As mudanças climáticas em capas da Superinteressante

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SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Campo Grande – UFMS – Novembro de 2015
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As mudanças climáticas em capas da Superinteressante: estratégias discursivas e sentidos visados Rafael Rangel Winch 1 Márcia Franz Amaral 2 Resumo: Neste trabalho, objetivamos discutir como a Superinteressante, revista da editora Abril, inscreveu discursivamente as mudanças climáticas em quatro capas de distintos anos (1995, 1998, 2005 e 2011). Com base na literatura que relaciona jornalismo e clima e também em contributos teóricos de autores como Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau, refletimos sobre os sentidos visados pela publicação na abordagem do fenômeno em questão. A partir da análise, entre outros aspectos, verificamos que o discurso da revista enfatiza o tom apocalíptico das alterações climáticas, destaca sua competência enquanto veículo especializado e ainda associa o leitor a diferentes dimensões da problemática do clima. Desse modo, mapeamos três estratégias discursivas na construção das capas: alarmistas, elucidativas e inclusivas. Palavras­chave​
: mudanças climáticas; jornalismo de revista; Superinteressante; estratégias discursivas; sentidos visados. 1. Introdução 1
Jornalista. Mestrando do Programa de Pós­Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. E­mail: [email protected] 2
Professora do Programa de Pós­Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria, Doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS com pós­doutoramento pela Universitat Pompeo Fabra (Espanha) e bolsista do CNPq. E­mail: [email protected] 1 SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
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Nas últimas décadas, as mudanças climáticas foram reportadas pela revista Superinteressante a partir de inúmeros enfoques. Sobretudo a partir dos anos 1990, em sintonia com as pesquisas científicas e com os eventos climáticos, a publicação passou a dar mais ênfase para esse macrotema. O significado dessa complexa questão é socialmente construído não apenas pelas manifestações físicas do fenômeno, mas ainda por diferentes tipos de discursos (CARVALHO, 2011). As alterações no clima são uma problemática pública multidimensional, visto que englobam variados campos sociais, como o ambiental, científico, político, econômico e cultural. Neste estudo, buscamos refletir sobre como a já referida revista inscreveu discursivamente essa temática algumas capas de anos distintos. Para isso, nos embasamos nas contribuições de autores como Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau, que pensam as práticas midiáticas e, sobretudo jornalísticas, a partir de uma perspectiva discursiva. Dito isso, nosso principal objetivo é identificar as estratégias discursivas mobilizadas pela revista na construção de capas sobre as alterações no clima. Por conseguinte, também pretendemos discutir como se caracterizam os sentidos visados3 pelo uso de tais estratégias, relacionando­os com o contexto sócio­histórico em que estão inseridos. 2. O clima pelo olhar jornalístico A partir de Carvalho (1999), podemos compreender que o fenômeno das mudanças climáticas – físico e discursivo –, em grande medida, é invisível para o cidadão comum. Apesar de ser uma realidade concreta, ainda parece algo longínquo da experiência cotidiana, visto que existe um hiato temporal entre as causas e as consequências futuras do problema (CARDOSO, 2013). 3
Com base em Charaudeau (2006), optamos por falar em “sentidos visados” pela instância de produção, isto é, sentidos possíveis que não necessariamente serão correspondidos pela instância de recepção. 2 SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
