CONGRESSO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO 2016 Educação e Diversidade ISSN 2179-068X ALGUNS FUNDAMENTOS TEÓRICOS PARA UMA EDUCAÇÃO DE SENSIBILIDADE Ariane da Costa Dourado Araujo/UFMT-CUR Orientadora: Professora Dra. Elni Elisa Willms/UFMT-CUR RESUMO Esse texto, parte de meu trabalho de conclusão de curso de Pedagogia da UFMT-CUR, defendido em 2016, tem o objetivo de apresentar alguns fundamentos teóricos de uma educação de sensibilidade e como essa modalidade de educação pode contribuir para a formação integral do educador, buscando-se deste modo repensar a prática do pedagogo numa perspectiva mais humana. O texto, enquanto metodologia, apresenta uma perspectiva fenomenológica, onde se articula a pesquisa bibliográfica em textos e artigos de periódicos sobre o tema, além de narrativas de uma experiência de estágio. Buscou-se apoio em autores como Ferreira Santos & Almeida (2012), Freire (1996), Bachelard (1988), Madalena Freire (1983) e outros que defendem que conhecimento e emoção fazem parte do processo de ensino-aprendizagem, e que o ser humano tem uma natureza integral. Nessa perspectiva, e tendo como foco a educação de crianças da educação infantil, o afeto e a sensibilidade são essenciais; as crianças consideradas donas de seu próprio destino, portanto, capazes de fazer suas próprias escolhas precisam ser acolhidas por educadores igualmente sensíveis e abertos ao encontro para uma troca de experiências que resulte fecunda para os dois. Palavras-chave: Educação de sensibilidade. Formação humana. Pedagogia. 1 Introdução: Uma educação de sensibilidade é possível? Nesse texto, recorte de meu trabalho de conclusão de curso (ARAÚJO, 2016), pretendo trazer alguns elementos teóricos que dão fundamentos para pensar uma educação de sensibilidade, principalmente na educação infantil. Para atingir esse objetivo, além de estudos teóricos, trago narrativas de uma experiência de estágio em que pude observar duas atitudes, de duas professoras. O texto que ora se apresenta é fruto da angústia vivida no estágio, sobre a qual me debrucei na tentativa de compreender como poderia ser uma experiência em que o professor e as crianças pudessem fazer trocas significativas, na relação de ensinar e aprender. Em um mundo onde os verbos compartilhar e cooperar parecem ter desaparecido, fica difícil imaginar uma educação diferente, em que o sujeito seja visto como um ser em potencial, que tem sentimentos e razões. Nas relações com o outro, seja na escola ou em outro lugar, as pessoas não são movidas apenas por ideias o tempo todo. Agem movidas também pelos sentimentos. Podemos dizer que somos seres dotados de sentimentos, temos uma vida particular repleta de múltiplas experiências, que fazem com que nos tornemos exatamente como somos: humanos. Ao falar sobre a sensibilidade, Ferreira Santos e Almeida (2012) apontam que: Trata-se de uma modalidade possível de se compreender e agir no âmbito dos processos educativos, sejam eles em termos de autoformação [...], seja no modelo escolar, a partir Universidade Federal de Mato Grosso – Câmpus Universitário de Rondonópolis - MT 13 a 16 de setembro de 2016 CONGRESSO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO 2016 Educação e Diversidade ISSN 2179-068X de uma razão sensível, do exercício da imaginação, da experimentação poética e valorização do imaginário para lidar com a alteridade sem mecanismos etnocêntricos. Aqui se privilegia o refinamento da sensibilidade através de todos os sentidos (visão, audição, paladar, tato, olfato, intuição, cinestesia), com a preocupação de inter-relacionar ética e estética num contexto dialógico em que mestre e aprendiz troquem, incessantemente, de lugar, atualizando o arquétipo do mestre-aprendiz (p.69). É preciso que através dessa educação sensível aprendamos a lidar com as diferenças culturais e econômicas, inseridas tanto dentro da sala de referência como fora, na busca de desfazer-se dos preconceitos. Nessa modalidade de educação a criança é vista como o centro da aula e o professor não se incomoda em trocar de lugar