1 GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO DIRETRIZES CURRICULARES DE ENSINO RELIGIOSO PARA O ENSINO FUNDAMENTAL EM REVISÃO CURITIBA 2007 2 Sumário 1 DIMENSÃO HISTÓRICA DA DISCIPLINA DE ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL. 1.1 DIMENSÃO HISTÓRICA DA DISCIPLINA DE ENSINO RELIGIOSO NO PARANÁ. 2 FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 2.1 OBJETO DE ESTUDO DO ENSINO RELIGIOSO 3 CONTEÚDOS ESTRUTURANTES 3.1 PAISAGEM RELIGIOSA 3.2 SÍMBOLO 3.3 TEXTO SAGRADO 4 CONTEÚDOS ESPECÍFICOS 4.1 CONTEÚDOS ESPECÍFICOS DE ENSINO RELIGIOSO PARA A 5.ª SÉRIE 4.1.1 O ensino religioso na escola pública 4.1.2 Lugares sagrados 4.1.3 Textos sagrados orais e escritos 4.1.4 Organizações religiosas 4.2 CONTEÚDOS ESPECÍFICOS DE ENSINO RELIGIOSO PARA A 6.ª SÉRIE 4.2.1 Universo simbólico religioso 4.2.2 Ritos/festas 4.2.3 Vida e Morte 5. ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO 6 AVALIAÇÃO 7 REFERÊNCIAS 3 É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias. Constituição Brasileira Art. 5,° inciso VI 1 DIMENSÃO HISTÓRICA DA DISCIPLINA DE ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL. A disciplina de Ensino Religioso há muito tempo participa dos currículos escolares no Brasil e, em cada período histórico, assumiu diferentes caracterísiticas legais e pedagógicas. Antes de iniciar as discussões teóricas a respeito desta disciplina serão apresentadas transcrições de documentos oficiais que explicitam a maneira como o ensino religioso era entendido e ministrado nesses diversos momentos da história do nosso país. Período Jesuítico (1500-1759) Orientação Catequética e Católica: “Objetivo dos estudos na Companhia. – Como um dos ministérios mais importantes da nossa Companhia é ensinar ao próximo todas as disciplinas convenientes ao nosso Instituto, de modo a levá-lo ao conhecimento e amor do Criador e Redentor nosso...” “Finalidade - O fim especial do Professor, tanto nas aulas quando se oferecer a ocasião, com fora delas, será mover os seus ouvintes ao serviço e ao amor de Deus e ao exercício das virtudes que lhe são agradáveis, e alcançar que para este objetivo orientem todos os seus estudos.” (Ratio Studiorum - Organização e Plano de Estudos da Companhia) Período Imperial (1824-1891) Orientação Catequética e Católica: “Art. 5. A Religião Catholica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.” (Constituição Política do Império do Brasil de 25 de março de 1824) Período Republicano (1891-1930) Orientação Leiga da Educação em Geral: “Art. 72 - §3º - Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum.” “Art. 72 - §6º - Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.” (Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891) Era Vargas e Rep. Nova (1930-1967) Orientação Catequética “Multiconfessional”: “Art 153 - O ensino religioso será de freqüência facultativa e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais.” (Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934) “Art 97 – O ensino religioso (...) será ministrado sem ônus para os poderes públicos, de acordo com a confissão religiosa do aluno...” (Lei de Diretrizes e Bases 4024/61) Período Militar e da Redemocratização (1967-1996/97) Orientação Laica ou Confessional?: “Art 168 § 3º IV - o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio.” (Constituição da República Federativa do Brasil de 24 de janeiro de 1967) “Art. 210 § 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.” (Constituição da República Federativa do Brasil, 05 de outubro de 1988) Período da Redemocratização (1996/97) Orientação Aconfessional: “Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.” (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 e Lei nº 9475/97) Orientação Atual da Disciplina de Ensino Religioso “... O Ensino Religioso busca propiciar oportunidade de identificação, de entendimento, de conhecimento e de aprendizagem em relação às diferentes manifestações religiosas presentes na sociedade, de modo que tenham a amplitude da própria cultura em que se insere. Essa compreensão deve favorecer o respeito à diversidade cultural religiosa, em suas relações éticas e sociais, e fomentar medidas de repúdio a toda e qualquer forma de preconceito e discriminação ...” (Diretrizes Curriculares Estaduais – Paraná, 2006, p. 21) 1.1 DIMENSÃO HISTÓRICA DA DISCIPLINA DE ENSINO RELIGIOSO NO PARANÁ Ao propor um histórico da disciplina de Ensino Religioso, estas Diretrizes apresentam alguns momentos importantes para a constituição da proposta curricular, a fim de que seja implementada nas escolas da Rede Pública Estadual. No espaço escolar, o Ensino Religioso era, tradicionalmente, o ensino da religião Católica Apostólica Romana, religião oficial do Império, conforme determinava a Constituição de 1824. Após a proclamação da República, o ensino passou a ser laico, público, gratuito e obrigatório, de modo que foi rejeitada a hegemonia católica, ou seja, a predominância dessa religião sobre as demais. A partir da Constituição de 1934, o Ensino Religioso passou a ser admitido como disciplina na escola pública, porém, com matrícula facultativa. Nas Constituições de 1937, 1946 e de 1967, o Ensino Religioso foi mantido como matéria do currículo, de freqüência livre para o aluno, e de caráter confessional de acordo com o credo da família. Em meados da década de 1960, surgiram grandes debates nos quais retomou-se a questão da liberdade religiosa devido à pressão das tradições religiosas e da sociedade civil organizada, que partiu de diferentes manifestações religiosas. Nesse contexto, legalmente, o Ensino Religioso perdeu sua função catequética, pois com a manifestação do pluralismo religioso na sociedade brasileira, o modelo curricular centrado na doutrinação passou a ser intensamente questionado. Na prática, porém, as aulas continuavam a ser ministradas por professores leigos e voluntários, o que resultava um encaminhamento pedagógico com forte influência das tradições religiosas e de caráter proselitista, com o objetivo de converter para sua própria religião. Nessas condições, a identidade do Ensino Religioso como disciplina escolar foi muito fragilizada, porque não houve comprometimento maior do Estado em adotar medidas que efetivamente promovessem sua regulamentação. Em decorrência dessa situação, destaca-se a ausência de cursos de licenciatura para professores de Ensino Religioso, fato que abriu espaço para que as tradições religiosas hegemônicas se ocupassem em preparar professores por meio de cursos e de elaboração de materiais didático-pedagógicos, que, em sua grande maioria, continuaram atrelados aos princípios catequéticos. No item Disposições Gerais e Transitórias, constante na LDB 4024/61, o Ensino Religioso foi citado no Art. 97 que determinava a matrícula facultativa nesta disciplina, sem ônus para o poder público. Deveria, ainda, ser ministrada de acordo com a confissão religiosa do aluno. Sobre o provimento dos professores, estabeleceu a criação de um cadastro de docentes e um registro dos profissionais que atuariam nas aulas de Ensino Religioso. Tal cadastro deveria ser feito perante as autoridades religiosas das respectivas tradições religiosas. Assim, o Ensino Religioso foi mais uma vez marginalizado no contexto escolar, porque o Estado novamente delegou a responsabilidade sobre a sua organização às diferentes tradições religiosas, de modo que não se identificaram avanços na sua organização. O tratamento dado ao Ensino Religioso, durante a vigência do regime militar, foi expresso pela Lei n. 5.692/71, no Art. 7.º como parágrafo único: “o ensino religioso de matrícula facultativa constituirá disciplina dos horários normais dos estabelecimentos oficiais de 1.º e 2.