Jucelina Alves de Carvalho

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Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Serviço Social
Trabalho de Conclusão de Curso
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA – UCB
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
OS IMPACTOS DOS BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS PARA OS
POVOS INDÍGENAS
Estudo de Caso Com Indígenas Com Deficiência das Aldeias
Bororó e Jaguapirú, do Município de Dourados – MS
JUCELINA ALVES DE CARVALHO
Autor: Jucelina Alves de Carvalho
Orientador: Prof Dr. Paulo Afonso de Araújo Quermes
OS IMPACTOS DOS BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS PARA OS
POVOS INDÍGENAS
Estudo de Caso Com Pessoas com deficiência das Aldeias Indígenas de
Bororó e de Jaguapiru, do Município de Dourados – MS
BRASÍLIA - DF
2012
JUCELINA ALVES DE CARVALHO
OS IMPACTOS DOS BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS PARA OS POVOS
INDÍGENAS
Estudo de Caso Com Indígenas Com Deficiência das Aldeias Bororó e
Jaguapirú, do Município de Dourados – MS
Artigo de Trabalho de Conclusão de
Curso apresentado à Universidade
Católica de Brasília como requisito parcial
à obtenção do título de bacharel em
Serviço Social.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Afonso de
Araújo Quermes
BRASÍLIA
2012
Artigo de autoria de Jucelina Alves de Carvalho, intitulado “OS IMPACTOS DOS
BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS PARA OS POVOS INDÍGENAS: Estudo de Caso
Com Indígenas Com Deficiência das Aldeias Bororó e Jaguapirú, do Município de
Dourados – MS” apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Serviço Social da Universidade Católica de Brasília, em 20 de
novembro de 2012, defendido e aprovado pela banca examinadora abaixo assinada:
_______________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Afonso de Araújo Quermes
Orientador
Curso de Serviço Social – UCB
________________________________________________________
Prof.ª MsC. Maria Valéria Duarte
Curso de Serviço Social – UCB
__________________________________________________________
Prof. MsC . Luís Alberto Delgado
Curso de Serviço Social – UCB
BRASÍLIA
2012
“Dedico esse trabalho ao povo indígena
da etnia Guarani-Kaiowá, pela força e
resistência de todos esses anos. A todas
as etnias que se mantém unidas mesmo
sob forte opressão, discriminação e
violência; e a todos aqueles que se
uniram e comprometeram-se em prol da
defesa dos direitos dos povos indígenas”.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus por não me deixar fraquejar mediante os
obstáculos que surgiram principalmente nesta reta final.
Ao meu amigo, companheiro e amor da minha vida, Jefferson, pelo apoio,
estímulo e companheirismo de todas as horas.
À minha mãe Antonia, pois sem sua ajuda o caminho teria sido bem mais
difícil ou mesmo impossível.
À minha avó Francisca (In Memorian).
Ao meu orientador Prof. Paulo Quermes, pela credibilidade, paciência e
disposição.
Aos meus amigos que conquistei no âmbito acadêmico ao percorrer esse
caminho e que acreditaram e torceram por mim.
À Marina Pereira (SAGI/MDS) e à Cristiane Ducap (MDS), pela simpatia,
cordialidade e disposição que me receberam.
Ao Professor Aguilera, da Secretaria Municipal de Educação de Dourados,
pela grande ajuda e pela amizade.
Ao Valdir, assistente social do CRAS Indígena, pela disposição, amizade e
companheirismo.
As professoras das escolas indígenas, em especial a professora Francelina,
coordenadora da Escola Municipal Tenguatui, na aldeia de Jaguapiru, pela simpatia
e ajuda.
Aos funcionários do CRAS Indígena de Bororó e da Secretaria Municipal de
Assistência Social de Dourados, pela receptividade e simpatia.
Por fim, agradeço imensamente ao povo da etnia Guarani-Kaiowá, pela
receptividade, alegria e disposição que me receberam.
6
OS IMPACTOS DOS BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS PARA OS POVOS
INDÍGENAS
Estudo de Caso Com Indígenas Com Deficiência das Aldeias Bororó e Jaguapiru, do
Município de Dourados – MS
JUCELINA ALVES DE CARVALHO
RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar uma avaliação dos impactos dos benefícios
assistenciais para os povos indígenas, com base em um estudo de caso nas aldeias
Bororó e Jaguapirú, do Município de Dourados - MS. Para a presente investigação
foi utilizada a técnica de aplicação de questionário e entrevistas com indígenas com
deficiência beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto na
Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), sob a gestão da Secretaria Nacional de
Assistência Social do Ministério de Desenvolvimento Social. Considerando a
realidade em que vivem os índios da etnia Guarani-Kaiowás, a hipótese é que o
benefício não é capaz de solucionar os problemas que estão submetidos àquela
população, porém, pode melhorar as condições de vida dos beneficiários e suas
famílias, na medida em que seus familiares terão melhores condições de cuidar dos
beneficiários. Observa-se que o recurso financeiro pode colocar o beneficiário no
papel central na família, de principal provedor de sustento familiar. Por fim, entendese ser importante adotar políticas específicas para os indígenas, buscando fornecer
meios de superação da condição de pobreza de forma autônoma.
Palavras-chave: políticas sociais, povos indígenas, benefícios assistenciais,
pessoas com deficiência, Benefício de Prestação Continuada (BPC).
ABSTRACT
The objective of this paper is to present an assessment of the impacts of welfare
benefits for indigenous peoples, based on a case study in the indigenous villages of
Bororó and Jaguapiru, the City Dourados - MS. For this research technique was used
a questionnaire interviews with beneficiaries with disabilities people program
Continuous Payments Benefit (BPC), provided for in the Organic Law of Social
Assistance (LOAS), under the management of the National Secretariat for Social
Assistance Ministry of Social Development. Considering the reality of the lives of
ethnic Indians Guarani-Kaiowás, the hypothesis is that the benefit is not able to solve
all the problems that are submitted to that population, however, can improve the
living conditions of the beneficiaries and their families, as that their families will be
better able to care for the disabled people. It is observed that the financial resource
can place people with disabilities in the central role in the family, the main provider of
family support. Finally, it is understood to be important to adopt specific policies for
indigenous peoples, seeking to provide a means of overcoming poverty condition
autonomously.
Keywords: social politics, indigenous peoples, welfare benefits, disabled people,
Continuous Payments Benefit (BPC).
7
1. INTRODUÇÃO1
O tema deste trabalho foi motivado a partir do conhecimento sobre a
incorporação dos povos indígenas pelo Sistema Único de Assistência Social
(SUAS). Em seguida, pelo quadro de vulnerabilidade a qual estes povos estão
submetidos e que exigiu uma série de ações governamentais, sobretudo da
Assistência Social.
No Brasil, a visão sobre os povos indígenas é pautada pelo preconceito e
discriminação. Os povos indígenas são alvos de diversas percepções
estigmatizantes2 pelos não indígenas que, segundo MEC/UNESCO (2006), ganhou
proporção com o passar dos anos, gerando contradições quanto à legitimidade da
identidade desses povos.
Além disso, desde a década de 70, houve um processo de interiorização e
expansão agropecuária, inicialmente estimulada pela política de ocupação do
governo militar. Nas décadas seguintes, a agricultura e a pecuária continuaram sua
expansão rumo às regiões Centro-Oeste e Norte do país. Os efeitos da migração se
fizeram sentir sobre os povos indígenas. Importante registrar que foi uma ocupação
desordenada, com conflitos violentos, além dos impactos ambientais e sociais.
No aspecto socioambiental o impacto foi maior pelo fato dos índios
dependerem da caça e da pesca como forma de sobrevivência. Com a escassez
dessa prática, muitos indígenas procuraram outras formas de sobrevivência, o que
redundou no contato com as comunidades das grandes cidades. Porém, a forte
distinção cultural dos povos indígenas frente ao restante da sociedade dificulta a
aceitação e o reconhecimento de sua realidade, bem como o exercício pleno de sua
autonomia e cidadania.
O crescimento das cidades tem elevado o contingente populacional em
regiões próximas das tribos indígenas, contribuindo para uma aproximação forçada
entre os índios e a população dessas localidades. Isso trouxe para dentro das tribos
indígenas problemas que eram desconhecidos pelos índios, como o consumo de
álcool e drogas e contaminação por DSTs/AIDS. Segundo (MEC/UNESCO, 2006),
somente os casos de AIDS entre os indígenas já ultrapassa quatro mil casos.
No caso das crianças indígenas, a desnutrição é responsável em grande
parte pelo elevado índice de mortalidade infantil. O índice atual de mortalidade
infantil entre a população indígena situa-se em torno de 59,1, ou seja, índice alto se
comparado ao índice médio de mortalidade da população infantil branca no país,
que é de 24 (FUNASA, 2005). A desnutrição atinge 30% das crianças indígenas com
até 5 anos de idade. Também se verifica uma enorme precariedade de atendimento
para crianças que nascem ou adquirem algum tipo de deficiência física ou mental.
Com a criação do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), em 2004,
ampliaram-se as políticas de benefício aos povos indígenas, integrando programas
como Programa Bolsa Família (PBF), Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
1
Para a realização da pesquisa de campo diretamente com os índios aldeados foi necessária a
aprovação dos seguintes órgãos: (i) Comitê de Ética na Pesquisa (CEP), da Universidade Católica de
Brasília; (ii) Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), ligada ao Conselho Nacional de
Saúde (CNS), do Ministério da Saúde; (iii) Fundação Nacional do Índio (FUNAI), entidade ligada ao
Ministério da Justiça, mediante parecer favorável do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPQ), ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Ademais, a FUNAI
somente aprovou a pesquisa com anuência por escrita das lideranças indígenas das aldeias
pesquisadas.
2
Protetor das florestas, canibal, ignorante, preguiçoso, coitado, e até mesmo ingênuo e desprotegido.
8
(PETI) e distribuição de cestas básicas nas aldeias, assim como expansão das
políticas existentes, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Além disso,
o governo federal lançou o projeto de implantação dos Centros de Referência de
Assistência Social (CRAS) Indígenas3, o que aumentou o acesso dessa população
aos programas de transferência de renda do MDS.
Na região centro-oeste, mais precisamente em Dourados - MS, ganharam
destaque ocorrências de conflitos pela posse de terra envolvendo fazendeiros e
indígenas, assassinatos de lideranças indígenas, suicídios, envolvimento dos
indígenas com substâncias ilícitas, alcoolismo e alto índice de mortalidade infantil
ocasionada pela desnutrição (MDS, 2007). Fatos que tem chamado à atenção do
poder público federal para a realidade vivida pelos indígenas daquela região.
