REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano I - nº 1 156 DIREITO COMUNITÁRIO NA UNIÃO EUROPÉIA Rozane da Rosa Cachapuz* 1 RESUMO A crescente complexidade das sociedades, sobretudo os conflitos gerados através das guerras, tem levado os povos à busca de uma união de esforços, fundamentada na proteção da liberdade, da paz e de uma economia estabilizada. É o fenômeno da globalização, onde as nações abrem as portas de seus interesses pessoais e dão as mãos para buscarem soluções conjuntas. O direito europeu tem se tornado um espelho para o mundo, através da formação de um direito comunitário, que tem facilitado, sobremaneira, a integração dos povos. PALAVRAS-CHAVE: Direito Comunitário; Integração, Globalização. 1. INTEGRAÇÃO: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS O Homem, desde a sua criação, não foi gerado para viver só. Foi-lhe necessário um(a) companheiro(a) para que estivesse ao seu lado. Os primatas, habitantes das cavernas informes, quase irracionais, já podiam perceber a importância de não estar só. Krusner afirma que “um só ser humano não é ser humano” e conclui seu pensamento, dizendo: “as qualidades que nos fazem humanos só emergem através das maneiras pelas quais nos relacionamos com os outros.” *Docente do Curso de Direito do Centro Universitário Filadélfia – UniFil. Docente na Universidade Estadual de Londrina – UEL. Mestre em Direito Negocial (Civil e Processo Civil) pela Universidade Estadual de Londrina. Doutora em Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogada. E-mail: [email protected] Artigo REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano I - nº 1 157 O que nos leva a entender que a integração tem seus antecedentes nos idos da História e que o mesmo impulso inicial ocasionou a busca da integração grupal, no intuito de uma globalização das relações sócio-político-culturais e econômicas, dando forma e conteúdo às relações entre as pessoas, sem perder de vista as suas individualidades. Integração segundo o entendimento de SOLÍS 1 vem a significar “... constituir, formar, fazer um todo ou conjunto com partes diversas”. Assinala o referido autor, que a grande dificuldade da integração está identificada com o número e diversidade de partes a integrar. A integração geralmente é impulsionada por interesses econômicos, afinidades culturais e facilitada pela posição geográfica entre os países. O que leva os povos a buscar uma atuação conjunta, com o intuito de alcançar melhores resultados de participação social e econômica, no ajuste equilibrado de soberanias. O universo das relações dirige-se cada vez mais na tentativa de oportunizar uma política de trocas, onde as soberanias absolutistas foram cedendo lugar a uma disposição crescente de intercâmbio. E a integração pode ser considerada como o grande vetor para derrubar fronteiras e unir os povos, colaborando, ainda, para o melhor relacionamento entre as nações. Há que se considerar a grande importância da integração ao estimular a competitividade empresarial, firmada em melhor produtividade e maior produção, com menor preço, desbravando fronteiras para que o similar estrangeiro venha disputar espaço comercial. É o que podemos constatar nos ensinamentos de IANNI 2 : “Os efeitos da globalização dos mercados mundiais e da transnacionalização do capital têm registro, entre outros fatores, na operacionalidade resultante da nova divisão internacional do trabalho e padrão de produção e distribuição em larga escala, sob a égide do máximo lucro e menor custo, mediante a detenção do conhecimento de sofisticadas tecnologias informatizadas e a utilização da ideologia de consumo de massas.” Também a desburocratização deve ser levada em conta, por se tratar de um mecanismo que facilita sensivelmente uma economia liberta de dificuldades, as quais servem apenas para ocasionar ou facilitar a corrupção. 1 NIETO SOLÍS, J. A. Fundamentos y políticas de la Unión Europea, p.4. IANNI, O. A sociedade global. Rio dej Janeiro : Civilização Brasileira, 1994. IANNI, O. As teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992. 2 Artigo REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano I - nº 1 158 Não se está deixando de levar em consideração a relevância operacional do Estado, que é a mola propulsora de uma sociedade organizada, entretanto, é possível constatar que a integração desenvolve-se melhor, no terreno da iniciativa privada, mesmo necessitando das leis que vêm do Estado. 