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Inclusive para os especialistas, “o problema só é cognoscível através de uma vasta rede científica, técnica e institucional” (CARVALHO, 1999, p.4). Desse modo, tendo em vista a complexidade das alterações no clima, a mediação do jornalismo torna­se fundamental para que os indivíduos leigos tenham conhecimento sobre os diversos aspectos que circundam e configuram esse macrotema. Os conteúdos jornalísticos sobre as mudanças climáticas são atravessados por ações de diversos campos que buscam legitimar seus argumentos e posições. A batalha por visibilidade midiática faz com que os diferentes atores sociais desenvolvam vários tipos de estratégias de comunicação para promoverem suas perspectivas (CARVALHO, 2011). Evidentemente, os jornalistas também elaboram formas específicas de abordar o fenômeno, variando conforme cada veículo (tais como: critérios de noticiabilidade, normas e culturas profissionais e política editorial). Ou seja, “as organizações midiáticas funcionam segundo lógicas e dinâmicas próprias que condicionam, necessariamente, a sua forma de cobertura das alterações climáticas” (CARVALHO, 2011, p. 17). Os efeitos das mudanças no clima, frequentemente, são apresentados pelo jornalismo através de um viés alarmista, com ênfase nas catástrofes. Esse tipo de abordagem, que busca enquadrar o assunto a partir de seus efeitos negativos, é uma das maneiras mais recorrentes de capturar a atenção do público. Entretanto, conforme O’Neill e Nicholson­Cole (2009), as representações que associam as alterações climáticas ao medo (e demais elementos dramáticos) podem causar sensação de impotência entre as pessoas, já que estas se sentiram incapazes de agir diante de um problema aparentemente sem solução. Bueno (2013) critica o tom alarmista que o jornalismo lança mão após a divulgação de relatórios de entidades de prestígio e da proximidade de eventos internacionais sobre as mudanças climáticas. Em sua ótica, um fator que desfavorece o entendimento do cidadão comum sobre o tema é o sensacionalismo dos meios de 3 SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
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comunicação, que se valem, muitas vezes, de dados e declarações bombásticas para aumentar a audiência. Por sua vez, ao analisar reportagens do jornal o Globo sobre as mudanças climáticas, Carneiro (2008) evidenciou como a abordagem sensacionalista em relação ao fenômeno pode contribuir para popularizar um tema científico de alta complexidade. De acordo com a autora, a utilização de determinados elementos de captação não foi prejudicial ao veículo, uma vez que ‘‘o sensacionalismo não chega a esbarrar em um aspecto essencial: a credibilidade e a reputação pública de que depende todo jornal (CARNEIRO, 2008, p. 158). Outra discussão recorrente em algumas pesquisas sobre a cobertura jornalística das alterações no clima diz respeito à (in) visibilidade dos cientistas chamados de céticos. Carvalho ​
et all (2011 p. 107) os define como “um pequeno número de indivíduos que negam a ocorrência das alterações climáticas ou a sua natureza antropogênica”. Isto é, tal grupo de especialistas assume opiniões divergentes em relação aos relatórios de entidades como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, sigla IPCC em inglês. Já Bueno (2013) questiona a maneira consensual – predominante na maior parte dos veículos, sobretudo os diários – como o conhecimento científico sobre as alterações no clima é trabalhado pelo jornalismo. Para o autor, mesmo que a maioria dos cientistas defenda que o aquecimento global possui relação direta com a ação civilizatória do homem, os jornalistas precisam dar conta de equilibrar as versões dos relatos sobre o fenômeno. A abordagem desse macrotema acontece através de variados suportes, como por exemplo, a revista. Na sequência, a partir de uma perspectiva discursiva, refletimos sobre algumas questões relativas a esse tipo de veículo, destacando principalmente os aspectos que dizem respeito à capa, elemento central da nossa investigação. 3. A materialidade discursiva da revista 4 SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
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É possível definir a revista através de diferentes ângulos. Ao mesmo tempo, ela é um veículo de comunicação, um produto, um negócio, uma marca, um objeto, um conjunto de serviços, uma mistura de jornalismo e entretenimento (SCALZO, 2008). Apesar da diversidade de características, a identidade da revista possui marcas bem delimitadas, orientadas tanto por uma periodicidade singular quanto por uma “condição material e discursiva específica, que dialoga com o contexto do qual ela é parte constituinte” (TAVARES; SCHWAAB, 2013, p.27). A partir de Benetti (2013), entendemos que, entre as peculiaridades do jornalismo de revista, está a construção de discursos sobre o mundo de forma lenta, reiterada, fragmentada e emocional. A autora ainda reconhece que, enquanto dispositivo, as revistas possuem como primeira função a definição do contemporâneo. Contudo, faz a seguinte ressalva: “no caso do jornalismo de revista, a noção de presente é estendida: atual é sinônimo de contemporâneo, e não de novo” (BENETTI, 2013, p.45). A interação entre veículo­leitor ocorre de maneira particular quando se trata do jornalismo de revista, uma vez que as publicações devem ocupar os vazios informativos deixados pela cobertura diária (VILAS BOAS, 1996) e provocar sensações que mantenham os leitores interessados em seus conteúdos ofertados. O próprio aprofundamento dos assuntos, através de variados níveis opinativos e interpretativos, também é uma forma de estabelecer relações de confiança e fidelidade com o público. Dessa forma, a revista se apresenta como um veículo autorizado, e em muitos casos especializado (como é o caso de Superinteressante), para falar sobre algo, já que pode conferir tratamento especial aos fatos (detalhes, contrapontos, contextos, curiosidades e inúmeros recursos visuais) e, consequentemente, ajudar o leitor em seu cotidiano, vida prática (SCALZO, 2008). A capa, enquanto unidade discursiva e superfície textual (VERÓN 2004), pode ser considerada a página mais importante de uma revista. A formação identitária das publicações depende essencialmente da capa, visto que ela ‘‘não se reduz a informação, 5 SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
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mesmo que este seja o teor do interior da revista; a capa anuncia o conteúdo da revista e reforça a notoriedade e a identificação da publicação’’ (CARDOSO, 2007, p. 591). É por meio da capa que o público estabelece o primeiro contato com os assuntos abordados pelas publicações. Por isso, elas precisam ser ‘‘ (...) “o resumo irresistível de cada edição, uma espécie de vitrine para o deleite e a sedução do leitor” (SCALZO, 2004, p. 62). Também é possível compreender esse elemento das publicações como uma ‘‘fachada’’ (GOFFMAN, 1992), uma vez que através dele os veículos buscam construir sua imagem, ou seja, a representação de si. Também podemos pensar a capa como um espaço da revista que oferta sentidos não apenas sobre os assuntos da edição, mas ainda sobre si e sobre o outro. A capa, assim como a revista como um todo, é constituída por condições que afirmam um contrato de comunicação (CHARAUDEAU, 2006) com os leitores. Neste presente trabalho, entendemos que a capa engloba diferentes dimensões do contrato de comunicação, como por exemplo, a condição de identidade (“quem fala para quem”), isto é, relaciona­se à afirmação do ethos discursivo (MAINGUENEAU, 2008), pois é o elemento encarregado de construir uma representação imediata do veículo. Ainda de acordo com Charaudeau (2006), podemos entender que comunicar diz respeito à escolha de estratégias discursivas, ou seja, se refere à visada de efeitos de sentido para influenciar o outro. Assim, as estratégias discursivas são relativas “ao modo como um sujeito, individual ou coletivo, é levado a escolher, de maneira consciente ou não, determinado número de operações linguageiras (recursos lingüísticos e/ou discursivos)” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 219). As estratégias discursivas também podem ser relacionadas aos modos de dizer, isto é, ao “como se diz” (questão inerente ao contrato de comunicação), visto que, dentre seus objetivos, visam garantir o efeito de verdade e a credibilidade de quem enuncia (BENETTI, 2008). 4. Das estratégias discursivas aos sentidos visados: a análise 6 SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
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A escolha das capas de Superinteressante a serem analisadas foi nosso primeiro movimento metodológico. Selecionamos edições de diferentes anos, com um intervalo de tempo significativo entre elas (não necessariamente o mesmo). Elegemos exemplares de anos distintos por compreendermos que o fenômeno das mudanças climáticas, incluindo sua construção discursiva, passa por transformações de acordo com o período em que se encontra. Desse modo, quatro capas foram escolhidas: junho de 1995, janeiro de 1998, outubro de 2005 e abril de 2011. Optamos por organizar a análise a partir das capas (em ordem cronológica no que diz respeito ao lançamento de cada edição) e não das estratégias identificadas. Assim, também pretendemos observar possíveis variações no uso de artifícios (verbais e não­verbais) pela revista ao longo dos anos. Apesar de o ​
