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CONGRESSO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO 2016
Educação e Diversidade
ISSN 2179-068X
ALGUNS FUNDAMENTOS TEÓRICOS PARA UMA EDUCAÇÃO DE SENSIBILIDADE
Ariane da Costa Dourado Araujo/UFMT-CUR
Orientadora: Professora Dra. Elni Elisa Willms/UFMT-CUR
RESUMO
Esse texto, parte de meu trabalho de conclusão de curso de Pedagogia da UFMT-CUR, defendido em 2016, tem o
objetivo de apresentar alguns fundamentos teóricos de uma educação de sensibilidade e como essa modalidade de
educação pode contribuir para a formação integral do educador, buscando-se deste modo repensar a prática do
pedagogo numa perspectiva mais humana. O texto, enquanto metodologia, apresenta uma perspectiva
fenomenológica, onde se articula a pesquisa bibliográfica em textos e artigos de periódicos sobre o tema, além de
narrativas de uma experiência de estágio. Buscou-se apoio em autores como Ferreira Santos & Almeida (2012),
Freire (1996), Bachelard (1988), Madalena Freire (1983) e outros que defendem que conhecimento e emoção fazem
parte do processo de ensino-aprendizagem, e que o ser humano tem uma natureza integral. Nessa perspectiva, e
tendo como foco a educação de crianças da educação infantil, o afeto e a sensibilidade são essenciais; as crianças
consideradas donas de seu próprio destino, portanto, capazes de fazer suas próprias escolhas precisam ser
acolhidas por educadores igualmente sensíveis e abertos ao encontro para uma troca de experiências que resulte
fecunda para os dois.
Palavras-chave: Educação de sensibilidade. Formação humana. Pedagogia.
1 Introdução: Uma educação de sensibilidade é possível?
Nesse texto, recorte de meu trabalho de conclusão de curso (ARAÚJO, 2016), pretendo
trazer alguns elementos teóricos que dão fundamentos para pensar uma educação de
sensibilidade, principalmente na educação infantil. Para atingir esse objetivo, além de estudos
teóricos, trago narrativas de uma experiência de estágio em que pude observar duas atitudes,
de duas professoras. O texto que ora se apresenta é fruto da angústia vivida no estágio, sobre a
qual me debrucei na tentativa de compreender como poderia ser uma experiência em que o
professor e as crianças pudessem fazer trocas significativas, na relação de ensinar e aprender.
Em um mundo onde os verbos compartilhar e cooperar parecem ter desaparecido, fica
difícil imaginar uma educação diferente, em que o sujeito seja visto como um ser em potencial,
que tem sentimentos e razões. Nas relações com o outro, seja na escola ou em outro lugar, as
pessoas não são movidas apenas por ideias o tempo todo. Agem movidas também pelos
sentimentos. Podemos dizer que somos seres dotados de sentimentos, temos uma vida
particular repleta de múltiplas experiências, que fazem com que nos tornemos exatamente como
somos: humanos.
Ao falar sobre a sensibilidade, Ferreira Santos e Almeida (2012) apontam que:
Trata-se de uma modalidade possível de se compreender e agir no âmbito dos processos
educativos, sejam eles em termos de autoformação [...], seja no modelo escolar, a partir
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de uma razão sensível, do exercício da imaginação, da experimentação poética e
valorização do imaginário para lidar com a alteridade sem mecanismos etnocêntricos. Aqui
se privilegia o refinamento da sensibilidade através de todos os sentidos (visão, audição,
paladar, tato, olfato, intuição, cinestesia), com a preocupação de inter-relacionar ética e
estética num contexto dialógico em que mestre e aprendiz troquem, incessantemente, de
lugar, atualizando o arquétipo do mestre-aprendiz (p.69).
É preciso que através dessa educação sensível aprendamos a lidar com as diferenças
culturais e econômicas, inseridas tanto dentro da sala de referência como fora, na busca de
desfazer-se dos preconceitos. Nessa modalidade de educação a criança é vista como o centro
da aula e o professor não se incomoda em trocar de lugar com ela. Há uma troca mútua de
aprendizagens, constantes e ilimitadas.
Ferreira Santos e Almeida (2012) remetem que nesta concepção se compreende a
educação como um processo, onde a própria pessoa constrói sua humanidade. Não se trata de
depositar conhecimentos e muito menos de transformar como que milagrosamente as pessoas.