º graus.” Para viabilizar a proposta de Ensino Religioso, a Associação Interconfessional de Curitiba (Assintec), formada por um pequeno grupo de caráter ecumênico, preocupou-se com a elaboração de material pedagógico e cursos de formação continuada. O resultado desse trabalho foi o Programa Nacional de Tele Educação (Prontel), elaborado em 1972, que propôs a instituição do Ensino Religioso radiofonizado nas escolas municipais. O Prontel aceito pela Secretaria de Educação do Estado e pela Prefeitura Municipal de Curitiba, com parecer favorável do Conselho Estadual de Educação. Em março de 1973, com a criação do Centro Interconfessional de Educação, nas dependências do Convento do Senhor Bom Jesus, em Curitiba, aconteceram as primeiras reuniões com os educadores das escolas municipais e estaduais. Para disseminar os programas nas escolas, foram adquiridos setecentos aparelhos de rádio, com recursos provindos da Alemanha, interessada no desenvolvimento do Ensino Religioso no Brasil. O conteúdo veiculado pelo sistema radiofônico teve como foco curricular as aulas de ensino moral-religioso nas escolas oficiais de primeiro grau. Também em 1973, foi firmado um convênio entre a SEED e a Assintec, com a proposta de implementar um Ensino Religioso interconfessional nas escolas públicas de Curitiba. No mesmo ano, a SEED designou a entidade como intermediária entre a Secretaria e os Núcleos Regionais de Educação, nos quais foi instituído o Serviço de Ensino Religioso para orientar a proposta curricular da disciplina. Em 1976, pela Resolução n. 754/76, foram autorizados cursos de atualização religiosa em quatorze municípios do Estado, com o apoio da Associação das Escolas Católicas (AEC). Os objetivos desse curso eram aprofundar e atualizar os conhecimentos de fundamentação bíblica, e oferecer esclarecimentos sobre a pedagogia da Educação Religiosa. Os conteúdos se pautavam na visão global do Antigo e Novo Testamento. No mesmo ano, foi oferecido aos professores um conjunto de apostilas intituladas Crescer em Cristo. O material apresentava uma proposta organizada com passos metodológicos que sugeriam, como ponto de partida, a reflexão sobre a realidade para se chegar ao confronto com a mensagem bíblica. No ano de 1981, nasceu um novo programa de rádio denominado Diga Sim, dirigido aos professores, como meio para ampliar as possibilidades de uma formação continuada, bem como favorecer a preparação dos temas a serem tratados nas aulas de Ensino Religioso. Além disso, realizou-se o Primeiro Simpósio de Educação Religiosa, no Centro de Treinamento de Professores do Estado do Paraná (Cetepar). Nesse evento, levantou-se também a necessidade de contribuir com discussões realizadas na Constituinte, de modo a garantir um novo espaço para a Educação Religiosa na legislação brasileira. Buscou-se, assim, definir o papel do Ensino Religioso no processo de escolarização, em consonância ao modelo de educação que se pretendia naquele contexto. No ano de 1987 teve início o curso de Especialização em Pedagogia Religiosa, com carga horária de 360 h/a, numa parceria da SEED, Assintec e PUC/PR, voltado à formação de professores interessados em ministrar aulas de Ensino Religioso. Durante o desenvolvimento do curso, ficou evidenciada a preocupação com a formação do professor, aberta à pluralidade religiosa, ainda que, por conta da concepção de Ensino Religioso que vigorava à época, dirigentes da Assintec privilegiassem atividades marcadas por celebrações e vivências de valores. As discussões iniciadas durante a Constituinte foram intensificadas com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, por meio da organização de um movimento nacional, que buscou garantir o Ensino Religioso como disciplina escolar. A emenda constitucional para o Ensino Religioso foi a segunda maior emenda popular que deu entrada na Assembléia Constituinte, e contou com 78 mil assinaturas. Assim, na década de 1980, no processo de redemocratização do país, as tradições religiosas, mais uma vez, asseguraram o direito à liberdade de culto e de expressão religiosa. Nessa conjuntura, o Estado do Paraná elaborou o Currículo Básico para a Escola Pública do Paraná, em 1990. Na primeira edição do documento, o Ensino Religioso não foi apresentado, como as demais disciplinas. Dois anos depois, foi publicado um caderno para o Ensino Religioso, conforme os moldes do Currículo Básico. Sua elaboração, no entanto, ficou sob a responsabilidade da Assintec, com a colaboração da SEED. Mais uma vez, esvaziou-se o papel do Estado em relação ao Ensino Religioso. Retomou-se, na prática, a compreensão de que a definição do currículo da disciplina é responsabilidade das tradições religiosas e evidenciou-se, ainda, o distanciamento do Ensino Religioso das demais disciplinas escolares. No âmbito legal, o Ensino Religioso ofertado na rede pública estadual atendia às orientações da Resolução SEED n. 6856/93, que, além de reiterar o estabelecido anteriormente entre a SEED e a Assintec, definia orientações para oferta do Ensino Religioso nas escolas. No entanto, esse documento perdeu validade nas gestões que se sucederam, especialmente a partir da promulgação da nova LDBEN 9.394/96. As discussões nacionais a respeito do Ensino Religioso não se esvaziaram após a promulgação da nova Constituição Federal. O passo seguinte foi elaborar uma concepção do Ensino Religioso que legitimasse a perspectiva deste componente curricular, para superar o caráter proselitista que marcou a disciplina historicamente, conforme ficou expresso na LDBEN 9394/96, no Artigo 33. O texto da lei em sua redação original, contudo, não contemplou as demandas da sociedade civil organizada, de modo que foi alterado devido a três proposições de mudança: na primeira proposição, solicitava-se a exclusão do texto “sem ônus para os cofres públicos”, baseada no princípio de que o Ensino Religioso é componente curricular da Educação Básica e de importância para a formação do cidadão e para seu pleno desenvolvimento como pessoa. Por conseqüência, é parte do dever constitucional do Estado em matéria educativa; na segunda proposição, indicava-se que o Ensino Religioso fosse parte integrante da formação básica do cidadão, vedava qualquer forma de doutrinação ou proselitismo, bem como propunha o respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil; na terceira proposição, solicitava-se o caráter ecumênico para o Ensino Religioso, com garantia de acesso a conhecimentos que promovessem a educação do senso religioso e respeito às diferentes culturas. Os três projetos apresentados para a mudança do artigo 33 da LDBEN 9394/96 evidenciam importantes convergências, uma vez que adotam o princípio de que o Ensino Religioso é parte integrante essencial na formação do ser humano, como pessoa e cidadão e é de responsabilidade do Estado a sua oferta na educação pública. Em decorrência dessas contribuições e da pressão da sociedade civil organizada – AEC, Assintec e Fonaper (Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso) – em torno dessa questão, foi promulgada a lei n. 9475/97 que dá nova redação ao Art. 33 da LDBEN 9394/96, conforme o que segue: Art. 33 - O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de Educação Básica assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1° - Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do Ensino Religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2° - Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso. Cumpre destacar que, desde 1995, os debates instaurados pelo Fonaper, constituído por um grupo de educadores ligados às escolas, entidades religiosas, universidades e Secretarias de Educação, permitem rever aspectos relativos ao Ensino Religioso, em que se destaca a diversidade cultural e religiosa brasileira, e buscam encaminhamentos para uma nova forma curricular desta disciplina. Somente a partir das discussões da LDBEN 9394/96, incentivadas pela sociedade civil organizada, o Ensino Religioso passou a ser compreendido como disciplina escolar. Em decorrência desse processo, sua instituição nas escolas públicas do país foi regulamentada. No período entre 1995 a 2002, houve um esvaziamento do Ensino Religioso na rede pública estadual do Paraná, acentuado a partir