O objetivo desse artigo é aprofundar a discussão envolvendo os impactos da
introdução de políticas universais nas comunidades indígenas. No sentido de
verificar se trazem melhora dos indicadores sociais que refletem nas suas condições
de vida. Inclusive devem ser avaliados os possíveis efeitos negativos que a
introdução de benefícios sociais de transferência direta, como o BPC, que aumenta
a disponibilidade financeira, tem sobre essas comunidades. Também se levantará os
principais desafios de inclusão desses povos em políticas universalizantes e a
influência que possa trazer no modo de vida desses povos.
Uma hipótese subjacente é que as políticas assistenciais não têm conseguido
alterar a situação de vulnerabilidade social dos povos indígenas em função de não
serem específicas para esse grupo social. Persistem problemas relacionados à
insegurança, conflitos pela posse das terras tradicionais, precárias condições de
subsistência das populações, deficiência no atendimento à saúde, etc. Isso não
significa, entretanto, que elas possam trazer resultados positivos para as famílias
beneficiadas no tocante à renda disponível para suprir necessidades imediatas,
como alimentação.
Todavia, a utilização de políticas universalizantes para os povos indígenas
tem se restringido ao repasse de recursos, cuja finalidade é de suprir necessidades
imediatas, sem alterar estruturalmente sua condição social de vulnerabilidade no
sentido da emancipação. Nesse sentido, seria importante aprofundar a discussão a
respeito da necessidade de adotar políticas específicas, considerando as
especificidades das comunidades indígenas, inclusive as diferenças entre eles. A
expectativa é que poderiam trazer resultados mais efetivos, reduzindo sua condição
de vulnerabilidade social, nos mais diversos aspectos.
A população a ser pesquisada são os indígenas com deficiência das aldeias
de Bororó e Jaguapiru, da etnia Guarani-Kaiowás, localizadas no município de
Dourados - MS.
O artigo foi estruturado em seis seções, considerando-se esta introdução. A
segunda seção trata da fundamentação teórica, que versa sobre a política social no
país com ênfase na nos direitos constitucionais, na Política Nacional de Assistência
Social e na Lei Orgânica de Assistência Social, que rege o do Benefício de
Prestação Continuada. A terceira descreve a realidade atual dos povos indígenas da
etnia Guarani-kaiowás. A quarta diz respeito à metodologia. A quinta seção refere-se
aos resultados do artigo. E, a última seção, apresenta as considerações finais.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
3
São centros instalados dentro das aldeias com o objetivo de identificar diretamente suas
necessidades.
9
A presente seção visa traçar a evolução das políticas sociais no Brasil, dos
anos 30 aos dias atuais. Em seguida, busca-se trazer alguns elementos do Benefício
de Prestação Continuada (BPC). Por fim, aborda a inclusão dos povos indígenas na
Política Nacional de Assistência Social.
A seção seguinte apresenta uma breve revisão bibliográfica sobre a temática
indígena e as políticas assistenciais relacionadas à transferência de renda para
indígenas com deficiência.
2.1. Evolução da Política Social no Brasil Contemporâneo
No Brasil, as políticas sociais foram impulsionadas pelo processo de
industrialização que trouxe consigo o desenvolvimento econômico e dando origem a
uma grande mobilidade populacional. Com a migração da população para os centros
urbanos, surgiram problemas relacionados à moradia, saneamento e falta de
assistência. Tal sistema na medida em que avançava o desenvolvimento, geravamse desigualdades tanto sociais como trabalhistas. Isso causava descontentamento
por parte dos trabalhadores que assemelhava tal situação ao período anterior a
industrialização, pois viviam sobre forte tensão associadas às péssimas condições
de trabalhos e sem uma legislação trabalhista que os amparasse.
Com a Revolução de 1930, a questão social é reconhecida pelo governo de
Getúlio Vargas. Criticado por não estabelecer medidas para conter as crises sociais
e temendo a rebeldia dos movimentos sociais emergentes, o governo Vargas adotou
medidas de política social protetivas, acalmando os movimentos dos trabalhadores,
assim como beneficiava as classes médias e a burguesia (Yazbek, 2008). Todavia,
as políticas desenvolvimentistas de Vargas trouxeram grandes transtornos para os
povos indígenas. Ao negociar suas terras e condená-los a extinção, ou senão ao
confinamento e a miséria que muitos povos se encontram atualmente.
Em verdade, a intervenção do Estado somente se deu com medidas de
proteção voltadas para o mercado de trabalho, como a Lei Eloy Chaves, criada em
1923, seguida pela criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) e a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), esta última já no período varguista.
Segundo Yazbek (2008), tais benefícios que anteriormente eram acessados
somente pelos operários tiveram sua cobertura estendida às suas famílias. Quanto
aos demais trabalhadores informais e os indivíduos sem ocupação, restavam-lhes
somente recorrer à caridade e filantropia que geralmente eram ações incumbidas ao
Serviço Social.
Bulla (2003) afirma que grandes gastos do governo com a política social
nesse período deram origem à concepção de Estado de Bem-Estar Social que, na
realidade, nunca chegou a ser implantado no Brasil. O Estado se tornou cada vez
maior e se transformou no principal instrumento de acumulação capitalista, por meio
de mecanismos de centralização política e administrativa e de controle da massa
trabalhadora, pelas técnicas de propaganda, coesão social e assistência.
Nas décadas de 70 e 80 ocorreram importantes lutas por direitos políticos e
sociais. As políticas sociais passaram a direcionar-se para a universalização e
garantia dos direitos sociais, para a descentralização político-administrativa e para a
participação popular (Bulla, 2003). Entre o fim dos anos 70 e final dos anos 80
ocorreram importantes lutas por direitos políticos e sociais4. Até então, a expansão
4
Cabe lembrar que desde o descobrimento em 1500 até os anos 70 houve uma imensa diminuição
no número de indígenas existentes no país (PPA, 2011).
10
singular dos direitos sociais se dava em meio à restrição de direitos civis e políticos,
modernizando o aparato varguista, (BEHRING & BOSQUETTI, 2008, p. 135).
Em 1988, com a promulgação da Constituição de 1988, denominada
Constituição Cidadã, houve avanços no campo dos direitos e nas políticas sociais,
principalmente no que diz respeito à Assistência Social compondo o tripé da
Seguridade Social: Assistência Social, Saúde e a Previdência Social. A Carta Magna
trouxe mudanças significativas com relação ao reconhecimento dos direitos dos
povos indígenas5, substituindo o modelo político pautado nas noções de tutela e de
assistencialismo por um modelo que afirma a pluralidade étnica como direito e
estabelece relações protetoras e promotoras de direitos entre o Estado e
comunidades indígenas brasileiras (PPA, 2011).
Os avanços da política social amparados constitucionalmente fez surgir novos
atores sociais com novos direitos. Essas novas configurações passou a exigir do
Serviço Social uma constante atualização, visando à garantia de direitos a essas
novas demandas. Segundo Rúbio et. all (2010), o processo histórico de criação
ininterrupta dos novos direitos fundamenta-se na afirmação permanente das
necessidades humanas e na legitimidade de ação de novos atores sociais. Prova
disso é construção do Sistema Único de Saúde, instituído pela Constituição de 1988
e regulamentado em 19906, considerado um dos maiores sistemas públicos de
saúde do mundo7.
A regulamentação da Lei Orgânica de Assistência Social (1993) e a
aprovação da Política Nacional de Assistência social – PNAS (2004) consolidaram a
política pública com regime único de gestão. Todavia, o fato de ser denominada
política pública não significa identificação exclusiva com o Estado. Mas sendo
público é de todos, comprometendo tanto o Estado quanto à sociedade, conforme
PEREIRA (2008, p. 95):
“Visa concretizar direitos sociais conquistados pela sociedade e
incorporados nas leis. Ou melhor, os direitos sociais declarados e
garantidos, de regra, conquistas da sociedade e só têm aplicabilidade por
meio de políticas públicas, as quais, por sua vez operacionalizam-se por
meio de programas, projetos e serviços” (PEREIRA, 2008).
Em meados dos anos 90, o avanço das políticas sociais foi questionado
pelas políticas de cunho liberalizantes. As políticas de estabilização implementadas
no fim do governo Itamar e aprofundadas no governo de FHC colocaram em xeque
as políticas sociais. Na saúde, ficou notado o problema do financiamento, que até
hoje não foi equacionado. Na ocasião, foi criada a Contribuição Financeira Sobre
Movimentações Financeiras (CPMF) para financiar a saúde, porém, os recursos
foram gastos para outros fins, não significando recursos adicionais para a saúde.
Na última década, especialmente a partir de 2003, deu-se novo ciclo de
avanço das políticas sociais, com a expansão políticas de transferência de renda. O
programa Bolsa Família, criado em 2003, colocou a Assistência Social no mesmo
5
A Constituição de 1824, primeira constituição do país, ignorou a existência dos indígenas, não
reconhecendo a diferença étnica e cultural do país.
6
Lei nº 8.080/1990.
7
O Sistema Único de Saúde (SUS) abrange desde o simples atendimento ambulatorial até o
transplante de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população do
país. Amparado por um conceito ampliado de saúde, o SUS foi criado, em 1988 pela Constituição
Federal Brasileira. Além de oferecer consultas, exames e internações, o Sistema também promove
campanhas de vacinação e ações de prevenção e de vigilância sanitária – como fiscalização de
alimentos e registro de medicamentos –, atingindo, assim, a vida de cada um dos brasileiros.
11
patamar de outras políticas que compõe o tripé da Seguridade Social,
compreendendo a pobreza como ausência de renda e buscando equacioná-la com
transferência direta. A forte redução da pobreza nos últimos anos e a consequente
queda da desigualdade social sinaliza que os programas de transferência de renda
alcançaram alguns êxitos. Trata-se de programas assistenciais de natureza não
contributiva, direcionados ao público selecionado conforme condições de renda.
A ampliação e aperfeiçoamento dos programas de transferência de renda
tiveram como referência outros programas condicionados de renda, alguns já sendo
executados desde 1995, em algumas localidades como Campinas e Distrito Federal.
Tais programas eram vinculados a políticas setoriais e segmentos populacionais
específicos e somente a partir de 2003, questões como a fome, pobreza e
desigualdade passam a ser prioridade e ganham destaque na agenda pública.