corpus ser formado especificamente por capas, a leitura das reportagens foi essencial para abarcar­se o (s) contexto (s) de produção das ‘‘fachadas’’. Como ensina Maingueneau (2000, p. 55) “para interpretar qualquer enunciado é necessário relacionar a muitos outros (...)”, isto é, o discurso só adquire sentido quando é buscado no interior de um universo de outros discursos. A partir disso, destacamos que as estratégias mapeadas foram associadas ao quadro sócio­histórico (exterioridade) em que se inscrevem, visto que “é, pois, a imbricação das condições extradiscursivas e das realizações intradiscursivas que produz sentido” (CHARAUDEAU, 2006, p. 40). Evidentemente, as estratégias identificadas em nosso trabalho – sistematizadas com base na leitura do ​
corpus e a partir das noções que caracterizam as estratégias discursivas – não se restringem ao discurso jornalístico sobre as mudanças climáticas, já que podem ser mobilizadas a partir da abordagem de outros temas de capa. Contudo, em nossa análise, verificamos que elas se relacionam intimamente com o tema principal da edição. Ressaltamos ainda que, elas não são excludentes, visto que podem se atravessar a partir de um mesmo enunciado, Dito isso, a seguir, caracterizamos cada tipo de estratégia detectada. 7 SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
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Estratégias Alarmistas – dizem respeito, especialmente, à tentativa de captação do leitor. São utilizadas para produzir efeitos de sentido associados ao risco, ameaça à estabilidade do clima e perigo para a sociedade. São verificáveis no emprego de imagens com teor apocalíptico e quando a revista lança mão de expressões que possam acentuar a gravidade das mudanças climáticas para o leitor, tais como: “catástrofe”, “perigos”, “violentos” e “apocalipse”. Estratégias Elucidativas – ​
são concernentes ao objeto da revista em elucidar os fatos para o leitor. Por isso, visam produzir efeitos de sentido que evidenciem que a publicação pode explicar, esclarecer e traduzir questões aparentemente complexas para seu público. São identificadas quando a revista se propõe a responder possíveis dúvidas para o leitor e também por meio do uso de expressões como “saiba” e “entenda”. Estratégias Inclusivas – ​
se referem à inclusão do leitor nos enunciados, isto é, visam produzir efeitos de sentido que relacionem o público, de alguma forma, à problemática das mudanças climáticas, situando­o como interessado ou mesmo possível vítima. São observadas quando a revista interpela o leitor através de palavras como “você” e também quando a própria publicação se inclui no enunciado a partir do uso de expressões como “nós”. É pertinente ressaltarmos que nossa abordagem das imagens e demais recursos não­verbais das capas também se dá por meio de uma perspectiva discursiva. Como explica Orlandi (2005, p. 70), “todo texto é heterogêneo: quanto à natureza dos diferentes materiais simbólicos (imagem, som, grafia etc); quanto à natureza das linguagens (oral, escrita, científica, literária, narrativa, descrição etc); quanto às posições do sujeito”. Junho de 1995 A primeira capa analisada aborda o aquecimento global e a consequente instabilidade climática do planeta. O enunciado principal ​
O (des) equilíbrio do clima é um jogo de palavras. O uso do sinal tipográfico parênteses sugere uma possível 8 SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
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incerteza quanto à veracidade/intensidade das mudanças no clima. No período em que tal edição foi lançada, já havia uma discussão constante no campo científico sobre as causas do fenômeno. Enquanto alguns cientistas relacionavam o problema com a ação antropogênica, outros defendiam a tese dos fatores naturais. (Figura 1) Capa de Junho de 1995 A imagem relaciona­se intimamente com os textos verbais da capa. Trata­se da encenação de um equilibrista, munido de dois guarda­chuvas, em cima da corda bamba. Abaixo dele está o planeta terra em sua imensidão. A posição em que ele se encontra (uma perna levantada) sugere a queda como algo iminente. Como afirma Charaudeau (2006), o sentido depende da estruturação particular que combine formas diversas, sejam pertencentes ao sistema verbal ou a outros sistemas semiológicos, tais como: icônico, gráfico e gestual. A partir da combinação dos diferentes recursos dessa capa, identificamos o uso da ​
Estratégia Alarmista​
, visto que há insinuação de risco à estabilidade do clima. Os demais enunciados da capa funcionam como suporte para o enunciado principal, pois corroboram a ideia de dúvida sobre alguns aspectos da discussão em 9 SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