Mas sim conduzir para fora “Dar vazão à potência que se inscreve na corporeidade das pessoas”
(p.69).
E trazer para fora essa humanidade potencial não é tarefa fácil, preciso criar condições
para isso, tendo o cuidado para que o outro possa ser ele mesmo. Se eu como educadora posso
criar em qualquer momento da vida renovar, experimentar novas experiências, também posso
deixar as crianças criarem, produzirem e experimentar novas possibilidades de ser e existir.
É uma busca constante de construção da dimensão humana, em múltiplos aspectos, em
busca de, às vezes, aprimorar ou instaurar novas formas de aprender e ensinar até conteúdos,
e noutras vezes esse processo se apresenta como oportunidade de aprendizagem e convivência
social com as diferenças que nos compõem. Faz-se necessário, assim, educar-se pela via do
sensível para também educar com sensibilidade.
Não se trata de uma educação para se atingir algo. Ferreira Santos e Almeida (2012, p.69)
afirmam que: “[...] não se trata, portanto, de uma educação para o trabalho, educação para a
cidadania, educação para a inclusão etc. Ela própria é a finalidade última de suas práticas [...]”.
Assim entendo que a educação é um processo de construção da humanidade do indivíduo. E
esta pertence ao indivíduo que se autoconstrói durante toda a vida. De acordo com Fétizon:
Formalmente, entendo que a educação é processo e o mecanismo da construção da
humanidade do indivíduo, [...]. Enquanto processo, a educação é pertença do indivíduo
(ou da pessoa) – isto é, é o processo pelo qual, a partir de seu próprio equipamento
pessoal (biofisiológico/psicológico), cada indivíduo se autoconstrói como homem.
Enquanto mecanismo, a educação é pertença do grupo humano – e só ele – possui, para
promover a autoconstrução de seus membros em humanidade [...]. Se falo em construção,
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em autoconstrução de humanidade, [...] não suponho que o simples fato de havemos
nascido como membros da espécie humana nos garanta que desempenhemos
humanamente [...] (FÉTIZON, 2002, p.230).
Portanto é preciso nos educarmos e educarmos humanamente, para isso a educação
sensível está ligada ao processo educativo que valoriza o diálogo, a paixão e a liberdade de
expressão da pessoa. Faz-se imprescindível situações que desenvolvam a autonomia. Conforme
os autores citados salientam “... a capacidade de decidir algo, de se posicionar no mundo e
afrontá-lo, somente se aprende em situações de decisão, de afrontamento, de tomada de
consciência, no exercício de uma pedagogia da escolha ” (FERREIRA-SANTOS; ALMEIDA, 2012,
p.71).
Freire (1996) reflete sobre os saberes necessários à prática educativo-crítica destacando
que o desenvolvimento da autonomia faz parte da própria natureza educativa. O autor defende
que ensinar exige respeito pela autonomia do educando:
O respeito à autonomia do educando e à dignidade de cada um é um imperativo ético e
não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros. Precisamente porque éticos
podemos desrespeitar a rigorosidade da ética e resvalar para a sua negação, por isso é
imprescindível deixar claro que a possibilidade do desvio ético não pode receber outra
designação senão a de transgressão (FREIRE, 1996, p.66).
O professor deve respeitar a curiosidade, o gosto estético, a linguagem e inquietude do
educando, não deve estabelecer uma relação hierárquica com as crianças como se fosse o dono
do saber, deve ter consciência do seu inacabamento profissional, ou seja, da sua busca contínua
de aprendizagem, assim como deve também respeitar no estudante esse mesmo inacabamento.
Tem que encarar os aprendizes como sujeitos em potencial que também ensinam. Como diz
Freire (1996, p.25) “Não há docência sem discência”, apesar das diferenças existentes, a relação
não é de objetos e sim humana. O mesmo autor reforça: “[...] quem ensina aprende ao ensinar e
quem aprende ensina ao aprender [...]”. Dessa forma há um intercâmbio de aprendizagens
continuas e inacabadas (p.25).
Para isso o diálogo é imprescindível, pois é através da sua disponibilidade que o
conhecimento acontece. O professor precisa ter sensibilidade para dialogar com a criança, se
aproximar dela, observar porque ela não está aprendendo. E buscar alternativas para isso,
respeitando a subjetividade de cada criança para aprender. Quando ensina o professor não está
tendo contato com um objeto e sim com um ser humano, é essa relação que determinará o
interesse da criança no conteúdo, porque antes do conteúdo existe uma relação subjetiva.
