de membros da SPI nos processos de formulação dos programas e ações prioritários, em cada área temática de políticas públicas, a serem incluídos no PAA, e por sua participação no monitoramento da implementação desses programas e ações junto aos órgãos finalísticos competentes por sua gestão. Um dos principais motivos justificadores de tal resolução é a necessidade de superação dos PPAs ‘frankinstein’, cujos programas e ações não guardam coerência ou complementaridade entre si, enquanto conjunto, ou dos PPAs ‘de fachada’, que não representam a realidade de execução de políticas públicas pelos órgãos finalísticos, mas cumprem somente a função burocrática de permitir alocação de recursos orçamentários a serem administrados pelos mesmos. É com olhar sobre essas novas diretrizes para as ações de planejamento exercidas pelo MPOG, que o novo concurso de APO se enquadra. Mais foco em áreas temáticas e em processos de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas, por isso as disciplinas Teoria Política Aplicada, Planejamento e Desafios Contemporâneos ao Desenvolvimento Brasileiro (ver quadros 1 e 2). Quadro 1 – Prova Objetiva Quadro 2 – Prova Discursiva Administração Geral e Pública apareceu em consonância com o programa do último concurso de gestor, pois ao que parece o MPOG está querendo um APO mais próximo do EPGG. Então, foco em políticas públicas! Vamos ao programa da disciplina Teoria Política. Análise da última prova de EPPGG por temas do edital e número de questões cobradas: Gabarito: 4 questões letra ‘a’, 3 questões letra ‘b’, 3 questões letra ‘c’, 5 questões letra ‘d’ e 5 questões letra ‘e’. 1. Introdução 1.1. o que é Ciência Política? O tema 1 do Edital apresenta aos candidatos os conceitos basilares do campo de estudo da ciência política. Mas afinal o que significa ciência política? política Que ciência é esta? Será que é uma ciência mesmo? O que estuda e como se organiza o estudo da ciência política? São questões introdutórias fundamentais para iniciarmos o estudo do tópico 1. A política perpassa muito das nossas preocupações. O tema é recorrente em conversas, artigos acadêmicos, matérias jornalísticas e em discussões do dia a dia. Há muito se estuda fenômenos políticos. Mas, afinal de contas, qual é o objeto da Ciência Política? O que diferencia a Ciência Política das demais ciências? Qual é o relacionamento da ciência política com o estudo das políticas públicas e da administração pública? Há diversas concepções iniciais sobre o objeto da ciência política. Duas delas são consideradas marcantes: – A ciência política = “Ciência do Poder”. – A ciência política = “Ciência do Estado”. A filosofia e o direito dedicaram grande parte dos seus trabalhos à discussão de temas relacionados ao exercício de Poder e ao Estado. Desse estudo surgiram importantes contribuições, mas a maioria delas feita de maneira isolada. 1.1.1. Histórico Maurice Duverger (1981)1, professor da Ciência Política na Universidade de Bordeaux na França, e um dos principais cientistas políticos do séc. XX classificou a Ciência Política em três fases: a) “A pré-história”: que vai até o início do séc. XIX, quando não se estudava Ciência Política mediante métodos “rigorosamente científicos”. b) “Período intermediário”: ao longo do séc. XIX, quando o termo começa a ser utilizado de forma mais sistemática e os primeiros esforços surgem no estudo da Ciência Política. c) “O período contemporâneo”: Que vai até hoje em que se reafirma a Ciência Política contemporânea. Segundo Duverger (1981), ao longo do séc. XIX, problemas políticos eram estudados fundamentalmente sob o ângulo moral. Com isso, buscava-se estudar as formas de exercício de poder consideradas “boas” e criticar aquelas consideradas “más”. O método de análise era o raciocínio dedutivo, partindo de especulações e pressupostos firmados “à priori” e não da observação de fatos ou da indução fundada nesses fatos. 1 DUVERGER, M. “Ciência Política. Teoria e Método”. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. Com isso, ao início do século XX, o estudo de ciência política seguia, fundamentalmente, essa linha, ou seja: a) era puramente descritivo, isso é, fundada apenas na caracterização dos diferentes tipos de organizações e instituições políticas, ou de eventos políticos específicos, mas com pouca preocupação interpretativa e explicativa (o por quê dos eventos); b) era normativo ou filosófico, ou seja, havia uma preocupação muito grande em prescrever o que era bom, ruim, justo, certo, ou errado. Ao longo da primeira metade do séc. XX a Ciência Política evoluiu consideravelmente, mas se concentrou bastante nos EUA. O primeiro grande impulso da Ciência Política no séc. XX ocorreu com o advento do movimento chamado “Behaviorista” (comportamentalista). Surgiu nos EUA – Univ. Chicago – onde os estudos de ciência política eram comandados por Charles E. Merriam. Dentre seus alunos importantes intelectuais surgiram Harrod Laswell , David Truman, Hebert Simon e Gabriel Almond. Movimento similar surgia, mais ou menos, no mesmo momento, na Univ. de Cornell. O objetivo desses movimentos era o Estudo do comportamento dos vários atores políticos (eleitores, legisladores, burocratas, presidentes e etc). O Movimento comportamentalista adotava técnicas consideradas ‘avançadas’ de coleta e análise de informação, advindas da estatística (especialmente pesquisas por amostragem), da psicologia, da sociologia e da economia. Foi nesse período que a ciência política passou a importar modelos matemáticos de tomada de decisões formulados no âmbito da teoria econômica de escolha racional individual – a microeconomia. Pode-se dizer que foi o primeiro momento da disciplina onde a preocupação principal passou a ser a produção de generalizações, com a criação de ‘modelos’, teorias e tipologias de comportamentos políticos de atores como eleitores, parlamentares, presidentes, ministros, etc. Ao longo dos anos 30 e 40 a ciência política sofreu novo impulso, com a migração de um grande número de intelectuais europeus para os EUA, em decorrência da crise econômica e das guerras no continente europeu, instalando-se uma crise no ambiente universitário. Os europeus traziam consigo a abordagem das ciências sociais européias do século XIX, especialmente a influência de Marx, Weber, Durkheim, Pareto, Mosca, Michels e mesmo Freud. Além do impacto dos seus trabalhos e pesquisas, muitos desses intelectuais passaram a ocupar lugar de destaque no ambiente universitário dos EUA, influenciando a produção acadêmica na área. A produção acadêmica se multiplicava e passava a assumir maior diversidade de abordagens e de posturas teóricas e metodológicas. O comportamentalismo dominante passou a se mesclar com uma série de outras diretrizes de pesquisa. Ao longo da 2ª Guerra Mundial, um grande número de intelectuais da área de ciência política se envolveu no esforço de guerra e participou das atividades governamentais. Ao retornar à universidade, no pós guerra, este intelectuais passaram a se interessar mais intensamente pelo estudo do governo e das políticas públicas, e também pelos sistemas políticos de outros países. Esses estudos passam a receber apoio, mais ou menos sistemático de instituições públicas e privadas (Fund. FORD, Fundação Rockfeller, Fundação Carnegie, etc.). Vários Estudantes e pesquisadores nos EUA e na Europa são estimulados a estudar os sistemas políticos da América Latina. Ao mesmo tempo, muitos estudantes brasileiros são enviados aos EUA e à Europa para aprofundar seus estudos. Cria-se uma base organizacional e recursos humanos para o desenvolvimento de pesquisas na área de ciência política. Movimento similar ocorre em vários outros países da América latina. Com a expansão do número de pesquisadores, a ciência política vai se consolidando como disciplina no mundo inteiro. É neste impulso que o Brasil passa a desenvolver a referida disciplina. A área de ciência política teve no Brasil, historicamente, duas vertentes (SCHWARTZMAN, 1977)2. A mais tradicional, vinculada ao Direito, emerge das Teorias do Estado e se mistura ao objeto de preocupação de considerável número de juristas e constitucionalistas, nas principais Faculdades de Direito do país. A segunda vertente, mais ligada à sociologia e à economia, manifesta-se no país a partir da fundação da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1933, segundo Schwartzman (1977). Entretanto, como aponta o autor, a conexão estreita entre a Ciência Política e o Direito, de um lado, e a Sociologia, de outro, “fez com que a disciplina custasse a adquirir, no Brasil, feição própria”, que a possibilitasse ser cunhada de ‘ciência’. É a partir da década de 50, exatamente no período pós guerra, que a disciplina começa a trilhar seus próprios rumos e adquirir especialização de ‘ciência’. Na década de 50, a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais institui a primeira publicação universitária especializada em estudos políticos, a Revista Brasileira de Estudos Políticos – RBEP, que também foi pioneira na publicação de estudos eleitorais, que traziam pela primeira vez ao Brasil a análise de dados quantitativos para o entendimento de fenômenos políticos, nos moldes da metodologia comportamentalista americana. Com a criação do Departamento de Ciência Política da 2 SCHWARTZMAN, S. “Ciências Políticas no Brasil, Avaliação e Perspectivas”, CNPq, 1977. Disponível em: http://www.schwartzman.org.br/simon/cpolitica.htm Universidade Federal de Minas Gerais, em 1965, se forma o primeiro programa de pósgraduação e pesquisa em Ciência Política no Brasil, seguido dois anos depois pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Mais tarde, uma série de centros de ensino e de pesquisa na área foram fundados no Brasil, entre eles o Departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília (1989), que foi o primeiro no país a oferecer o curso de ciência política como curso de graduação autônomo – separado do curso de ciências sociais. Hoje pode-se dizer que a ciência política é uma disciplina diferenciada das demais ciências sociais e com grande número de especializações e abordagens. Existem diferentes perspectivas metodológicas e teóricas para os problemas relacionados ao estudo da política, que vão desde modelos matemáticos do comportamento legislativo a leituras feministas de políticas públicas. Apesar disso, segundo Duverger (1981), permanece o interesse pelo estudo da filosofia e da história política, que deram início ao estudo do tema. 1.1.2. O objeto de estudo da Ciência Política Ao longo do sec XX, em meio à expansão e diversidade de opiniões sobre o objeto de estudo da CP, destacam-se, segundo Duverger (1981): a) Como a sociedade aloca valores mediante o uso da autoridade b) Formação e atuação do governo c) Dinâmica do espaço público nas sociedades contemporâneas Todas essas definições (e há muitas outras) têm seu mérito e devem ser levadas em consideração. No entanto utilizaremos a definição do Prof. Paulo Calmon (UnB), por questões de conveniência, que, com o intuito de proporcionar uma definição mínima em sua disciplina Modelos de Análise de Políticas Públicas (Mestrado de Ciência Política – UnB), propõe que: “Sempre que indivíduos em grupo estejam interagindo, decidindo, cooperando, disputando, barganhando, se agrupando, residem fenômenos relacionados ao estudo da ciência política. Em outras palavras: a ciência política estuda, fundamentalmente, o comportamento dos grupos, e da sociedade, na busca, definição e implementação dos seus objetivos como grupo (ou sociedade)”. Esta definição, apesar de cunhada de ‘limitada’ pelo próprio autor, é considerada conveniente, pois “nos permite examinar aspectos fundamentais do comportamento e das instituições políticas”. 1.2. O estudo de fenômenos políticos Acordado o entendimento de que o objeto de estudo da ciência política é, em termos gerais, o comportamento de grupos envolvidos em processos de tomada de decisões sobre seus objetivos coletivos, passemos aos métodos adotados por pesquisadores da área para o estudo de eventos dessa natureza. Para o estudo de grupos de indivíduos envolvidos em processos de definição e implementação de seus objetivos coletivos, cientistas políticos estabelecem modelos e teorias. Como a realidade humana é muito complexa e afetada por inúmeras variáveis, propõe-se a construção de modelos, que apresentam de forma matemática ou verbal as principais relações entre variáveis que podem afetar os resultados obtidos por um grupo. Muitos dos estudos e dos grandes autores da ciência política se valeram de modelos teóricos pára explicar determinados fatos políticos experimentados pela sociedade de seu tempo (Ex: Hobbes, Locke, Marx, Mosca, Pareto, etc.). Entretanto, modelos são sempre simplificações da realidade. Têm a vantagem de explicar, de forma clara e transparente o relacionamento entre causa e efeito de eventos analisados, o que facilita a comunicação e competição entre teorias. (Ex: Marx – teoria sustentada por seu modelo de sociedade organizada em classes: o capitalismo é fadado ao fracasso porque explora a classe de trabalhadores, que é justamente a responsável pela sua existência, quando esta classe tomar consciência de sua condição de explorados rebelar-se-á contra a classe de capitalistas e não mais trabalharão, ocasionando a falência do sistema.) Por outro lado, como simplificações da realidade, modelos e teorias estão sempre sujeitos a uma série de limitações metodológicas, visto que o campo da ciência política, e o das ciências sociais como um todo, é marcado por questões complexas que envolvem a imprevisibilidade do comportamento humano3, diferentemente do comportamento da gravidade, por exemplo, que é completamente previsível e imutável. Assim, várias teorias são propostas são propostas para responder a perguntas como: • Por que países com sistemas eleitorais proporcionais tendem a gerar um número grande partidos? • Por que propostas de candidatos a presidente da República tendem sempre a convergir às vésperas da eleição? 3 Tal imprevisibilidade é fruto da reflexividade humana, que segundo Perez-Gomes (1999)*, é característica do ser humano racional e configura a capacidade por meio da qual o homem, voltando-se para si mesmo, para as construções sociais, intenções, representações, estratégias de intervenção, simbologias e intencionalidades, realiza auto-análise, e análise dos grupos sociais aos quais pertence, mobilizando o conhecimento construído para enriquecer e alterar a realidade na gama de papéis sociais que, simultaneamente, desempenha. • PEREZ GOMEZ, A. La cultura escolar em la sociedad neoliberal. Madrid: Morata, 1999 • Por que a influência de lobbies tem crescido apesar dos seus interesses quase sempre serem opostos aos do restante da população? • Por que países democráticos raramente entram em guerra? • Por que os chamados ‘Tigres Asiáticos’ se desenvolveram mais rapidamente que os países da América Latina? Enquanto perguntas como: ‘Porque um objeto quando jogado para cima cai?’, encontra como resposta uma única teoria dominante, que pode inclusive ser chamada de ‘lei’ – a lei da gravidade, posto que é uma teoria de comprovada aplicabilidade. Nas ciências sociais é praticamente impossível se estabelecer uma ‘lei’. Podem existir diversas teorias que tentem explicar, por exemplo, por que pessoas aceitam dar seu voto a candidatos notoriamente corruptos, e por em suas mãos poderes de decisão acerca de decisões coletivas, mas devido à imprevisibilidade e à reflexividade do comportamento humano será tarefa muito difícil transformar qualquer dessas teorias em lei, ou seja, em teoria aplicável a todo e qualquer ser humano. 2. Tema 1: Conceitos Básicos da Ciência Política Os conceitos básicos da ciência política incluídos no item 1 do edital são basilares para a compreensão dos modelos e teorias da disciplina. São conceitos aplicáveis ao relacionamento entre indivíduos organizados em grupos, de cuja organização e coesão depende o sucesso de suas conquistas coletivas. Assim, a compreensão da dinâmica de relacionamento intra e inter grupos envolve o conhecimento dos conceitos consenso, conflito, política, poder, autoridade, dominação, legitimidade, soberania, ideologia e hegemonia, que não coincidentemente foram incluídos no primeiro item do edital. 2.1. Consenso 2.2. Segundo Bobbio, Matteucci, e Pasquino4, o termo Consenso denota: “a existência de um acordo entre os membros de uma dada unidade social sobre os princípios, valores normas, bem como aos objetivos almejados pela comunidade e aos meios para alcançá-los” (Bobbio, Matteucci, e Pasquino, 2007, 240)”. Assim, em processos de negociação entre indivíduos de um grupo, ou de uma comunidade, sobre decisões a serem tomadas em prol do interesse coletivo, a situação de consenso é aquela na qual os membros são capazes alcançar um acordo geral entre si sobre o quê e como fazer. Cabe ressaltar, contudo, que a situação de consenso é 4 BOBBIO, N., MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. ‘Dicionário de Política’. Brasília: Ed. da Universidade de Brasília. 2007 – verbete: Consenso. eminentemente um estado relativo, pois, a obtenção de uma decisão consensuada não significa necessariamente que todos os membros do grupo dispunham da mesma opinião a priori. Significa tão somente que no processo de negociação os diversos atores expuseram suas opiniões e chegaram a um denominador comum, convencendo ou sendo convencidos, nos pontos de eventuais discordâncias. Não significa também que o coletivo atingiu, necessariamente, um ‘meio-termo’ que deu origem à solução final; significa apenas que, após todos serem ouvidos, a decisão foi tomada e aceita por todos. A obtenção de consenso em uma sociedade é importante como elemento fundamental de solidariedade, pois quando há valores compartilhados entre membros de uma coletividade há maior propensão à cooperação, o que fortalece o sistema político; além de funcionar como fator de redução da utilização do poder coercitivo para a indução de comportamentos aprovados pelos detentores do poder, embora isso não torne dispensável a necessidade da utilização legítima da violência para a resolução de casos controversos. Cabe ressaltar ainda que, em uma dada unidade social, é praticamente impossível se imaginar uma situação de consenso absoluto. Faz muito mais sentido se falar em graus de consenso, acerca de questões determinadas, já que por mais coeso que seja um grupo, sempre haverá diferenças de opiniões entre os indivíduos acerca de determinados temas, em virtude de sua vivência, educação, origem familiar, etc. Assim, pode-se dizer que há questões mais facilmente consensuáveis do que outras. Aspectos procedimentais das decisões coletivas, ou as ‘regras do jogo’, essenciais para o funcionamento do sistema político, são normalmente pontos de consenso entre membros de uma comunidade, ao passo que ‘aspectos substantivos’ das decisões, referentes ao seu mérito, são mais dificilmente objeto de consenso. Na hipótese de inviabilização de decisões consensuais, uma coletividade pode sempre recorrer à realização de votações, que consiste no estabelecimento de uma decisão na qual maioria concorde. O nível de consenso é, ainda, variável de uma coletividade a outra, dependendo, Segundo Bobbio, Matteucci, e Pasquino (2007: 241) dos seguintes aspectos: a) grau de homogeneidade sócio-cultural; b) sucessão, em um mesmo país, de regimes políticos fundamentalmente diversos no tocante às regras essenciais do funcionamento do sistema político; c) grau de coesão dos meios de socialização; d) coexistência de ideologias antagônicas; e) forma de interação das diversas forças políticas, principalmente quando buscam o apoio das massas. Afetam o nível de consenso, segundo Bobbio: a) Transformações sócio-econômicas estruturais e inovações tecnológicas circunstanciais, que aumentam a expectativa de ganhos e potenciais disputas entre indivíduos ou grupos; b) Grupos étnicos, lingüísticos ou religiosos, embora a existência destes não impeça, per si, o alcance do consenso; c) Regimes políticos repressivos, que tendem à superestimação do Consenso, pois as divergências são mantidas na clandestinidade 2.3. Conflito “Forma de interação entre indivíduos, grupos, organizações e coletividades que implica em choques para o acesso e a distribuição de recursos escassos”. (Bobbio, Matteucci, e Pasquino, 2007: 225) O conflito é analisado na ciência política segundo duas vertentes teóricas, uma que o entende como uma normalidade – o conflito faz parte da vida em sociedade; enquadram-se nessa linha Marx, Stuart Mill e os pluralistas, como Robert Dahl; a outra vertente entende o conflito como uma patologia – um acidente de percurso da sociedade que deve ser corrigido, como visto por Comte, Durkheim e Pareto. Para Marx, ademais, em toda sociedade o principal tipo de conflito e motor da mudança histórica é a luta de classes. Entre as duas vertentes mais extremas, pode-se considerar que há diversos graus de conflito e que essa gradação pode variar de saudável a patogênico. Assim, como não é possível eliminar o conflito, e nem sempre é possível alcançar o consenso, ou o bem comum (Schumpeter), é freqüente a tentativa de regulamentá-lo, com base em regras aceitas pelos participantes, que estabelecem limites para o conflito (regra da maioria, por exemplo). Quando o conflito se desenvolve sob regras aceitas, sancionadas e observadas, ocorre a sua institucionalização. 2.4. Política Segundo Bobbio, Matteucci, e Pasquino (2007: 954) o termo ‘política’ surgiu como a atividade ou conjunto de atividades que tem como referência a ‘polis’ grega, ou seja, o Estado. Cientistas políticos contemporâneos, contudo, têm atribuído ao termo significados mais substantivos, como Schmitter (1974)5, que aponta a política como a solução pacífica dos conflitos, e Maria das Graças Rua, que a define como o conjunto 5 SCHMITTER, P. C. “Reflexões sobre o Conceito de Política”. Brasília: Ed. UnB, 1974. de procedimentos e instrumentos formais e informais destinados à resolução pacífica de conflitos no tocante ao usufruto privado de bens públicos. 2.5. Poder; Poder, segundo Weber, em sua obra ‘Ensaios de Sociologia’, denota a “vontade do dominador que faz com que os dominados ajam, em grau socialmente relevante, como se eles próprios fossem portadores de tal vontade” (Campante, 2003: 155)6. É a partícula fundamental da organização política, pois determina a assimetria nas relações de mando e obediência segundo Ribeiro (1981)7. " Para, Campante (2003:155) o mais relevante para observação de exercício de ‘poder’ não é, em si, a obediência real, e sim “o sentido e o grau de sua aceitação como norma válida, tanto pelos dominadores, que afirmam e acreditam ter autoridade para o mando, quanto pelos dominados, que crêem nessa autoridade e interiorizam seu dever de obediência” Em sentido mais geral, poder consiste na ‘capacidade ou possibilidade de agir, de produzir efeitos’ (Bobbio, Matteucci, e Pasquino, 2007: 933); em sentido social, consiste na capacidade de determinar o comportamento alheio, ou na capacidade de imposição da própria vontade, a despeito da resistência do outro, visando um objetivo/fim. (Idem). Assim, o ‘poder social’ é aquele do qual o homem é simultaneamente sujeito e objeto, sendo relativo em essência pois é relacional; depende do contexto e das pessoas envolvidas. O poder, por ser um dos componentes essenciais das organizações coletivas, é um dos elementos básicos do objeto de estudo da Ciência Política. As relações de poder existentes no seio da sociedade determinam a forma como as decisões afetas à coletividade são tomadas. A questão central, segundo João Ubaldo Ribeiro (1981) é descobrir “quem manda”, “como manda” e “por quê manda”. Segundo Bobbio, as tradições clássica e moderna da política podem ser diferenciadas pelas concepções de poder predominantes em cada uma delas Tradição Antiga 6 Tradição Moderna CAMPANTE, R., G. “O Patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia Brasileira”. Dados [online]. 2003, v. 46, n. 1, pp. 153-193. ISSN 0011-5258. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/dados/v46n1/a05v46n1.pdf 7 RIBEIRO, J. U. “Política”. Nova Fronteira. 1981 Poder O poder é exercido para Poder O poder deriva da relação de Paterno benefício dos governados, Econômico necessidade e dependência que que não possuem autono-mia cidadãos mais pobres possuem ou capacidade de participar em relação aos mais ricos, que das possuem decisões políticas. (natureza) a determinar capacidade suas de ações e decisões. (bens escassos) Poder O poder é exercido para Poder O poder deriva de crenças e Despótico benefício percepções do mundo produzi- exclusivo do Ideológico governante. A relação entre das por uma determinada ideo- governante governado logia, disseminada pelo Estado, relação pelas tradições, pela religião, assemelha-se e à travada entre o senhor e seu etc. (idéias) escravo. (castigo) Poder O poder está assentado sobre Poder O poder deriva da detenção dos Político o instrumentos de violência e consentimento dos Político governados, que enxergam coerção. Possui o poder político na relação de dominação aquele uma monopólio do uso legítimo da finalidade que o favorece. (consenso) que possui a o força. (monopólio da força) 2.6. Autoridade ‘Relação de poder estabilizado e institucionalizado em que os súditos prestam uma obediência incondicional’, pois acreditam como normas válidas as relações de poder estabelecidas entre si e o dominador (Bobbio, Matteucci, e Pasquino, 2007: 89). O dominante que conta com a aceitação (legitimidade) por parte do dominado constitui-se autoridade. É, assim, uma forma de expressão do poder, na qual o poder se pauta no consentimento dos súditos e em sua aceitação do poder sobre eles exercidos como legítimo. Produz a atitude da obediência incondicional (mais ou menos estável no tempo), pois, na percepção de participarem de uma relação de poder legítima, os súditos associam obediência a um dever a ser cumprido. Ainda, segundo Bobbio e seus colaboradores, são atributos da autoridade: a) o caráter hierárquico das organizações coletivas em que incide, não sendo requerido, necessariamente, estrutura formal para garanti-lo; b) estabilidade no exercício de poder de quem a possui, embora a obediência incondicional, apesar de durável, não seja permanente, necessitando, de tempos em tempos, reafirmação ostensiva da qualidade da fonte do poder; c) o caráter gradativo com que é construída pelo detentor do poder que a desfruta, envolvendo processos complexos de construção ao longo do tempo; d) crença dos súditos na legitimidade do poder exercido pelo governante, que a ele devotam obediência. Tal legitimidade é capaz de transformar poder factual em poder estabilizado, gerar a autoridade e conferir estabilidade à própria autoridade, que, constituída em bases legítimas, confere ao poder maior eficácia. Entretanto, o titular da autoridade pode perder sua legitimidade, quando seus subordinados perde a crença nos princípios que o legitimavam como chefe político e fundamentavam sua autoridade. Nesses casos, há alto potencial de conflito, tanto os superiores quanto os subordinados tendem a se sentir traídos em suas expectativas e valores, diminuindo a relação de autoridade. 