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torno das mudanças climáticas. Percebemos, novamente, o emprego dos parênteses (​
tão bem) (e de paranoia) como forma de suscitar incertezas sobre as informações divulgadas pela mídia da época, oriundas de relatórios científicos e entrevistas com pesquisadores da área. Através dos referidos textos verbais, ainda verificamos o uso da ​
Estratégia Elucidativa, ​
sendo que a revista se propõe a responder perguntas sobre o assunto abordado na capa: ​
Por que a ciência ​
e ​
O que há de verdade​
. Os equívocos sobre as mudanças climáticas que a revista pretende esclarecer ao leitor refletem o contexto daquele ano, marcado pela divulgação de várias pesquisas sobre a questão, em especial, o segundo relatório do IPCC. Tal edição foi lançada três anos após a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a ECO 92 (ou RIO­92). Por isso, essa capa se inscreve num contexto de crescente preocupação internacional sobre os riscos das mudanças climáticas. Janeiro de 1998 A capa aborda a elevação marítima, causada principalmente pelos grandes degelos na Antártida. Mesmo que o problema esteja diretamente relacionado ao efeito estufa4, isso não é mencionado nesse espaço. Temos então um ​
não­dito (implícito), que não está verbalizado nem iconizado, mas que ainda assim faz parte do discurso, visto que os sentidos não estão presos no texto. Em outras palavras, o silêncio é significante e não um mero complemento da linguagem (ORLANDI, 1995). 4
Os gases do efeito estufa aquecem a terra (aquecimento global) que, consequentemente, provoca o aumento do nível dos mares. Fonte: http://portal.rebia.org.br/cidadania/2100­aumento­do­nivel­dos­oceanos 10 SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
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(Figura 2) Capa de Janeiro de 1998 O enunciado principal ​
Os mares estão subindo é significante em conjunto com os elementos icônicos. No centro da capa, há a imagem de um aquário que ameaça transbordar devido à quantidade de água. Dentro dele, não estão apenas os peixes, mas também uma civilização (ilustrada a partir de vários edifícios). Identificamos, portanto, a utilização da ​
Estratégia Alarmista​
, com a intencionalidade de produzir efeitos de sentidos relacionados, sobretudo, a um risco específico das alterações climáticas: a inundação (incluindo grandes áreas urbanas como a ilustração alerta). Será que vamos todos por água abaixo? é o outro enunciado da capa. Apesar de se configurar como pergunta a ser respondida pela revista em seu conteúdo interno, optramos por não classificá­lo como ​
Estratégia Elucidativa​
. ​
Ao contrário dos demais exemplos, aqui o sentido basilar do enunciado está mais direcionado a reforçar a ideia de uma possível ameaça (portanto​
, Estratégia Alarmista​
) do que explicar fatos. Também através do segundo enunciado, detectamos o emprego da ​
Estratégia Inclusiva. A partir das palavras no plural ​
vamos todos​
, observamos que não apenas o leitor é incluído como possível vítima das mudanças climáticas, mas ainda a própria revista (neste caso, o sujeito que enuncia). Na época do lançamento desta edição, 11 SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
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diversos cientistas já alertavam que nenhum país estaria a salvo das consequências das alterações no clima e que a subida do mar funcionaria como um termômetro para a gravidade do problema. Outubro de 2005 A edição foi lançada um mês após o furação Katrina ter devastado ​
New Orleans​
, cidade norte­americana5. O acontecimento catastrófico repercutiu intensamente na mídia noticiosa daquele período. Na capa, texto verbal e não­verbal se mesclam a partir do enunciado principal ​
O fim do mundo​
, representado através de pedaços de pedras. Estes, por sua vez, aparentam estar desmoronando. Em torno deste enunciado (iconizado) há a ilustração de dois elementos: água e fogo, que simbolizam, respectivamente, as ondas de uma enchente e as lavas de um vulcão. A partir dessa composição, verificamos a utilização da ​
Estratégia Alarmista​
, visto que os sentidos intencionados dizem respeito às diferentes consequências que mudanças climáticas podem trazer à sociedade. 5
A catástrofe foi uma das mais avassaladoras da história dos Estados Unidos, causando mais de mil mortes. Curiosamente, um ano antes deste acontecimento, o Furacão Catarina atingiu a região sul do Brasil. Fonte: ​
http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2005/furacaokatrina/​