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2 A subjetividade: uma dimensão importante para uma proposta pedagógica
Freire (1996, p. 159) defende que não se deve separar como alguns autores fazem “a
seriedade docente e afetividade”. O melhor professor não é o mais severo e frio. Afirma, ainda,
que:
[...] A afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade. O que não posso obviamente
permitir é que minha afetividade interfira no cumprimento ético de meu dever de professor
no exercício de minha autoridade. Não posso condicionar a avaliação do trabalho escolar
de um aluno ao maior ou menor bem querer que tenha por ele (FREIRE, 1996, p. 160).
Então, o educador precisa cumprir a sua responsabilidade em educar, lembrando sempre
de que está trabalhando com pessoas. É preciso querer bem aos educandos e ter amor pela
prática da docência. Porém como compreender melhor os educandos na infância? Muitos adultos
se veem em seu mundo adultocêntrico e simplesmente parecem ter tido uma amnésia com
relação a sua própria infância. Em geral, percebe-se um grande distanciamento entre o adulto e
a criança, simplesmente parece que se esqueceram da criança que foram.
Bachelard (1988) propõe uma retomada das lembranças das nossas imagens primeiras,
através dos devaneios poéticos, com o intuito de nos aproximarmos dessa infância para melhor
compreendê-la. Ele declara:
[…] há devaneios tão profundos, devaneios que nos ajudam a descer tão profundamente
em nós mesmos que nos desembaraçam da nossa história. Libertam-nos do nosso nome.
Devolvem-nos, essas solidões de hoje, às solidões primeiras. Essas solidões primeiras,
essas solidões de criança, deixam em certas almas marcas indeléveis […] (BACHELARD,
1988, p.93-94).
O autor esclarece que podemos nos aproximar da criança que fomos através de devaneios
poéticos que nos ajudam a re-imaginar a infância que tivemos. Bachelard (1988. p.94)
acrescenta: “[…] como não sentir que há comunicação entre a nossa solidão de sonhador e as
solidões da infância? E não é à toa que, num devaneio tranquilo, seguimos muitas vezes a
inclinação que nos restitui às nossas solidões de infância”.
Através de uma poético-análise podemos imaginar novamente a nossa infância, junto
com as recordações que estão em nossa memória. Assim re-imaginar a infância dos nossos
devaneios de solidão ajuda-nos a compreender o mundo das crianças com as quais temos
contato. Bachelard (1988) prossegue: “Quando sonhava em sua solidão, a criança conhecia uma
existência sem limites. Seu devaneio não era simplesmente um devaneio de fuga. Era um
devaneio de alçar voo” (p.94).
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Portanto, se olharmos lá no fundo da nossa memória, encontraremos aquela criança
solitária, animista, que sonhava acordada, ansiosa para compreender o mundo e que desejava
viver esses devaneios. Com a leitura dos relatos da professora Madalena Freire (1983) obtive
um vislumbre dessa educação tão almejada. Ela demonstra que é possível pensarmos e
efetuarmos uma educação diferente. Uma educação de sensibilidade que busca entender as
necessidades das crianças para aquele momento, voltada para as curiosidades e anseios
infantis. Que não se prende à conteúdo com um prazo determinado para ser cumprido.
A proposta da autora para melhorar as relações em sala de referência e despertar o
interesse, é partir das indagações das próprias crianças. Isso acontece de maneira muito
dinâmica, às vezes uma palavra nova descoberta pelas crianças ou uma brincadeira que revela
alguma curiosidade define o tema para a próxima aula. Assim as crianças se mantêm
interessadas no assunto e a professora aproveita para trabalhar diferentes conteúdo.
Apresenta-se, assim, um excelente exemplo, de uma professora reflexiva que teve
sensibilidade para observar atentamente o cotidiano e as experiências das crianças, verificando
quais seus interesses para potencializar aprendizados. Não é nenhuma novidade para nós que
de vez em quando alguma criança surja com algum objeto na sala de referência. E qual a atitude
mais natural de alguns professores? É retirar o objeto da criança e dizer que está atrapalhando
a aula.
Entretanto, em seus relatos com crianças do pré-escolar, a autora conta que aproveitava
objetos trazidos pelas crianças para explorar conteúdos e garantir a aprendizagem. Freire (1983,
p. 96) relata que: “Surgiu nesse período um álbum de figurinhas, muito bonito, sobre raças, em
que salientava a cultura de cada povo. Aproveitei para trabalhar, através do álbum, as relações
dos seres humanos com o mundo, com a natureza [...]”.