2.7. Dominação “A dominação, ou seja, a probabilidade de encontrar obediência a um determinado mandato, pode fundar-se em diversos motivos de submissão. Pode depender diretamente de uma constelação de interesses, ou seja, de considerações utilitárias de vantagens e inconvenientes por parte daquele que obedece. Pode também depender de mero “costume”, do hábito cego de um comportamento inveterado. Ou pode fundar-se, finalmente, no puro afeto, na mera inclinação pessoal do súdito. Não obstante, a dominação que repousasse apenas nesses fundamentos seria relativamente instável” Max Weber (1986)8. ‘Nas relações entre dominantes e dominados, por outro lado, a dominação costuma apoiar-se internamente em bases jurídicas, nas quais se funda a legitimidade, e o abalo dessa crença na legitimidade costuma acarretar conseqüências de grande alcance. Em forma totalmente pura, as “bases de legitimidade” da dominação são somente três, cada uma das quais se acha entrelaçada – no tipo puro – com uma estrutura sociológica fundamentalmente diversa do quadro e dos meios administrativos” (Idem). 8 WEBER, M. Os três tipos puros de dominação legítima. In: COHN, G. (org.). Max Weber: sociologia. 3ª ed. Col. "Grandes Cientistas Sociais". São Paulo: Ática, 1986. p. 128-141. Disponível em: http://www.ufrgs.br/tramse/pead/textos/weber.pdf Nos ‘tipos puros’, ou ideais, weberianos, a dominação consiste no exercício contínuo do poder estabilizado, baseado em algum tipo de legitimidade, que confere autoridade ao dominador. O autor identifica três formas distintas de constituição da autoridade e de conferência de legitimidade ao poder: a) Dominação carismática: poder legitimado pela devoção afetiva dos súditos à pessoa do senhor, a seus dotes sobrenaturais (carisma), ou faculdades mágicas, revelações, ou heroísmo. Este tipo de dominador normalmente possui poder intelectual ou de oratória, que fortalecem sua legitimidade e autoridade. Seus tipos mais puros são a dominação do profeta, do herói guerreiro e do grande demagogo. b) Dominação tradicional: poder legitimado pela crença na validade das ordenações e dos poderes senhoriais há muito existentes. Seu tipo mais puro é o da dominação patriarcal. Obedece-se à pessoa em virtude de sua dignidade própria, da honra e destaque de sua família, santificadas pela tradição e pelo nome. O conteúdo das ordens está fixado pela tradição. Exemplo: direito divino dos reis. c) Dominação racional-legal: o poder deriva de um estatuto jurídico-legal que organiza e disciplina as funções e os limites do Estado, os direitos individuais e os instrumentos de mitigação do conflito social, sendo esta a sua fonte de legitimidade. É um indicador da modernização da política e da administração pública, que busca forma de tornar-se mais. Tem forte relação com o conceito de Estado de Direito. Obedece-se não à pessoa em virtude de seu próprio direito ou qualidade, mas à regra instituída; 2.8. Legitimidade Consiste, segundo Bobbio, Matteucci, e Pasquino (2007: 675), em ‘atributo do Estado, que consiste na presença, em uma parcela significativa da população, de um grau de consenso capaz de assegurar a obediência sem a necessidade de recorrer ao uso da força, a não ser em casos esporádicos’. As relações de poder pressupõem duas partes – uma dominante e outra dominada. Essa relação é dotada de legitimidade quando a parte dominada reconhece o direito que o dominante possui de impor suas decisões; consiste na base da aceitação da dominação pelos dominados e no pilar da autoridade. 2.9. Ideologia Ideologia é um conceito bastante plural, entretanto, um dos mais precisos e compreensíveis é o que trata o termo como forma de legitimação da dominação no meio social. Segundo Eagleton (1997:16)9, a ideologia ‘legitima a dominação existente no seio da sociedade, na medida em que ‘ naturaliza’ uma situação histórico-social dada’. Assim, o autor entende por ideologia o processo de propagação de idéias pelo qual ‘a vida social é convertida em uma realidade natural’. No verbete ‘Ideologia’ do Dicionário de Política organizado por Bobbio são apresentadas várias definições para o termo, que podem ser divididas em duas frentes de significados. Uma que o define como ‘um corpo de idéias característico de um determinado grupo ou classe social’ (Eagleton), que designa ‘o gênero ou espécie dos sistemas de crenças políticas, compreendendo um conjunto de idéias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos’ (Stoppino); e uma outra claramente alinhada ao entendimento marxista do termo, que compreende a ideologia como ‘idéias falsas que ajudam a legitimar um poder político dominante’ (Eagleton), ou como ‘a falsa consciência das relações de domínio entre as classes’; a ideologia como uma crença falsa (Stoppino). 2.10. Hegemonia No contexto das relações internacionais, hegemonia significa supremacia de um Estado (ou comunidade de Estados/Região) em um sistema de poder, no qual ele aparece como guia dos Estados/Regiões subordinados. Essa supremacia significa preeminência militar, econômica e cultural (soft power). Assim, hegemonia pode ser entendida como um tipo de influência muito forte entre países. No marxismo o termo tem outra conotação, para Lênin hegemonia é a tradução da coação dos capitalistas sobre os trabalhadores em domínio, por seu comando sobre a infra-estrutura da sociedade – os meios de produção. Gramsci apresentou um leitura mais elaborada, segundo a qual, hegemonia significa um tipo de liderança intelectual, cultural e/ou moral no nível da super-estrutura da sociedade – os valores culturais, educacionais e morais da sociedade. Não é necessário utilizar a força, bastam as instituições super-estruturais da sociedade civil para reprodução da liderança da classe hegemônica. 2.11 . Soberania Representa a autoridade suprema. Forma de poder político exclusivo e não derivado, que aparece como um conceito jurídico-político que denota não existência, em uma sociedade, de outro poder semelhante. Pretende ser a racionalização jurídica do poder, 9 EAGLETON, Terry. Ideologia – Uma introdução. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista e Editora Boitempo, 1997 ou a transformação da força em poder legítimo, do poder de fato em poder de direito. Requer uma única fonte de administração do uso da violência. Quando guerrilhas armadas, por exemplo, ameaçam o monopólio de uso da violência pelo Estado, ou exercem coerção sobre indivíduos tutelados pelo Estado, pode-se dizer que há uma crise de sua soberania 3. Tema 2: Estado: Conceito e evolução do Estado moderno. Estado, governo e aparelho de Estado. O aparelho de Estado nas democracias liberais. Tema 4: Burocracia 3.1 O Estado Moderno - conceito Segundo a definição criada por Max Weber, a característica presente em todas as manifestações do Estado é a detenção do monopólio do uso legítimo da força/ violência. A disputa pelo controle do Estado é a luta pela posse reconhecida da capacidade de utilização de recursos de violência para fazer valer suas decisões. organizações políticas tornam-se Estados quando dotam-se de aparato administrativo capaz de requerer, com sucesso, o ‘monopólio legítimo do uso da violência (ou poder coercitivo), em um dado território’. (Bobbio, N. Estado, Governo e Sociedade, 1999: 57). Este é o conceito mais unanimemente aplicável hoje e o mais cobrado em concursos que cobram o tema. O termo “Estado” se impôs através da difusão e pelo prestígio do Príncipe de Maquiavel; Entretanto, para alguns, o conceito de Estado não é um conceito universal, ‘mas serve apenas para indicar e descrever uma forma de ordenamento político surgida na Europa a partir do século XIII até início do sec. XIX. e, que, após esse período, se estendeu - libertando-se, de certa maneira, das condições originais e concretas de nascimento – a todo o mundo civilizado’10 (Bobbio, Matteucci, e Pasquino, 2007: 425). Na concepção weberiana, o Estado moderno é definido por dois elementos constitutivos: a presença de um aparato administrativo com a função de prover a prestação de serviços e o monopólio legítimo da força. Para Engels, o Estado nasce da dissolução da sociedade gentílica fundada sobre o vínculo familiar (clãs); o nascimento do Estado assinala a passagem da barbárie à civilização. Com o nascimento da propriedade individual nasce a divisão do trabalho e a formação de classes, donde surge o poder político – o Estado, cuja função é 10 Ernst W.Boeckenfoerde in: BOBBIO, N., MATTEUCCI, N., PASQUINO, “Dicionário de Política, Verbete: ‘Estado Moderno’, p. 425 essencialmente manter o domínio de uma classe sobre outra, recorrendo inclusive à força, de modo a impedir que a sociedade de classes degenere-se em anarquia (Idem). Na linguagem jurídica, o Estado tem sido definido através de três elementos constitutivos: o povo, o território e a soberania. Para Bobbio, a condição necessária e suficiente para que exista um Estado é que sobre um determinado território se tenha formado um poder em condições de tomar decisões e emanar comandos, vinculatórios a todos aqueles que vivem naquele território e efetivamente cumpridos pela grande maioria dos destinatários quando a obediência é requisitada (Ibidem); Para Bresser Pereira, o conceito de Estado é impreciso na ciência política. É comum confundir-se Estado com governo, com estado-nação ou país, e mesmo com regime político, ou com sistema econômico O autor relata que Sabino Cassese (1986) encontrou 145 diferentes utilizações para o termo Estado, em estudo de 1931. Para Pereira, o Estado é uma organização que se diferencia das demais organizações porque é a única que dispõe do poder extroverso, um poder político que ultrapassa seus próprios limites. Enquanto as organizações burocráticas possuem normas que apenas a regulam internamente, o Estado é constituído por um conjunto de leis que regulam toda a sociedade. (BRESSER PEREIRA11, 2001:5 ). Na visão contratualista, o Estado é o resultado político-institucional de um contrato social por meio do qual os homens 'cedem uma parte de sua liberdade a esse Estado para que o mesmo possa manter a ordem ou garantir os direitos de propriedade e a execução dos contratos' (BRESSER-PEREIRA, 2001:7). O Estado, sob esta perspectiva não é o produto histórico da evolução e complexificação da sociedade, mas a conseqüência lógica da necessidade de ordem. Do ponto de vista da sociedade, o Estado corresponde ao espaço institucional destinado ao tratamento das demandas apresentadas ao sistema político pela sociedade civil, que o fornece os 'inputs' que orientarão as ações e os resultados a serem buscados pelo Estado, que tem o dever de apresentar respostas aos pleitos dirigidos (outputs). O contraste entre sociedade civil e Estado põe-se como contraste entre quantidade e qualidade das demandas e capacidade das instituições em dar respostas adequadas e tempestivas. (Bobbio ,1999: 35) 3.1.1 Elementos Constitutivos do Estado Moderno a) povo 11 BRESSER PEREIRA11, L. C. “Estado, Aparelho de Estado e Sociedade Civil”, 2001 b) soberania c) território demarcado, sobre o qual a soberania do Estado é exercida d) um governo ( Bobbio et al. 2007, verbete Estado Moderno) A estes elementos Bresser Pereira acrescenta a existência de: e) uma burocracia ou tecnoburocracia pública, ou seja, um corpo de funcionários hierarquicamente organizados, que se ocupa da administração; f) uma força policial e militar, que se destina não apenas a defender o país contra o inimigo externo, mas também a assegurar a soberania, a obediência âs leis e assim manter a ordem interna g) um ordenamento jurídico impositivo, que extravasa o aparelho do Estado e se exerce sobre toda a sociedade. (BRESSER PEREIRA, 2001:8) 3.2 Estado Aparelho de Estado12 e Governo O Estado se distingue do ‘aparelho de Estado’, chamado contemporaneamente de Administração Pública, pois, enquanto as organizações burocráticas possuem normas que apenas a regulam internamente, o Estado é adicionalmente constituído por um grande conjunto de leis que regulam toda a sociedade. (BRESSER PEREIRA, 2001: 8) O ‘aparelho de Estado’, ou a Administração Pública, regulada pelo direito administrativo, e dividida em três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), é uma organização burocrática. Corresponde ao conjunto de agências e de servidores profissionais, mantidos com recursos públicos, cujas atividades devem ser realizadas em conformidade com que a lei estabelece, e que são encarregados da decisão e implementação das normas necessárias ao bem estar social e das ações necessárias à gestão da coisa pública. O corpo dirigente governamental, a burocracia e a força militar e policial compõem o aparelho de Estado, ou a Administração Pública, bem como todo o conjunto de órgãos, serviços e agentes do Estado dedicados a atividades envolvidas na execução concreta das tarefas ou incumbências consideradas de interesse de público ou comum numa coletividade, tais como a segurança, a cultura, a saúde e o bem estar das populações. (Idem) O Estado, porém, é mais do que seu aparelho, porque inclui todo o sistema constitucional-legal que regula a população existente no território sob sua jurisdição. A formação da Administração Pública, ou do aparelho de Estado, tende a ocorrer em 12 Podem aparecer também os seguintes termos como sinônimos: Estado-máquina; Estado-mecanismo; Estado-Administração momento imediatamente posterior à unificação do Estado. Mundaneidade, finalidade e racionalidade fundem-se para dar ao Estado “imagem de autêntico aparelho da gestão do poder, operacional em processos cada vez mais próprios e definidos”, justificados pelos ideais de “paz interna do país, eliminação do conflito social”. Técnica e normas gerais são necessárias para a resolução de casos controversos de disputas de direitos entre indivíduos, que, com o Estado moderno, passa a ser o sujeito principal da ação do Estado, diferentemente da organização social da Idade média que dialogava com estamentos sociais. O Governo, por sua vez, é a instância máxima de administração executiva, de um Estado ou de uma nação. Governo é corpo decisório que exerce o poder de regrar uma sociedade política. Uma nação sem Governo é classificada como anárquica. Pode existir governo sem Estado, mas não Estado sem governo. 3.3 A formação do Estado Moderno A formação do Estado Moderno foi um processo multissecular pelo qual o poder político transferiu-se de uma ou várias pessoas para uma instituição, caracterizado pela despersonificação das relações de mando político – o Estado. Foi um processo gradual de centralização/concentração e institucionalização do poder, que resultou de um ordenamento jurídico imperativo, aplicável universalmente a todos os cidadãos circunscritos no território sob sua jurisdição. A transição para a nova forma de organização do poder expressamente político ocorreu de maneira conturbada, com a eclosão de diversas lutas religiosas. Dos conflitos não houve triunfo de uma fé sobre a outra, mas superaram-se as pretensões de se criar um poder com base na fé. A religião deixa de ser parte integrante da política. A política, por sua vez, se justifica a partir de dentro, para os fins que é chamada a realizar, que são os fins terrenos, materiais e existenciais do homem: em primeiro lugar a ordem e o bem-estar. (SCHIERA, P. “Estado moderno” e GOZZI, Gustavo. “Estado Contemporâneo”. In: BOBBIO, et all. Dicionário de Política) 3.3.1 Antecedentes históricos A formação do estado moderno foi precedida pela organização política e territorial característica da Idade Média, em feudos, grandes unidades territoriais , de economia agrária não monetarizada, transmitidos hereditariamente, governados por uma aristocracia de proprietários guerreiros dotados de prerrogativas de extrair tributos, estabelecer leis, aplicar a justiça e manter exércitos. Esta organização social era caracterizada por um modelo piramidal de categorias ou estamentos sociais, sem mobilidade possível: clero, nobres(senhores feudais) ocupavam o ápice e servos e camponeses ocupavam a base, subordinados aos primeiros. Nos burgos concentravamse artesãos e comerciantes não enquadrados na estrutura tradicional da sociedade. Este modelo de organização política era marcado pela multiplicidade dos centros de poder; pela fragmentação da autoridade política; pela posse e uso privado dos instrumentos de gestão pública: cunhar moedas, cobrar tributos, impor normas de conduta, aplicar justiça, etc; pela economia agrária não monetarizada, realizada em unidades auto-suficientes, voltadas para a subsistência; pelas relações de domínio pessoais baseadas no pacto de suserania e vassalagem e em relações de dependência e subordinação (servo/senhor); e pela subordinação do poder material ao poder espiritual da Igreja Católica. Neste período anterior à formação do Estado Moderno, a organização política caracterizava-se pelo patrimonialismo. O poder político era exercido pelos senhores feudais em seus territórios de jurisdição, que nada mais eram que suas propriedades, terras herdadas ou adquiridas por títulos de nobreza. Nestas propriedades, contudo, viviam muitas outras pessoas para além dos membros de sua família, servos e suas famílias, que, pelo nascimento, não tinham direito a terras e precisavam pedir acolhida aos nobres senhores de terras em troca de seu trabalho e subserviência. Assim, os senhores administravam bens e necessidades coletivas; e tão maiores fossem seus domínios, maior seria a coletividade sob sua tutela a demandar decisões e serviços, o que requeria uma organização administrativa mínima. Era necessário manter um exército, para defesa da propriedade contra ataques externos, prover insumos à produção agro-pecuária, meios de transporte, meios de estocagem de alimentos e outros produtos, construção de moradias, etc. Todos esses serviços requeriam uma organização administrativa mínima por parte do senhor feudal, que, entretanto, os desempenhavam como parte da administração de sua propriedade. Todos os serviços de interesse coletivo eram providos tal como se fossem os interesses privados do senhor. Não havia separação entre público e privado. A administração das coisas públicas ocorriam em meio à administração privada da propriedade do senhor. É nesses termos que Weber observa a forma mais primária de administração pública – a administração patrimonialista, que precedeu a formação do Estado Moderno. 3.3.1.1 A Sociedade Patrimonialista A organização social patrimonialista representa a forma mais primitiva de administração pública, aonde a comunidade política expande-se a partir da comunidade doméstica e do poder de ‘pater familia’. É expressão da forma ‘tradicional’ de dominação13, segundo Weber (1986), cuja legitimação do poder é dada pela tradição e pelas hierarquias de nobreza, que conferem ao nascimento a qualidade de rei, nobre ou servo. Estruturou-se na sociedade medieval organizada em estamentos, na qual o indivíduo não possuia presença política. A Interlocução do rei com os súditos, quando existente, ocorria via categorias sociais, como a nobreza e clero que, para Monstesquieu (1748, O Espírito das Leis, Cap IV), constituíam ‘poderes intermédiários’, ou ‘canais médios por onde fluía o poder14: Caracteriza-se por: a) ausência de direito formal; b) confusão entre o poder privado e o poder público do governante e de seus auxiliares; c) ausência de estrutura de cargos definida por áreas de competências; d) quadro administrativo cujas relações de fidelidade caracterizam-se pela devoção pessoal dos servidores ao senhor, ao invés do dever ou disciplina objetivamente ligados ao cargo. A administração patrimonialista caracteriza-se também pela pessoalidade das decisões do governante, que podem atingir altos graus de arbitrariedade, visto que todas as decisões por ele tomadas são feitas tal como se fosse o chefe da família. Entretanto, segundo Weber pode-se identificar dois tipos distintos de administração patrimonialista, uma em que o governante dispõe de maior autonomia sobre suas decisões, o tipo patriarcal, e aquela em que o governante dispõe de menor autonomia sobre suas decisões, pois a divide com membros da nobreza e do clero cujo poder tenha sido sacramentado por uma forte tradição, o tipo estamental. (Campante, 2003:156) Esses dois tipos de governos patrimoniais correspondem à classificação de Montesquieu, ‘governos despóticos’ e ‘monarquias’. Sendo os governos despóticos aqueles regimes patrimonialistas em que o senhor governa praticamente por si só e as monarquias os regimes patrimonialistas em que o rei divide o poder de decisão com categorias sociais tradicionais. Nas formas de dominação carismática, aonde a liderança e o poder exercido pelo chefe político baseiam-se plenamente em suas qualidades pessoais, ou ‘carismas’, a tendência é que o poder político concentre-se inteiramente nas mãos do líder e que, em sua forma mais pura, sejam estabelecidos ‘governos despóticos’, ou ‘patriarcais’ de caráter autoritário e dominador, na classificação de Montesquieu. Para o autor este tipo 13 Ver página12. O autor entendia que, na ausência desses poderes intermediários, existiria no Estado apenas a vontade momentânea e caprichosa de um só (...), o que o qualificaria não como monarca, mas sim como déspota. 14 de governo é altamente perigoso, pois está altamente às vontades arbitráias do governante, além de ser extremamente frágil, sujeito à grande instabilidade, pois a devoção à pessoa do líder só é mantida enquanto o carisma subsistir. Tem dificuldades em se organizar e se manter ao longo do tempo, e de incorporar os procedimentos técnicos normais das grandes organizações. O que importa são sempre os fins, e nunca os meios ou as formas de chegar até eles; a não ser quando as próprias formas e procedimentos adquirem, elas mesmas, características ritualizadas e sagradas. Seu quadro administrativo é baseado na irracionalidade, não havendo, portanto, regras estatuídas ou tradicionais. Falta o conceito racional da competência, assim como o estamental dos privilégios. Possui um caráter extracotidiano e puramente pessoal. No caso dela continuar subsistindo, passando a autoridade do senhor para seus sucessores, ela se torna uma relação rotineira, cotidiana. Neste caso ocorre a mudança da ordenação carismática para a tradicional, por transformação do sentido próprio do carisma, pela passagem do quadro administrativo carismático a um estamental. Com o tempo, após recorrentes gerações de sucessões, a organização inicialmente carsimática pode se tornar um regime patrimonialista estamental, com constituída classe de famílias tradicionalmente influentes, tornando-se a ‘nobreza’, ou ‘poderes intermédiários’ da sociedade Segundo Montesquieu, em monarquias aonde existe a figura intermediária da nobreza ou do clero, bem constituída e sólida em legitimidade, por força da tradição, o arbítrio do governante é ponderado e isso previne o povo contra o ‘despotismo’, ou patriarcalismo15. Sendo assim, perecebe-se que se a administração pública patrimonialista é a forma mais primitiva de organização social e política, sua forma patriarcal, ou despótica (Montesquieu), é ainda mais primitiva que sua forma estamental, ou monárquica (Montesquieu), onde o poder arbitrário do rei é mitigado pela existência de fortes ‘poderes intermédiários’ (clero e nobreza). As duas variações do patrimonialismo presumem, porém, em maior ou menor grau, por força dos poderes intermediários: poder hereditário, arbitrário e compassivo nas mãos de um governante, que se manifesta de modo pessoal e instável e se sujeita aos caprichos e à subjetividade do dominador. 15 Alega Montequieu: “Assim como o poder do clero é perigoso numa república, ele é conveniente numa monarquia; principalmente naquelas que tendem para o despotismo. Que seria da Espanha e de Portugal, desde a perda de suas leis, sem este poder que sozinho freia o poder arbitrário? Barreira sempre boa, quando não este outra, pois, como o despotismo causa na natureza humana males assustadores, até mesmo o mal que o limita é um bem.” (Montesquieu, 1748) Neste modelo de administração pública não se pode falar de uma ‘burocracia’ técnica e racional, o quadro administrativo formado era puramente pessoal do senhor, formado por servidores, com exercício de funções públicas por particulares, sem separação entre público e privado. Nobres armam seus camponeses para guerras, e passam períodos regulares na corte a serviço dos reis. ‘Pessoas governam, cobram impostos, desempenham funções jurídicas em interesse próprio: o coletor de impostos é sócio do governo, o prefeito explora as terras de municipalidade e fica com parte dos lucros, os funcionários são "donos" dos cargos que exercem, e estes cargos podem ser comprados, cedidos pelo governo como parte de prêmios e honrarias, e mesmo transmitidos hereditariamente’ (Campante, 2003:156). Os cargos públicos, nesse tipo de administração são considerados ‘prebendas’, para Brsser Pereira. ‘A res publica não é diferenciada das res privada. Em conseqüência, a corrupção e o nepotismo são inerentes a esse tipo de administração’. (Bresser-Pereira Plano Diretor da Reforma do Estado,1995:16). 