de 1998. Nesse período, marcado pela otimização dos recursos para a educação, o Ensino Religioso ainda não havia sido regulamentado pelo Conselho Estadual de Educação, de modo que sua oferta ficou restrita às escolas onde havia professor efetivo na disciplina. Na reorganização das matrizes curriculares do Ensino Fundamental, realizadas nesse período, o Ensino Religioso foi praticamente extinto, mesmo diante da exigência legal de sua oferta pela LDBEN 9394/96. No ano de 1996, o MEC elaborou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), numa tentativa de organizar um currículo nacional, mas nele não incluiu o Ensino Religioso. A seguir, o assunto tornou-se tema de discussão pelo Fonaper (Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso), entidade representante da sociedade civil organizada. Pela primeira vez, educadores de várias tradições religiosas conseguiram elaborar uma proposta educacional e, finalmente, em 1997 foi publicado o PCN de Ensino Religioso. Diferentemente das outras disciplinas, não foi elaborado pelo MEC mas passou a ser uma das principais referências para a organização do currículo de Ensino Religioso em todo o país. Em 2002, o Conselho Estadual de Educação do Paraná aprovou a Deliberação 03/02, que regulamentou o Ensino Religioso nas Escolas Públicas do Sistema Estadual de Ensino do Paraná. Com a aprovação dessa deliberação, a SEED elaborou a Instrução Conjunta n. 001/02 do DEF/SEED, que estabeleceu as normas para esta disciplina na rede pública estadual. No inicio da gestão 2003-2006, retomou-se a responsabilidade sobre a oferta e organização curricular da disciplina no que se refere à composição do corpo docente, metodologia, avaliação e formação continuada de professores. Como os demais professores, aqueles que ministram aulas de Ensino Religioso passaram a ser envolvidos num processo de formação continuada voltado à legitimação da disciplina na rede pública estadual. Por meio de Simpósios realizados em 2004 e 2005, da proposição de Grupos de Estudo e do convite aos professores para participarem das discussões da elaboração das Diretrizes Curriculares do Ensino Religioso, o debate avançou em relação à sua oferta. Ressalta-se que, atualmente, a Assintec é uma entidade civil, livre, eqüitativa, democrática e aberta a todas as manifestações culturais, religiosas, espirituais e místicas. Está formada por uma diretoria com membros de diversas tradições religiosas e, também, de uma equipe pedagógica constituída por professores. Sua finalidade é colaborar com as Secretarias Estadual e Municipais de Educação na efetivação do Ensino Religioso Escolar, de acordo com a legislação vigente. A diretoria da Assintec também tem as atribuições de promover o diálogo inter-religioso e mobilizar as diversas tradições religiosas, místicas e filosóficas por meio de informações sobre o fenômeno religioso, o que contribui para a organização dos conteúdos da disciplina. No final de 2005, movida pelos questionamentos oriundos desse processo de discussão entre a SEED, os Núcleos Regionais de Ensino e os professores, a SEED encaminhou questões ao Conselho Estadual de Educação (CEE). Em 10 de fevereiro de 2006, o mesmo Conselho aprovou a Deliberação n. 01/06, que instituiu novas normas para o Ensino Religioso no Sistema Estadual de Ensino do Paraná. Entre os notáveis avanços obtidos a partir dessa deliberação, destacam-se: - o repensar do objeto da disciplina; - o compromisso com a formação docente; - a consideração da diversidade religiosa no Estado; - a necessidade do diálogo e do estudo na escola sobre as diferentes leituras do sagrado na sociedade; - o ensino da disciplina em cuja base se reconhece a expressão das diferentes manifestações religiosas. O foco no sagrado e em diferentes manifestações possibilita a reflexão sobre a realidade contida na pluralidade desse assunto, numa perspectiva de compreensão sobre a própria religiosidade e a do outro, na diversidade universal do conhecimento humano e de suas diversas formas de ver o sagrado. Com isso, a disciplina pretende contribuir para o reconhecimento e respeito às diferentes expressões religiosas advindas da elaboração cultural dos povos, e possibilitar o acesso às diferentes fontes da cultura sobre o fenômeno religioso. Não se pode negar a trajetória histórica do Ensino Religioso no Brasil, mas, diante da sociedade atual, esta disciplina requer uma nova forma de ser vista e compreendida no currículo escolar. Tendo em vista que o conhecimento religioso constitui patrimônio da humanidade, conforme a legislação brasileira que trata do assunto, o currículo do Ensino Religioso pressupõe: - colaborar com a formação da pessoa e - promover a escolarização fundamental para que o educando se aproprie de saberes para entender os movimentos religiosos específicos de cada cultura. A sociedade civil, hoje, reconhece como direito os pressupostos desse conhecimento no espaço escolar, bem como a valorização da diversidade em todas as suas formas, pois a sociedade brasileira é composta por grupos muito diferentes. Tratado nesta perspectiva, o Ensino Religioso contribuiu também para superar a desigualdade étnico-religiosa e garantir o direito Constitucional de liberdade de crença e expressão, conforme Art. 5º, inciso VI, da Constituição Brasileira. Tal fato dá-se, porém, na medida em que a disciplina de Ensino Religioso e o corpo docente também contribuam para que, no dia-a-dia da escola, o respeito à diversidade seja construído e consolidado. Não se pode negar que as relações de convivência entre grupos diferentes, muitas vezes, é marcada pelo preconceito e superá-lo é um dos grandes desafios da escola que pretende oferecer seu espaço para a discussão do Sagrado, por meio do currículo de Ensino religioso. Para Costella (2004, p.101), “uma das tarefas da escola é fornecer instrumentos de leitura da realidade e criar as condições para melhorar a convivência entre as pessoas pelo conhecimento, isto é, construir os pressupostos para o diálogo”. Neste sentido, a disciplina de Ensino Religioso tem muito a contribuir. Portanto, o Ensino Religioso busca propiciar oportunidade de identificação, de entendimento, de conhecimento e de aprendizagem em relação às diferentes manifestações religiosas presentes na sociedade, de modo que tenham a amplitude da própria cultura em que se insere. Essa compreensão deve favorecer o respeito à diversidade cultural religiosa, em suas relações éticas e sociais, e fomentar medidas de repúdio a toda e qualquer forma de preconceito e discriminação, além do reconhecimento de que todos somos portadores de singularidade. Para Costella, o Ensino Religioso não pode prescindir da sua vocação de realidade institucional aberta ao universo da cultura, ao integral acontecimento do pensamento e da ação do homem: a experiência religiosa faz parte desse acontecimento, com os fatos e sinais que a expressam. O fato religioso, como todos os fatos humanos, pertencem ao universo da cultura e, portanto, tem uma relevância cultural, tem uma relevância em sede cognitiva (2004, p. 104). Assim, o Ensino Religioso permite que os educandos possam refletir e entender como os grupos sociais se constituem culturalmente e como se relacionam com o Sagrado. E, ainda, possibilita compreender suas trajetórias e manifestações no espaço escolar e estabelecer relações entre culturas, espaços e diferenças. Ao compreender tais elementos, o educando passa elaborar o seu saber e a entender a diversidade de nossa cultura, marcada também pela religiosidade. 