Segundo (Cunha, 2009), em 2004, os programas foram unificados, bem como as
políticas de combate a fome, transferência de renda e de assistência social, com a
criação do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (MDS).
Segundo (Cunha, 2009, pp. 333-334), “dificilmente a erradicação da pobreza
e a redução da desigualdade se viabilizam sem políticas ativas de transferência de
renda”. Conclusão semelhante é obtida por Jaccoud (2009, p. 18), segundo a qual,
na ausência de transferências de rendas previdenciárias e assistenciais, o patamar
de indigência no país dobraria, assim como cresceria de forma expressiva os
percentuais de pobreza, podendo, inclusive, ultrapassar a metade da população em
algumas regiões.
Tendo em vista os destinatários de transferência de renda e, ainda, se as
transferências devem ou não ser condicionadas, tem-se três visões distintas. A
primeira reúne aqueles que acreditam que as transferências devem ser universais,
garantidas como direito de todos os cidadãos, sem levar em conta a renda e sem
necessidade de contrapartidas dos beneficiários – ou seja, incondicionais.
A segunda concepção entende que políticas de transferência de renda devem
ser residuais, sendo estratégicas para garantir a sobrevivência de famílias ou
indivíduos específicos – ou seja, devem ser restritas àqueles extremamente pobres
ou incapazes de prover sua própria sobrevivência8.
Por fim, um terceiro grupo tem a visão de que políticas para redução da
pobreza e das desigualdades pressupõem uma opção do Poder Público em
privilegiar os mais pobres – e, portanto, estes devem ter tratamento diferenciado, de
forma a reduzir as desigualdades. Para privilegiar os mais pobres, também enfatiza
critérios de acesso e, assim, trabalham com mecanismos de focalização, mas não
numa concepção residual, de selecionar apenas os extremamente pobres9.
Recentemente, as políticas de transferência de renda têm buscado chegar ao
núcleo duro da pobreza, como moradores em situação de rua e outros segmentos
de difícil abordagem pelo poder público. Nesse sentido, o governo Dilma lançou o
programa Brasil Sem Miséria, visando erradicar com a pobreza extrema. Após essa
abordagem sobre a evolução das políticas sociais, passa-se a tratar de alguns
aspectos do BPC.
2.2. Alguns Aspectos do Programa de Benefício de Prestação Continuada
8
Essa visão não se restringiria às transferências de renda, mas também à saúde, educação,
assistencial social, entre outras.
9
Focalização no sentido de aplicação de critérios de priorização, em especial para enfatizar a
garantia de direitos e a inclusão daqueles que historicamente estiveram à margem das políticas
públicas. Um exemplo disso é o programa Bolsa Família, que adota essa concepção.
12
As últimas duas décadas têm assistido a uma crescente expansão de
políticas não contributivas no âmbito da assistência social com os programas de
transferência direta de renda, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o
Programa Bolsa Família (PBF), ambos voltados para aqueles que se encontram fora
do mercado de trabalho. Dentre os beneficiários, destacam-se os indivíduos com
incapacidade permanente para o trabalho, como idosos e pessoas com deficiência
(PCD). Assim, procura-se evitar que instale situações de carência, sendo esta
considerada como forte propulsora da pobreza e da indigência (JACCOUD, 2009).
A Assistência Social se estabelece como uma política de extrema importância
na ampliação e efetivação desses e dos demais benefícios de combate e
erradicação da pobreza extrema e das desigualdades sociais. Conforme prevê a Lei
Orgânica da Assistência Social (LOAS), “a assistência social como direito do
cidadão e dever do Estado, é política de seguridade social não contributiva, que
provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de iniciativa
pública e da sociedade para garantir o atendimento às necessidades básicas (art.
1º)10”.
Nesse sentido, o BPC revela-se como um benefício inovador, na medida em
que proporciona aos idosos e deficientes beneficiários a quantia mensal no valor de
um salário mínimo independente de contribuições anteriores. Com a LOAS, o
benefício foi regulamentado, mas implantado somente em 1996 no âmbito da
assistência social. O BPC substituiu a antiga Renda Mensal Vitalícia (RMV) 11, de
caráter assistencial, que vigorou de 1974 a 1996, e era concedido mediante
contribuições anteriores.
Segundo Santos (2011), o BPC se insere como um importante instrumento de
proteção social, não associado a vínculos empregatícios12. É atualmente o segundo
maior programa de transferência direta de renda, ficando atrás somente do PBF, que
se distingue do BPC por ser uma renda complementar e de menor valor. O BPC se
constitui como o primeiro benefício assistencial de transferência direta implementado
em escala nacional (Jaccoud, 2009). Ainda segundo a autora, o BPC é focalizado,
destinado aos que se encontram impossibilitados de arcarem com sua sobrevivência
pelo trabalho, seja em função da idade avançada ou da incapacidade física. Ou seja,
o PBF atinge principalmente os indivíduos com idade ativa para o mercado do
trabalho, mas que por algum motivo está fora dele13. Para Jaccoud (2009), a renda
advinda dos programas assistenciais dialoga constantemente com o mercado de
10
Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS). Disponível
no sítio: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8742.htm. Acesso em: 22/09/2012
11
A Renda Mensal Vitalícia (RMV) foi criada pela Lei nº 6.179, de 1974, como benefício
previdenciário destinado às pessoas maiores de 70 anos de idade ou inválidos, definitivamente
incapacitados para o trabalho, que, em um ou outro caso, não exerciam atividades remuneradas e
não auferiam rendimento superior a 60% do valor do salário mínimo. Além disso, não poderiam ser
mantidos por pessoas de quem dependiam, bem como não poderiam ter outro meio de prover o
próprio sustento.
12
Diferentemente da RMV, cujo benefício se dava nas seguintes condições (Lei nº 6.179/74): (i)
tenham sido filiados ao regime do INPS, em qualquer época, no mínimo por 12 (doze) meses,
consecutivos ou não, vindo a perder a qualidade de segurado; ou (ii) tenham exercido atividade
remunerada atualmente incluída no regime do INPS ou do FUNRURAL, mesmo sem filiação à
Previdência Social, no mínimo por 5 (cinco) anos, consecutivos ou não; ou ainda, (iii) tenham
ingressado no regime do INPS após completar 60 (sessenta) anos de idade sem direito aos
benefícios regulamentares.
13
Ou ainda, trabalhando em subempregos, não auferindo renda mensal da família por pessoa acima
do limite do programa, permanecendo na situação de pobreza ou de extrema pobreza.
13
trabalho, de forma que os idosos beneficiados já foram componentes deste mercado
ao longo da vida, porém deixaram de contribuir com a previdência.
Embora operacionalizado pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS),
autarquia ligada ao Ministério da Previdência Social, trata-se de um benefício
assistencial destinado a idosos com idade acima de 65 anos e pessoas com
deficiência que atendam aos critérios para concessão, como renda familiar per
capita inferior a ¹/4 do salário mínimo. Com relação às pessoas com deficiência, o
processo de avaliação é mais complexo, necessitando, além do critério de renda,
avaliação da perícia médica comprovando a incapacidade para o trabalho. Ademais,
os critérios que definem a incapacidade para o trabalho são controversos, pois nem
todas as deficiências são consideradas incapacitantes. Por outro lado, a
incapacidade não considerada para a elegibilidade do benefício tem seus reflexos na
tentativa de inclusão desses indivíduos no mercado de trabalho, tendo em vista a
desvantagem decorrente da experiência da deficiência e a restrição de habilidade
por ela provocada (ver SANTOS, 2011).
Os critérios de elegibilidade para fins de obtenção do BPC deveriam adequarse ao fato de nem todas as deficiências serem consideradas incapacitantes para o
trabalho. No caso dos povos indígenas14 com deficiência, a restrição ao trabalho se
dá tanto de forma cultural referente à comunicação, uma vez que desenvolvem
formas próprias de se comunicar com os demais indígenas, quanto social, relativo à
adaptação ao mercado de trabalho no mundo social fora da aldeia.
Assim, o indeferimento na concessão do BPC pode deixá-lo excluído da
assistência social (BPC, p. ex.) e da previdência social (por não estar inserido no
mercado de trabalho), ferindo os princípios de consideração das especificidades da
cultura indígena. Segundo a Convenção sobre Direitos da Pessoa com Deficiência
das Nações Unidas (CDPD), “pessoas com a mesma deficiência podem enfrentar
tipos e graus de restrição muito diferentes, dependendo do contexto”. Isso
pressupõe uma avaliação mais aprofundada por parte dos órgãos competentes
quando se trata de indígenas com deficiência.
Logo, qualquer indivíduo está exposto aos fatores que possam causar algum
tipo de deficiência, temporária ou permanente. Venere (2006) considera que a
constatação e o registro dos casos de pessoas com deficiências motoras (física,
mental e sensorial) ganham cada vez mais visibilidade, demonstrando que a
incidência destas pessoas nas comunidades indígenas é uma realidade. Esse
fenômeno também foi constatado por Pereira (2007, p. 18), segundo o qual, “a
quantidade de deficientes físicos é enorme para os padrões Kaiwoá” e que isto pode
estar relacionado a fatores como carência alimentar e alto consumo de bebidas
alcoólicas.
Desse modo, é preciso considerar que são vários os fatores que podem
causar ou agravar a deficiência. Para os povos indígenas, esses fatores podem ser
internos ou externos ou mesmo pela forma como estão expostos a esses riscos. Aos
fatores internos atribuem-se ocorrências por causas naturais, picadas de insetos e
animais peçonhentos, queda de galhos árvores, raios, etc., riscos que eles sempre
lidaram. Quanto aos fatores externos estão ocorrências ligadas à entrada nas
aldeias de materiais produzidos por não indígenas como faca, facões, motosserra,
14
Cabe ressaltar que a LOAS no seu art. 4º propugna entre os seus princípios a “igualdade de
direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se
equivalência as populações urbanas e rurais”. Também estabelece entre os objetivos “contribuir com
a inclusão e equidade dos usuários e grupos específicos, ampliando bens e serviços
socioassistenciais em áreas urbanas e rurais” (grifo nosso)
14
arma de fogo e veículos utilitários, são alguns instrumentos que causam a
deficiência e deixam muitas pessoas sem condições de se locomoverem nas
aldeias. Segundo Venere (2006), houve relatos dos indígenas de que algumas
passam a utilizar cadeiras de rodas, muletas, próteses nos membros inferiores e
superiores, próteses nos ouvidos.
