- Sociedade Brasileira de Sociologia

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O horizonte aberto da sociologia latino-americana de hoje.
Dr. Lucio Fernando Oliver Costilla*.
Nota prévia: as seguintes colocações baseam~se na experiência do autor com a
literatura sociológica latino-americana no Centro de Estudios
Latinoamericanos, da Faculdad de Ciencias Políticas y Sociales, da UNAM,
México, e com a literatura existente hoje no Brasil sobre a temática. O autor é
professor visitante da Pós-Graduação em Sociologia, da Universidade Federal
do Ceará e participa atualmente na Rede Universitária de Pesquisa sobre
América Latina (RUPAL) que faz parte do projeto de Ciências Humanas da
UFC. A rede publicou recentemente o livro América Latina, transformações
econômicas e políticas, Fortaleza, Brasil, Ed. UFC, julho 2003, coordenado
pela professora Elza Braga, com uma contribuição do autor.
1. O pensamento social latino-americano na história recente.
As ciências sociais, expressão no pensamento das contradições sociais,
sintetizam a experiência histórica e têm demonstrado grandes êxitos e muitas
dificuldades para acompanhar a realidade e vislumbrar o futuro. Hoje, embora
tenham se desenvolvido de forma universal, ainda têm problemas para
apreciar as tendências do presente, seja pela separação entre teoria e realidade,
pela extrema ideologização, pelo
colonialismo
ideológico
ou
pelo
empirismo—que não descobre tendências ou processos e sim particularidades
e parcialidades.
*
Sociólogo e professor pesquisador titular da Universidad Nacional Autónoma de México, professor
visitante da Universidade Federal do Ceará.
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2. Ganhos e limitações do pensamento latino-americano.
Na América Latina é a partir de mediados dos anos cinqüenta do passado
século que mostraram-se abertamente os ganhos e as limitações das ciências
sociais dos países do subcontinente. Façamos um reconto agora dos ganhos:
uma acumulação de perguntas e de explanações teóricas de grande valor: a
teoria da passagem da sociedade tradicional a sociedade de massas, a
passagem da pergunta de si seria possível o desenvolvimento capitalista a uma
outra que inquiria sobre o tipo de desenvolvimento capitalista específico que
estava acontecendo o que levou a teoria da dependência e da superexploração, os estudos das particularidades nacional populares das sociedades
latino-americanas e sua potencial contribuição para a mudança social e
política; os análises sobre as relações de poder a nível mundial da CEPAL que
debateram o sistema econômico mundial e diferenciaram entre centro e
periferia, o estudo das crises como meio de conhecimento e meio de
desenvolvimento social em sociedades pouco estruturadas como as latinoamericanas, etc. entre outras. Essas descobertas teóricas as vezes terminaram
como grandes generalizações positivistas que impediram o estudo da realidade
concreta de cada país. Ficam como momentos álgidos do pensamento social.
3. Abusos e generalizações hoje evidentes.
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As grandes limitações da sociologia latino-americana, as cegueiras do
pensamento social socialmente aceito em cada período são precisamente os
abusos das generalizações da época e que hoje são evidentes: quando falavam
que as sociedades deveriam passar a ser sociedades modernas e evoluir a
repúblicas democráticas apareceu o populismo e o clientelismo político; num
período em que se esperavam revoluções burguesas aconteceu a revolução
socialista no subcontinente; quando se assegurava que existia uma longa
evolução política apareceu a onda de ditaduras militares; quando se pensava
que se tinha retornado a uma democracia popular houve um retorno à
democracia neoliberal, num momento em que se suponha devia aparecer uma
acirrada luta de classes aconteceu o desenvolvimento dos movimentos sociais;
numa época em que se suponha o fim do Estado se desenvolveu a construção
da cidadania; e por último num momento em que a globalização deveria
dominar apareceu a força do local. Hoje num momento em que se reivindica a
sociedade civil aparecem os Estados democraticamente eleitos que
reinvindicam a soberania e a luta por um outro modelo social.