2 FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS O Ensino Religioso pautou-se historicamente no ensino do catolicismo que expressava a proximidade do Império com a Igreja Católica. Depois, com o advento da República, a nova constituição separou o Estado da Igreja e o ensino passou a ser laico. Mesmo assim, a presença das aulas de religião foi mantida nos currículos escolares, devido ao poder da Igreja Católica junto ao Estado brasileiro. Tal influência pode ser constatada em todas as Constituições do Brasil, nas quais o Ensino Religioso foi citado, com a representatividade hegemonicamente cristã no processo de definição dos preceitos legais. Em conseqüência, desde a época do Império, a doutrina cristã tem sido preferida na organização do currículo de Ensino Religioso. Entretanto, a vinculação do currículo de Ensino Religioso ao cristianismo e às práticas catequéticas já não corresponde ao sentido dessa disciplina na escola. Os debates em torno da sua permanência como disciplina escolar têm sido intensos e a busca de explicações que justificam as novas configurações da disciplina não se restringem ao contexto brasileiro. Costella (2004) afirma que três fatores ajudam a entender a necessidade de um novo enfoque para o Ensino Religioso: - o primeiro é atribuído à pluralidade social, num Estado não-confessional, laico e que garante, por meio da constituição, a liberdade religiosa; - o segundo fator diz respeito à própria maneira de apreender o conhecimento, devido às profundas transformações ocorridas no campo da epistemologia, da educação e da comunicação, e - o terceiro fator, traço característico da cultura ocidental, mostra uma profunda reviravolta nas concepções, em especial no séc. XIX, que atinge seu ápice na célebre expressão do filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900): “Deus está morto”, metáfora do autor para dizer que sociedade transcendente. não é capaz de crer numa ordenação cósmica Com a compreensão da diversidade cultural mundial surgiu a necessidade de criação de novos paradigmas, pois, as sociedades não se contentavam mais com verdades absolutas. Aquilo que outrora respondia a todos os anseios da humanidade passou a solicitar uma revisão conceitual, na medida em que se entendeu que os homens são criadores de cultura. “Não foi Deus que criou o homem, e sim o homem que criou Deus” ( Feuerbach). De acordo com Feuerbach a essência das religiões é idêntica à essência do homem. Diferente dos animais os homens possuem consciência de si, tendo a própria consciência possivelmente como objeto. Os animais não possuem religião e não possuem consciência da própria finitude. A crença na imortalidade coincide com a crença em algum tipo de Deus. Mas o pensador para quem a religião é objecto, o que (...) [ela] não pode ser para si mesma, descobre a essência da religião que para ela está oculta. A nossa tarefa é justamente mostrar que a oposição do divino e do humano é inteiramente ilusória e, por conseqüência, que também o objecto e conteúdo da religião cristã são inteiramente humanos. (FEUERBACH, 2002. p 24). Tal concepção provocou uma reforma na sociedade européia que vinha sustentada em bases decadentes e ultrapassadas. A modernidade atribuía ao homem toda a responsabilidade sobre os destinos da humanidade, pois tudo o que foi elaborado no séc. XIX se apresentava distante de uma explicação religiosa de mundo. Pode-se acrescentar, ainda, que atualmente a globalização dos meios de comunicação atinge todos os domínios da vida humana e repercute também nas manifestações religiosas, nas crenças e na própria forma de interpretar o sagrado. De forma aparentemente contraditória, esse retorno à busca de explicações no sagrado pode ser atribuído ao fim das grandes narrativas ou dos grandes modelos de explicação. Nesse contexto, há um ressurgimento das religiões, sobretudo na década de 1980. As limitações da racionalidade moderna e do saber científico se tornaram objeto de estudo no terreno filosófico, sobretudo a partir da obra de Edmund Husserl (1859-1938) filósofo alemão, intitulada A crise das ciências européias e dos escritos do filósofo austríaco Ludwig Joseph Johann Wittgenstein (1889-1951). Foram obras que criticaram a redutibilidade dos saberes do mundo à linguagem científica e a sua pretensa superioridade em relação às demais formas de conhecimento. Destaca-se ainda que as tecnologias de comunicação, aliadas aos estudos relativos à aprendizagem, têm ampliado as possibilidades de compreensão dos processos de apropriação de novos saberes ao longo da vida, condição essencial para a vida em sociedade, marcada pelas exigências do capitalismo. Diante de uma análise breve do quadro apresentado, faz-se necessário superar modelos lineares e fragmentados de compreensão da realidade e a busca de outros referenciais que permitam uma análise mais complexa da sociedade. É essa realidade que se coloca como desafio para a escola e, mais especificamente, para o Ensino Religioso. Assim, o processo de ensino e de aprendizagem proposto nestas Diretrizes Curriculares visa à construção e produção do conhecimento que se caracteriza pela promoção do debate, da hipótese divergente, da dúvida – real ou metódica – , do confronto de idéias, de informações discordantes e, ainda, da exposição competente de conteúdos formalizados. Opõe-se a um modelo educacional que centra o ensino tão-somente na transmissão dos conteúdos pelo professor, o que reduz as possibilidades de participação do aluno e não respeita a diversidade religiosa. As Diretrizes Curriculares para o Ensino Religioso expressam a necessária reflexão em torno dos modelos de ensino e do processo de escolarização, diante das demandas sociais contemporâneas que exigem a compreensão ampla da diversidade cultural, postas também no âmbito religioso entre os países e, de forma mais restrita, no interior de diferentes comunidades. Nunca, como no presente, a sociedade esteve consciente da unidade do destino do homem em todo o planeta e das radicais diferenças culturais que marcam a humanidade. Nesse contexto, está a escola e nela o currículo do Ensino Religioso, historicamente marcado como espaço de transposição do que era a catequese e que permitia a introdução sistemática e orgânica do complexo doutrinal cristão. Dentre os desafios para o Ensino Religioso na atualidade, pode-se destacar: - a necessária superação das tradicionais aulas de religião; - a inserção de conteúdos que tratem da diversidade de manifestações religiosas, dos seus ritos, das suas paisagens e símbolos, e as relações culturais, sociais, políticas e econômicas de que são impregnadas as formas diversas de religiosidade. Além disso, é necessário que o Ensino Religioso escolar adquira status de disciplina escolar, a partir da definição mais consistente de seus conteúdos escolares, da produção de referenciais didático-pedagógicos e científicos, bem como da formação dos professores. No processo de constituição do Ensino Religioso como disciplina escolar, ainda persistem dúvidas quanto aos conteúdos a serem tratados na escola; portanto, vale destacar que para a sociedade as religiões são confissões de fé e de crença. No ambiente escolar, as religiões interessam como objeto de conhecimento a ser tratado nas aulas de Ensino Religioso, por meio do estudo das manifestações religiosas que delas decorrem e as constituem. As diferenças culturais são abordadas para ampliar a compreensão da diversidade religiosa como expressão da cultura, construída historicamente e, portanto, são marcadas por aspectos econômicos, políticos e sociais. Dessa forma, reafirma-se o compromisso da escola com o conhecimento, sem excluir do horizonte os valores éticos que fazem parte do processo educacional. Em outras palavras, pode-se dizer que: (...) aquilo que para as igrejas é objeto de fé, para a escola é objeto de estudo. Isto supõe a distinção entre fé/crença e religião, entre o ato subjetivo de crer e o fato objetivo que o expressa. Essa condição implica a superação da identificação entre religião e igreja, salientando sua função social e o seu potencial de humanização das culturas. Por isso, o Ensino Religioso na escola pública não pode ser concebido, de maneira nenhuma, como uma espécie de licitação para as Igrejas [ neste caso é melhor não dar nada]. A instituição escolar deve reivindicar a título pleno a competência sobre essa matéria. (COSTELLA, 2004 p. 105-106 ). Desse modo, as Diretrizes Curriculares para o Ensino Religioso têm como objetivo orientar também a abordagem e a seleção dos conteúdos. Nessa perspectiva, todas as religiões podem ser tratadas como conteúdos nas aulas de Ensino Religioso, uma vez que o sagrado compõe o universo cultural humano e faz parte do modelo de organização de diferentes sociedades. Assim, o currículo dessa disciplina propõe-se a subsidiar os alunos, por meio dos conteúdos, à compreensão, comparação e análise das diferentes manifestações do sagrado, com vistas à interpretação dos seus múltiplos significados. A disciplina de Ensino Religioso subsidiará os educandos na compreensão de conceitos básicos no campo religioso e na forma como a sociedade sofre inferências das tradições religiosas ou mesmo da afirmação ou negação do sagrado. Por fim, destaca-se que os conhecimentos relativos ao sagrado e às suas manifestações são significativos para todos os alunos no processo de escolarização, por propiciarem subsídios para a compreensão de uma das interfaces da cultura e da constituição da vida em sociedade. 