Em outro momento, uma criança trouxe uma xícara para a classe. Novamente ela
aproveitou a oportunidade para ensinar: passou a trabalhar com a xícara numa roda de amizade,
onde todos bebiam juntos aquele “chá símbolo de nossa amizade” (FREIRE, 1983, p. 88). Foi
uma excelente oportunidade de trabalhar o grupo como um todo.
A autora tornava proveitosos vários momentos e permitia a aprendizagem, sempre
encorajando a curiosidade das crianças. Ela não tolhia as crianças, por mais que o assunto que
surgisse não estivesse no “roteiro” da aula, eles eram adaptados e se tornavam fonte de ricas
aprendizagens.
3 Duas experiências de estágio em diálogo com uma educação de sensibilidade
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Comecei a perceber a necessidade e urgência de uma proposta pedagógica ancorada na
educação de sensibilidade, no meio escolar, em 2014, quando realizei o Estágio Curricular
Supervisionado II, com crianças de quatro e cinco anos de idade. Foi uma experiência que me
angustiou bastante, pois vivenciei dois extremos.
Estagiei em duas salas bem distintas: a primeira foi com as crianças de quatro anos.
Nessa turma ocorreu tudo bem tranquilo. As crianças se sentiam bem à vontade, tinham
liberdade de dialogar com a professora, gostavam de contar suas experiências, cantavam e
dançavam com entusiasmo. A outra sala com as crianças de cinco anos, foi o meu motivo
originador de estudos. Desde o primeiro dia de estágio o clima foi tenso, algumas crianças
falavam gritando, outras gritavam, demonstrando irritação e ao mesmo tempo pareciam implorar
por atenção.
Não esqueço da forma como um pequeno me foi apresentado, no primeiro dia de estágio,
na outra sala. Logo na sua chegada, no início do dia, a professora listou todos os seus “defeitos”
e me disse: “Cuidado com ele viu!” e o colocou para sentar na última cadeira da fila. Olhei para
ele e disse: “Mas agora você não é mais assim, tá?”. Ele me olhou diferente, eu vi esperança
naqueles olhos. Posso dizer com convicção que seu comportamento foi melhorando à medida
que eu lhe ajudava nas atividades.
As vezes tudo que uma criança precisa é atenção, um olhar mais profundo, sensível, que
demonstre na prática a esperança no outro, numa utopia permanente de acreditar no humano.
No início do dia a professora cantava uma música automaticamente, quase não se ouvia a voz
das crianças, sem nenhum movimento, nem empolgação. A história do dia era contada com a
professora sentada em sua mesa, e as crianças em suas cadeiras, num cenário bem distante.
Quase frio, poderia dizer. Quando as crianças faziam perguntas a respeito da história eram
tolhidas, e a professora exigia silêncio, nem que para isso fosse preciso usar o apito. Confesso
que fiquei pasma diante do usual apito, mas quem era eu, uma simples estagiária em início de
carreira, não tinha nenhum direito de questionar seus “métodos”. Percebi que algumas crianças
ficavam bem incomodadas e assustadas com o apito repentino. E o silêncio era ilusório, apenas
uma questão de tempo para que o movimento das crianças voltasse.
Houve momentos em que senti um forte desejo em intervir diante de algumas práticas da
professora, porém consegui manter a postura. Muitas discussões entre a professora e os
pequenos eram com relação a escolhas, tudo tinha que ser conforme a professora exigia. Esse
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contexto de observação foi muito doloroso para mim, visto que o contraste com a teoria estudada
na graduação era grande.
4 Quando a arbitrariedade comanda a ação pedagógica
Lembro-me bem de um momento no intervalo em que uma menina chorava, por causa da
forma e o tom de voz com que a professora se dirigia a ela. Talvez a professora estivesse
cansada da profissão, talvez precisasse de uma auxiliar ou seria uma falha em sua formação
inicial e continuada? O fato é que as crianças diferem entre si, muitas culturas e fatores sociais
influenciam na vida e formação das crianças. Ela entram na escola com uma grande bagagem
de experiências vividas. Porém, no que for necessário devemos ajudar e colaborar para o
desenvolvimento de valores éticos. A questão é complexa demais e o educador precisa ter
clareza disso. Muitas vezes também observei a professora desesperada querendo exigir de
algumas crianças um padrão de comportamento homogêneo.