4. A acumulação de conhecimentos e as construções faltantes.
Hoje no subcontinente latino-americano o pensamento social está mais
preparado teórica e analiticamente para as entender uma grande
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diversidade e pluralidade de fenômenos e expressões sociais. Existe uma
acumulação inusitada de pesquisas de meio e longo prazo. Hoje nas
ciências sociais dos principais países da América Latina existe uma
maduração evidente, institucional e não institucional. Uma leitura atenta
aos innumeraveis textos coletivos, resultado dos grupos de pesquisa
interinstitucionais que incorporam pesquisadores de vários países,
trabalhos apresentados nos diversos congressos nacionais e latinoamericanos de sociologia, de história, de economia, de educação, de
antropologia, de ciência política permite apreciar o grau em que as grandes
generalidades abstratas e explicações causais simples tem sido substituídas
pelos análises particulares precisos. A minha apreciação, e essa são as teses
que quero apresentar em esta mesa redonda, é que estão faltando, contudo,
reflexões coletivas de alto vôo. Estão faltando os debates sobre as grandes
colocações decisivas que poderiam dar sentido teórico nacional ou subregional ao novo conhecimento. O que poderíamos classificar hoje como
construções analíticas substanciais, que permitam uma compreensão senão
universal pelo menos nacional dos assuntos pesquisados. Os pressupostos
gerais que já estão implícitos ou que deveriam ser repensados e
desenvolvidos teoricamente.
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5.Alguns pressupostos implícitos e outros ausentes sobre os paradigmas
econômicos viáveis.
Entre os grandes pressupostos que temos que transformar em real
conhecimento coletivo e em convições teóricas decisivas, estão, por exemplo,
os que tem a ver com as tendências do capitalismo hoje e as opções reais que
existem hoje nos nossos países para um desenvolvimento capitalista autônomo
ou integrado a algum bloco regional? Qual é a possibilidade de defender e
ampliar uma reprodução local do capital e do trabalho no momento capitalista
de dominância financeira global? Sobre esta temática cada pesquisa particular
tem seus supostos, a maioria das vezes implícita e não explícita.
Supôe-se, por exemplo, que é possível um desenvolvimento capitalista
produtivo nas economias nacionais ou supôe-se que es possível participar no
mercado mundial e na divisão internacional do trabalho, quando a realidade
prevalecente é a tendência a uma inserção subordinada e fragmentada na
economia mundial. Consiste no domínio da nossa capacidade produtiva e
comercial pelas grandes empresas transnacionais e a dominação mundializada
do capital financeiro via as bolsas de valores, os investimentos financeiros e o
peso dos juros e das dívidas internas e externas dos Estados. O capital médio e
pequeno está presente com pésimas condições e a economia precarizada e
informal reproduz apenas a vida de milhões de trabalhadores.
Quantas
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pesquisas partem do pressuposto de que está acontecendo um determinado
desenvolvimento nacional e ignoram as tendências reais?
6. Pressupostos com relação ao papel do Estado nacional e a soberania.
O Estado político nacional no contexto da crise de representatividade
interna das regiões, das etnias, dos grupos sociais, dos grupos ideológicos, dos
grupos políticos e perante a hegemonia político militar do sobrestado imperial
e da mundialização capitalista é soberano.
Supôe-se sem pensar duas vezes que o Estado político nacional poderá
viabilizar externa e internamente as políticas decididas pelo consenso
democrático interno, mas não se considera a limitação desse consenso
democrático, que a maior parte das vezes é um consenso autoritário e
excludente das grandes maiorias reais. Tampouco se pensa que sob a esfera de
influencia, direção e domínio dos Estados Unidos nas Américas teremos que
procurar nossa soberania e autonomia a partir de um esforço brutal de
recuperação de capacidades e duma luta para impedir o intervencionismo
externo. O próprio conceito de Estado varia de una pesquisa a outra, em lugar
de avançar no debate sobre o Estado ampliado que prevalece e que obriga a
considerar o poder não só desde o ponto de vista do aparelho de governo e
administração, ou só da sociedade política, e sim da unidade entre sociedade
política e sociedade civil.
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7. A importância da referência às relações entre fenômenos sociais.
