Conceito de nação: Das idéias da gênese àas transformações até a

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Conceito de nação: Das idéias da gênese àas transformações até a
contemporaneidade
Antonio Ferreira da Silva Junior
Os pensamentos políticos voltados ao poder, ao controle do Estado ou a
dominação territorial sempre estiveram presentes nos governantes, independente
do tempo ou do espaço. Compreender a evolução destes pensamentos ligados
ao poder e espaço requer um estudo retrospectivo sobre as praticas destes
governantes. Ratzel (1844-1904) tem sido considerado um dos fundadores da
Geografia Política moderna, com a publicação da obra Politicshe Geographie
(Munique 1897.), propôs um estudo buscando teorias, conceitos e princípios, ou
seja, um estudo nomotético, enquanto que as obras de outros autores eram
ideográficas e descritivas. Ratzel buscou um caminho que direcionou seus
estudos a conceitos mais modernos. Seus estudos envolviam lutas pelo poder,
guerras, conquistas territoriais, busca de poderio internacional e assuntos
correlatos, indicando uma legitimidade com concepções da modernidade.
Relatava ainda a relação entre a política, seus movimentos, diferenciações,
domínios correlacionados com o solo (espaço território) e o Estado. Na sua obra
há uma visão clara e específica sobre o crescimento espacial dos estados,
quando relata as influencias das representações geográficas e das idéias
religiosas e nacionais sobre o seu desenvolvimento. Há uma forte indicação da
relação entre a extensão territorial e os seus efeitos políticos.
O pensamento geográfico de Ratzel sobre o estado como organismo é
baseado na relação de articulação entre o povo e o solo. O Povo é o elemento
fundamental, pois seu sentimento territorial vem da intrínseca relação com o solo.
O solo por sua vez possui caráter permanente face ao Estado que tem a
característica de ser um elemento transitório. Através do papel político de
articulação entre solo e povo, o Estado assume o papel de um organismo
espiritual e moral, fragmentado em sua estrutura se torna unidade através dessa
mesma vocação espiritual e moral.
Para Ratzel, o papel centralizador do Estado e este seu aspecto de força,
se deve a ligação íntima com a unidade territorial, que por sua vez, depende das
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relações dos seus indivíduos com o solo e os significados que estas relações
representam.
O homem, bem como a maior de suas obras, o Estado, não é
concebível sem o solo terrestre. Quando nós falamos de
Estado designamos sempre, exatamente como no caso de
uma cidade uma ou estrada, uma fração da humanidade ou
uma obra humana e, ao mesmo tempo, uma superfície
terrestre. (RATZEL, La géographie politique, 1897, p. 60)
Assim constitui-se a unidade nacional territorial, comandada pelo poder
central que por sua vez mantêm a unidade mitigando diferenças internas na
sociedade, para que estas não se tornem conflitos geografizados. Outro aspecto
importante no pensamento de Ratzel foi a percepção do desenvolvimento
desigual das regiões dentro do território do Estado, fruto das diferenças entre as
regiões, estabelecendo assim relações de centro – periferia, referindo-se ao
centro, como centro de poder onde as decisões são tomadas. Destaca também
a importância da vontade política dos povos para a constituição do Estado, e não
apenas os elementos comuns como cultura, língua. A unidade deve se cristalizar
também através da busca de um território comum.
Por isso para Ratzel, o “ideal nacional” ou a “política nacional”
são fenômenos que devem expressar, mais que a raça e a
língua comuns, um território comum. É o caso do povo alemão,
continua, que aspira a dar uma forma política a sua
comunidade, procurando agrupar-se em um território
determinado, “espaçoso” e “próprio”. (COSTA, 2008, p.35)
Bem, como se pode evidenciar, o argumento de Ratzel procura dar solidez
a um mundo baseado em fronteiras bem definidas, onde a identificação cultural
entre os povos e sua ligação com o solo definiam as estruturas de relação entre
os mesmos. Ainda hoje essas relações não se alteram de todo, conforme
pode-se verificar no argumento de Ohmae. A identificação cultural ainda
permanece como grande fator de união, senão o maior fator, uma vez que a
queda das fronteiras físicas ao que parece é um processo irreversível e esse fato
caracteriza a estrutura atual de Nação.
