ONTOLOGIA DO ESPAÇO, TÉCNICA E EPISTEMOLOGIA NA

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ONTOLOGIA DO ESPAÇO, TÉCNICA E EPISTEMOLOGIA NA GEOGRAFIA:
TEORIA E MÉTODO A PARTIR DA OBRA DE MILTON SANTOS.
Luis Carlos Tosta dos Reis
Prof. Adjunto Depto. Geografia UFES – [email protected]
INTRODUÇÃO
A renovação crítica da geografia que se desenvolveu a partir da década de 1970 promoveu
amplo debate de cunho epistemológico na geografia, notadamente em torno da crítica das
categorias tradicionais e dos conceitos-chaves dessa disciplina ( SANTOS, 1978 [1990];
MOREIRA, 1998; 1999; 2007). O mesmo, entretanto, não se deu com a mesma intensidade
em relação à esfera ontológica da teoria geográfica – isto é, à problematização temática do
ser do espaço geográfico - que conheceu, desde então, relativamente poucos estudos
especializados, se comparado à análise epistemológica (MOREIRA, 2007). A pesquisa em
ontologia do espaço geográfico permaneceu, assim, uma esfera de fundamentação teórica que
tem suscitado relativamente poucas - não obstante substantivas - contribuições especializadas.
Como conseqüência, o debate epistemológico na geografia tem permanecido limitado no
sentido de estabelecer pontes com a ontologia e, mesmo, ampliar o escopo e radicalidade da
fundamentação ontológica na teoria geral da geografia.
Esse quadro é incompatível com a primazia da ontologia em relação à epistemologia no
âmbito da elaboração teórica (SANTOS, 1996; BLANC, 1998; HEIDEGGER, 1988), e
assinala a necessidade de ampliar a reflexão ontológica na geografia, justificando, por
conseguinte, a relevância de se desenvolver pesquisas dedicadas especificamente ao tema.
É nesse sentido que a contribuição de Milton Santos sobre o assunto representa um ponto de
partida de importância fundamental, na medida em que no cerne de sua proposta de
reformulação teórico-metodológica da geografia, a crítica epistemológica se faz acompanhar
de uma progressiva ampliação e sistematização acerca da fundamentação ontológica do
objeto da geografia, o espaço geográfico. Nesse sentido, a contribuição de Milton Santos
oferece um parâmetro inicial de fundamental importância à pesquisa do tema, desde o qual é
possível problematizar e assimilar de modo sistemático a contribuição de outros autores da
geografia que trataram o assunto (dentre outros, destaca-se David Harvey, Armando C. da
Silva, Antônio C. Robert de Moraes; Ruy Moreira, etc.); bem como, também, dialogar com a
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contribuição de teóricos de outros ramos disciplinares que, no entanto, estudaram a relação
entre epistemologia e ontologia no processo de elaboração teórica (Mafalda F. Blanc; Gilvan
Fogel; Emmanuel Carneiro-Leão; Martin Heidegger; etc.).
A abordagem que se propõe dispensar ao tema desenvolve-se a partir de um leque limitado
de problemas que, a princípio, incitam a pesquisa proposta. Dentre as interrogantes básicas
que incitam a pesquisa destacam-se: Qual o perfil dominante da ontologia do espaço na
origem da reflexão ontológica na teoria da geografia? Quais seus desdobramentos e suas
características básicas nas contribuições mais recentes? Qual o significado da ontologia do
espaço para o método na teoria geográfica? Qual a natureza da relação vigente entre
epistemologia da geografia e ontologia do espaço no bojo do debate sobre teoria e método
da pesquisa geográfica? Qual o contexto teórico-metodológico em que emerge explicitamente
a abordagem temática da ontologia do espaço na obra de Milton Santos? Qual o significado
atribuído à noção de técnica para a ontologia do espaço geográfico proposta por Milton
Santos? Qual o sentido da indeterminação dos geógrafos em relação à questão ontológica
primordial da geografia, qual seja “o que é o espaço?”? Reside tal indeterminação na
complexidade inerente ao objeto ou ela reflete, antes, a peculiaridade do questionamento
ontológico?