. 12 SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
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(Figura 3) Capa de Outubro de 2005 Tal estratégia também se materializa por meio dos demais textos verbais da capa, em especial, pelo uso das ​
palavras enchentes, epidemias, furacões ​
e ​
apocalipse​
. De maneira conjunta com os ícones, estes enunciados visam produzir sentidos referentes às ameaças que a humanidade pode sofrer e que decorrem das constantes alterações no clima. No ano de lançamento desta edição, outros efeitos do aquecimento global receberam atenção midiática, como por exemplo, o calor recorde nos Estados Unidos (EUA). A partir dessa capa, observamos ainda o uso da ​
Estratégia Elucidativa​
. A revista se apresenta como detentora de um saber especializado perante o seu público. Percebe­se isso através das palavras ​
entenda ​
e ​
conheça, ​
que pressupõem explicações sobre duas questões específicas: como as mudanças no clima estão afetando o planeta e como se configuram os “interesses obscuros” que tentam esconder isso do cidadão comum. Nesta época, o contexto da discussão desse tema foi marcado por uma forte crítica ao então presidente dos EUA, George W. Bush6. Cientistas e ambientalistas acusavam a autoridade máxima norte­americana de não reconhecer os efeitos do aquecimento global. Além disso, alguns pesquisadores céticos também contribuíam para gerar dúvidas sobre as alterações climáticas. Ainda no que se refere ao último enunciado da capa, identificamos a utilização da ​
Estratégia Inclusiva através da palavra ​
você​
. Por meio dela, a revista intenciona produzir sentidos que situem (e convoquem) o leitor como alguém interessado e afetado, de alguma forma, pelo assunto. Cabe sublinharmos que o uso de palavras como “nós” e “você” nas capas também representa um enunciado escrito no estilo falado, isto é, detém certas 6
Nesta época, Bush retirou os Estados Unidos dos acordos criados pela Organização das Nações Unidas (ONU) para o controle de gases de efeito estufa. O país, desde aquele período, já produzia mais de um terço desses gases no mundo. Seu governo também defendeu que era necessário que mais pesquisas fossem realizadas antes que os países tomassem qualquer decisão sobre as alterações climáticas. 13 SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
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características dependente do ambiente (acesso imediato à realidade), embora se sirva de um suporte gráfico e vise uma recepção diferida (MAINGUENEAU, 2000). Dito de outra maneira, o emprego de tais palavras desempenha a função de aproximar o público do tema abordado (neste caso, as mudanças climáticas), mesmo que sujeito destinatário e sujeito enunciador estejam situados em espaços e tempos distintos. Abril de 2011 A capa mais recente possui elementos semelhantes com a anteriormente analisada. Aqui, o emprego da ​
Estratégia Inclusiva também foi identificado por meio da palavra ​
você​
. Neste caso, o leitor é incluído no começo do segundo enunciado como alguém que ​
desconfiava ​
do potencial das mudanças climáticas, mas que agora pode ter suas dúvidas sanadas, já que as ​
“pesquisas comprovam”. Assim como na edição de 2005, o texto verbal principal ​
A fúria da natureza se mistura com os ícones da capa. O enunciado em questão também está colocado de forma expandida e envolto por vários elementos, representados através da ilustração de enchente – ou tsunami – vulcão, tempestade solar e asteroide em queda. A combinação dos elementos verbais (enunciado central) e não verbais (imagens), conjuntamente com determinadas palavras presentes nos enunciados secundários (​
catástrofes, violentas, perigosos e ameaçados​
) justificam o emprego da ​
Estratégia Alarmista​
, que visa produzir sentidos que captem a atenção do sujeito destinatário para os distintos tipos de riscos das mudanças climáticas. 14 SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
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(Figura 4) Capa de Abril de 2011 Por sua vez, a ​
Estratégia Elucidativa foi verificada a partir das palavras ​
Saiba e por que​