Também o processo de produção agrícola tem contribuído para aumentar o
quadro de incapacitações e até mortes. A alta quantidade de agrotóxicos usados nas
plantações aumenta os índices de aborto e de nascimentos de crianças com
diferentes defeitos físicos, além da morte de animais domésticos, silvestres e fauna
aquática. Casos de anencefalia também foram observados. Como citado por
VENERE (2005):
“A alta incidência de câncer, sobretudo de leucemia, entre agricultores e
indígenas aculturados que lidam com os venenos acima mencionados, é
fato rotineiro na Amazônia. Provavelmente o numero de vitimas anônimas
que morrem sem chegar aos hospitais é maior do que dizem as estatísticas.
Os agrotóxicos das empresas multinacionais matam mais do que os
condenados e indesejáveis conflitos originados por disputas de terras ou
invasão de terras indígenas”. (VENERE, 2005)
Neste contexto, é possível que haja incidência maior de problemas
relacionados à incapacidade para o trabalho ou deficiências nessas populações
próximas ao agronegócio, indígenas ou não indígenas. Esse fato pode estar
relacionado com o aumento da demanda por benefícios assistenciais e
previdenciários.
A seção seguinte abordará acerca da problemática da inclusão dos povos
indígenas no BPC, objeto de estudo deste trabalho.
2.3. Inclusão dos Povos Indígenas nas Políticas de Assistência Social
A questão indígena foi abordada por Santos (2003), apud Baines (2008), que
trouxe algumas reflexões sobre uma concepção multicultural de direitos humanos. O
desenvolvimento dos povos indígenas vem sendo marcado pelos processos de
globalização e abertura econômica, e que influenciam a concepção de Estado que
interferem nas políticas indigenistas, principalmente quanto à autonomia das
populações indígenas. Também se tem a crescente atuação das ONGs indigenistas
e ambientalistas numa espécie de privatização do indigenismo.
No Brasil, os últimos anos foram fortemente marcados por uma significativa
expansão dos benefícios assistenciais condicionados e focalizados no combate a
extrema pobreza. Filho & Carvalho (2008) abordam a questão da articulação e
parcerias com povos indígenas e o MDS. A estratégia do programa Fome Zero
incluiu desde o início os povos indígenas, como a distribuição de cestas básicas
para atender situações críticas e outras ações emergenciais, bem como
investimento em produção sustentável de alimentos.
Em 2004, a criação do MDS e a PNAS, que resultou na unificação da gestão
de programas sociais, se estabelecem como ponto de partida para o governo federal
desenvolver uma série de ações direcionadas para os indígenas visando combater a
extrema pobreza. O tema foi discutido e ganhou destaque em uma das oficinas da V
Conferencia Nacional de Assistência Social, que abordou sobre a organização da
proteção básica em comunidades indígenas e quilombolas. A partir disso, o governo
federal incluiu os povos indígenas nos programas de transferência de renda, como o
PBF.
15
Em outra linha de atuação no âmbito da assistência social15, o MDS iniciou a
implantação dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) nas
comunidades indígenas - CRAS Indígenas -, visando tornar a proteção social básica
alcançável aos indígenas. Isso está de acordo com o objetivo da Lei Orgânica da
Assistência Social de “contribuir com a inclusão e equidade dos usuários e grupos
específicos, ampliando bens e serviços socioassistenciais em áreas urbanas e
rurais”.
O CRAS indígena da aldeia bororó existe desde 2004. Em 2007, com a
parceria entre o governo federal e municipal, é inaugurado um novo CRAS com uma
melhor estrutura com capacidade para o atendimento de aproximadamente 2.500
famílias. O quadro de funcionários contempla o estabelecido pela NOB-RH/SUAS,
mesmo considerando a alta rotatividade de funcionários que compromete a
qualidade dos serviços. Outro fator que compromete a qualidade destes serviços é a
falta de recursos materiais como ausência de telefone e internet, o que acaba
retardando ou inviabilizando o atendimento.
Cabe ressaltar o papel CRAS na expansão da política de Assistência Social,
que compreende a oferta da proteção básica com destaque para o Programa de
Atenção Integrada a Família (PAIF), o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). Também se destaca a
relevância dos CRAS Indígenas em promover ações voltadas para mulheres, idosos,
jovens, entre outros, abordando temas que vão desde o alcoolismo e dependência
química até o atendimento à deficiência física e saúde mental16.
Nota-se que o processo de consolidação da política de assistência social tem
introduzido novas categorias de usuários, a exemplo dos indígenas, como
constatado no relatório GT Indígena do MDS (2006):
“A própria PNAS contempla novas categorias, além das clássicas categorias
de pobres e pessoas com deficiências, incorporando os atingidos por outras
formas de vulnerabilidade. Como é o caso dos Povos Indígenas. Como
afirma a PNAS, “ao agir nas capilaridades dos territórios e se confrontar
com a dinâmica do real, no campo das informações, essa política inaugura
uma outra perspectiva de análise ao tornar visíveis aqueles setores da
sociedade brasileira tradicionalmente tidos como invisíveis ou excluídos das
estatísticas – população em situação de rua, adolescentes em conflito com
a lei, indígenas, quilombolas, idosos, pessoas com deficiência”.
Mesmo reconhecendo a progressiva expansão dos serviços oferecidos, o GT
dos Povos Indígenas considerou o aprofundamento do conceito de vulnerabilidade
utilizado pela assistência social, devendo esta considerar que o conceito proposto
15
Embora não sendo parte da política de assistência social, outra ação que visa combater a pobreza
indígena, patrocinada pelo MDS, foi a Carta Indígena, vinculada aos objetivos da Política Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional. Seu princípio geral insere-se nas ações do governo que visam à
garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) aos povos indígenas, por meio de
projetos que procuram seguir as demandas apresentadas pelas comunidades indígenas e favorecer a
geração de renda. Segundo Loureiro & Pereira (2008), “o desafio que se apresenta à Carteira
Indígena se associa a todo o passivo de marginalização e exclusão social dos povos indígenas
acumulados ao longo do processo de construção e desenvolvimento da sociedade e do Estado
brasileiro”.
16
Todavia, em muitos casos, o atendimento é comprometido pela falta de clareza sobre tipo de
atendimento desenvolvido pelos CRAS, fazendo com que parte da demanda que deveria ser
direcionada aos CRAS Indígenas seja levada para órgãos que atuam no meio indígena, como FUNAI
e FUNASA, que também não têm respostas adequadas às demandas de assistência dessa
população.
16
pelo NOB/SUAS, com relação à proteção básica, se dá de forma generalizada, sem
levar em conta as especificidades dos povos indígenas. Assim, a introdução da
assistência social em comunidades indígenas apresenta maior complexidade, no
tocante ao desenvolvimento de um trabalho social voltado para esses povos.
Ademais, como as comunidades indígenas mantêm características próprias,
com diferentes formas de organização social, isso implicaria em ter que qualificar
melhor a equipe técnica para uma melhor intervenção com esses grupos, no sentido
de promover a inclusão sem fragilizar seus valores éticos e culturais. Ou seja, é
necessário maior aprofundamento sobre as atividades desenvolvidas com vistas à
melhoria na integração entre a assistência social e a nova política indigenista.
Carvalho, Barbosa & Bock (2008) ressaltam a grave carência de condições
básicas de sobrevivência das comunidades indígenas, o refletiria como grande
desafio para as ações governamentais quando se trata de ampliar o acesso das
famílias indígenas ao Cadastro Único e ao PBF. Segundo eles, 86% das famílias
indígenas cadastradas recebem o beneficio do PBF, revelando que atendem aos
critérios de pobreza e extrema pobreza.
Tendo como base as ações de proteção social desenvolvidas pelos CRAS
Indígenas, Matias & Andrade (2008) revelam que 38% dos índios estão em situação
de extrema pobreza, enquanto na população não indígena essa proporção é de
15,5%17. Yazbek (2012) também destaca dados do Plano Brasil Sem Miséria, que
revela que dos 817.963 indígenas no país, 326.375 se encontram na extrema
pobreza18, representando cerca de 40% desse contingente populacional.
Como se observa, a incorporação dos povos indígenas nos programas
assistenciais tem se tornado um desafio para PNAS, no que concerne a
implementação e gestão desses programas e tendo que considerar suas
especificidades. A complexidade é ainda maior quando se trata da inclusão dos
indígenas com deficiência, que por sua vez carregam consigo o estigma de ser índio
e ser deficiente.
Em 2011, a Organização Mundial da Saúde publicou o Relatório Mundial
sobre a Deficiência (World Report on Disability). A Convenção sobre Direitos da
Pessoa com Deficiência das Nações Unidas (CDPD), segundo o relatório, considera
a deficiência uma importante questão de desenvolvimento com cada vez mais
evidências de que pessoas com deficiência experimentam os piores resultados
socioeconômicos e pobreza do que as pessoas não deficientes (OMS, 2011).
As pessoas com deficiência têm os mesmos direitos à proteção social e que
as redes de segurança são um tipo de intervenção para prover a proteção social
direcionada a vulnerabilidade e a pobreza (OMS, 2011). Nesse caso, muitos países,
incluindo o Brasil, oferecem redes de proteção para deficientes pobres, seja por
meio de programas específicos ou por intermédio da Assistência Social. Ainda de
acordo com a CDPD, os fenômenos associados à pobreza podem agravar o quadro
de deficiência como as péssimas condições de saneamento e a desnutrição.
Considerando que os indígenas possuem, em média, maior vulnerabilidade
social, em vista do percentual elevado de famílias que se enquadram na pobreza e
na extrema pobreza, o agravante da deficiência é outro fator que pode contribuir
para a piora nas condições de vida. Conforme já tratado na seção 2.2, o BPC é um
17
Ainda segundo tais autores, somente quando os povos indígenas forem contemplados de forma
equânime pela política de assistência social, se poderá afirmar a universalidade de sua cobertura.
18
Definida como linha de extrema pobreza, a renda familiar per capita de até R$ 70,00, acima da
linha adotada nos Objetivos do Milênio / PNUD (U$ 1,25) e valor de referência da extrema pobreza do
programa Bolsa Família (Yasbek, 2012, p. 315).
17
benefício não contributivo e focalizado, concedido aos idosos com idade de 65 anos
ou mais e pessoas com deficiência19. Nesse sentido, a concessão do BPC para os
indígenas com deficiência é importante na medida em que a garantia de renda por
parte do trabalho assalariado se torna distante devido ao preconceito por parte da
sociedade com relação à etnia e à deficiência.