3.3.1.2 Decadência do Patrimonialismo O modelo de administração pública patrimonialista vigorou durante toda a idade média, mas, com a emergência da burguesia, a partir do desenvolvimento do comércio e do capitalismo, sua fonte de legitimidade passou a ser contestada. A legitimação do poder político pela tradição e pelos costumes passou a ser questionada pela emergente classe, que reinvindicava participar do comando do poder do Estado, visto que apresentava uma série de demandas não capazes de serem satisfeitas pelas estruturas decisórias do Antigo Regime. Entretanto, não figurando dentre as famílias detentoras de títulos de nobreza, os burgueses não tinham acesso ao poder político. Ganhavam importância econômica e tornavam-se ricos, mas isso não se revertia, por exemplo em posse de terras ou capacidade real de influenciar as decisões reais, tais prerrogativas continuavam restritas à nobreza e ao clero. A burguesia emergente apresentava uma série de demandas, tais como padronização de pesos, medidas, moeda, redução e racionalização dos tributos pagos à coroa e acesso à aquisição de terras16. Ademais, sendo seus interesses relacionados à ordem econômica, que envolve altos graus de racionalidade na gestão dos recursos escassos e demandas individuais infinitas, os burgueses não aceitavam o poder hereditário e arbitrário nas mãos de um governante, que se manifesta de modo pessoal e instável e se sujeita à sua 16 As terras no Antigo Regime eram vinculadas aos títulos de nobreza e à igreja, quem estivesse fora desses estratos não tinha direito à terra própria. subjetividade e caprichos. Era necessário um governante com habilidade técnica para tratamento da função, o nascimento não poderia determinar quem governaria, nem este governante poderia tomar decisões com base apenas em suas opiniões pessoais e em sua vontade. A gestão de recursos escassos e demandas infinitas envolve conhecimentos especializados que devem embasar as decisões públicas; o governante deveria governar sempre de forma a otimizar esta função, sob pena de fuga de finalidade. Ademais, a burguesia requeria um regime em que pudesse se desenvolver socialmente e economicamente. Os limites do regime feudal e da sociedade estamental não possibilitavam tal ascenção. Era preciso um Estado que governasse para os indivíduos, e não para estamentos sociais, aonde o valor individual pudesse ser observado, o que passava desapercebido na estrutural estamental da idade média. Era preciso um sistema meritocrático que recompensasse socialmente e economicamente os indivíduos que demonstrassem melhor desempenho profissional/cultural na sociedade e mais valor agregassem aos bens e valores coletivos. O antigo regime não dispunha de tal racionalidade. O esquema de recompensas sociais e econômicas respeitava a lógica tradicional da hereditariedade e da hierarquia da nobreza, dada pela honra, e do clero, dada normalmente por antiguidade. Na sociedade medieval, o indivíduo estava sujeito a uma estrutura social determinista: o nascimento determinava que tipo de acesso teria às recompensas sociais e econômicas distribuídas na sociedade. A burguesia, por não estar incluída dentre os elegíveis pelo nascimento, passou a considerar os benefícios gozados pela nobreza como ‘privilégios’, denotando que seu acesso à riqueza produzida pela coletividade não era justo ou merecido. A parcela da riqueza que apropriada não correspondia à sua contribuição para o resultado alcançado pelo esforço coletivo. Membros da nobreza estariam se apropriando do fruto do trabalho alheio, por terem acesso à propriedade, ou posse de terras, em detrimento de outros atores sociais, como a burguesia. Assim, quanto mais a burguesia se desenvolvia como rico e poderoso estrato social, mais o antigo regime e a administração patrimonialista tornavam-se insustentáveis. Era necessário uma nova ordem social; um novo sistema político responsável pela defesa de todo e qualquer cidadão contra as eventuais arbitrariedades de uns sobre os outros e do governante sobre todos. Era necessário que a legitimidade do poder político exercido na sociedade adviesse de outra fonte que não a tradição e a hereditariedade; era necessário que o(s) titular(es) do poder político na sociedade estivesse(m) comprometido(s) com a racionalização da equação recursos escassos/demandas infinitas; que a fonte da legitimidade do poder político adiviesse da garantia dos direitos individuais e da mitigação do conflito social, critérios mais objetivos e racionais do que a simples tradição. 3.3.2 Emergência da Ordem Racional-Legal Era necessário, portanto, uma nova forma de dominação; a dominação pela lei aplicável a todos, por um estatuto social regulador da sociedade acordado e aceito pelos inidvíduos como o ‘marco zero’ para a tomada de decisões e solução de conflitos pelo governante, em especial no tocante à propriedade privada. Era preciso que a vassalagem ao senhor de terras desse lugar à submissão às normas de convivência acordadas por todos – o que os contratualistas chamaram de ‘pacto social’. Não apenas os servos deveriam prestar obediência ao chefe político, que agia conforme seus caprichos, na sociedade medieval, este último também deveria prestar obediência: ao estatuto social de pacificação do conflito acordado entre os indivíduos da sociedade que representa – as normas fundamentais de constituição da sociedade civil. O chefe político deveria ser um representante dos interesses individuais, não um senhor compassivo que tutela seus agregados conforme sua vontade. A vontade a ser considerada é a dos representados; o chefe político seria, assim, apenas aquele designado para executar a vontade do povo e encontrar os melhores meios de buscar satisfazê-la. Não cumprindo esta finalidade o governante deveria ser substituído por outro que o fizesse. Esta era, em linhas gerais, a forma de organização política clamada pela burguesia. Sua formulação teórica mais sofisticada está em Locke, Rousseau e Stuart Mill, tratados na seção seguinte17. As condições propícias à instauração dessa nova ordem política surgiram a partir das guerras religiosas, que incentivaram a formação de exércitos e a politização de parte da nobreza, que até então repousava em uma sociedade há muito estabilizada, sem grandes guerras ou disputas políticas (Bobbio, 2007: verbete ‘Estado Moderno’). A aliança de príncipes guerreiros, com intensões de conquista de terras vizinhas e formação de pequenos impérios, com a emergente burguesia, clamante pela substituição do regime feudal/estamental, propiciou a materialização da nova ordem política e social: o Estado Moderno.Esta nova ordem, entretanto, por nascer aliada à burguesia teve de absorver 17 Maquiavel e Hobbes escreveram ainda no momento inicial de consolidação da nova ordem, quando a promoção da segurança e a manutenção da ordem eram a principal (e quase única) preocupação, devendo o governante dispor de poder concentrado, absoluto e incontestável, não havendo espaço à influência de outros atores, sob pena de disputas e instabilidade do poder. novos conteúdos políticos. O príncipe, ao se aliar à emergente classe teve que abidicar de sua visão tradicionalista do mundo, enquanto membro da nobreza; teve que afirmarse enquanto indivíduo e desagregar-se das concepções da categoria social a que pertencia, regidas pela tradição do Antigo Regime. A importância da burguesia foi fortalecida pelo crescimento populacional dos feudos e burgos, que permitiu integração de interesses e relações entre grupos vizinhos, além do incremento do comércio e da vida urbana. Ademais o desenvolvimento do mercantilismo e das grandes navegações a partir do sec XIII, fortalece ainda mais o papel da burguesia junto aos interesses do príncipe conquistador que carecia de arrecadação financeira, além da unificação do poder político, para financiamento do impulso econômico de conquista de novos mercados e da estrutura administrativa de sustentação do novo Estado. A burguesia ascendente forneceria os recursos financeiros necessários e o princípe proporcionaria o comando político adequado aos preceitos da nova ordem; este foi fator determinante à formação do Estado Moderno. Os Estados Nacionais nasceram portanto do plano arquitetado entre príncipe e burguesia. Como consequência, a nobreza entra em decadência, assim como o sistema político policêntrico e complexo da Era Feudal, visto que o príncipe passa a concentrar o poder antes difuso nas mãos de diversos aristocratas. Os privilégios da nobreza e a irracionalidade da distribuição do poder e da riqueza, na sociedade mediaval, sofrem forte crítica com a emergência do novo Estado, que introduz, como novos valores supremos da ordem social, a emancipação do indivíduo (da estrutura de categorias sociais) e a dominação impessoal racional-legal, que iguala a todos pela lei. Em Resumo: O Estado Moderno surge, então, como resultado da crise e transformação da sociedade medieval e do surgimento do capitalismo/fortalecimento da burguesia. Para Weber, a constituição do Estado Moderno significou a formação e ampliação da esfera pública e sua separação da esfera privada, com exclusão do uso privado de instrumentos de violência, gradual eliminação da administração particular da Justiça, desprivatização dos assuntos de interesse geral, além dos seguintes atributos trazidos por Bobbio: racionalização da gestão do poder; territorialidade; primazia da política sobre a religião; neutralidade e impessoalidade do poder político; presença política do indivíduo; normas, de cunho abstrato e universalista, como subsídio essencial à tomada de decisões; concentração do poder em instância unitária e exclusiva, que pretende compreender o âmbito completo das relações políticas (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 2007: 426) 4. Tema 3 – Temas centrais da teoria política clássica: constituição e manutenção da ordem política; contrato social; demarcação das esferas pública e privada; repartição de poderes 4.1 A Constituição da Ordem Política Apenas recapitulando, a formação do Estado foi, então, fruto de um movimento de ‘superação do policentrismo do poder, em favor de uma concentração do mesmo, numa instância tendencialmente unitária e exclusiva’ (SCHIERA, in Bobbio et all, verbete ‘Estado Moderno’). Daí Weber falar no “monopólio legítimo da força” por parte do Estado. O sistema policêntrico dos senhorios de origem feudal deu lugar a um Estado territorial concentrado e unitário. Este movimento foi também caracterizado pela separação entre política e religião, tendo a primeira assumida a primazia sobre a segunda, no campo dos desenvolvimentos terrenos. Partiu-se do policentrismo para o poder concentrado nas mãos do rei, que se justificava como ordem externa necessária à garantia de segurança e tranqüilidade dos súditos. O Estado, a quem cabe essas funções, tem por premissas a unidade de comando, sua territorialidade, e exercício por meio de corpo qualificado de auxiliares “técnicos”. Tais premissas são exigências para os estratos de população (destacada a burguesia) que não conseguiriam desenvolver suas relações sociais e econômicas nas antigas estruturas de organização política. Defini-se, então, o caráter institucional e administrativo do novo Estado: uma organização das relações sociais, que exerce poder por meio de procedimentos técnicos preestabelecidos (instituições e administração), úteis para a prevenção e neutralização dos casos de conflito e ‘para o alcance de fins terrenos que as forças dominadoras na estrutura social reconhecem como próprias e impõem como gerais a todo o país’ (Idem). A ordem estatal torna-se um projeto racional da humanidade. A passagem do ‘Estado de Natureza’ para o Estado Civil é a tomada de consciência por parte do homem das condições naturais a que está sujeita sua vida em sociedade e das capacidades de que dispõe para gerir e utilizar essas condições para sua sobrevivência e bem-estar. Esta passagem é obejto da análise de vários autores clássicos, sempre cobrados em concursos públicos: • Maquiavel (1469-1527): ‘O Príncipe’ • T. Hobbes (1588-1679): ‘O Leviatã’ • John Locke (1632-1704): ‘Segundo Tratado sobre o Governo Civil’ • Barão de Montesquieu (1689-1750): (1689 ‘Do Espírito das Leis’ • Jean-Jacques Jacques Rousseau (1712-1778): (1712 ‘O Contrato Social’ • John Stuart Mill (1806 1806 - 1873): Da Liberdade 4.1.2 Formas de Estado e de Governo As formas de Governo são as soluções institucionais encontradas pela sociedade para estruturar o Estado de forma que este dê resposta adequada às suas demandas. A tipologia clássica, altamente difundida por Platão, Aristóteles e Políbio, e a tipologia moderna, trazida por Maquiavel e Montesquieu, Montesquieu as classificam da seguinte maneira: Tipologia clássica: Tipologia Moderna: É importante ter as tipologias em mente, visto que a discussão dos teóricos clássicos do Estado, exposta abaixo, requer conhecimento das mesmas. 4.1.3 Maquiavel e a constituição do Estado Moderno - O ‘Príncipe”, 1513 É o Primeiro autor a utilizar a palavra Estado com o significado atual. O traço mais marcante de sua obra é a distinção entre a moral política e a moral cristã. Preocupa-se Preocupa com o que é necessário fazer para que a ordem seja mantida (verità (verità effetuale), effetuale não com o que seria ideal do ponto de vista normativo (o dever ser). Verifica-se, Verifica no autor renascentista, a preocupação de resolver o dilema objetividade X normatividade, normatividade com vantagem para a primeira forma de se encarar o trato da política. A moral cristã tem seu valor, mas aplicada em âmbito adequado, quando aplicada à política traz resultados desastrosos para a ordem pública. São conhecimentos especializados que estão envolvidos em cada uma das esferas; a da política requer domínio da arte de conquista e manutenção do poder, de que depende a manutenção da ordem social, fim que legitima a utilização dos diversos meios ao alcance do governante; envolve altos graus de racionalização; não pode ser conduzida por um rei que tenha obtido o poder por qualquer sorte de direito divino. Assim, o Estado, em Maquiavel tem a função essencial de impor a ordem, pois entende que a desordem leva os homens à barbárie, situação que o incomodava na Itália de seu tempo. A Itália dos séculos XV-XVI, época de Maquiavel (1469-1527), era altamente fragmentada. Uma série de cidades-livres como Milão, Veneza, Gênova, Florença, etc. conviviam com os Estados Pontifícios controlados diretamente pela Igreja. Uma série de invasões estrangeiras se deram a partir de 1494, ocorrendo até o terrível saque de Roma feito em 1527 por tropas do imperador Carlos V. Internamente, a península italiana estava dividida em principados seculares e religiosos, em várias tiranias e em regimes republicanos comunais-populares, além da histórica rivalidade entre Guelfos e Gibelinos. Havia múltiplos poderes: o da Igreja Católica, o dos nobres, o das cidades-livres, o dos tiranos, e o dos reis estrangeiros, contribuindo isto tudo para um clima de dilaceramento e perturbação geral, na visão de Maquiavel, trazendo muitos padecimentos à Itália. No resto da Europa, entretanto, formavam-se monarquiasnacionais poderosas, nas quais os reis, ao contrário do que se passava na Itália, concentravam cada vez mais poder e autoridade, sobrepondo-se à alta nobreza e à influência da Igreja. Em meio a uma Itália perdida em constantes revoluções e reviravolta dos governos, qual seria o Estado capaz de instaurar a ordem de maneira estável? Para Maquiavel, apenas um Estado absolutista, com poder altamente concentrado nas mãos do príncipe poderia restabelecer ordem. Entretanto, a natureza da política nunca permitirá uma ordem definitiva. A manutenção do poder e da ordem sempre dependerá das qualidades de governo do príncipe (virtú), combinadas com uma certa dose de ‘sorte’, a ‘fortuna’ de Maquiavel. Assim, Maquiavel pretende em ‘O Príncipe’, ensinar aos príncipes da Itália técnicas para incrementarem suas capacidades de conquista e manutenção do poder. Os conceitos de ‘virtu’ (coragem, valor, capacidade, eficácia política) e de ‘fortuna’ (sorte, acaso, influência das circunstâncias) têm grande importância para a concepção maquiaveliana da história. Por virtu Maquiavel entende a capacidade pessoal de dominar os eventos, de alcançar um fim objetivado, por qualquer meio; por “fortuna” entende o curso dos acontecimentos que não dependem da vontade humana. A diferença entre os principados conquistados pela virtu e os conquistados pela “fortuna” é que os primeiros são mais duradouros. O homem sem virtú de boa fortuna cai, mas o que tem virtú pode seduzir a fortuna. Para Maquiavel a distinção entre um bom e um mau governo é dada por sua capacidade de manutenção do Estado em estabilidade. É bom, por exemplo, aquele governo que, embora tenha conquistado o poder por meios criminosos consegue depois mantê-lo. A manutenção do poder, por sua vez, passa pela compreensão profunda dos acontecimentos históricos e pelo traçado de claras estratégias para a superação de dificuldades que redundantemente se apresentam aos governos. É fundamental o estudo do passado, porque a natureza humana é imutável (homens de hoje iguais aos homens do passado) e porque esse estudo possibilita a compreensão do que sucedeu a governantes do passado e de quais meios foram utilizados para enfrentar as diversas situações. Dessa maneira, será possível encontrar, por analogia, lições para o presente – visão cíclica da história. “Quem estudar a história contemporânea e da antiguidade verá que os mesmos desejos e as mesmas paixões reinaram e reinam em todos os governos, em todos os povos. Por isso é fácil para quem estuda com profundidade os acontecimentos passados, prever o que o futuro reserva a cada estado, propondo os remédios já utilizados pelos antigos, ou, caso isso não seja possível, imaginando novos remédios, baseados na semelhança dos novos acontecimentos”. (Maquiavel, O Príncipe) Maquiavel foi ainda uma figura polêmica, notado por suas máximas de efeito, totalmente contrárias a moral cristã dominante da época. Considerava a natureza humana naturalmente má, os homens, em suas palavras são ‘ingratos, volúveis, mentirosos, covardes e gananciosos’. Por isso a sociedade teria tendência tão forte para a anarquia. Em suas afirmações sobre estratégias de conquista e manutenção do poder alegou: ‘É melhor ser amado que odiado, não sendo possível, seja temido’; ‘Faça o mal de uma única vez e de modo irreparável. O bem faça aos poucos’. E a mais famosa de todas, ‘os fins justificam os meios’: "Procure, pois, um príncipe, vencer e manter o Estado: os meios serão sempre honrosos e por todos louvados, porque o vulgo sempre se deixa levar pelas aparências e pelos resultados ( "O Príncipe", cap. XVIII) 4.2 Os contratualistas – o contrato social 4.2.1 Thomas Hobbes e formação do Estado: “ O Leviatã”, 1650 Thomas Hobbes, tal como Maquiavel, viveu o período da afirmação da monarquia absolutista; período conturbado onde as forças feudais e populares acirravam a disputa pelo controle sobre as monarquias nacionais, gerando permanente instabilidade, daí ambos defenderem, de maneiras diversas, o reforço e concentração do poder do estado nas mãos de um único governante de poder absoluto. Sua Filosofia política foi fundada em uma construção racional da sociedade, que permitisse explicar o porquê da legitimidade do poder absoluto dos soberanos – Racionalização do absolutismo. Grande parte da sua vida passou-se no contexto da Revolução Puritana e da República de Cromwell, que constituíam a realidade sobre as quais Hobbes irá refletir, fazendo com que possamos concluir que as teorias em torno do homem e do Estado formuladas por este pensador estão profundamente ligadas à situação específica da Inglaterra do século XVII. O Parlamento inglês, como representante da burguesia, disputava o poder com o rei, negando-lhe o aumento de impostos e o comando do exército, situação que acabaria resultando numa guerra civil entre os anos de 1642 e 1648. O século XVII foi marcado pelo antagonismo entre a Coroa e o Parlamento, controlados, respectivamente, pela dinastia Stuart, defensora do absolutismo, e a burguesia ascendente, partidária do liberalismo. O Conflito assumiu também conotações religiosas e se mesclou com as lutas sectárias entre católicos, anglicanos, presbiterianos e puritanos. Tal situação gerou intensa crise político-religiosa na Inglaterra, ainda agravada pela rivalidade econômica entre os beneficiários dos privilégios e monopólios mercantilistas concedidos pelo Estado e os setores que advogavam a liberdade de comércio e de produção. (Mello, 1989:80). Em 1640, o confronto entre o rei Carlos I e o Parlamento envolveu o país numa sangrenta guerra civil, cunhada Revolução Puritana, que só terminou em 1649, com a vitória das forças parlamentares, a execução de Carlos I e a implantação da república na Inglaterra. ‘Foi após os horrores da guerra civil, da consumação do regicídio e da instauração da férrea ditadura de Cromwell, que Thomas Hobbes, refugiado na França, publicou em 1651 o Leviatã: apologia ao Estado todo-poderoso que, monopolizando a força concentrada da comunidade, torna-se fiador da vida, da paz e da segurança dos súditos’. (Mello, 1989,80). A justificação de Hobbes para o poder absoluto é estritamente racional e friamente utilitária, completamente livre de qualquer tipo de religiosidade e sentimentalismo, negando implicitamente a origem divina do poder. Baseada na superação do “Estado de Natureza”, onde todos, na ânsia de satisfazer seus próprios desejos, tendem ao aniquilamento mútuo – situação violenta que chamou de ‘guerra de todos contra todos’, onde o ‘homem é o lobo do homem’. No Estado de natureza de Hobbes todos lutam entre si pelo poder. Era o que Hobbes via na sociedade inglesa em que vivia, durante a Revolução Puritana e a guerra civil, atestando a importância do fator histórico na compreensão das teorias, (Macpherson, C.B. A teoria do individualismo possessivo: de Hobbes até Locke. 