2. A INTEGRAÇÃO NA UNIÃO EUROPÉIA A cultura européia tem suas raízes firmadas no Cristianismo. Nos idos de 1950 e 1960 é que começa, verdadeiramente, o processo de integração econômica, até então manifestado por formas isoladas e prematuras de países que visavam apenas vantagens comerciais. A comunidade européia, em seu processo integracionista, no pós-guerra, de 1945, levanta-se imponente de mãos dadas com seus vizinhos, Alemanha, França, Itália, Inglaterra, para resolverem os problemas a serem enfrentados na reconstrução dos escombros herdados dos conflitos, pela via de habilidade política, artesanalmente constituída e industrialmente conduzida, pelo motor imperativo da economia, envolvendo, igualmente, tão profundas quanto aparentemente irreversíveis estruturações mentais. É o que se pode observar no novo rumo a ser tomado pela Europa, superando um percurso de guerra, rumo à solidariedade, com o intuito de resgatar o que há de mais importante no ser humano, que é justamente sua visão de humanidade, para que possa alcançar instituições e práticas governamentais mais abertas e mais justas. Principalmente, entendendo-se que em tal momento-tempo, conforme definido por KING 3 : “... o novo contexto internacional é um mundo problemático, resultante da influência recíproca de diversos fatores, que tornam praticamente impossíveis as soluções isoladas, por estarem despidas de força conjunta, o que vem criar um clima de incertezas, onde se multiplicam as ameaças.” A necessidade de um acordo global do continente, se fazia indispensável, para que pudesse proteger a paz de seu, tão sofrido povo, diante do risco de novos conflitos armados. É, pois, inevitável a redistribuição de forças e o repensar da ordem internacional, levando a uma nova adaptação da reflexão jurídica na busca da paz social. Paz essa, tão magistralmente defendida por KANT 4 , em seu projeto de paz perpétua, afirmando que os monarcas almejam a guerra por entenderem seus estados como seu patrimônio pessoal. 3 4 KING, V. A. The state of the planet. Pergamon Press, 1980. KANT, Immanuel. Projet de paix perpétuelle. Artigo REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano I - nº 1 159 Daí a necessidade premente de se repensar uma nova política social, frente à impossibilidade do Estado promover de uma forma adequada, suas metas e objetivos, a não ser que se integre a outros Estados, através de mecanismos de organização de interesse comum. Principalmente, considerando-se as crises e necessidades dos Estados, em momentos históricos determinados é que se consegue vislumbrar um processo de vontade política na busca de implantar uma comunidade de integração de economias nacionais, firmadas através de um mercado comum e de políticas econômicas e monetárias em direção à união total ou de uma completa integração econômica. Devendo-se ter sempre em consideração, que a meta principal de qualquer projeto de integração econômica, pela sua própria ordem natural, fundamenta-se na livre circulação de bens e na harmonização de políticas macroeconômicas. 3. A COMUNIDADE EUROPÉIA A Comunidade Européia traça suas primeiras diretrizes quando à iniciativa franco-alemã se juntam a Itália e os três países do BENELUX, já unidos, em esforço comum, para a integração econômica na Europa. Consolidando-se, institucionalmente, quando da assinatura do Tratado que cria a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA) ocorrida em Paris, em 18 de abril de 1951, e sua posterior ratificação e entrada em vigor em 25 de julho de 1952. Inicialmente formou-se uma união aduaneira, com o intuito de amenizar conflitos oriundos da segunda grande guerra mundial, a fim de resolver problemas de ordem nacional, como a organização de um sistema novo de política de segurança. Após o primeiro estágio, já se verifica a busca da supressão de barreiras quantitativas entre os Estados-membros, determinando a eliminação de todos os obstáculos à livre circulação de mercadorias, como um dos principais objetivos do Tratado da Comunidade Econômica Européia. Essa matéria teve inúmeros conteúdos jurisprudenciais, onde foi sendo pormenorizado seu alcance e conteúdo, superando os ditames da formulação genérica e abstrata do Tratado. Desde os tratados constitutivos foi determinado no TCEE em seu artigo 37.6 “...que a regulamentação da matéria, no ordenamento comunitário, seria feita através de recomendações de caráter não-vinculante, embora sejam estas demasiadamente numerosas e de alcance limitado para serem referidas.” Artigo REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano I - nº 1 160 4. DA UNIÃO EUROPÉIA A União Européia tem suas origens fundamentadas pelos Tratados de Paris e de Roma, alterados desde 1958 pelos Tratados de Bruxelas de 08 de abril de 1965, de Fusão de Executivos, o de Luxemburgo de 22 de abril de 1970 e de Bruxelas de 22 de julho de 1975, o Ato Único Europeu, assinado em Luxemburgo e em Haia, 17 e 28 de fevereiro de 1986, o Tratado da União Européia, assinado em Maastricht, em 7 de fevereiro de 1992, o de Amsterdã, em 17 de junho de 1997 e, o mais recente, assinado em março, na cidade francesa de Nice, em 2000. O Tratado de Maastricht é considerado como um alicerce fundamental da União Européia, principalmente no que tange a política social, implantando a cidadania européia, onde os estados-membros comprometeram-se a harmonizar suas legislações em relação ao controle alfandegário, imigração dentre outros. O Tratado de Maastricht de 07/02/1992 é um marco de união entre os países da Europa, no acordo sobre a política. Prevê direitos à proteção diplomática, direito à livre circulação, livre estabelecimento e residência, direito à elegibilidade para o Parlamento Europeu em estado diverso ao de origem, direito