com ela. Há uma troca mútua de aprendizagens, constantes e ilimitadas. Ferreira Santos e Almeida (2012) remetem que nesta concepção se compreende a educação como um processo, onde a própria pessoa constrói sua humanidade. Não se trata de depositar conhecimentos e muito menos de transformar como que milagrosamente as pessoas. Mas sim conduzir para fora “Dar vazão à potência que se inscreve na corporeidade das pessoas” (p.69). E trazer para fora essa humanidade potencial não é tarefa fácil, preciso criar condições para isso, tendo o cuidado para que o outro possa ser ele mesmo. Se eu como educadora posso criar em qualquer momento da vida renovar, experimentar novas experiências, também posso deixar as crianças criarem, produzirem e experimentar novas possibilidades de ser e existir. É uma busca constante de construção da dimensão humana, em múltiplos aspectos, em busca de, às vezes, aprimorar ou instaurar novas formas de aprender e ensinar até conteúdos, e noutras vezes esse processo se apresenta como oportunidade de aprendizagem e convivência social com as diferenças que nos compõem. Faz-se necessário, assim, educar-se pela via do sensível para também educar com sensibilidade. Não se trata de uma educação para se atingir algo. Ferreira Santos e Almeida (2012, p.69) afirmam que: “[...] não se trata, portanto, de uma educação para o trabalho, educação para a cidadania, educação para a inclusão etc. Ela própria é a finalidade última de suas práticas [...]”. Assim entendo que a educação é um processo de construção da humanidade do indivíduo. E esta pertence ao indivíduo que se autoconstrói durante toda a vida. De acordo com Fétizon: Formalmente, entendo que a educação é processo e o mecanismo da construção da humanidade do indivíduo, [...]. Enquanto processo, a educação é pertença do indivíduo (ou da pessoa) – isto é, é o processo pelo qual, a partir de seu próprio equipamento pessoal (biofisiológico/psicológico), cada indivíduo se autoconstrói como homem. Enquanto mecanismo, a educação é pertença do grupo humano – e só ele – possui, para promover a autoconstrução de seus membros em humanidade [...]. Se falo em construção, Universidade Federal de Mato Grosso – Câmpus Universitário de Rondonópolis - MT 13 a 16 de setembro de 2016 CONGRESSO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO 2016 Educação e Diversidade ISSN 2179-068X em autoconstrução de humanidade, [...] não suponho que o simples fato de havemos nascido como membros da espécie humana nos garanta que desempenhemos humanamente [...] (FÉTIZON, 2002, p.230). Portanto é preciso nos educarmos e educarmos humanamente, para isso a educação sensível está ligada ao processo educativo que valoriza o diálogo, a paixão e a liberdade de expressão da pessoa. Faz-se imprescindível situações que desenvolvam a autonomia. Conforme os autores citados salientam “... a capacidade de decidir algo, de se posicionar no mundo e afrontá-lo, somente se aprende em situações de decisão, de afrontamento, de tomada de consciência, no exercício de uma pedagogia da escolha ” (FERREIRA-SANTOS; ALMEIDA, 2012, p.71). Freire (1996) reflete sobre os saberes necessários à prática educativo-crítica destacando que o desenvolvimento da autonomia faz parte da própria natureza educativa. O autor defende que ensinar exige respeito pela autonomia do educando: O respeito à autonomia do educando e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros. Precisamente porque éticos podemos desrespeitar a rigorosidade da ética e resvalar para a sua negação, por isso é imprescindível deixar claro que a possibilidade do desvio ético não pode receber outra designação senão a de transgressão (FREIRE, 1996, p.66). O professor deve respeitar a curiosidade, o gosto estético, a linguagem e inquietude do educando, não deve estabelecer uma relação hierárquica com as crianças como se fosse o dono do saber, deve ter consciência do seu inacabamento profissional, ou seja, da sua busca contínua de aprendizagem, assim como deve também respeitar no estudante esse mesmo inacabamento. Tem que encarar os aprendizes como sujeitos em potencial que também ensinam. Como diz Freire (1996, p.25) “Não há docência sem discência”, apesar das diferenças existentes, a relação não é de objetos e sim humana. O mesmo autor reforça: “[...] quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender [...]”