1979). A partir das observações dos acontecimentos na Inglaterra Hobbes traça concepções sobre a natureza humana. Hobbes descreve o homem em seu Estado Natural como egoísta, egocêntrico e inseguro. Não conhece leis e não tem conceito de justiça; somente segue os ditames de suas paixões e desejos temperados com algumas sugestões de sua razão natural. Assim, onde não existe governo ou lei, os homens naturalmente caem em discórdia. Desde que os recursos sejam limitados, ali haverá competição, que levará ao medo, à inveja e a disputa. Semeada a desconfiança, perde-se a segurança de confiar no próximo. Na busca pela glória, derrubam-se os outros pelas costas, já que, para Hobbes, como os homens são iguais nas capacidades e na expectativa de êxito, nenhuma pessoa ou nenhum grupo pode, com segurança, reter o poder. Assim sendo, o conflito é perpétuo, e "cada homem é inimigo de outro homem". Nesse estado de guerra nada de bom pode surgir; concentrados na autodefesa e na conquista, o trabalho produtivo é impossível. Não há tranqüilidade para a busca do conhecimento, não existe motivação para construir ou explorar, não existe lugar para as artes e letras, não existe espaço para a sociedade só ‘medo contínuo e perigo de morte violenta’. Então a vida do homem nesse estado será ‘solitária, pobre, sórdida, brutal e curta’. (Hobbes, O Leviatã). Em contrapartida ao estado de guerra descrito acima, os próprios homens almejariam uma ordem, ansiando a paz, ou um Estado que garantisse essa paz, essa vida acordada. O indivíduo se vê diante de duas opções: a) a liberdade, que leva ao medo e à morte e b) a renúncia de seu poder individual em favor de um soberano (leviatã = ente fictício) e da segurança e (preocupação central). B é a escolha racional, consubstanciada no Pacto Social, indissolúvel e celebrado uma única vez entre todos os indivíduos da sociedade. Para controle do “Estado de Natureza” caótico, anti-social, irracional e não-político o pacto social é instituído. Este será garantido e executado pelo Leviatã, ente artificial (e em tese imparcial), com poderes ilimitados – o Estado Hobbeisano. O poder deste ente se constituirá do somatório do poder individual de cada membro da sociedade e monopolizará o recurso à violência em nome da segurança da sociedade civil. “Dos poderes humanos o maior é aquele composto pelos poderes de vários homens, unidos por consentimento numa só pessoa, natural ou civil, que tem o uso de todos os seus poderes na dependência de sua vontade. É o caso do poder de um Estado." (Hobbes, O Leviatã). Para Hobbes, o Estado dever conter governo monárquico absoluto, como única forma de estabilização do conflito. Os parlamentos são desacreditados por ele, considera que ‘não há qualquer grande Estado cuja soberania resida numa grande assembléia que não se encontre, quanto às consultas da paz e da guerra e quanto à feitura das leis, na mesma situação de um governo pertencente a uma criança’. (Idem) "A única forma de constituir um poder comum, capaz de defender a comunidade das invasões dos estrangeiros e das injúrias dos próprios comuneiros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio trabalho e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda a força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. (...) Esta é a geração daquele enorme Leviatã, ou antes - com toda reverência - daquele deus mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa." (Ibidem) Após o pacto, a renúncia é completa, o soberano torna-se o titular dos direitos e do poder político, o que denota a desvantagem da fixação do contrato social Hobbesiano: a impossibilidade de desfazê-lo: "... portanto nenhum dos súditos pode se libertar da sujeição, sob qualquer pretexto de infração." Entretanto, Hobbes abre uma pequena brecha para que o súdito rompa o contrato social, na hipótese o Estado não ser capaz de prover a segurança e proteção dos súditos: "A obrigação dos súditos para com o soberano dura enquanto e apenas enquanto dura também o poder mediante o qual ele é capaz de protegê-los. O direito que por natureza os homens têm de defender-se a si mesmos não pode ser abandonado através de pacto algum". (O Leviatã, Cap 21). A 4.2.2. Locke e a formação do Estado Moderno: ‘Segundo Tratado sobre o Governo Civil’ (1632-1704) Locke foi praticamente contemporâneo a Hobbes e observou também de perto os percalços da Revolução Puritana, a ditadura Cromwell e a posterior Revolução Gloriosa. Contudo, o contexto em que viveu permitiu leitura dos fatos distinta da de Hobbes, com o traçado de uma teoria essencialmente diferente sobre a natureza do governo, para a superação do conflito e alcance da paz social. John Locke passa vários anos na França e na Holanda, voltando à Inglaterra em 1688, ano da Revolução Gloriosa. Assim como Hobbes, suas teorias estavam profundamente ligadas ao contexto em que viveu, mas suas percepções serão diferentes. Em 1660, enquanto Locke morava no exterior, Cromwell, então ditador desde 1649, morre e sua morte de envolve o país numa crise política cuja solução, para se evitar nova guerra civil, foi a restauração da monarquia, com o retorno da dinastia Stuart ao trono inglês, então deposta, com o regicídio de Carlos I. O filho de Carlos I, Carlos II, aluno de Hobbes, assume a coroa e o controle político do Estado inglês. Durante a Restauração (1660-88), no reinado de Carlos II, reativou-se o conflito entre Coroa e Parlamento, que se opunha à política pró-católica e pró-francesa dos Stuart. Em 1680, o Parlamento cindiu-se em dois partidos, os Tories e os Whigs, representando conservadores e liberais. A crise chega ao auge quando abusos reais levam à união dos Tories e Whigs, que se aliam Guilherme de Orange, chefe de Estado da Holanda e genro de Carlos II, e organizam uma conspiração contra o monarca "papista". Em 1688, Orange aportou no país à frente de um exército e, após a deposição de Carlos II, recebeu a coroa do Parlamento. A Revolução Gloriosa, como ficou conhecida, assinalou o triunfo do liberalismo político sobre o absolutismo e, com a aprovação do Bill of Rights em 1689, assegurou a supremacia legal do Parlamento sobre a realeza e instituiu na Inglaterra uma monarquia limitada. John Locke, exilado na Holanda, c/Shaftesbury, opositor da coroa e seu mentor político retorna à Inglaterra após o triunfo da Revolução Gloriosa e publica suas idéias. Seu trabalho, na visão de Mello (1989,82), ‘é uma justificação ex post facto da Revolução Gloriosa, onde Locke fundamenta a legitimidade da deposição de Carlos II por Guilherme de Orange e pelo Parlamento com base na doutrina do direito de resistência’. Trata da origem, extensão e objetivo do governo civil, cuja tese principal é de que nem a tradição nem a força, mas apenas o consentimento expresso dos governados é a única fonte do poder político legítimo. Juntamente com Hobbes e Rousseau, Locke é um dos principais representantes do jusnaturalismo ou teoria dos direitos naturais. O modelo jusnaturalista de Locke é, em suas linhas gerais, semelhante ao de Hobbes: ambos partem do estado de natureza que, pela mediação do contrato social, realiza a passagem para o estado civil. Existe, contudo, grande diferença na forma como Locke concebe especificamente cada um dos termos do trinômio estado natural/contrato social /e estado civil. Para Locke,a existência do indivíduo é anterior ao surgimento da sociedade e do Estado. Na sua concepção individualista, os homens viviam originalmente num estágio pré-social e pré-político, caracterizado pela mais perfeita liberdade e igualdade, denominado estado de natureza. A liberdade, porém, não é absoluta, pois “onde não há leis, não há liberdade”. Esse estado de natureza diferia do estado de guerra hobbesiano, baseado na insegurança e na violência, por ser guiado por relativa paz, por força de leis naturais (razão), presentes na percepção de cada homem, não devendo estes abusar de sua liberdade para prejudicar os outros. A lei natural delimita, no modelo Lockeano, a liberdade natural. Essa lei é uma expressão da vontade de Deus, que é conhecida pelos homens por meio da razão – ’voz de deus no homem’. Logo, A razão promulga a lei de natureza e, também, faz dos homens livres, ao mesmo tempo em que razão, ou a lei natural, tem soberania sobre as ações humanas. A razão na visão Lockeana é o modo de cooperação entre os homens, que os permite viver junto em sociedade e em solidariedade. O indivíduo que age irracionalmente é como um animal e, como tal, deve ser tratado. Agir irracionalmente inclui dizer que está acima de alguém, sem ser Deus (neste caso o animal é selvagem e nocivo). O estado de natureza de Locke, por serem todos iguais, livres e racionais, é inicialmente bom. Nessa situação o poder executivo da lei natural (da razão) ainda está exclusivamente nas mãos dos indivíduos, não se fez comunal. Se alguém transgredi-la, qualquer pessoa pode puni-lo. O estado de natureza já é social e político. Nesse estado pacífico os homens já eram dotados de razão e desfrutavam da propriedade que, numa primeira acepção genérica utilizada por Locke, designava simultaneamente a vida, a liberdade e os bens como direitos naturais do ser humano. Como e porquê, então, a sociedade passa do estado de natureza ao estado civil, se já havia paz e liberdade? O direito de governar, no estado de natureza de Locke, é um direito natural e individual, além disso, é “judicial” porque envolve capacidade de todos em executar a lei natural. Porém, no estado de natureza, não há nada que diga quais os pesos e medidas para aplicação da lei, de forma que ela seja feita adequadamente e de forma proporcionalmente correta. Tudo está nas mentes dos indivíduos, os quais são, mais ou menos, legisladores. Assim, torna-se difícil convencer uma pessoa errada de que esta fere a lei natural. O erro pode vir das paixões ou de interesses pessoais que geram incidentes indesejáveis, daí a necessidade do Estado. Quem agride o outro está indo contra as leis naturais, renunciando à razão e dando aos outros o direito de castigá-lo, ocasionando em lutas entre os indivíduos. Não se trata mais de uma “guerra de todos contra todos” como teorizava Hobbes, mas de uma guerra dos ‘seguidores da lei da natureza contra os transgressores da lei da natureza’. Neste estado de guerra, a única forma de obter a paz é através da eliminação de todos os transgressores e a reparação de todo os danos causados, o que acabava perpetuando a guerra. Para resolver esta questão e assegurar o uso da razão, ou seja, o cumprimento da lei da natureza, os homens devem ceder seu direito de executar a lei por si e entregá-lo a um corpo político representativo, o governo, já que na interpretação individualizada é impossível manter imparcialidade no julgamento de eventuais transgressores. O governo pode ser um único indivíduo ou vários, o que importa é que sua finalidade é a de julgar e castigar os transgressores e assegurar a paz na comunidade. Para isso o governo desdobra-se em vários poderes, sendo que o principal deles é o Legislativo, que estabelece as leis fixas para que todos possam segui-las. Para não legislar em causa própria o Legislativo não pode executar as leis, o que ficaria a cargo do chamado poder Executivo. Ao poder Federativo fica a incumbência de se relacionar com outras comunidades ou homens que não aderiram ao pacto, decretando paz ou guerra. Nenhum desses poderes têm poder ilimitado, estando o Federativo e o Executivo subordinados ao Legislativo e este às leis da natureza, o que resulta numa idéia contrária ao absolutismo, porque o monarca absoluto não estaria inserido na sociedade, mas sim deliberando de fora dela, tendo em suas mãos a prerrogativa de causar a desordem, na visão de Locke, e a quebra da lei da natureza. A constituição do corpo político é feita pela união consensual dos homens, o que é a fonte de sua legitimidade. Assim a monarquia absoluta não pode ser legítima, pois não faz sentido homens iguais e livres se colocarem em situação pior que aquela do estado de natureza, estarem submissos a um regime cujas ações não podem ser previstas nem reclamadas. Para instituir o governo civil, os homens precisam abrir mãos de dois podere: o de legislar e o de executar a lei natural. O supremo poder é o legislativo, o que torna o parlamento soberano. Contudo, o legislador não pode prever nem prover todas as situações, logo, é necessário deixar algumas resoluções para a discrição de quem tem o poder executivo, i.e., a prerrogativa real. Alem disso, o legislativo não precisa estar sempre reunido. Todavia, tanto o poder do legislativo quanto o executivo não podem ultrapassar os limites do bem público e os estabelecidos pela lei natural, em vigor mesmo após a instituição do governo civil. Os detentores do poder são depositários da confiança do povo, caso não cumpram seus mandatos adequadamente, cabe ao povo julgá-los e propor sua substituição, se assim desejar. Contra a força ‘sem autoridade’, e legitimidade, o povo pode empregar a força (direito de insurreição) – o povo jamais perde seus direitos e poderes, apenas delega-os a outro.s O direito à insurreição não pode, entretanto, gerar perpétua anarquia. Mover-se apenas quando a situação se tornar insuportável. A relação entre as suas teorias e o contexto histórico específico da Revolução Gloriosa é, portanto, clara. Já não há mais um contexto de conflitos e de guerra civil, mas de um controle da desordem social diante da confirmação do Parlamento como instituição suprema do governo 4.2.3 Rousseau e a formação do Estado Moderno: O Contrato Social (17121778) Rousseau, tal como Hobbes e Locke descreve a passagem do estado natural (estado de natureza) ao estado civil. Entretanto, sua visão é bastante diferente dos demais contratualistas. Rousseau rejeita todo o modelo de representação política estabelecido por Hobbes e Locke. Não acreditava que um, poucos ou muitos pudessem representar a totalidade dos indivíduos que compõem a coletividade e trabalhar para alcance daquilo que chamou ‘a vontade geral’. Apenas a participação direta de indivíduos nas decisões públicas, tal como nas democracias gregas, poderia salvaguardar a prevalência do bem comum sobre os interesses individuais, ou de grupos. Ademais criticava intensamente o pacto social formador do governo representativo de Locke, que, para ele, consistiu em golpe dos detentores de propriedade sobre os não detentores. O Governo civil e o pacto social de Locke, para Rousseau, beneficiava exclusivamente a burguesia, que mascarava seus interesses como sendo de todos para que os demais indivíduos embarcassem em seu discurso e se tornassem aliados, ao invés de adversários. Mas a substância do pacto para ele era extremamente excludente. Para Rousseau o homem em seu estado de natureza é bom e pacífico – mito do ‘bom selvagem’. É um estado amoral, onde não há nem bem nem mal definidos – figura do Jardim Éden. A paz natural, entretanto, passa ser perturbada quando o primeiro homem cerca um feixo de terra e o afirma como sua propriedade. A posse da propriedade privada degenera o estado de natureza para a sociedade civil corrupta, aquela fundada com o Estado criado pelo pacto social lockeano, que, como presume que os homens dispõem de senso natural de razão, suas conquistas materiais não foram contestadas no momento de firmação do pacto. Entretanto, segundo Rousseau, um verdadeiro contrato social não poderia se furtar à revisão da distribuição de todos os bens e terras públicas apropriados por indivíduos no momento de conflito, antes da firmação do pacto, para restabelecimento da condição de indivíduos iguais. Um verdadeiro pacto social iniciaria do zero a distribuição dos bens entre os indivíduos, na base do consenso, visando o ‘bem comum’. A propriedade não regulada gera desigualdade. O primeiro contrato social é feito entre desiguais e, portanto, reforça e institucionaliza a exploração de um grupo pelo outro. A sociedade civil estabelecida no tempo de Rousseau não representava, conforme sua visão, um acordo entre iguais, mas, ao contrário, um golpe dos ricos e poderosos para lhes garantir: proteção, legitimidade e ordem, para gozarem tranquilamente de sua propriedade. Portanto, o Estado moderno, para Rousseau, corresponde a um arranjo institucional arquitetado para a promover a à perpetuação pacífica da desigualdade. Torna-se necessário, em sua visão, um novo contrato social. Um novo contrato social seria oportunidade de construir um Estado justo e igualitário. A fonte do poder residiria no povo, tal como em Locke, mas que renuncia à sua liberdade em favor de um estado que seja guiado pela ‘vontade geral’ e não pela ‘razão natural’. Passaria a fonte de legitimação e maior objetivo do Estado, a promoção da vontade geral, que para Rousseau é diferente da soma das vontades individuais. Supõe o tratamento de todos como iguais e a consideração de necessidades da sociedade enquanto corpo coletivo, não apenas a consideração de necessidades individuais, para o estabelecimento da paz social. O novo contrato traria a substituição da liberdade natural pela liberdade civil, calcada na limitação e na consideração do coletivo antes do individual; 4.3 Autores clássicos que propuseram reformas ou ajustes institucionais à estrutura do Estado Moderno 4.3.1 Montesquieu e o Estado Moderno “Do Espírito das Leis” (1689-1750) Montesquieu foi um iluminista francês preocupado com as razões da decadência das monarquias e os mecanismos que garantiriam sua estabilidade. Ao observar a contestação de alguns pilares estruturais do Estado Moderno, ao longo da primeira metade do sec. XVIII, que pouco mais tarde observaria a revolução francesa e a deposição da monarquia de França, Montesquieu se preocupava com a estabilidade do Estado e com a manutenção da ordem política, tal como Maquiavel. Assim, sua obra se apresenta tal como um ‘Príncipe’ revisitado. Analisa possíveis causas do fracasso de algumas monarquias, para o que encontra a explicação do ‘Espírito das Leis’, e traça possíveis soluções para que os governos monárquicos ou aristocráticos trilhem sucesso. Segundo o autor as coisas têm natureza própria e as leis devem refletir exatamente a natureza intrínseca das coisas. As leis, ou melhor, o espírito das leis, deve advir de traços sociais absolutamente arraigados na sociedade para que as mesmas produzam efeitos esperáveis ou minimante previsíveis. O ‘espírito das leis’, ou os fatores sociais inspiradores das Leis, é o composto das condições materiais, culturais, sociais e físicas que uma sociedade experimenta. Assim as leis de uma sociedade são resultado de suas realidades complexas e sua essência deve ser buscada na natureza das coisas que cercam essa sociedade e que influenciam seus fatos sociais, sob pena de sofrerem irremediável fragilidade. Para Montesquieu esse é um dos principais fatores que influenciam a falência de monarquias e aristocracias que degeneram em tiranias. As leis criadas não correspondem às necessidades sociais, o que acarreta conflito e desestabilização. Como remédio, Montesquieu propõe uma estrutura de freios e contrapesos, que sustenta a idéia de que o poder, em um sistema político-social, deve ser dividido entre as instituições e que estas devem controlar umas às outras, para que as Leis a serem promulgadas estejam de acordo com realidade local e promovam o avanço da sociedade. Assim, propõe a clássica divisão de poderes abaixo relacionada: a) Poder legislativo: responsável pela elaboração e correção das leis; b) Poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes: faz paz ou guerra, envia e recebe embaixadas, estabelece a ordem, prevê invasões, etc. (seria o nosso Executivo); c) Poder executivo das coisas que dependem do direito civil: pune crimes e julga dissídios dos particulares – detém o poder de julgar e de dizer o direito (seria o nosso judiciário). 4.3.2 Stuart Mill e o Estado Moderno: 1806-1873 Contemporâneo do apogeu da Revolução Industrial inglesa, do avanço da burguesia industrial e financeira, das primeiras reformas eleitorais na Inglaterra, dos movimentos operário e democrático e influenciado pelos utilitaristas, seu pai, James Mill e Jeremy Bentham, Stuart Mill defenderá a participação dos trabalhadores e excluídos nos espaços de representação política, como forma de promoção do desenvolvimento e do bem estar humano. A liberdade individual, em sua acepção, refere-se à capacidade do ser humano em desenvolver suas potencialidades, de acordo com suas próprias escolhas e preferências. O Estado liberal de Mill, só tem razão de existir se for para buscar incessantemente a melhora da condição de cada vez mais indivíduos, sem prejuízo da condição de nenhum. Justifica-se como meio institucional para a obtenção de uma sociedade justa e equitativa, por meio do aumento da soma das boas qualidades coletivas e individuais. Seu principal propósito e fonte de legitimação é a promoção do desenvolvimento humano, por meio da promoção da verdadeira liberdade individual, não apenas a liberdade negativa, que denota a proteção do indivíduo contra ações abusivas e danosas do Estado à sua esfera privada, mas principalmente da constante expansão das liberdades individuais positivas. Essas liberdades referem-se à ampliação de direitos concedidos pelo Estado aos indivíduos, que os capacitem a incrementar sua habilidade em implementar seus planos individuais de bem estar e realização. São exemplos os direitos políticos, os sociais e os de propriedade, que quando expandidos propiciam maiores oportunidades de sucesso individual na busca por bem estar e, portanto maior liberdade. O Estado liberal de Mill, almeja, assim, a promoção do desenvolvimento coletivo, a partir do desenvolvimento individual, ou humano, pela ampliação da liberdade individual, já que, para ele, é da natureza humana a busca do desenvolvimento. Não caberia, ao Estado, contudo, promover a igualdade pura e simplesmente. Os indivíduos devem ter capacidade de criar, de se diferenciar dos outros e devem ser estimulados a se desenvolverem e desempenharem suas funções de forma cada vez melhor. Isto gera o desenvolvimento. A ditadura da maioria, por outro lado, como apontou Toqueville em ‘A Democracia na América’, é das situações mais detestáveis, onde pela uniformização, os indivíduos perdem suas qualidades distintivas e nivelam-se por baixo. O conflito, neste ponto, é positivo, pois permite que as sociedades experimentem a divergência de opiniões e assim cresçam intelectualmente e moralmente, no embate das idéias conflitantes. Assim, o combate à desigualdade não pode ser um dado absoluto de justiça. O Estado, para Mill, não pode querer gerar, necessariamente, igualdade de resultados, tal como o queria a doutrina marxista. O Estado deve se preocupar, sim, com a promoção de ‘igualdade de condições’. Os indivíduos devem receber da sociedade civil as mesmas condições para se desenvolverem e buscarem seus próprios resultados, de acordo com o mérito. A desigualdade de resultados, cunhada no mérito, é essencial ao desenvolvimento humano, pois a recompensa diferenciada incentiva a maior dedicação. Em suporte a esta idéia, Mill analisa dados da economia de seu tempo e verifica que o capitalismo, ao contrário do defendido pelos marxistas, estava reduzindo progressivamente a desigualdade entre os indivíduos; ou seja, o sistema era capaz de redistribuir riqueza, em função do desempenho individual. A desigualdade pré-capitalista não permitia que todos participassem. No capitalismo isto vem sendo corrigido, para Mill, por força do desenvolvimento das instituições de representação dos indivíduos na ordem política; razão pela qual advoga como fator essencial para o desenvolvimento coletivo e individual a participação política dos mais amplos segmentos da sociedade. Entretanto, Mill, tinha um certo temor em relação ao sufrágio universal: as massas poderiam não saber fazer as melhores escolhas para a coletividade, visto que muitas vezes estariam presas a questões meramente materiais de subsistência, ou poderiam desacreditar no sistema e tender à revolução . Como inseri-las no sistema de representação, sem levá-lo à falência? Uma das soluções que imaginou foi o voto com pesos diferentes, sendo a elite cultural mais valorizada no voto, para ser o fiel da balança na luta de classes. Na sua maturidade intelectual, contudo, defende o liberalismo democrático, incluindo sufrágio universal e políticas sociais para reduzir mazelas da industrialização e o voto proporcional para garantia de representação de minorias. Por suas propostas é considerado um dos precursores do pluralismo. 5. A Evolução do Estado Moderno (Parte do Tema 2 do Edital) 5.1 A Administração Racional-Legal Nos moldes tradicionais, a apropriação de excedentes produtivos, bem como de bens públicos, era concedida apenas a membros da nobreza, em forma de privilégios, desconsiderados critérios de mérito. O Estado Moderno, ao contrário, nasce dotado de finalidade redistributiva da riqueza produzida pela sociedade e, como passa a derivar sua legitimação da afirmação política do indivíduo, em contraposição ao modelo de estamentos tradicional, necessita de regras claras e universais que o confiram neutralidade na resolução de conflitos entre indivíduos, que, por intermédio da esfera pública, disputam constantemente a apropriação privada de bens públicos e da riqueza disponível na sociedade. Como mediador da apropriação privada dos excedentes produtivos e de bens públicos pelos indivíduos, o Estado necessitava desenvolver, e adotar, critérios técnicos e racionais que capturassem o mérito, ou merecimento, de cada indivíduo que representava, em situação de disputa de interesses, sobre a qual fosse chamado a intervir. Locke desenvolveu o conceito de “função social da terra”, que buscava claramente atribuir à detenção de propriedade privada critérios de mérito – o direito de posse de terras limitava-se à capacidade individual de produção nas mesmas; terras não produtivas deviam ser redistribuídas a indíviduos que as podessem trabalhar; cabia ao Estado definir e salvaguardar a execução de regras dessa natureza, visando a promoção dos direitos civis individuais, sob pena de fuga de finalidade. O Estado, nesta acepção, gozava de neutralidade. Era o juízo imparcial que arbitrava as disputas individuais em favor do mérito de seus pleitos. Mérito que devia ser avaliado exclusivamente sob o ponto de vista técnico e legal. Para que isso fosse possível era necessário também uma burocracia técnica, neutra e regida exclusivamente por normas aceitas pela sociedade. Os trâmites e regras adotados pelo Estado, em seu processo de formulação e implementação de decisões, deviam obedecer estritamente a normas formais pré-estabelecidas, segundo rigorosos critérios técnicos e sob rigoroso controle de processos. O repúdio à possibilidade de re-captura do Estado por interesses privados de notáveis influentes (nobreza) confere aos ‘meios’ administrativos importância fundamental à salvaguarda do interesse público. Se a sociedade relegou ao ente artificial ‘Estado’ a tarefa de tomada de decisões e solução de conflitos distributivos, este devia ser capaz de render contas, àquela, de como suas decisões foram tomadas, com argumentos e justificativas precisos, convincentes, e com amparo legal, sob pena de perda de legitimidade, por isso o rigor dos processos. Além do amparo legal, decisões governamentais deviam contar sempre com sucessivos mecanismos de ‘checks and balances’ (freios e contrapesos), dentro da própria administração, para garantia da maior aferição possível da procedência das decisões tomadas em diferentes instâncias. Além disso, era necessário a constituição da ‘burocracia’ profissional, sob a concepção de formação técnica de carreiras, com rígida hierarquia funcional, impessoalidade e formalismo nas relações entre seus membros. A mesma formalidade e racionalidade preconizada na construção de normas externas e internas, trâmites e fluxos processuais decisórios, se aplicava à construção do quadro de pessoal responsável por seu manuseio rotineiro. A este aparato administrativo pautado na racionalidade, trazido pelo Estado Moderno, Max Weber deu o nome de ‘administração pública burocrática’. 5.1.2 Vantagens da Administração Burocrática Subordina tanto dominantes quanto dominados ao mesmo estatuto, o que dificulta os abusos de poder. Supera a obediência tradicional (de cunho aristocrático) e a subordinação personalística (típica do líder carismático) por promover menor probabilidade de decisões arbitrárias. Acarreta maior estabilidade na relação dominante/dominado, uma vez que os direitos deste, como, por exemplo, o da queixa, já estão previamente garantidos (todavia, o exercício legal-racional de dominação também envolve uma certa dose de força). Arrefece o impacto político-social do ‘carisma’ pessoal no poder político, que, para Weber, ‘desestabiliza’ a ‘ordem’, pois é ‘repleto de impositivos não institucionalizados nem rotinizáveis’ . O carisma se opõe à disciplina, por seu caráter de “poder mágico” e por configurar-se como atributo único e transitório de um indivíduo. É extremamente perigosa, para Weber, a possibilidade de elementos emocionais virem a predominar na política. A massa, que só pensa em curto prazo, está sempre exposta a influências diretas puramente emocionais e irracionais. Possui regras claras e definidas: uma dominação que não possui regras claras e bem definidas tende, certamente a prejudicar aquele que é mais fraco economicamente e/ou politicamente. (MARE, 1995: 15)18 5.2 A Burocracia (Tema 4 do Edital) ‘Burocracia’ é o termo normalmente utilizado para designar o conjunto de normas, procedimentos e cargos funcionais destinados à organização racional dos processos de tomada de decisões conduzidos no seio do Estado Moderno, caracterizado pela forma de dominação racional-legal, cujo poder se legitima por um estatuto jurídico racional e universal – aplicável a todos os cidadãos. Este é o sentido que Max Weber deu ao termo. O conceito ‘burocracia’ foi criado por Max Weber para indicar funções da administração pública, guiada por normas, atribuições específicas, esferas de competência bem delimitadas e critérios de seleção de funcionários. A burocracia, então, podia ser definida como o aparato técnico-administrativo, formado por profissionais especializados, selecionados segundo critérios racionais e que se encarregavam de diversas tarefas importantes dentro das organizações públicas. 