2.1 OBJETO DE ESTUDO DO ENSINO RELIGIOSO No processo de constituição do Ensino Religioso como disciplina escolar, pode-se atribuir aos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso, elaborados pelo Fonaper, em 1997, ter apontado o fenômeno religioso como objeto de estudo desta disciplina. A definição desse objeto de estudo, entretanto, tem sido questionada porque, ao ser entendida como uma manifestação da natureza humana, o fenômeno religioso é restrito a determinadas tradições religiosas, o que exclui a possibilidade de ampliar a abordagem para outras tradições e manifestações religiosas. Com o objetivo de ampliar a abordagem curricular no que se refere à diversidade religiosa, estas Diretrizes Curriculares para o Ensino Religioso definem como objeto de estudo o sagrado como foco do fenômeno religioso, por contemplar algo presente em todas as manifestações religiosas. Esta concepção favorece uma abordagem ampla de conteúdos específicos da disciplina. Tais conteúdos privilegiam o estudo das diferentes manifestações do sagrado e possibilitam sua análise e compreensão como o cerne da experiência religiosa que se expressa no universo cultural de diferentes grupos sociais, uma vez que é uma das formas de expressão empregadas para se explicar fenômenos que não obedecem às leis da natureza. Portanto, o objeto do Ensino Religioso é o estudo das diferentes manifestações do sagrado no coletivo. Seu objetivo é analisar e compreender o sagrado como o cerne da experiência religiosa do cotidiano que o contextualiza no universo cultural. Ao resgatar o sagrado, o Ensino Religioso busca explicitar a experiência que perpassa as diferentes culturas expressas tanto nas religiões mais sedimentadas como em outras mais recentes. O conteúdo abordado pelo Ensino Religioso implica, também, preocupação com processos históricos de constituição do sagrado, a fim de explicitar caminhos percorridos até a concretização de simbologias e espaços que se organizam em territórios sagrados, ou seja, a criação das tradições. Por meio do entendimento do sagrado, compreende-se a construção dos processos de explicação para os acontecimentos que não obedecem, por exemplo, às leis da natureza, do físico e do material. Muitos dos acontecimentos que marcam a vida em sociedade são atribuídos às manifestações do sagrado. Tais manifestações que intervêm no andamento natural das coisas são aceitas na medida em que trazem explicações que superam a realidade material ou que servem para responder a assuntos não explicados ou aceitos com facilidade, por exemplo, a morte. Para Otto (1992), o sagrado é uma categoria de interpretação e avaliação a priori, e, como tal, somente pode ser aplicada ao contexto religioso. Dessa forma, permite resguardar um atributo essencial para o fenômeno religioso e pode constituir objeto de estudos da disciplina de Ensino Religioso. As expressões do sagrado diferem de cultura para cultura, ou seja, sua apreensão pode ser realizada somente de acordo com cada realidade. As religiões se apresentam como modalidades do sagrado que se revelam em tramas históricas e em espaços de representação marcadas por rupturas. São realidades estruturadas conforme uma ontologia original (GIL FILHO, 2002). Como parte da dimensão cultural, o sagrado influencia a compreensão de mundo e a maneira como o homem religioso vive seu cotidiano. Assim, o que para alguns é normal e corriqueiro, para outros é encantador, sublime, extraordinário, repleto de importância e, portanto, merecedor de tratamento diferenciado. Desde tal perspectiva, o sagrado perpassa todo o currículo de Ensino Religioso, de modo a permitir uma análise mais complexa de sua presença nas diferentes manifestações religiosas, cujas instâncias podem ser assim estabelecidas: paisagem religiosa: refere-se à materialidade fenomênica do sagrado, apreendida por meio dos sentidos. Refere-se à exterioridade do sagrado e sua concretude, ou seja, os espaços sagrados; símbolo: é a apreensão conceitual pela razão com que se concebe o sagrado, pelos seus predicados, e se reconhece sua lógica simbólica. É entendido como sistema simbólico e projeção cultural; texto sagrado: é a tradição e a natureza do sagrado como fenômeno. Pode ser manifestado de forma material ou imaterial. É reconhecido por meio das Escrituras Sagradas, das tradições orais sagradas e dos mitos. A partir do objeto de estudo do Ensino Religioso, conforme se preconiza nestas Diretrizes Curriculares, busca-se superar as tradicionais aulas de religião e entender esta disciplina escolar como processo pedagógico cujo enfoque é o entendimento cultural sobre o sagrado e a diversidade religiosa. 3 CONTEÚDOS ESTRUTURANTES Nestas Diretrizes Curriculares, o conhecimento religioso é entendido como um patrimônio da humanidade. Legalmente, é instituído na escola a fim de promover uma oportunidade para que os educandos se tornem capazes de entender os movimentos específicos das diversas culturas, e para que o substantivo religioso represente um elemento de colaboração na constituição do sujeito. Sob tal perspectiva, o Ensino Religioso é uma disciplina que contribui para o desenvolvimento humano. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) valoriza o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo, assim como a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade e do desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, de aquisição de conhecimentos e de habilidades, além da formação de atitudes e valores. Não menos importante, a LDB também valoriza o fortalecimento dos vínculos familiares, dos laços de solidariedade e de respeito à diversidade cultural e religiosa em que se assenta a vida social. Pela observância dos aspectos que marcam o sagrado e as relações que se estabelecem em decorrência dele, nas diferentes manifestações religiosas a serem tratadas pelo Ensino Religioso, ressalta-se a necessidade de definir como conteúdos estruturantes desta disciplina referenciais que incluam nos conteúdos escolares a pluralidade das tradições religiosas. Dessa forma, os conteúdos estruturantes compõem os saberes, os conhecimentos de grande amplitude, os conceitos ou práticas que identificam e organizam os campos de estudos a serem contemplados no Ensino Religioso. Apropriados das instâncias que contribuem para compreender o sagrado, os conteúdos estruturantes propostos para o Ensino Religioso são: - a paisagem religiosa; - o símbolo, e - o texto sagrado. Tais conteúdos estruturantes não têm ainda tradição curricular, de modo que estas Diretrizes extrapolam os conteúdos historicamente tratados nesta disciplina. Os conteúdos estruturantes de Ensino Religioso não devem ser entendidos isoladamente; antes, são referências que se relacionam intensamente para a compreensão do objeto de estudo em questão e se apresentam como orientadores para a definição dos conteúdos escolares. A relação do sagrado com os