Ademais, o número de crianças e adolescentes deficientes tem se mostrado
cada vez maior, o que implica a necessidade de cuidados por parte da família. Este
por sua vez fica impossibilitado de trabalhar, para desempenhar a função de
“cuidador”. De acordo com Santos (2011), o BPC é um instrumento capaz de
proteger os beneficiários e suas famílias da situação de vulnerabilidade, embora
muitas vezes as mães de crianças deficientes saiam do mercado de trabalho para
exercer a função de cuidadoras e não recebem nenhuma proteção social por parte
do Estado.
Venere (2005) ressaltou o fato de que, no momento em que essas pessoas
com deficiência passam receber recursos financeiros assistenciais ou
previdenciários, os tornam sujeitos participativos na comunidade indígena, uma vez
que, tais recursos o colocam em destaque diante do processo econômico do grupo.
Ainda reforçando esse argumento, o autor destacou que, em conversa informal com
um médico que faz parte da equipe do Conselho Indigenista Missionário de
Rondônia (CIMI/RO), este deu exemplo sobre uma senhora indígena, mãe de seis
filhos que foi abandonada pelo marido após nascer um filho com deficiência. In
Verbis:
“A mãe ficou sem condições básicas para criar seus filhos. Com o beneficio
que provém do INSS pela aposentadoria que recebe desse filho, consegue
ela manter os demais, uma vez que a mesma está impossibilitada de
desenvolver qualquer trabalho, pois necessita dar assistência àquela
criança. O que poderia ser considerado pela maioria das pessoas como
desgraça, para esta mãe, a vinda desta criança veio trazer recursos para
sobrevivência, uma vez que a sua aposentadoria ajuda na manutenção dos
demais” (VENERE, 2005, pp. 77)
O relato acima é exemplificativo a respeito da centralidade que o benefício do
BPC pode adquirir na família do beneficiário indígena com deficiência. Inclusive, o
BPC tem potencial de reduzir a vulnerabilidade social a que a família está exposta,
tendo em vista que a pessoa com deficiência geralmente é excluída do mercado de
trabalho, ou das tarefas comunitárias da aldeia.
Cabe ressaltar que a introdução dos povos indígenas entre os beneficiários
do BPC desde o início tem suscitado discussões, pois abre precedentes sobre a
elaboração e implementação de políticas direcionadas aos povos tradicionais, não
apenas os indígenas, com a finalidade de oferecer ações eficazes no enfrentamento
da pobreza extrema. Conforme MEC/UNESCO (2006), os programas assistenciais
não são suficientes para resolver um problema que é estrutural e que reflete a
necessidade de solucionar os problemas de terra e de autossustentação econômica
dos povos indígenas. Concordado com essa assertiva, MDS (2007) afirma que a
atual condição de risco dos indígenas é gerada por “condições de seca,
confinamento a microterritórios, ausência de condições de plantio, conflitos interétnicos, conflitos com fazendeiros e posseiros, discriminação, entre outros fatores”.
19
São condicionantes devido aos critérios de enquadramento e continuidade no recebimento do
benefício. Também se trata de um beneficio de caráter universal.
18
Segundo o PPA (2012), no capítulo referente ao Programa de Proteção e
Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas, que trata das ações destinadas aos
índios, a aplicação de políticas assistenciais e/ou universalizantes acabou
produzindo efeitos colaterais desagregadores, especialmente para os povos que
mantêm suas formas de organização social e dinâmicas próprias de relações com o
Estado e a sociedade nacional. Isso ocorreu, apesar do avanço formal no
reconhecimento das especificidades dos povos indígenas, consubstanciado no
artigo 231 da Constituição de 1988.
O presente trabalho busca contribuir para esse debate e, com base nesse
capítulo teórico e na metodologia a ser descrita na próxima seção, irá avaliar os
impactos da introdução dos benefícios do BPC para pessoas com deficiência nas
comunidades indígenas. Na seção seguinte é descrever alguns aspectos da
realidade atual dos povos indígenas da etnia Guarani-Kaiowás.
3. REALIDADE ATUAL DOS ÍNDIOS DA ETNIA GUARANI-KAIOWÁ
No Brasil, nas últimas décadas, houve uma mudança de tendência em
relação à população indígena. Ribeiro (1977. pp. 445) apud Plagliano et. all. (2005),
chegou a prever a extinção dessa população, como resultado de sua integração com
a população não indígena. No entanto, verifica-se o crescimento vertiginoso da
população indígena nos últimos tempos. Segundo o IBGE, entre os anos de 1991 e
2000, a população autodeclarada indígena quase triplicou, de 294 para 734 mil. Em
2010, segundo o IBGE, a população indígena ultrapassa 817 mil. Ou seja, nas duas
últimas décadas, houve uma tendência de crescimento dessa população, não de sua
extinção.
A Terra Indígena de Dourados possui uma população de aproximadamente
12 mil indígenas, ocupando 3.560 hectares, sendo 70% pertencente à etnia Guarani
e 30% à etnia Terena. A Terra Indígena está dividida em duas aldeias: na Jaguapiru,
residem os índios da etnia Terena20 e alguns Guarani-Nhandewa, bem como é
possível encontrar habitantes não indígenas devido às vendas de lotes para fins de
moradia ou comércio. Na aldeia Bororó vivem, majoritariamente, os Guarani-Kaiowá.
Os índios Guarani são pertencentes ao tronco Tupi e subdivididos entre Kaiowá e
Nhandeva, estão localizados no Estado do Mato Grosso do Sul.
A Terra Indígena de Dourados talvez seja a mais diferente e complexa do
mundo. A proximidade com o centro urbano contribuiu para que seus habitantes
sofressem uma forte aculturação. Pereira (2007) destaca o crescimento demográfico
da reserva indígena de Dourados como resultado da presença de agências
indigenistas, na forma de sua atuação e nos recursos de que dispunham. Segundo o
autor, “a proximidade das reservas mais populosas com centros urbanos é um forte
indicativo do poder atrativo exercido pela possibilidade, real ou imaginada, de
acesso a recursos da assistência social” (p.11).
Segundo Passos (2005), existe uma agricultura de subsistência relacionada
ao plantio de milho e mandioca. Pereira (2007) afirma que o processo de
industrialização juntamente com a expansão agropastoril tornou-se sinônimo de
20
Segundo PASSOS (2005), a presença de índios da etnia Terena na Terra Indígena de Dourados foi
uma estratégia do então Serviço de Proteção ao Índio (SPI) de civilizar os índios ali localizados, os
Guarani-Kaiowás, que já tinha incorporado valores da sociedade dominante. Nesse contexto, os
índios das duas etnias não foram apenas forçados a compartilhar o mesmo confinamento, mas
também passaram a serem classificados de maneira desigual, sendo o papel de “civilizador” atribuído
aos Terenas.
19
diversos transtornos para os Guarani-Kaiowá, então habitantes das terras indígenas
localizadas no sul do Mato Grosso do Sul. A origem dos transtornos se dá a partir do
arrendamento de terras consideradas públicas para a instalação da companhia Mate
Laranjeiras. A proximidade com os indígenas se deu preferencialmente por interesse
nos ervais contidos na reserva. O contato com os caciques era feito por intermédio
dos paraguaios visto que falavam a língua guarani.
Em troca da permissão para entrada e colheita nos ervais eram oferecidas
roupas e ferramentas aos indígenas e caso a permissão fosse negada os indígenas
eram ameaçados e coagidos. Brand; Ferreira & Almeida (2005) relatam que a Cia
Mate Laranjeiras empregava muita mão de obra indígena e paraguaia, há relatos de
casos de escravidão, espancamento e morte durante as fugas. A companhia usava
a estratégia de liberar o acesso aos produtos do seu armazém como forma de
pagamento pelo trabalho e diante disso só sairia quem pagasse a dívida, o que para
alguns era impossível tendo em vista que os índios adquiriam dívidas extensas lhe
restando somente à fuga.
O encerramento dos contratos de arrendamento das terras com a Cia mate
laranjeiras, em 1940, levou o governo Vargas a colocar a venda as terras tidas como
públicas. Isso atraiu um grande contingente de pessoas a se interessar em comprálas, forçando os indígenas a se retirarem das terras que eram consideradas deles. A
legislação vigente ignorava totalmente a presença dos índios, quilombolas e
posseiros e passa a privilegiar somente as pessoas com poder aquisitivo e influência
junto aos políticos, etc. O extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI) demarca alguns
espaços para os índios, mas devido à especulação imobiliária, várias outras
comunidades acabaram se reunindo no mesmo espaço gerando um grande
confinamento.
O local se torna impróprio para os Guarani-Kaiowás priorizam alguns critérios
para a escolha de morada permanente. Este deve possuir muitos recursos naturais e
ser livre de ameaças sobrenaturais. Para ser considerado bom, é necessário haver
terra boa e água boa (Pereira, 2007). Todavia, a realidade que cerca a aldeia não é
exatamente esta. Atualmente, a aldeia localiza-se no centro de dois diferentes
cenários, ambos não propícios aos hábitos e à sobrevivência da cultura indígena. De
um lado, grandes plantações agrícolas e pastagens; e, do outro lado, o avanço das
construções imobiliárias, reflexos de sua expansão especulativa.
O progresso econômico por meio da agricultura e pecuária, ocorrido na
região, não teve o mesmo significado para os povos indígenas. Com uma taxa de
homicídios de 100 por 100 mil pessoas, quatro vezes maior do que a taxa nacional e
maior que a do Iraque, o povo Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, enfrenta
uma verdadeira guerra contra o agronegócio. Os fazendeiros mantêm milícias
privadas para atacar e incendiar acampamentos do povo Guarani-Kaiowá21
(RANGEL, 2012).
Segundo relatório do Conselho Indigenista Missionário – CIMI (2012),
publicado anualmente pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
foram registrados 51 assassinatos de indígenas no Brasil no ano de 2011. Desse
total, 32 vítimas pertencem aos povos que habitam o estado de Mato Grosso do Sul,
representando 62,7% de todos os assassinatos. Na etnia Guarani-Kaiowá foram 27
vítimas, ou seja, mais da metade do total. Também foi verificado que houve 27
tentativas de assassinatos naquele estado, o que mostra o grau de violência que a
população indígena dessa região está submetida.
21
Em um dos ataques foi assassinado o líder Nísio Gomes. Seu corpo até hoje não foi encontrado.