Além da obra de Milton Santos, pode-se destacar contribuições que abordam tematicamente
a ontologia do espaço em geografia e que podem amparar a investigação a respeito das
questões acima indicadas, dentre as quais os trabalhos dos geógrafos David HARVEY (1980
[1973]), Armando Corrêa da SILVA (1982; 1983;1985), MORAES (1982); SOJA (1993);
SANTOS (1996); MOREIRA (2004b; 2006; 2007).
De especial interesse reveste-se, especificamente, uma contribuição de Milton SANTOS
(1996), a saber, A Natureza do Espaço, técnica e tempo, razão e emoção, na qual propõe
fundamentar a ontologia do espaço através da noção de técnica, que assume papel central em
seu pensamento e fecunda, dentre outras, a formulação do conceito de espaço como meio
técnico-científico-informacional. Além disso, ao lançar mão da noção da técnica, a
contribuição deste geógrafo permite estabelecer uma relação fértil com toda uma perspectiva
de reflexão filosófica acerca do sentido ontológico do fenômeno técnico, como pode ser
observado, por exemplo, nas contribuições de autores como, entre outros, CRAIA (2003);
BLANC, (1998); HEIDEGGER (2002). Este último deve, particularmente, ser destacado
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por desenvolver um viés de reflexão ontológica sobre a técnica cuja radicalidade e
originalidade são amplamente reconhecidas e, não obstante, pouco assimilado à geografia.
OBJETIVOS
A pesquisa visa, enquanto objetivo geral, desenvolver estudo sistemático em teoria e método
da geografia tendo como foco a natureza da relação vigente entre ontologia do espaço,
técnica e epistemologia da geografia. Para atingir esse objetivo a pesquisa desdobra-se nos
seguintes objetivos específicos: 1) Investigar o significado da reflexão ontológica do espaço
para epistemologia da geografia na contribuição de Milton Santos; 2) Analisar a correlação
entre crítica epistemológica na geografia e o horizonte de fundamentação ontológica do
espaço geográfico; 3) Investigar a importância da noção de técnica na fundamentação
ontológica do espaço geográfico proposta por Milton Santos; 4) Pesquisar a relação entre
fenômeno técnico e ontologia; Fomentar a produção científica em torno do tema através do
estímulo a produção de artigos para debate em reuniões e eventos acadêmicos.
METODOLOGIAS
Quanto ao método para corresponder ao objetivo 1 desenvolve-se uma estudo comparativo
entre as principais contribuições em teoria da geografia na obra de Milton Santos, com o
propósito de apreender a gênese e a ampliação da problematização ontológica do espaço em
sua relação com a epistemologia da geografia. As contribuições do autor previamente
selecionadas para esse propósito serão, a princípio: O trabalho do geógrafo no terceiro
mundo (SANTOS, 1978[1968]); Por Uma Geografia Nova (SANTOS, 1978[1990]);
Metamorfoses do Espaço Habitado (SANTOS, 1988); A Natureza do Espaço. Técnica
e Tempo, Razão e Emoção (SANTOS, 1996). Quanto ao objetivo 2 será levado à cabo
uma revisão e análise bibliográfica da contribuição de autores que permitem fornecer um
enquadramento mais panorâmico acerca do papel da fundamentação ontológica do espaço
na crítica epistemológica em geografia. Aqui será possível determinar a natureza da origem da
tematização explicitamente ontológica do espaço na teoria geográfica, seu perfil originário, seu
desenvolvimento e desdobramentos recentes. Para tanto, além das contribuições de Milton
Santos, serão objeto de análise as contribuições de David HARVEY (1980 [1973]),
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Armando Corrêa da SILVA (1982), MORAES (1982); SOJA (1993); SANTOS (1996);
MOREIRA (2004; 2006; 2007; 2008). O objetivo 3 será levado à cabo através de uma
revisão e análise bibliográfica que irá focalizar especificamente a assimilação da noção de
técnica e sua
importância cada vez mais determinante como categoria fundamental da
ontologia do espaço no projeto teórico de Milton Santos. Em relação ao objetivo 4, o
escopo bibliográfico da pesquisa é redimensionado, ampliando a investigação para além da
obra de Milton Santos e da abordagem desenvolvida estritamente por geógrafos. Trata-se de
contemplar mais diretamente obras de caráter filosófico (CRAIA, 2003; HEIDEGGER,
2002; 2002[1977]; REÉ,1999) que abordam a relação entre fenômeno técnico e ontologia e
que, não obstante a amplitude da reflexão, fornecem subsídios para ratificar a necessidade da
pesquisa em ontologia na ciência e, mais especificamente, nas ciências humanas e sociais. Por
fim, o objetivo 5 poderá ser realizado através do fomento à produção sistemática de textos
que, sob a forma de artigos científicos, possam ser submetidos à apreciação e à exposição de
reuniões acadêmicas (encontros, congressos, simpósios, etc..).