. Dessa forma há um intercâmbio de aprendizagens continuas e inacabadas (p.25). Para isso o diálogo é imprescindível, pois é através da sua disponibilidade que o conhecimento acontece. O professor precisa ter sensibilidade para dialogar com a criança, se aproximar dela, observar porque ela não está aprendendo. E buscar alternativas para isso, respeitando a subjetividade de cada criança para aprender. Quando ensina o professor não está tendo contato com um objeto e sim com um ser humano, é essa relação que determinará o interesse da criança no conteúdo, porque antes do conteúdo existe uma relação subjetiva. Universidade Federal de Mato Grosso – Câmpus Universitário de Rondonópolis - MT 13 a 16 de setembro de 2016 CONGRESSO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO 2016 Educação e Diversidade ISSN 2179-068X 2 A subjetividade: uma dimensão importante para uma proposta pedagógica Freire (1996, p. 159) defende que não se deve separar como alguns autores fazem “a seriedade docente e afetividade”. O melhor professor não é o mais severo e frio. Afirma, ainda, que: [...] A afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade. O que não posso obviamente permitir é que minha afetividade interfira no cumprimento ético de meu dever de professor no exercício de minha autoridade. Não posso condicionar a avaliação do trabalho escolar de um aluno ao maior ou menor bem querer que tenha por ele (FREIRE, 1996, p. 160). Então, o educador precisa cumprir a sua responsabilidade em educar, lembrando sempre de que está trabalhando com pessoas. É preciso querer bem aos educandos e ter amor pela prática da docência. Porém como compreender melhor os educandos na infância? Muitos adultos se veem em seu mundo adultocêntrico e simplesmente parecem ter tido uma amnésia com relação a sua própria infância. Em geral, percebe-se um grande distanciamento entre o adulto e a criança, simplesmente parece que se esqueceram da criança que foram. Bachelard (1988) propõe uma retomada das lembranças das nossas imagens primeiras, através dos devaneios poéticos, com o intuito de nos aproximarmos dessa infância para melhor compreendê-la. Ele declara: […] há devaneios tão profundos, devaneios que nos ajudam a descer tão profundamente em nós mesmos que nos desembaraçam da nossa história. Libertam-nos do nosso nome. Devolvem-nos, essas solidões de hoje, às solidões primeiras. Essas solidões primeiras, essas solidões de criança, deixam em certas almas marcas indeléveis […] (BACHELARD, 1988, p.93-94). O autor esclarece que podemos nos aproximar da criança que fomos através de devaneios poéticos que nos ajudam a re-imaginar a infância que tivemos. Bachelard (1988. p.94) acrescenta: “[…] como não sentir que há comunicação entre a nossa solidão de sonhador e as solidões da infância? E não é à toa que, num devaneio tranquilo, seguimos muitas vezes a inclinação que nos restitui às nossas solidões de infância”. Através de uma poético-análise podemos imaginar novamente a nossa infância, junto com as recordações que estão em nossa memória. Assim re-imaginar a infância dos nossos devaneios de solidão ajuda-nos a compreender o mundo das crianças com as quais temos contato. Bachelard (1988) prossegue: “Quando sonhava em sua solidão, a criança conhecia uma existência sem limites. Seu devaneio não era simplesmente um devaneio de fuga. Era um devaneio de alçar voo” (p.94). Universidade Federal de Mato Grosso – Câmpus Universitário de Rondonópolis - MT 13 a 16 de setembro de 2016 CONGRESSO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO 2016 Educação e Diversidade ISSN 2179-068X Portanto, se olharmos lá no fundo da nossa memória, encontraremos aquela criança solitária, animista, que sonhava acordada, ansiosa para compreender o mundo e que desejava viver esses devaneios. Com