Aula 2 - Estrelas Binárias Área 2, Aula 2 Alexei Machado Müller, Maria de Fátima Oliveira Saraiva & Kepler de Souza Oliveira Filho Ilustração do exoplaneta Kepler-16 com seus dois sóis. O planeta foi descoberto pela missão Kepler da NASA. Crédito: NASA/JPL- Caltech. Introdução Prezado aluno, em nossa segunda aula, da segunda área, vamos tratar das estrelas binárias. Primeiro devemos ter o cuidado para saber diferenciar estrelas binárias reais (duas estrelas próximas no céu que se encontram à mesma distância da Terra, formando um sistema físico) e binárias aparentes – ou estrelas duplas aparentes (duas estrelas próximas no céu, porém, que se encontram a distâncias diferentes da Terra, mas por projeção parecem duplas). Mais de 50% das estrelas do céu compõem sistemas com dois ou mais membros. Bom estudo! Objetivos Nesta aula trataremos de estrelas binárias e esperamos que ao final você esteja apto a: • definir o que é uma estrela binária; • diferenciar os tipos de sistemas binários; • calcular a massa das estrelas em sistemas binários; • entender a importância dos sistemas binários para conhecer as massas das estrelas. Por que estudar estrelas binárias? Estrelas binárias São duas ou mais estrelas próximas que estão praticamente a mesma distância da Terra, formam um sistema físico, orbitando mutuamente. Mais de 50% das estrelas do céu compõem sistemas com dois ou mais membros. Desde 1783 se tem registro de evidências de estrelas binárias. Estrelas binárias São duas estrelas próximas que estão praticamente à mesma distância da Terra e formam um sistema físico, orbitando mutuamente. Estrelas binárias aparentes São duas estrelas que parecem estar próximas no céu, mas estão a distâncias diferentes da Terra e só parecem duplas pelo efeito da projeção. Área 2, Aula 2, p.2 Müller, Saraiva & Kepler Figura 02.02.01: Sistema binário eclipsante Algol. Um breve histórico das estrelas binárias Em 1783, John Goodricke viu a estrela Algol (β Persei) diminuir seu brilho em mais de uma magnitude por algumas horas,e calculou seu período em 2d 20 h 49min. Em 1804, William Herschel descobriu uma companheira fraca da estrela Castor (a Geminorum) e, usando uma medida que James Bradley havia feito em 1759, mediu o período como sendo de 342 anos. Herschel foi o primeiro a estabelecer que se tratavam de corpos interagindo gravitacionalmente, isto é, de binárias físicas. Em 1827, Felix Savary determinou, pela primeira vez, a órbita de uma estrela binária, ao mostrar que ξ Ursae Majoris tinha uma órbita elíptica, com um período de 60 anos. Em 1889, Edward Charles Pickering e Antonia Caetana de Paiva Pereira Maury descobriram as binárias espectroscópicas, ao perceberem que a estrela Mizar A (ζ Ursae) apresentava linhas duplas que variavam com um período de 104 dias. Em 1908 Mizar B foi também detectada como uma binária espectroscópica por Edwin Brant Frost 1866 – 1935) e Friedrich Wilhelm Hans Ludendorff (1873 - 1941), com um período de 175,6 dias. . Figura 02.02.02: O sistema binário Castor, a estrela mais brilhante da constelação de Gemeos (1,6 mag), que está a 45 anos-luz da Terra e é composto de duas estrelas separadas de 6 segundos de arco e com um período de 350 anos. Figura 02.02.03: Imagem atual obtida com o interferômetro ótico Navy Prototype Optical Interferometer no Arizona, com seis telescópios, compreendendo 15 minutos de arco, de Mizar A (2,27 mag), uma binária espectroscópica descoberta em 1889, Mizar B (3,95 mag), a 15 segundos de arco de distância, e a estrela variável Alcor (4,04 a 4,07 mag). Área 2, Aula 2, p.3 Müller, Saraiva & Kepler Figura 02.02.04: Posição de Mizar na constelação de Ursa Major, também conhecida como Big Dipper, do hemisfério norte. Tipos de Sistemas Binários Existem quatro tipos de sistemas