3. karl polanyi e a efemeridade da economia de mercado - Ciem-UCR

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A CONTRADIÇÃO DA ECONOMIA VERDE
Daniele Eckert – Brazil
Mestranda em Administração na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
RESUMO: O objetivo deste ensaio teórico foi realizar uma reflexão essencialmente à luz das
ideias de Karl Polanyi acerca do conceito da economia verde. Ela é conceituada como um meio
para alcançar o desenvolvimento sustentável, possibilitando reduzir a pobreza, preservar os
recursos naturais e impulsionar o desenvolvimento econômico. Argumenta-se que não é possível
falar em economia verde numa sociedade de mercado. Há uma contradição fundamental no seu
conceito, pois está assentado sobre os princípios da troca e da barganha com vistas ao lucro. Essa
lógica resulta na subordinação das relações humanas e da natureza ao interesse econômico,
transformando-os em mercadorias. Tal ação não gera preservação, mas a destruição. Além disso,
pensar em novas oportunidades de mercado e estimular o consumo destes produtos e serviços
contradiz um dos preceitos básicos da sustentabilidade, que é a redução do consumo. Para buscar
um equilíbrio social e a preservação dos recursos naturais, a economia poderia ser organizada
predominantemente sob os princípios da reciprocidade e da redistribuição, em que a troca,
quando está presente, é voltada para a subsistência, ao contrário do que ocorre na forma
mercantil.
Palavras-chave: desenvolvimento sustentável; economia verde; mercantilização da natureza;
Karl Polanyi.
1. INTRODUÇÃO
A sociedade capitalista enfrenta um conflito que, se não solucionado, poderá levar a uma
crise sem precedentes. De um lado, a necessidade do desenvolvimento e do crescimento
econômico. Do outro, o aumento das desigualdades sociais, da pobreza e dos danos ambientais. A
economia verde surgiu como uma proposta para solucionar este conflito e também para explorar
as oportunidades econômicas existentes ao longo deste processo. Sua proposta é continuar
promovendo o desenvolvimento e crescimento econômico, no entanto, considerando a
preservação dos recursos naturais e as questões sociais. Sua principal força motriz está na
inovação tecnológica.
Conforme a OECD (2011), as estratégias de crescimento verde são necessárias por uma
série de motivações. Uma delas é que os impactos da atividade econômica sobre os sistemas
ambientais estão criando desequilíbrios que estão colocando em risco o crescimento econômico e
o desenvolvimento. Para enfrentar esses riscos, é preciso realizar maiores esforços no combate as
alterações climáticas e a perda de biodiversidade. Segundo, o capital natural, abrangendo os
estoques de recursos naturais, da terra e dos ecossistemas é muitas vezes subestimado e mal
administrado, impondo custos para a economia e para o bem estar humano. Por fim, a ausência de
estratégias coerentes para lidar com estas questões cria incerteza, inibe o investimento e a
inovação, podendo retardar o crescimento econômico.
O problema é distinguir em que medida o conceito da economia verde representa um
rompimento com o modelo de crescimento econômico tradicional, que é predatório e produz
desigualdades socioeconômicas. É preciso analisar o conceito e as suas práticas para buscar
identificar os limites e as possibilidades. Assim, refletir se a economia verde de fato consiste em
uma nova economia (LUNA, BRASIL E MÁXIMO, 2012).
2. ECONOMIA VERDE
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, 2011)
conceitua a economia verde como uma abordagem econômica que, na busca pelo crescimento
econômico, interliga a economia e o meio ambiente: suas preocupações centrais são o bem-estar e
a garantia de que os ativos naturais continuem fornecendo recursos e serviços ambientais para
propiciar um desenvolvimento sustentável. “O crescimento verde significa fomentar o
crescimento econômico e o desenvolvimento, assegurando que os recursos naturais continuem a
fornecer os recursos e serviços ambientais em que o nosso bem-estar depende” (OECD, 2011,
tradução desta autora).