18 BRASIL. Ministério da Administração e Reforma do Estado. ‘Plano Diretor da Reforma do Estado’, 1995. A análise de Weber também aponta que a burocracia, da maneira como foi definida acima, existiu em todas as formas de Estado, desde o antigo até o moderno. Contudo, foi no contexto do Estado moderno e da ordem legal que a burocracia atingiu seu mais alto grau de racionalidade. O Estado moderno passa a requerer um autêntico aparelho da gestão do poder, operacional em processos cada vez mais próprios e definidos, justificados pelos ideais de paz interna do país e eliminação do conflito social. Análise técnica e normas gerais são necessárias para a resolução de casos controversos de disputas de direitos entre indivíduos, que, com o Estado moderno, passa a ser o sujeito principal da ação do Estado, diferentemente da organização social piramidal da Idade média que dialogava com estamentos sociais19. O ‘Estado Moderno’, enquanto organização social que institucionalizou a forma de dominação ‘racional-legal’, em substituição à ‘dominação tradicional’, legitima-se por um estatuto jurídico-legal, que organiza e disciplina as funções e os limites do Estado e os direitos individuais, na sociedade, o que configura a base da autoridade do chefe de Estado perante seus membros. O poder se exerce por meio de um conjunto de normas e de uma organização formal operada por quadro técnico de funcionários, ao que é dado o nome de ‘burocracia’, cujos procedimentos e rotinas servem para salvaguardar a racionalidade e a justiça das decisões públicas tomadas por qualquer governante que venham a ocupar o comando do Estado, tendo como base as leis fundamentais da sociedade. Assim, as decisões emanadas de organizações burocráticas têm como traços marcantes, a racionalidade e a impessoalidade. No Estado Moderno, aquele que governa, e ‘domina’ os demais, o faz como fiel depositário das normas fundamentais da sociedade e do bem estar individual, para isso, necessita de uma ‘burocracia’ e de uma administração pública capazes de lhe proporcionar a execução concreta das tarefas ou incumbências consideradas de interesse de público ou comum numa coletividade (BRESSER PEREIRA, 2001: 8). Assim procedendo, o governante recebe da sociedade o poder e o consentimento para comandar seus rumos. Qualquer governante que venha a comandar o Estado já encontra a burocracia e a administração pública instaladas por estatutos racionais impositivos, de forma que seu mandato para tomar e executar decisões não é absoluto. Quaisquer decisões precisam 19 Casos controversos, naquele tempo, eram resolvidos em favor do ator social mais bem posicionado na pirâmide social ou daquele mais próximo ao Rei, que decidia conforme sua percepção pessoal dos eventos. Não era necessário técnica e normas gerais. As decisões eram feitas caso a caso e muitas vezes de forma arbitrária. percorrer o caminho institucional da burocracia e da administração pública para se concretizar e assim passam pelo crivo da análise técnica e jurídica. O combate à arbitrariedade das decisões governamentais é a principal missão da burocracia moderna. Se o mandato do governante cumpre uma finalidade específica – a pacificação do conflito, o bem estar individual e o interesse público –, a burocracia é a instituição da sociedade, e do Estado, que cria condições para a materialização dessa finalidade em ações concretas e barreiras à fuga de finalidade pelo governante. Ainda assim, o governante pode encontrar meios para executar ações contrárias ao interesse público e às normas fundamentais da sociedade, a depender do grau de profissionalização e desenvolvimento técnico da burocracia. Nestes casos, pode ocorrer a perda de legitimidade do poder exercido pelo chefe de Estado e, consequentemente, a perda de sua ‘autoridade’ perante os cidadãos, caso as arbitrariedades cometidas venham a público, que podem requerer sua substituição, sob pena de instabilidade do Estado. A ‘burocracia’ pode assumir diversos graus de profissionalização e desenvolvimento técnico. No incipiente Estado, a burocracia muito mais se aproximava a um corpo de conselheiros reais pautados em costumes baseados na tradição. A burocracia apenas avançou rumo à racionalidade técnica e à profissionalização à medida que o Estado Moderno foi se consolidando e se desenvolvendo. É importante ter em mente que o processo de formação do Estado Moderno, e de sua burocracia, foi um processo lento e gradual que se estendeu por mais de seis séculos. Portanto, no início, o ‘Estado Moderno’ ainda tinha muito o semblante de um ‘estado feudal’, porém com algumas pontuais inovações, assim o era a sua burocracia. A burocracia surgia como requisito essencial do nascimento do Estado. Entretanto, um Estado menos complexo requeria uma burocracia menos complexa. Não foi de uma hora para a outra que o tipo de poder dominante no mundo feudal, baseado na tradição do nome e em títulos de nobreza deixou de existir, para dar lugar à imperatividade dos estatutos jurídicos abstratos e universais. A dominação tradicional foi sendo gradativamente substituída pela dominação racional-legal, de forma que os Estados formados na era moderna, e sua burocracia, foram gradativamente perdendo suas características patrimoniais, típicas da forma de dominação tradicional que vigorava no período feudal. Assim, o desenvolvimento da burocracia acompanhou a evolução do Estado e o desenvolvimento da administração pública, que, em suas diferentes fases de evolução, encontra três classificações: patrimonialista, burocrática e gerencial. Esta última representa uma revisão crítica da administração burocrática, em função da evolução e novas funções agregadas ao Estado na era contemporânea. Os modelos patrimonialista e burocrático de administração pública incluem-se nas discussões sobre formação do Estado Moderno, por isso já foram tratados em seções anteriores. O modelo gerencial relaciona-se às discussões contemporâneas de reforma do Estado, do Estado contemporâneo, por isso será abordado na seção destinada ao tratamento do tema 5 do edital, referente às transformações do Estado contemporâeno. Alguns dos principais atributos da burocracia: Profissionalização Concepção de carreira Hierarquia funcional Impessoalidade Formalismo 5.3 Do Estado Absoluto ao Representativo Conforme observou Bobbio (2007:426) no processo de formação do Estado moderno destacam-se quatro fases distintas, cada uma com implicações específicas para o desenvolvimento da burocracia. Duas delas antecedem sua formação: o ‘Proto-Estado feudal’ – cuja comunidade política era policêntrica(feudos) e onde o poder local do senhor feudal era combinado com o poder universal da Igreja, que monopolizava o conhecimento; e o ‘Estado Estamental’ – cuja organização política era baseada em órgãos colegiados formados por pessoas da mesma categoria social(estamentos), portadores de prerrogativas e deveres específicos juridicamente delimitados e socialmente diferenciados, que se opõem ao detentor do poder soberano através de assembléias deliberantes. As outras duas fases do processo de formação do Estado Moderno, segundo Bobbio, são: 1) o ‘Estado Absoluto’, primeira forma de expressão do Estado moderno – fase em que gradualmente se completou o processo de concentração e centralização do poder político, com o controle dos instrumentos de gestão pelo soberano, a eliminação ou subordinação dos ordenamentos jurídicos inferiores (poderes locais) e a passagem das relações de comando e obediência entre pessoas para relações entre instituições. É a fase onde ocorre a consolidação do conceito de indivíduo e de mercado e onde a terra se torna mercadoria. Suas funções essenciais eram: a) estabelecer leis (sem depender de consentimento); b) declarar guerra e fazer a paz; c) admitir e demitir servidores; d) julgar em última instância; e) conceder graça aos condenados; f) cunhar moeda; g) cobrar impostos; h) impor ou suspender derramas; e 2) o ‘Estado Representativo’ – constituído a partir da Revolução Gloriosa (1688), da Independência Americana (1786) e da Revolução Francesa(1789) expressa o compromisso entre o poder do soberano (baseado na tradição) e o poder dos representantes da sociedade (baseado na soberania popular). A representação por categorias (estamentos) é substituída pela representação dos indivíduos singulares dotados de direitos (cidadãos). Este momento do Estado Moderno corresponde à transição dos regimes absolutistas à instauração das democracias liberais, que do ponto de vista teórico, corresponde à passagem do referencial teórico do Estado proposto por Maquiavel e Hobbes ao referencial de Locke, Rousseau e Stuart Mill, expostos na seção seguinte. O ‘Estado Representativo’ representa para Bobbio o estágio do Estado Moderno em que os indivíduos tomam consciência da identidade e das características comuns de seus interesses privados, compartilhados por seus pares. Este aspecto, em particular, favorece o pleito por expansão dos direitos fundamentais individuais tutelados pelo Estado. A maior organização dos interesses individuais, com grande engajamento da burguesia, impõe reivindicações mais variadas e complexas ao aparelho de Estado, em termos de bens e serviços a serem oferecidos à coletividade. A Passagem do ‘Estado Absoluto’ ao ‘Estado Representativo’ ocasionou a complexificação das demandas sociais imputadas ao Estado. Os trabalhos de Rousseau e de Stuart Mill inauguram no plano teórico, nos séculos XVIII e XIX, o pleito por direitos políticos e sociais como direitos também fundamentais dos indivíduos, a serem providos pelo Estado, para que pudessem ser livres, de fato, na busca de seu bem estar. As competências do Estado Moderno, em seus primeiros contornos, restringiam-se às atividades de defesa externa, segurança pública, garantia dos direitos de propriedade, administração da Justiça, cunhagem de moeda, cobrança de tributos e a relações com outros Estados/diplomacia. 5.4. Transformações do Papel do Estado nas Sociedades Contemporâneas e os Direitos Civis, Políticos e Sociais (parte do tema 5 do edital) O Estado Moderno nasce desde o princípio vinculado à promoção da segurança e do direitos individuais. Que direitos eram esses, contudo, foi uma questão variável ao longo da evolução do Estado Moderno. Em seu estado mais primário pode-se dizer que esses direitos restrigiam-se aos direitos de primeira geração – os direitos civis. Com o passar do tempo e com a evolução do Estado, a gama de direitos objeto de sua ação amplia-se gradativamente, passando a incluir direitos de 2ª e 3ª gerações, direitos políticos e sociais. Em seu estado originário os direitos individuais tutelados pelo Estado referiam-se eminentemente ao direito à vida, aos direitos de propriedade, à liberdade do indíviduo de ir e vir e de expressão e à liberdade para conduzir sua vida conforme suas convicções, sem interferência do Estado. A garantia destes direitos civis constituía a base da legitimidade do poder no Estado Moderno em sua fundação. O Estado moderno, com sua unidade de comando, sua territorialiadade, seu corpo qualificado de auxiliares técnicos, sua mundaneidade (separação da religião), racionalidade e finalidade de promoção da satisfação individual, torna-se a instituição capaz de dar resposta a ‘exigências de segurança e eficiência para os estratos20 de população que não conseguiam desenvolver suas relações sociais e econômicas no esquema das antigas estruturas organizacionais’ – a estrutura piramidal de estamentos sociais21. Ademais, o Estado não basearia suas decisões em critérios subjetivos e arbitrários, que pudessem denotar abuso de poder. Executaria com rigor as normas fundamentais da sociedade aceita por todos. Este foi o primeiro gurpo de direitos garatidos pelo Estado, os direitos civis. A este Estado é dado o nome de Estado Liberal. Com o passar do tempo, eminentemente a partir das últimas décadas do século XVIII, e durante todo o século XIX, a ascensão meteórica da burguesia, em função do desenvolvimento do capitalismo e do advento da revolução industrial, aumentou a tal ponto a pressão de seus interesses sobre o Estado, que sua própria estrutura passou a ser questionada. O príncipe, antes aliado, e representante legítimo da nova ordem política estabelecida com o Estado moderno, passa a ser visto como um déspota pela burguesia, segundo Bobbio. Esta, no gozo do prestígio econômico que passava a desfrutar, se põe a mobilizar estratos de camponeses e de trabalhadores filhos da revolução industrial, para incitação de movimentos pela república – forma de governo em que os membros da própria burguesia poderiam ascender ao comando do Estado. Como aponta Bobbio: ‘O profundo enraizamento social dos indivíduos na sociedade civil, agora plenamente organizada, faz com que (...) a própria ordem se finja pessoa e assuma para 20 Estes estratos referem-se à burguesia – aqueles que habitavam os burgos e não os feudos e que encontravam na estrutura de castas e o maior obstáculo à sua própria afirmação. 21 BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 2007, verbete: ‘Estado Moderno: 426. si os elementos de legitimação do poder e de explicação dele que até então tocavam ao príncipe (...). Isto se torna tanto mais plausível quanto mais são os próprios indivíduos que detêm os instrumentos diretos de determinação de tal ordem, o que foi possível por meio da conquista fatigante do poder de decisão, por parte da força hegemônica da sociedade organizada: a burguesia”. (BOBBIO, N., MATTEUCCI, N., PASQUINO, “Dicionário de Política, Verbete: ‘Estado Moderno) Assim, o Estado moderno começa com o referencial teórico de Hobbes e Maquiavel, nos séculos XVI e XVII, com a monarquia absolutista e incontestável, que marcou sua inauguração; evoluiu para Locke, no final sec. XVII, onde encontra sua formulação liberal inicial, com afirmação dos direitos civis22 e separação de poderes – executivo exercido pelo monarca e legislativo com representação popular (burguesia), sendo este preponderante em relação ao executivo, com poder de decisão sobre as ações a serem executadas pelo monarca. Este pressuposto representava franca evolução em relação ao modelo inicial de Estado de Hobbes e Maquiavel, para quem o Estado absoluto representava a única forma de mautençao da odem e da estabilidade política, não podendo haver contestação em relação às decisões e ao poder do príncipe. Em Locke, ao final do século XVII, registra-se um novo momento do Estado Moderno, quando sua finalidade específica deixa de ser eminentemente a promoção da segurança e da proteção dos indivíduos contra si mesmos e passa a ser a promoção dos direitos individuais civis, sua fonte de legitimidade. No século XVIII, em Rousseau, o Estado recebe novas formulações. Para alcance do bem estar individual e coletivo não era suficiente apenas a garantia de direitos civis pelo Estado. Era necessário também que houvesse garantia de participação política a todos os indivíduos sem execessão. Sem participar das decisões políticas os indivíduos não podiam expressar suas opiniões e desejos, nem se podia chegar a algum consenso sobre a ‘vontade geral’, ou o bem comum, que era diferente da soma das vontades individuais. Os direitos políticos23 tinham que ser garantidos pelo Estado sob pena de apenas alguns, os que tinham acesso ao poder, poderem influenciar as decisões e o fazerem em favor próprio, em detrimento do bem coletivo. Rousseau rejeita todo o modelo de representação política estabelecido no Estado Moderno, por alegar que seu funcionamento beneficiava exclusivamente a burguesia, e propõe um modelo de 22 23 Direitos de 1ª geração. Direitos de 2ª geração. democracia direta, onde o Estado seria governado diretamente pelos próprios cidadãos e, não por representantes, em esquema de rodízio de funções. Embora essa formulação tenha sido assaz radical, ela representa um pensamento da época: as formas de participação política e de difusão dos direitos políticos no Estado Moderno passavam a ser fortemente questionadas a ponto de se propor sua extinção. Stuart Mill, no sec. XIX, também propõe mudanças ao regime representativo e a ampliação dos direitos políticos, embora não de forma tão radical como o fez Rousseau. Não rejeita as instituições representativas, apenas propõe mudanças no acesso dos indivíduos às mesmas, embora proponha também mecanismos de participação direta dos cidadãos nas organizações decisórias do Estado (ver na seção seguinte). Inaugura a militância intelectual pela inclusão dos trabalhadores nos espaços de representação política e nas instâncias decisórias da administração pública, por meio de sorteios e rodízios de funções. Defendia que não apenas a burguesia poderia representar os interesses da sociedade como um todo. Observava várias desigualdades sociais na sociedade de seu tempo que não permitiam que todos os indivíduos pudessem exercer a escolha sobre seus destinos. A falta de oprotunidades relegava os desfortunados à miséria. Para corrigir este problema, Mill propunha agregação dos direitos sociais básicos24 dentre os direitos individuais assegurados obrigatoriamente pelo Estado, entendendo ser este o responsável pela provisão da igualdade de condições a todos os indivíduos, para que estes pudesses se desenvolver de acordo com sua vontade. Os direitos sociais a serem tutelados pelo Estado relacionavam-se às condições básicas de sobrevivência e desenvolvimento humanos, saúde e educação, por exemplo, sem os quais, nenhum homem seria capaz de traçar rumos com liberdade de escolha. Era essencial, ademais, que os trabalhadores tivessem acesso ao poder político, para exporem suas carências e necessidades perante o Estado, que até então possuía representação apenas da burguesia. O resultado esperado com essas mudanças era a ampliação do bem-estar econômico individual a mais amplos estratos sociais – circunscrito, na idade média ,à nobreza e ao clero, e, na época de Stuart Mill, à burguesia. Seu diagnóstivo era que o Estado, tal como posto, apresentava um falso caráter redistributivo, migrando apenas os privilégios da nobreza para a burguesia, permanecendo, os trabalhadores, sem acesso à apropriação da riqueza produzida coletivamente. As reformas propostas por Mill tinham a pretensão 24 Os Direitos de 3ª geração. de permitir que os indivíduos excluídos do usufruto da riqueza produzida pela sociedade, nos moldes do Estado Liberal excludente do século XIX, encontrassem, com o apoio do Estado, em forma de políticas sociais, oportunidades para também se apropriarem dos frutos do desenvolvimento econômico, pelo desenvolvimento das próprias capacidades. O mesmo diagnóstico, observado por outro teórico marcante do século XIX, que influenciou todo o século XX, Marx, gerou conclusões totalmente diferentes sobre as providências políticas a serem tomadas. Enquanto Mill propunha reformas da estrutura do Estado, Marx e seus seguidores defendiam que a única solução para a correção da desigualdade posta entre burguesia e trabalhadores seria a refundação da sociedade e frimação de um novo ‘pacto social’, para fazer analogia às idéia de Rousseau. O Estado Moderno já naseceu corrompido, defenderia os marxistas, sendoincompatível com os propósitos de igualdade e justiça, por isso o autor propunha a substituíção do Estado Moderno pelo Estado Socialista, comandado por uma ditadura dos trabalhadores, e posteriormente pelo comunista, no qual os indivíduos fariam sua auto-gestão. Modelo que se avaliarmos bem, não diverge muito da idéia de ‘sociedade civil’ de Rousseau, estabeleciada com o verdadeiro ‘contrato social’. 5.4.1 O Estado de Bem-Estar Social (integra o tema 5 do Edital) Mais tarde, já no século XX, os ‘revisionistas’ da obra de Marx, como ficaram conhecidos, proporão um novo modelo de Estado, o Estado de Bem-Estar Social cuja finalidade essencial será promover a redistribuição da riqueza nas sociedades contemporâneas, porém sem a extinção da instituição Estado e do capitalismo, apenas com a reforma de suas estruturas, nos moldes da proposta de Stuart Mill, com a adoção de políticas sociais. Seja qual for o método, entretanto, a observação comum que se pode fazer dos diferentes pensadores do Estado contemporâneo é que a participação do maior número de indivíduos no usufruto do desenvolvimento econômico torna-se a principal demanda da sociedade. Tão marcante foi esse aspecto da sociedade contemporânea na primeira metade do século XX, que o modelo de Estado de ‘Bem-Estar Social’, proposto pelo movimento revisionista marxista – a social democracia, passou a ser adotado no mundo inteiro no período pós 2ª Guerra Mundial, como o novo paradigma de Estado. Seus fundamentos econômicos agregavam valores substantivos da economia keynesiana e, por isso, o período marcado por sua proeminência no mundo (1945 - 1973) ficou conhecido como o ‘consenso keynesiano’. Sua base essencial: intervenção do Estado na economia em situações de falhas de mercado; manutenção constante de políticas de combate ao desemprego e de concessões de benefícios sociais capazes de manter estáveis os níveis de demanda agregada da sociedade por bens e serviços. O objetivo desse novo arranjo do Estado era a promoção do desenvolvimento econômico, com a manutenção do consumo das famílias sempre em níveis mais altos do que apresentariam sem a intervenção do Estado, pois tenderiam a poupar parte maior de sua renda em função de insegurança quanto à arrecadação futura. Tendo a segurança de benefícios sociais concedidos pelo Estado, o nível de insegurança quanto à provisão futura diminui e os indivíduos se sentem mais seguros para gastar maior parte da sua renda em consumo, o que movimenta a economia como um todo e, em função do efeito multiplicador de renda, gera seu desenvolvimento. O resultado esperado era o aumento da redistribuição e da riqueza produzida em uma sociedade, de modo geral, além da capacidade para evitar crises econômicas e o esfacelamento do poder de compra e da qualidade de vida individual. Percebe-se, portanto, que o fator essencial de legitimação do Estado foi se complexificando com sua evolução. Inicialmente referia-se à proteção de todos contra todos e foi abraçado pela forma de governo de um só, com poder absoluto concentrado nas mãos do governante. Posteriormente referia-se à afirmação de direitos civis e foi abraçado pela forma de governo nas mãos de poucos (aristocracia) – um monarca com poder controlado por um parlamento, composto eminentemente pela burguesia a sociedade civil organizada, segundo Bobbio. A partir do sec. XVIII, e especialmente durante o XIX, entretanto, a promoção de direitos políticos e sociais passou também a constituir a fonte de legitimação do Estado, creditada aos governos de muitos – as democracias liberais. As mais diversas formas de representação política são utilizadas para informar constantemente à burocracia as necessidades e preferências do povo. Para cumprir com tão complexo dever, os aparelhos do Estado contemporâneo necessitaram enfrentar um longo e profundo processo de transformação de suas estruturas administrativas, passando pela superação do patrimonialismo, das limitações impostas pelo ‘modelo burocrático’ de administração pública, e pelo desenvolvimento de técnicas inovadoras de gestão e de participação social, caracterizadoras da ‘Nova Gestão Pública’. A seguir trataremos dos desafios impostos ao Estado contemporâneo. 6. Tema 5 – As crises do Estado contemporâneo. O Estado de Bem-estar social, o Estado Regulador. Transformações do papel do Estado nas sociedades contemporâneas e os direitos civis, políticos e sociais. 6.1. A Crise Estado de Bem-estar social Como exposto na seção anterior, a era contemporânea assistiu à agregação dos direitos políticos e sociais aos diretos individuais tuteladospelo Estado, que, em seu início, incluiam apenas os direitos civis. No século XX concretizaram-se os movimentos pelo sufrágio universal – até este momento o voto era essencialmente censitário e masculino – e pela ampliação dos direitos sociais dos indivíduos, especialmente com a implantação do Estado de Bem-estar social, explicado na seção anteior. O ‘sucesso’ deste modelo de Estado foi tão grande munidalmente, que, durante quase 20 anos no período pós-guerra, integrou o que se convencionou chamar de ‘consenso keynesiano’, uma onda de consenso internacional sobre os novos rumos do Estado, em um sistema capitalista em desenvolvimento. Sua fórmula era composta, segundo Abrúcio (1997)25, na dimensão social, pela produção de políticas sociais, nas áreas de educação, saúde, habitação previdência e seguridade social; na dimensão econômica, pela política econômica keynesiana, com intervenção estatal na economia, procurando garantia do pleno emprego e atuação em setores considerados estratégicos para o desenvolvimento nacional, com a correção de falhas de mercado; e, na dimensão administrativa, pelo modelo burocrático weberiano, marcado pela impessoalidade, neutralidade e a racionalidade do aparato governamental. Esse modelo de atuação estatal permaneceu em vigência e desenvolvimento desde o período pós guerra até a década de 1970, quando duas graves crises econômicas afetaram o mundo inteiro em função do crescimento meteórico do preço do petróleo internacionalmente, eventos que ficaram conhecidos os ‘choques internacionais do petróleo’ (1973 e 1979). Um dos maiores efeitos da crise foi o desemprego e o esgotamento de recursos para empréstimos internacionais. O problema era que o Estado de Bem-Estar Social implantado mundialmente vinha sendo financiado em grande parte com recursos de empréstimos internacionais. Até o momento da crise, cria-se que o ‘aparelho de Estado’ podia ser usado para acelerar a industrialização, modernizar a agricultura e fornercer a infra-estrutura 25 ABRUCIO, F. L. “O impacto do modelo gerencial na Administração Pública: Um breve estudo sobre a experiência internacional recente”. Cadernos ENAP. No. 10. 