Notei rapidamente que havia um certa frieza na relação da professora com as crianças.
As suas atitudes automáticas e dominadoras demonstravam falta de sensibilidade no ouvir, falar
e fazer pedagógico, prejudicando a sua atuação como educadora. Ela usou um modelo de
autoritarismo fracassado. Ao silenciar os pequenos, ela estava impedindo a construção do
conhecimento pelos próprios. A falta de diálogo dominava. Uma prática que acompanhei e
verifiquei que não possui êxito para um bom relacionamento do professor-criança, e que
consequentemente dificulta a aprendizagem.
Quão bom seria se o professor abandonasse essa herança de organização social que é
voltada para o homogêneo e permitisse a cada criança o direito de pensar por si e fazer escolhas.
Ferreira Santos e Almeida afirmam que: “[...] a escolha é a única forma de o homem aparecer,
emergir ao mundo, trafegar pela superfície[...]” (p. 320). Porém, o professor se contaminou com
a visão técnica do mundo do trabalho, está sempre atarefado e preocupado em cumprir o seu
planejamento à risca, custe o que custar. A sua preocupação tem sido a transmissão de
informações, conteúdos, não permitindo que as crianças tenham experiências significativas na
sala de referência, anulando a aquisição do verdadeiro conhecimento.
Larrosa (2002) destaca que: “A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos
toca. [...] Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara” (p. 21).
Vivemos na contemporaneidade o excesso de informação, que não é o mesmo que experiência.
É somente através desse algo que me toca, a experiência, que posso dizer que algo realmente
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me aconteceu, me tocou, permitiu-me apropriar-se do objeto de conhecimento e conhecê-lo.
Ninguém pode viver a experiência por outra pessoa, e cada experiência é única para quem
vivencia. Pois, cada um na sua singularidade tem sua forma de viver e interpretar a experiência.
Foi por meio da experiência de estágio que eu problematizei sobre a necessidade de uma
educação de sensibilidade. O autor declara que:
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto
de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar
para pensar, parar para olhar parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais
devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos
detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o
automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar
sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do
encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2002, p. 24).
Como futura educadora preciso valorizar as experiências na sala de referência, para uma
melhor compreensão dos conteúdos trabalhados, para que haja uma autêntica relação entre o
ensino e a aprendizagem de. Depois de alguns anos, a criança pode até esquecer algumas
partes teóricas dos conteúdos, mas as experiências das relações com o conhecimento, essas
ficarão gravadas em sua memória. Trata-se de cultivar uma atitude de disponibilidade ao outro,
numa receptividade, uma abertura para o desconhecido, a fim de que o outro possa se expressar,
se conhecer, interagir, participar da aula e se ver como uma pessoa com potencial. Para isso o
professor precisa dar sentido à experiência na sala de referência, livrar-se do automatismo tão
comum nos dias de hoje. Estar junto com as crianças, usufruindo das cores e surpresas da vida.
Ferreira-Santos (2008) afirma:
A imperiosidade da situação educativa é a exigência de um simples “faça comigo”
vivencial. Não se reduz à hierarquia do mando (“faça isto!”), da tarefa imposta, da
imposição do autoritarismo, da distância asséptica das “lições de casa” ou da mais
evidente e cômoda ausência pela demissão do educador das suas responsabilidades
como referência humana que dialoga e com-vive [...] (p. 01).
Não é só o professor expor a matéria, ele precisa se expor também, educador e
aprendiz existem, portanto, fazem juntos, experimentam juntos, convivem juntos.
5 Brincar e viver
E como o educador pode promover essa experimentação com as crianças? O mesmo autor
responde:
Sim, a brincadeira é a situação básica de experimentação pelas creanças. E aqui o
educador é também creança... criação continua de si mesmo, desde que aberto às
aprendizagens que, de repente, acontecem no jogo desinteressado da convivência.
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Haverá situação educativa mais profunda e mais significativa do que aprender-se e
aprender o outro ensinando-se e sendo ensinado pela pessoa da criança? (FERREIRASANTOS, p. 3).