A OECD (2013) entende que a economia verde é um meio essencial para alcançar o
desenvolvimento sustentável. Representa uma mudança fundamental em relação ao modelo
econômico tradicional, pois busca um crescimento que ajude a reduzir a pobreza, melhorar a
qualidade de vida e preservar os recursos naturais. Considera que a economia verde é uma forma
de minimizar os riscos ambientais enfrentados pelos países em desenvolvimento, como o Brasil,
tais como os resultantes da exploração insustentável dos recursos naturais, a falta de alimentos,
de água potável e de energia, a poluição do ar e da água, assim como a pobreza rural. Além disso,
a OECD compreende que essa abordagem pode trazer novas oportunidades de crescimento
econômico através de prestação de serviços de ecossistemas, inovação tecnológica e novos
mercados para os produtos e serviços verdes.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP, 2011) possui um conceito
da economia verde que segue essa mesma linha e compreende que o progresso econômico é
compatível com a sustentabilidade, concretizando-se através do crescimento verde. Conforme a
OECD não há uma única “receita” para a implementação de estratégias de crescimento verde,
mas há considerações comuns que precisam ser abordadas em todas as configurações. Três dessas
considerações merecem destaque. A primeira delas é a melhora na eficiência. Isso com
frequência ocorre em relação à utilização de energia, seja otimizando o consumo ou utilizando
novas tecnologias.
A segunda é a inovação. De acordo com a OECD (2011) a inovação é o núcleo para
transformar uma economia. Ela contribui para a criação de novos mercados, leva à criação de
novos postos de trabalho e é fundamental para melhorar a qualidade de vida. Na sua ausência,
torna-se muito difícil e caro tratar das principais questões ambientais. Para Dangelico e Pujari
(2010) a inovação verde nos produtos está sendo reconhecida como um dos fatores-chaves para
se alcançar o crescimento, a sustentabilidade ambiental e uma melhor qualidade de vida. A
compreensão da importância dessa interação entre a inovação e a sustentabilidade tornou-se uma
prioridade estratégica. A terceira consideração comum indicada pela OECD é a promoção de um
comércio livre, tanto para os produtos quanto para os serviços ambientais. As barreiras ao
comércio e ao investimento prejudicam o desenvolvimento e a difusão de tecnologias verdes
globalmente.
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Para a OECD (2011), o ponto forte dos instrumentos de mercado para incentivar e
gerenciar uma economia verde é que os fatores de produção, incluindo o capital natural, podem
ser devidamente valorizados. Embora as circunstâncias nacionais sejam diferentes, precificar a
poluição ou a sobre-exploração dos recursos naturais escassos, através dos impostos ou sistemas
de licenças negociáveis, deve ser um elemento central na utilização e combinação de políticas
para a economia verde. A utilização de impostos ambientais e de sistemas de comércio de
emissões aumentou nas últimas décadas em áreas com forte eliminação de resíduos e poluentes
específicos, como as emissões de gases para a atmosfera. Um exemplo disso são as emissões de
carbono, que a OECD considera importante precificar para ajudar a incentivar a inovação no
combate à mudança climática. Nesse sentido, recentemente foi criada no Brasil uma bolsa de
valores ambientais, a Bolsa Verde do Rio de Janeiro (BVRio), que tem por objetivo desenvolver
mecanismos de mercado para negociar serviços e ativos ambientais. Conforme a BVRio (2015),
será possível comercializar resíduos sólidos, emissões de carbono, florestas e também os
efluentes de baías e rios.
Entretanto, a OECD (2011) alerta para alguns problemas em relação à precificação do
capital natural. Por exemplo, percebe que os preços do carbono estão baixos, desestimulando o
investimento em inovação. Somado a isso, o domínio das tecnologias e dos sistemas existentes
dificulta a competição. Por este motivo, novamente entra em pauta a questão da redução das
barreiras ao comércio e ao investimento, bem como um efetivo uso dos direitos de propriedade
intelectual. Em relação aos subsídios e às regulamentações, a OECD (2011) entende que os
subsídios podem ser uma opção política eficaz quando os preços de instrumentos de mercado são
muito onerosos para aplicar, mas seu uso envolve complicações em torno de segmentação e de
fundos públicos limitados. E as políticas regulatórias apresentam uma oportunidade para
incentivar o crescimento verde e também para melhorar os acordos existentes, sendo necessárias
para complementar e apoiar os instrumentos de mercado.
Outro ponto que merece destaque em relação à economia verde é que a OECD (2011) e o
UNEP (2011) sustentam que ações ambientais podem gerar novas oportunidades de negócios,
como no uso sustentável da biodiversidade e dos serviços ambientais. Além disso, podem
oferecer vantagem sobre concorrentes menos avançados tecnologicamente. Para o UNEP (2011)
o papel das instituições financeiras multilaterais, como o Banco Mundial ou os bancos de
desenvolvimento nacional, é crucial no fomento de novos nichos de mercados e na evolução
política da economia ecológica. Ciribelli e Miquilitto (2013) percebem a economia verde como
um nicho de mercado e buscam identificar as principais características do consumidor verde e as
suas reais motivações de consumo. Afirmam que, apesar do aumento do numero de adeptos ao
consumo verde ser lento, ele é crescente o suficiente para que as empresas avaliem novas
possibilidades de negócio. O UNEP (2012) lista uma série de casos de empresas que obtiveram
vantagens comerciais após terem investido em “esverdear” os seus negócios ou que encontraram
um novo nicho de mercado na economia verde. Informa que estas empresas obtiveram milhões de
dólares em economia, assim como um alto retorno sobre o investimento, beneficiando os
consumidores, as comunidades e o meio ambiente.