55 p. Brasília: ENAP, 1997. Disponível em: http://www.enap.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=1614 necessária à urbanização, além de manter densas política sociais. O Estado era visto como solução ao desenvolvimento econômico, o que foi denominado por Evans e outros de a ‘primeira onda desenolvimentista’ (Evans, 1993). Nas décadas subsequentes as expectativas tomaram rumos opostos: o Estado torna-se o principal obstáculo ao desenvolvimento. Passa a ser visto como o principal problema a ser enfrentado nos esforços de ajuste econômico e a raiz essencial da estagnação e crises econômicas das décadas de 70 e 80. O Estado passa a ser enxergado como problema devido, em parte, a seu fracasso em realizar as tarefas estabelecidas pela agenda anterior (promover industrialização, etc. ); e, principalmente, devido à necessidade de os países em desenvolvimento se ajustarem às restições impostas pela conjuntura internacional do períodos que apresentava decréscimo no crescimento do comércio mundial, expressiva elevação das taxas de juros, e enxugamento dos empréstimos comerciais (Evans, 1993)26 O Estado de Bem-Estar, interventor, que atuava como agente econômico e adotava medidas anticíclicas, para ‘temperar’ o desempenho da economia, passa a ser visto como o vilão da crise, para muitos, como Milton Friedman e Hayeck, que o consideravam um Estado caro, com uma estrutura administrativa inchada, pela quantidade de serviços que assumiu para si; lenta e auto-referenciada, pela forma burocrática de administração pública que assumia, com rígidos controles de processos. O crescimento da economia não era capaz de retornar, ao Estado, em arrecadação fiscal, o volume de recursos financeiros correspondente ao subisídio concedido, caracterizando a situação de insolvência estatal, que, para continuar fornecendo os serviços que oferecia, necessitava recorrer a sucessivos empréstimos. Na situação de esgotamento do crédito esses Estados se viram estrangulados, sem condições de manter seus serviços e estrutura. Ademais, para a crítica ‘neo-liberal’, como ficou conhecida essa vertente, as políticas anticíclicas do Estado de Bem Estar geravam inflação e se tornavam inócuas, no médio e no longo prazos, pois os agentes do mercado se adaptariam ao crescimento da demanda por bens de consumo gerado por elas, elevando seus preços na medida dos benefícios concedidos pelo Estado às famílias consumidoras. 6.2. Transformações do papel do Estado – O Estado Regulador 26 EVANS, P. O Estado como problema e solução. Lua Nova, n.º 28/29, p. 107-156, 1993 Com as transformações do papel do Estado nas sociedades contemporâneas, o modelo de administração pública burocrática sofre intenso processo de revisão. O modelo burocrático weberiano se mostra limitado para tratar as crescentemente complexas atribuições do Estado. A partir da década de 1980, em decorrência das crises do Estado contemporâneo experimentadas internacionalmente, inicia-se um movimento intelectual e político rumo a reformas administrativas e implantação do ‘Estado gerencial’. Este novo modelo de Estado requer também um novo modelo de burocracia. Sob essa perspectiva e sob a incapacidade de manter os mesmos serviços e estrutura nos tempos de crise, países como os Estados Unidos e a Inglaterra adotam reformas de ajuste fiscal, como ficaram conhecidas, implantadas respectivamente sob o comando de Ronald Regan e de Margaret Tatcher, que propunham o modelo de Estado ‘gerencial’. Emerge, desta crítica, o modelo de Estado que não atua diretamente no mercado; apenas define as regras do jogo econômico e zela por seu cumprimento, preservação, credibilidade, estabilidade e adequação, o que confere ao mercado confiança e previsibilidade: o Estado Regulador. O Estado, nessa perspectiva, não pode (não tem capacidade), e não deve, definir sozinho, do alto de sua tecnocracia, que problemas sociais solucionar e como solucionálos para gerar desenvolvimento. O Estado não tem capacidade técnica, para desempenhar funções tão complexas como a provisão de serviços de telecomunicações, por exemplo. É um tipo de atividade super especializada, que envolve altos graus de racionalidade e conhecimento técnico que o Estado, por ter que se concentrar em uma série de outras funções, não tem capacidade de desenvolver. O resultado era a oferta de serviços de má qualidade. Ademais, a burocracia estatal não deveria se envolver na solução de problema complexos da sociedade de forma ‘top-down’, de ‘cima para baixo’, era necessário participação social na solução de problemas coletivos. O Estado deveria passar da condição de provedor de serviços à de regulador e garantidor dos mesmos. 6.2.1. A Lógica do ‘Estado Mínimo’ Os advogados do Estado mínimo basearam-se essencialmente em princípios da micro-economia para explicar o porque deve-se reduzir ao máximo o Estado. A relação de troca entre ocupantes de cargos e seus apoiadores é a essência da ação do Estado. Os primeiros precisam de suporte político para sobreviver e os últimos devem receber incentivos suficientes para manter seu apoio e não desviá-lo a outros. Ocupantes podem distribuir recursos diretamente a apoiadores (subsídios, empréstimos, empregos, contratos e fornecimento de serviços), ou indiretamente, por sua autoridade regulamentadora para criar benefícios (profit) a grupos privilegiados, como controle sobre o câmbio, taxas de juros, restrições a entrada no mercado por cadastro de produtores, tarifas sobre importações, por exemplo. Esta prática de busca de satisfação de interesses individuais por meio da estrutura estatal foi denominada ‘rent-seeking’, ou ‘caça às rendas’. Ocupantes podem também cobrar rendas para si próprios: a “competição pelo ingresso no governo é, em parte, uma competição por rendas”(Evans, 1993) Na economia altos retornos originados de atividades ‘lucrativas diretamente improdutivas’ desestimulam o investimento em atividades produtivas. Era o caso dos retornos empresariais obtidos a partir de subsídios do Estado, ou os retornos obtidos por muitos indíviduos da sociedade empregados no Estado ineficiente. Esses retornos eeclinam a eficiência e o dinamismo econômico. Para se minimizar os efeitos nocivos da ação do Estado, sua esfera devia ser reduzida a um mínimo e o controle burocrático, sempre que possível, substituído por mecanismos de mercado. O âmbito das funções do Estado conversíveis ao mercado era variável, mas diversos instrumentos foram pensados para incentivar privatistas a financiarem pelo menos parte das políticas públicas. (Evans, 1993) Essa concepção de fato capta aspecto significativo da maioria dos Estados cotemporâneos e até dominante em muitos casos. A ‘orientação para a renda’, ou ‘rent seeking’, conceituada em termos mais primários como ‘corrupção’, tem sido característica marcante em Estados do então chamado ‘Terceiro Mundo’. Alguns estados consomiam o excedente que extraiam e acabavam por incentivar atores privados a se mudarem de atividades produtivas a improdutivas de ‘rent seeking’, fracassando em fornecer bens coletivos – chamados ‘Estados predatórios’. (Idem) Essa linha é considerada por Evans um aperfeiçoamento da concepção neo-clássica tradicional, que entendia o Estado como arbítrio neutro. Recupera parcialmente alguns pensamentos originais de Marx, sobre os vieses que caracterizam a política de Estado – a instituição utilizada pelos poderosos (burguesia), para se perpetuarem como os apropriadores da riqueza coletiva. Representa uma contribuição valiosa enquanto explicação de um padrão de comportamento do ocupantes de cargos, que pode ou não ser dominante em um Estado. Porém enquanto teoria aplicável genericamente a todos os Estados é problemática. 6.2.2 A administração gerencial – o ‘gerencialismo puro’ - managerialism A onda gerencial nasceu nos EUA, quando Woodrom Wilson escreveu seu célebre artigo The study of administration, em 1887, defendendo a separação entre a política e a administração. Permaneceu adormecida durante os períodos das guerras mundiais e o consenso keynesiano e renasceu nos Estados Unidos a partir da década de 60, quando difundiu-se também para países como Canadá e o Reino Unido, tomando vigor na década de 70, com a crise econômica mundial. Sua difusão se deu em meio à propagação das idéias ‘neo-liberais’, que surgiam em reação ao keynesianismo. Sob inspiração da administração de empresas, propunha-se a reforma do Estado e a readequação de suas estruturas e funções, com base no princípio da eficiência. Em sua primeira fase – o ‘gerencialismo puro’ ou ‘managerialism’, seus fundamentos se confundiam com os pilares neo-liberais; seus apelos eram pelo enxugamento do Estado a níveis quase mínimos, o que incitou a formulação do conceito ‘Estado mínimo’. Sob esse conceito, o desenvolvimento econômico seria consequência direta da desregulamentação da economia. Quanto mais ‘livre’ estivesse o mercado de quaisquer intervenções estatais no curso normal de suas atividades, maiores condições teria de se desenvolver. É uma posição diametralmente oposta à do desenvolvimentismo de 1ª onda de inspiração keynesiana. A esta vertente, Evans (1993) e outros atribuiram o apelido de ‘segunda onda’ de desenvolvimentismo, abraçada pelos governos Tatcher e Reagan, no RU e nos EUA, respectivamente, e posteriormente por governos da America Latina e de outros países em desenvolvimento, após o Consenso de Washington. Na verdade, o movimento ‘neo-liberal’ como ficou conhecido o grupo da 2ª aonda se apresentou como um posição teórica contrária ao keyneisianismo. Friedman,um de seus principais agitadores desenvolveu uma teoria macroeconômica de bases monetárias, para tentar demonstrar exatamente o contrário de Keynes: que a intervenção do Estado na economia não modifica seus resultados no médio e no longo prazos. Sob esse prisma teórico foi formulado o modelo ‘gerencial puro’, cujo objetivo principal era o corte de atividades não típicas de Estado a seu cargo. Objetivava-se com isso a economicidade, com a redução de gastos; a eficácia da ação estatal, com a redução do rol de suas tarefas a somente aquelas que tinha realmente capacidade de executar; e ganhos de eficiência, com a otimização de processos e o aumento de produtividade. O resultado final esperado era a redução dos custos de manutenção da administração e liberealização do mercado, principal objetivo dessa fase do gerencialismo. O managerialism seria utilizado no setor público para diminuir os gastos em uma era de escassez e para aumentar a eficiência governamental. Em suma, o gerencialismo puro tinha como eixo central o conceito de produtividade (POLLITT, 1990: 2)27. Não por acaso um dos livros fundamentais àquela época chamava-se “Fazendo mais com menos” (Doing more with less) — UKELES, 1982. Nessa visão, muitas das funções desempenhadas até então pelo Estado deveriam estar sendo executadas apenas pela sociedade. A estrutura do Estado deveria estar preparada apenas para desempenhar as funções tipicamente estatais – que, no Estado Mínimo restringem-se à segurança, diplomacia, administração da justiça, arrecadação mínima de tributos e garantia de direitos de propriedade, tal como o Estado liberal de Locke, por isso o termo ‘neo-liberal’. A provisão de bens para o mercado devia ser deixada aos agentes de mercado e os serviços de interesse público, descentralizados ao máximo aos agentes privados, que dispõem de maior capacidade de especialização para sua oferta com qualidade que o Estado. Entretanto, essa visão radical da administração subestimava o conteúdo político da administração pública, resgistrariam estudiosos em momento de amadurecimento do modelo gerencial. Em sua perspectiva inicial, o modelo gerencial era proposto como uma tecnologia neutra destinada a modificar o funcionamento e a cultura do setor público (GRAY & JENKINS, 1995: 81)28. Desta maneira, alguns gerencialistas mais radicais afirmavam que não existe diferença conceitual entre a administração da empresa privada e a administração pública (MURRAY, 1975)29. Outros aceitavam que há determinadas diferenças entre ambas; contudo, propunham reformas ao setor público como se ele fosse uma organização homogênea — a burocracia vista caricaturalmente. O fato é que a administração pública se constitui num sistema organizacional em que, internamente, há diferentes tarefas e valores pertencentes a um contexto complexo de relações com a esfera política. O objetivo ‘corte de gastos’, significava muitas vezes corte de tarefas postas ao Estado pela própria sociedade. A reforma do aparelho de Estado não podia prescindir de conquistas importantes da sociedade quanto aos serviços por ele ofertados, especialmente na área social. O modelo ‘gerencial puro’, na verdade, tinha como base a 27 POLLITT, C. (1990), Managerialism and the public services — the angloamerican experience. Oxford/Massachusetts: Basil Blackwell. 28 GRAY, A. & JENKINS, B. (1995), “From public administration to public management: ressessing a revolution?”, Public Administration, vol 73, n.1. 29 MURRAY, M. (1975), “Comparing public and private management: an exploratory essay”. Public Administrative Review, vol 34, n.4. separação entre a política e a administração. Assim, caberia aos reformadores implantar o managerialism na administração pública independentemente, do que ocorria no âmbito político da sociedade. (ABRÚCIO, 1997: 18). Isto, porém, não se mostrou possível. Segundo Abrúcio, nem os Estados Unidos nem o Reino Unido conseguiram cortar parte considerável de seus gastos, especialmente aqueles vinculados à prestação de serviços sociais. O governo de Tatcher ainda conseguiu maior êxito do que o americano em cortar gastos com pessoal no governo central e em empresas estatais, entretanto, nos governos locais e nos serviços sociais que ocupavam espaço vultuoso do orçamento não foi possível a redução de gastos. Um problema geral da aplicabilidade do modelo gerencial puro, mundialmente, era que a maioria dos serviços ofertados pelo Estado não poderiam ser delegados à sociedade, pois resultavam de conquistas e demandas históricas da sociedade em relação ao Estado. Assim também o eram algumas empresas estatais, em alguns países, que não poderiam ser radicalmente privatizadas, sob pena de discordância da opinião pública. Não era possível a separação das decisões administrativas de questões políticas altamente enraizadas na sociedade. Este foi o principal problema do modelo gerencial puro, que passou a reformulações a partir da década de 80. 6.2.3 As transformações do modelo gerencial de Estado Com o avanço do modelo gerencial, contudo, seus defensores passaram a considerar que a lógica da eficiência e da economicidade não era suficiente para pautar a administração pública, que ao fim das contas, presta serviços ao cidadão e não tem o lucro como fim, diferentemente da administração de empresas privadas. Não bastava eficácia na execução de um serviço e alcance de baixos custos na sua oferta. Era também indispensável o alcance de efetifividade, a oferta de serviços de qualidade, que realmente fizessem a diferença na vida dos cidadãos. Abrúcio (1997:19) observa que, no princípio da década de 1980, passou-se ao entendimento de que as reformas administrativas apoiadas em técnicas gerenciais não servem apenas ao aumento per se do desempenho organizacional. As reformas devem melhorar a performance do setor público de acordo com objetivos públicos, ou seja, politicamente definidos (CAIDEN, 1991: 30). Os gerencialistas puros, por fim, não consideraram que a especificidade do setor público dificulta a mensuração da eficiência e a avaliação do desempenho tal qual ocorre na iniciativa privada. Na gestão pública, estão em jogo valores como eqüidade e justiça que não podem ser medidos ou avaliados por intermédio dos conceitos do managerialism puro (MAYORDOMO, 1990: 278280)30. Essa “despolitização” da administração pública, aliada à ênfase no conceito de eficiência governamental, fez com que Christopher Pollitt (1990), um dos maiores críticos do modelo gerencial inglês, classificasse o managerialism como um “neotaylorismo”, isto é, uma proposta calcada na busca da produtividade e na implantação do modelo de gestão da empresa privada no setor público. Pollitt reconhece, no entanto, que o modelo gerencial puro obteve alguns êxitos. O principal deles é que a ênfase na questão financeira de fato elevou a consciência da burocracia inglesa sobre os custos das políticas públicas (POLLITT, 1990: 85). Este valor foi incorporado por todos os governos que têm realizado reformas administrativas nos últimos anos. Isso mostra que a busca da eficiência governamental, embora em si não resolva todos os problemas da burocracia, é um legado positivo do modelo gerencial puro. Este aspecto entre tanto não suficiente em si mesmo para garantir o bom funcionamento do Estado; era necessária a adoção de formas de flexibilizição da programação de gastos e de conceitos de promoção de serviços públicos voltados aos anseios dos cidadãosclientes/consumidores. As críticas mais pertinentes feitas ao modelo gerencial puro na Grã-Bretanha buscavam, segundo Abrúcio, não a volta ao modelo burocrático weberiano, mas sim a correção do managerialism no sentido de incorporar novos significados. A ênfase na flexibilidade da gestão foi uma das mudanças introduzidas. A estratégia da eficiência, se levada às últimas conseqüências, pode petrificar a ação do gerente público, tal como mostramos no item anterior. O caso do Orçamento público é paradigmático. O estrito enfoque no controle orçamentário dificulta a adaptação a alterações que impliquem um redirecionamento do gasto público. No limite, a ótica da eficiência acredita que há uma solução racional única para os problemas orçamentários. No entanto, como bem observam METCALFE e RICHARDS (1989: 303)31, “o orçamento público é um problema contínuo sem uma solução permanente”. 30 MAYORDOMO, X. M. (1990), “Técnicas gerenciales y modernización de la Administração Pública en España”, Documentación Administrativa, n.223, Madri. 31 METCALFE, L. & RICHARDS, S. (1989), La modernization de la gestion pública. Madri: INAP. No caminho da flexibilização da gestão pública, também podemos citar a passagem da lógica do planejamento para a lógica da estratégia (CROZIER, 1992: 93)32. Na primeira, prevalece o conceito de plano, o qual estabelece, a partir de uma racionalidade técnica, o melhor programa a ser cumprido. Já na lógica de estratégia, são levadas em conta as relações entre os atores envolvidos em cada política, de modo a montar cenários que permitam a flexibilidade necessária para eventuais alterações nos programas governamentais. A utilidade da lógica de estratégia vai além da confecção dos programas governamentais. O contexto maior da reforma administrativa se beneficia igualmente do conceito de estratégia, sobretudo porque a maioria dos Estados contemporâneos passa por três grandes crises: a fiscal; a decisória, uma vez que o quadro institucional mais atrapalha do que favorece a implementação de reformas; e, por fim, a de confiança, pois a população desconfia, cada vez mais, dos governos e de suas políticas. É neste ambiente que Michel Crozier propõe a utilização da estratégia, que não leva só em conta os objetivos dos programas e das reformas propostas, mas principalmente requer um acompanhamento das reações da sociedade e dos funcionários públicos frente às ações do governo (CROZIER, idem: 93-94). A busca da qualidade dos serviços públicos é outro conceito que o modelo gerencial vem incorporando. Desde a metade da década de 80, o governo britânico vem se utilizando do referencial da qualidade na avaliação de resultados das agências e dos programas. Isto ocorreu, em primeiro lugar, por causa das críticas contra a ênfase dada inicialmente à mensuração da eficiência e não da efetividade dos serviços públicos. Neste sentido, Norman Flynn afirma que “a imposição arbitrária da diminuição dos custos pode conduzir mais à redução do nível (de qualidade) dos serviços do que a um aumento de produtividade” (FLYNN, 1990:113). É neste ponto que o modelo gerencial traz à tona o aspecto público da administração pública, sem no entanto abandonar o conceitual empresarial vinculado à eficiência e à busca da qualidade dos serviços – nasce o consumerism. 6.2.3.1 o ‘Consumerism’ O ‘consumerism’ representa a segunda fase do Estado gerencial, focado na satisfação do cidadão tal como se fosse o cliente atendido pela empresa privada. Este modelo baseou-se nos programas de ‘qualidade total’que emergiam da administração de 32 CROZIER, M. (1992), Cómo reformar al Estado. Tres países, tres estrategias: Suecia, Japón y Estados Unidos. Cidade do México: Fondo de Cultura Econômica. empresas e se utilizava de técnicas de ‘competição adminstrada’ para a repartição de recursos entre as diferentes agências governamentai prestadoras de serviços públicos. O ‘cidadão-cliente’ avaliaria constantemente os serviços públicos oferecidos pelo Estado, por meio dos instrumentos de avaliação desenvolvidos por funcionários especializados, e a performance das diferentes agências governamentais influenciaria o volume de recursos percebido pelas mesmas no exercício posterior. A intenção do modelo era gerar estímulo às agências governamentais aumentarem sua eficiência e a qualidade dos serviços ofertados. Entretanto, o mecanismo de competição organizacional acabou por gerar efeitos de ‘seleção adversa’, que significa que apenas as agências que já eram boas conseguiam ser bem avaliadas constantemente e assim acabavam por receber maior volume de recursos, o que acarretaria um novo exercício bem avaliado, com correspondente vultuoso volume de recursos e assim sucessivamente. Desse modo, ao final, as agências que haviam sido inicialmente mal avaliadas e precisariam de maior volume de recursos para melhorar seus serviços, mas receberam poucos recursos, por haver sido mal avaliadas, só iam de mal a pior de um exercício a outro. Isto acarretava perpetuação do mal atendimento para algumas comunidades que dependiam das agências mal avaliadas. Neste ciclo vicioso, a equidade ficava prejudicada, pois apenas um grupo de cidadãos, aquele atendido pelas agências bem avaliadas, teria acesso a bons serviços, podendo ocasionar migração da população incialmente atendida pelas agências mal avaliadas para as bem avaliadas. Esse movimento por sua vez, pode gerar o congestionamento das agências bem avaliadas, a médio prazo, pelo execesso do contingente nos atendimentos, e causar também a perda da qualidade. Enquanto isso, as unidades do serviço público que tiveram inicialmente uma má avaliação, ficarão abandonadas e com uma subutilização que por si só já resultará em desperdício de recursos públicos. Outra crítica normalmente imputada ao modelo relacionava-se ao conceito de consumidor de serviços públicos. Para vários autores, o conceito de consumidor deve ser substituído pelo de cidadão. Isto porque o conceito de cidadão é mais amplo do que o de cliente/ consumidor, uma vez que a cidadania implica direitos e deveres e não só liberdade de escolher os serviços públicos (STEWART & WALSH, 1992: 507). Na verdade, a cidadania está relacionada com o valor de accountability, que requer uma participação ativa na escolha dos dirigentes, no momento da elaboração das políticas e na avaliação dos serviços públicos. Desta forma, mecanismos de participação social restritos à avaliação de serviços só enfatizam um aspecto da cidadania, o de controlar as políticas públicas. O consumidor é, no mais das vezes, um cidadão passivo. Ademais, O conceito de consumidor também não responde adequadamente ao problema da eqüidade, valor fundamental na administração pública. A primeira pergunta não respondida pelo consumerism é quem são os consumidores/clientes? Em grande medida, são aqueles que se organizam para atuar onde os serviços são prestados — o que, no limite, pode se constituir num grupo de interesse. Os que se organizarem mais podem se tornar ‘mais consumidores do que os outros’. Assim, os consumidores mais fortes podem se constituir em ‘clientes preferenciais do serviço público’. Os burocratas, por sua vez, poderão fazer de tudo, inclusive atos discricionários, para atender ao grupo organizado de consumidores, já que os funcionários públicos dependem, no modelo consumerism, da avaliação dos clientes para obter avanço profissional, melhoria de salários e até, em último caso, para manter o próprio emprego. Para tentar introduzir os conceitos de accountability e eqüidade na prestação de serviços públicos, alguns autores do gerencialismo criaram a variação ‘Public Service Orientation’ (PSO), considerada a terceira e atual fase do modelo gerencial, que encontra-se em constante processo de reformulação. 6.2.3.2 O ‘Public Service Orientation’ (PSO) Surgida em meados da década de 1990, esta é a formulação mais avançada do modelo gerencial de administração pública e está altamente ligada à reação teóricoacadêmica ao movimento ‘neo-liberal’ das décadas de 70 e 80, que introduziu o gerencialismo puro como modelo de Estado. Evans (1993) denominou essa reação teórica de a ‘terceira onda’ de desenvolvimentismo, a qual ‘surfamos’ no atual momento. 