Percebo adultos que não brincam, presos em seu mundo, sendo a personificação de
Prometeu, querendo manter sempre aquela postura séria. Ora! As pessoas não querem trabalhar
ou estudar o tempo todo, como se fossem programadas para fazer isso ou aquilo, elas querem
aproveitar o tempo que passa de outras formas, usufruindo as diversas possibilidades que há no
presente. Sobre isso, Maffesoli ressalta que:
[...] assim como a figura do homem adulto e realizado, dono de si e da natureza, dominou
a modernidade, não veríamos ressurgir, nesta pós-modernidade nascente, o mito de puer
aeternus, essa criança eterna, brincalhona e travessa, que impregnaria modos de ser e de
pensar? (MAFFESOLI, 2003, p.12).
A expressão que sempre ouvi do “nunca deixe morrer a criança que há em você” tem
ganhado muito sentido atualmente, onde o lúdico tem se mostrado fundamental para o bom
funcionamento da sociedade. A figura Dionisíaca além de primordial é essencial. Que nós
educadores nunca olhemos com maus olhos essa tendência a “festar” e brincar que
encontraremos na escola. Isso faz parte de nossa essência, os mitos estão aí para provar. Para
o autor isso são atitudes repetitivas que fazem parte do ciclo natural da vida, “é uma necessidade
vital de regeneração. Necessidade antropológica baseada na convicção de que a vida sempre
recomeça [...]”. Ou seja, usufruímos o presente, não uma vida futura. (MAFFESOLI, 2003, p. 40).
Maffesoli nos convida a viver uma nova sensibilidade, que assinala o que é a “intensidade
trágica: a medida da vida é viver sem medidas.” Se olharmos com esse novo olhar entenderemos
as inúmeras práticas juvenis que simplesmente estão usufruindo a intensidade que a vida
apresenta. Em meio à monotonia posta no nosso dia-a-dia e na sala de referência é esse
sentimento trágico que a iluminará periodicamente. A medida que nos permitirmos enfrentar as
vicissitudes da vida. Portanto, farei bem em aproveitar todas as oportunidades vividas
diariamente, sem a exigência do deve-ser, dando lugar ao sentido trágico da vida, que é
essencial para a nossa renovação. Na sala de referência, nem tudo ocorre da maneira como
planejamos, é muito dinâmico, é emoção. O ser humano é guiado pela emoção.
A
primeira sala em que estagiei, considero como um exemplo a ser seguido. Uma sala em que a
professora temperava as atividades com o lúdico. Até mesmo o momento da arrumação da sala
se tornava divertido, com músicas que estimulavam a organização. Fiquei deslumbrada ao ver a
alegria dos pequenos cantando e guardando os brinquedos. As atividades propostas por essa
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professora eram sempre organizadas com a participação das crianças. Eles eram estimulados
por meio do seu exemplo: a tocar, fazer, cantar e dançar. Foi assim quando plantaram um
pezinho de feijão e em outras ocasiões. Realmente ela promovia a experimentação pelas
crianças. Essas duas experiências de estágio tão divergentes possibilitaram-me um rico
aprendizado, pois pude verificar na prática como o educador precisa ser sensível e ter
perspicácia para saber a melhor maneira de se posicionar em situações postas no dia-a-dia. O
quanto precisa estar atento ao outro, e ser o que for necessário para tocar o outro.
6 Concluindo: A importância das experiências sensíveis
É pertinente citar agora a experiência de Madalena Freire, que se revelou uma
verdadeira mestre ao realizar trabalhos com crianças, promovendo um verdadeiro acervo de
experiências que tocavam, ensinavam e encantavam os pequenos. Na sala de referência, num
trabalho de pesquisa corporal que surgiu do interesse de algumas crianças, na roda de conversa,
a autora conta que trouxe de casa um pintinho de brinquedo. A partir desse, ela começou a
perguntar para as crianças do que era feito? Será que esse pintinho é igual ao de verdade? Ela
despertava a curiosidade, e permitia que as crianças fossem refletindo e respondendo.
Dessa forma as crianças foram suprindo suas curiosidades e
tendo novas. Ela aproveitava a curiosidade delas e fazia mais perguntas, afim de que,
compreendessem o processo. No outro dia ela levou para a escola uma galinha de verdade. Por
meio dessa galinha a professora explicou as partes do corpo da galinha e suas maneiras de
viver. Assim ela aproveitou para explicar as partes do nosso corpo. Foram feitas comparações
de semelhanças e diferenças entre o corpo da galinha, de outros animais e o nosso.