Para a OECD (2011) os preços também têm provado ser uma ferramenta poderosa para
influenciar as decisões de consumo, apesar de alguns estudos comportamentais indicarem que os
consumidores muitas vezes se concentram em custos de curto prazo. Conforme Schäfer, JaegerErben e dos Santos (2011) na literatura sobre o tema há o entendimento de que as classes de
baixa e média renda dos países emergentes poderiam ser motivadas a "saltar" diretamente para
um padrão ambiental e socialmente consciente e, assim, evitar a adoção do estilo de consumo
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intensivo das populações dos países industrializados. Os autores identificam cinco perfis
diferentes de consumidores e oferecem estratégias de comunicação para estimular o consumo
desses produtos e serviços mais verdes. No entanto, concluem que "o salto" é uma opção muito
pouco provável. Para eles, o maior desafio no Brasil é projetar uma visão atraente de estilos de
vida sustentável, que seja capaz de confrontar o ideal do consumo intensivo, que tem sido
veiculado pelos meios de comunicação e pelos anúncios publicitários.
Por fim, outro fator que merece destaque em relação à economia verde é o ceticismo de
muitos indivíduos em relação à boa intenção das empresas. Bray, Johns e Kilburn (2010)
constataram que muitos consumidores tem um sentimento de que as alegações das empresas em
favor do consumo de seus produtos e serviços mais sustentáveis ou éticos são apenas mais um
truque de marketing para fomentar seus negócios, ao invés de incorporarem uma real preocupação
com as questões sociais e ambientais.
3. KARL POLANYI E A EFEMERIDADE DA ECONOMIA DE MERCADO
O estudo de Karl Polanyi possibilita uma análise crítica sobre o conceito e as práticas da
economia verde, auxiliando a compreender a lógica de funcionamento desse sistema, a
importância concedida pelo OECD e pela UNEP à existência de um mercado autorregulável, bem
como as insuficiências dessa visão no que concerne ao significado da economia e do
desenvolvimento para tratar da preservação ambiental e da redução das desigualdades sociais.
Polanyi (2012) identifica os princípios básicos capazes de nortear a atividade econômica
em qualquer tipo de sociedade: a reciprocidade, a redistribuição e a troca mercantil. É o princípio
da troca mercantil que predominantemente norteia a economia capitalista de mercado. Na
economia de mercado a produção e a distribuição dos bens na sociedade é controlada, regulada e
dirigida unicamente pelos mercados, em última instância, pela autorregulação dos preços.
Uma economia desse tipo se origina da expectativa de que os seres humanos se
comportem de maneira tal a atingir o máximo de ganhos monetários. Ela pressupõe
mercados nos quais o fornecimento dos bens disponíveis (incluindo serviços) a um preço
definido igualarão a demanda a esse mesmo preço. Pressupõe também a presença do
dinheiro, que funciona como poder de compra nas mãos de seus possuidores. A
produção será, então, controlada pelos preços, pois os lucros daqueles que dirigem a
produção dependerão dos preços, pois estes formam rendimentos, e é com a ajuda desses
rendimentos que os bens produzidos são distribuídos entre os membros da sociedade.
Partindo desses pressupostos, a ordem na produção e na distribuição de bens é
assegurada apenas pelos preços (Polanyi, 2012, p. 73-74).
O autor identifica que esse sistema tem como princípios de comportamento econômico a
permuta, a barganha e a troca visando o lucro. Para que esse comportamento seja capaz de
produzir preços, é requisito essencial que o padrão de mercado esteja presente, ao menos
parcialmente. A interação entre esses princípios de comportamento e o padrão de mercado é
capaz de criar uma instituição específica: o mercado, que tem como grande mecanismo de
funcionamento a ideia de escassez.
Polanyi explica que a autorregulação significa que toda a produção é para a venda no
mercado e também que todos os rendimentos derivam dessa atividade. Disso resulta que há
mercado para todos os bens (incluso os serviços), assim como para o trabalho, a terra e o
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dinheiro, cujos preços recebem a denominação de: preços de mercadorias, salário, aluguel e juro.