6.2.3.2.1 A ‘Terceira Onda’ desenvolvimentista e o papel do Estado contemporâneo na sociedade As conclusões dos teóricos da ‘terceira onda’ partiram da observação da performance de países em desenvolvimento, na década de 1990, e sua relação com a implantação do pacote de ajustes proposto pelas reformas gerenciais receitadas internacionalmente pelo FMI e o Banco Mundial, após o Consenso de Washington33 de 1989. O conteúdo das reformas era eminentemente ‘gerencial puro’ e incluía os seguintes dez mandamentos: disciplina fiscal; redução dos gastos públicos; reforma 33 Para quem tiver interesse, ver na wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Consenso_de_Washington tributária; juros de mercado; câmbio de mercado; abertura comercial; investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições; privatização das estatais; desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas) e direito à propriedade intelectual. A preocupação era basicamente uma só: redução de gastos e desregulamentação, propunha-se ao mundo inteiro o modelo ‘gerencial puro’ de Estado, quando o modelo já vinha sofrendo revisões e críticas internacionalmente. Assim, as perguntas postas pelos teóricos da ‘terceira onda’ tinham o mesmo fundo das questões apresentadas pelos revisores do modelo gerencial puro. Seria o ajuste, em si, suficiente para assegurar crescimento futuro? Não haveria serviços prestados pelo estado que não deveriam ser cortados, para o bem da economia? Evans (1993) cita o paradoxo do ajuste, idéia de alguns autores da terceira onda, que questionava como poderia ser o Estado (a raiz do problema para os reformistas gerenciais) o agente populsor e executor de programas de ajuste. Para estes o Estado permanece central ao processo de mudança estrutural da sociedade, mesmo quando mudança ‘da vez’ é o ajuste estrutural.O reconhecimento da centralidade do Estado inevitavelmente remete de novo a questões sobre a capacidade de ação do Estado.Não somente capacidade de identificar políticas corretas, mas também da institucionalização permanente de um conjunto complexo de mecanismos político-deciórios. Até o ortodoxo Banco Mundial passa a considerar a possibilidade de problemas enfrentados por Estados estarem concentrados em deficiências institucionais corrigíveis apenas no longo prazo, não apenas em más políticas A resposta não estaria no desmantelamento do Estado, mas sim em sua reconstrução. Não bastaria, para teórico da 3ª onda, uma rede ‘eficiente’ de relações de propriedade. A operação fluente da troca exige clima denso e profundamente desenvolvido de confiança e entendimentos culturalmente partilhados – ‘elementos nãocontratuais do contrato’ (Durkheim). Mercados estão sempre inseridos em uma matriz social que abrange entendimentos culturais e sistemas sociais compostos de laços individuais polivalentes. Assim em certos casos o apoio às relações de troca pode ser gerado por instituições formais, fornecidas pelo Estado. Se os mercados devem estar envolvidos por outros tipos de estruturas sociais a fim de funcionar, então as tentativas ‘neo-liberais’ de ‘liberar’ o mercado do Estado poderiam terminar por destruir os apoios institucionais que possibilitavam o funcionamento do mercado.Assim, não se tratava de estabelecer um ‘Estado mínimo, mas sim um Estado adequadamente voltado à solução de problemas enfrentados pela sociedade e pelo mercado. Observando os países em desenvolvimento, os teóricos de ‘terceira onda’ perceberam que os bem sucedidos na promoção do desenvolvimento econômico foram aqueles que não seguiram as prescrições gerenciais puras ao pé da letra. Países como Coréia do Sul e Japão não ‘reduziram’ seus Estados, apenas profissionalizaram-no. Investiram na valorização e no desenvolvimento técnico da burocracia Estatal, ao passo que desenvolveram mecanismos poderosos de diálogo entre burocratas e agentes de mercado, o que Evans qualificou como ‘autonomia inserida’. No ritmo da ‘terceira onda’ desenvolvimentista, o modelo gerencial de administração pública também se desenvolveu. Não se tratava de extinguir funções do Estado, historicamente sob sua competência. Tratava-se de profissionalizar o Estado para tal. Não se tratava de demitir funcionários pura e simplesmente e nem de rejeitar o modelo de burocracia weberiana. Tratava-se, ao contrário, de reforçar parte de seus pressupostos, como a admissão segundo rígidos critérios de mérito, existência de um sistema estruturado e universal de remuneração, a concepção de carreiras, avaliação sistemática e capacitação permanente; e de rever algumas de suas limitações à capacidade de ação estatal, como o formalismo excessivo e controle de processos, que deviam dar lugar a controles de resultados. O problema identificado pelos estudiosos da 3ª onda, em países em desenvolvimento, foi geralmente a ausência de uma burocracia profissional, nos moldes weberianos, não seus excessos. Muitos desses países nunca sequer chegaram a instituir a burocracia weberiana, muitos o conseguiram em apenas alguns setores do Estado, restritos a alguns temas de políticas públicas. O que estava pesando para os maus resultados do desempenho estatalo era justamente a parcela do aparelho Estado em a burocracia não estava devidamente implantada, aonde normalmente se observava marcantes traços de patrimonialismo e clientelismo. Era necessário, portanto, antes de qualquer providência de reforma, identificar dentro do aparelho do Estado aqueles setores em que o quadro de funcionários não havia sido composto conforme os pressupostos da burocracia weberiana, para que se fossem realizadas as devidas providências rumo à profissionalização. A demissão de srvidores em massa e a simples extinção de serviços não resolveria o problema do Estado. 6.2.3.2.2 Elementos do PSO Em virtude das limitações do consumeirsm, em meados da década de 1990, e do impacto da ‘terceira onda desenvolvimentista’, o modelo gerencial de Estado encontra no PSO sua formulação mais ponderada entre o Estado de Bem-Estar Social e o Estado Mínimo. O conceito de consumidor/cliente de políticas públicas é substituído pelo de cidadão, sujeito de direitos e mais importante, sujeito de opinião política e demandas que devem encontrar meios institucionais de serem capturadas. Assim, toda a reflexão realizada pelos teóricos do PSO leva aos temas do republicanismo e da democracia. Revendo o problema da eqüidade deixado pelo consumerism, o PSO é proposto sob os conceitos de accountability, transparência, participação política eqüidade e justiça, questões praticamente ausentes do debate sobre o modelo gerencial. Para tanto, é preciso que no processo de aprendizado social na esfera pública se consiga criar uma nova cultura cívica, que congregue políticos, funcionários e cidadãos. Os mecanismos de particpação social e descentralização são essenciais nesse processo. Requer formas flexíveis de gestão, com incentivos à criatividade individual e organizacional e maior participação de agentes privados, ou de organizações da sociedade civil, no processo decisório. A gestão de políticas públicas e o controle da ação estatal passam a ser feitos por instâncias com crescente participação social. Proliferam-se as instituições de consulta pública (audiências, conselhos, etc) para validação de decisões governamentais. Entidades privadas passam a dividir com organizações públicas a competência de construção e execução de políticas públicas. Emergem as parcerias público-privadas e organizações públicas não-estatais (Ex. OSCIPs, Sistema S) Não basta apenas, ao Estado, gastar pouco (economicidade), fazer ‘mais com menos’ (eficiência), conseguir executar tarefas a seu cargo (eficácia), com qualidade suficiente para fazer efeito na vida dos cidadãos (efetividade), é necessário também que haja equidade na provisão de serviços, de modo que os mais necessitados tenham também maior atenção do Estado. Fundamenta-se nos princípios da confiança e da descentralização de decisões e funções, com redução dos níveis hierárquicos da administração e horizontalização de estruturas A qualidade da gestão é medida pela capacidade de o Estado atender às necessidades de seus cidadãos. Assim, a estratégia volta-se para: (1) definição precisa dos objetivos a serem atingidos pelo administrador público em sua unidade; (2) garantia de autonomia ao administrador na gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros, à sua disposição, para alcance dos objetivos contratados, e (3) controle a posteriori dos resultados. Outro conceito caro ao modelo gerencial, o de competição entre agências públicas, é repensado pelo Public Service Orientation (PSO). Não que a competição seja negada como princípio utilizável no setor público; mas o que é mais ressaltado pela PSO é a possibilidade de cooperação entre as agências de modo a obter um melhor resultado global na oferta de serviços públicos. Desta forma, o princípio da eqüidade, fundamental dentro do PSO, pode ser garantido. 6.2.4 Principais tendências práticas do Modelo Gerencial – o que pegou? Segundo Abrúcio (1997:38), os principais atributos das reformas gerenciais implementadas a partir da década de 1980 incluíram: a) incentivo à adoção de parcerias com o setor privado e com as organizações não governamentais (ongs); b) ampla introdução de mecanismos de avaliação de desempenho individual e de resultados organizacionais, atrelados uns aos outros, e baseados em indicadores de qualidade e produtividade; c) maior autonomia às agências governamentais e, dentro delas, aos vários setores, horizontalizando a estrutura hierárquica; d) descentralização política, apoiada no princípio de que quanto mais perto estiver do cidadão o poder de decisão com relação às políticas públicas, melhor será a qualidade da prestação do serviço e, de fundamental importância, maior será o grau de accountability. os governos também têm atuado no sentido de implantar políticas de coordenação entre as várias esferas administrativas; e) estabelecimento do conceito de planejamento estratégico, adequado às mudanças no mundo contemporâneo e capaz de pensar, também, as políticas de médio e longo prazo; f) flexibilização das regras que regem a burocracia pública, principalmente o direito administrativo: negociação coletiva, introdução de ganhos de produtividade e novos critérios de promoção têm flexibilizado a administração de pessoal no setor público” g) mesmo com a flexibilização da política de pessoal, a profissionalização do servidor público continua sendo prioridade”; “políticas de motivação e desenvolvimento têm também recebido grande atenção”, assim como questões relacionadas à etica; h) desenvolvimento das habilidades gerenciais dos funcionários, em particular os de nível médio e os do alto escalão burocrático. Neste sentido, os funcionários precisam possuir uma grande versatilidade, atuando em vários funções. As principais funções são a de administrador, vinculada à capacidade de trabalhar com os regulamentos rotineiros; a de produtor, ligada ao aumento da produtividade com qualidade; a de inovador, capaz de encontrar novas respostas e modernizar o fluxo de decisões; e a de integrador, habilitado à congregar seu grupo a atuar em conjunto na busca de um objetivo. A implantação dessas inovações nos Estados contemporâneos inspirou a formulação do conceito ‘A Nova Gestão Pública’, denotando o novo modelo de funcionamento do aparelho de Estado, cuja burocracia deixa de ser regida prioritariamente pelos princípios de neutralidade e formalismo e passa a ser regida pelos 6 (seis) ‘E’s da Administração Pública – eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, equidade e ética, conforme observado por Abrúcio. Essa nova orientação baseia-se na descentralização decisória e confere aos ‘empowerment’ aos burocratas, que são chamados também a tomar decisões, não apenas implementar aquelas tomadas em âmbito político. Aliás, o âmbito político passa a estar mais diluído nas mãos de agentes públicos nas diversas instâncias setoriais, em razão da descentralização administrativa. A separação entre âmbito político e burocrático fica mais fluida. O Poder político passa ser exercido de forma mais difusa, ou seja, pela constelação de poderes de mais diversos atores protagonistas do processo decisório, o que é típico da evolução de instituições democráticas. 7. Exercícios do Tema 1 1. (STN - Prova de 2000, ESAF, 49) - Max Weber, em sua clássica descrição dos três tipos puros de dominação legítima, discorre sobre a dominação burocrática, elucidando suas principais características. Assinale a opção que descreve corretamente a concepção weberiana de autoridade burocrática. a) Trata-se de um tipo de dominação que se baseia no estatuto, isto é, na lei, podendo ser também chamada de dominação legal. b) Trata-se de um tipo de dominação em que a obediência decorre do prestígio e respeitabilidade conquistados por seus detentores. c) Trata-se de um tipo de dominação em que o talento e o poder intelectual de seu possuidor sobrepujam outros tipos de poderes. d) Trata-se de um tipo de dominação ancorada na obediência à norma estatuída e na autoridade tradicional. e) Trata-se de um tipo de dominação comum em sociedades tradicionais, baseada no estatuto jurídico. 2. (STN, Prova de 2005, ESAF, 61)- Um dos componentes mais decisivos nas relações situadas nas esferas da política e da administração é o poder. Sobre esse tema, indique qual(is) item(ns) abaixo está(ão) correto(s), assinalando a opção correspondente. 1 - O poder é um atributo possuído pelos homens, consistindo na posse dos meios para satisfazer seus desejos e necessidades e na possibilidade de dispor livremente desses meios. 2 - O poder é uma relação entre homens e entre estruturas organizacionais simples ou complexas e compreende um ou mais sujeitos, um ou mais objetos e uma esfera de atividades na qual esse poder se exerce. 3 - O poder institucionalizado, próprio das organizações, compreende um conjunto de relações de comando e obediência objetivamente definidas, articuladas numa pluralidade de funções hierarquizadas e estavelmente coordenadas entre si. 4 - A conflitualidade é inerente ao poder, mas depende igualmente do modo de exercer o poder, do antagonismo das vontades, do ressentimento devido à desigualdade de recursos e da cultura organizacional. a) Somente o item 2 está correto. b) Somente os itens 1 e 3 estão corretos. c) Somente o item 4 está correto. d) Somente os itens 2 e 3 estão corretos. e) Somente os itens 3 e 4 estão corretos. 3. (EPPGG 2003/39) Entre as assertivas abaixo, sobre o fenômeno da dominação, indique a única incorreta. a) Dominação é o poder autoritário de comando do(s) governante(s), que se exerce como se o(s) governado(s) tivesse(m) feito do conteúdo da ordem a máxima da sua conduta por si mesma. b) Nas sociedades modernas, onde a base da legitimidade é a lei, a administração dispensa a dominação, no sentido de um poder de comando que precisa estar nas mãos de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos. c) A dominação tradicional refere-se ao comando exercido por senhores que gozam de autoridade pessoal em virtude do status herdado, e cujas ordens são legítimas tanto por se conformarem aos costumes como por expressarem a arbitrariedade pessoal. d) A dominação carismática ocorre quando o poder de comando é proveniente da crença dos seguidores nos poderes extraordinários, mágicos ou heróicos de um chefe ou líder, sendo as ordens deste estritamente fundadas na sua capacidade especial de julgamento. e) A dominação legal ocorre quando os governados obedecem às normas legais e não às pessoas que as formulam ou as implementam; e estas aplicam-se e são reconhecidas como universais por todos os membros do grupo associado, inclusive o(s) governante(s). 4. (CGU/2008/3) - Segundo Max Weber, um dos mais importantes conceitos relacionados ao poder é o de legitimidade, que pode ser de três tipos, conforme as crenças e atitudes em que se fundamenta. Examine os enunciados abaixo, sobre o poder carismático, e assinale a opção correta. 1 - O poder carismático está fundado na dedicação pessoal e afetiva ao chefe carismático. 2 - Quem verdadeiramente exerce o comando é o líder ou chefe carismático, cujo valor exemplar, força heróica, poder de espírito ou de palavra o distinguem de modo especial. 3 - O poder carismático requer um corpo administrativo dotado de competência específica, porém selecionado com base na dedicação pessoal e no carisma. 4 - A fonte do poder carismático se conecta com o que é novo, com o que nunca existiu, e rejeita a rotina e os vínculos pré-determinados. a) Todos os enunciados estão corretos. b) Todos os enunciados estão incorretos. c) Somente o enunciado de número 3 está incorreto. d) Somente o enunciado de número 4 está incorreto. e) Somente os enunciados 3 e 4 estão incorretos. 5. (EPPGG/2008/ESAF- 51)- Poder e dominação são alguns conceitos centrais da Ciência Política. Analise os enunciados abaixo sobre tais conceitos e assinale a resposta correta. 1. Todas as qualidades imagináveis de uma pessoa e todas as espécies de constelações possíveis podem pôr alguém em condições de impor sua vontade, em uma dada situação. 2. Dominação é a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo entre determinadas pessoas indicáveis. 3. A situação de dominação está ligada à presença efetiva de alguém mandando eficazmente em outros, mas não necessariamente à existência de um quadro administrativo nem à de uma associação. 4. Uma associação de dominação política ocorre quando a sua subsistência e a vigência de suas ordens, dentro de determinado território, estão garantidas de modo contínuo mediante ameaça e aplicação de coação física por parte do seu quadro administrativo. a) Todos os enunciados estão corretos. b) Estão incorretos os enunciados 1 e 3. c) Estão incorretos os enunciados 1, 3 e 4. d) Somente o enunciado 1 está incorreto. e) Todos os enunciados estão incorretos. 6. (EPPGG 2005/61). O uso do termo “Consenso” em relação a uma determinada sociedade significa afirmar que existe um acordo mínimo entre seus membros quanto a princípios, a valores, a normas, a objetivos comuns e aos meios para os atingir. Indique qual das afirmações abaixo está incorreta. a) O Consenso favorece a cooperação e contribui para que a comunidade supere situações adversas, tais como catástrofes e guerras b) O Consenso torna dispensável o uso legítimo da violência pelo Estado em situações controversas. c) A existência de grupos étnicos, lingüísticos ou religiosos, portadores de cultura própria dificulta mas não impede o estabelecimento de Consenso em uma comunidade d) Transformações sócio-econômicas estruturais e inovações tecnológicas, que criam necessidades e expectativas para os diversos segmentos sociais, acentuam os limites das instituições e envolvem a possibilidade de afetar o Consenso pré-existente e) Nos regimes autoritários, as divergências são mantidas na clandestinidade, levando o observador a superestimar o Consenso em relação a valores e princípios 7. EPPGG 2009/31- O termo Política diz respeito ao funcionamento do Estado e ao exercício do poder. Quanto à sua origem, está correto afirmar que: a) foi criado por Maquiavel. b) tem sua origem na Revolução Francesa. c) deriva da palavra grega pólis. d) surgiu com a formação dos partidos políticos. e) resultou das disputas dinásticas na antiguidade. 8. EPPGG 2009/32 O monopólio do uso da força pelo Estado e seus agentes é uma característica do poder político. Identifique o enunciado correto. a) Somente em países onde existe uma constituição escrita o Estado tem legitimidade para impor o monopólio do uso da força. b) Todo grupo organizado e com uma liderança constituída tem legitimidade para usar a força. c) É preciso que exista um sistema legal para que a violência seja usada legitimamente pelos agentes do Estado. d) A legitimidade do monopólio da força exclui a dominação ideológica. e) O Estado que abre mão de manter forças armadas deixa de ter o monopólio da força. GABARITO 1- A 2- E 3- B 4- C 5- E 6- B 7- C 8- E 8. Exercícios do Temas 2 1 - (STN - Prova de 2000, ESAF, 57) - A proposta de Reforma de Estado no Brasil sugere a mudança do papel do Estado, de forma que este teria de lidar com quatro setores principais, a saber: a) Núcleo Estratégico, Serviços Não-exclusivos, Atividades Exclusivas, Produção de Bens e Serviços para o Mercado b) Produção de Mercadorias exclusivamente pelo Estado, Produção de Serviços pelo Mercado; Atividades Exclusivas, Núcleo Estratégico c) Núcleo Estratégico; Atividades Exclusivas, Produção de Bens e Serviços para o Estado; Serviços Exclusivos d) Produção de Mercadorias exclusivamente pelo Estado, Serviços para o Mercado; Atividades Exclusivas, Núcleo Estratégico e) Núcleo Estratégico, Serviços Exclusivos, Atividades Exclusivas, Produção de Bens e Serviços para o Mercado 2- (STN, Prova de 2005, ESAF,63) - Um dos mais notáveis aspectos no processo de evolução do Estado são as estruturas institucionais que aos poucos se formaram e passaram a caracterizar o aparelho do Estado nas democracias liberais modernas. Assinale, entre as opções que se seguem, a única que não corresponde ao enunciado acima. a) Exercício do poder político segundo ordenamentos jurídicos que se impõem não somente àqueles que prestam obediência, como os cidadãos, mas também àqueles que mandam. b) Formação de exércitos profissionais permanentes, subordinados ao chefe de Estado, cuja presença e potencial atuação é um dos elementos indispensáveis à caracterização do monopólio do uso da violência. c) Separação e independência dos Poderes que, não obstante, se fazem presentes uns na órbita dos demais mediante as faculdades de estatuir e de impedir. d) Formação do Estado Federativo, organizado segundo os princípios da autonomia e da participação, cujas unidades se relacionam politicamente com a União por meio da representação parlamentar. e) Formação de burocracias públicas e separação entre a atividade política e a administração pública, sendo esta última formalmente regida pelo critério do conhecimento técnico e pela ética da obediência. 3. (EPPGG 2000/24) Assinale, nas proposições abaixo, aquela que não expressa corretamente o pensamento de Max Weber. a) No Estado moderno, a legitimidade do poder depende da sua legalidade. b) O poder se apresenta como derivado de um ordenamento normativo constituído e aceito e se exerce segundo normas preestabelecidas. c) À grande dicotomia histórica entre sociedade natural e sociedade civil, Weber interpõe a dicotomia entre poder legal e poder tradicional. d) Weber não identifica o Direito como um ordenamento coercitivo, mas como uma manifestação do poder tradicional (direito consuetudinário). e) Para Weber, o Estado é uma associação política que ocupa determinado território e reivindica o monopólio legítimo do uso da violência. 4. (EPPGG 2000/31) Entre os enunciados abaixo, assinale o único que não caracteriza o Estado moderno. a) A instauração de uma ordem social não mais baseada em estamentos b) A delimitação de uma esfera rigidamente separada de relações sociais, gerenciada exclusivamente de forma política c) O desenvolvimento do conceito de cidadania, baseado na garantia de direitos e liberdades individuais d) A transformação do Estado em entidade monopolista na esfera política, que lida com indivíduos e não mais com categorias sociais e) A prevalência de uma articulação policêntrica, baseada no exercício pessoal do poder. 5. (EPPGG 2002/56) Indique qual das características abaixo não está relacionada com o surgimento do Estado moderno. a) Desenvolve-se uma autoridade central, exercida em âmbito nacional. b) A aplicação da justiça e a extração de tributos transferem-se gradualmente da esfera local para o poder central. c) Formam-se exércitos profissionais permanentes, cuja lealdade se orienta estritamente para o poder central. d) Forma-se um corpo profissional encarregado da administração dos recursos do poder central. e) As políticas nacionais são caracterizadas pelo contínuo exercício da autoridade central e garantidas pela personalização e responsabilização da administração governamental. 6. (EPPGG 2000/21) Uma das principais contribuições de Maquiavel ao pensamento político foi: a) Sugerir a idéia de um Príncipe moderno, ciente de seus poderes e de sua soberania. b) A separação entre política e moral. c) A idéia de soberania limitada, absoluta e arbitrária. d) A separação entre Igreja e mercado. e) A idéia de interesse estatal. 7. (EPPGG 2005/64) Sob a denominação “Contratualismo” abrigam-se diversas teorias políticas que identificam um contrato tácito ou expresso como o fundamento do poder político de uma dada sociedade. São contratualistas autores como Hobbes, Locke, Rousseau e Kant. As seguintes afirmações referem-se a características do contratualismo: 1- Para os contratualistas, o momento do contrato corresponde ao momento historicamente determinado em que a humanidade supera o estado de natureza. 2- Por entender que se trata de um contrato, os contratualistas admitem que se trata de um arranjo que pode ser denunciado pelas partes envolvidas. 3- Tendo por fundamento a premissa do contrato, o contratualismo é essencialmente democrático e incompatível com o absolutismo. 