XIX ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, São Paulo, 2009, pp. 1-15 O BINÔMIO ENGENHO-POBREZA NO BREJO PARAIBANO: UMA ANÁLISE SÓCIO-ESPACIAL DA RELAÇÃO CAMPO-CIDADE NA PRODUÇÃO DAS PERIFERIAS RURURBANAS DO MUNICÍPIO DE AREIA/PB THE BINOMIO OF SUGAR POOR MILL OF THE MARCH: A SOCIO-SPACIAL ANALYSE OF THE RELATIONSHIP OF FIELD-CITY IN THE PRODUCTION OF THE RURURBAN PERIPHERIES OF THE AREIA CITY/PB Autora: Josileide Bernardo da Silva Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em Geografia (UEPB) [email protected] Co-autor: Lincoln da Silva Diniz Professor do Curso de Licenciatura Plena em Geografia (UEPB) Doutorando em Geografia (PPGEO/UFPE) [email protected] RESUMO: Neste estudo, pretendemos destacar e analisar a produção sócio-espacial das periferias rururbanas da cidade de Areia/PB e de suas localidades distritais e sua relação com a tradicional cultura canavieira, ainda dominante no seu espaço agrário. Esta pesquisa terá ainda por objetivo analisar os fatores responsáveis pela intensificação do movimento migratório em direção aos espaços periféricos das localidades mencionadas, bem como, avaliar o impacto sócio-espacial deste fenômeno. Palavras-chave: relação campo-cidade, cultura canavieira, pobreza rural-urbana. ABSTRACT: In this study, we intend to detach and analyze the spatial-socio production in the ruruban peripheries of the Areia city - PB of its Districts localities and its connection with the traditional sugarcane culture, still dominating in its agrarian space. This search Will still have by objective to analyze the responsable factors by intensification of the migratory movement in direction to the periphery spaces of the localities mentioned, so as, to evaluate the impact socio-spatial by that phenomenon. Keywords: Relationship Field - city, sugarcane culture, rural- urban poor. Apresentação O presente texto constitui parte de uma análise que vem sendo ainda desenvolvida pelos referidos autores. Neste estudo, pretendemos destacar e analisar a 2 XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, J. B. D., DINIZ, L. D. S. produção sócio-espacial das periferias rururbanas1 da cidade de Areia/PB e de suas localidades distritais, especialmente do Distrito da usina Santa Maria, e sua relação com a tradicional cultura canavieira, ainda dominante no seu espaço agrário. Este estudo terá ainda por objetivo analisar os fatores responsáveis pela intensificação do movimento migratório em direção aos espaços periféricos das localidades mencionadas, bem como, avaliar o impacto sócio-espacial deste fenômeno. Município localizado em uma das regiões mais povoadas do Estado da Paraíba, este constitui, sobretudo, um território de profundas desigualdades sociais e econômicas. Fatores, sobretudo, de ordem estrutural, político-econômico, presente no meio agrário de muitas regiões brasileiras, condicionam a exclusão e a concentração de muitos grupos sociais pobres, sem esperanças, em espaços restritos e/ou completamente inviáveis a sobrevivência e ao desenvolvimento humano. Tal fato é constatado nas localidades do município de Areia aonde populações rurais vêm, cada vez mais, ocupando, de forma mais intensa, áreas periféricas, ocasionando, por sua vez, no surgimento e crescimento de favelas, comunidades ribeirinhas, assentamentos etc. O fenômeno migratório de populações vindas do campo para a referida cidade, sempre foi uma constante, ao longo de sua história, por se tratar também, no passado, de uma importante cidade comercial do interior do Estado da Paraíba. Atualmente, embora não ocupe mais tal posição, esta cidade tem se tornado ainda ponto de atração populacional na região do Brejo Paraibano, por se destacar como cidade turística, universitária e, sobretudo, agrícola, base principal da sua economia local. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2007), com base em dados recentes, o município ainda figura como um dos mais importantes na mesorregião do Agreste Paraibano. Tal fato é constatado também a partir do intenso fluxo migratório de populações vindas do campo para as localidades distritais e sua sede municipal que, segundo os levantamentos do mesmo instituto, continua sendo mais intenso do que nas décadas anteriores, agravando, deste modo, os problemas sociais no seu meio rural e urbano. 1 Tratam-se de periferias originadas e formadas por populações pobres expulsas do campo. O termo rururbano refere-se ainda a localidades situadas dentro dos limites urbanos, mas que apresentam características dominantemente rurais, a exemplo da prática de pequenos cultivos de subsistência, do emprego de trabalhadores em fazendas etc. 3 O binômioengenho-pobreza no brejo paraibano: Uma análise sócio-espacial da relação campo-cidade na produção das periferias rururbanas do Município de Areia/PB pp. 1-15 A expansão da cultura canavieira no espaço paraibano: um breve histórico O cultivo da cana-de-açúcar no território brasileiro foi no primeiro momento sobre a faixa litorânea, com destaque para a Região Nordeste, nos Estados da Bahia, Alagoas, Pernambuco e Paraíba. No espaço da Paraíba tal ocupação ocorreu de uma forma muito concentrada nas áreas mais úmidas, especialmente na faixa litorânea, intrinsecamente atrelada às atividades mercantis, voltada para o mercado externo, baseada na monocultura, no latifúndio, e na mão-de-obra escravrocata. A partir do XVI, inicia-se a grande produção açucareira, a qual foi muito aquém de seu caráter de defesa contra invasores franceses “é antes de tudo o preço do avanço da cana-de-açúcar que parte de Pernambuco, atravessa Itamaracá e chega à várzea dos rios paraibanos” (MEDEIROS, 1990, p.6). Por volta de 1585, surge o primeiro Engenho da Paraíba, no atual município de Santa Rita, além disso, na mesma localidade foi montado o primeiro canavial do Estado, nas proximidades do Forte de São Sebastião. Datando de 1624, “a Paraíba já contava com mais de 18 Engenhos situados na região de Mamanguape. Eram engenhos rústicos, movidos à tração animal, com pequena produção de açúcar mascavo, a qual era escoada para Pernambuco, com vias à exportação” (MARIZ apud LEON, 1989). Vale salientar que, “até 1970, as áreas de maior concentração da cana-deaçúcar no Estado situavam-se no Litoral, abrangendo os municípios de Mamanguape, Sapé, Santa Rita, [...] e, no Brejo, onde se distinguiram os municípios de Borborema, Serraria, Pilões, Cuitegí, Alagoinha, Areia, Alagoa Grande e Alagoa Nova”. (MOREIRA, 1996). Cabe ainda ressaltar que, a cultura da monocultura canavieira até o momento se restringia a ambientes de condições favoráveis, como por exemplo, o Brejo e o Litoral, os quais se destinavam à produção da rapadura e posteriormente a da aguardente. Em 1975, foi criado o Programa Nacional do Álcool (PROACOOL)2, visto que, era uma fonte política de subsídios fiscais e creditícios, além do mais estes subsídios eram destinados para a produção agrícola e industrial. 2 O Programa Nacional do Álcool (PROALCOOL) foi criado em novembro de 1975, através do Decreto Lei nº. 76.593/75, no contexto de um esquema alternativo proposto pelo governo brasileiro para enfrentar 4 XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, J. B. D., DINIZ, L. D. S. Segundo Lima (1994, p.18-19), na Paraíba a continuidade do crescimento da produção canavieira em 1985 e 1986, pode ser atribuída aos efeitos defasados dos investimentos realizados pelos produtores entre 1979 /84, com os recursos oriundos da nova estrutura do sistema de crédito. Vale à pena realçar que o Brejo Paraibano foi onde ocorreu o cultivo mais espantoso da