de petição ao Parlamento Europeu e direito de queixa ao Ouvidor, entre outros. A União Européia é constituída por um conjunto de normas próprias, efetivadas por dois tribunais supranacionais, em cooperação com os tribunais nacionais. É formada por organismos políticos, tais como o Conselho da Europa, que foi incorporado pelo Ato Único Europeu, integrado pelos chefes de Estados dos governos dos países-membros, acompanhados de seus Ministros de Relações Exteriores; pelo Parlamento Europeu, formado pelos integrantes dos povos dos estados-membros da União Européia; Conselho de Ministros, integrado por um representante de cada estado-membro, devendo assegurar a coordenação das políticas econômicas gerais; Comissão, composta por dezessete membros nacionais de cada estado-membro, onde exercem suas funções com absoluta independência; Tribunal de Justiça, integrado por três juízes eleitos por um período de seis anos, designados de comum acordo pelos governos dos estados-membros; e por um Tribunal de Contas, constituído por doze membros com conhecimentos das instituições de controle em seus respectivos países. 5. O DIREITO COMUNITÁRIO No curso da integração da União Européia, o direito comunitário foi um instrumento primordial. O direito comunitário pode ser compreendido como uma disposição jurídica, supra nacional, com autoridade e eficácia, se estendendo em todo território dos estados-membros. Artigo REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano I - nº 1 161 É o que ensina VIEIRA 5: “O direito comunitário é um sistema à parte, que tem fonte própria, e se aplica sobre todo o território dos estados-membros, criando direitos e obrigações para Estados e indivíduos.” É importante salientar o aspecto dualístico do Direito Comunitário. Ele é composto pelo direito originário, contido nos Tratados constitutivos, pelos quais foi gerada uma ordem jurídica própria, da qual resulta um direito derivado, criado pelas instituições comunitárias, sob diversas roupagens jurídicas. Na realidade, o Mercado Comum Europeu pode ser considerado como resultado de um tratado supranacional, com a finalidade de construção de um espaço interno, sem fronteiras. Sua compreensão é normativista, o que representa uma limitação dinâmica à soberania do Estado, verificando-se que os estados-membros cederam parcela de suas soberanias às instituições comunitárias. A união conjunta das instituições comunitárias, o Conselho, o Parlamento Europeu, a Comissão e o Tribunal de Justiça vêm demonstrar a ligação intracomunitária pela aplicação dos tratados constitutivos orientados para a “...defesa da paz e da liberdade, e apelando para os outros povos da Europa que partilham dos seus ideais para que se associem ao seu esforço.” 6 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Estado contemporâneo abriu as portas para uma nova realidade, onde visa associação de interesses, no comércio externo e no interagir, além fronteiras, de esforços comerciais, de busca por mercados, enfim, por uma união com os ideais fraternos de paz social. Os direitos fundamentais consagram-se em contextos de países com modos de organizações e necessidades peculiares, defrontando-se com mudanças e impasses. Daí a importância de democratizar o processo de integração e desenvolvimento dos cidadãos para que se atenue a crise política. É necessário unir forças, na tentativa de um mundo melhor. Erasmo de Roterdão,7 já ensinava que: “... o mais alto ideal a ser alcançado pela humanidade seriam a paz e a concórdia, ‘ a tranquillitas orbis Christiani.” ’ 5 VIEIRA, Oscar Vilhena. Direito global, p.23. NUGENT, Neill. The government and polítics of the european community. 3.ed. Durham: Duke UP, 1991. 7 ROTERDÃO, Erasmo de. Lamento da paz, p.51 a 59. 6 Artigo REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano I - nº 1 162 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASELLA, Paulo Borba. Comunidade européia e seu ordenamento jurídico. São Paulo: LTr, 1994. DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. (Trad. Vítor Marques Coelho). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. DROMI; EKMEKDJIAN; RIVERA. Derecho comunitário, regimen del Mercosur. Buenos Aires. Ediciones Ciudad, 1996. IANNI, O. A sociedade global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994. IANNI, O . As teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992. KANT, Immanuel. Projet de paix perpétuelle. Paris: Nathan, 1991. KING, V. A. The state of the planet. Pergamon Press, 1980. NIETO SOLÍS, J. A. Fundamentos y políticas de la Unión Europea. Madrid: Editorial Síntesis Económica, 1997. NUGENT, Neill. The government and polítics of the European Community Durham: Duke UP, 1991. PIMENTEL, Luiz Otávio. Direito da integração e relações internacionais: ALCA, MERCOSUL E União Européia. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2001. ROTERDÃO, Erasmo de. Lamento da paz, 1517. (Apud Die Idee Europa, herausgegeben Von R.H. FOERSTER). VIEIRA, Oscar Vilhena. Direito global. (Coordenação de Carlos Ari Sundfeld e Oscar Vilhena Vieira). São Paulo: Max Limonad, 1999. Artigo