binários e eles são classificados conforme as suas descobertas (histórico). - Binárias visuais São classificados como binárias visuais os pares de estrelas que estão associadas gravitacionalmente que se separam por dezenas e até centenas de unidades astronômicas. Ao serem observadas por telescópio são vistas como duas estrelas. (Exemplos nas figuras 02.02,05 e 02.02.06). Figura 02.02.05: Binárias visuais Mizar e Alcor. Figura 02.02.06: Sistema binário visual Sírius A e Sírius B. - Binárias astrométricas São assim classificadas quando um de seus componentes é muito tênue para ser observado ao telescópio, mas a sua detecção é obtida pelas ondulações no movimento da companheira mais brilhante. (Exemplo na figura 02.02.07). Figura 02.02.07: Movimento do sistema Sírius A e Sírius B medido entre 1980 e 1920. A linha pontilhada marca o movimento do centro de massa. Antes da descoberta de Sírius B, em 1862, apenas o movimento de Sírius A era detectado, e a estrela era classificada como binária astrométrica. Área 2, Aula 2, p.4 Müller, Saraiva & Kepler - Binárias espectroscópicas Nesse sistema a separação média entre as estrelas é na ordem de uma unidade astronômica (1 UA). Por apresentarem um período curto, a velocidade orbital é grande. Para determinar a natureza desse sistema de estrelas binárias faz-se a observação da variação da sua velocidade radial, estabelecida através da análise das linhas espectrais da estrela que variam de comprimento de onda com o passar do tempo. (Exemplos nas figuras 02.02.08 e 02.02.09). Tipos de Sistemas Binários -Visuais -Astrométricos -Espectroscópicos - Eclipsantes Três posições características de um sistema binário e o efeito produzido no espectro observado quando como de uma linha de visada paralela à página, de baixo para cima. Figura 02.02.08: Dois espectros de Mizar obtidos por Pickering em 27 de março e 5 de abril de 1887. Notar como a segunda linha (uma linha do cálcio) aparece dupla no primeiro espectro e simples no segundo. Não se nota a duplicidade da primeira linha (que é uma linha do hidrogênio) no primeiro espectro porque a linha é muito forte. Figura 02.02.09: Três posições características de um sistema binário e o efeito produzido no espectro observado quando como de uma linha de visada paralela à página(isto é vista de cima), de baixo para cima. . Na figura da esquerda, a estrela azul está se aproximando do observador, então as linhas espectrais características dela aparecem deslocadas para o azul; a estrela vermelha está se afastando, então as suas linhas espectrais aparecem deslocadas para o vermelho. Na figura do centro os movimentos das estrelas não têm componentes na direção de visada, então as linhas ficam superpostas. Na figura da direita a estrela azul está se afastando e a estrela vermelha está se aproximando, então as linhas da estrela azul ficam deslocadas para o vermelho e as linhas da estrela vermelha ficam deslocadas para o azul. - Binárias eclipsantes São classificadas assim os sistemas em que uma estrela eclipsa a outra, quando a órbita do sistema observado está de perfil para o observador. Confira disponível em: uma bonita animação de eclipsantes, http://pt.wikipedia.org/wiki/Estrela_bin%C3%A1ria#Bin. C3.A1rias_astrom.C3.A9tricas Área 2, Aula 2, p.5 Müller, Saraiva & Kepler Determinação da Massa de um Sistema Binário Visual O movimento de cada estrela constituinte de um sistema binário ocorre em torno do centro de massa do mesmo. É mais simples observar o movimento de apenas uma das estrelas, geralmente a mais fraca em torno da mais brilhante. Tal observação indica a órbita relativa aparente. Essa órbita tem a mesma forma das órbitas de cada uma das estrelas, sendo que a de maior massa fica no foco da órbita relativa. Só se pode determinar com