conteúdos estruturantes pode ser apresentada conforme o seguinte esquema: Paisagem Religiosa SAGRADO Texto Sagrado Símbolo 3.1 PAISAGEM RELIGIOSA Por paisagem religiosa define-se a combinação de elementos culturais e naturais que remetem a experiências do sagrado, que por força dessas experiências anteriores remetem a uma gama de representações sobre a diversidade cultural e religiosa. Os lugares considerados sagrados são simbolicamente onde o sagrado se manifesta. Para o homem religioso, a natureza não é exclusivamente natural; sempre está carregada de um valor sagrado. A idéia da existência de lugares sagrados e de um mundo sem imperfeições conduz o homem a suportar suas dificuldades diárias. O homem consagra determinados lugares porque necessita viver e conviver no mundo sagrado. Para as religiões, os lugares não estabelecem somente uma relação concreta, física, entre os povos e o sagrado; neles, há também uma relação préestabelecida entre ações e práticas. Nessa simbologia, não podem ser ignorados o imaginário e os estereótipos de cada civilização, impregnados de seus valores, identidade etc. Muitas pessoas necessitam de espaços aos quais lhes são atribuídos o sentido de sagrado, para manifestar a sua fé. Com esse lugar definido, entre outras atividades, organizam ritos, festas, homenagens em prol desse objeto. Nos momentos em que os grupos se reúnem para reverenciar o divino, para unir-se ao sagrado, os lugares se transformam num universo especialmente simbólico, resultante das crenças existentes nas tradições religiosas. A paisagem religiosa é fruto do espaço social e cultural construído historicamente, em vivências dos inúmeros grupos humanos. Portanto, a paisagem sagrada é uma imagem socialmente construída, de maneira que é preciso compreendê-la corretamente para entender tal aspecto do estudo do sagrado. Podemos entender como lugar sagrado os templos, as sinagogas, as igrejas, as mesquitas, cemitérios, assim como a natureza de uma forma em geral. Para as religiões indígenas e aborígines, por exemplo, os rios , montanhas, campos etc... são extensões das divindades e por natureza sagrados. 3.2 SÍMBOLO A complexa realidade que configura o universo simbólico tem como chave de leitura as diferentes manifestações do sagrado no coletivo, cujas significações se sustentam em determinados símbolos religiosos. Etimologicamente a palavra símbolo significa lançar a união, ou a união dos elementos lançados. O termo (sim) vem do grego unir, e (bolo) vem de baleó que significa lançar, lançamento. Portanto, todo símbolo une as pessoas em torno de uma mesma ideologia ou crença, desta forma podemos afirmar que não existe símbolo diabólico, pois o termo diabólico vem de (dia) que significa separar, ou separação e (bolo) de baleó idêntico a lançamento. Neste sentido o antônimo de simbólico é o diabólico. Os símbolos são linguagens que expressam sentidos, comunicam e exercem papel relevante para a vida imaginativa e para a constituição das diferentes religiões no mundo. Neste contexto, o símbolo é definido como qualquer coisa que veicule uma concepção; pode ser uma palavra, um som, um gesto, um ritual, um sonho, uma obra de arte, uma notação matemática, entre tantos outros. De modo geral, a cultura se sustenta por meio de símbolos, que são criações humanas cuja função é comunicar idéias. Os símbolos são parte essencial da vida humana, todo sujeito se constitui e se constrói por meio de inúmeras linguagens simbólicas. Ao abranger a linguagem do sagrado, os símbolos são a base da comunicação e constituem o veículo que aproxima o mundo vivido, cotidianamente, do mundo misterioso dos deuses, deusas, encantados, enfim, da linhagem de seres supra-sensíveis que habitam o território do inefável. O símbolo é um elemento importante porque está presente em quase todas as manifestações religiosas e também no cotidiano das pessoas. Estamos inseridos numa realidade altamente simbólica, não só no que diz respeito ao sagrado, mas em todo imaginário humano. 3.3 TEXTO SAGRADO Os textos sagrados expressam idéias e são meios de dar viabilidade à disseminação e à preservação dos ensinamentos de diferentes tradições e manifestações religiosas, o que ocorre de diversas maneiras. Podemos citar como exemplo as manifestações mais antigas como as pinturas rupestres, as tatuagens, as histórias da origem de cada povo contada pelos mais velhos, as escritas cuneiformes, os hierógrifos egípcios, e as mais recentes como os textos grafados dos Vedas, Velho e Novo Testamento, o Torá, o Al Corão e os ainda existentes textos sagrados das tradições orais da cultura africana e indígena. Ao articular os textos sagrados aos ritos – festas religiosas, situações de nascimento e morte –, as diferentes tradições e manifestações religiosas buscam criar mecanismos de unidade e de identidade do grupo de seguidores, de modo a assegurar que os ensinamentos sejam consolidados e transmitidos às novas gerações e novos adeptos. Tais ensinamentos podem ser retomados em momentos coletivos e individuais para responder a impasses do cotidiano e para orientar a conduta de seus seguidores. Algumas tradições e manifestações religiosas são transmitidas apenas oralmente ou revividas em diferentes rituais. Por sua vez, os textos sagrados registram fatos relevantes da tradição e manifestação religiosa, quais sejam: as orações, a doutrina, a história, que constituem sedimento no substrato social de seus seguidores e lhes orientam as práticas. O que caracteriza um texto como sagrado é o reconhecimento pelo grupo de que ele transmite uma mensagem originada do ente sagrado ou, ainda, que favorece uma aproximação entre os adeptos e o sagrado. A compreensão, interpretação e significação do texto pode ser modificada conforme a passagem do tempo ou, ainda, para corresponder às demandas do tempo presente. Pode, também, sofrer alterações causadas pelas diversas interpretações secundárias, diferentes do texto original. Como conteúdo estruturante, o texto sagrado é uma referência importante para o Ensino Religioso, pois permite identificar como a tradição e a manifestação atribuem às práticas religiosas o caráter sagrado e em que medida orientam ou estão presentes nos ritos, nas festas, na organização das religiões, nas explicações da morte e da vida. 4 CONTEÚDOS ESPECÍFICOS Os conteúdos específicos para a disciplina de Ensino Religioso têm como referência os conteúdos estruturantes, já apresentados. Ao analisar os conteúdos específicos para a 5.ª e 6.ª séries, pode-se identificar sua proximidade e mesmo sua recorrência em outras disciplinas. Tal constatação não deve constituir um problema; apenas explicita que na escola o conhecimento é organizado de modo a favorecer a sua abordagem por meio de diferentes disciplinas, conforme as prioridades de cada uma. No caso do Ensino Religioso, o sagrado é o objeto de estudo da disciplina, portanto, o tratamento a ser dado aos conteúdos específicos estará sempre a ele relacionado. Ao tratar dos líderes ou fundadores das religiões, o professor enfatizará as implicações da relação que eles estabeleceram com o sagrado, quanto a sua visão do mundo, atitudes, produções escritas, posições político-ideológicas etc. A organização dos conteúdos se referencia em manifestações religiosas menos conhecidas ou desconhecidas, a fim de ampliar o universo cultural dos educandos. Por sua vez, o conteúdo templos e espaços sagrados se inicia da discussão dos espaços físicos identificados como sagrados. Posteriormente, o professor tratará de espaços sagrados pouco conhecidos entre os alunos, como por exemplo: mesquitas, sinagogas, rios, montanhas, entre outros. Somente depois de trabalhar a composição e o significado atribuído a esses espaços sagrados, por seus adeptos, serão tratados os espaços sagrados já conhecidos pelos alunos, que então terão mais elementos para analisar as configurações e significados dos espaços sagrados que lhes são familiares. Tal organização curricular se repete nos demais conteúdos, conforme o quadro apresentado a seguir: SAGRAD O CONTEÚDOS ESTRUTURANTES eESTRUTURANTES PAISAGEM RELIGIOS A TEXTO SAGRADO SÍMBOLO CONTEÚDOS ESPECÍFICOS 5ª Série O Ensino Religioso na Escola Pública Lugares sagrados 6ª Série Universo simbólico religioso Ritos/Festas religiosas Vida e morte Textos sagrados orais e escritos Organizações religiosas 4.1 CONTEÚDOS ESPECÍFICOS DE ENSINO RELIGIOSO PARA A 5.