a leitura dos relatos da professora Madalena Freire (1983) obtive um vislumbre dessa educação tão almejada. Ela demonstra que é possível pensarmos e efetuarmos uma educação diferente. Uma educação de sensibilidade que busca entender as necessidades das crianças para aquele momento, voltada para as curiosidades e anseios infantis. Que não se prende à conteúdo com um prazo determinado para ser cumprido. A proposta da autora para melhorar as relações em sala de referência e despertar o interesse, é partir das indagações das próprias crianças. Isso acontece de maneira muito dinâmica, às vezes uma palavra nova descoberta pelas crianças ou uma brincadeira que revela alguma curiosidade define o tema para a próxima aula. Assim as crianças se mantêm interessadas no assunto e a professora aproveita para trabalhar diferentes conteúdo. Apresenta-se, assim, um excelente exemplo, de uma professora reflexiva que teve sensibilidade para observar atentamente o cotidiano e as experiências das crianças, verificando quais seus interesses para potencializar aprendizados. Não é nenhuma novidade para nós que de vez em quando alguma criança surja com algum objeto na sala de referência. E qual a atitude mais natural de alguns professores? É retirar o objeto da criança e dizer que está atrapalhando a aula. Entretanto, em seus relatos com crianças do pré-escolar, a autora conta que aproveitava objetos trazidos pelas crianças para explorar conteúdos e garantir a aprendizagem. Freire (1983, p. 96) relata que: “Surgiu nesse período um álbum de figurinhas, muito bonito, sobre raças, em que salientava a cultura de cada povo. Aproveitei para trabalhar, através do álbum, as relações dos seres humanos com o mundo, com a natureza [...]”. Em outro momento, uma criança trouxe uma xícara para a classe. Novamente ela aproveitou a oportunidade para ensinar: passou a trabalhar com a xícara numa roda de amizade, onde todos bebiam juntos aquele “chá símbolo de nossa amizade” (FREIRE, 1983, p. 88). Foi uma excelente oportunidade de trabalhar o grupo como um todo. A autora tornava proveitosos vários momentos e permitia a aprendizagem, sempre encorajando a curiosidade das crianças. Ela não tolhia as crianças, por mais que o assunto que surgisse não estivesse no “roteiro” da aula, eles eram adaptados e se tornavam fonte de ricas aprendizagens. 3 Duas experiências de estágio em diálogo com uma educação de sensibilidade Universidade Federal de Mato Grosso – Câmpus Universitário de Rondonópolis - MT 13 a 16 de setembro de 2016 CONGRESSO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO 2016 Educação e Diversidade ISSN 2179-068X Comecei a perceber a necessidade e urgência de uma proposta pedagógica ancorada na educação de sensibilidade, no meio escolar, em 2014, quando realizei o Estágio Curricular Supervisionado II, com crianças de quatro e cinco anos de idade. Foi uma experiência que me angustiou bastante, pois vivenciei dois extremos. Estagiei em duas salas bem distintas: a primeira foi com as crianças de quatro anos. Nessa turma ocorreu tudo bem tranquilo. As crianças se sentiam bem à vontade, tinham liberdade de dialogar com a professora, gostavam de contar suas experiências, cantavam e dançavam com entusiasmo. A outra sala com as crianças de cinco anos, foi o meu motivo originador de estudos. Desde o primeiro dia de estágio o clima foi tenso, algumas crianças falavam gritando, outras gritavam, demonstrando irritação e ao mesmo tempo pareciam implorar por atenção. Não esqueço da forma como um pequeno me foi apresentado, no primeiro dia de estágio, na outra sala. Logo na sua chegada, no início do dia, a professora listou todos os seus “defeitos” e me disse: “Cuidado com ele viu!” e o colocou para sentar na última cadeira da fila. Olhei para ele e disse: “Mas agora você não é mais assim, tá?”