precisão as órbitas relativas dos sistemas de período pequeno (poucas centenas de anos). Os dois parâmetros observados são o período (P) e o ângulo de separação aparente ( α ). Sendo r a distância do sistema ao Sol e, o semieixo maior da órbita relativa, a, será dado por: a = r senα , onde a terá a mesma unidade de r. Também é possível calcular o valor da separação angular diretamente em UA. Como senα = α (rad) , para ângulos pequenos, 1 rad = 206.265” e 1 pc = 206.265 UA, podese afirmar que: a(pc)= r (pc) x α (") , ou 206.265 a ( UA) = α ( " ) x r ( pc ) . A soma das massas das duas estrelas é obtida pela 3ª Lei de Kepler: 4π 2 (r x α )3 (M1 + M2 )= x , G P2 sendo as massas (M1 e M2 ) expressas em massas solares e período (P) em anos, (r x α )3 (M 1 + M2 )=2 . P Para descobrir a massa de cada estrela é necessário saber a distância r de cada estrela ao centro de massa do sistema. Dessa forma teremos: M1 r2 = . M2 r1 Figura 02.02.10: Esquema de um sistema binário visual, CM representa o centro de massa do sistema. Área 2, Aula 2, p.6 Müller, Saraiva & Kepler Exemplo 1 Dado o sitema binário visual da figura 02.02.11, vamos determinar a massa de cada uma das estrelas, Sírius A e Sírius B, que tem órbita relativa com semieixo maior de 7,50". A distância do Sol a Sírius é de 2,67 pc (1 pc = 206.265 UA). O período orbital do sistema é de 50 anos. 3ª Lei de Kepler O quadrado do período orbital (P)dos planetas é diretamente proporcional ao cubo de sua distância média (r)ao Sol. P2 = K.r 3 Gravitação Universal F= G.M.m , r2 onde: F = força gravitacional, G = constante universal. M= massa de um dos corpos, m = massa do outro corpo. Figura 02.02.11: Esquema do sistema binário visual de Sirius A e Sirius B. a) Qual é a massa desse sistema? ( MA + MB ) 502 = (7,50 " x 2,67 pc) (M A ) +M = B 3 , 8 030,03 = 3,21 M . 2 500 b) Se a distância de Sírius B ao centro de massa é o dobro da distância de Sírius A ao centro de massa, qual é a massa e cada estrela? MA rB = = 2, MB rA (M A ) + MB = 2 MB + MB= 3,21M . = = 2,14 M . M B 1,07 M → M A Determinação de Massas Espectroscópicas de Linhas Duplas de Binárias Para a determinação de massas de binárias espectroscópicas faz-se uso do Efeito Doppler (figura 02.02.12). O comprimento de onda de uma fonte que está se movendo com velocidade v, com a necessidade de correção relativística, é dado por: 1 ∆λ v = cos θ 2 λ c v 1− 2 c 1/2 , sendo θ é o ângulo entre o vetor velocidade e a linha visada. Área 2, Aula 2, p.7 Müller, Saraiva & Kepler Efeito Doppler Devido ao movimento da fonte geradora da onda, que se aproxima ou se afasta de quem observa, ocorre uma alteração no comprimento de onda (ou na frequência detectada). Ao se aproximar a frequência aparente aumenta (o comprimento de onda diminui), ao se afastar a frequência aparente diminui (o comprimento de onda aumenta). Figura 02.02.12: Esquema ilustrativo do Efeito Doppler indicando que quando diminui o comprimento de onda da luz a cor assume tom azul e, quando o comprimento de onda da luz aumenta e a cor assume tom vermelho. Se a velocidade for muito menor que a velocidade da luz (c) e considerando-se v como a componente de velocidade na direção do observador teremos: ∆λ λ = vr . c Efeito Doppler com fontes luminosas Um aumento na frequência é chamado de deslocamento para o azul; Uma redução na frequência é chamado de deslocamento para o vermelho. Figura 02.02.13: Gráfico v x t de duas estrelas, formando um sistema de estrelas binárias espectroscópicas de linhas duplas. Figura 02.02.15: Estrelas binárias separadas por distâncias d1 e d2 do centro de massa. Vamos determinar espectroscópicas: as massas de binárias Seja a1 a separação da componente 1 ao centro de massa e seja v1 a sua velocidade orbital. Logo 2. π . a1 = v1 . P e 