20
Ainda segundo o relatório da CIMI (2012), com base nos dados de 2011, as
vítimas do sexo masculino somam 41 pessoas, as do sexo feminino 10. Do total de
vítimas, 4 deles eram menores, inclusive um bebê de 9 meses. Os registros mostram
que 19 assassinatos foram resultado de brigas, sendo que em 13 casos houve
consumo ou abuso de álcool como elemento facilitador. Foram registrados 3 casos
que sugerem latrocínio. Dois casos envolveram conflito fundiário. Em 22 casos, o
motivo permanece desconhecido ou ignorado.
A tabela 1 mostra o número de assassinatos de índios por Estado/Etnia, que
expõe o quadro alarmante que se encontra os indígenas do Estado do Mato Grosso
do Sul, principalmente da etnia Guarani-Kaiowá. A seguir, a tabela 1:
Tabela 1: Número de Assassinatos de Índios Por Estado/Etnia
Estado
Povo Indígena
Nº de Vítimas
Guarani-Kaiowá
27
Terena
2
Guarani Nhandeva
2
Ofayé-Xavante
1
Sub-total
32
Mato Grosso do Sul
Bahia
Pataxó
5
Pernambuco
Xukuru
3
Alagoas
Katokim
2
Maranhão
Kanela e Timbira
2
Minas Gerais
Maxakali
2
Rio Grande do Sul
Kaingang
2
Acre
Poyanawa
1
Pará
Guajajara
1
Tocantins
Karajá
1
Total de Vítimas
51
Fonte: CIMI (2012)
Cabe ressaltar que os números da tabela 1 são menores que os identificados
pela Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (SESAI/MS), segundo a
qual, ocorreram 39 assassinatos de indígenas no Mato Grosso do Sul em 2011, a
maioria dos índios Guarani-Kaiowá, o que representa uma taxa de mortalidade
específica por homicídio de 53,75 por 100.000 pessoas22 (Rangel, 2012). Essa
situação tem sido persistente nos últimos, atingindo o pior cenário em 2007, com 53
assassinatos somente no estado, e 92 vítimas no Brasil, conforme tabela 2:
Tabela 2: Evolução dos Assassinatos no Brasil e no Mato Grosso do Sul
Ano
Brasil
Mato Grosso do
Sul
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Total
42
37
43
58
92
60
60
60
51
503
13
16
28
28
53
42
33
34
32
279
% 31,0% 43,2% 65,1% 48,3% 57,6% 70,0% 55,0% 56,7% 62,7%
Fonte: CIMI (2012)
55,5%
Observa-se, pela tabela acima, que houve um salto a partir de 2005 no Mato
Grosso do Sul, o que sinaliza que existe acirramento do conflito pela demarcação de
terra indígena. Coincidentemente, em 2007, o STF suspendeu os efeitos de uma
demarcação de reserva indígena do povo Guarani-Kaiowá, o que, a princípio, não
deixou de ser uma vitória dos fazendeiros da região.
22
Mesmo que haja diferença entre os dados do CIMI e da SESAI/MS, as proporções de assassinatos
são alarmantes, caracterizando uma situação de genocídio.
21
Segundo Rangel (2012), outro fator de alerta que atinge a população GuaraniKaiowá refere-se ao número elevado de suicídios, cujas vítimas são os jovens. Em
2011, segundo o CIMI, foi registrado 13 suicídios de indígenas, enquanto o DSEI-MS
registrou 45 casos, correspondendo a 70% do sexo masculino na faixa etária entre
15 e 29 anos. Rangel (2012) chamou atenção para o fato de o suicídio envolver,
sobretudo, pessoas jovens e até muito jovens. Das vítimas, 6 eram menores,
havendo uma concentração de casos na faixa de 15 a 19 anos, com 6 vítimas.
Além disso, no Mato Grosso do Sul foram registradas ocorrências de
escravização de indígenas, sendo 16 homens da etnia Terena e 285 homens
Guarani-Kaiowá. Eles foram encontrados em duas empresas, trabalhando em
condições degradantes, inadequadas e sem proteção (CIMI, 2011).
Cabe destacar o racismo pelo não reconhecimento do vínculo de
pertencimento a uma comunidade ou não reconhecer a história de uma comunidade
que se autodeclara indígena (Rangel, 2012). A aparência física, que seria fruto de
miscigenação de indígenas com indivíduos não indígenas ou indígenas de povos
diferentes, tem sido considerada uma marca estigmatizante que serve para colocar
sob suspeita a autodeclaração e, mais do que isso, serve ao Estado como fator de
recusa na concessão de direitos indígenas23.
Observa-se que a situação dos povos indígenas, notadamente da etnia
Guarani-Kaiowá, enfrenta sérios desafios na luta pela sua sobrevivência, como a
violência, o preconceito e a necessidade de lutar pelas suas terras tradicionais. Essa
conjuntura tem contribuído para a perpetuação da situação de miséria, pobreza e
extrema pobreza. Seria interessante entender em que medida políticas de
transferência de renda condicionada como o BPC pode amenizar tal situação.
Geralmente, políticas dessa natureza não têm caráter estrutural, no sentido
de solucionar outros problemas dos indígenas que interferem na sua condição de
baixa renda. Todavia, ao reduzir o risco de vulnerabilidade social, se for o caso,
principalmente de famílias com pessoas com deficiência que, nessa condição, não
tem como buscar o próprio sustento, além de exigir cuidados especiais, cabe avaliar
os impactos que o BPC tem trazido para as comunidades indígenas – em especial,
para o próprio beneficiário com deficiência.
Tendo por base a revisão bibliográfica e a descrição da realidade atual os
índios da etnia Guarani-Kaiowá, das aldeias Bororó e Jaguapiru, a seção seguinte
trará a metodologia da pesquisa realizada na comunidade indígena pesquisada.
4. METODOLOGIA DA PESQUISA E DESCRIÇÃO DO QUESTIONÁRIO
Inicialmente, foram buscados dados de registros dos beneficiários do BPC da
população indígena do município de Dourados (MS), a partir das escolas indígenas
Araporã e Tengatuí Porangatu, localizadas nas aldeias Bororó e Jaguapiru e de
prontuários do CRAS indígena. Ademais, a Secretaria Nacional de Assistência
Social (SNAS), ligada ao MDS, forneceu dados sobre o cadastro de beneficiários de
BPC desse município, incluindo os dos indígenas pessoas com deficiência.
Cabe ressaltar que os idosos indígenas maiores de 65 anos enquadram-se na
aposentadoria especial rural, e, portanto, não seriam elegíveis para fins do benefício
de BPC Idoso. Por isso, o universo da amostragem do BPC nos povos indígenas é
23
A própria FUNAI já apontou a miscigenação de indígenas com não indígenas como fator
discriminatório que faria diminuir direitos para os habitantes de terras indígenas que serão alagadas
pelo lago da UHE Belo Monte, no rio Xingu.
22
constituído de pessoas com deficiência – BPC PCD (Pessoas Com Deficiência), que
independem da idade para poder fazer jus ao benefício.
A segunda fase desse trabalho foi realização de uma pesquisa de campo na
aldeia indígena pesquisada através de uma entrevista semiestruturada 24, sendo
utilizada gravação de voz quando permitida pelo participante. A entrevista se
caracteriza pela aplicação de questionários contendo onze perguntas sobre o BPC
ao beneficiário/responsável das Aldeias de Bororó e de Jaguapiru, ambas no
município de Dourados (MS), com vistas a obter subsídios acerca dos impactos que
o benefício trouxe nas suas condições de vida, assim verificar as possíveis
dificuldades encontradas na obtenção desse benefício.
A utilização da técnica de observação in loco pela pesquisadora,
proporcionada pela aplicação dos questionários no ambiente em que vive o
beneficiário, foi importante para obter evidências empíricas das necessidades dos
indígenas e do atendimento realizado, fornecendo informações sobre experiências
dos índios que contribuem para averiguar os efeitos das políticas assistenciais nessa
aldeia.
O universo dos beneficiários de BPC nas comunidades indígenas de
Dourados (MS)25 é de 88 (oitenta e oito), segundo informações do cadastro
fornecidas pela SNAS/MDS. Na fase de entrevistas, foram entrevistados 19
(dezenove) pessoas com deficiência, sendo que alguns não dispõem do benefício do
BPC, porém, seriam elegíveis dentro das regras do programa. Em suma, mais de
20% da população indígena beneficiada no município foi entrevistada 26.
Por fim, é realizada a análise dos resultados das entrevistas realizadas com
os beneficiários e/ou seus representantes, precedida de uma análise descritiva dos
dados do cadastro de BPC dos indígenas com deficiência cadastrados na
SNAS/MDS.
5. ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PEQUISA REALIZADA
5.1. Análise dos Dados do Cadastro do BPC do Município de Dourados
Segundo dados repassados pela Secretaria Nacional de Assistência Social do
Ministério de Desenvolvimento Social (SNAS/MDS), no município de Dourados (MS),
estão cadastrados 4.516 beneficiários do BPC e 188 de RMV, totalizando 4.702
benefícios de transferência direta condicionada. Desse total, 4.491 na área urbana,
104 na zona rural da população não indígena e 90 de população moradora em
reserva indígena. Outros 17 benefícios não foi informada a localização. São 2.243
do sexo masculino, 2.452 do sexo feminino e 7 de sexo não informado no cadastro.
Quanto à natureza do benefício do BPC, 2.724 são BPC Idosos, destinado
aos maiores de 65 anos, 1.790 referem-se aos beneficiários do BPC PCD, destinado
as pessoas com deficiência. No caso da população indígena, a totalidade dos
benefícios de BPC enquadra-se na categoria de BPC PCD, uma vez que os idosos
24
Segundo QUEIROZ (1988), citada por DUARTE (2002), a entrevista semiestruturada é uma técnica
de coleta de dados que supõe uma conversação continuada entre informante e pesquisador e que
deve ser dirigida por este de acordo com seus objetivos. A autora considera que, por essa razão,
existe uma distinção nítida entre narrador e pesquisador, pois ambos se envolvem na situação de
entrevista, movidos por interesses diferentes.
25
Também conhecido como Terras Indígenas (TI) de Dourados.
26
A entrevista não proporcionou nenhum risco físico, moral, intelectual ou psicológico aos
participantes. Isso porque a entrevista foi realizada individualmente e na residência dos participantes.
23
geralmente se enquadram na aposentadoria especial rural, e, portanto, deixam de
atender aos critérios do BPC por já receber outro benefício destinado aos idosos.