. Ele me olhou diferente, eu vi esperança naqueles olhos. Posso dizer com convicção que seu comportamento foi melhorando à medida que eu lhe ajudava nas atividades. As vezes tudo que uma criança precisa é atenção, um olhar mais profundo, sensível, que demonstre na prática a esperança no outro, numa utopia permanente de acreditar no humano. No início do dia a professora cantava uma música automaticamente, quase não se ouvia a voz das crianças, sem nenhum movimento, nem empolgação. A história do dia era contada com a professora sentada em sua mesa, e as crianças em suas cadeiras, num cenário bem distante. Quase frio, poderia dizer. Quando as crianças faziam perguntas a respeito da história eram tolhidas, e a professora exigia silêncio, nem que para isso fosse preciso usar o apito. Confesso que fiquei pasma diante do usual apito, mas quem era eu, uma simples estagiária em início de carreira, não tinha nenhum direito de questionar seus “métodos”. Percebi que algumas crianças ficavam bem incomodadas e assustadas com o apito repentino. E o silêncio era ilusório, apenas uma questão de tempo para que o movimento das crianças voltasse. Houve momentos em que senti um forte desejo em intervir diante de algumas práticas da professora, porém consegui manter a postura. Muitas discussões entre a professora e os pequenos eram com relação a escolhas, tudo tinha que ser conforme a professora exigia. Esse Universidade Federal de Mato Grosso – Câmpus Universitário de Rondonópolis - MT 13 a 16 de setembro de 2016 CONGRESSO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO 2016 Educação e Diversidade ISSN 2179-068X contexto de observação foi muito doloroso para mim, visto que o contraste com a teoria estudada na graduação era grande. 4 Quando a arbitrariedade comanda a ação pedagógica Lembro-me bem de um momento no intervalo em que uma menina chorava, por causa da forma e o tom de voz com que a professora se dirigia a ela. Talvez a professora estivesse cansada da profissão, talvez precisasse de uma auxiliar ou seria uma falha em sua formação inicial e continuada? O fato é que as crianças diferem entre si, muitas culturas e fatores sociais influenciam na vida e formação das crianças. Ela entram na escola com uma grande bagagem de experiências vividas. Porém, no que for necessário devemos ajudar e colaborar para o desenvolvimento de valores éticos. A questão é complexa demais e o educador precisa ter clareza disso. Muitas vezes também observei a professora desesperada querendo exigir de algumas crianças um padrão de comportamento homogêneo. Notei rapidamente que havia um certa frieza na relação da professora com as crianças. As suas atitudes automáticas e dominadoras demonstravam falta de sensibilidade no ouvir, falar e fazer pedagógico, prejudicando a sua atuação como educadora. Ela usou um modelo de autoritarismo fracassado. Ao silenciar os pequenos, ela estava impedindo a construção do conhecimento pelos próprios. A falta de diálogo dominava. Uma prática que acompanhei e verifiquei que não possui êxito para um bom relacionamento do professor-criança, e que consequentemente dificulta a aprendizagem. Quão bom seria se o professor abandonasse essa herança de organização social que é voltada para o homogêneo e permitisse a cada criança o direito de pensar por si e fazer escolhas. Ferreira Santos e Almeida afirmam que: “[...] a escolha é a única forma de o homem aparecer, emergir ao mundo, trafegar pela superfície[...]” (p. 320). Porém, o professor se contaminou com a visão técnica do mundo do trabalho, está sempre atarefado e preocupado em cumprir o seu planejamento à risca, custe o que custar. A sua preocupação tem sido a transmissão de informações, conteúdos, não permitindo que as crianças tenham experiências significativas na sala de referência, anulando a aquisição do verdadeiro conhecimento. Larrosa (2002) destaca que: “A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. [...] Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara” (p. 21). Vivemos na contemporaneidade o excesso de informação, que não é o mesmo que experiência. É somente através desse algo que me toca, a experiência, que posso dizer que algo realmente Universidade Federal de Mato Grosso – Câmpus Universitário de Rondonópolis - MT 13 a 16 de setembro de 2016 CONGRESSO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO 2016 Educação e Diversidade ISSN 2179-068X me aconteceu, me tocou, permitiu-me apropriar-se do objeto de conhecimento e conhecê-lo. Ninguém pode viver a experiência por outra pessoa, e cada experiência é única para quem vivencia. Pois, cada um na sua singularidade tem sua forma de viver e interpretar a experiência. Foi por meio da experiência de estágio que eu problematizei sobre a necessidade de uma educação de sensibilidade. O autor declara que: A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2002, p. 24). Como futura educadora preciso valorizar as experiências na sala de referência, para uma melhor compreensão dos conteúdos trabalhados, para que haja uma autêntica relação entre o ensino e a aprendizagem de. Depois de alguns anos, a criança pode até esquecer algumas partes teóricas dos conteúdos, mas as experiências das relações com o conhecimento, essas ficarão gravadas em sua memória. Trata-se de cultivar uma atitude de disponibilidade ao outro, numa receptividade, uma abertura para o desconhecido, a fim de que o outro possa se expressar, se conhecer, interagir, participar da aula e se ver como uma pessoa com potencial. Para isso o professor precisa dar sentido à experiência na sala de referência, livrar-se do automatismo tão comum nos dias de hoje. Estar junto com as crianças, usufruindo das cores e surpresas da vida. Ferreira-Santos (2008) afirma: A imperiosidade da situação educativa é a exigência de um simples “faça comigo” vivencial. Não se reduz à hierarquia do mando (“faça isto!”), da tarefa imposta, da imposição do autoritarismo, da distância asséptica das “lições de casa” ou da mais evidente e cômoda ausência pela demissão do educador das suas responsabilidades como referência humana que dialoga e com-vive [...] (p. 01). Não é só o professor expor a matéria, ele precisa se expor também, educador e aprendiz existem, portanto, fazem juntos, experimentam juntos, convivem juntos. 5 Brincar e viver E como o educador pode promover essa experimentação com as crianças? O mesmo autor responde: Sim, a brincadeira é a situação básica de experimentação pelas creanças. E aqui o educador é também creança... criação continua de si mesmo, desde que aberto às aprendizagens que, de repente, acontecem no jogo desinteressado da convivência. Universidade Federal de Mato Grosso – Câmpus Universitário de Rondonópolis - MT 13 a 16 de setembro de 2016 CONGRESSO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO 2016 Educação e Diversidade ISSN 2179-068X Haverá situação educativa mais profunda e mais significativa do que aprender-se e aprender o outro ensinando-se e sendo ensinado pela pessoa da criança? (FERREIRASANTOS, p. 3). Percebo adultos que não brincam, presos em seu mundo, sendo a personificação de Prometeu, querendo manter sempre aquela postura séria. Ora! As pessoas não querem trabalhar ou estudar o tempo todo, como se fossem programadas para fazer isso ou aquilo, elas querem aproveitar o tempo que passa de outras formas, usufruindo as diversas possibilidades que há no presente. Sobre isso, Maffesoli ressalta que: [...] assim como a figura do homem adulto e realizado, dono de si e da natureza, dominou a modernidade, não veríamos ressurgir, nesta pós-modernidade nascente, o mito de puer aeternus, essa criança eterna, brincalhona e travessa, que impregnaria modos de ser e de pensar? (MAFFESOLI, 2003, p.12). A expressão que sempre ouvi do “nunca deixe morrer a criança que há em você” tem ganhado muito sentido atualmente, onde o lúdico tem se mostrado fundamental para o bom funcionamento da sociedade. A figura Dionisíaca além de primordial é essencial. Que nós educadores nunca olhemos com maus olhos essa tendência a “festar” e brincar que encontraremos na escola. Isso faz parte de nossa essência, os mitos estão aí para provar. Para o autor isso são atitudes repetitivas que fazem parte do ciclo natural da vida, “é uma necessidade vital de regeneração. Necessidade antropológica baseada na convicção de que a vida sempre recomeça [...]”