4- O contratualismo contemporâneo fundamenta-se na Teoria da Justiça, de John Rawls, segundo o qual o monopólio da violência passa a ser exercido por uma Corte Internacional de Justiça. Em relação às afirmativas acima, assinale a opção correta. a) Estão todas corretas b) Estão todas incorretas. c) Apenas a nº 1 está correta d) Apenas a nº 2 está correta e) Apenas a nº 3 está correta 8 – (STN - Prova de 2000, ESAF, 54)- Assinale a opção que descreve corretamente tanto o modelo burocrático como o modelo gerencial de administração pública, implantado no Brasil na década de 30. a) Visava profissionalizar o serviço público adotando o concurso público para ingresso na carreira. Já o modelo gerencial da década de 90 buscava flexibilizar a isonomia do funcionalismo público, adotando a demissão por falta grave, insuficiência de desempenho e por excesso de quadros. b) Pautava-se na racionalização dos processos administrativos nas áreas de material, pessoal e orçamento. Já o modelo gerencial da década de 90 buscava a transferência de atividades para autarquias e empresas estatais. c) Visava combater o nepotismo herdado do modelo patrimonialista vigente no país. Já o modelo gerencial da década de 90 buscava romper com centralismo e rigidez hierárquica presente na burocracia. d) Visava a qualidade dos serviços prestados pelo governo. Já o modelo gerencial da década de 90 buscava a eficiência no uso do dinheiro público. e) Pautava-se na descentralização e no rigor técnico dos procedimentos. Já o modelo gerencial da década de 90 teve como princípios o controle de procedimentos e a descentralização da decisão. 9. (EPPGG 2003/41) Uma das mais consolidadas matrizes de análise da constituição da ordem política é a teoria contratualista. Examine as assertivas abaixo sobre o contratualismo e indique a única incorreta. a) Como regra, o contrato ou pacto social é um instrumento de emancipação política do indivíduo, que altera essencialmente a estrutura social, além de estabelecer uma clara distinção entre o governo e a sociedade civil. b) O Estado nascido de um contrato não acrescenta nada à racionalidade e à sociabilidade da sociedade civil, sendo um instrumento coativo cuja função é executar o direito que a sociedade estabeleceu. c) A maioria dos contratualistas concebe, entre o estado natural puro e o estado político, um estado social, onde os homens convivem livremente segundo a razão. d) A maioria dos contratualistas entende a constituição da ordem a partir de dois tipos de contrato: o pacto de associação, que institui a comunidade política; e o pacto de submissão, que instaura o monopólio do uso da força. e) Enquanto relação entre as partes, o contrato estabelece sanções para os que o violarem, sendo estas expressas por alguns autores, no que tange aos governantes, como direito de resistência e deposição 10. (EPPGG 2000/31) Entre os enunciados abaixo, assinale o único que não caracteriza o Estado moderno. a) A instauração de uma ordem social não mais baseada em estamentos. b) A delimitação de uma esfera rigidamente separada de relações sociais, gerenciada exclusivamente de forma política. c) O desenvolvimento do conceito de cidadania, baseado na garantia de direitos e liberdades individuais. d) A transformação do Estado em entidade monopolista na esfera política, que lida com indivíduos e não mais com categorias sociais. e) A prevalência de uma articulação “policêntrica”, baseada no exercício pessoal do poder. 11. (ESAF-EPPGG 2002). No que se refere ao aparelho do Estado no surgimento das democracias liberais, assinale o aspecto que Weber não menciona. a) Modelo monocrático: um “chefe” exerce autoridade suprema sobre todo o quadro administrativo, com base em um sistema de normas legais, cuja legitimidade é reconhecida pela sociedade. b) A obediência baseia-se numa ética profissional que, por definição, deve assegurar a implementação fiel dos comandos recebidos das autoridades superiores. c) A separação entre administração e política implica o isolamento dos funcionários frente às influências externas capazes de interferir na execução de ordens. d) O funcionário deve possuir os meios de administração, para dispor de condições de independência profissional no exercício das suas funções. e) As relações de parentesco são substituídas por critérios de mérito e expertise no recrutamento dos funcionários, visando assegurar a impessoalidade no exercício da função pública. 12. (EPPGG/2008/ESAF 52)- Embora não seja a única abordagem sobre a origem do Estado moderno, o contratualismo tem destacada importância para a reflexão sobre a ordem democrática. Examine os enunciados abaixo sobre essa corrente da ciência política e marque a resposta correta. 1. Todos os contratualistas vêem no pacto um instrumento de emancipação do indivíduo e de sua transformação de súdito em cidadão. 2. Todos os contratualistas apontam a obediência como elemento central para a manutenção da ordem política, mas também reconhecem o direito de rebelião contra o poder tirânico. 3. Do mesmo modo que consideram o contrato uma relação obrigatória entre as partes, todos o contratualistas também indicam as sanções para quem o infringe. 4. Para os contratualistas, a constituição da ordem política não altera a estrutura social, nem a racionalidade individual, nem a sociabilidade da sociedade civil. a) Todos os enunciados estão corretos. b) Somente o enunciado 4 está correto. c) Somente o enunciado 1 está correto. d) Somente o enunciado 2 está correto. e) Estão corretos os enunciados 1, 3 e 4. 13. (EPPGG/2008/ESAF- 53) Um dos objetos de grande atenção do pensamento e da teoria política moderna é a constituição da ordem política. Sobre essa temática, uma das tradições de reflexão mais destacadas sustenta que a ordem tem origem contratual. Todos os elementos abaixo são comuns a todos os pensadores da matriz contratualista da ordem política, exceto: a) o estado de natureza. b) a existência de direitos previamente à ordem política. c) a presença de sujeitos capazes de fazer escolhas racionais. d) um pacto de associação. e) um pacto de subordinação. 14. (EPPGG/2008/ESAF 61)- A formação do Estado moderno, entre os séculos XII/ XIII e XVIII/XIX, consistiu em um longo e complexo processo que levou à normatização das relações de força por meio do exercício monopolístico do poder pelo soberano. Todos os enunciados abaixo sobre a formação do Estado estão corretos, exceto: a) além do desenvolvimento do Estado territorial institucional, a formação do Estado moderno envolveu a passagem do poder personificado do príncipe para o primado dos esquemas universalistas e abstratos da norma jurídica, que mais tarde daria origem ao Estado de Direito. b) o processo de formação do Estado foi marcado pela tensão entre, de um lado, a expropriação dos poderes privados locais; e, de outro, a necessidade do soberano de recorrer às categorias ou camadas sociais para dispor de fundos para criar e manter seu quadro administrativo e um exército permanente. c) além da distinção entre o espaço público e o privado, a formação do Estado implicou em substituir gradualmente a supremacia da dimensão individual do senhor feudal e do príncipe pelo princípio das categorias sociais como núcleos da sociedade civil, novos interlocutores do soberano. d) a delimitação de um espaço das relações sociais, gerenciado de forma exclusivamente política, tornou-se possível graças à conquista, pelo príncipe, do apoio da esfera financeira à luta contra os privilégios, inclusive fiscais, da aristocracia. e) a distinção entre o mundo espiritual e o mundano, sobre a qual se assentava o primado da Igreja e de sua concepção universalista da república cristã, acabou por fundamentar a supremacia da política. 15. (EPPGG/2008/ESAF 62) Os tipos primários de dominação tradicional são os casos em que falta um quadro administrativo pessoal do senhor. Quando esse quadro administrativo puramente pessoal do senhor surge, a dominação tradicional tende ao patrimonialismo, a partir de cujas características formulou-se o modelo de administração patrimonialista. Examine os enunciados a seguir, sobre tal modelo de administração, e marque a resposta correta. 1. O modelo de administração patrimonialista caracteriza-se pela ausência de salários ou prebendas, vivendo os “servidores” em camaradagem com o senhor a partir de meios obtidos de fontes mecânicas. 2. Entre as fontes de sustento dos “servidores” no modelo de administração patrimonialista incluemse tanto a apropriação individual privada de bens e oportunidades quanto a degeneração do direito a taxas não regulamentado. 3. O modelo caracteriza-se pela ausência de uma clara demarcação entre as esferas pública e privada e entre política e administração; e pelo amplo espaço à arbitrariedade material e vontade puramente pessoal do senhor. 4. Os “servidores” não possuem formação profissional especializada, mas, por serem selecionados segundo critérios de dependência doméstica e pessoal, obedecem a formas específicas de hierarquia patrimonial a) Estão corretos os enunciados 2, 3 e 4. b) Estão corretos os enunciados 1, 2 e 3. c) Estão corretos somente os enunciados 2 e 3. d) Estão corretos somente os enunciados 1 e 3. e) Todos os enunciados estão corretos. 16. (EPPGG 2002/54). Assinale a única opção que não corresponde ao pensamento de Max Weber. a) Conjuntos complexos de causas variadas interagem competitivamente para produzir os fenômenos sociais, o que exclui a possibilidade de determinação causal dos mesmos. b) Existe na sociedade uma hierarquia de valores, ficando em segundo plano a política e a cultura. Os políticos, por exemplo, agem movidos por valores éticos e pela racionalidade instrumental com relação a fins últimos. c) No protestantismo inscrevem-se valores que transformam a atitude mística, substituindo-a por uma nova atitude, ascética e intramundana. d) A revolução que chamamos de liberal ou capitalista se manifesta numa mudança econômica, mas não se origina aí. Inicia-se por uma mudança nos espíritos, nas consciências dos homens. e) Os indivíduos podem agir conforme duas diferentes orientações racionais: a racionalidade instrumental que se refere à adequação entre meios e fins e a racionalidade com relação a valores, que antepõe os interesses ideais aos interesses materiais 17. (EPPGG 2002/57). No que se refere ao aparelho do Estado no surgimento das democracias liberais, assinale o aspecto que Weber não menciona. a) Modelo monocrático: um “chefe” exerce autoridade suprema sobre todo o quadro administrativo, com base em um sistema de normas legais, cuja legitimidade é reconhecida pela sociedade. b) A obediência baseia-se numa ética profissional que, por definição, deve assegurar a implementação fiel dos comandos recebidos das autoridades superiores. c) A separação entre administração e política implica o isolamento dos funcionários frente às influências externas capazes de interferir na execução de ordens. d) O funcionário deve possuir os meios de administração, para dispor de condições de independência profissional no exercício das suas funções. e) As relações de parentesco são substituídas por critérios de mérito e expertise no recrutamento dos funcionários, visando assegurar a impessoalidade no exercício da função pública. 18. EPPGG 2009/33. O surgimento do Estado Moderno foi acompanhado do surgimento da noção de cidadania, que teve como condição um dos seguintes fenômenos sociais: a) o fim dos regimes despóticos. b) a emergência da noção de indivíduo. c) a abolição da escravidão. d) a revolução industrial e surgimento do proletariado. e) a escolha direta dos governos locais. 19. EPPGG 2009/34. Segundo o filósofo Norberto Bobbio, “A superioridade do governo das leis sobre o governo dos homens é uma das grandes idéias que retornam toda vez que é discutido o problema dos limites do poder”. São características inerentes ao governo das leis... O único enunciado incorreto é: a) a lei distingue-se do comando pessoal do soberano por sua generalidade. b) ao se estipular que a lei deve ser seguida também pelo governante impede que este faça valer sua vontade pessoal. c) a lei, por sua origem, não está submetida à evolução. d) as leis podem ser derivadas da natureza, mediadas pela tradição ou pela sabedoria do legislador. e) as normas estão sujeitas a sofrer mudanças bruscas em decorrência do saber popular. 6. Exercícios Tópico 3 20. EPPGG 2000/21. Uma das principais contribuições de Maquiavel ao pensamento político foi: a) Sugerir a idéia de um Príncipe moderno, ciente de seus poderes e de sua soberania. b) A separação entre política e moral.. c) A idéia de soberania limitada, absoluta e arbitrária. d) A separação entre Igreja e mercado. e) A idéia de interesse estatal. 21. EPPGG 2002/43. Todas as frases abaixo são partes integrantes e consistentes do pensamento de Maquiavel, exceto: a) A segurança do Estado é uma necessidade de tal importância que, diante dela, quaisquer meios de ação tornam-se legítimos, mesmo aqueles que impliquem a violação de normas jurídicas, morais, políticas ou econômicas, que seriam imperativas caso essa necessidade não estivesse em risco. b) Dentre os principados os hereditários são aqueles em que a estirpe do senhor teve domínio por muito tempo; os outros são novos. Nesses últimos, o príncipe deve conquistar sua legitimidade, fazendo-se amado; jamais deve tornar-se temido, pois o medo alimenta a revolta dos súditos. c) A audácia, que permite ao príncipe afrontar a fortuna, é o meio pelo qual muitas vezes se conquista aquilo que não se obteria pelos procedimentos ordinários. d) A primeira obrigação de um príncipe é preparar-se para a guerra. Porém, há duas maneiras de combater: uma, segundo as leis; a outra, pela força. e) Um príncipe, especialmente quando novo, nem sempre pode de boa mente observar todas aquelas condições pelas quais se é considerado homem de bem, pois muitas vezes, para manter os seus Estados é forçado a agir contra a sua palavra, contra a caridade ou contra a humanidade. 22. EPPGG 2005/62. Maquiavel inicia “O Príncipe” com a seguinte afirmação: “Todos os Estados, todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os homens foram e são ou repúblicas ou principados. Os principados são: ou hereditários, quando seu sangue senhorial é nobre há já longo tempo, ou novos. Os novos podem ser totalmente novos, como foi Milão com Francisco Sforza, ou o são como membros acrescidos ao Estado hereditário do príncipe que os adquire, como é o reino de Nápoles em relação ao rei da Espanha.” Indique qual das afirmações abaixo está correta. a) O Termo “Estado” foi criado por Maquiavel. b) O Estado surgiu com as repúblicas ou principados da Itália. c) A originalidade de Maquiavel consiste em estabelecer prescrições sobre como o detentor do poder deve exercer o poder. d) O que se inicia com o uso que dá Maquiavel ao termo Estado é a reflexão sobre as formações políticas surgidas da decomposição da sociedade medieval. e) Maquiavel demonstrou, em Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio, que o Estado surgiu em Roma ao tratar da História de Roma. licitação, prevista na Lei de Licitações (nº 8.666/93), que foi acrescida mais recentemente. 23. EPPGG 2005/64. Sob a denominação “Contratualismo” abrigam-se diversas teorias políticas que identificam um contrato tácito ou expresso como o fundamento do poder político de uma dada sociedade. São contratualistas autores como Hobbes, Locke, Rousseau e Kant. As seguintes afirmações referem-se a características do contratualismo: 1- Para os contratualistas, o momento do contrato corresponde ao momento historicamente determinado em que a humanidade supera o estado de natureza. 2- Por entender que se trata de um contrato, os contratualistas admitem que se trata de um arranjo que pode ser denunciado pelas partes envolvidas. 3- Tendo por fundamento a premissa do contrato, o contratualismo é essencialmente democrático e incompatível com o absolutismo. 4- O contratualismo contemporâneo fundamenta-se na Teoria da Justiça, de John Rawls, segundo o qual o monopólio da violência passa a ser exercido por uma Corte Internacional de Justiça. Em relação às afirmativas acima, assinale a opção correta. a) Estão todas corretas. b) Estão todas incorretas.. c) Apenas a nº 1 está correta. d) Apenas a nº 2 está correta. e) Apenas a nº 3 está correta. 24. EPPGG 2000/22. Para Rousseau, o estado de natureza seria dominado pela a) razão, abundância e paz b) paixão, discórdia e guerra c) liberdade, sossego e ócio d) lógica, ética e democracia e) liberdade, consenso e paz 25. EPPGG 2002/41. Montesquieu é amplamente conhecido por seu livro clássico “O Espírito das Leis”. Para este pensador, a verdadeira origem das leis deve ser buscada: a) no costume b) na natureza das coisas c) na moral d) na economia e) nas instituições 26. EPPGG 2002/42. Acerca do pensamento de Locke, assinale a opção correta. a) O poder político tem origem em Deus, por isso nada autoriza a rebelião dos homens contra o Estado, seja qual for a justificativa da sua revolta. b) No estado de natureza, ou na sociedade pré-estatal, reina a anarquia, a desordem, a violência: há total liberdade e total terror. c) O contrato que dá origem à comunidade política é feito por homens racionais, livres e soberanos, e dá origem a um poder limitado, não arbitrário. d) A liberdade consiste em que cada homem dependa da vontade dos outros homens formando um contrato, que pode ser rompido por qualquer parte. e) No estado de natureza, o encarregado de velar pelo cumprimento da lei é o Estado, onde o governo é livremente eleito. 27. EPPGG 2002/44. Acerca do pensamento de Hobbes, assinale a opção correta. a) O Estado foi instituído quando, a fim de viverem em paz uns com os outros e serem protegidos dos agressores, todos os homens pactuaram, cada um com todos os outros, que renunciariam ao uso privado da força, transferindo-o para uma pessoa artificial. b) O pacto que institui a sociedade política baseia-se na crença acerca da soberania popular, da qual derivam todos os direitos e faculdades do Estado, cabendo ao povo soberano opção de seguir ou não as decisões deste. c) No estado de natureza, caracterizado como um estado de guerra de todos contra todos, os homens viviam em perfeita liberdade, podendo livremente se dedicar ao comércio, às artes e à ciência. d) Pelo pacto, o direito de representar a pessoa de todos é conferido ao soberano, cujos atos e decisões são autorizados tal como se fossem praticados e tomados por cada um dos homens, desde que não impliquem violação do direito à propriedade e aos frutos do trabalho. e) Os súditos podem libertar-se do pacto com o seu soberano. Assim, basta que um indivíduo decida desfazer o pacto com o soberano para que esse deixe de existir. 28. EPPGG 2002/45. Focalizando o pensamento de Rousseau, assinale a única assertiva incorreta. a) Os males dos quais os homens sofrem não derivam da natureza humana, mas sim de cursos errôneos de evolução da sociedade. b) O homem que pensa é um animal degenerado; o homem natural era um ser préracional, um selvagem errante, dotado apenas de necessidades naturais e do sentimento de compaixão. c) Numa sociedade que tenha repudiado o contrato iníquo, constitui-se uma vontade – a vontade geral – que pertence imediatamente à ordem cívica, posto que representa mais que a soma das vontades particulares. d) O contrato social é o único meio pelo qual os direitos se tornam possíveis, repousando estes sobre o abandono por cada um de sua soberania, sua transferência para o corpo da coletividade e sobre a recusa de submeter-se a uma outra pessoa. e) Devido à necessidade de distinguir o ato pelo qual um povo faz a escolha de um governo e o ato pelo qual ele se constitui em soberano é indispensável admitir a existência do direito natural e do pacto de sujeição. 29. EPPGG 2002/47. No pensamento político do século XIX destaca-se Stuart Mill, que distingue dois tipos de obrigações morais: as perfeitas e as imperfeitas. Indique a relação correta entre tais obrigações morais e a justiça para Stuart Mill. (Mill → obrigações morais prefeitas = são aquelas que enceram direitos de outros / imperfeitas = derivam do que as pessoas esperam que o indivíduo faça) (Kant→ obrigações morais perfeitas = dever e poder juntos) a) As obrigações morais perfeitas não são exigíveis por meio da justiça, mas as imperfeitas sim. b) Ambas as obrigações morais perfeitas e as imperfeitas são exigíveis por meio da justiça. c) Nem as obrigações morais perfeitas nem as imperfeitas são exigíveis por meio da justiça. d) As obrigações morais perfeitas são exigíveis por meio da justiça, mas as imperfeitas não. e) Algumas obrigações morais imperfeitas são exigíveis por meio da justiça, mas as perfeitas não. 30. EPPGG 2003/41. Uma das mais consolidadas matrizes de análise da constituição da ordem política é a teoria contratualista. Examine as assertivas abaixo sobre o contratualismo e indique a única incorreta. a) Como regra, o contrato ou pacto social é um instrumento de emancipação política do indivíduo, que altera essencialmente a estrutura social, além de estabelecer uma clara distinção entre o governo (sociedade política) e a sociedade civil. b) O Estado nascido de um contrato não acrescenta nada à racionalidade e à sociabilidade da sociedade civil, sendo um instrumento coativo cuja função é executar o direito que a sociedade estabeleceu.. c) A maioria dos contratualistas concebe, entre o estado natural puro e o estado político, um estado social, onde os homens convivem livremente segundo a razão. d) A maioria dos contratualistas entende a constituição da ordem a partir de dois tipos de contrato: o pacto de associação, que institui a comunidade política; e o pacto de submissão, que instaura o monopólio do uso da força. e) Enquanto relação entre as partes, o contrato estabelece sanções para os que o violarem, sendo estas expressas por alguns autores, no que tange aos governantes, como direito de resistência e deposição. 31. EPPGG 2005/63. A primazia do público sobre o privado, como assinalam Bobbio e outros autores, se manifestou, sobretudo no século XX, como reação à concepção liberal do Estado e como derrota histórica, ainda que não definitiva, do “Estado Mínimo”. Em relação às afirmativas abaixo, assinale a opção correta. 1- Essa primazia baseia-se na contraposição entre interesse coletivo e privado com a necessária subordinação do segundo ao primeiro. 2- Essa primazia admite a eventual supressão do interesse privado em benefício do interesse coletivo. 3- Essa primazia implica irredutibilidade do bem comum à soma dos bens individuais. 4- A primazia do público significa o aumento da intervenção estatal na regulação coativa do comportamento dos indivíduos e dos grupos infra-estatais. a) Estão todas corretas. b) Estão todas incorretas. c) Apenas a nº 1 está correta. d) Apenas a nº 2 está correta. e) Apenas a nº 3 está correta Gabarito Temas 2 e 3 1–a 9–a 17 – d 25 – b 2–d 10 – e 18 – b 26 – c 3–d 11 – d 19 – c 27 – a 4–e 12 – b 20 – b 28 – e 5–e 13 – e 21 – b 29 – d 6–b 14 – c 22 – d 30 – a 7–b 15 – c 23 – b 31 – a 8–c 16 – b 24 – b 9. Exercícios Tema 4 e 5 32. EPPGG 2009/38 Ao identificar três tipos puros de dominação legítima, Max Weber afirmou que o tipo mais puro de dominação legal é aquele que se exerce por meio de um quadro administrativo burocrático. A seguir, são relacionadas algumas características da administração burocrática weberiana. Identifique a opção falsa. a) A totalidade dos integrantes do quadro administrativo é composta por funcionários escolhidos de forma impessoal. b) Existe uma hierarquia administrativa rigorosa. c) A remuneração é em dinheiro, com salários fixos e em geral com direito a pensão. d) As condições de trabalho são definidas mediante convenção coletiva entre os funcionários e a administração. e) Os funcionários estão submetidos a disciplina rigorosa e a vigilância administrativa. 33. EPPGG 2009/39. A maioria dos autores que analisaram os processos de reforma do Estado o dividem em duas fases ou gerações. De um modo geral, a primeira geração ocorreu na década de 1980 e início da década de 1990 e teve por objetivo reduzir o Estado. A seguir, é apresentada uma série de medidas típicas das reformas do Estado empreendidas por países latino-americanos como Brasil, Argentina e Chile. Aponte a opção falsa. a) Criação de bancos centrais. b) Privatização de empresas estatais. c) Diminuição da estrutura administrativa. d) Redução do controle estatal sobre a atividade econômica (desregulação). e) Ajuste fiscal no sentido de reduzir os gastos públicos. 34. EPPGG 2009/40 A maior parte dos países ocidentais enfrentou uma crise do Estado nos anos 80 do século XX. Algumas características estiveram presentes tanto nos países desenvolvidos quanto na América Latina. Outras foram características apenas dos países latino-americanos. A seguir são relacionados alguns elementos dessa crise: 1. crise fiscal; 2. esgotamento dos efeitos internos do ciclo de expansão mundial posterior à II Guerra Mundial; 3. esgotamento do modelo de industrialização por substituição de importações; 4. redemocratização; 5. crise da dívida externa. Que elementos estiveram presentes em países latinoamericanos como Brasil, Argentina e Peru? a) Nenhum. b) Apenas 1, 2 e 4. c) Todos. d) Apenas 3, 4 e 5. e) Apenas 2 e 4. 35. EPPGG 2009/41 Estado de Bem-Estar (welfare state), conforme o Dicionário de Política organizado por Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, pode ser definido como o “Estado que garante tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação, educação, assegurados a todo cidadão, não como caridade, mas como direito político”. Os enunciados a seguir se referem a essa questão: 1. há uma relação direta entre desenvolvimento econômico e os Estados de Bem-Estar tal como se desenvolveram a partir da Segunda Guerra Mundial. 2. o Brasil se tornou um Estado de Bem-Estar ao inserir direitos sociais na Constituição de 1988. 3 . regimes totalitários como o fascismo e o nazismo podem ser considerados de BemEstar porque em seu apogeu eliminaram a fome e o desemprego. 4. pode-se dizer que entre os indígenas brasileiros estão presentes as características do Estado de Bem-Estar, porque todos os seus membros têm direito aos mesmos níveis de alimentação, saúde e educação. 5. os processos de reforma do Estado, ao incluírem privatizações e reformas dos sistemas de Previdência, acabaram com os Estados de Bem-Estar surgidos após a Segunda Guerra Mundial. Em relação aos enunciados acima: a) nenhum está correto. b) todos estão corretos. c) apenas o 2 está correto. d) apenas o 1 está correto. e) apenas o 5 está correto. Gabarito 32 – D 33 – A 34 – C 35 - D