ª SÉRIE 4.1.1 O Ensino Religioso na Escola Pública Ao iniciar o processo pedagógico na disciplina de Ensino Religioso, faz-se necessário esclarecer os alunos acerca de algumas questões importantes, quais sejam: - as orientações legais; - os objetivos, e as principais diferenças entre aulas de Religião e Ensino Religioso como disciplina Escolar. 4.1.2 Lugares sagrados No processo pedagógico, professor e alunos podem caracterizar lugares e templos sagrados, quais sejam: lugares de peregrinação, de reverência, de culto, de identidade, principais práticas de expressão do sagrado nestes locais. Destacam-se: - lugares na natureza: rios, lagos, montanhas, grutas, cachoeiras etc. e - lugares construídos: templos, cidades sagradas etc. 4.1.3 Textos sagrados orais e escritos São ensinamentos sagrados transmitidos de forma oral e escrita pelas diferentes culturas religiosas, expressos na literatura oral e escrita, como em cantos, narrativas, poemas, orações etc. Os exemplos a serem apontados incluem: pinturas rupestres, hierógrifos Egípsios, tatuagens célticas e tribais, vedas (hinduísmo), escrituras bahá'ís, tradições orais africanas, afro-brasileiras e ameríndias, Al Corão (islamismo) etc. 4.1.4 Organizações religiosas As organizações religiosas compõem os sistemas religiosos de modo institucionalizado. Serão tratadas como conteúdos, sob a ênfase das principais características, estrutura e dinâmica social dos sistemas religiosos que expressam as diferentes formas de compreensão e de relações com o sagrado. Poderão ser destacados: - os fundadores e/ou líderes religiosos e - as estruturas hierárquicas. Entre os exemplos de organizações religiosas mundiais e regionais, estão: o budismo (Sidarta Gautama), o cristianismo (Cristo), confucionismo (Confúcio), o espiritismo (Allan Kardec), o taoísmo (Lao Tsé) etc. 4.2 CONTEÚDOS ESPECÍFICOS DE ENSINO RELIGIOSO PARA A 6.ª SÉRIE 4.2.1 Universo simbólico religioso Os significados simbólicos dos gestos, sons, formas, cores e textos podem ser trabalhados conforme os seguintes aspectos: - dos ritos; - dos mitos, e - do cotidiano. Entre os exemplos a serem apontados, estão: a arquitetura religiosa, os mantras, os paramentos, os objetos etc. 4.2.2 Ritos/Festas religiosas Ritos são celebrações das tradições e manifestações religiosas, formadas por um conjunto de rituais. Podem ser compreendidas como a recapitulação de um acontecimento sagrado anterior; servem à memória e à preservação da identidade de diferentes tradições e manifestações religiosas, e podem remeter a possibilidades futuras decorrentes de transformações contemporâneas. Destacam-se: - os ritos de passagem; - os mortuários; - os propiciatórios, entre outros. Entre os exemplos a serem apontados, estão: a dança (Xire), o candomblé, o kiki (kaingang, ritual fúnebre), a via sacra, o festejo indígena de colheita etc. Festas Religiosas são os eventos organizados pelos diferentes grupos religiosos, com objetivos diversos: confraternização, rememoração dos símbolos, períodos ou datas importantes. Entre eles, destacam-se: - peregrinações; - festas familiares; - festas nos templos; - datas comemorativas. Entre os exemplos a serem apontados, estão: Festa do Dente Sagrado (budista), Ramadã (islâmica), Kuarup (indígena), Festa de Iemanjá (afrobrasileira), Pessach (judaica), Natal (cristã). 4.2.3 Vida e morte As respostas elaboradas para a vida além da morte nas diversas tradições e manifestações religiosas e sua relação com o sagrado podem ser trabalhadas sob as seguintes interpretações: - o sentido da vida nas tradições e manifestações religiosas; - a reencarnação/ ressurreição – ação de voltar à vida; - apresentação da forma como cada cultura/organização religiosa encara a questão da morte e a maneira como lidam com o culto aos mortos, finados e dias especiais para tal relação. 5 ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO Propor o encaminhamento metodológico da disciplina de Ensino Religioso não se reduz a determinar formas, métodos, conteúdos ou materiais a serem adotados em sala de aula, mas pressupõe um constante repensar das ações que subsidiarão esse trabalho. Logo, as práticas pedagógicas desenvolvidas pelo professor da disciplina poderão fomentar o respeito às diversas manifestações religiosas, o que amplia e valoriza o universo cultural dos alunos. Uma das formas de desvincular a disciplina de Ensino Religioso das aulas de religião é superar práticas que tradicionalmente têm marcado o seu currículo, seja em relação aos fundamentos teóricos, ao objeto de estudos, aos conteúdos selecionados, ou, ainda, em relação ao encaminhamento metodológico adotado pelo professor. Ao tomar-se como ponto de partida o histórico da disciplina e as novas demandas para o Ensino Religioso, foram definidos seus fundamentos teóricos, os quais terão sentido na medida em que, no processo pedagógico, eles sejam incorporados pelo professor no planejamento formalizado pela escola e também pelo efetivo trabalho com os alunos. Assim, uma das inovações propostas por estas Diretrizes é a abordagem dos conteúdos de Ensino Religioso, cujo objeto de estudo é o sagrado, conceito discutido nos fundamentos teórico-metodológicos e a base a partir da qual serão tratados todos os conteúdos de Ensino Religioso. Dessa forma, pretende-se assegurar a especificidade dos conteúdos da disciplina, sem desconsiderar sua aproximação com as demais áreas do conhecimento. Pode-se citar, por exemplo, que os espaços sagrados também constituem conteúdos de geografia e de arte; no entanto, o significado atribuído a esses espaços pelos adeptos desta ou daquela religião serão tratados de forma mais aprofundada nas próprias aulas de Ensino Religioso, cujo foco é o sagrado. A fim de que o Ensino Religioso contribua efetivamente para o processo de formação dos educandos, foram indicados, a partir dos conteúdos estruturantes paisagem religiosa, símbolos e textos sagrados, o conjunto de conteúdos específicos a serem observados pelo professor na 5.ª e na 6.ª séries do Ensino Fundamental. O trabalho com os conteúdos específicos deve ser orientado a partir de manifestações religiosas ou expressões do sagrado desconhecidas ou pouco conhecidas dos alunos, para que depois sejam trabalhados os conteúdos relativos a manifestações religiosas mais comuns, do universo cultural da comunidade. Assim, pretende-se evitar a redução dos conteúdos às manifestações religiosas hegemônicas que, historicamente, ocupam um grande espaço nas aulas de Ensino Religioso e pouco têm ampliado a compreensão e o conhecimento dos alunos acerca da diversidade religiosa e dos múltiplos significados do sagrado. Entretanto, as tradições e manifestações religiosas mais conhecidas ou majoritárias também serão abordadas no currículo de Ensino Religioso; serão objeto de estudo ao final de cada conteúdo tratado, de modo que os conhecimentos apreendidos de outras manifestações religiosas constituam novas referências para analisar-se e aprofundar-se acerca das manifestações já conhecidas ou praticadas pelos alunos e ou na comunidade. Convém destacar que todo o conteúdo a ser tratado nas aulas de Ensino Religioso contribuirá para superar o preconceito à ausência ou à presença de qualquer crença religiosa; para questionar toda forma de proselitismo, e para aprofundar o respeito a qualquer expressão do sagrado. Torna-se importantíssimo destacar que os conteúdos a serem ministrados nas aulas de Ensino Religioso não têm o compromisso de legitimar uma manifestação do sagrado em prejuízo de outra, porque a escola não é um espaço de doutrinação