atividade canavieira, visto que possuía condições favoráveis quanto à pluviosidade climática, aos solos férteis e a hidrografia perene; podemos enfatizar dentre os municípios do Brejo Paraibano, o município de Areia, o qual iniciou sua monocultura da cana-de-açúcar desde meados do século XIX. No ano de 1862 já era notório a expansão em larga escala da cana-de-açúcar, com mais de 100 engenhos. “Portanto, a cana teve uma fundamental importância no desenvolvimento de Areia, mesmo que uma atividade rudimentar, fato característico da época” (JOFFILY apud NASCIMENTO, 2007). Aspectos geográficos e históricos do município de areia/pb Localização Geográfica O referido município de Areia3 se localiza a Leste do Estado da Paraíba, na Mesorregião do Agreste paraibano, especificamente na Microrregião do Brejo Paraibano4, situado na encosta oriental do Planalto da Borborema (Figura 1). A sede do município está a uma altitude de 618 metros, tem uma posição geográfica determinada pelos paralelos de 6° 57’ 48’’, de Latitu de Sul, em sua intersecção com o meridiano 35° 41’ 30’’, de Longitude Oeste de Greenw ich, de acordo com o IBGE (2000). a crise energética decorrente da alta dos preços internacionais do petróleo. O Proálcool visou também a recuperação do setor açucareiro (que tinha enfrentado séria crise com a queda do preço do açúcar no mercado internacional) e estimular o setor automobilístico, o qual, por redução de demanda e queda de lucratividade, sentia-se ameaçado. 3 O Município de Areia tem uma população estimada em 26.131 habitantes, apresentando uma densidade demográfica de 96,99 hab/km². A população residente na zona urbana é de 13.471 habitantes, o que corresponde a 51,55% do total, ocupando 2.949 domicílios; Já a população rural é um pouco inferior, 12.660 habitantes, perfazendo um total de 48,45% e ocupando os 1.453 estabelecimentos agropecuários existentes no município, cujas áreas variam de menos de 1 a 1.555ha., compondo um total de 25.875ha. ocupadas (IBGE,2000). 4 De acordo com MOREIRA e TARGINO (1991), o Brejo Paraibano corresponde a um brejo de altitude de encostas voltadas para a ação dos ventos. O relevo e a posição geográfica da região contribuem para a ocorrência de um clima úmido (com pluviosidade média anual em torno de 1500 a 1800 milímetros e temperaturas amenas), solos férteis e uma hidrografia perene, condições estas muito favoráveis ao desenvolvimento da agricultura, especialmente da cultura canavieira. 5 O binômioengenho-pobreza no brejo paraibano: Uma análise sócio-espacial da relação campo-cidade na produção das periferias rururbanas do Município de Areia/PB pp. 1-15 Segundo o IBGE (2000), o Brejo de Areia limita-se ao Norte, com os municípios de Arara e Serraria; ao Sul, com Alagoa Grande e Alagoa Nova; ao Leste, com Pilões e Alagoinha; ao Oeste, com Remígio, Esperança e Algodão de Jandaíra. A uma distância de 130 km da capital do Estado da Paraíba (João Pessoa), e de 53 km de Campina Grande, cidade com qual mantém maior relacionamento por ser a sede da 3ª região geo-administrativa do Estado ao qual pertence, Areia é servida pelas rodovias PB-79, que a faz comunicar-se com Remígio e Alagoa Grande, e PB-87, ligando-a a Pilões (IBGE, 2007). Contextualização Histórica do Município de Areia no Brejo Paraibano Desde suas origens, Areia é um município essencialmente agrícola, com ênfase para a lavoura, a qual vivenciou fases de ascensão e de declínio dos seus ciclos econômicos, correspondentes ao seu desenvolvimento, em diversificados períodos, 6 XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, J. B. D., DINIZ, L. D. S. com diversas culturas como: algodão, cana-de-açúcar, café e sisal. Sendo a atividade canavieira a constituinte dos períodos de maior desenvolvimento do município. Segundo Almeida (1980), pouco