[...] as linhas de falha em nosso novo mundo pós Guerra Fria
não fluem da política ou da ideologia, mas de cultura. De agora
em diante, quando grandes massas de pessoas unirem-se em
um propósito comum, o vínculo principal entre elas será, cada
vez mais, a herança compartilhada do idioma, da história, da
tradição e da religião – ou seja, a civilização. Por outro lado ao
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se encararem através de uma divisão pétrea, o abismo
intransponível entre elas será a falta de uma de uma tal
civilização compartilhada. Os agrupamentos baseados na
cultura se tornarão – na verdade, já se tornaram – os mais
poderosos protagonistas nos assuntos mundiais. (OHMAE,
1995, p.4)
Na maior parte dos países outrora conhecidos como Terceiro Mundo,
políticas de industrialização foram fomentadas com a finalidade de fortalecer a
economia nacional, inclusive com atuação do Fundo Monetário Internacional
(FMI) e do banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Banco
Mundial) no período pós Segunda Guerra, durante a Guerra Fria. Essas políticas
“nacionais” de desenvolvimento procuraram a priori diminuir as tensões sociais
de modo a não insuflar revoluções nas sociedades fragilizadas. A época da
Guerra Fria foi um momento onde transformações ocorreram nas relações
sociais, econômicas políticas e culturais em escala mundial. Aos poucos, porém,
as estratégias de desenvolvimento industrial “nacional” foram substituídas pela
industrialização voltada para a exportação conforme os países capitalistas
venciam a Guerra Fria e o discurso Neoliberal tornava-se o novo discurso da
economia política mundial. (OHMAE, 1995, p.1) “Com o final da Guerra Fria, o
padrão há tanto tempo familiar de alianças e de oposições entre as nações
industrializadas fragmentou-se irreversivelmente.”.
Esse embate ideológico finado em meados da década de 90 com o
colapso da ex União Soviética, e a incorporação cada vez maior da tecnologia
da informação, questões relativas ao papel econômico dos Estados-nações têm
sido consideradas. Conforme Ohmae (1995, p.18) “... aquilo que denomino os
quatro “is” – indústria, investimento, indivíduos e informação – fluem relativamente
sem
impedimento
através
das
fronteiras
nacionais...”.
Atualmente,
a
funcionalidade das fronteiras tem sido questionada, e consequentemente, a
própria relevância dos Estados-nações como unidades pétreas, onde as
fronteiras são bem delimitadas.
Com as transformações tecnológicas cada vez mais incorporadas ao
território na forma de superestruturas, que viabilizam a vida moderna, o caráter
de ligação do Estado na atualidade diminuiu a sua força justamente em
decorrência da atual definição de território como unidade virtual, mas ainda
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assim, com essa característica, o território continua necessário à unidade estatal.
Conforme argumenta OLIVEIRA (2005):
No
mundo
contemporâneo
observa-se
registro
desproporcionado entre efeitos de ordem natural e artificial que
existem em todas as esferas da vida humana, como na
alimentação, vestuário, traslados, comunicações, e menos no
âmbito existencial e espiritual. Enfim, tudo parece depender
cada vez mais da criatividade, indústria, materiais sintéticos,
tecnologias, inovações, revoluções, etc. Nesse nível, o
significado intrínseco de território tem sofrido transformação.
Outrora encontrava-se intimamente ligado a terra como
interminável fonte de nutrição, suporte físico da cidade, colônia
natural da família, como na conhecida observação de
Aristóteles. (OLIVEIRA, 2005, p. 37)
Hoje as decisões globais não mais correspondem aos Estados-nações
delimitados por fronteiras construídas artificialmente, e sim Estados-regiões que
correspondem a unidades mais localizadas, onde o mercado e o trabalho
dividem espaço. Sua relevância está diretamente ligada à capacidade de
interligação com a economia global.
[...] o que estamos testemunhando é o efeito cumulativo de
mudanças fundamentais nas correntes de atividade
econômicas ao redor do globo. Essas correntes se tornaram
tão poderosas que abriram canais de demarcação dos mapas
políticos tradicionais. Simplesmente em termos dos fluxos reais
de atividade econômica, os Estados-Nações já perderam seus
papéis como unidades significativas de participação na
economia global do atual mundo sem fronteiras. (OHMAE,
1995, p.5)
Importantes mudanças ocorreram na movimentação dos fluxos financeiros
com a implementação da tecnologia da informação que afetaram primeiramente
o nível macroeconômico, com a possibilidade de transferência de capitais
instantaneamente para qualquer região do planeta. Ou seja, deixou de existir a
necessidade dos capitais estarem atrelados fisicamente aos produtos
comercializados, agilizando assim o modo como as empresas passaram a
comercializar seus produtos, agora com uma logística muito mais eficiente. A
velocidade com que as empresas identificam as necessidades de seus clientes,
é proporcional à capacidade que atualmente tem de atendê-las, desbravando
assim nichos de mercado outrora relegados. Outro aspecto importante da
tecnologia é a capacidade de informar aos consumidores o modo de vida de
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outras pessoas em outras regiões, os produtos e serviços que elas consomem e
seus respectivos valores.
Num mundo onde os fabricantes muitas vezes reduzem seus
preços em 20% ou mais em função do Hardware e os custos
logísticos médios de transporte de um produto ao redor do
globo são inferiores a 10 % do preço para o usuário final (no
caso das TV s, por exemplo, são de 7% e dos automóveis de
5%), a distância física tornou-se economicamente irrelevante.