nem de evangelização, de expressão de ritos, símbolos, campanhas e celebrações. Os conteúdos propostos nestas Diretrizes contemplam as diversas manifestações do sagrado, entendidos como integrantes do patrimônio cultural, os quais poderão ser enriquecidos pelo professor, desde que contribuam para a construir, analisar e socializar o conhecimento religioso, para favorecer a formação integral dos educandos, o respeito e o convívio com o diferente. Para corresponder a esse propósito, a linguagem a ser adotada nas aulas de Ensino Religioso, referente a cada expressão do sagrado, é a pedagógica e não a religiosa. Ao optar por esta abordagem, o professor estabelecerá uma relação pedagógica frente ao universo das manifestações religiosas e do sagrado, tomando-o como construção histórico-social, como patrimônio cultural da humanidade. Nestas Diretrizes, não constitui tarefa proposta, então, fazer juízo desta ou daquela prática religiosa. A considerar a diversidade de referenciais teóricos para suas aulas, tornase recomendável que o professor dê prioridade às produções de pesquisadores da respectiva manifestação do sagrado para evitar fontes de informação comprometidas com interesses de uma ou outra tradição religiosa. Tal cuidado é importante porque, como estratégia de valorização da própria doutrina ou como meio de atrair novos adeptos, há produções de cunho confessional que buscam legitimar seus pressupostos, mas, muitas vezes, também desqualificam outras manifestações. É preciso respeitar o direito à liberdade de consciência e à opção religiosa do educando, razão pela qual a reflexão e a análise dos conteúdos valorizarão aspectos reconhecidos como pertinentes ao universo do sagrado e da diversidade sociocultural. Portanto, para a efetividade do processo pedagógico na disciplina de Ensino Religioso, propõe-se que seja destacado o conhecimento das bases teóricas que compõem o universo das diferentes culturas, nas quais se firmam o sagrado e suas expressões coletivas. 6 AVALIAÇÃO A avaliação na disciplina de Ensino Religioso não ocorre como na maioria das disciplinas. O Ensino Religioso não constitui objeto de aprovação ou reprovação nem terá registro de notas ou conceitos na documentação escolar, por seu caráter facultativo de matrícula na disciplina. Mesmo com essas particularidades, a avaliação não deixa de ser um elemento integrante do processo educativo na disciplina do Ensino Religioso. Cabe ao professor implementar práticas avaliativas que permitam acompanhar o processo de apropriação de conhecimentos pelo aluno e pela classe, cujo parâmetro são os conteúdos tratados e os seus objetivos. Para atender a este propósito, o professor elaborará instrumentos que o auxiliem a registrar quanto o aluno e a turma se apropriaram ou têm se apropriado dos conteúdos tratados nas aulas de Ensino Religioso. Significa dizer que o que se busca com o processo avaliativo é identificar em que medida os conteúdos passam a ser referenciais para a compreensão das manifestações do sagrado pelos alunos. De fato, a apropriação do conteúdo trabalhado pode ser observada pelo professor em diferentes situações de ensino e aprendizagem. Eis algumas sugestões de observação por parte do professor: - em que medida o aluno expressa uma relação respeitosa com os colegas de classe que têm opções religiosas diferentes da sua? - o aluno aceita as diferenças de credo ou de expressão de fé? - o aluno reconhece que o fenômeno religioso é um dado de cultura e de identidade de cada grupo social? - o aluno emprega conceitos adequados para referir-se às diferentes manifestações do sagrado? Diante da sistematização das informações obtidas da avaliação, o professor terá elementos para planejar as necessárias intervenções no processo pedagógico, para retomar as lacunas identificadas na aprendizagem do aluno, e terá elementos para dimensionar os níveis de aprofundamento a serem adotados em relação aos conteúdos que desenvolverá posteriormente. Depois da avaliação, o professor de Ensino Religioso terá, também, indicativos para a própria avaliação pedagógica ou a imediata reorganização do que já tenha trabalhado, cuja referência são estas Diretrizes. Por estar em processo de implementação nas escolas, a disciplina de Ensino Religioso requer um trabalho comprometido, de modo que a avaliação se torna um fator que pode contribuir para sua legitimação como componente curricular. Apesar de não haver aferição de notas ou conceitos que impliquem aprovação ou reprovação do aluno, recomenda-se que o professor registre o processo avaliativo por meio de instrumentos que permitam à escola, ao aluno, aos seus pais ou responsáveis a identificação dos progressos obtidos na disciplina. Por meio desta prática, o aluno terá oportunidade de retomar conteúdos e conhecimentos que o auxiliam a compreender melhor a diversidade cultural, da qual a religiosidade é parte integrante. Finalmente, o aluno poderá articular o Ensino Religioso aos relativos à cultura. demais componentes curriculares que abordam aspectos 7 REFERÊNCIAS BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. CISALPIANO, M. Religiões. São Paulo: Scipione, 1994. COSGROVE, D. A geografia está em toda parte: cultura e simbolismo nas paisagens humanas. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHl, Z. Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro: Eduerj, 1998. p. 92-123. COSTELLA, D. O fundamento epistemológico do ensino religioso. In: JUNQUEIRA, S.; WAGNER, R. (Orgs.) O ensino religioso no Brasil. Curitiba: Champagnat, 2004. CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. DURKHEIM, É. As formas elementares de vida religiosa. São Paulo: Edições Paulinas, 1989. ELIADE, M. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1992. ______. Tratado de história das religiões. 2 edição, São Paulo: Martins Fontes, 1998. FEUERBACH, Ludwig. A essência do Cristianismo. 2ª edição, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. GIL FILHO, S. F. Espaço de representação e territorialidade do sagrado: notas para uma teoria do fato religioso. Ra’e Ga O Espaço Geográfico em Análise: Curitiba, v. 3 n. 3, p. 91-120, 1999. GIL FILHO, S. F.; GIL, A. H. C. F. Identidade religiosa e territorialidade do sagrado: notas para uma teoria do fato religioso. In ROSENDAHL, Z. & CORREA, R. L.(org.). Religião, identidade e território. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001. GIL FILHO, Sylvio F; GIL, A. H. C. F. Por uma geografia do sagrado. In: MENDONÇA, F.; KOEZEL, S. (org.). Elementos de Epistemologia da Geografia Contemporâneo. Curitiba: UFPR, 2002. HEIDEGGER, M. Conferências e escritos filosóficos. São Paulo: Nova Cultural, 1989. (Coleção Os Pensadores) HINNELS, J. R. Dicionário das religiões. São Paulo: Cultrix, 1989. HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. HUSSERL, E. Investigações lógicas: sexta investigação - elementos de uma elucidação fenomenológica do conhecimento. São Paulo: Nova Cultural, 1988. (Coleção Os Pensadores) JUNQUEIRA, S. R. A. (Orgs.) Conhecimento local e conhecimento universal: pesquisa, didática e ação docente. Curitiba, Champagnat, 2004. MACEDO, C. C. Imagem do eterno: religiões no Brasil. São Paulo: Moderna, 1989. MENDONÇA, F.; KOZEL, S. (orgs.). Elementos de epistemologia da geografia contemporânea. Curitiba: UFPR, 2002 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O anticristo. São Paulo: Martin Claret, 2002. OLIVEIRA, M. A. A. de. Componente Curricular. In: JUNQUEIRA, S. R. A.; WAGNER, R. Ensino Religioso no Brasil. Curitiba: Champagnat, 2004.p. 119. OTTO, R. O sagrado. Lisboa: Edições 70, 1992. PEDRO, A. de. Dicionário de termos religiosos e afins. Aparecida: Santuário, 1993. ROHMANN, C.. O livro das idéias: pensadores, teorias e conceitos que formam nossa visão de mundo. Rio de Janeiro: Campus, 2000. SACHS, W. Dicionário do desenvolvimento: guia para o conhecimento como poder. Petrópolis: Vozes, 2000. WITTGENSTEIN, L. Investigações filosóficas. Petrópolis: Vozes, 1994.