Uma consequência importante disso é que os preços formam rendas: a renda da venda de
mercadorias se chama de lucro, o salário é o preço para o uso da força de trabalho, o juro é preço
para o uso do dinheiro e o aluguel é o preço para o uso da terra, todos constituindo a renda
daquele que está na posição de fornecimento.
O estudo de Polanyi sobre as economias nas sociedades pré-capitalistas identificou o
mercado como sendo parte de uma economia mais ampla, que, por sua vez, integrava a totalidade
da sociedade. A economia era incrustada na sociedade e sempre subordinada às relações sociais,
à política e a religião. Todavia, a dinâmica da economia de mercado busca inverter essas
relações. A instituição mercado, ao demandar que todo o controle do sistema econômico ocorra
pelo mercado, implica em que a sociedade seja moldada de maneira a permitir que o sistema
funcione de acordo com as suas próprias leis. Por isso, compreende que a economia de mercado
autorregulável é um moinho satânico: funciona tal qual um moinho que tritura tudo e transforma
as relações sociais, servindo como um projeto político para atender a interesses individuais, de
grupos e classes sociais específicos, em detrimento dos interesses da sociedade. Daí resulta a
afirmação de que uma economia de mercado somente pode funcionar numa sociedade de
mercado.
Polanyi critica a ideia introduzida por Adam Smith de que a divisão do trabalho era
originada pela propensão do homem a barganhar, permutar e trocar uma coisa pela outra,
relacionando com a existência de mercado. Essa ideia foi o que resultou no conceito do Homem
Econômico. Polanyi considera essa leitura de Smith a respeito do passado um grande equívoco,
no entanto extramente profético do futuro. Essa propensão não existia em escala considerável,
ainda assim, quando existia era um aspecto subordinado da vida econômica. Uma constatação
muito importante nas pesquisas históricas e antropológicas é de que, em regra, a economia do
homem é submersa nas relações sociais, isto é, todas as suas ações são para salvaguardar sua
situação social. A valorização dos bens materiais só ocorre na medida em que eles servem a esses
propósitos.
Para o autor há uma compreensão equivocada da economia humana com as formas de
mercado, o qual chama de falácia econômica. A economia de mercado acaba por misturar os
significados de subsistência com escassez e não percebe ou ignora que há outros sentidos para a
economia. Ela deveria ser uma ciência que trata da subsistência do homem e não uma ciência do
mercado, tal como tem sido. Nesse ponto é importe a questão de que o mercado até lida com a
subsistência, mas que ela é muito mais antiga. Os mercados sempre existiram, mas somente no
século XIX é que eles se transformaram no princípio organizador da sociedade, através de uma
ruptura com aquela ordem social. Essa ruptura ocorreu em dois diferentes momentos, sendo o
primeiro deles na imposição de uma política mercantil e o outro no surgimento de um mercado
autorregulável: “O sistema econômico estava submerso em relações sociais gerais; os mercados
eram apenas um aspecto acessório de uma estrutura institucional controlada e regulada, mais do
que nunca, pela autoridade social.” (Polanyi, 2012, p. 88).
Polanyi (2012) também crítica o entendimento de que o mercado autorregulável nasceu
naturalmente do comercio das feiras medievais. Ele foi imposto pelo Estado no final da idade
media. Na análise do autor, esse acontecimento nada tem de natural, é uma criação artificial. Seu
palco foi a Revolução Industrial, quando a sociedade se transformou numa sociedade de mercado.
Isso somente foi possível porque novas instituições foram estabelecidas. E nesse processo
também foi primordial o impacto das máquinas. Quando as máquinas complicadas e os
estabelecimentos fabris começaram a ser utilizados para a produção é que teve início a ideia de
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um mercado autorregulável. Como o seu uso era complexo e dispendioso, somente seriam
rentáveis na medida em que produzissem em grande quantidade. Foi isso o que alterou a
motivação da subsistência para a de lucro. Além disso, compreende que a produção por máquinas
envolve uma transformação da substância natural e humana da sociedade em mercadoria.
