Um Olhar diferente sobre a Primeira Guerra Mundial No Natal de 1914, aconteceu algo muito mais surreal do um velhinho distribuindo presentes pelo mundo com seu trenó voador. Sarajevo, Sérvia, 28 de junho de 1914. O estudante bósnio Gavrilo Princip mata a tiros o arquiduque Francisco Ferdinando (herdeiro do Império Austro-Húngaro) e sua esposa Sofia. O atentado, motivado por problemas regionais, logo entra para a História como o estopim da Primeira Guerra Mundial. Na verdade as nações envolvidas no conflito precisavam apenas de um empurrãozinho: bastava um simples “acidente diplomático” para iniciar o tiroteio. Os ânimos já estavam bem exaltados entre as potências europeias desde meados do século XIX e a guerra era apenas questão de tempo. Considerada pelo escritor britânico H. G. Wells como “a guerra para por fim a todas as guerras” e que acabaria de forma bem rápida, a Primeira Guerra Mundial logo virou um conflito extenso e bem custoso para os Estados envolvidos. Inferno Se para os países ficou complicado manter a guerra por um tempo além do estimado, imaginem como estavam os soldados, entrincheirados no campo de batalha, tendo que conviver com sujeira, chuva, frio, lama, o forte cheiro dos companheiros e inimigos mortos na “terra de ninguém” (aquele espaço entre as trincheiras inimigas), ratos, piolhos e, é claro, o chumbo-grosso do outro lado. Carlitos, não adianta fazer graça porque a coisa tá bem fedida por aqui, ok? Seis meses após o início do conflito, a França e a Alemanha já tinham perdido cerca de 300 mil homens cada e a Inglaterra uns 160 mil. A linha de trincheiras ia do Mar do Norte até os Alpes suíços, cruzando partes da Bélgica, França e Alemanha. Durante o dia, colocar a cabeça para fora da trincheira era pedir para levar uma bala na testa disparada pelos franco-atiradores posicionados em lugares estratégicos. À noite o soldado torcia para não receber do superior a ordem de ter que se arrastar até o lado inimigo e tentar matar alguém no escuro. Havia também o medo de que uma bomba ou uma granada caísse bem em seu colo, mas o soldado até conseguia dormir com um pensamento destes rondando sua cabeça. O difícil era dormir com o barulho das explosões próximas. O ambiente era assustador.Perto do Natal de 1914, os ânimos para lutar estavam bem frouxos. Os soldados já estavam cansados daquele inferno. A partir da noite do dia 24, várias regiões ao longo da linha de trincheiras viveram situações no mínimo surreais para uma guerra. Os soldados e oficiais dos dois lados do conflito começaram a negociar tréguas espontâneas que começariam já naquela noite ou na manhã do dia seguinte. Em muitas regiões esta trégua serviu para que os dois lados enterrassem seus companheiros e inimigos mortos, já que os corpos estavam estirados nas “terras de ninguém” e nenhuma pessoa em sã consciência se aventurava a andar por ali sem uma trégua. Inimigos cavaram as covas e rezaram juntos pelos mortos. "Tenente, o que eu falo para quebrar o gelo e iniciar o pedido de trégua com o outro lado, senhor?" / "Pergunta se eles conhecem o Apimentadas!" “Vocês não atiram, nós também não atiramos!” Em outras regiões, soldados ouviam o outro lado cantando músicas natalinas e, mesmo sem entender a letra, conheciam a melodia, afinal, “Stille Nacht” em alemão tem a mesma melodia de “Silent Night” em inglês ou “Douce Nuit” em francês, e até nós conseguiríamos reconhecer a música, já que “Noite Feliz” é uma canção universal para celebrar o Natal. A música muitas vezes servia para quebrar o gelo entre os dois lados e logo ouvia-se um “Feliz Natal” arrastado no seu idioma vindo do outro lado. Daí para a negociação de trégua e a aproximação dos até então inimigos era um pulo. Ou melhor, uma “arrastada” até a trincheira inimiga. Não foram raras as vezes em que os soldados inimigos trocaram presentes como cigarros, sabonetes e vinho. Em algumas regiões eles improvisaram campinhos de futebol e jogaram com o que tinham à mão. Latas vazias de comida, grama, feno ou capim enrolados com panos e amarrados com arame, tudo valia para improvisar uma bola. As traves eram os capacetes ou estacas fincadas na terra. Árvores de Natal também eram improvisadas com galhos secos, velas e laços feitos com panos coloridos. É até normal entender estas tréguas e demonstrações de humanidade entre os combatentes. Muitos soldados não entendiam ou não aceitavam os reais motivos da guerra, e ficar ali naquela situação fedendo, sentindo fome, frio e medo acabava aproximando os dois lados. Enquanto isso, os generais dos dois lados, confortavelmente instalados em suas salas, de frente para uma lareira e bebendo vinho quente, não gostaram destas atitudes de seus subordinados e enviaram ordens proibindo qualquer tipo de trégua sem a expressa autorização do alto-comando. "Qual deles o senhor vai querer no gol, senhor?" Não adiantou muita coisa. Em algumas regiões as tréguas e as confraternizações chegaram a durar semanas! Quando os soldados eram pressionados pelos superiores, bastava ir para trás das trincheiras e ficar ali sem fazer nada. Quando muito, davam tiros a esmo, para o alto, sem direção nem alvo. Muitos franceses e belgas não gostaram destas tréguas, afinal de contas, eles estavam ali defendendo seus países, dentro de suas terras invadidas pelos alemães. Mas de um modo geral até os mais revoltados acabavam cedendo, afinal de contas, aquela era uma guerra idiota (assim como todas as guerras, concordam?). Um cabo austríaco, em especial, lutando ao lado dos alemães e entrincheirado na Bélgica, reclamou da “humanidade” de seus companheiros que, ao invés de atirarem nos britânicos, estavam trocando presentes e cantando com eles. Teve, em um futuro próximo, sua chance de atirar nos britânicos. Aliás, atirou nos britânicos, nos franceses, nos soviéticos, nos gregos, nos iugoslavos, nos belgas, nos holandeses, nos judeus… e quase destruiu toda a Europa. Para Hitler, nem a comemoração do Natal merecia uma trégua… A guerra continuou. Apesar da trégua, alguém tinha que sair vencedor do conflito, de preferência causando milhares de baixas do outro lado. E assim foi feito até 1918, com a rendição alemã. Para alguns historiadores, a Primeira Guerra nem teve fim, apenas passou por um intervalo até 1939 quando, historicamente, consideramos o ano como o início da Segunda Guerra.