RESULTADOS PRELIMINARES
O projeto do qual o presente texto é resultado encontra-se em fase de execução com o
propósito de promover uma reflexão sistematizada sobre o tema da ontologia do espaço na
geografia, propondo problematizá-lo, basicamente, desde as possibilidades que a perspectiva
de elaboração ontológica do espaço a partir da técnica oferece ao debate teórico. A
concatenação de seus objetivos específicos é orientada no sentido de por em perspectiva o
paralelo entre, por um lado, o viés proposto por Milton Santos de elaborar uma ontologia do
espaço centrada em torno da noção de técnica e, por outro lado, a abordagem ontológica da
técnica em Martin Heidegger. Este paralelo encerra, não obstante, o estágio final da pesquisa
proposta, que não pode ser contemplada nos resultados preliminares que serão apresentados
no que seguem.
Nesse sentido, de acordo com o estágio atual de realização da pesquisa (o que corresponde
aos resultados obtidos até o 3o. objetivo específico, indicado no tópico precedente), foi
possível reconhecer que a feição dominante no estado da arte sobre a ontologia do espaço na
geografia manifesta, como atributo fundamental, uma lacuna que, sugere-se, carece ser
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problematizada de acordo com a radicalidade que lhe é própria, sob pena de restringir, senão
obliterar, o avanço do debate teórico sobre o tema: trata-se da necessidade de contemplar o
sentido da diferença ontológica no bojo da ontologia do espaço na geografia. Por diferença
ontológica entende-se a distinção radical e intransponível entre Ser e ente, qualquer que seja
o tipo de ente que se converta em objeto de pesquisa científica (CRAIA, 2003;
HEIDEGGER, 2002; 2002[1977]; REÉ,1999). Por ser a diferença ontológica estranha à
teoria e ontologia do espaço na geografia, cabe reforçar o sentido dessa diferença. A palavra
“ente” compreende tudo aquilo que é alguma coisa, tudo aquilo que existe, isto é: tudo o que
for, de alguma maneira, dotado de existência atende pela palavra ente. Todo ente constitui,
contudo, uma manifestação específica do Ser, pelo simples fato de que todo ente é (existe).
Por sua vez, o Ser mesmo, enquanto tal, na medida em que perpassa e constitui a condição
de possibilidade de todo ente vir a ser ente, não pode “existir” ao mesmo modo dos entes,
ou seja, não pode ser alguma coisa tal como um ente, pois, se assim o fosse, deixaria de
ser aquilo que ele propriamente “é”, a saber: aquilo que é “comum” a todos os entes que
existem. Desse modo, embora o Ser seja a condição de possibilidade da existência de todos
os entes, porquanto todo ente necessariamente é (existe), ele próprio (o Ser) não pode ser ao
modo de ser dos entes, ou seja: o Ser não existe como um ente – não pertence, portanto, ao
“plano ‘ôntico’ ” da existência, mas ao plano ontológico. Esse o sentido da diferença
ontológica.
Do exposto, toda e qualquer investigação de caráter ontológico que não considere a diferença
de natureza entre Ser e ente - qualquer que seja o ente considerado (no caso, o espaço
geográfico) – invariavelmente incorre na determinação “ôntica”do Ser, ou seja: determina o
Ser a partir de um ente determinado – caracterizando-se como uma investigação exterior ao
sentido da diferença ontológica. É o caso, como será visto no que segue, da ontologia do
espaço na geografia.