Nesse sentido, Polanyi indica que o trabalho, a terra e o dinheiro são elementos essenciais
para a indústria. Apesar de não serem produzidos, são comprados e vendidos tal como se fossem
mercadorias. A terra corresponde à natureza e a sua transformação em mercadoria é a instituição
da propriedade privada na forma entendida atualmente, sendo passível de ser comprada e
vendida. O dinheiro está vinculado à norma da equivalência da troca e o seu valor é controlado
pelo Estado. O trabalho é a capacidade humana de produzir os meios de subsistência. Sua
transformação em mercadoria cria a forma moderna de exploração do trabalho, baseada numa
diferença entre o que o trabalho produz e a sua remuneração. A natureza utópica da economia de
mercado é ilustrada por essas mercadorias fictícias, que expressam a transformação das relações
sociais e a desvinculação da forma em relação à substância. A economia de mercado produz a
crença de que a terra, o trabalho e o dinheiro se comportarão tal como as mercadorias reais.
Em outras palavras, de acordo com a definição empírica de uma mercadoria, eles não
são mercadorias. Trabalho é apenas um outro nome para atividade humana que
acompanha a própria vida que, por sua vez, não é produzida para venda mas por razões
inteiramente diversas, e essa atividade não pode ser destacada do resto da vida, não pode
ser armazenada ou mobilizada. Terra é apenas outro nome para a natureza, que não é
produzida pelo homem. Finalmente, o dinheiro é apenas um símbolo do poder de compra
e, como regra, ele não é produzido mas adquire vida através do mecanismo dos bancos e
das finanças estatais. Nenhum deles é produzido para a venda. A descrição do trabalho,
da terra e do dinheiro como mercadorias é inteiramente fictícia (Polanyi, 2012, p. 78).
Isso resulta na subordinação da vida e da sociedade às leis do mercado, demonstrando a
primazia do sistema econômico e a sua interferência na organização social. Para o mercado
funcionar de acordo com as suas próprias leis é necessário que a sociedade seja subordinada, de
alguma forma, às suas exigências. No entanto, ao exigir que os seres humanos e a natureza sejam
tratados como mercadorias, o sistema capitalista de mercado traz severas consequências, como a
ampliação das desigualdades sociais, o aumento da pobreza, a destruição da natureza e da
substância natural e humana da sociedade.
De acordo com Polanyi, a economia de mercado é uma utopia. Ela não é possível, pois
suas leis de funcionamento inevitavelmente geram um comportamento de defesa da sociedade em
busca de proteção, o contramovimento ou duplo movimento. O primeiro movimento é ditado pelo
liberalismo econômico e pela dinâmica da economia de mercado, que busca a sua expansão e
necessita da transformação da terra, do trabalho e do dinheiro em mercadorias. O outro é ditado
por um comportamento de defesa da sociedade que enfrenta essas mudanças, tentando proteger a
organização social. É um contramovimento e interfere com as leis do mercado, impedindo que
seja plenamente autorregulável. Isso é essencial para a sobrevivência da sociedade e da natureza.
Por isso, entende que não é possível sustentar a visão liberal de um mercado autorregulável.
Para o autor, é preciso abandonar a utopia do mercado para que se possa perceber a
realidade da sociedade, para então alterar as motivações e não submetê-la, no que diz respeito à
terra, ao trabalho e ao dinheiro, ao “moinho satânico”. Nenhum sistema pode depender de
reguladores automáticos, de orçamentos equilibrados e da livre empresa. O principal passo é
romper com as crenças de que a vida social deve ser submetida aos mecanismos de mercado. A
última palavra é a sociedade e a sua coesão.
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4. DISCUSSÃO
Apesar da OECD (2011) enunciar que a preocupação central da economia verde diz
respeito à natureza e às relações sociais, o próprio conceito esclarece que se trata de uma forma
de pensá-los a partir de um ponto de vista econômico. É a busca pelo desenvolvimento que
orienta toda e qualquer ação, entendido nessa perspectiva como sinônimo de crescimento
econômico. Logo, aparece a primeira contradição: a questão central da economia verde não é o
ser humano nem a natureza, mas a manutenção da economia mercantil. Esse argumento se torna
mais evidente na justificativa dada pela OECD (2011) ao explicar que o objetivo chave de uma
transição para uma economia verde é porque os impactos da atividade econômica sobre os
sistemas ambientais estão criando desequilíbrios, que colocam o crescimento econômico e o
desenvolvimento em risco. Polanyi alertou para a existência desta contradição ao dizer que a
dinâmica da economia de mercado impõe uma necessidade de que a sociedade esteja moldada
para permitir que o sistema econômico funcione de acordo com as suas próprias leis. Então, na
economia verde, a preservação da natureza e uma melhor equidade social somente interessam na
medida em que sejam capazes de continuar permitindo à economia gerar lucro e crescimento
econômico.