. Ou seja, usufruímos o presente, não uma vida futura. (MAFFESOLI, 2003, p. 40). Maffesoli nos convida a viver uma nova sensibilidade, que assinala o que é a “intensidade trágica: a medida da vida é viver sem medidas.” Se olharmos com esse novo olhar entenderemos as inúmeras práticas juvenis que simplesmente estão usufruindo a intensidade que a vida apresenta. Em meio à monotonia posta no nosso dia-a-dia e na sala de referência é esse sentimento trágico que a iluminará periodicamente. A medida que nos permitirmos enfrentar as vicissitudes da vida. Portanto, farei bem em aproveitar todas as oportunidades vividas diariamente, sem a exigência do deve-ser, dando lugar ao sentido trágico da vida, que é essencial para a nossa renovação. Na sala de referência, nem tudo ocorre da maneira como planejamos, é muito dinâmico, é emoção. O ser humano é guiado pela emoção. A primeira sala em que estagiei, considero como um exemplo a ser seguido. Uma sala em que a professora temperava as atividades com o lúdico. Até mesmo o momento da arrumação da sala se tornava divertido, com músicas que estimulavam a organização. Fiquei deslumbrada ao ver a alegria dos pequenos cantando e guardando os brinquedos. As atividades propostas por essa Universidade Federal de Mato Grosso – Câmpus Universitário de Rondonópolis - MT 13 a 16 de setembro de 2016 CONGRESSO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO 2016 Educação e Diversidade ISSN 2179-068X professora eram sempre organizadas com a participação das crianças. Eles eram estimulados por meio do seu exemplo: a tocar, fazer, cantar e dançar. Foi assim quando plantaram um pezinho de feijão e em outras ocasiões. Realmente ela promovia a experimentação pelas crianças. Essas duas experiências de estágio tão divergentes possibilitaram-me um rico aprendizado, pois pude verificar na prática como o educador precisa ser sensível e ter perspicácia para saber a melhor maneira de se posicionar em situações postas no dia-a-dia. O quanto precisa estar atento ao outro, e ser o que for necessário para tocar o outro. 6 Concluindo: A importância das experiências sensíveis É pertinente citar agora a experiência de Madalena Freire, que se revelou uma verdadeira mestre ao realizar trabalhos com crianças, promovendo um verdadeiro acervo de experiências que tocavam, ensinavam e encantavam os pequenos. Na sala de referência, num trabalho de pesquisa corporal que surgiu do interesse de algumas crianças, na roda de conversa, a autora conta que trouxe de casa um pintinho de brinquedo. A partir desse, ela começou a perguntar para as crianças do que era feito? Será que esse pintinho é igual ao de verdade? Ela despertava a curiosidade, e permitia que as crianças fossem refletindo e respondendo. Dessa forma as crianças foram suprindo suas curiosidades e tendo novas. Ela aproveitava a curiosidade delas e fazia mais perguntas, afim de que, compreendessem o processo. No outro dia ela levou para a escola uma galinha de verdade. Por meio dessa galinha a professora explicou as partes do corpo da galinha e suas maneiras de viver. Assim ela aproveitou para explicar as partes do nosso corpo. Foram feitas comparações de semelhanças e diferenças entre o corpo da galinha, de outros animais e o nosso. Ao longo dessa experiência Freire (1983) trabalhou outras atividades envolvendo outras disciplinas, tudo num ambiente descontraído, onde a aprendizagem ocorria muito naturalmente, em meio a brincadeiras e músicas. Freire destaca que: [...] É fundamental que as crianças tomem consciência de que elas estão fazendo, conquistando, estão se apoderando do seu processo de conhecimento. E que o professor, igualmente, com elas, os dois são sujeitos desse processo na busca do conhecimento. Daí que o papel do professor não é o de “dono da verdade”, que chega e disserta sobre o “corpo e seu funcionamento”, mas sim o de quem, por maior experiência e maior sistematização, tem a capacidade de devolver às crianças, de modo organizado informações, as do objeto de conhecimento [...] (p.45). A autora promoveu muito aprendizado na sala de referência, por meio de muitas outras experiências