Se faz sentido falar em fronteiras econômicas, não é como
linhas divisórias entre civilizações ou Estados – nações, mas
como os contornos do fluxo de informações. Onde chega a
informação, cresce a demanda; onde cresce a demanda, a
economia global encontra um lar local. (OHMAE, 1995, p. 19)
As tecnologias relacionadas à informação estimulam cada vez mais a
disseminação da cultura popular e de marcas globais que acabam por delinear a
estrutura que a atual sociedade de consumo assume. Uma identidade
transnacional onde segundo OHMAE, (1995, p. 32): “[...] os vínculos horizontais
da mesma geração em diferentes partes do mundo são mais fortes do que os
vínculos tradicionais, verticais entre as gerações em partes específicas dele.”.
Esses
povos
transnacionais
estão
deixando
os
Estados-nações
tradicionais, e migrando para a economia globalizada que não reconhece
fronteiras, onde se fala a língua da tecnologia, e a informação é fluida. Esses
povos trocam o local pelo global, movendo-se em todas as direções
multiplicando
assim
suas
identidades,
representando
assim
para
os
Estados-nações tradicionais um problema, pois interfere nos interesses de
grupos politicamente poderosos mas que possuem uma amplitude de alcance
apenas local, pois apenas tem força dentro de fronteiras bem delimitadas. A
contrapartida do Estado-nação tradicional para se proteger deste movimento que
julga negativo, onde pessoas ligadas por interesses, linguagem, e objetivos
comuns a uma sociedade de consumo global, que nada mais é do que a
obtenção de bens e serviços de qualidade a preços baixos, é estruturar-se de
forma a organizar uma comunidade regional, de blocos de livre comércio, onde
os interesses mais intrínsecos do Estado-nação, tendem a se preservar, ao
menos parcialmente, utilizando-se dos mesmos mecanismos da atual economia
global que são o livre fluxo de informação, capital, mercadoria e pessoas. Ou
seja, o Estado-nação tradicional na urgência de preservar sua estrutura
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centralizadora, de ligação, assume as contradições inerentes ao capitalismo, no
caso a atual fase da economia global sem fronteiras, para proteger a soberania
ameaçada.
Aos poucos, em diferentes regiões do mundo, desenvolvem-se
estratégias de integração: Comunidade Econômica Européia
(CEE), Associação Livre de Comércio da América do Norte
(Nafta), Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul), Comunidade
de Estados Independentes (CEI), Círculo do Pacífico. Aos
poucos, os “atores” tradicionais das relações internacionais, os
Estados Nacionais, são levados a organizar-se em torno de um
novo e diferente “ator”: “comunidade” regional. (IANNI, 1994, p.
81)
Neste contexto das Economias regionais, a soberania do estado ainda
tem lugar como elemento de decisão econômica. Estas regiões econômicas
prósperas tendem a desenvolver estratégias a fim de se adaptar melhor a lógica
global de mercado. “A autonomia regional é uma importante e essencial
alavanca para tirar vantagem da economia global em benefício de todos os
cidadãos e residentes.” (OHMAE, 1995, p. 116).
Estas estratégias consistem em permitir que melhorias no âmbito regional
sejam implementadas por iniciativa estrangeira ou local através de investimentos
que permitam o desenvolvimento econômico. A principal característica destes
Estados-regiões modernos e eficientes é a busca de um sucesso econômico que
possa ser partilhado com as diferentes etnias, religiões e raça do território
comum, melhorando assim a qualidade de vida de seus residentes. Para isso o
Estado-região necessita obrigatoriamente de liberdade para agir conforme muda
o mercado, mas sob a égide do Estado-nação na forma de prover-lhe a
segurança militar, estabilidade monetária e infra-estrutura. Assim diferentes
Estados-regiões dentro do território podem se desenvolver conforme suas
particularidades e potencialidades dentro das fronteiras políticas, com
independência atuando incisivamente na economia global, mas mantendo ainda
assim vínculo ao interesse nacional. É de suma importância que os
Estados-regiões sejam estimulados a gerarem riquezas dentro do seu raio de
influência conforme sua lógica de ação global, para que assim todo o potencial
de riqueza gerado localmente possa ser socializado conforme as necessidades
intrínsecas do território soberano nacional.
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Referências Bibliográficas
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mundial. São Paulo: Editora UNESP, 2006.
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OLIVEIRA, Odete Maria de. Teorias Globais: Fragmentações do Mundo Volume
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COSTA, Wanderlei Messias da, Geografia Política e Geopolítica. 2º ed. São
Paulo: Edusp, 2008.
OHME, Kenichi. O fim do Estado Nação: a ascensão das economias regionais.
4º ed. Rio de Janeiro: Campus, 1996.
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