Uma inferência disso é que a origem do problema pode estar na concepção econômica
ortodoxa, que é a base da economia verde: a crença de que o homem é movido por motivos
econômicos e que tem propensão à troca e à barganha. Mas Polanyi demonstrou que essa análise
é equivocada e que o sistema econômico sempre foi dirigido por motivações sociais. Unmüßig,
Sachs e Fatheuer (2012) questionam a ideia do homem econômico no centro das soluções
propostas pela economia verde, por entenderem que, apesar de existirem algumas
interdependências positivas entre meio ambiente e desenvolvimento, há contradições na ideia de
“desenvolvimento enquanto crescimento” e não necessariamente isso está em harmonia com o
meio ambiente.
A demonstração de que a economia verde impõe uma necessidade de que a sociedade se
ajuste as suas leis de funcionamento pode ser encontrada quando a OECD e o UNEP dizem,
claramente, que o sucesso da economia verde depende diretamente de que o mercado seja
autorregulável e da retirada das barreiras ao comércio. Isso é um requisto da proposta que traz a
promessa de preservar o meio ambiente e resolver as desigualdades sociais. Mas o estudo de
Polanyi demonstrou justamente que uma das consequências de um mercado autorregulável é a
mercantilização e a subordinação da sociedade e da natureza, resultando no aumento das
desigualdades e na destruição do meio ambiente em favor dos interesses de grupos específicos.
Muitos outros autores também criticam a ideia do livre comércio e da desregulamentação, como
Unmüßig, Sachs e Fatheuer (2012) e Schneider e Escher (2011), apontando essas mesmas
consequências que Polanyi advertiu. Umas das críticas feitas por Unmüßig, Sachs e Fatheuer
(2012) é que nessa abordagem não são tratadas as questões de poder e de distribuição de renda.
De acordo com a OECD (2011), o UNEP (2011) e diversos autores as ações ambientais na
economia verde podem gerar novas oportunidades de negócios. Por isso, busca-se incentivar o
consumo desses produtos e serviços. E duas questões se destacam: a prestação de serviços de
ecossistemas e o incentivo ao consumo.
Primeiro, que ao pensar em novas oportunidades de comercialização e estimular o
consumo acaba contradizendo um dos princípios básicos da sustentabilidade, que é a redução do
consumo. Não é aceitável nem a argumentação de que se trata de substituir a economia
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tradicional, pois parecem ignorar que mesmo os produtos mais sustentáveis geram impactos
sociais e na natureza, quer seja na sua produção, distribuição, consumo ou descarte.
Para Unmüßig, Sachs e Fatheuer (2012), mesmo quando há melhoria da tecnologia e
inovação, a economia verde segue baseada numa política de consumo incapaz de preservar o
meio ambiente, assim como deixa de considerar importantes efeitos negativos. A explicação para
essa inconsistência foi dada por Polanyi (2012) ao apontar que a inserção de máquinas
complicadas foi um dos fatores que alterou a necessidade de produção para grandes quantidades,
com vistas a cobrir os pesados investimentos realizados em tecnologia. Por isso o mercado
precisa ser autorregulável: para permitir o máximo de comercialização e obtenção de lucro. Mas a
OECD (2011) tem na inovação, na tecnologia e no livre comércio o núcleo para transformar a
economia, ao acreditar que na sua ausência é difícil e caro tratar das principais questões
ambientais. Considerando isso, é possível dizer também que a inserção de novas tecnologias nem
sempre é benéfica, podendo resultar na ampliação da necessidade de produção e consumo.
Para Polanyi (2012), a natureza utópica da economia de mercado é ilustrada pela
mercantilização da terra, do trabalho e do dinheiro. De forma contrária, a OECD (2011) considera
que o ponto forte dos instrumentos de mercado para tratar a economia verde é que os fatores de
produção, incluindo o capital natural, podem ser devidamente valorizados e recomenda precificar
a poluição ou a sobre-exploração dos recursos naturais escassos como um elemento central da
economia verde.