. Através delas, a revista busca explicar, respectivamente, quais são as principais causas decorrentes das alterações no clima e os motivos que tornam o Brasil uma nação em perigo. O tom apocalíptico da capa relaciona­se, sobretudo, com os acontecimentos catastróficos em países como o Japão, que em 2011, sofreu com tsunamis, terremotos e crise nuclear. Sobretudo nas últimas duas capas, observamos como os dois principais objetivos do contrato de comunicação midiático, o fazer saber e fazer sentir (CHARAUDEAU, 2006), constituem de forma conjunta o discurso da revista. Através destas capas, Superinteressante exerce tanto a visada da informação quanto da captação, ou seja, ao mesmo tempo, a publicação assume o compromisso de informar sobre um assunto de interesse público e faz uso de elementos alarmistas e dramáticos que captem a atenção da audiência. 5. Algumas considerações Neste estudo, identificamos estratégias discursivas mobilizadas na construção de capas da Superinteressante ​
que trouxeram as mudanças climáticas como tema principal da edição. Por meio do emprego das estratégias Alarmistas, Elucidativas ​
e Inclusivas​
, a revista buscou construir determinados sentidos sobre o fenômeno para seu público. Através da análise, percebemos que a capa pode ser compreendida como um espaço repleto de ​
não­ditos​
, tanto pelo funcionamento do discurso, quanto pelo limite 15 SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
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físico dessa unidade. Por isso, em suas capas, as edições não puderam falar sobre todos os aspectos concernentes as mudanças climáticas. A relação direta da problemática com as ações antropogênicas, por exemplo, não foi abordada por nenhuma capa. Por sua vez, as escolhas realizadas, ancoradas no uso das estratégias discursivas, correspondem as duas principais visadas do contrato midiático: visada de informação e visada de captação. Identificamos que as ​
Estratégias Elucidativas foram utilizadas para apresentar a revista como detentora de um conhecimento específico. Seu uso está relacionado com o papel da publicação, que se baseia em pesquisas e entrevistas com cientistas a fim de explicar fatos aparentemente complexos para o leitor. Por seu turno, as ​
Estratégias Inclusivas foram empregadas para incluir e situar o leitor em alguma dimensão das mudanças climáticas, ou seja, buscaram envolver o público ao enfatizar que a questão abordada é do seu interesse, pois lhe afeta de diferentes maneiras. Verificamos a ​
Estratégia Alarmista ​
presente, em variadas formas, nas quatro capas analisadas. Sua utilização se deu, principalmente, a partir da junção de elementos verbais e icônicos. Em sintonia com os acontecimentos catastróficos dos últimos anos, a revista passou a apresentar as mudanças climáticas num tom cada vez mais apocalíptico. Além disso, observamos que o clima e foi apresentado como se fosse algo apartado do comportamento humano. Evidentemente, tal postura de Superinteressante também se relaciona com o lugar de fala em que a publicação se inscreve, ou seja, é consonante com sua identidade. Apesar dos recursos dramáticos serem constitutivos do discurso jornalístico, podemos questionar seu uso reiterado e exagerado, sobretudo no que se refere à cobertura de uma problemática complexa e urgente como as mudanças climáticas. Acreditamos que a capa, enquanto fachada da revista, não deve se limitar a imagens e enunciados que focalizam excessivamente os riscos que as alterações no clima trazem à sociedade. Por isso, no momento da construção desse espaço, outros aspectos referentes à questão não devem ser negligenciados, tais como: os efeitos das ações humanas 16 SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
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cotidianas no meio ambiente (mesmo que em longo prazo) e as formas de enfrentamento e adaptação perante as consequências do fenômeno. Referências BENETTI, Marcia. Revista e jornalismo: conceitos e particularidades. In: TAVARES, Frederico de Mello B; SCHWAAB, Reges (org.). ​
A revista e seu jornalismo​
. Porto Alegre: Penso, 2013, pp; 44­ 57. ______. ​
O jornalismo como gênero discursivo​
. Galáxia. Vol.8. Nº15. São Paulo: PUC­SP, 2008. BUENO, Wilson da Costa. ​
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Comunicação e Cidadania ­ Actas do 5º Congresso da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação​
. Braga: Universidade do Minho, 2007. CARDOSO, Felipe Mendes. ​
Mídia e mudanças climáticas no Brasil: entre demandas por crescimento e desenvolvimento sustentável. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Minas Gerais PPG em Comunicação. Minas Gerais, 2013. CARNEIRO, Carolina Maria Zoccoli. ​
“Caos no clima”? ​
sensacionalismo, comunicação da ciência e a narrativa de ​
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