2. π . a2 = v2 . P e, Área 2, Aula 2, p.8 Müller, Saraiva & Kepler por definição de centro de massa: M1 . a1 = M 2 . a2 . Dessa forma temos: a1 M2 v1 = = , a2 M 1 v2 sendo M a massa do Sol. Usando a 3ª lei de Kepler: M1 + M 2 M = (a / UA)3 . (P / ano)2 Figura 02.02.16: Esquema explicativo para estrelas binárias: i é o ângulo entre o observador e a normal ao sistema binário, v é a velocidade radial. Exemplo 2 Seja um sistema binário de período 17,5 dias (0,048 anos), e com velocidades v1 = 75 km/s, e v2 = 25 km/s. Qual é a massa de cada estrela? M 2 v1 75 = = =3 ⇒ M2 =3 M1 , M 1 v2 25 v1 + v2 = 75 + 25 = 100 km / h ⇒( a1 +a2 )= 100km / s x17,5dias km 0,16 UA. = 24.000.000 = 2π (M 1 + M 2)= 0,163 a3 = = 1,78 M , P2 0,0482 mas como: M 2 = 3 M1 → 4 M 1= (M 1+ M 2), M 1= 0,44 M , M 2 = 1,33 M . pois Na realidade, a medida é o limite inferior das massas, v1med = v1 . seni, v2 med = v2 . seni, a1med = a1 . seni, a2 med = a2 . seni . Área 2, Aula 2, p.9 Müller , Saraiva & Kepler E, portanto temos: (M 1+ M 2)real (a1 + a2 )3 1 = = . 3 (M 1+ M 2)med (a1 + a2 )med sen3 i Sabemos que o módulo do seno de qualquer ângulo é sempre menor ou igual a 1, logo a massa real será maior ou igual à massa medida. Existem ainda as chamadas binárias interagentes; as variáveis cataclísmicas, binárias próximas compostas de uma estrela vermelha e uma anã branca; as variáveis simbiônticas, também compostas de uma estrela vermelha e uma anã branca, mas mais distantes; há as binárias de raio-X, em que a companheira vermelha orbita uma estrela de nêutrons ou um buraco negro. Para saber mais sobre estrelas binárias você pode acessar o link: Estrelas Binárias, ou vá para a página: http://astro.if.ufrgs.br/bin/binarias.htm . Resumo O estudo do movimento orbital mútuo das estrelas em sistemas binários permite determinar as massas das estrelas. - Estrelas binárias reais são duas estrelas próximas no céu que se encontram à mesma distância da Terra, formando um sistema físico. - Tipos de sistemas binários: Binárias Visuais; Binárias Astrométricas; Binárias Espectroscópicas; Binárias Eclipsantes. - Efeito Doppler: Devido ao movimento da fonte geradora da onda, que se aproxima ou se afasta de quem observa, ocorre uma alteração no comprimento de onda (ou na frequência detectada). Ao se aproximar a frequência aparente aumenta (o comprimento de onda diminui), ao se afastar a frequência aparente diminui (o comprimento de onda aumenta). - Efeito Doppler com fontes luminosas: Um aumento na frequência deslocamento para o azul; é chamado de Uma redução na frequência é chamado de deslocamento para o vermelho. Área 2, Aula 2, p.10 Müller , Saraiva & Kepler Graças ao Efeito Doppler sabemos que as estrelas que constituem um sistema binário têm velocidades distintas que pelo efeito podem ser determinadas. Fazendo uso da 3ª Lei de Kepler podemos calcular as massas das estrelas constituintes do sistema binário. Questões de fixação Agora que vimos o assunto previsto para a aula de hoje resolva as questões de fixação e compreensão do conteúdo a seguir, utilizando o fórum, comente e compare suas respostas com os demais colegas. Bom trabalho! 1. Quais seriam os períodos de revolução de sistemas binários nos quais cada estrela tem a massa do Sol e os semieixos maiores de suas órbitas relativas têm os valores: a) 1 UA? b) 2 UA? c) 20 UA? d) 60 UA? e) 100 UA? 2. Para cada item do problema anterior, a que distância as duas estrelas pareceriam ter uma separação angular de 1”? a) 1 UA. b) 2 UA. c) 20 UA. d) 60 UA. e) 100 UA. 3. ξ Ursa Maior é um sistema binário cuja órbita tem um semi-eixo maior de 2,5”. A paralaxe do sistema é 0,127”, e o período é de 60 anos. Qual é a massa do sistema, em massas solares? Até a próxima aula! Área 2, Aula 2, p.11 Müller, Saraiva & Kepler