Com base na leitura da bibliografia em geografia previamente selecionada para a realização da
pesquisa, a lacuna acima indicada – isto é, a negligência para com o sentido da diferença
ontológica - permanece aberta no debate teórico dessa disciplina, em grande medida como
conseqüência do caráter insidioso da determinação social do ser do espaço (HARVEY,
1980 [1973]; SANTOS, 1978;1988;1996; SILVA,1982; MORAES, 1982; SOJA,1993;
SANTOS,1996; MOREIRA, 2004; 2006; 2007; 2008) enquanto perfil dominante da
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ontologia em geografia – via de regra cerrado à auto-reflexão de seu fundamento. Nesse
sentido pode-se recorrer ao pensamento de Milton Santos, cuja contribuição ao tema pode
ser considerada, nos seus traços gerais, representativa da abordagem levada a termo por
vários teóricos que, em igual medida, estabelecem de modo explícito a equivalência entre ser
e sociedade como fio condutor da ontologia do espaço, de forma tão explícita quanto revela
a seguinte citação “Tudo, porém, tem início na realidade social, como escreveu Sebag
(1972:62): ‘A primazia do ser vem do fato de que ele jamais é acabado e essa
inconclusão se resolve no tempo’. Se saímos da totalidade social é somente para tornar
a ela. (...). O ser é a sociedade total, o tempo são os processos, e as funções, assim
como as formas são a existência”(SANTOS, 1988:27; grifo nosso). Esta citação dá o que
pensar sobre o perfil da reflexão ontológica do espaço corrente na teoria geral da geografia.
Preliminarmente chama à atenção que Sebag, o autor citado por Milton Santos, refere-se, a
rigor, estritamente ao ser em relação com o tempo, não ao ser em relação com a sociedade
(ou à “realidade social”). A conexão e equivalência estabelecida entre ser e sociedade deve
ser creditada exclusivamente ao geógrafo - sob o impulso da influência do horizonte de
pensamento de Marx - no que diz respeito especificamente à esfera ontológica da teoria.
Outro ponto diz respeito ao recurso à noção de totalidade, enquanto totalidade social¸ como
meio para conduzir o nexo entre ser e sociedade total, como se o Ser possuísse uma
qualidade ôntica, ou qualquer alteridade onticamente determinável, tal como, por exemplo, o
somatório dos entes que integram a sociedade concreta em suas “múltiplas determinações”,
que permitisse à linguagem estabelecer uma tal comparação do Ser com outro(s) ente(s).
Assim, o recurso à noção de totalidade, qualificada, então, a partir do ser social configura um
meio através do qual o Ser converte-se, de súbito, na teoria geográfica, em equivalente à
sociedade. Em outra passagem a equivalência entre ser e sociedade é diretamente
estabelecida nos seguintes termos: “O conteúdo corporificado, o ser já transformado em
existência, é a sociedade já embutida nas formas geográficas, a sociedade
transformada em espaço (...) . A sociedade seria o ser, e o espaço seria a existência”
(SANTOS, 1988:27; grifo nosso). Esta perspectiva de elaboração da ontologia do espaço
perpassa toda a contribuição teórica de Milton Santos, como atesta sua vigência na última
grande obra de teoria geral em geografia do autor, a saber, A Natureza do Espaço, na qual,
mesmo sob pujante pluralidade epistemológica (e, além disso, disponibilizando abordagens
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alternativas para o tema), o geógrafo recorre a Sartre para determinar o Ser, enquanto tal, a
partir da sociedade, nos seguintes termos: “Se o ser é a existência em potencia, segundo
Sartre, e a existência é o ser em ato, a sociedade seria assim o Ser e o espaço a
Existência. É o espaço que, afinal, permite à sociedade global realizar-se como fenômeno” (
SANTOS, 1996: 96).
A citação acima pode ser assumida como síntese da perspectiva usual que a ontologia do
espaço tem sido, via de regra, problematizada na geografia, encerrando, nestes termos, o que
se propôs designar sob o rótulo de “onto-socio-logia” do espaço geográfico. Trata-se da
descoberta ontológica seminal da corrente crítico-radical na geografia, qual seja, descobre-se
que “a sociedade é o seu espaço geográfico e o espaço geográfico é a sua sociedade”
(MOREIRA, 2007:27). Essa perspectiva é, grosso modo, compartilhada por teóricos da
geografia que, de forma explícita, problematizaram a ontologia do espaço na geografia, dentre
outros, SOJA (1993[1988]); MORAES (1982); SILVA (1982; 1983); MOREIRA (2002;
2004; 2007). A determinação social do ser do espaço chega mesmo a se constituir,
sugere-se, enquanto um ciclo auto-instituinte de fundamentação que, na bibliografia corrente,
não possibilita, nos termos com os quais é estabelecido, abertura para liberar alternativas
distintas de elaboração ontológica acerca do ser do espaço. Uma dessas possibilidades é,
contudo, entrevista através da problematização da ontologia do espaço através do recurso à
noção de técnica, procedimento que recebeu um tratamento algo distinto por Milton Santos
em sua última grande obra teórica, qual seja, A Natureza do Espaço – e que permite,
outrossim, a assimilação da contribuição que o pensamento de Martin Heidegger oferece à
tematização ontológica da técnica.