se sabe sobre as origens da cidade de Areia5. Tudo indica, entretanto, que foi do fim do século XVII para princípio do XVIII, podendo situar-se o fato ao redor do ano 1700. Os primeiros habitantes do Brejo de Areia foram os índios da tribo dos Bucaças ou Bruxaxás6, da nação Cariri. Para Almeida (1994, p.18) “a explicação mais plausível, quanto à presença dos cariris no Brejo, reside no sistema nômade desses povos [...] o brejo, como o litoral seria um refúgio ou reserva para a época das secas”. De acordo ainda com Almeida (1980, p.5), o sítio onde mais tarde surgiu à cidade de Areia, tinha apenas um curral à margem da estrada para recolhimento do gado que vinha do sertão, com destino aos mercados do litoral. Ao redor desse curral começou a nascer o povoado. Tal local era pouso obrigatório de boiadeiros e tropeiros que demandavam o Brejo paraibano, condicionando, deste modo, a formação do povoado. A versão mais provável da exploração histórica da região do Brejo Paraibano por colonizadores faz referência a grupos de portugueses (bandeirantes e comerciantes). Estes encontraram condições ambientais propícias, como clima tropical úmido, proporcionado pela altitude do Planalto da Borborema; solos férteis e abundantes. Tais elementos reforçaram o interesse em explorar essas terras, sobretudo, com a cultura canavieira que, mais tarde, se tornou a atividade agrícola dominante neste meio geográfico. A importância da cana-de-açúcar na economia do Município de Areia: ascensão e declínio De início a cultura canavieira foi introduzida no território de Areia, desde sua colonização por famílias tradicionais do açúcar, migrantes vindos da região de 5 Areia foi elevada a povoação à condição de Distrito pertencente à Mamanguape, pela provisão régia de 29 de julho de 1813. A Vila Real do Brejo de Areia se eleva a cidade, pela Lei estadual nº 2 de 18 de maio de 1846, com o nome de Areia. Valendo ressaltar que foi, na Província, a primeira Vila a ser elevada a cidade, depois da Capital do Estado, que não nasceu com a denominação de Vila, seguida de Souza (1854) e Mamanguape (1855). 6 Bruxaxá: Palavra indígena de formação onomatopéia, que significa terra onde canta a cigarra – inseto que existe em abundância na região do Brejo. 7 O binômioengenho-pobreza no brejo paraibano: Uma análise sócio-espacial da relação campo-cidade na produção das periferias rururbanas do Município de Areia/PB pp. 1-15 Mamanguape, zona da Mata Paraibana, os quais buscaram ampliar essa cultura sobre novas terras propícias e próximas as vias de escoamento desta produção. Na metade do século XIX, a cidade de Areia já constituía o principal centro econômico da região do Brejo Paraibano. Tendo como base da sua economia o cultivo da cana-de-açúcar em larga escala. Enfim se desenvolvera a expansão do canavial, em meio às terras férteis do Brejo, com norteamento para com as engenhocas, cujo fabrico era açúcar mascavo e conseqüentemente a rapadura, tornando esse à mola mestre do desenvolvimento do Município e da Microrregião Brejeira. Diante desse contexto, Areia vivenciara um processo de modernização capitalista-exportador, substituindo e/ou acrescentado ao Engenho rústico, pela Usina, representada na época pela Usina Santa Maria. Léon (1989, p.16) diz que, “sua infraestrutura passou por diversas transformações que visavam à produção de açúcar refinado para a exportação, e mais que isto, a produção de álcool para servir de combustível alternativo”. Esses aspectos datam de 1975, com incentivos da política de créditos rural, fornecidos pelo PROALCOOL (Programa Nacional do Álcool) ano de sua criação. Mais adiante na década de 1980, a Usina entrou em declínio, após a extinção do PROALCOOL, contribuindo para com a decadência de muitos engenhos, e seguido da massa falida, como: proprietários, administradores, moradores, sindicalistas dentre outros. Diante do exposto, surgiram técnicas de estratégia pela agroindustialização como forma de manter o pequeno produtor dependente ou subordinado ao capitalismo que toma conta da agricultura. Com a penetração do capital no meio rural os latifúndios passam a ser indústrias agrícolas, grandes empresas capitalistas (LACERDA, 1996, p. 18). Atualmente, observa-se que a atividade canavieira ocupa um espaço instável, perdendo posição para outros setores agrícolas, principalmente para a criação bovina, onde predomina a existência de um maior número de produtores. Todavia, em meio aos seus ciclos econômicos a cana continua ainda sendo a cultura mais importante do município de Areia. Tal fato pode ser visualizado em seu espaço agrário e urbano que sofreram enormes modificações, em virtude da cana-de-açúcar, e respectivamente com o declínio dessa atividade. Afirma Nascimento (2007, p.44) que, “Na última década 8 XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, J. B. D., DINIZ, L. D. S. grandes áreas foram cedidas para a pecuária, atividade que veio complementar a renda de alguns proprietários”. Além desta atividade, outras culturas (temporárias e permanentes) foram ampliadas no município, como: banana, milho, feijão, mandioca e laranja (Tabela 1). O município de Areia apesar de seus ciclos econômicos instáveis, ainda hoje obtém na cana-de-açúcar uma parcela significativa de contribuição, no que diz respeito ao setor agroindustrial, paralelamente ao setor do turismo rururbano7. CULTURA QUANTIDADE PRODUZIDA PERMANENTE TEMPORÁRIA (Toneladas) VALOR DA PRODUÇÃ O (Mil Reais) ÁREA ÁREA RENDIMENTO PLANTADA COLHIDA MÉDIO (Hectare) (Hectare) (Kg./ha) Abacate 130 17 13 13 10.000 Banana 35.640 10.692 1.585 1.585 22.485 Manga 312 109 52 52 6.000 Cana-de-açúcar 45.000 1.530 900 900 50.000 Mandioca 9.000 1.260 1.500 1.500 6.000 Feijão 1.120 1.260 2.800 2.800 400 Milho 600 250 1.500 1.500 400 Tabela 1: Lavoura permanente e temporária do Município de Areia/PB Fonte: IBGE/Censo Agropecuário – 2004 De acordo com o IBGE (2000) existem aproximadamente 28 engenhos em funcionamento na área do município de Areia. Entretanto, segundo Nascimento (2007, p.40) em sua pesquisa in loco, foi averiguado a existência de 34 engenhocas que produzem alguns produtos (Tabela 2). Produtos Número de engenhos que comercializam 7 Açúcar mascavo 2 Cachaça 19 Rapadura 16 Melaço 3 Mel 6 Batida 3 Fato que lhe garantiu em 12 de agosto de 2005, o título de Patrimônio Histórico Nacional, vindo a ser a primeira Cidade da Paraíba totalmente tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Este último mesmo em fase de recentes desenvolvimentos, já conseguem atrair um número considerável de turistas, para contemplar construções históricas, especialmente dos antigos engenhos do século XIX. 9 O binômioengenho-pobreza no brejo paraibano: Uma análise sócio-espacial da relação campo-cidade na produção das periferias rururbanas do Município de Areia/PB pp. 1-15 Tabela 2: Produção dos derivados nos engenhos de Areia – PB Fonte: NASCIMENTO, 2007 De acordo com Nascimento (2007, p.43), os números contidos na tabela acima mostram que tanto a cachaça, quanto a rapadura configuram os principais produtos da tradicional agroindústria areense nos dias atuais, fato que sempre persistiu desde os primórdios dessa atividade. Os demais derivados, mesmo com uma produção menor, desempenham ainda uma importância significativa para a economia local. A cultura da cana-de-açúcar, embora praticada em diversas propriedades rurais do município já não ocupa mais o centro da economia local, cedendo lugar para outras atividades, principalmente para a pecuária entre os maiores proprietários. Enquanto que, entre os produtores de renda