Ao longo dessa experiência Freire
(1983) trabalhou outras atividades envolvendo outras disciplinas, tudo num ambiente
descontraído, onde a aprendizagem ocorria muito naturalmente, em meio a brincadeiras e
músicas. Freire destaca que:
[...] É fundamental que as crianças tomem consciência de que elas estão fazendo,
conquistando, estão se apoderando do seu processo de conhecimento. E que o professor,
igualmente, com elas, os dois são sujeitos desse processo na busca do conhecimento.
Daí que o papel do professor não é o de “dono da verdade”, que chega e disserta sobre o
“corpo e seu funcionamento”, mas sim o de quem, por maior experiência e maior
sistematização, tem a capacidade de devolver às crianças, de modo organizado
informações, as do objeto de conhecimento [...] (p.45).
A autora promoveu muito aprendizado na sala de referência, por meio de muitas outras
experiências significativas, como essa que citei. Sempre aproveitava as oportunidades que
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surgiam para trabalhar com as crianças de modo diferenciado, situando a criança como agente
principal do processo de conhecimento. Deixando claro que também estava aprendendo com as
crianças.
Nas minhas experiências de estágio a primeira
professora teve um sensibilidade similar, ao colocar as crianças no centro do processo de ensino.
Mas o que houve com a segunda professora? Por que ela era rude e automática ao administrar
as aulas? Será alguma falha na sua formação inicial e/ou continuada?
É
por
isso que Ostetto e Leite (2012) dialogam sobre o proveito de proporcionar “movimentos
sensíveis”, experiências artísticas significativas na formação inicial dos professores, com o intuito
de aflorar esse lado sensível no trabalho pedagógico. As autoras destacam que:
Em oficinas de vivências com diferentes materiais e técnicas de criação e expressão, os
alunos entraram em contato com a dança, com a pintura corporal e com uma diversidade
de gêneros musicais, entre eles uma ópera. Cantar e cantar e cantar... Soltar a voz com
as cantigas tradicionais também foi experimentado. Na perspectiva do desafio, utilizando
giz pastel, carvão, vegetal, grafite e aquarela, os alunos puderam experimentar materiais
até então desconhecidos para eles e ousar criar composições riscando, rabiscando,
colorindo, pesquisando formas etc. (OSTETTO; LEITE, 2012, p. 17).
Portanto, é fundamental que na formação inicial o futuro educador tenha contato com
essas experiências artísticas, pois ensinam o professor a ser criativo, renovar, arriscar, e
abandonar aquela ideia comum do “eu não sei fazer”. Com a dança, por exemplo, digo isso por
experiência própria, à medida que fui me arriscando nos passos, fui verificando muitas
possibilidades e percebendo que nem tudo precisa ser perfeito, que cada um tem sua identidade,
seu ritmo próprio. Essa experiência de me arriscar na dança me deu coragem, com certeza
contribuiu para que, inclusive, deixasse aflorar a minha criatividade na realização deste trabalho.
No dia-a-dia da sala de referência muitas vezes o professor vai adquirindo
uma postura séria, esquecendo de si próprio. Assim, a dança permite reatar os elos com si
próprio, conhecendo melhor a si e ao outro. Essas percepções sensíveis nortearão o educador
nas múltiplas situações que surgirão no decorrer de sua trajetória educacional. Ostteto e Leite
finalizam dizendo que:
Sensibilizar o movimento, o olhar e a escuta do professor contribuirá, sobretudo, para
torná-lo um sujeito mais aberto e plural, mais atento ao outro; ampliará seu repertório e,
consequentemente, seu acervo para criação – uma vez que só se cria a partir da
combinação de elementos diversos que se tenha tornando sua prática mais significativa,
autoral e criativa (2012, p. 23).
Como futura educadora tenho plena consciência do meu inacabamento profissional, a
convicção de que tenho o compromisso de buscar sempre novas experiências que continuem a
Universidade Federal de Mato Grosso – Câmpus Universitário de Rondonópolis - MT
13 a 16 de setembro de 2016
CONGRESSO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO 2016
Educação e Diversidade
ISSN 2179-068X
despertar a sensibilidade que fará com que eu recrie, com um novo olhar, arrisque e inove
sempre, despertando sensibilidades que ajude na formação de um ser humano melhor.
7 Referências
ARAUJO, Ariane da Costa Dourado. Educação de sensibilidade: contribuições para a formação
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OSTTETO, Luciana Esmeralda; LEITE, Maria Isabel. Formação de professores: o convite da arte.
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Papirus, 7.ed. 2012, p. 11-24.
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