O que em outros tempos e contextos teóricos chamava-se de referência de
totalidade. Boa parte das pesquisas mantém uma visão separada entre as
instituições e os conflitos sociais. As instituições têm um peso real e
simbólico, a mesma coisa que as ideologias, a cultura. O estudo isolado em si
mesmas, porem, impede pergunta-se pela relação entre o funcionamento e a
dinâmica das instituições e os interesses e a supremacia dos grandes grupos
históricos sociais. A relação entre desenvolvimento institucional e forças
sociais é fundamental. É necessário desenvolver, desde a perspectiva da
sociologia política, uma teoria do institucional associada ao desenvolvimento
da luta das forças sóciopolíticos e da supremacia dos grupos sociais
dominantes na sociedade. Isto permitirá que os analises da administração
pública, das políticas sociais, da burocracia, dos partidos, dos sindicatos, das
escolas, das igrejas, dos conselhos, das associações, dos grupos de interes, dos
grupos minoritários, etc., possa entrecruzasse com o estudo da hegemonia
política ou da resistência das classes hoje.
8. As temáticas insuficientemente trabalhadas.
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Por exemplo, as expressões dos fenômenos nacional e comunitário. Sobre o
estudo do Estado nação, a sociologia latino-americana tem pesquisado e
trabalhado especialmente o que tem a ver com o Estado, deixando de lado a
pesquisa sobre os componentes nacionais e comunitários, no entanto esses
fenômenos estão hoje fazendo eclosão no mundo. O comunitário é um
elemento que é fundamento nas nossas sociedades originais, sendo que os
Estados autoritários e uni-culturais ainda existentes o tem excluído e ignorado.
A problemática da reivindicação político social e étnico cultural da existência
de comunidades tem feito aflorar processos e categorias associadas com esses
direitos comunitários, tais como o direito as autonomias indígenas o a reforma
pluricultural e plurinacional dos Estados, que os atuais poderes constituídos se
negam a ver e a incorporar.O fondo da questão, evidentemente, é que o
nacional e o comunitario existem como fenômenos e como processos sociais
que, não obstante, para os governos da região tem sido mais um adereço
político discursivo e não um compromisso constituinte dum Estado
democrático plural. Hoje em dia o problema se coloca mais abertamente, com
referencia a falta de reconhecimento de múltiplos direitos e culturas indígenas,
e sobretudo a construção dum novo Estado que se deveria instituir
politicamente com as comunidades indígenas como co-constituintes dum novo
poder milticultural e plural. Isso, no entanto, não quer dizer deixar de lado o
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problema econômico social da questão indígena, e sim estabelecer uma nova
associação entre a resolução radical desse problema, com novas demandas e
perspectivas.
9. A temática das ideologias, da cultura, dos simbolismos na integração das
massas e a hegemonia das classes.
Evidentemente já não basta sustentar que a ideologia e o poder são só uma
alienação e uma tergiversação do poder coletivo das forças sociais próprias.
Hoje fica claro que os âmbitos da cultura, a ideologia, os simbolismos, são
espaços constituintes das próprias forças sóciopolíticas e da sua capacidade de
se projeta no espaço local, regional e nacional.
10.A cidadanização da política.
Esta temática tem sido estudada em pesquisas coletivas de grande alcance,
no entanto apresenta hoje peculiaridades que ainda não tem sido analisadas:
aparece associada com estranhos fenômenos de despolitização e pérdida dos
aspectos sociais e econômicos da cidadania social universalista de meados do
século passado. A sociologia latino-americana requer trabalhar uma nova
concepção de cidadania que incluia os direitos de primeira, segunda e terceira
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geração com o objetivo de construir uma nova concepção do público
associado a o cidadão.
11.Os diferentes usos do conceito de democracia.
A própria democracia tem perdido o caráter de forma política contraditória
de domínio dos de encima e de espaço aberto, legal e livre da luta social por
direitos e influencia dos de embaixo no Estado. O descontentamento com a
democracia e hoje particularmente importante. O desencanto sobre as formas
concretas da democracia política nos países –uma democracia restringida, de
pactos entre militares e civis, entre partidos elitistas, entre um executivo
dominante e um legislativo dominado, etc.- tem levado a que a crítica das
ciências sociais interrogue ao regime político existente, cuja recuperação tem
costado tanto as sociedades. A crítica não sociológica à democracia não a
enxerga como um espaço de luta aberta, legal e pública, no qual predominam
forças e sujeitos sócio-políticos que a restringem e a transformam num espaço
de legitimidade eleitoral exclusivamente. Vale a pergunta, por que a
sociologia latino-americana se tem olvidado dos sujeitos sócio-políticos e da
sua hegemonia.