Entretanto, para Packer (2012), sob a ótica da economia verde, quanto mais poluição e
desmatamento for gerado, maior será o valor desses “ativos ambientais” no mercado, através da
cobrança dos custos ambientais gerados, valorizados com a escassez da mercadoria que eles
representam, ou seja, da biodiversidade. Isso faz com que a possibilidade da preservação do meio
ambiente acabe se resumindo a um custo de oportunidade, sendo um cálculo meramente
econômico, sem vinculo real com o meio ambiente. Para Unmüßig, Sachs e Fatheuer (2012) a
demanda global por matérias-primas energéticas (e não energéticas) está gerando aumentos
importantes nos preços, o que torna cada vez mais rentável o investimento exploratório aliado à
desregulamentação dos mercados. Isso faz com que a proteção à natureza vire uma farsa. Os
autores criticam o PNUD por buscar conferir um valor econômico às prestações de serviço dos
ecossistemas. Para eles, isso é uma nova etapa da privatização e de comercialização da natureza,
transformando-a em mercadoria. E não é justamente mercantilizar a natureza a proposta da Bolsa
Verde do Rio de Janeiro? Vale lembrar que ela desenvolve mecanismos de mercado para
negociar serviços e ativos ambientais e comercializar os efluentes de baías e rios, florestas,
emissões de carbono, dentre outros.
Especialmente a respeito desses mercados de carbono, Böhm, Misoczky e Moog (2012)
argumentam que a sua institucionalização é a expressão de uma mercantilização ecológica e que
provavelmente não transforme a economia global em algo mais sustentável. Segundo Ortiz e
Overbeek (2012) nessa lógica de compensar pela destruição, tanto a natureza quanto a população
local são prejudicadas, pois ao invés de reduzir a destruição e a poluição isso estimula a busca do
lucro. Como exemplo, fazem uma comparação entre os Estados do Acre (que tem sido referencia
no pagamento e na comercialização por serviços ambientais) e da Amazônia, explicando que, ao
passo que na Amazônia conseguiram reduzir a exploração da madeira à metade, no Acre só na
ultima década ela quadriplicou.
Para Wittneben et al. (2012), um dos muitos paradoxos que envolvem o debate sobre as
mudanças climáticas é como a urgência e a inação parecem residir confortavelmente no mesmo
espaço discursivo. Ele credita ao capitalismo a responsabilidade pela crise ambiental que o
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mundo enfrenta, sob o pressuposto de um crescimento sem limites. Para Banerjee (2008) é muito
claro que o discurso emergente sobre a sustentabilidade foi sequestrado e manipulado por
interesses corporativos, passando a ser uma “sustentabilidade empresarial”. Ele vê os discursos
contemporâneos de responsabilidade social corporativa como movimentos ideológicos, que se
destinam a legitimar e consolidar o poder das grandes corporações. O impacto disso é que ao
invés dos processos de produção e dos mercados serem remodelados para atender a lógica da
natureza, se usa a lógica dos mercados e da acumulação capitalista para determinar o futuro dela.
Sendo assim, não resta outra conclusão: há uma contradição fundamental no conceito da
economia verde. O motivo foi apontado por Polanyi e reside em estar assentada sobre os
princípios da troca e da barganha com vistas ao lucro. Como é possível trabalhar numa lógica de
crescimento infinito numa sociedade de recursos finitos? A economia verde não questiona a
produção desenfreada acima do que o ambiente natural pode suportar e tampouco as relações de
poder que se correlacionam com as desigualdades sociais. O lucro e o crescimento continuam
prioritários. Assim, a economia verde não parece consistir numa nova abordagem econômica, tal
como se propõe, mas sim numa adaptação da economia tradicional para solucionar algumas
falhas existentes no mercado. Volta à tona o que Polanyi alertou em 1944: na medida em que
toda a produção e a distribuição da sociedade passam a ser regulados pelo princípio do mercado,
a sociedade fica a mercê da “trituração” pelo moinho satânico.
5. HÁ ALTERNATIVAS?
Eu entendo que com a economia capitalista de mercado, ainda que de forma subordinada,
coexistem formas alternativas para realizar a atividade econômica, que de fato são capazes de
preservar a substância natural e humana na sociedade. Novamente, Polanyi fornece um aporte
teórico que auxilia a superar o economicismo e a perceber essas alternativas: através dos seus
conceitos a respeito da economia substantiva, do contramovimento e, principalmente, da
coexistência dos princípios econômicos.
Polanyi compreende que com a troca mercantil coexistem outros princípios básicos
capazes de nortear a atividade econômica, inseridos numa lógica diferente, mais voltada para uma
economia substantiva e com o sistema econômico plenamente dirigido por motivações sociais.
Esses princípios são a reciprocidade e a redistribuição. Eles caracterizam uma economia não
mercantil e neles a esfera econômica não fica desvinculada da esfera social.