menor estão consorciando a cana-de-açúcar com produtos de subsistência (Figura 2), havendo deste modo, uma (re) produção do espaço agrário, principalmente na subdivisão territorial, para que não se tornem dependentes de apenas uma atividade (Nascimento, 2007, p.44). Figura 2: Área mista: cana-de-açúcar, pecuária, banana e subsistência. Fonte: NASCIMENTO, 2007 O binômio engenho-pobreza no Município de Areia e a sua relação sócio-espacial na produção das periferias rururbanas 10 XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, J. B. D., DINIZ, L. D. S. Como já mencionado anteriormente, a cana-de-açúcar trouxe para o Brejo Paraibano, em destaque o município de Areia, uma fonte de riquezas, vistas em sua arquitetura remotas do século XIX. Todavia em meio às ascensões e declínio o espaço geográfico dessa cidade se viu transformado, de um lado uma classe representada pelos senhores de engenho, detentora de bens e grandes propriedades rurais, e de outro a camada social marginalizada em sua grande maioria. Quanto ao processo social, no município são percebíveis relações hierárquicas, fato visto desde o período dos senhores de engenho, no que diz respeito a sua posição sócio-econômica de classes, os quais prevalecem em suas entranhas nos dias atuais, com o inchaço da área urbana sob a paisagem, de um novo cenário, como as favelas, onde são visualizadas formas de sobrevivência subumanas, ausência de infraestruturas básicas. O contexto das atividades instáveis do município retrata bem esse perfil, em particular a cultura canavieira, que ausente de subsídios não conteve sua economia e com isso sofreu com os períodos de oscilações, seguindo da decadência de muitos engenhos que aí se encontravam, num número de aproximadamente 100 unidades em funcionamento. Um exemplo do processo de modernização e declínio da economia canavieira na região é a Usina Santa Maria, situada no município de Areia. Instalada em 1930, em substituição aos tradicionais engenhos (Figuras 3 e 4). 11 O binômioengenho-pobreza no brejo paraibano: Uma análise sócio-espacial da relação campo-cidade na produção das periferias rururbanas do Município de Areia/PB pp. 1-15 Figuras 3 e 4: Instalações desativadas da Usina Santa Maria Foto: Josileide B. da Silva, novembro de 2008 Cabe destacar que a Usina Santa Maria possuía sua produção própria, e além do mais comprava matéria-prima de 271 engenhos, distribuídos em 15 Municípios, dentre eles temos: Pilões, com 4 unidades e Serraria com 2 unidades. Neste sentido, o processo de agroindústria se encontrava em pleno vapor, com o aumento da estrutura fundiária e do fortalecimento da matéria-prima, vindo a ser classificada como uma das melhores do Estado. Esta Usina, com o objetivo de manter sua contingência em mão-de-obra, procurou construir agrovilas ou vilas operárias, com infra-estrutura a qual permitisse comodidade estável de vida aos seus subordinados. Tais condições na opinião de Léon (1989, p.33), eram suficientes para que sejam esquecidas obrigações trabalhistas previstas por lei. Por outro ângulo, as famílias que não obtiveram sucesso em conseguir um lote de terra nas franjas da Usina, devido ao grande contingente já exposto, se vêem diante de dois cenários: dentro da própria microrregião, ou regiões vizinhas; fora com o deslocamento campo-cidade freqüente. Podemos analisar esse fato junto à decadência dos engenhos, onde por sua vez a massa trabalhadora foi introduzida na usina, e passaram se alojar nas periferias da 12 XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, J. B. D., DINIZ, L. D. S. cidade8, mais precisamente no Bairro da Jussara, palco das conseqüentes modernizações nos ambientes rurais. Como também devido a sua aproximação à citada Usina. Nesse sentido, afirma Léon (1989, p.34) que, “a conseqüência