12. A relação entre o local, o nacional e o global .
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A própria relação entre o local, o nacional e o global está pouco desenvolvida
teoricamente. Não surpreende pela falta de categorias de um pensamento
social latino-americano que tem se acostumado a realizar análises
exclusivamente no âmbito do Estado nação. Assim, por exemplo, os
problemas e as contradições da inserção subordinada e dependente de nossos
países na mundialização do capital e sob a pressão das políticas da
globalização. O pensamento social quase não conta com categorias para
analisar, para descobrir as forças sócio-políticas que a estão processando e
dirigindo, para determinar tendências alternativas ou recursos sociais de poder
de resistência e contraposição.
13. A exclusão e a diferença.
As noções de exclusão e de resgate da diferencia tem aparecido recentemente
na crítica de alguns movimentos sociais (EZLN, MST, etc) para caracterizar
fenômenos novos processados pelas novas formas de exploração, opressão e
domínio. O horizonte da sociologia latino-americana de finais do século
anterior caracterizava a exclusão como um fenômeno pré-moderno, dado que
o capitalismo é um modo de produção e uma forma social incluinte pela sua
própria natureza de processo e fenômeno que absorve a força de trabalho livre
e submete a outros modos de produção. Nesse sentido, em lugar do resgate da
diferença a sociologia latino-americana colocava a generalização da igualdade
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e da liberdade. Contudo, o capitalismo neoliberal cria formas de opressão e
exclusão de direitos múltiplos para diversos atores e categorias sociais; a
categoria de exclusão adquire novo significado para aludir a ausência de
direitos nos processos de integração de maiorias e minorias sociais.
A mesma argumentação vale sobre as categorias de diferença e diversidade,
antes dominada pela proposta de igualdade política e de direitos dos cidadãos.
No universo de fenômenos atuais a diferença e a diversidade se estão
constituindo num novo direito dentro da igualdade. Isto tem a ver com uma
velha polemica entre o peso do social e o peso do político. De nova conta o
social no se pode diluir no político e os direitos de maiorias e minorias não
podem se diluir na luta pela igualdade e liberdade do cidadão abstrato,
atomístico e universal.
14. A sociedade civil.
A categoria de sociedade civil está ingressando no horizonte teórico dos
estudos latino-americanos propondo uma dupla acepção: a) segue sendo o
tecido ideológico político da sociedade na qual se projeta e se assome a
hegemonia dos projetos dominantes. Neste sentido é, como dizia Gramsci nos
Cadernos do Cárcere, um espaço do Estado, o espaço da hegemonia dos
grupos que tendem à supremacia. Não se trata de um espaço fechado,
excludente, e sim de um espaço dinâmico, aberto, de luta pela hegemonia.
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Mas devido as características que tem adquirido os movimentos sociais da
segunda metade do século passado, e inclusive também devido as lutas sociais
antineoliberais a sociedade civil tem passado a ser também: b) um sujeito da
luta social, com um programa próprio de desenvolvimento autônomo das
organizações sociais, dos movimentos sociais, pela consecução de direitos
democráticos diversos. A sociedade civil projeta se então como um
movimento e um programa de mudanças democráticas avançadas, de
resistência e solidariedade popular entre os afeitados pelas políticas
conservadoras e plutocráticas da globalização,
Em fim, as anteriores são uma mostra do importante desafio de
reconstrução de categorias que hoje têm as ciências sociais latino-americanas
si não querem permanecer estancadas e aceitam abrir se a uma redefinição que
permita uma adequada caracterização dos novos e velhos processos e
fenômenos que têm provocado a reestruturação do capitalismo mundial e a
reformulação das nações e sociedades do recém iniciado século XXI.
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