Considerando apenas os indígenas com deficiência beneficiários de BPC,
foram identificados 88 benefícios e 2 duas de RMV Invalidez, totalizando 90
benefícios. Desse total, 41 são benefícios do sexo feminino e 49 do sexo masculino,
sendo que as aldeias de Bororó e de Jaguapiru, no qual se encontram índios da
etnia Guarani-Kaiowá, sozinhas concentram 71 benefícios.
A tabela 3 apresenta o quantitativo dos beneficiários de BPC Pessoas Com
Deficiência cadastrados na SNAS/MDS por aldeia e sexo.
Tabela 3: Quantitativo de Beneficiários de BPC Pessoas Com Deficiência
Por Aldeia
Feminino
Masculino
Total
BORORÓ
17
19
36
JAGUAPIRU
16
19
35
PANAMBI
1
1
RIGOTTI
1
1
PIRAJU
1
1
NÃO INFORMADA
6
10
16
Total geral
41
49
90
Fonte: SNAS/MDS
Em relação ao perfil etário dos beneficiários cadastrados na SNAS/MDS, 29
benefícios encontram-se na faixa entre 01 e 12 anos, ou seja, 32,2% podem ser
classificados como crianças. Em seguida, tem-se 22 benefícios para a faixa etária
entre 13 e 18 anos, o que representa que 24,4% dos beneficiários são adolescentes.
Com isso, mais da metade dos beneficiários enquadram-se entre crianças e
adolescentes. O terceiro grupo com maior número de beneficiários é de jovens na
faixa etária entre 19 e 30 anos, com 17 benefícios, ou seja, aproximadamente 19%
do total. A tabela 4 apresenta os mesmos dados por faixa etária e gênero:
Tabela 4: Quantitativo de Beneficiários de BPC Pessoas Com Deficiência
Por Faixa Etária
Feminino
Masculino
Total
%
01 a 12 anos
12
17
29
32,20%
13 a 18 anos
8
14
22
24,40%
19 a 30 anos
9
8
17
18,90%
31 a 44 anos
7
8
15
16,70%
45 a 60 anos
3
2
5
5,60%
Mais de 60 anos
2
-
2
2,20%
41
49
90
100%
Total
Fonte: SNAS/MDS
A principal explicação para a presença maciça de crianças, adolescentes e
jovens entre os beneficiários no total de BPC Pessoas com deficiência concedidos
pode ser a recente regulamentação desse benefício no país, ocorrido somente em
1996, ou seja, o BPC tem 16 de existência, podendo ser considerado um
adolescente. Antes dele, havia o RMV Invalidez e RMV Idade, possível pela Lei nº
6.179/74, destinado às pessoas inválidas ou idosas com mais de 70 anos. Todavia,
além da comprovação de não possuir meios de prover a própria manutenção e nem
24
tê-la provida por sua família, o RMV tinha outros requisitos mais restritivos 27 que
impedia a maioria das famílias indígenas de ter acesso ao benefício. Neste contexto,
o BPC é um benefício bem menos restritivo, tanto para idosos com 65 anos ou mais
quanto para pessoas com deficiência em qualquer idade, pois está relacionada à
condição de pobreza extrema.
Uma segunda explicação pode estar relacionada ao fato de que apenas
recentemente houve uma expansão da Assistência Social nos municípios brasileiros,
com a implantação dos CRAS, inclusive indígenas, o que facilita a obtenção desse
benefício pelas pessoas que se enquadram nos critérios do BPC. Cabe ressaltar que
o MDS foi criado somente no início de 2004, e tem contribuído para levar as políticas
de assistência social para perto da população. Anteriormente, a porta de entrada
para o BPC era somente o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), órgão
ligado ao Ministério da Previdência, muito embora o BPC seja um benefício da
assistência social. Com a criação do MDS, especialmente os CRAS indígenas,
espera-se maior facilidade na obtenção do benefício do BPC, assim como maior
informação a seu respeito para os beneficiários atuais e potenciais.
Nos casos dos indígenas pessoas com deficiência do Território Indígenas de
Dourados (MS), a maioria dos benefícios foi concedida nos últimos dez anos, mais
precisamente a partir de 2003, responsável por mais de 80% dos benefícios de BPC
concedidos. Entre 1996-2002, os primeiros 7 anos de existência do BPC, existem 16
beneficiários de BPC Para Pessoas com deficiência entre os indígenas daquele
município. Entre 2003 e 2010, perfazendo 8 anos, o número de beneficiários
concedidos nesse período é de 62. Outros 10 beneficiários receberam o benefício
entre 2011 e 2012.
A tabela 5 apresenta os dados do BPC-PCD por ano e gênero, de 1986-2012:
Tabela 5: Benefícios do BPC-PCD Por Ano e Gênero
Ano
Feminino
Masculino
Total
1986-1989*
2
-
2
1996-2002
8
8
16
2003-2010
25
37
62
2011-2012
6
4
10
Total
Fonte: SNAS/MDS
41
49
90
* Benefício de RMV
Outro fator importante que foi constatado diz respeito à falta de dados dos
beneficiários do BPC com relação à etnia e localização de sua moradia. No INSS os
beneficiários entram para o cadastro geral sem especificar a etnia e, de acordo com
os dados fornecidos pela SNAS/MDS, também não foi possível localizar o endereço
da maioria dos beneficiados, constando como endereços somente aldeia Bororó ou
Jaguapiru, bem como aldeia indígena ou reserva indígena.
27
São eles: (i) filiação ao regime do INPS, em qualquer época, no mínimo por 12(doze) meses,
consecutivos ou não, com posterior perda da qualidade de segurado; ou (ii) exercício de atividade
remunerada então incluída no regime do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) ou no Fundo
de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (FUNRURAL), mesmo sem filiação à Previdência
Social, no o mínimo por 5 (cinco) anos, consecutivos ou não; ou (iv) ingresso no regime do INPS,
após complementar 60 (sessenta) anos de idade sem direito aos benefícios regulamentares.
25
Diante dessa análise descritiva dos dados de BPC do cadastro da SNAS/MDS
(gerais e indígenas), passa-se a análise dos resultados das entrevistas com os
indígenas da etnia Guarani-Kaiowá das aldeias de Bororó e Jaguapiru.
5.2. Análise das Entrevistas Realizadas Com Pessoas com deficiência
A pesquisa in loco realizada na Terra Indígena de Dourados teve o objetivo de
verificar sobre a introdução do Benefício de Prestação Continuada - BPC e os
impactos na qualidade de vida dos beneficiários, notadamente sobre os Indígenas
com deficiência. A escolha por pessoas com deficiência foi possível pelo fato não
haver registros sobre beneficiários idosos, pois estes são beneficiários pela
aposentadoria rural. A entrevista semiestruturada teve por finalidade a abordagem
de aspectos referentes à cobertura do benefício, acesso e a percepção do
beneficiário sobre o direito ao benefício.
A tabela 6, logo abaixo, mostra o perfil dos indivíduos entrevistados por tipo
de deficiência e gênero.
Tabela 6: Perfil dos Entrevistados Por Tipo de Deficiência e Gênero
Tipo de Deficiência
Feminino
Masculino
Total
Deficiência de Surdo e Mudo
1
3
4
Deficiência Física
2
1
3
Deficiência Física e Mental
3
3
Deficiência Mental
3
3
Deficiência Visual
1
1
2
Paralisia Cerebral
3
3
Síndrome de Dow
1
1
Total Geral
8
11
19
Fonte: Elaborada pela autora a partir das entrevistas
Dos 19 entrevistados, 12 recebem o benefício e 7 não o recebem. Além disso,
8 são estudantes e 11 não estudam. 8 do sexo feminino e 11 do sexo masculino,
com idade entre 5 e 53 anos. Foram observadas 7 tipos de deficiência diferentes
entre os entrevistados, o que evidencia a heterogeneidade, com destaque para as
deficiências auditivas (surdo e mudo),deficiências física e mental e paralisia cerebral.
Ainda sobre o perfil dos indígenas entrevistados (as), a pesquisa de campo
constatou que não se atingiu a efetividade na cobertura, considerando que nem
todos os indígenas com deficiência das aldeias pesquisadas recebem o BPC. Tendo
em vista que a exclusão atinge principalmente os indivíduos com deficiência
totalmente incapacitantes, sobretudo física/mental.
O acesso ao BPC fica comprometido por uma série de fatores como a falta de
conhecimento sobre o benefício por parte dos indígenas e o desconhecimento dos
critérios de concessão por parte dos profissionais. A falta de orientação e a ausência
de encaminhamento resultam no indeferimento do benefício seja por falha na
comunicação ou mesmo por falta de documentação, o que leva os indígenas a
buscarem a intermediação de terceiros para a obtenção do benefício.
A tabela 7 apresenta o perfil dos entrevistados segundo tipo de deficiência,
condição de estudo e recebimento do BPC.
26
Tabela 7: Perfil dos Entrevistados Por Tipo de Deficiência, Estudo e BPC
O Indígena Com Deficiência
Estuda?
SIM
NÃO
Deficiência de Surdo e Mudo
4
Deficiência Física
2
1
Deficiência Física e Mental
3
Deficiência Mental
3
Deficiência Visual
1
1
Paralisia Cerebral
3
Síndrome de Dow
1
Total Geral
8
11
Fonte: Elaborada pela autora a partir das entrevistas
Tipo de Deficiência
O indígena Com Deficiência
recebe o BPC?
SIM
NÃO
2
2
3
3
2
1
1
1
3
1
12
7
Durante a pesquisa foi constatado que os índios têm pouca ou quase
nenhuma informação a respeito de como obter o benefício do BPC. E quando
obtém, na maioria das vezes, existe a interferência de advogados, que retêm
parcelas iniciais como pagamento de seus serviços. Isso demonstra que os CRAS
Indígenas não têm funcionado em sua plenitude, uma vez que dos 12 entrevistados
beneficiários do BPC nenhum foi encaminhado pelo CRAS indígena. De acordo com
o Censo CRAS indígena 2010, o CRAS Indígena Bororó oferece algumas atividades
do Programa de Atenção Integral à Família - PAIF, porém, não realiza nenhuma
atividade com os beneficiários do BPC, bem como desconhece a quantidade de
beneficiários.