mais danosa da modernização da agricultura do homem do campo, diz respeito à expulsão deste do seu meio para as periferias das cidades próximas ao complexo agroindustrial”. Na ausência dos incentivos do PROALCOOL e sob uma administração arcaica, a Usina começa a entrar em franco declínio por volta da década de 1980, sendo o fato propriamente consumado em 1992, mesmo assim surgiram novas fontes de investimentos, sai à usina e entra a AGROENGE (Agropecuária e Engenharia S/A) pertencente a um grupo do Distrito Federal, objetivando “salvar” a usina, porém não obteve sucesso. Diante da decadência, os moradores se viram obrigados a migrarem para outros lugares, como as periferias do próprio município de Areia, principalmente para a povoação que se formara entorno da falida usina Santa Maria. O intenso fluxo migratório em direção as nascentes periferias que, por sua vez, já se encontravam densamente povoadas, enfrentará outros problemas quanto à ausência de infra-estruturas nestes espaços (Figuras 5 e 6). 8 Para uma melhor exatidão dos fatos exposto no trabalho, foi realizada um pesquisa in loco, nos Distritos de: Cepilho, Muquém, Mata Limpa e, especialmente da Usina Santa Maria, por se tratar a localidade mais densamente povoada por populações oriundas do campo. 13 O binômioengenho-pobreza no brejo paraibano: Uma análise sócio-espacial da relação campo-cidade na produção das periferias rururbanas do Município de Areia/PB pp. 1-15 Figuras 5 e 6: Periferia do Distrito Usina Santa Maria (Bairro da Jussara) Foto: Josileide B. da Silva, novembro de 2008 A dinâmica sócio-espacial das periferias rururbanas da Usina Santa Maria é compreendida ainda a partir dos depoimentos de alguns dos seus moradores que, expõem a sua situação de exclusão e confinamento em espaços restritos a sobrevivência humana. Para J. I. S., antigo trabalhador e, atualmente vice-presidente da Associação do Bairro da Jussara diz que: “praticamente não mudou nada as famílias que estão hoje aí enfrenta grandes dificuldades, não tem emprego com trabalho digno (...) às vezes alguns pedem esmolas na rua na cidade, e outros arrumam então um quebra galho digamos assim um trabalho, aí conseguem um meio melhor de sobreviver” (9/11/2008). De acordo com A. S., desempregado, “Hoje agente enfrenta praticamente a mesma coisa de antes depois que o engenho faliu formos para a usina, da usina fomos para as fazendas e que veio para a cidade porque a usina não funcionava” (9/11/2008). Deste modo fica claro que com a desestruturação do espaço canavieiro a situação de exclusão se tornou mais complexa. É percebível nas periferias rururbanas do Brejo de Areia os impactos da crise atual, refletidos diretamente sobre as populações de baixo status social. Fatos que estão expostos na ausência de infraestruturas, presença numerosa de desempregados, miséria, sofrimento, amargura, êxodo rural, violência etc., reflexo do lento e desigual processo de desenvolvimento do município de Areia. 14 XIX ENGA, São Paulo, 2009 SILVA, J. B. D., DINIZ, L. D. S. Este antigo, novo e desigual padrão de organização sócio-espacial nas periferias brasileiras, constituem, portanto, um reflexo da tradicional estrutura agrária dominante que, exclui e impede um desenvolvimento social contínuo entre as populações trabalhadoras do campo. A tradicional e concentrada estrutura agrária canavieira, ainda dominante no município de Areia, reproduz a mesma lógica capitalista do campo comercial brasileiro que, gera e se concretiza em novas espacialidades habitadas densamente por populações excluídas deste processo produtivo desigual, em torno de pequenas e grandes localidades urbanas. Referências ALMEIDA, Horácio de. Brejo de Areia: Memórias de um Município. 2ª edição. 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