significativas, como essa que citei. Sempre aproveitava as oportunidades que Universidade Federal de Mato Grosso – Câmpus Universitário de Rondonópolis - MT 13 a 16 de setembro de 2016 CONGRESSO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO 2016 Educação e Diversidade ISSN 2179-068X surgiam para trabalhar com as crianças de modo diferenciado, situando a criança como agente principal do processo de conhecimento. Deixando claro que também estava aprendendo com as crianças. Nas minhas experiências de estágio a primeira professora teve um sensibilidade similar, ao colocar as crianças no centro do processo de ensino. Mas o que houve com a segunda professora? Por que ela era rude e automática ao administrar as aulas? Será alguma falha na sua formação inicial e/ou continuada? É por isso que Ostetto e Leite (2012) dialogam sobre o proveito de proporcionar “movimentos sensíveis”, experiências artísticas significativas na formação inicial dos professores, com o intuito de aflorar esse lado sensível no trabalho pedagógico. As autoras destacam que: Em oficinas de vivências com diferentes materiais e técnicas de criação e expressão, os alunos entraram em contato com a dança, com a pintura corporal e com uma diversidade de gêneros musicais, entre eles uma ópera. Cantar e cantar e cantar... Soltar a voz com as cantigas tradicionais também foi experimentado. Na perspectiva do desafio, utilizando giz pastel, carvão, vegetal, grafite e aquarela, os alunos puderam experimentar materiais até então desconhecidos para eles e ousar criar composições riscando, rabiscando, colorindo, pesquisando formas etc. (OSTETTO; LEITE, 2012, p. 17). Portanto, é fundamental que na formação inicial o futuro educador tenha contato com essas experiências artísticas, pois ensinam o professor a ser criativo, renovar, arriscar, e abandonar aquela ideia comum do “eu não sei fazer”. Com a dança, por exemplo, digo isso por experiência própria, à medida que fui me arriscando nos passos, fui verificando muitas possibilidades e percebendo que nem tudo precisa ser perfeito, que cada um tem sua identidade, seu ritmo próprio. Essa experiência de me arriscar na dança me deu coragem, com certeza contribuiu para que, inclusive, deixasse aflorar a minha criatividade na realização deste trabalho. No dia-a-dia da sala de referência muitas vezes o professor vai adquirindo uma postura séria, esquecendo de si próprio. Assim, a dança permite reatar os elos com si próprio, conhecendo melhor a si e ao outro. Essas percepções sensíveis nortearão o educador nas múltiplas situações que surgirão no decorrer de sua trajetória educacional. Ostteto e Leite finalizam dizendo que: Sensibilizar o movimento, o olhar e a escuta do professor contribuirá, sobretudo, para torná-lo um sujeito mais aberto e plural, mais atento ao outro; ampliará seu repertório e, consequentemente, seu acervo para criação – uma vez que só se cria a partir da combinação de elementos diversos que se tenha tornando sua prática mais significativa, autoral e criativa (2012, p. 23). Como futura educadora tenho plena consciência do meu inacabamento profissional, a convicção de que tenho o compromisso de buscar sempre novas experiências que continuem a Universidade Federal de Mato Grosso – Câmpus Universitário de Rondonópolis - MT 13 a 16 de setembro de 2016 CONGRESSO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO 2016 Educação e Diversidade ISSN 2179-068X despertar a sensibilidade que fará com que eu recrie, com um novo olhar, arrisque e inove sempre, despertando sensibilidades que ajude na formação de um ser humano melhor. 7 Referências ARAUJO, Ariane da Costa Dourado. Educação de sensibilidade: contribuições para a formação humana do educador. Trabalho de Conclusão de Curso. Orientadora: Dra. Elni Elisa Willms. Rondonópolis: UFMT, 2016. 50p. BACHELARD, Gaston. Os devaneios voltados para a infância. In:________ A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988. p.93-138. BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação. 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