Conforme Polanyi (2012), na reciprocidade o que regula a produção e a distribuição são
as normas de comportamento social, impostas por sistemas que não são econômicos, como
parentesco, amizade, associação ou cooperação. Cada um produz o que consegue e recebe o que
precisa. Ela é muito facilitada pelo padrão institucional da simetria, uma “dualidade” essencial e
que permite uma entrega e recebimento de bens e serviços perfeitamente organizados. Nessa
forma de organização, três, quatro ou até mais grupos podem ser simétricos em relação a dois ou
mais eixos. Assim como, os membros de um grupo não precisam usar a reciprocidade uns com os
outros, podendo ser com um terceiro grupo que mantenham relações análogas.
A redistribuição é o deslocamento de bens a um ponto central para seu posterior retorno
aos consumidores, por regras vinculadas a um ordenamento político. Ela possui um caráter
territorial e é importante em relação a todos que possuem uma chefia em comum. É ligada ao
padrão institucional da centralidade, que está presente em todos os grupos humanos. “A simetria
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e a centralidade vão de encontro, na metade do caminho, às necessidades da reciprocidade e da
redistribuição; os padrões institucionais e os princípios de comportamento se ajustam
mutuamente” (Polanyi, 2012, p. 69).
Além da reciprocidade e da redistribuição, há um terceiro princípio apresentado pelo
autor, que atua subordinado e integrado aos demais: a domesticidade. Ela consiste na produção
para uso próprio. Essa produção observa a necessidade de subsistência, pensando sempre na
necessidade. Ele explica que nunca existiu o selvagem individualista, ou seja, aquele que procura
alimentos ou caça para si mesmo ou para sua família. A prática de prover as necessidades
domésticas próprias somente virou um aspecto da vida econômica em um nível mais avançado da
agricultura e, ainda assim, nada tinha em comum com a motivação do ganho nem com a
instituição de mercados. O princípio era sempre o de produzir e armazenar para a satisfação das
necessidades dos membros do grupo.
Essa importante constatação de Polanyi resultou do seu estudo das sociedades précapitalistas, no qual percebeu que a economia nem sempre foi dirigida por sistema de mercados
formadores de preço, como acredita a economia neoclássica. De acordo com Polanyi (2012),
nessas sociedades o princípio da permuta até existia, mas ele era subordinado aos princípios da
reciprocidade e da redistribuição como forma de manter a ordem na produção e na distribuição,
ou seja, como modos de organização social da economia, que eram formas econômicas de
satisfazer as necessidades (subsistência). A troca até organiza uma parte pequena, mas de forma
subordinada. Ela adiciona à subsistência alguns elementos que a produção domestica não
consegue criar, significando que a subsistência não depende da troca. Mas não faz parte do dia a
dia, pois não há equivalência e nem tem preço. Nisso é que difere da ideia de troca prevalecente,
de que ela é regulada pelo sistema de preços de mercado, que pode alterar toda hora e não tem
interferência.
O conceito do contramovimento de Polanyi ocorre através do comportamento de defesa
da sociedade em resposta às consequências da economia capitalista de mercado, em busca de
proteção, permitindo um espaço ou possibilidade de intervenção da sociedade. Essa intervenção
pode consistir em ações baseadas nos princípios da reciprocidade e da redistribuição. Nesses, ao
contrário do que ocorre na troca mercantil, a troca, quando presente, é voltada para a subsistência,
que de fato pode constituir uma abordagem econômica de preservação dos recursos naturais e
capaz de lidar com as desigualdades sociais.
Para Cunha (2012) é preciso inclusive ir além da noção de preservação e realizar uma
mudança na utilização dos recursos, passar do antropocentrismo para uma espécie de
ecocentrismo, em que a importância da existência do homem é dividida com a do meio que o
cerca. Unmüßig, Sachs e Fatheuer (2012) afirmam que é preciso reinventar a modernidade e
redefinir o equilíbrio entre a economia e a sociedade, repensando a relação com os bens comuns,
como o acesso à natureza e as formas de consumo. Baseando-se em Polanyi, esses autores
acreditam que os princípios da reciprocidade e da redistribuição são importantes para a
construção de uma nova sociedade. Segundo Schneider e Escher (2011) no meio rural no Brasil
há uma relativa quantidade de formas de ordenamento social e econômico que estão assentados
sobre esses princípios. Essas formas de organização da economia podem ser uma base para que
se constitua uma nova forma de desenvolvimento. Retoma-se a obra de Polanyi para dizer que,
apesar de não ser possível retroceder, é necessário aprender com o passado e reconstruir os
mecanismos de troca e de distribuição que sejam capazes de verdadeiramente preservar e
respeitar a substância natural e humana da sociedade.
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