Os frutos do diálogo entre a perspectiva assumida por Milton SANTOS (1996) e o
pensamento da questão da técnica, tal como proposto por HEIDEGGER (2002[1954]),
extrapolam o estágio atual da pesquisa, correspondendo, essencialmente, à fase final da
pesquisa proposta, (qual seja, ao 4o. objetivo específico da pesquisa, anteriormente
indicado).
Não obstante faça parte de uma fase ulterior da pesquisa proposta, é possível precipitar os
traços gerais que estimulam sua execução. Em conseqüência da maior amplitude à que se
destina a questão da técnica em Heidegger (enquanto para o Milton Santos de A Natureza
do Espaço a técnica é assumida como elemento fundamental à ontologia do espaço, em
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Heidegger a questão da técnica assinala uma alternativa de elaboração não-metafísica da
própria ontologia, ou, a rigor: de pensar o Ser), o pensamento deste filósofo pode instaurar,
sugere-se, uma autêntica reflexão acerca da concepção de técnica vigente na ontologia do
espaço de Milton Santos, na medida em que permite desdobrar o fundamento desta
concepção sobre si mesmo. Além disso, subjacente à questão da técnica em Heidegger se dá,
de maneira indireta, não obstante essencial, uma alternativa de se pensar a essência de um
ente – a técnica – a partir de um viés que contempla o sentido da diferença ontológica, o
que poderia contribuir no sentido de contornar a lacuna que, tal como caracterizado
anteriormente, atravessa a reflexão ontológica na geografia, qual seja: a ausência do sentido
da diferença ontológica.
Desse modo, sugere-se, a abordagem da questão da técnica em Heidegger permite conduzir
a ontologia do espaço proposta por Milton Santos para além dela própria, permitindo levar a
termo dimensões da reflexão ontológica no pensamento do geógrafo que permanecem
potencialmente latentes sob sua formulação original, mas que - a partir delas próprias - não
podem ser levadas às últimas conseqüências, isto é, radicalizadas ao fundamento – e isso se
dá, sobretudo, em função da natureza da concepção de técnica esposada pelo geógrafo.
Para explorar as possibilidades acima indicadas será necessário estabelecer não somente um
paralelo entre a contribuição de Milton Santos e o pensamento de Heidegger, mas trabalhar
no sentido de encaminhar um diálogo mais amplo, que busque sistematizar a abordagem
ontológica na geografia e desenvolver a perspectiva aqui delineada como uma, dentre outras,
possibilidades de elaboração. Quais as possíveis repercussões do cruzamento entre esse viés
de fundamentação ontológica e a ontologia do espaço na teoria da geografia? Talvez um
enfoque ontológico que pode ser derivado da convergência entre o pensamento de Heidegger
e das contribuições de Milton Santos, porquanto elaborado sob sentido da diferença
ontológica, possa preservar a indeterminação e multidimensionalidade do Ser e, assim,
forneça um estofo ontológico capaz de corresponder, de modo rigoroso, à pluralidade
epistemológica que grassa no debate teórico nos campos da teoria da geografia. Não que a
pluralidade epistemológica constitua, em si, um dado negativo, mas a maneira profusa com a
qual ela se reproduz na bibliografia corrente em geografia é nitidamente destituída de
justificativa e legitimidade ontológicas e, assim estabelecida, ela soa como um “acordo de
cavalheiros” conveniente, em que as diversas “visões de mundo” são admitidas como
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legítimas, quando o que vigora é, via de regra, o sectarismo tão negligente quanto estéril entre
as várias matrizes de pensamento. É, sugere-se, através de uma abordagem ontológica que
contemple o pensamento do sentido do Ser, enquanto fundamento dele próprio, que a
pluralidade epistemológica poderia ser fundamentada de modo explícito. A assimilação do
significado da “diferença ontológica” constitui um pré-requisito para desenvolver uma tal
abordagem. Mas... o que é isto - o ser na teoria geral da geografia?
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