Uma das entrevistas foi realizada com um indígena com deficiência física e
mental que não recebe o BPC, cuja família enquadra-se no critério de renda e reside
nas proximidades do CRAS Indígena de sua aldeia. Isso mostra que a implantação
dos CRAS em terras indígenas visando tornar os serviços assistenciais alcançáveis
às demandas dessa população não está conseguindo atingir seu objetivo
plenamente.
Entre os entrevistados que recebe o BPC, o conhecimento sobre o benefício
partiu de várias fontes, tais como: (i) médico do centro de saúde informou que fosse
ao INSS; (ii) ouviu da rádio; (iii) de membros da comunidade recebem o BPC; (iv)
APAE (Associação de Pais e Amigos de Excepcionais). Entre os entrevistados que
não recebem BPC e tem conhecimento do benefício, alguns tiveram conhecimento
por meio da escola.
A tabela mostrou também que existem de 8 pessoas com deficiência que
estudam no universo de 19 entrevistados. Cabe ressaltar que alguns entrevistados
têm deficiência que tornam difícil o acesso ao sistema de ensino (paralisia cerebral e
deficiência mental, p. ex.). Outros entrevistados têm idade de 20 anos ou mais (7
entrevistados), e que, portanto, geralmente é uma idade que estão fora da escola.
Assim, não deixa de ser significativo que ainda existem 8 entrevistados (as)
estudando. Embora não sendo possível verificar uma significativa quantidade de
Pessoas Com Deficiência nas escolas, pois segundo relatos do Coordenador do
Núcleo de Ensino Especial Indígena, ainda é muito grande o desafio de fazer com o
que os pais matriculem os filhos com deficiência. Esse fato pode estar relacionado
com fatores como o preconceito, discriminação ou mesmo as dificuldades de
locomoção dentro da aldeia.
Em outra linha de análise, a tabela 8 mostra a relação de outros benefícios
recebidos pelas famílias dos entrevistados, que não incluem o BPC.
27
Tabela 8: Benefícios Recebidos Pelas Famílias dos Entrevistados
Tipo de Benefício
Aposentadoria
Aposentadoria e pensionista
Bolsa Família
Pensionista
Total Geral
Fonte: Elaborada pela autora a partir das entrevistas
Quantidade
2
1
11
2
16
Observa-se que, dos 19 entrevistados, 16 recebem bolsa família,
aposentadoria ou pensão. São 11 famílias recebendo o benefício do PBF, 2 famílias
recebendo aposentadoria especial rural e 2 famílias de pensionistas, e 1 família que
recebe tanto a aposentadoria quanto a pensão. Constata-se, ainda, que do total de
12 entrevistados que recebem o BPC, há somente dois que as famílias não recebem
nenhum outro benefício. Dos 7 restantes que não recebem BPC, tem-se uma família
que não recebe nenhum benefício, porém, tem membro assalariado. As outras seis
famílias recebem bolsa família (3), pensão (2) e aposentadoria rural (1).
Cabe ressaltar que o Estatuto do Idoso garante benefício para idosos acima
de 65 anos, nos termos da LOAS, e, exclui do cálculo o benefício já concedido a
qualquer membro da família para fins do cálculo da renda familiar per capita. Ou
seja, é possível que mais de um idoso na família receba o BPC Idoso, mesmo
quando a renda per capita familiar ultrapasse os ¼ do salário mínimo quando
acrescido do benefício para outro idoso no grupo familiar. No que tange ao BPC
para pessoas com deficiência não existe essa previsão legal, o que significa que a
regra de ¼ do salário per capita permanece, de forma que o recebimento de outro
benefício por membro da família entra no cômputo geral para fins de cálculo do
critério de renda, podendo ser excludente do benefício o indígena com deficiência.
Quando questionado se o benefício trouxe melhora na sua qualidade de vida,
os beneficiários em sua totalidade respondem afirmativamente. O benefício ajudaria
a comprar comidas, roupas, remédios, fraldas, calçados, etc. Também foi abordado
por representante entrevistado, cujo filho beneficiário tem paralisia cerebral, que
não tinha renda antes do benefício, pois não seria possível trabalhar para exercer a
função de cuidador. O representante ainda disse que o benefício auxilia na criação
dos demais filhos. Conclui-se, nesse caso, que de acordo com a fala dos próprios
beneficiários, o BPC trouxe significativa melhora nas suas condições de vida,
principalmente com relação à alimentação. Considerando que o benefício muitas
vezes é usado para manter famílias inteiras, é possível que o beneficiário não seja
capaz de suprir necessidades específicas, a exemplo de medicamentos, pois os
recursos são utilizados para alimentação e outras despesas domiciliares.
Os índios entrevistados nem sempre sabem informar sobre o impacto do
benefício em sua cultura. Alguns entrevistados relataram que não houve mudanças,
segundo a fala de duas das entrevistadas:
i) Que só quem cultiva a cultura são os mais velhos, que as mocinhas só
querem dançar, não pela cultura, mais pra se mostrar e que não tem mais
aquela coisa de dançar com trajes indígenas. Antigamente não comia milho
e mandioca por causa da cultura, mas porque não tinha outra coisa pra
comer.
ii) Agora não tem mais aquilo de índio dançar sem roupa, e que a cultura é
algo que levamos com a gente.
28
Quando questionados sobre reconhecer-se no direito ao recebimento do
BPC e dos demais benefícios assistenciais como PBF, foi quase unanime as
respostas de que não teriam direito ao recebimento. Somente um dos entrevistados
relatou o fato de ser garantido por lei e “se estava na lei era um direito”. Verifica-se,
portanto, que há um desconhecimento por parte dos usuários sobre a Assistência
Social como direito, o que facilita a prática clientelista e assistencialista.
O repasse direto de recursos para os beneficiários, seja do BPC ou PBF, tem
por objetivo reduzir a fome e a vulnerabilidade, ficando comprometido se vinculados
a práticas ilegais como a retenção de cartões magnéticos dos indígenas por
comerciantes da região para fins de garantia de pagamento de compras realizadas
no estabelecimento, em geral, alimentação. Alguns entrevistados (as) mencionaram
a existência de empréstimos bancários sem seu consentimento que reduzem o valor
do benefício recebido, e do qual não teriam recebido os valores correspondentes a
esses empréstimos. Ou seja, é possível que haja fraudes sendo praticadas, não
podendo ser descartado que sejam realizadas por pessoas fora do ambiente familiar
do beneficiário, pois muitas vezes dependem de outras pessoas para retirar o
benefício.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste trabalho foi revelar alguns aspectos referentes à inclusão dos
povos indígenas pelo Sistema Único de Assistência Social, no sentido de oferecer
alguns elementos capazes de contribuir de forma significativa com a melhora dos
indicadores sociais. Contudo, verificou-se que é preciso que a PNAS percorra um
longo caminho para efetivação de inclusão dos povos indígenas, principalmente no
que diz respeito ao desenvolvimento de programas que valorizem e respeitem suas
especificidades.
Logo, é importante ressaltar que as famílias indígenas diferem de uma família
nuclear tradicional. É comum morar no mesmo em um mesmo espaço, denominadas
“Parentelas” uma quantidade numerosa de integrantes, porém, não necessariamente
têm relação consanguínea. Isso requer uma adequação no que refere à
aplicabilidade dos critérios de renda familiar per capita quando da concessão do
benefício do BPC PCD. Ou seja, as especificidades dos povos indígenas devem ser
consideradas quando analisadas as concessões desse o dos demais benefícios
assistenciais.
Quanto à concessão do BPC para indígenas pessoas com deficiência
constatou-se que o grande desafio está em tornar o benefício alcançável às
demandas dessa população. Mesmo considerando o fato que o benefício existe
desde 1996, ou seja, há 16 anos, ficou evidente a falta de conhecimento sobre o
BPC de maneira geral. Os dados referentes ao acesso ao benefício revelaram que o
beneficiário não se reconhece no direito de receber o BPC. Isso facilita práticas
clientelísticas nas aldeias, reduzindo o alcance e efetividade das políticas sociais,
uma vez que os beneficiários não se reconhecem sujeitos de direitos.
Os programas de transferência de renda têm se revelado como uma
importante medida no combate a pobreza extrema. No caso dos povos indígenas,
cuja inclusão nas políticas assistenciais surge em resposta a falhas na tentativa de
integração entre povos indígenas e sociedade, faz-se necessário a sua incorporação
nos programas de transferência de renda como forma de compensá-los pela perda
de seus territórios.
29
Para os povos da etnia Kaiowás-Guarani, os benefícios assistenciais são
tidos como a principal renda, visto que aproximadamente 90% das famílias recebem
recursos do programa bolsa família. Diante da falta de perspectiva relativa às suas
formas de sobrevivência, é possível haver o aumento da demanda pelos benefícios
como BPC e PBF. Para tanto é crucial que haja um maior controle nas concessões
no sentido de tornar efetivo o acesso, bem como avaliar de forma mais aprofundada
os impactos desses benefícios sobre os beneficiários e suas famílias.
Constatou-se que, embora a assistência ao indígena tenha tido uma melhora
significativa, seu grande desafio certamente seja o de atrair profissionais
qualificados pra atuarem na assistência ao indígena. A falta de profissionais nas
agencias do INSS também foi constatado, a agencia de Dourados possui duas
Assistentes Sociais responsáveis pelo atendimento.
Ademais, tornou-se evidente as falhas referentes ao controle e avaliação do
BPC, a começar pelo fato dos beneficiários indígenas entrarem para o cadastro
geral do INSS, não sendo possível classificá-los por etnia ou mesmo se são
indígenas ou não. Isso dificulta a formação de indicadores capazes de identificar as
etnias mais vulneráveis. O mesmo ocorre com o endereço dos beneficiários onde
constam menções como Aldeia Bororó ou Jaguapirú, Aldeia Indígena ou Reserva
Indígena. A ausência de dados mais fidedignos sobre os índios nos cadastros do
BPC, como localização, aldeia e etnia, torna difícil o controle e avaliação desses
benefícios nas comunidades.
É inegável a relevância sobre papel desempenhado pela assistência social
junto aos povos indígenas. Cabe lembrar que são vários os fatores que levam a
vulnerabilidade destes povos e isso requer a articulação de outras políticas, o que
limita a intervenção da assistência social. A situação dos indígenas é agravada pelos
intensos conflitos pelas retomadas de terras que se encontram em posses dos
fazendeiros. Embora tendo seus direitos étnicos e culturais reconhecidos pela
CF/88, a demarcação de terras consideradas indígenas devia ser prioridade na
estratégia de enfrentamento da pobreza indígena.
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